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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Sumaya Cristina Dounis

Compartilhar histórias e valorizar memórias:


caminhos para a construção coletiva de uma EA
pertinente

Plano de Dissertação

Brasília
Setembro de 2009
INTRODUÇÃO
Vivemos imersos em histórias, seja nas histórias que se desenrolam em nossa casa e ao
nosso redor, seja naquelas que nos são contadas e vão constituindo experiências significativas que
dão forma a nossa própria história, assim como ocorreu um dia com os que vieram antes de nós. Em
um contexto familiar, que por sua vez insere-se num contexto social, vão se formando os conceitos
e as idéias que irão delinear nossa relação com o ambiente e com o outro.
Deste modo “podemos entender nossa experiência contemporânea do ambiente como parte
de uma história social de longa duração que a antecede, constitui o seu horizonte histórico mais
abrangente e, de diferentes maneiras, influencia os modos de compreensão vigentes” (Carvalho,
2004, p.92).
O conhecimento da história social constituinte de nossa experiência terá valor educativo na
medida em que subsidiar a conscientização de sua influência sobre nosso modo de compreensão do
mundo e possibilitar uma leitura crítica acerca de nossos modos básicos de organizar e viver a vida
em sociedade no momento histórico presente, onde reside a possibilidade e a potência de ação
transformadora.
A crise ambiental é uma realidade, abordada repetidamente em diversos âmbitos:
instituições educacionais, órgãos governamentais e nos meios de comunicação. Entretanto, na
maioria desses espaços o tema é tratado superficialmente, seguindo a lógica do modelo de educação
que insiste no depósito de informações e no apontamento de soluções prontas, sem o incentivo a
reflexões profundas.
Deste modo, tem-se favorecido não apenas a manutenção, como também a reprodução de
uma linha tendente a acreditar que com alguns ajustes nos processos de funcionamento da
sociedade seria possível adequar o desenvolvimento à necessidade de preservação ambiental
enquanto, por outro lado, são crescentes as evidências de que o estado do ambiente no planeta
sinaliza que a crise ambiental é parte de uma crise maior e mais profunda (QUINTAS, 2009).
Conforme o mesmo autor,
o problema está na ordem social vigente, que para garantir um determinado estilo de vida
para uns poucos, tem necessariamente que destruir aceleradamente a base material de
sustentação da população e condenar a maioria a pobreza, quando não à indigência. Em
outras palavras, é a sociedade que está em crise (QUINTAS, 2009, p. 37).

Considerando que cabe à educação o esforço de promover a compreensão dos modos pelos
quais tal ordem social tem se perpetuado e contribuir para sua transformação, neste trabalho nos
propomos como objetivo geral: desenvolver, aplicar e avaliar uma proposta de Educação
Ambiental no Varjão do Torto, que trabalhe com história oral e contos da tradição oral, em um
processo de construção coletiva do saber, visando contribuir para o desenvolvimento de uma
consciência crítica que se desdobre em ações transformadoras da realidade.
Para isso, estabelecemos os seguintes objetivos específicos: a) promover a percepção dos
aspectos estruturais e simbólicos que constituem os modos de organizar e viver a vida na
comunidade do Varjão; b) criar um espaço que possibilite a construção coletiva do saber e a
reflexão crítica sobre a problemática socioambiental global e local; c) contribuir para a valorização
da memória e o resgate da identidade dos moradores do Varjão; d) estimular os aspectos imaginário
e afetivo como vias complementares ao racional na construção do saber e na transformação da
realidade; e) contribuir para a formação de sujeitos ecologicamente orientados na comunidade do
Varjão; f) colaborar para a criação de novas referências para a Educação Ambiental crítica.
São duas as perspectivas adotadas: a de que o ser humano aprende e se desenvolve ao longo
da vida inteira e que suas aprendizagens se potencializam quando são socialmente compartilhadas
na procura de solucionar um problema comum (LOPEZ, 2008); e a de que “as imagens do conto
acordam, revelam, alimentam e instigam o universo de imagens internas que dão forma e sentido às
experiências de uma pessoa no mundo ao longo de sua história.” (MACHADO1, 2004, p. 24).
O Varjão é o espaço onde esta proposta será desenvolvida e aplicada, não apenas porque
suas características evidenciam a necessidade de ações socioambientais educativas e
transformadoras, mas também devido à relação anteriormente estabelecida com essa comunidade
em trabalhos no campo socioambiental, favorecendo a abertura para este estudo.

JUSTIFICATIVA
O Varjão é uma comunidade periférica e de grande vulnerabilidade socialambiental do
Distrito Federal, habitada por cerca de 10 mil pessoas, das quais 71% provêm da região Nordeste.
Está localizado na Área de Preservação Ambiental - APA do Paranoá, às margens do Ribeirão do
Torto, que cumpre a função de corredor ecológico entre o Parque Nacional de Brasília e o Lago
Paranoá, e ao longo do qual se verifica um quadro de degradação determinado, entre outros fatores,
pelos condicionantes sociais e econômicos do Varjão e suas adjacências. Tais aspectos, conforme já
dito, evidenciam a necessidade de ações socioambientais educativas e transformadoras.
Como nos ensina Freire (1976 apud QUINTAS, 2009, p.60) “somente os seres humanos que
podem refletir sobre sua própria limitação são capazes de libertar-se desde, porém, que sua reflexão
não se perca numa vaguidade descomprometida, mas se dê no exercício da ação transformadora da
realidade condicionante”.
A ação transformadora da realidade externa não se sustenta sem a transformação interna do
sujeito. É preciso que a ação seja concebida pelo sujeito que, capaz de olhar e refletir sobre o lugar
que ocupa e a realidade que o cerca, encontra suas soluções. Para tanto, fazem-se necessários
1
Professora na Universidade de São Paulo, desenvolve pesquisa sobre a aprendizagem da arte narrativa
dentro e fora dessa Universidade desde 1984.
espaços propícios à construção coletiva do saber, numa perspectiva não fragmentada, que considere
a complexidade da sociedade e do indivíduo.

METODOLOGIA
Para orientar este estudo optou-se pela metodologia da pesquisa-ação existencial porque nos
identificamos com o duplo objetivo desta abordagem, qual seja, “transformar a realidade e produzir
conhecimentos relativos a essas transformações” (BARBIE, 2007, p.17).
Adotamos como ponto de partida a linha de pensamento defendida por Paulo Freire (1996,
p.25) de que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção
ou a sua construção” e, acrescentamos, a postura de que nossa proposta não trata-se de ensinar, mas
de participar de um aprender coletivo, partindo do envolvimento ativo do grupo como “pesquisador
coletivo” (BATAILLE apud BARBIE, 2007, p. 71). Neste sentido, esta proposta assenta-se sobre as
idéias da ecologia dos saberes que, conforme postula Boaventura de Sousa Santos (2006), devem
ser produzidas ecologicamente com a participação de diferentes saberes e seus sujeitos.
Neste trabalho serão utilizadas técnicas de mediação de processos grupais. E, embora se
pretenda que as reflexões e aprendizados levem a ações de transformação da realidade, não haverá
uma atitude de “condução” do grupo em tal sentido, haverá um caminhar conjunto e uma
observação desse caminhar. Esta proposta se abre à incerteza e elege a pesquisa-ação existencial,
buscando o espírito de criação contido nesta metodologia.
A abordagem de trabalho com histórias de vida e contos da tradição oral pressupõe a escuta
sensível e multirreferencial, essência da pesquisa-ação, que reconheça a pessoa em seu ser antes de
situá-la em seu lugar (BARBIE, 2007). Pressupõe ainda uma abordagem transdisciplinar, buscando
a compreensão pela abertura a variados níveis de realidade, entre o simbólico e o conceitual.

REFERENCIAL TEÓRICO E ANALÍTICO


A leitura que se faz sobre caráter da crise ambiental determina o caminho a ser trilhado no
plano prático de sua superação e, neste sentido, uma Educação Ambiental que se propõe contribuir
para a construção coletiva de uma nova ordem social, deve constituir-se como prática pedagógica
crítica, transformadora e emancipatória (QUINTAS, 2009).
Para Carvalho “o projeto político-pedagógico de uma Educação Ambiental crítica poderia
ser descrito como a formação de um sujeito capaz de “ler” seu ambiente e interpretar suas relações,
os conflitos e os problemas aí presentes. Diagnóstico crítico das questões ambientais e
autocompreensão do lugar ocupado pelo sujeito nessas relações são o ponto de partida para o
exercício de uma cidadania ambiental.” (CARVALHO, 2004, p.75).
A história de vida do sujeito, conforme Lopez (2008), contém a história de um tempo, dos
grupos a que pertence e das pessoas com que se relaciona. Na memória de uma pessoa sempre está
incluso tanto o ponto de vista individual quanto uma perspectiva social, ambiental e política
(RUCHEINSKI, 2005, p. 142). Portanto, as histórias de vida constituem subsídios valiosos para a
leitura da realidade. Assim sendo, o ato de compartilhar histórias de vida pode, além de favorecer o
auto-reconhecimento, promover uma reflexão que conduza ao exercício da cidadania ambiental.
Contudo, além do contexto histórico, outros aspectos do indivíduo precisam ser
considerados na construção de um espaço de reflexão. O que se visualiza é a necessidade de uma
abordagem pedagógica que se contraponha ao que Morin (2004) nomeia como “inteligência
parcelada”, buscando tornar evidentes o contexto, o global, o multidimensional e o complexo, para
que o conhecimento seja pertinente.
Nesta perspectiva, segundo o mesmo autor (2004),
para que dados e informações adquiram sentido, é preciso situá-los em seu contexto e
considerar a multidimensionalidade das unidades complexas, observando que o ser humano é
ao mesmo tempo biológico, psíquico, social, afetivo e racional. Também é preciso enfrentar
a complexidade, tratando como inseparáveis os diferentes elementos constitutivos do todo, e
observar quanto ao aspecto global, que existe a presença do todo no interior das partes e,
sendo assim, a sociedade como um todo está presente em cada indivíduo, na sua linguagem,
em seu saber, em suas obrigações e em suas normas.

É nessa perspectiva que a presente pesquisa pretende trabalhar, incluindo na proposta o


trabalho com contos da tradição oral buscando abarcar outros aspectos da multidimensionalidade e
a complexidade do ser humano. Quanto aos contos tradicionais, Machado (2004, p.24) nos diz que,
ao relatar como foi a experiência de ouvir um determinado conto, cada pessoa mostra que
ouviu “um” conto, o seu. [...] O que importa é que o conto estabelece uma conversa entre
uma forma objetiva – a narrativa – e as ressonâncias subjetivas que desencadeia, produzindo
um determinado efeito particular sobre cada ouvinte. [...]

De acordo com a mesma autora (MACHADO, 2004), o mito, a lenda, a saga e o conto
trazem na sua própria natureza a possibilidade atemporal de falar da experiência humana como uma
aventura que todos os seres humanos compartilham e todas essas formas narrativas falam do
trabalho criador da imaginação [...].
Morin (2003, p.61) afirma que “em todo indivíduo, em toda sociedade há simultaneamente
pensamento racional – empírico – técnico e pensamento simbólico – analógico – mágico. Quanto a
isso, conforme aponta Machado (2004),
Duborgel estudou os mecanismos que bloqueiam as expressões do imaginário, mostrando
que ocorre uma agressão contra a riqueza da unidade humana ao privilegiar-se o pensamento
direto do conceito e recalcar, subordinar e colonizar a imaginação simbólica. Duborgel
advoga, citando Bachelard, a urgência de um novo espírito pedagógico, no qual os
dinamismos do sujeito que sonha e o sujeito que pensa cientificamente possam atuar cada
um enquanto via diferente e irredutível de acesso ao conhecimento.

Na proposta de Educação Ambiental a ser desenvolvida e aplicada pretende-se acolher o


sujeito que pensa, tomando sua história de vida como campo de reflexão para a busca de
informações e conceitos que o grupo julga importantes para a construção de seu saber; e também
acolherá o aspecto imaginário e simbólico do sujeito que sonha pela via dos contos da tradição oral.
CRONOGRAMA
1º sem/2010: a) pesquisa bibliográfica e levantamento de trabalhos relevantes sobre educação
ambiental, história oral, contos da tradição oral e demais áreas do conhecimento que compõem a
pesquisa; b) revisão do plano de dissertação a partir do conhecimento adquirido.
2º sem/2010: a) estudo aprofundado dos conceitos chaves que integram a pesquisa a ser
desenvolvida; b) formulação do projeto de qualificação;
1º sem/2011: a) concepção do projeto pedagógico a ser aplicado; b) constituição do grupo de
trabalho; c) aplicação da proposta pedagógica, orientada por análise e reflexão continuadas; d)
acompanhamento e concepção de ajustes no processo; e) reflexão e avaliação acerca do trabalho
desenvolvido, dos resultados obtidos e das ressonâncias internas geradas no grupo.
2º sem/2011: a) redação da dissertação; b) revisão final e entrega do trabalho; c) defesa da
dissertação.

CUSTOS
1º e 2º sem/2010: R$ 800,00 para aquisição de livros e deslocamento.
1º e 2º sem/2011: R$ 2.000,00 em materiais, lanche e transporte para os encontros

BIBLIOGRAFIA
BARBIE, R. A pesquisa-ação. Brasil: Liber Livro Editora, 2007.
CARVALHO, I.C.M. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico. São Paulo: Cortez,
2004.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 18. ed. São Paulo:
Paz e Terra, 1996.
LOPEZ, I. Memória social: uma metodologia que conta histórias de vida e o desenvolvimento
local. São Paulo: Museu da Pessoa: Senac São Paulo, 2008.
MACHADO, R. Acordais: fundamentos teórico-poéticos da arte de contar histórias. São Paulo:
DCL, 2004.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 9.ed. São Paulo: UNESCO, 2004.
__________. O método 5: a humanidade da humanidade. Porto Alegre: 2003.
QUINTAS, J.S. Educação no processo de gestão ambiental pública: a construção do ato
pedagógico. In: LOUREIRO, C.F.B.; LAYRARGUES, P.P; CASTRO, R.S. (Org.). Repensar a
educação ambiental: um olhar crítico. São Paulo: Cortez, 2009.
RUCHEINSKI, A. A pesquisa em história oral e a produção de conhecimento em Educação
Ambiental. In:SATO, M.; CARVALHO, I.C.M. Educação ambiental: pesquisa e desafios. Porto
Alegre:Artmed, 2005.
SANTOS, B. S. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006.

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