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CONSOADA Quando eu tinha seis anos

Ganhei um porquinho-da-índia.
Quando a Indesejada das gentes chegar Que dor de coração eu tinha
(Não sei se dura ou caroável), Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Talvez eu tenha medo. Levava ele pra sala
Talvez sorria, ou diga: Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,
- Alô, iniludível! Ele não se importava:
O meu dia foi bom, pode a noite descer. Queria era estar debaixo do fogão.
(A noite com seus sortilégios.) Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, - O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira
A mesa posta, namorada.
Com cada coisa em seu lugar.
Manuel Bandeira
Manuel Bandeira

A ESTRELA ESTRELA DA MANHÃ


Eu quero a estrela da manhã
Vi uma estrela tão alta, Onde está a estrela da manhã?
Vi uma estrela tão fria! Meus amigos meus inimigos
Vi uma estrela luzindo Procurem a estrela da manhã
Na minha vida vazia.
Ela desapareceu ia nua
Era uma estrela tão alta! Desapareceu com quem?
Era uma estrela tão fria! Procurem por toda a parte
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia. Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Por que da sua distância Que me importa? Eu quero a estrela da manhã
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela? Três dias e três noites
Por que tão alta luzia? Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário
E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia Virgem mal-sexuada
Para dar uma esperança Atribuladora dos aflitos
Mais triste ao fim do meu dia. Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos
Manuel Bandeira
Pecai com os malandros
O RIO Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Ser como o rio que deflui Pecai de todas as maneiras
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite. Com os gregos e com os troianos
Se há estrelas no céu, refleti-las Com o padre e com o sacristão
E se os céus se pejam de nuvens, Com o leproso de Pouso Alto
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa Depois comigo
Nas profundidades tranqüilas.
Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
Manuel Bandeira comerei terra e direi coisas de uma ternura tão
simples
Que tu desfalecerás
Procurem por toda parte
PORQUINHO-DA-ÍNDIA Pura ou degradada até a última baixeza
eu quero a estrela da manhã
TRAGÉDIA BRASILEIRA
ORAÇÃO PARA AVIADORES
Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de
Santa Clara, clareai idade,
Estes ares.
Dai-nos ventos regulares, Conheceu Maria Elvira na Lapa, - prostituída, com
de feição. sífilis, dermite nos dedos,
Estes mares, estes ares uma aliança empenhada e o dentes em petição de
Clareai. miséria.

Santa Clara, dai-nos sol. Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num
Se baixar a cerração, sobrado no Estácio, pagou
Alumiai médico, dentista, manicura... Dava tudo quanto ela
Meus olhos na cerração. queria.
Estes montes e horizontes
Clareai. Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita,
arranjou logo um namorado.
Santa Clara, no mau tempo
Sustentai Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra,
Nossas asas. um tiro, uma facada. Não fez
A salvo de árvores, casas, nada disso: mudou de casa.
E penedos, nossas asas
Governai. Viveram três anos assim.

Santa Clara, clareai. Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado,
Afastai Misael mudava de casa.
Todo risco.
Por amor de S. Francisco, Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua
Vosso mestre, nosso pai, General Pedra, Olaria, Ramos,
Santa Clara, todo risco Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí,
Dissipai. Niterói, Encantado, Rua
Clapp,
Santa Clara, clareai. outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi,
Lavradio, Boca do Mato,
Inválidos...

VELHA CHÁCARA Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado


de sentidos e de
A casa era por aqui... inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi
Onde? Procuro-a e não acho. encontrá-la caída em
Ouço uma voz que esqueci: decúbito dorsal, vestida de organdi azul.
É a voz deste mesmo riacho.
PAISAGEM NOTURNA
Ah quanto tempo passou!
(Foram mais de cinqüenta anos.) A sombra imensa, a noite infinita enche o vale...
Tantos que a morte levou! E lá no fundo vem a voz
(E a vida... nos desenganos...) Humilde e lamentosa
Dos pássaros da treva. Em nós,
A usura fez tábua rasa - Em noss'alma criminosa,
Da velha chácara triste: O pavor se insinua...
Não existe mais a casa...
Um carneiro bale.
- Mas o menino ainda existe. Ouvem-se pios funerais.
Um como grande e doloroso arquejo
Corta a amplidão que a amplidão continua... Não tenho nada que quero
E cadentes, metálicos, pontuais,
Os tanoeiros do brejo, Não quero óculos nem tosse
- Os vigias da noite silenciosa,
Malham nos aguaçais. Nem obrigação de voto

Pouco a pouco, porém, a muralha de treva Quero quero


Vai perdendo a espessura, e em breve se adelgaça
Como um diáfano crepe, atrás do qual se eleve Quero a solidão dos píncaros
A sombria massa
Das serranias. A água da fonte escondida.

O plenilúnio vai romper...Já da penumbra A rosa que floresceu


Lentamente reslumbra
A paisagem de grandes árvores dormentes. Sobre a escarpa inacessível
E cambiantes sutis, tonalidades fugidias,
Tintas deliquescentes A luz da primeira estrela
Mancham para o levante as nuvens langorosas.
Piscando no lusco-fusco
Enfim, cheia, serena, pura,
Como uma hóstia de luz erguida no horizonte, Quero quero
fazendo levantar a fronte
Dos poetas e das almas amorosas, Quero dar a volta ao mundo
Dissipando o temor nas consciências medrosas
E frustrando a emboscada a espiar na noite escura, Só num navio de vela
- A Lua
Assoma à crista da montanha. Quero rever Pernambuco

Em sua luz se banha Quero ver Bagdad e Cusco


A solidão cheia de vozes que segredam...
Em voluptuoso espreguiçar de forma nua Quero quero
As névoas enveredam
No vale. São como alvas, longas charpas Quero o moreno de Estela
Suspensas no ar ao longo das escarpas.
Lembram os rebanhos de carneiros Quero a brancura de Elisa
Quando,
fugindo ao sol a pino,
Buscam oitões, adros hospitaleiros Quero a saliva de Bela
E lá quedam tranqüilos ruminando...
Assim a névoa azul paira sonhando... Quero as sardas de Adalgisa
As estrelas sorriem de escutar
As baladas atrozes Quero quero tanta coisa
Dos sapos.
E o luar úmido...fino... Belo belo
Amávico...tutelar...
Anima e transfigura a solidão cheia de vozes... Mas basta de lero-lero

Vida noves fora zero


BELO BELO
Petrópolis, fevereiro de 1947

Belo belo minha bela

Tenho tudo que não quero


MASCARADA ESTRADA

Você me conhece? Esta estrada onde moro, entre duas voltas do


(Frase dos mascarados de antigamente) caminho,
Interessa mais que uma avenida urbana.
Nas cidades todas as pessoas se parecem.
- Você me conhece? Todo o mundo é igual. todo o mundo é toda a gente.
- Não conheço não. Aqui, não: sente-se bem que cada um traz a sua alma.
- Ah, como fui bela! Cada criatura é única.
Tive grandes olhos, Até os cães.
que a paixão dos homens Estes cães da roça parecem homens de negócios:
(estranha paixão!) Andam sempre preocupados.
Fazia maiores... E quanta gente vem e vai!
Fazia infinitos. E tudo tem aquele caráter impressivo que faz
Diz: não me conheces? meditar:
- Não conheço não. Enterro a pé ou a carrocinha de leite puxada por um
bodezinho
manhoso.
- Se eu falava, um mundo Nem falta o murmúrio da água, para sugerir, pela voz
Irreal se abria dos símbolos,
à tua visão! Que a vida passa! que a vida passa!
Tu não me escutavas: E que a mocidade vai acabar.
Perdido ficavas
Na noite sem fundo O IMPOSSÍVEL CARINHO
Do que eu te dizia...
Era a minha fala Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Canto e persuasão... Quero apenas contar-te a minha ternura
Pois não me conheces? Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
- Não conheço não. Eu te pudesse repor
- Choraste em meus braços - Eu soubesse repor -
- Não me lembro não. No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!

- Por mim quantas vezes O EXEMPLO DAS ROSAS


O sono perdeste
E ciúmes atrozes Uma mulher queixava-se do silêncio do amante:
Te despedaçaram! - Já não gostas de mim, pois não encontras palavras
para me louvar!
Então ele, apontando-lhe a rosa que lhe morria no
Por mim quantas vezes seio:
Quase tu mataste, - Não será insensato pedir a esta rosa que fale?
Quase te mataste, Não vês que ela se dá toda no seu perfume?
Quase te mataram!
Agora me fitas SATÉLITE
E não me conheces?
Fim de tarde.
No céu plúmbeo
- Não conheço não. A Lua baça
Conheço que a vida Paira
É sonho, ilusão. Muito cosmograficamente
Conheço que a vida, Satélite.
A vida é traição.
Desmetaforizada,
Desmitificada,
Despojada do velho segredo de melancolia, PALINÁDIA
Não é agora o golfão de cismas,
O astro dos loucos e dos enamorados.
Mas tão-somente Quem te chamara prima
Satélite. Arruinaria em mim o conceito
De teogonias velhíssimas
Ah Lua deste fim de tarde, todavia viscerais
Demissionária de atribuições românticas,
Sem show para as disponibilidades sentimentais!
Naquele inverno
Fatigado de mais-valia, Tomaste banhos de mar
Gosto de ti assim: Visitaste as igrejas
Coisa em si, (Como se temesses morrer sem conhecê-las todas)
- Satélite. Tiraste retratos enormes
Telefonavas telefonavas...
RIA, ROSA, RIA
A Guimarães Rosa
Hoje em verdade te digo
Acaba a Alegria Que não és prima só
Dizendo-nos: - Ria! Senão prima de prima
Velha companheira, Prima-dona de prima
Boa conselheira! - Primeva

Por isso me rio A MATA


De mim para mim.
Rio, rio, rio! A mata agita-se, revoluteia, contorce-se toda e
E digo-lhes: - Ria, sacode-se!
Rosa, noite e dia! A mata hoje tem alguma coisa para dizer.
No calor, no frio, E ulula, e contorce-se toda, como a atriz de uma
Ria, ria! Ria, pantomima
Como lhe aconselha trágica.
Essa doce velha Cada galho rebelado
Cheirando a alecrim, Inculca a mesma perdida ânsia.
A alegre Alegria! Todos eles sabem o mesmo segredo pânico.
Ou então - é que pedem desesperadamente a mesma
instante coisa.

Que saberá a mata? Que pedirá a mata?


CABEDELO Pedirá água?
Mas a água despenhou-se há pouco, fustigando-a,
Viagem . roda do mundo escorraçando-a,
Numa casquinha de noz: saciando-a como aos alarves.
Estive em Cabedelo.
O macaco me ofereceu cocos.
Ó maninha, ó, maninha, Pedirá o fogo para a purificação das necroses
Tu não estavas comigo!... milenárias?
Ou não pede nada, e quer falar e não pode?
Ter surpreendido o segredo da terra pelos ouvidos
- Estavas?... finíssimos
das suas raízes?

A mata agita-se, revuloteia, controce-se toda e


sacode-se!
A mata está hoje como uma multidão em delírio Por Colombina ou Pierrete
coletivo.

II
Só uma touça de bambus, à parte,
Balouça... levemente... levemente... levemente...
E parece sorrir do delírio geral. Pierrot entra em salto súbito.
Upa! Que força o levanta?
NAMORADOS E enquanto a turba se espanta,
Ei-lo se roja em decúbito.
O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:

- Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, A tez, antes melancólica,
com a sua cara. Brilha. A cara careteia.
Canta. Toca. E com tal veia,
A moça olhou de lado e esperou. com tanta paixão diabólica,

- Você não sabe quando a gente é criança e de


repente vê uma Tanta, que se lhe ensangüentam
lagarta listada? Os dedos. Fibra por fibra,
A moça se lembrava: Toda a sua essência vibra
- A gente fica olhando... Nas cordas que se arrebentam.

A meninice brincou de novo nos olhos dela.


III
O rapaz prosseguiu com muita doçura:

- Antônia, você parece uma lagarta listada. Seu alaúde de plátano


Milagre é que não se quebre.
A moça arregalou os olhos, fez exclamações. E a sua fronte arde em febre,
Ai dele! e os cuidados matam-no.
O rapaz concluiu:

- Antônia, você é engraçada, você parece louca. Ai dele! e essa alegria,


Aquelas canções, aquele
Surto não é mais, ai dele!
Do que uma imensa ironia.
A Canção das Lágrimas de Pierrot

I Fazendo à cantiga louca


Dolorido contracanto,
A sala em espelhos brilha Por dentro borbulha o pranto
Com lustres de dez mil velas. Como outra voz de outra boca:
Miríades de rodelas
Multicores - maravilha! -
IV
Torvelhinham no ar que alaga
O cloretilo e se toma
Daquele mesclado aroma - "Negaste a pele macia
De carnes e de bisnaga. À minha linda paixão
E irás entregá-la um dia
Aos feios vermes do chão...
E rodam mais que confete,
Em farândolas quebradas,
cabeças desassisadas "Fiz por ver se te podia
Amolecer - e não pude!
Em vão pela noite fria Um sino plange. A sua voz ritma o murmúrio
Devasto o meu alaúde... Do rio, e isso parece a voz da solidão.
E essa voz enche o vale...o horizonte purpúreo...
Consoladora como um divino perdão.
"Minha paz, minha alegria,
Minha coragem, roubaste-mas...
E hoje a minh'alma sombria O sol fundiu a neve. A folhagem vermelha
É como um poço de lástimas..." Reponta. Apenas há, nos barrancos retortos,
Flocos, que a luz do poente extática semelha
A um rebanho infeliz de cordeirinhos mortos.
V

A sombra casa os sons numa grave harmonia.


Corre após a amada esquiva. E tamanha esperança e uma tão grande paz
Procura o precário ensejo Avultam do clarão que cinge a serrania,
De matar o seu desejo Como se houvesse aurora e o mar cantando atrás.
Numa carícia furtiva.

E encontrando-o Colombina,
Se lhe dá, lesta, . socapa, Arte de Amar
Em vez de beijo um tapa,
O pobre rosto ilumina-se-lhe! Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua
alma.
A alma é que estraga o amor.
Ele que estava de rastros, Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Pula, e tão alto se eleva, Não noutra alma.
Como se fosse na treva Só em Deus - ou fora do mundo.
Romper a esfera dos astros!... As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

Crepúsculo de Outono
A Mário de Andrade Ausente
O crepúsculo cai, manso como uma benção.
Dir-se-á que o rio chora a prisão de seu leito... Anunciaram que você morreu.
As grandes mãos da sombra evangélicas pensam Meus olhos, meus ouvidos testemunharam:
As feridas que a vida abriu em cada peito. A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.
Sei bem que ela virá
O outono amarelece e despoja os lariços. (Pela força persuasiva do tempo).
Um corvo passa e grasna, e deixa esparso no ar Virá súbito um dia,
O terror augural de encantos e feitiços. Inadvertida para os demais.
As flores morrem. Toda a relva entra a murchar. Por exemplo, assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra,
Uma palavra lançada à toa
Os pinheiros porém viçam, e serão breve Baterá na franja dos lutos de sangue.
Todo o verde que a vista espairecendo vejas, Alguém perguntará em que estou pensando,
Mais negros sobre a alvura unânime da neve, Sorrirei sem dizer que em você
Altos e espirituais como flechas de igrejas. Profundamente
Desencanto
Mas agora não sinto a sua falta.
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
(É sempre assim quando o ausente Fecha o meu livro, se por agora
Partiu sem se despedir: Não tens motivo nenhum de pranto.
Você não se despediu.)

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...


Você não morreu: ausentou-se. Tristeza esparsa... remorso vão...
Direi: Faz já tempo que ele não escreve. Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel. Cai, gota a gota, do coração.
Imaginarei: Está na chacrinha de São Roque.
Saberei que não, você ausentou-se. Para outra vida?
A vida é uma só. A sua continua. E nestes versos de angústia rouca,
Na vida que você viveu. Assim dos lábios a vida corre,
Por isso não sinto agora a sua falta. Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.

Lua Nova

Meu novo quarto


Virado para o nascente: Vou-me Embora pra Pasárgada
Meu quarto, de novo a cavaleiro da entrada da barra.
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Depois de dez anos de pátio Lá tenho a mulher que eu quero
Volto a tomar conhecimento da aurora. Na cama que escolherei
Volto a banhar meus olhos no mênstruo incruento Vou-me embora pra Pasárgada
das madrugadas.

Vou-me embora pra Pasárgada


Todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições Aqui eu não sou feliz
de partir: Lá a existência é uma aventura
Hei de aprender com ele De tal modo inconseqüente
A partir de uma vez Que Joana a Louca de Espanha
- Sem medo, Rainha falsa e demente
Sem remorso, Vem a ser contraparente
Sem saudade. Da nora que nunca tive

Não pensem que estou aguardando a lua cheia E como farei ginástica
- Esse sol da demência Andarei de bicicleta
Vaga e noctâmbula. Montarei em burro brabo
O que eu mais quero, Subirei no pau-de-sebo
O de que preciso Tomarei banhos de mar!
É de lua nova E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Ri, desdenha, pisa!


Em Pasárgada tem tudo Meu canto, no entanto,
É outra civilização Mais te diviniza,
Tem um processo seguro Mulher diferente,
De impedir a concepção Tão indiferente,
Tem telefone automático Desumana Elisa!
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste Sextilhas Românticas


Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der Paisagens da minha terra,
Vontade de me matar Onde o rouxinol não canta
- Lá sou amigo do rei - - Mas que importa o rouxinol?
Terei a mulher que eu quero Frio, nevoeiros da serra
Na cama que escolherei Quando a manhã se levanta
Vou-me embora pra Pasárgada Toda banhada de sol!

Sou romântico? Concedo.


Exibo, sem evasiva,
A alma ruim que Deus me deu.
Andorinha Decorei "Amor e medo",
"No lar", "Meus oito anos"... Viva
Andorinha lá fora está dizendo: José Casimiro Abreu!
- "Passei o dia à toa, à toa!"

Sou assim, por vício inato.


Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste! Ainda hoje gosto de *Diva*,
Passei a vida à toa, à toa... Nem não posso renegar
Peri, tão pouco índio, é fato,
Mas tão brasileiro... Viva,
Viva José de Alencar!

Letra para uma valsa romântica Paisagens da minha terra,


Onde o rouxinol não canta
A tarde agoniza - Pinhões para o rouxinol!
Ao santo acalanto Frio, nevoeiros da serra
Da noturna brisa. Quando a manhã se levanta
E eu, que também morro, Toda banhada de sol!
Morro sem consolo,
Se não vens, Elisa!
Ai tantas lembranças boas!
Massangana de Nabuco!
Ai nem te humaniza Muribara de meus pais!
O pranto que tanto Lagoas das Alagoas,
Nas faces desliza Rios do meu Pernambuco,
Do amante que pede Campos de Minas Gerais!
Suplicantemente
Teu amor, Elisa!
Ou bem teu júbilo, e, talvez,
Lhes acharás, tu que me lês,
Alguma sombra de beleza...
Poética
Quem os ouviu não os amou.
Estou farto do lirismo comedido Meus pobres versos comovidos!
Do lirismo bem comportado Por isso fiquem esquecidos
Do lirismo funcionário público com livro de ponto Onde o mau vento os atirou.
expediente
protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no


dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo

Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos
universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de
exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador


Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo.

De resto nã é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do
amante exemplar
com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras
de
agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos


O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é


libertação.

Versos Escritos N'água

Os poucos versos que aí vão,


Em lugar de outros é que os ponho.
Tu que me lês, deixo ao teu sonho
Imaginar como serão.

Neles porás tua tristeza

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