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Carlos Alberto Cioce Sampaio

Gestão que privilegia Uma Outra Economia


Ecossocioeconomia das Organizações

Editora Fundação Getúlio Vargas (FGV)


Gestão que privilegia Uma Outra Economia: ecossocioeconomia das organizações

2
DEDICATÓRIA

Não há como não dedicar a meus filhos, Mauro e Hian, e a minha adorada esposa, Vera,
pelos momentos de companheirismo que me possibilitaram escrever está quinta obra. E a
minha mãe, Dona Cidinha, e minha sogra, D. Biba, que vivem para nós.

Contudo, a dedicação especial vai ao meu Pai, Carlos Euclides Sampaio, que representa aqui
a todos demais Pais.

Depois do egocentrismo típico da infância e do distanciamento que os adolescentes impõem


a seus Pais, finalmente vem a sabedoria incrustada na maturidade humana que nos mostra o
quanto que estamos conectados, Pai e filho. Um está no outro. O Pai se imortaliza no filho, e
o filho se fortalece a partir do Pai.

3
AGRADECIMENTOS

Uma obra não pode ser fruto de um trabalho individual: portanto, nela há iterações,
interações e compartilhamentos coletivos. Agradeço às sugestões de melhoria e de revisão
do texto aos Professores Amigos Manfred Max-Neef (economista descalço), Fernando
Oyarzún (neurocientista) e Esteban Rodríguez (neurocientista); pelas muitas horas de
coleta de dados, esforços desprendidos e companheirismos dos amigos brasileiros e
chilenos: ao professor Edgardo Oyarzún, a pesquisadora Carolina Cárcamo e Ana Paula
Pinheiro, aos pesquisadores Mauricio Huenulef, Moreno Bona, Fernando Almeida e Ivan
Dallabrida, a orientanda Márcia Souza e orientando Guilherme Araújo, as alunas Daniela
Rosenberg, Leonie Kausel, Carolina Millanao, Karen Alcazar e Esperanza Alvarez, e alunos,
especialmente Cristian Aguirre por realizar uma pré-tradução da maioria das experiências
chilenas catalogadas, Christian Henríquez, Tarciso Tomaselli, Mario Manzano, Bladimir
Antilef e Hector Caro; pelos incentivos e pela convivência do dia-a-dia: aos professores e
amigos Mário dos Santos e Oklinger Mantovaneli Jr.; aos que me inspiraram, além dos que
foram citados anteriormente: Ignacy Sachs, Joel Souto-Maior Filho, Ladislau Dowbor e
Paulo Freire Vieira. Agradeço também às seguintes Instituições: (1) aos Programas de Pós-
Graduação em Administração e Desenvolvimento Regional da Universidade Regional de
Blumenau (FURB) por possibilitarem as horas de pesquisa necessárias para escrever esta
obra; (2) ao Instituto LaGOE: Laboratório de Gestão que promove o Ecodesenvolvimeto, à
Associação Comunitária Candonga e à Associação de Moradores do Rio Sagrado; (3) ao
Núcleo de Meio Ambiente (NMD) do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) por constituir-se em um laboratório fértil
de discussões acadêmicas; (4) ao Centro de Estudos Ambientais (CEAM) e ao Instituto de
Turismo da Universidade Austral de Chile (UACh) pelas condições para terminar esta obra;
(5) à Fundação de Apoio á Pesquisa Científica e Tecnológica do Estado de Santa Catarina
(FAPESC), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), à
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao Fundo
Nacional de Meio Ambiente (FNMA) pelo financiamento de projetos de pesquisas
implementados e que possibilitaram múltiplas convivências humanas.

4
PREFÁCIO

Felippee Fernandes de Azevedo

5
SUMÁRIO

CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 9

1.2 Metodologia......................................................................................................................................................... 14

CAPÍTULO 2: ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E RAZÃO: considerações históricas


da domesticidade ao utilitarismo individualista ............................................................................................... 19

2.1 Perpassando pela Economia Clássica e Administração Científica .......................................................27


2.2 Crítica da Economia Política ..........................................................................................................................29

CAPÍTULO 3: PROBLEMÁTICA SOCIOAMBIENTAL....................................................................................32

3.1 Superando a Sociedade de Consumo ...........................................................................................................33


3.2 Superando a Dicotomia entre Sistemas Ecológicos e Sociais .............................................................37

CAPÍTULO 4: PARA PENSAR A VIABILIDADE INTERORGANIZACIONAL E A


EFETIVIDADE EXTRA-ORGANIZACIONAL ...................................................................................................42

4.1 A gestão interorganizacional socioprodutiva ............................................................................................47

CAPÍTULO 5: PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO SOB A PERSPECTIVA DA


EXTRA-RACIONALIDADE E DO ENTORNO EXTRA-ORGANIZACIONAL...........................................54

CAPÍTULO 6: ESTADO ATUAL DO CONHECIMENTO SOBRE EXPERIÊNCIAS DE


ECOSSOCIOECONOMIA DAS ORGANIZAÇÕES ...........................................................................................60

6.1 Agenda 21 Local................................................................................................................................................60


6.1.1 Fórum da Agenda 21 da Lagoa de Ibiraquera (Garopaba e Imbituba, Santa
Catarina, Brasil) ........................................................................................................................................................62
6.1.2 Projeto Fortalecimento da Identidade Cultural, Melhoramento da Gestão
Ecoturística e Habilitação em Inovação Tecnológica para uso Sustentável dos
Recursos Naturais associados às margens costeiras da Comunidade Indígena Tralcao
Mapu (Município de San Jose de la Mariquina, Región Los Lagos, Chile), vinculado
ao Programa Ecorregião Os Lagos Sustentáveis .............................................................................................69

6.2 Turismo Comunitário.........................................................................................................................................78


6.2.1 Prainha do Canto Verde (município de Beberibe, CE, BR)...............................................................80
6.2.2 Acolhida na Colônia (com sede no município de Santa Rosa de Lima, SC, BR) ........................82
6.2.3 Projeto Piloto Montanha Beija-Flor Dourado na Zona Laboratório de
Educação para o Ecodesenvolvimento (Micro-bacia do Rio Sagrado, Município
Morretes, Paraná, Br).............................................................................................................................................84
6.2.4 Rede de Agroturismo de Chiloé (Isla de Chiloé, Región Los Lagos, CH)....................................88

6
6.2.5 Rede de Turismo Rural Licanhuasi (município de San Pedro de Atacama,
Región Antofagasta, Ch).........................................................................................................................................90
6.2.6 Red de Parques Comunitarios Mapu Lahual (San Juan de la Costa, Región Los
Lagos, Ch)....................................................................................................................................................................94

6.3 Responsabilidade Social Empresarial (RSE) ..............................................................................................98


6.3.1 Empresa Metalúrgica Rio Sulense Ltda. (município de Rio do Sul, SC, BR)..............................99
6.3.2 Florestal Río Cruces (sede no município de Lanco, Región Los Lagos, Ch) ...............................101

6.4. Economia de Comunhão ................................................................................................................................ 103


6.4.1 Empresa Metalúrgica Metal Sul (município de Joinville, SC, BR) ............................................... 104
6.4.2 Distribuidora de Medicamentos PróDiet Farmacêutica (município de Curitiba,
PR)................................................................................................................................................................................ 105
6.4.3 Empresa Sociedade de Investimentos Foco - Poupança e Crédito (Santiago,
CH)............................................................................................................................................................................... 108

6.5 Economia Solidária (ES).................................................................................................................................110


6.5.1 Plataforma Komyuniti: Cooperativa de Comercio Justo (Santiago, CH).....................................112
6.5.2 Corporação Barco dos Pobres (sede Valdivia, Región Los Lagos, Ch).........................................115
6.5.3 Encontro Comunitário de Troca Solidária (Comunidades da Micro-bacia
Hidrográfica do Rio Sagrado, Município Morretes, PR, BR)......................................................................118

CAPÍTULO 7: CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................... 125

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................................................... 137

7
Resumo

Diante da atual conjuntura econômica que é marcada por tantas patologias sociais, como
apelação desenfreada do consumo, mesmo entre aquelas pessoas que não teriam condições
para isso, estabeleceu-se um modo de vida humano baseado na combinação entre
utilitarismo econômico e darwinismo social, ocasionando uma racionalidade social
egocêntrica, centrada no cálculo de conseqüências individuais de curto prazo. Na concepção
da economia de mercado, a má distribuição de renda é justificada pelo esforço de alguns e
a falta de vontade de outros. Diante da hegemonia do utilitarismo econômico e do
darwinismo social, clama-se pela construção de uma alternativa econômica que dê conta das
insuficiências da combinação desses modelos. Surgem, assim, experiências em curso que
vêm utilizando processos de gestão, que sinalizam a ênfase interorganizacional, qualificados
como participativos e associativos, e que ainda predominam o viés extra-organizacional (do
entorno territorial ao organizacional), donde se valoriza o conhecimento tradicional-
popular, caracterizada pela capacidade de gerar demandas e propostas que não se
distanciam nem se desvinculam das nuances e peculiaridades do quotidiano, a partir do
olhar das próprias pessoas. Entretanto, algumas dessas experiências quando não
sistematizas em uma rede bem articulada, ora politicamente como um arranjo institucional
ora economicamente como um arranjo socioprodutivo de base comunitária, geralmente são
cooptadas pelo sistema que estavam tentando superar, caracterizado principalmente pela
sobreposição da eficiência produtiva econômica à efetividade societária. E, ainda, há
dúvidas quanto a sua sustentabilidade econômica, provocada pela fragilidade da gestão
organizacional. Surge o objetivo eminente de consolidar um construto teórico e que ainda
seja de fácil visualização prática, denominado Ecossocioeconomia das Organizações, que
possibilite tanto viabilidade macro como microeconômica aos grupos organizados ou quase
organizados que promovem Uma Outra Economia. Parte-se da hipótese de pesquisa que a
ecossocioeconomia baseia-se em uma nova ação social norteada não só na racionalidade
utilitarista, mas também em uma racionalidade mais valorativa, parametrizada no saber e no
conhecimento local, que, muitas vezes, é ironicamente chamada de subjetiva, como que não
houvesse elementos constitutivos de cognição. Crê-se que a subjetividade, distante do
individualismo exacerbado, pode constituir-se um elemento enriquecedor nos processos de
tomada de decisão, como vem apontando estudos em neuropsicologia, neuroeconomia ou
biologia do conhecimento. Negar o subjetivo é negar as diferenças, a individualidade do
próprio homem. O estado atual de conhecimento pode ser dividido em cinco agrupamentos
de tecnologias sociais de ecossocioeconomia das organizações encontrados na literatura,
contudo diferentemente das experiências analisadas por este estudo, de modo geral há
trabalhos teóricos ou, até mesmo, ideológicos bem elaborados, entretanto com pouca
prática convincente, como as Agenda 21 Locais e as Empresas de Responsabilidade Social, e
trabalhos empíricos que vem apresentando resultados promissores, como o Turismo
Comunitário, a Economia de Comunhão e a Economia Solidária (Comércio Justo, Banco dos
Pobres e Clube de Troca Solidária), sem embargo sem uma proposta clara sobre um modelo
de gestão que possa ser replicado.

Palavras-Chaves: Problemática Socioambiental; Ecossocioeconomia; Gestão


Interorganizacional; Efetividade Extra-Organizacional; Extra-Racionalidade

8
CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO

Diante da atual conjuntura econômica apontada por críticos da dinâmica

capitalista e da economia de mercado como causadora de patologias sociais, se faz

necessário apontar algumas alternativas para o que parece ser um beco-sem-saída.

As patologias sociais podem ser classificadas como socio-ambientais: processos

produtivos que privatizam lucros e socializam prejuízos e descaso com o manejo de

recursos naturais não-renováveis; sociopolíticas: instâncias democráticas manipuladas por

interesses oligopolistas e burocracria dominada por interesses corporativistas;

socioeconômicas: sub-trabalho, não-trabalho, exclusão social e apelação desenfreada do

consumo, mesmo entre aquelas pessoas que não teriam condições para isso; e socioculturais:

substituição de modos de vida tradicional por padrões homogenizados e resignificação do

trabalho humano como trabalho repetitivo alienado (DOWBOR, 1983; MAX-NEEF, 1986,

1993; RAZETO, 1997; SEN, 2000; SINGER, 2002; GORZ, 2003; SACHS, 2003, 2004).

Estas patologias são encontradas no seu extremo, sobretudo, nos países chamados

menos desenvolvidos (países que na sua maioria possuem baixo ou médio Índice de

Desenvolvimento Humano - IDH), nos quais se encontram países da América do Sul como

Brasil e Chile 1. Estas patologias, em menor grau, são encontradas também nos países

1
A economia chilena é a quarta mais importante da América Latina, atrás apenas do Brasil,
México e Argentina. O Chile se caracteriza por uma economia aberta, com grandes êxitos
macro-econômicos, medidos em altas taxas de crescimento médio anual: o crescimento do
PIB esteve em torno de 4% a.a. de 2000 a 2004, com projeções entre 5,6 e 6,4% para
2005; a inflação chilena tem se mantido próxima de 2% ao ano e os juros ficando abaixo de
3% ao ano, muito inferiores aos quase 20% do Brasil, ou 16% da Venezuela. Enquanto a
região sul-americana apresenta déficit nominal público, o Chile tem superávit próximo de
2% do PIB, mesmo com uma carga tributária abaixo dos 20% do PIB, cerca de metade da
brasileira (CEPAL, 2005). Nos últimos quatro anos, os programas governamentais
conseguiram tirar da pobreza um milhão de pessoas. Do ponto de vista do IDH, segundo o
último relatório do PNUD (2003), o Chile está entre os oito países ibero-americanos de alto
grau de desenvolvimento humano, com esperança de vida de 76 anos, PIB per capita de U$
9.820 (era de US$ 4.990 em 1998) e índice de alfabetização de 96%. Embora se tenham
avanços, o Chile apresenta desempenhos negativos em sua microeconomia, destacando-se:
a) Forte concentração de riqueza; b) Grande quantidade de horas de trabalho per capita; c)

9
chamados desenvolvidos (países que possuem elevado IDH). Sob estas evidências

apontadas, o que se acostumou chamar de desenvolvimento poderia ser qualificado pelos

mesmos críticos como mau desenvolvimento, isto é, um estilo de desenvolvimento que

privilegia a minoria da população mundial, como ilustra alguns indicadores socioeconômicos

mundiais apontados no quadro 1.

Baseando-se em outro conjunto de indicadores agregados, denominado Pegada

Ecológica, aponta-se a incapacidade de carga do planeta para suportar tal estilo de

desenvolvimento. Para que o planeta pudesse suportar tal carga, sugere-se que este deveria

ter uma área biofísica maior 2 (WACKERNAGEL, REES, 2001). Como se reflete nos efeitos

do aquecimento global, recentemente divulgado pelo Intergovernmental Painel on Climate

Change, apontando como causa a emissão de gases de efeito estufa, sendo o mais

importante o Dióxido de Carbono (CO2) que corresponde por 80% do total das emissões

Baixa produtividade da mão-de-obra; d) Alto índice de degradação ambiental (62% do


território em processo de desertificação); e) Graves problemas de coordenação entre
diferentes níveis funcionais e territoriais de ação do Estado: confrontos persistentes
entre os diferentes níveis de gestão governamental para a aplicação das políticas públicas;
e f) Forte concentração populacional e da produção (GAETE FERES, 2003).
2
Além do Metano (expelido quando da decomposição orgânica), Óxido Nitroso,
Hexafluoreto de Enxofre (SF6), os Perfluorcarbonos (PFCs) e Hidrofluorcarbonetos
(HFCs), sendo estes três últimos produzidos exclusivamente pelo homem. O HFCs são
usados como substitutos dos Clorfluorcarbonetos (CFCs) que foram proibidos porque suas
emissões, provindas de sistemas de refrigeração (geladeira e aparelhos de ar-
condicionado), sprays aerossol, solventes e tantos outros, estavam destruindo a camada de
ozônio -camada localizada na estratosfera terrestre que nos protege contra os raios
solares mais nocivos, principalmente os ultravioletas. O que todos os gases-estufa têm em
comum é que eles permitem a entrada de luz solar na atmosfera, mas absorvem parte da
radiação infravermelha que deveria sair do planeta. Com isso o ar se aquece. A existência
de certa quantidade de gases de efeito estufa é benéfica. Sem eles, a temperatura média
da superfície da Terra ficaria por volta de 18ºC Negativos. Os gases-estufa ajudam a
manter a superfície da Terra a uma temperatura média muito mais agradável – por volta de
15ºC. No entanto, por conta das concentrações cada vez maiores de gases-estufa
produzidos pelo homem na era moderna, estamos elevando a temperatura média do planeta
e criando as perigosas mudanças climáticas que vemos ao nosso redor (GORE, 2006, p. 28).
Para amenizar tal problema, surge o que se conheceu por Protocolo de Quito no qual institui
a figura dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo que trata da geração de créditos de
carbono por meio de projetos que seqüestram ou reduzam os gases-estufa (CUOCO et al.,
2006).

10
lançados na atmosfera quando se queima combustíveis fósseis, petróleo, gás natural e

carvão (WMO-UNEP, 2007; FARMAN, 1993).

Quadro 1: Indicadores Socioeconômicos Mundiais

Países com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 3


Indicadores
Elevado Médio Baixo
Demografia 20% da população 68 12
Expectativa de vida ao nascer (*) 77 anos 67 49
Taxa de alfabetização de adultos 95% 74 50
PIB per capita U$ 23.135 4.053 1.186
Obs.: (*) Os países com a maior e a menor expectativa de vida são respectivamente: o
Japão com 81,3 anos e Zâmbia com 33,4 anos.

Fonte: INFORME SOBRE DESARROLLO HUMANO 2003 (PNUD, 2003).

Em síntese, estabeleceu-se um modo de desenvolvimento humano baseado na

combinação entre utilitarismo econômico, fruto da dinâmica capitalista, e o chamado

darwinismo social, resultado da dinâmica de mercado, ocasionando uma racionalidade social

egocêntrica, centrada no cálculo de conseqüências de ganho individual.

A dinâmica capitalista pode ser apontada como a principal causadora das

patologias socioambientais e socioeconômicas, na qual privilegia o cálculo de conseqüências

econômicas individuais de curto prazo sobre coletivas de médio e de longo prazos. Por sua

vez, a economia de mercado pode ser indicada como causadora principal das patologias

sociopolíticas e socioculturais, pregando que a má distribuição de renda é justificada pelo

esforço de alguns e a falta de vontade de outros. Diante deste contexto, sugere-se pensar

na construção de uma alternativa (ecos)socioeconômica que dê conta das insuficiências da

combinação destas dinâmicas, no entanto, sem a pretensão de transformá-la em outro

modelo hegemônico.

3
IDH é composto por indicadores de saúde (esperança de vida), educação (taxa bruta de
matriculas e taxa de alfabetização) e economia (PIB per capita) (PNUD, 2003).

11
Assim, busca-se o estado atual do conhecimento sobre experiências em curso que

convergem com uma outra economia i, denominada na literatura de viés heterodoxo por

socioeconomia (SAMPAIO et al., 2005b), ou, então, valendo-se de outros termos como

economia descalça (MAX-NEEF, 1986), economia social (SACHS, 1986a, 1986b) e economia

popular solidária (RAZETTO, 1997) nas quais privilegiam problemas microeconômicos com

soluções de base territorial 4 (perpassando pela perspectiva da endogenia e do

empoderamento das comunidades locais). Contudo, não se tem um esboço teórico-

metodológico de uma abordagem de gestão organizacional que sinaliza ênfase

interorganizacional (arranjo institucional e socioprodutivo), qualificada como participativa,

descentralizada, associativa, socialmente e, ainda, ambientalmente responsável e que

predomina certa inovação de práticas gerencias sob o viés extra-organizacional (relevando

o entorno territorial à organização), donde se valoriza ou, pelo menos, releva o

conhecimento tradicional-popular (contendo extra-racionalidade, isto é, dimensão do

conhecimento considerado de difícil mensuração) caracterizado pela capacidade de gerar

demandas e propostas que não se distanciam nem se desvinculam das nuances e

peculiaridades do quotidiano, a partir do olhar das próprias pessoas. A este tipo de

abordagem na qual carece de sistematização nas ciências sociais aplicadas está se

sugerindo a denominação ecossocioeconomia 5 das organizações.

4
Há uma perspectiva da Geografia ou Economia Regional que distingue os conceitos de
território, espaço e lugar: o território relaciona-se com as transformações sociais, com o
concreto; diferentemente do espaço que lida com o abstrato; e o lugar relaciona-se com a
comunidade, com o micro território (SANTOS, 1994; DOUROJEANNI, 1996; SANTOS,
SOUZA, SILVEIRA, 2002). Além do que, atualmente, a problemática urbano-rural começa
a perder centralidade devido a diversificação das relações de troca entre os espaços
(territórios) onde os fluxos socioeconômicos realmente acontecem, relegando os limites
geográficos (CAMPOROLA, SILVA, 2000)
5
Embora não tenha utilizado a denominação ecossocioeconomia, o pesquisador a discute
densamente em um trabalho intitulado Turismo como fenômeno humano: princípios para
se pensar a socioeconomia e sua prática sob a denominação turismo comunitário,
elegendo o turismo como campo capaz de ilustrar as instâncias da ecossocioeconomia
(SAMPAIO, 2005a).

12
A ecossocioeconomia está imbricada na discussão sobre o ecodesenvolvimento 6

que vem sendo apontado como um novo paradigma sistêmico, compreendendo princípios de

ecologia profunda -filosofia surgida a partir da problemática ambiental na qual questiona o

atual estilo de vida humano e seu padrão de uso do tempo (produtivo ou de lazer 7) -,

economia social e planejamento participativo - pensado a partir da premissa de que a

própria participação é a principal estratégia de desenvolvimento, isto é: pensar o

desenvolvimento como a liberdade sendo uma prerrogativa (SCHUMACHER, 1980; SACHS,

1986a, 1986b; GONDIM, 1989; NAESS, ROTHENGERG, 1990; MAX-NEEF, 1993; SEN,

2000; GORZ, 2003).

Surge, então, o desafio de propor um esboço teórico-metodológico e explorar o

estado atual do conhecimento sobre experiências em cursos no Brasil e Chile, denominado

Ecossocioeconomia das Organizações, que possibilite tanto viabilidade interorganizacional e

efetividade extra-organizacional quanto relevar a chamada extra-racionalidade nos

processos de tomada de decisão aos grupos organizados ou quase organizados que

promovem uma outra economia.

A ecossocioeconomia das organizações privilegia os estudos que possibilitam a

viabilidade macro (interorganizacional) e microeconômica (organizacional) de grupos

organizados ou quase organizados articulados, chamados de empreendimentos

compartilhados, de modo que possam ampliar as oportunidades de trabalho e renda de

agrupações urbanas e rurais excluídas da economia de mercado. Exemplificando: Associação

de moradores, cooperativa de agricultores familiares, grupos organizados de pescadores

6
Poder-se-ia dizer que o ecodesenvolvimento privilegia o enfoque epistemológico-teórico
enquanto a ecossocioeconomia privilegia o enfoque metodológico-empírico.
7
Como aponta Gorz (2003, p. 65): se vive em uma sociedade que prioriza os valores
hedonistas do lazer, do tipo de gozo imediato e do mínimo esforço, ao mesmo tempo em que
pedem aos trabalhadores que se comportem no trabalho segundo valores diametralmente
opostos, como que o suor do produtivismo trabalhista (homogeneização das etapas do
trabalho) pudesse ser compensado pelo consumo alienante.

13
artesanais e micro-empreendimentos urbanos se articulam sociopolíticamente no âmbito de

Fóruns de Agenda 21 Locais (ou Conselhos de Desenvolvimento ou Câmeras Técnicas) e, ao

mesmo tempo, se articulam socioeconomicamente no âmbito de um Arranjo Socioprodutivo

de Base Comunitária.

O Arranjo Socioprodutivo de Base Comunitária (APL.Com), inspirada no enfoque

ecodesenvolvimentista 8, é um micro-empreendimento compartilhado no qual se supera a

competitividade utilitarista econômica privilegiando ações no âmbito de uma rede

horizontal de cooperação (ARAUJO, SAMPAIO, 2004). Trata-se de agregar valor aos

9
pequenos negócios e, assim, aumentar as possibilidades de sobrevivência socioempresarial

diante de uma economia de mercado excludente. Acredita-se que esta outra economia se

estabelecerá quando for dado aos socialmente excluídos (aos descalços 10) tratamento

especial (SACHS, 2003; SAMPAIO, 2005a).

1.2 Metodologia

Embora haja avanços de pesquisa inter e transdisciplinar nos últimos anos que vêm

sendo publicados por reuniões anuais de associações brasileiras de pós-graduação e

pesquisa, tais como ANPAD (Administração), ANPEC (Economia), ANPTUR (Turismo),

ANPUR (Planejamento Urbano e Regional), ANPPAS (Ambiente e Sociedade) e ANPOCS

(Ciências Sociais), há insuficiência de elementos teóricos no campo das ciências sociais

aplicadas para que pudessem conduzir ao alcance do desafio proposto pelo estudo.

8
As expressões Um Outro Desenvolvimento e Desenvolvimento Sustentado foram
denominações preferidas, ao invés de Ecodesenvolvimento, no âmbito das Organizações
Internacionais na década de 1970, possivelmente em função das conotações ideológicas
supostamente menos radicais e mais coerentes com a diretriz de experimentação cuidadosa
com a concepção de uma nova ordem internacional (VIEIRA, 1992).
9
Vale ressaltar que: (...) praticamente em todo o mundo, as micro e pequenas empresas são
responsáveis pela geração da maior parte dos empregos. Estima-se que, no Brasil, de 1990 a
2000, as empresas com até 120 empregados tenham gerado 96% dos empregos (SACHS,
2003, p. 112).
10
Denominação utilizada por Max-Neef (1986).

14
Em um primeiro momento, este estudo se valeu principalmente de pesquisas

bibliográficas a partir de considerações históricas sobre a Economia, Administração e

Razão (Capítulo 2), com a intenção de esclarecer sinteticamente o continuum existente

entre domesticidade e utilitarismo individualista sugerido como antecedentes do que se

está chamando de Outra Economia, perpassando pela Economia Clássica e Administração

Científica (item 2.1), caracterizadas pelo contexto ainda pré-capitalista, e pela crítica da

Economia Política de base marxiana (item 2.2), aponta-se as contradições da dinâmica

capitalista. Apresenta-se a Problemática Socioambiental (Capítulo 3), sob a perspectiva de

superação da Sociedade de Consumo (item 3.1) e da Dicotomia entre Sistemas Ecológicos e

Sociais (item 3.2).

Em seguida, o estudo se baseou hibridamente em pesquisa bibliográfica e em uma

pesquisa básica sobre três blocos ainda pouco compreendidos e que podem constituir em

princípios da ecossocioeconomia das organizações: gestão interorganizacional, efetividade

extra-organizacional e extra-racionalidade. Quanto à Viabilidade Interorganizacional e

Efetividade Extra-Organizacional (Capítulo 4) exploraram os campos da sociologia clássica,

da ciência política, da geografia humana e do desenvolvimento regional, adentrando no

campo da economia industrial e da socioeconomia para explorar a Gestão

Interorganizacional Socioprodutiva (item 4.1). Em relação ao Processo de Tomada de

Decisão sob a Perspectiva da Extra-Racionalidade e do Entorno Extra-Organizacional

(Capítulo 5) explorou o campo da ciência política, da neuropsicologia 11 ou neurociência

cognitiva, neuroeconomia 12 e da biologia do conhecimento 13.

11
Neuropsicologia ou neurociência cognitiva trata das capacidades mentais mais complexas,
geralmente típicas do homem, como linguagem, a autoconsciência, a memória etc. (LENT,
2004).
12
Neuroeconomia é o campo de estudos sobre a interação entre cérebro e ambiente
externo para gerar o comportamento econômico (GLIMCHER, 2003).
13
Biologia do Conhecimento sugere que os seres vivos são autônomos, isto é,
autoprodutores, capazes de produzir seus próprios componentes ao interagir com o meio:

15
Depois, se pesquisou o Estado Atual do Conhecimento sobre Experiências

Brasileiras e Chilenas (Capítulo 6) em curso que podem ser qualificadas como de

ecossocioeconomia das organizações, nas ocasiões das realizações de projetos de pesquisa

financiados pelo Programa de Bolsa de Iniciação Científica (PIBIC) do Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Universidade Regional de Blumenau

(FURB), entre 2002 e 2004, de dissertações de mestrado da Universidade Federal de

Santa Catarina (UFSC) e da FURB e tese de doutorado da UFSC, entre 2003 e 2007, de

estágio de pós-doutoramento realizado na Universidade Austral do Chile (UACH) financiado

pela Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), entre 2005

e 2006 (SAMPAIO, 2005b), e de uma Zona Laboratório de Educação para o

Ecodesenvolvimento, localizada na Reserva de Biosfera de Floresta Atlântica no estado do

Paraná, que está sendo incubada pelo Instituto LaGOE: Laboratório de Gestão de

Organizações para o Ecodesenvolvimento, a partir de 2006. Foi possível agrupá-las e

originar uma análise qualificada sob as denominações Agenda 21 Local, Turismo Comunitário,

Responsabilidade Social Empresarial, Economia de Comunhão e Economia Solidária.

Agenda 21 Local (item 6.1), através das experiências Fórum da Agenda 21 da Lagoa

de Ibiraquera (municípios de Garopaba e Imbituba, Santa Catarina, Brasil), iniciada em

2001, e Projeto Fortalecimiento de la Identidad Cultural, Mejoramiento de la Gestión

Ecoturística y Habilitación en Innovación Tecnológica para uso Sustentable de los Recursos

Naturales asociados al Borde Costero para la Comunidad Indígena Tralcao Mapu (localidad

de Tralcao, Município de San Jose de la Mariquina, Regíon Los Lagos, Chile), vinculado ao

vivem no conhecimento e conhecem no viver. A autonomia dos seres vivos é uma alternativa
à posição representacionista. Desse modo, autonomia e dependência deixam de ser opostos
inconciliáveis: uma complementa a outra. Uma constrói a outra e por ela é construída, numa
dinâmica circular. ... entre o observador e o observado (entre o ser humano e o mundo) não
há hierarquia nem separação, mas sim cooperatividade na circularidade (MATURANA,
VARELA, 2001, p. 14).

16
Programa Ecoregión de Los Lagos Sustentable que está implantando a Agenda 21 Local no

Município, desde 2005.

Turismo Comunitário (Item 6.2), a partir das experiências Prainha do Canto Verde

(Beberibe, Ceará, Br), iniciada em 1997, Associação de Agricultores Orgânicos da Encosta

da Serra Geral (AGRECO) / Projeto Acolhida na Colônia (sede Santa Rosa do Sul, SC, Br),

iniciada em 1999, e o incipiente, contudo sistematizado, Projeto Piloto Montanha Beija-Flor

Dourado (Micro-bacia do Rio Sagrado, Município de Morretes-PR, APA de Guaratuba,

ReBIO de Floresta Atlântica, Br), iniciado em 2006; Red de Agroturismo de Chilloé (sede

Ancud, Región de Los Lagos, Ch), criada em 1996; Red de Turismo Rural Licanhuasi (sede

San Pedro de Atacama, Regíon Antofagasta, Ch), iniciada em 1999, e Red de Parques

Comunitários Mapu Lahual (San Juan de la Costa, Regíon de Los Lagos, Ch), criada em 2000.

Responsabilidade Social Empresarial (RSE) (Item 6.3), baseada nas experiências

Empresa Metalúrgica Rio Sulense (Rio do Sul, SC, Br), fundada em 1946 e a Florestal Río

Cruces (sede Lanco, Región Los Lagos, Ch), fundada em 1993.

Economia de Comunhão (EdC) (Item 6.4), através das experiências Metalúrgica

Metal Sul (Joinville, SC, Br), fundada em 1996; Distribuidora de Medicamentos PróDiet

Farmaceutica (Curitiba, PR, Br), criada em 1989; e Sociedad de Inversiones Foco - Ahorro

y Credito (sede em Santiago, Ch), criada em 1982.

Economia Solidária (ES) (Item 6.5), a partir das experiências Plataforma Komyuniti

de Comércio Justo (sediada em Santiago, Ch), criada desde 1996; Barco (Banco) de los

Pobres (Valdivia, Región Los Lagos, Ch), fundada em 2002; e Clube de Troca Solidária Rio

Sagrado (Micro-bacia Rio Sagrado, Município de Morretes-PR, APA de Guaratuba, ReBIO

de Floresta Atlântica, Br), iniciado em 2007. Vale a observação que, embora a denominação

Economia Solidária pudesse ser apontada na categoria de outra economia, sobretudo pelos

estudos epistemológicos de Singer (2002) e os organizados por Cattani (2003), optou-se

17
para efeito deste estudo considerar três de suas correntes mais pragmáticas – Comércio

Justo, Clube de Troca Solidária e Banco dos Pobres - como categorias de

ecossocioeconomia das organizações.

É importante destacar que algumas experiências foram descritas mais

extensivamente do que outras, contudo não quer dizer que essas sejam experiências mais

interessantes ou que se enquadrem melhor quanto aos princípios da ecossocioeconomia das

organizações. Isso ocorreu porque algumas experiências são mais incipientes ou, então, que

ainda não tinham sido sistematizadas (ou seja, não havia dados secundários que as

tratassem), assim, mereceram descrições mais extensas para poder qualificá-las.

Diferentemente, outras experiências já foram temas de monografias, dissertações e teses

ou, mesmo, de artigos ou relatórios de pesquisa. Esclarece-se, também, que todas as

experiências descritas e analisadas, entre as quais foram destacadas Com colaboração (isto

é, com co-autoria) no texto, foram redigidas pelo autor. E as descrições das experiências

que se destacaram Por autoria (por outros autores) no texto, foram apenas revisadas pelo

autor.

18
CAPÍTULO 2: ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E RAZÃO: considerações históricas 14

da domesticidade ao utilitarismo individualista

Economia e Razão são termos que tiveram seus significados modificados ao longo

dos últimos dois milênios e meio. O que não ocorre com a Administração que, pela

precocidade, idade por volta de pouco mais de cem anos 15, ainda inspira o mesmo

significado: planejamento, organização, direção, coordenação e controle (FAYOL,

MOONEY, URWICK Apud MORGAN, 1986). Enquanto que a economia se foca nos aspectos

macro ambientais, a administração se volta aos aspectos micro ambientais da gestão

organizacional. Entretanto isto não implica que a economia não se importa com os aspectos

micros e a administração com os aspectos macro ambientais, é uma questão de ênfase

(SAMPAIO, FERNANDES, MANTOVANELI Jr., 2003).

As primeiras comunidades primitivas tinham como característica de produção e de

distribuição o princípio da domesticidade, isto é, para uso próprio. Os gregos chamavam-no

oeconomia, étimo da palavra economia. Entretanto, não se deve presumir que a

domesticidade baseia-se num ethos 16 utilitarista. Ela não tinha em comum a motivação do

14
Não pode haver observação sem interação entre o observador e o objeto por ele
observado, e nessa interação ambos estão inclinados a se influenciarem mutuamente. Se o
estudo histórico é um exemplo de tal interação - neste caso, entre o historiado e seus
fatos ... a objetividade na história ... não pode ser uma objetividade de fato, mas apenas de
relação entre o fato e a interpretação, entre o passado, o presente e o futuro (TOYNBEE,
1987, p. 509).
15
Comparando com a criação do Universo que levou cerca de 15 bilhões de ano; do planeta
Terra que levou aproximadamente 5 bilhões de anos; a vida animal e a vegetal que levaram
cerca de 2,5 bilhões de anos; os dinossauros que surgiram próximo de 400 milhões de anos;
os répteis que apareceram cerca de 300 milhões de anos; os mamíferos que surgiram
aproximadamente 200 milhões de anos; os antropóides (primeiros primatas) que
apareceram cerca de 10 milhões de anos; os hominídeos (primeiros humanos) que surgiram
próximo de 4 milhões de anos; o homo sapiens (homem atual) que apareceu próximo de 150 a
50 mil anos; a civilização (cidade e Estado) que emergiu cerca de 10 mil anos; a filosofia que
surgiu próximo de 2.500 anos; a sociologia política que emergiu aproximadamente cerca de
500 anos (MORIN, KERN, 1995; CHARDIN, 2001).
16
Ethos é o conjunto dos costumes e hábitos fundamentais no âmbito do comportamento e
da cultura, característicos de uma determinada coletividade, época ou região (HOUAISS
et al, 2001).

19
ganho (cálculo individualista) e nem com a instituição do mercado tal como se conhece

atualmente. O seu padrão era com o grupo fechado, ou seja, com a comunidade doméstica.

Este tipo de comunidade perdurou a partir da sociabilidade de seus membros e não para

salvaguardar interesses individuais na posse de bens materiais (POLANY, 2000; TOYNBEE,

1987; WEBER, 1999).

Razão, resumidamente e sem um grande rigor, podia ser entendida na antiguidade

como a característica atribuída ao homem que o difere dos demais animais. O significado do

termo razão podia ser também a faculdade de avaliar com bom senso, sobretudo antes dos

trabalhos de Hobbes e Bacon 17, no qual era entendido como a capacidade, inerente à psique

humana, que habilitava o indivíduo a distinguir entre o bem e o mal, entre o falso e o

verdadeiro, em uma acepção muito mais voltada para o que hoje se conhece como uma

categoria ética. Embora, aparentemente, o conceito de razão não tenha se modificado,

certamente afasta-se, cada vez mais, do sentido supra de se opor à escravidão (ausência de

liberdade para pensar e agir): é naturalmente escravo aquele que tem tão pouca alma e

poucos meios, que resolve depender de outrem. Tais são os que só têm instinto, vale dizer,

que percebem muito bem a razão nos outros, mas que não fazem por si mesmo uso dela

(ARISTÓTELES, 1991, p. 13). A razão, tal como se conhece atualmente, é definida na

relação entre meios e fins. O equacionamento entre estes dois fatores é um legado da

máxima maquiavélica, reproduzida no trecho a seguir: Nas ações de todos os homens,

especialmente os príncipes, contra os quais não há tribunal a que recorrer, os fins é que

17
Francis Bacon e Descartes foram pensadores dos séculos XVI e XVII que criticaram a
escolástica (razão e fé sendo compatíveis devido á sua fonte comum no espírito de Deus
(ROHMANN, 2000, p. 135). O projeto de toda a vida de Bacon era a tentativa de
reconstrução da filosofia, pela qual o conhecimento se tornaria prático e, por conseguinte,
de grande valor. Saber é poder, declarou ( p. 40). Entretanto, Karl Popper argumentava que
a experiência crucial pode refutar, mas não pode confirmar definitivamente qualquer
hipótese científica: Aceitamos a teoria da gravidade, não porque é possível provar que a
maça jamais cairá para cima, mas porque isso não aconteceu até agora. Popper propôs a
falseabilidade (refutabilidade) como critério mais sútil que a verificabilidade (p. 422).

20
contam. Faça, pois, o príncipe tudo para alcançar e manter o poder; os meios de que se valer

serão sempre julgados honrosos e louvados por todos, porque o vulgo atenta sempre para

aquilo que parece ser e para os resultados (MACHIAVEL, 1995, p. 113). A partir de Hobbes,

porém, a razão moderna adquire significado de fruto do esforço, no sentido de aumentar a

capacidade de utilização de critérios objetivos (meios e fins) e cálculo utilitário de

conseqüências (HOBBES, 1979).

Atualmente, economia é um substantivo de difícil adjetivação, isto é, onipresente.

O conceito supera o gerenciamento da espacialidade doméstica, talvez, aproximando-se do

gerenciamento da vida planetária, tal como preconiza o agir econômico sob a égide da

racionalidade produtiva-utilitarista-individualista (BOBBIO et al, 2000; SEN, 2000). Aliás,

que se desfaça o mal entendido quanto à racionalidade utilitária maquiavélica e hobesiana:

aproximando-se da virtù maquiavélica, o indivíduo hobesiano almeja a honra (e não os bens,

como apregoam a racionalidade capitalista) que, embora seja um valor individual, é mediado

pelo julgamento do outro.

Não se têm dúvidas de que a instituição de mercado, comum desde as primeiras

civilizações humanas, não considerava os produtos, ainda, como valor de troca, conforme a

crítica marxista, mas sim como valor de uso. Neste período, o mercado era

predominantemente agropecuário 18. É importante notar que a natureza da agricultura não

comporta tantas subdivisões do trabalho (naquela época nem se quer existia o

agrobusiness), nem uma diferenciação tão grande de uma atividade para outra, quanto

18
Vale a observação: a tendência de estabelecer relações sociais com animais e plantas foi
realmente crucial para as origens da agricultura. Tais relações são estruturalmente
semelhantes às estabelecidas entre pessoas, apontada como uma conseqüência adicional da
integração entre as inteligências naturalista e social (a inteligência geral coordena 4
inteligências especialistas: técnica, lingüística, social e naturalista). Tanto a inteligência
naturalista como a social são compreendidas como uma série de processos cognitivos
dedicados a adquirir e processar informações, entretanto, enquanto a naturalista relaciona-
se aos recursos naturais, tais como plantas, animais e matérias-primas, a social facilita a
interação com membros do grupo social (MITHEN, 2002; LÉVY, 1998).

21
ocorre nas manufaturas (SMITH, 1997, p. 67). De certa maneira, a mercadoria é resultado

da distorção ou, melhor, da mercantilização de bens ou serviços. Isto é, um bem ou um

serviço se transformam em produto ou mercadoria quando são produzidos não para o

consumo direto, como valor de uso, mas para a troca, ou seja, quando adquire valor de

mercado. Valor de uso é a valoração de um bem ou serviço em termos de satisfação das

necessidades de alguém. Inclusive, o conceito de mais-valia surge quando alguém lucra em

função de discrepâncias entre valores de uso e troca (HUBERMANN, 1978; MORGAN,

1986).

A partir da Idade Média, o princípio da domesticidade tornar-se-ia mais complexo,

contudo sem ainda transformar todos os bens e serviços - substâncias naturais do trabalho

humano das comunidades, em mercadoria -, tal como se apregoou a partir da revolução

industrial. O sistema de produção e distribuição no período feudal pode ser entendido a

partir da derivação do princípio da domesticidade em dois outros princípios de

comportamento não associados basicamente à economia, tal como se a conhece atualmente:

reciprocidade e redistribuição. O princípio da reciprocidade era utilizado principalmente no

âmbito da comunidade, isto é, família, parentesco e vizinhança. A reciprocidade se baseia

na idéia: do que se dá hoje é recompensado pelo que se toma amanhã. A redistribuição era

utilizada por lideranças territoriais típicas do feudalismo, com a função de regular.

Entretanto, a figura de um aristocrata, típico das monarquias, ou de um burocrata, típico

dos despotismos centralizados, utilizava-se da redistribuição como forma de aumentar o

poder político (POLANY, 2000).

Assim como o racionalismo está para o Iluminismo (conhecido por Idade da Razão),

a divisão do trabalho 19 está para a Revolução Industrial (ambos surgidos no século XVIII).

19
No século XII, a palavra trabalho significava uma experiência dolorosa. Foi preciso
esperar até o século XVI para se poder utilizar a palavra trabalho em vez de obra ou de
labor. À obra (poièsis) do homem artista e livre, ao labor do homem pressionado por outro

22
A divisão do trabalho instituída nos processos de fabricação industrial superava o modo de

produção artesanal. A produção industrial fragmentou o trabalho, dividindo-o em tarefas,

cujas responsabilidades também foram fragmentadas (ditas também mecanizadas), de

modo que permitisse maximizar os processos fabris. Na atividade artesanal, a

responsabilidade e o manuseio do processo eram centralizados no artesão, contudo com o

apoio de aprendizes. O trabalho artesanal não deixa de ser uma atividade humana inerente

à própria vida. Não se trabalhava, ou melhor, não se produzia apenas para comercialização,

mas também por outras diferentes razões. O trabalho não é uma ação isolada do resto da

vida. Ele não pode ser estocado. Todavia, a divisão do trabalho mecanicista foi um divisor

de águas entre capital e trabalho: num lado estavam os proprietários de capital que podiam

pagar pelo trabalho dos outros, e no outro, estavam os trabalhadores que o vendiam, como

valor de troca (GORZ, 2003; POLANY, 2000; MORGAN, 1986).

Além da degradação causada por essa perspectiva mecanicista, houve a

desintegração do ambiente social e cultural do trabalhador. O local de trabalho se

modificou: para o artesão, o seu ofício era realizado em casa, na vizinhança, no território;

para o operário, o seu trabalho era realizado na fábrica que, não necessariamente,

localizava-se nas proximidades de sua residência 20. Surgiam, assim, os bairros ou, até

mesmo, as cidades industriais. Não só o trabalho foi particionado 21, mas a vida também

(HUBERMANN, 1978; POLANY, 2000). Desde o surgimento das primeiras cidades

ou pela natureza, acrescentou-se então ao ritmo da máquina. Seguidamente, a palavra


trabalhador deslocou o seu sentido para agricultor e operário. No fim do século XIX, os
três últimos termos mal se distinguiam entre si (ILLICH, 1976, p.49).
20
O processo econômico pode, naturalmente, fornecer o veículo da destruição, e quase
invariavelmente, a inferioridade econômica fará o mais fraco se render, mas a causa
imediata de sua ruína não é essa razão econômica – ela está no ferimento letal infligido às
instituições nas quais a sua existência social está inserida (POLANY, 2000, p. 130).
21
Significa dividido. Embora o termo particionado não conste em dois importantes
dicionários, Houaiss et al (2001) e Ferreira (1999) – este mais conhecido como Aurélio -,
vale-se da prerrogativa de usá-lo textualmente. É um termo usualmente verbalizado no
campo da engenharia de produção e sistemas.

23
industriais, elas eram constituídas predominantemente de migrantes (na sua maioria

composta de ex-camponeses e não somente de ex-artesãos) que deixaram para trás suas

famílias. Para que estes não entrassem em estado de carência social (pois não existiam as

facilidades dos meios de transportes atuais, como trens ou ônibus para visitar os

familiares, e nem ainda as facilidades da telecomunicação, celular e internet), precisava-se

criar um quadro de referência familiar novo que lhe fossem próprios. Esse grupo secundário

poderia se formar a partir do trabalho (do ofício) e poderia compensar a ausência familiar.

Entretanto, como se sabe as organizações industriais não são espaços sociais que fomentam

a cooperação entre as pessoas. Isto é, as organizações industriais acabaram não se

transformando nos espaços ideais aos quais as pessoas pudessem recarregar a energia vital

necessária para sobreviver, sobretudo em tempos difíceis como foi à revolução industrial.

Surgiam, então, as condições ideais para o surgimento do stress do trabalho (DURKHEIM,

1973).

Entretanto, não se deve confundir a divisão de trabalho originada pelas diferenças

sexuais e físicas humanas com a mecanicista. A divisão de trabalho mecanicista visa à

maximização tanto da alocação de recursos no processo produtivo, atualmente denominada

eficiência produtiva ou produtividade, quanto dos seus resultados, chamada eficácia

produtiva ou competitividade 22. A divisão de trabalho, de certa forma, está impregnada de

uma racionalidade utilitarista baseada meramente no cálculo de conseqüências econômicas

22
As estatísticas não refletem o ganho de Produtividade Hora Anual (PHA)associado
geralmente ao Management Industrial Norte Americano, mesmo considerando o boom de
tecnologias de informação e comunicação (TICs) no setor empresarial, conforme aponta o
quadro 3:
Quadro 3: Produtividade Horária Anual (PHA) na Indústria Norte Americana
Períodos PHA (%)
1993 até 1995 1,1
1950 até 1973 2,9
1850 até 1949 2,2
Fonte: Prêmio Nobel de Economia, Robert Solow, em 1989 (Apud CHANLAT, 1999).

24
de interesse individual, isto é: se alguém ganha, alguém perde. Aliás, distante até mesmo do

utilitarismo hobesiano, no qual as conseqüências coletivas eram ainda relevadas no cálculo

de conseqüências: razão..., nada mais é do que cálculo (isto é, adição e subtração) das

conseqüências de nomes gerais estabelecidos para marcar e significar quando

demonstramos ou aprovamos nossos cálculos para nos próprios, e significar quando

demonstramos ou aprovamos nossos cálculos para os outros homens (HOBBES, 1979, p.51,

52).

Como conseqüência da divisão do trabalho típica da Revolução Industrial, surge a

burocracia (final do século XIX e começo do XX). O conceito de burocracia transpassa por

uma mera abordagem metodológica de gestão organizacional, tal como ela é conhecida

popularmente. Suas características principais são as regras rígidas na unidade de comando,

como autoridade e responsabilidade, hierarquia organizacional verticalizada e divisão de

trabalho com níveis de especialização 23. Inclusive, esta característica é o princípio

norteador da produção em série inserida às linhas de montagem, tão bem ilustrada pelo

case, mundialmente conhecido, da fabricação do automóvel modelo T da Ford Motors, que,

posteriormente, serviu de inspiração para a automatização dos processos de produção. De

certa forma, a burocracia se expandiu para fora dos muros das fábricas, se alojando

dentro da sociedade. Aliás, esta perspectiva, tinha sido prenunciada pelo modelo ideal de

burocracia weberiano. Este fenômeno pode ser chamado mecanização. A mecanização

baseia-se numa racionalidade utilitarista baseada no cálculo de conseqüências econômicas.

As pessoas são vistas como recursos que, por sua vez, podem ser alocados e utilizados de

23
A burocracia oferece as bases de uma autoridade do tipo racional-legal, ou governo pela
lei (MORGAN, 1986, p. 149). As categorias fundamentais da dominação racional podem ser
sintetizadas da seguinte forma: (1) um exercício contínuo, vinculado a determinadas regras,
de funções... (2) determinada competência... (3) o princípio de hierarquia... (4) as regras
segundo as quais se procede... técnicas... e normas ... (5)... o princípio da separação absoluta
entre o quadro administrativo e os meios de administração e produção ... (6)... não há
qualquer apropriação do cargo pelo detentor... (7)... documentação dos processos ... (8)
dominação legal... (WEBER, 1999, p.143).

25
maneira eficiente. É a tentativa de racionalização utilitária de toda ação humana, cuja

finalidade é prever e controlar os comportamentos humanos (CHANLAT, 1999; MORGAN,

1986).

O fenômeno da mecanização pode ser ilustrado tomando-se como referência a

gestão das lojas McDonalds 24. A padronização dos processos e dos produtos é levada,

quase, ao seu extremo 25. Isto não implica dizer que seja totalmente maléfico, mas de todo

bom também não é. Corre-se o risco de que o próprio agir das pessoas, passa a ser

condicionado por um cálculo de conseqüências utilitarista, como fosse uma extensão do

processo produtivo. Inverte-se a máxima maquiavélica: os meios justificam os fins. Os

meios se transformam-se em estilos, e estes, por sua vez, transforma-se em modos de vida

baseados numa racionalidade produtiva e competitiva (explicada pela máxima do darwinismo

social), pretensiosamente hegemônica e predominantemente urbana 26. Todo tipo de

trabalho organizacional, inclusive o doméstico e o filantrópico, tomam feições utilitaristas.

A produtividade e a competitividade também se tornam medida no campo do lazer 27. De

certa forma, as pessoas se sentem culpadas por estarem desocupadas. Aliás, não se sabe se

o desempregado ou, melhor, o sem-trabalho se sente culpado tanto pela falta de dinheiro

para poder sobreviver como pela sua ociosidade. O lazer, de certa forma, acaba se

transformando numa premiação para quem trabalha. Quanto mais se trabalha, mais se faz

merecedor (DUMAZEDIER, 1999; ILLICH, 1976).

24
Por outro lado, o fato das lojas serem gerenciadas de modo burocrático não implica que
toda organização também o seja. Vale ressaltar que o modelo McDonalds de gestão de
negócio inspirou a idealização do franchise.
25
Inclusive, se têm dúvidas se até o sorriso, implícito no atendimento ao cliente, é
condicionado?
26
Cada estilo de vida acaba gerando o que popularmente se conhece por tribo.
Evidentemente diferente do significado antropológico de tribos (povos) indígenas.
27
É o tempo da mais livre expressão de si ou o da pior manipulação ou repressão da pessoa
(DUMAZEDIER, 1999, p. 12).

26
2.1 Perpassando pela Economia Clássica e Administração Científica

A Economia Clássica caracteriza-se por princípios pré-capitalistas. O sistema

capitalista, diferentemente do pré-capitalista, valendo-se das forças produtivas (matéria

prima + máquinas e equipamentos), condicionou as relações produtivas, ou seja, o que se

conhece por divisão do trabalho. A divisão do trabalho instituída nos processos de

fabricação, fazia-se oposição ao modo de produção artesanal, sobretudo por fragmentar o

trabalho, dividindo-o em tarefas (ditas mecanizadas), de modo que pudesse maximizar os

processos fabris. O princípio da divisão de trabalho facilitava e abreviava o esforço

humano pela utilização de meios de produção adequados. Inclusive, as máquinas muitas

vezes eram invenções dos próprios operários que, por sua vez, facilitavam a própria tarefa

no trabalho. A tecnologia daquela época e a administração científica 28, que surgiria quase

um século depois, contribuíram para reforçar este tipo de divisão de trabalho. Todos

precisavam associar suas habilidades profissionais para poder produzir. A racionalidade que

predominava no ato de associar-se não era de benevolência, mas da consideração que o

agente tem pelo seu próprio interesse. O excedente da produção do próprio trabalho,

descontado o seu consumo pessoal, permitia ao agente dedicar-se a uma ocupação

específica, e cultivar e aperfeiçoar todo e qualquer talento ou inclinação que possa ter por

aquele tipo de ocupação ou negócio (SMITH, 1997, p. 75)

Diferentemente do marxismo 29, a economia clássica acreditava que

independentemente do estágio de desenvolvimento econômico que se encontravam as

28
A administração científica, de uma maneira geral, abrange cinco princípios: o gerente
pensa e o trabalhador executa; métodos científicos, como o uso de estudos de tempos e
movimentos; selecionar a melhor pessoa para desempenhar uma função organizacional;
treinamento; e controlar o desempenho do trabalhador (TAYLOR apud MORGAN, 1986).
29
Entende-se por Marxismo o conjunto das idéias, dos conceitos, das teses, das teorias,
das propostas de metodologia científica e de estratégia política e, em geral, a concepção do
mundo, da vida social e política, consideradas como um corpo homogêneo de proposições até
constituir uma verdadeira e autêntica doutrina, que se podem deduzir das obras de Karl
Marx e de Friedrich Engels (BOBBIO et al, 2000, p.738).

27
nações, a figura do capitalista não condizia com a do explorador de trabalha alheio 30, mas

consistia num significado híbrido entre capitalista (como detentor dos meios de produção),

mercador (como distribuidor e varejista), intermediário (atuando entre os quatros agentes

da cadeia de produção: fornecedor, produtor, distribuidor e comerciante) e empreendedor

(criador e condutor de novos negócios). Naquela época, podiam-se apontar quatro tipologias

de organização pré-industrial: auto-consumo, baseado no sistema familiar; doméstico, com

características de auto-consumo, contudo comercializando o excedente da produção

doméstica; produção coletiva, baseado em um grupo organizado (corporativo); e fabril,

quando o excedente da produção coletiva torna-se o principal negócio (BOBBIO et al.,

2000; HUBERMAN, 1978; MARX, 2000).

Por outro lado, o que pode aproximar a economia clássica do marxismo é o

significado duplo do termo valor: primeiro, referindo-se a utilidade de um determinado

objeto e, segundo, ressaltando-se o poder de compra que o referido objeto possui como

mercadoria. Ou seja, o primeiro significa valor de uso e o segundo valor de troca 31. Para os

economistas clássicos o que determina o valor de troca são o trabalho e o incômodo que

custa a sua aquisição (RICARDO, 1996, p.23; SMITH, 1996, p. 87). O trabalho é o preço

real das mercadorias enquanto que o dinheiro é o preço nominal delas (SMITH, 1997) 32.

30
Entretanto, a figura do banqueiro (do financiador) implicava sim em exploração:
emprestar parece-lhe um mal porque não é vender. Emprestar mediante juros é a
capacidade de vender o mesmo objeto sempre de novo e de obter por ele, sempre de novo,
um preço sem nunca ceder à propriedade do objeto que se vende (PROUDHON Apud
MARX, 2000, p. 247).
31
Nada é mais útil que a água, no entanto dificilmente se conseguirá trocar água por alguma
outra coisa com ela (lembrar que a primeira edição do livro foi publicada em 1776), ou seja,
dificilmente se conseguirá trocar água por alguma outra coisa. Ao contrário, um diamante
dificilmente possui algum valor de uso, mas por ele se pode, muitas vezes, trocar uma
quantidade muito grande de outros bens (SMITH, 1997, p. 85 e 86).
32
Para Marx (1996, p. 270) o dinheiro é a figura metamorfoseada das mercadorias, em que
seus valores de uso específicos estão apagados.

28
Entretanto, para os marxistas o que determina o valor de uso é antes de tudo uma

substância social-histórica, e o seu ponto de partida é a mercadoria 33 (MARX, 1996; 2000).

2.2 Crítica da Economia Política

A divisão de trabalho, tipicamente industrial, desencadeou uma nova relação

entre homem-homem, inclusive, homem-natureza. A sociedade dividia-se basicamente em

duas classes sociais. Em um dos extremos estava a classe proprietária (privada) dos meios

de produção, chamada burguesia, e no outro a que não é proprietária destes meios, chamada

proletariado. A primeira explora a segunda. Este fenômeno é resultado de um processo

histórico da produção social da existência humana (economia) e da própria natureza do

capitalismo. Chama-o materialismo histórico. A crítica principal do marxismo é superar a

máxima da formação capitalista: alienação 34 do homem de sua própria essência, que é o

trabalho. A alienação é ainda legitimada pelo Estado e pela ideologia burguesa. O Estado é

apontando como um instrumento de dominação da burguesia perante a sociedade. Da mesma

maneira, a ideologia burguesa é um conjunto de representações fetichizadas 35 da realidade

humana, criada a partir da classe social composta pelos proprietários dos meios de

produção, e que perpetua a disparidade da relação de poder societário. Em suma, a

economia, conjunto das forças produtivas (divisão de trabalho) e das relações de produção

33
A circulação do dinheiro como capital é, pelo contrário, uma finalidade em si mesma, pois
a valorização do valor só existe dentro desse movimento sempre renovado. ... O capitalista,
ou melhor, seu bolso, é o ponto de partida e o ponto de retorno do dinheiro. ...circulação - a
valorização do valor – é sua meta subjetiva, e só enquanto a apropriação crescente da
riqueza abstrata é o único motivo indutor de suas operações. ... O valor de uso nunca deve
ser tratado, portanto, como meta imediata do capitalismo. Tampouco o lucro isolado, mas
apenas o incessante movimento dos ganhos (MARX, 1996, p.272 e 273). Se eu vender uma
mercadoria, vendo um determinado valor de uso. Se comprar dinheiro com mercadoria,
compro valor funcional de uso que o dinheiro possui enquanto forma transformadora da
mercadoria. Não vendo o valor de uso da mercadoria ao lado de seu valor de troca, nem
compro o valor particular de uso do dinheiro ao lado do próprio dinheiro (MARX, 2000, p.
195).
34
A alienação surge quando o homem não percebe as coisas como elas são.
35
As representações fetichizadas nada mais são do que a aparência da essência do
capitalismo. A aparência não é o oposto da essência e, também, não o é falsa. Ela é real.
Essência e aparência são da mesma substância (MARX, 2000).

29
(matéria-prima e meios de produção), também chamada de infra-estrutura, que acaba

condicionando a política e a ideologia, consideradas como superestruturas (HUBERMAN,

1978; MARX, ENGELS, 1996; 2002; MARX, 2000).

A ação econômica tipicamente capitalista surge da exploração da burguesia sobre

o proletariado. Em outras palavras, esta exploração chama-se lucro ou, então, mais-valia. Há

quem acredita que a mais valia origina-se da diferença entre valor de uso - valor em termos

de produção social 36 (o homem na sua essência mais pura) e o seu valor de troca - valor

como produto de mercado (o homem na sua aparência, isto é, como consumidor). A mais valia

é o lucro em função de discrepâncias entre os valores de uso e de troca. A aquisição da

mais valia é a fonte do capital, isto é, da riqueza. Embora pareça que a origem do lucro (ou

da mais valia) está na troca (circulação de mercadorias), Marx aponta que ele está no

processo de produção capitalista. Um operário recebe o seu salário para trabalhar 8 horas

diárias em uma fábrica. Supondo que trabalhando 5 horas fosse suficiente para pagar o seu

salário (chamado tempo de trabalho necessário), implicaria dizer que, às 3 horas restantes

seriam da mais valia (tempo de trabalho excedente) 37(MARX, 1996; MORGAN, 1986).

Aponta-se que a principal contradição do capitalismo é que ele produz uma enorme

quantidade de bens e serviços que não podem ser consumidos pelos trabalhadores que, por

sua vez, vão ficando cada vez mais pobres à medida que aumenta a exploração, isto é, a

mais valia. Para combater essa exploração capitalista de tradição burguesa, o receituário

marxista sugere alguns passos sistemáticos que o proletariado deveria cumprir: combate às

próprias máquinas; associativismo dos trabalhadores através do movimento sindical; tornar-

se uma classe social ou partido político; e culminando com a revolução contra a burguesia,

36
Valor em termos de satisfação das necessidades das pessoas.
37
Entretanto, o conceito de mais valia pode ser entendido de duas formas: absoluta e
relativa. A mais valia absoluta é o lucro originado da jornada de trabalho, conforme ilustrou
o exemplo. E a mais valia relativa é aquela que o lucro é resultado do aumento da
produtividade (ganho de escala) (MARX, 1996, p.331).

30
que implantaria o comunismo (abolindo as classes sociais), e, posteriormente, o Estado

(MARX, ENGELS, 2002). Esse período de transição seria chamado de socialismo.

Entretanto, as tentativas revolucionárias que marcaram história não estão isentas de

criticas (não é por isso que não haja méritos), sobretudo pelo establishment 38 socialista

estatal centralizador que se estabeleceu nestas experiências, substituindo a mão invisível

do mercado pelo Estado burocrático (SAMPAIO, 2005a).

38
Organização dominante e de pessoas que controlam a vida pública e dá suporte a ordem
estabelecida para a sociedade (LONGMAN, 1983).

31
CAPÍTULO 3: PROBLEMÁTICA SOCIOAMBIENTAL

A problemática ambiental surge a partir da discussão transversal entre recursos,

população e meio ambiente, alertando para os riscos ocasionados pela dinâmica do

crescimento econômico que não leva em conta a capacidade de suporte dos ecossistemas

(HIRSCH, 1979; MEADOWS, 1973). Atualmente, o debate está polarizado. De um lado,

preservar a lógica da dinâmica capitalista e da economia de mercado (causadora do

utilitarismo individualista), contudo valorando externalidades ambientais anteriormente não

customizadas (podendo ser clamada de neoliberalismo desenvolvimentista). Nesta

perspectiva, interessa preservar o circuito de acumulação de riquezas (conforme apregoa a

crítica marxista), baseado num sistema de produção que poderia ser inviabilizado pelo

esgotamento dos chamados recursos naturais e a crise ambiental anunciada. Todavia, o

desenvolvimento econômico ainda seria a forma ideal de se alcançar à sociedade de

consumo e o bem-estar, e para isso os países chamados do Terceiro Mundo deveriam

esforçar-se para ingressar no bloco dos países desenvolvidos (com IDH e Pegada Ecológica

elevados 39), como forma de superar os seus problemas sociais e ambientais. Um exemplo

para este raciocínio era a personificação da administração norte-americana Reagan - deve-

se melhorar a situação dos países ricos, para que estes possam relançar a economia -, e a

metáfora também utilizada no discurso liberal do ex-ministro brasileiro da economia

Delfim Neto: vamos crescer e depois repartiremos o bolo. O fracasso desta promessa

desenvolvimentista na solução dos problemas globais é evidenciado pelo crescente

sucateamento dos países do chamado Terceiro Mundo (geralmente com IDH médio e baixo,

entretanto com Pegada Ecológica baixa), provocado por uma excessiva concentração de

renda que conduz ao aumento dos contingentes populacionais em estado de miséria absoluta

39
Ao contrário do IDH, possuir uma Pegada Ecológica elevada equivale a um cenário
pessimista, isto é, ausência de capacidade de carga para proporcionar tal estilo de
desenvolvimento (WACKERNAGEL, REES, 2001).

32
e, ainda, pela incapacidade de carga do planeta provocada principalmente pelos países

chamados mais desenvolvidos, levando à insustentabilidade social e ambiental desse modelo

(DOWBOR, 1983; SACHS, 1986a, 1986b; TAMAMES, 1983, WACKERNAGEL, REES, 2001).

Por outro lado, há a discussão de se repensar a lógica da dinâmica capitalista e da

economia de mercado, submetendo suas modalidades técnicas (inclusive metodologias de

gestão organizacional) a um controle sociopolítico regulador mais rigoroso, como as suas

formas de divisão própria e de subordinação regulado a uma função objetiva concebida a

partir da lógica das demandas sociais, atrelada a um estilo de desenvolvimento menos

excludente. Assim, o ecodesenvolvimento critica alguns pontos cruciais de modos de vida

sob a perspectiva economicista, como por exemplo: escolher livremente entre uma grande

variedade de mercadorias, não quer dizer ser livre, mas sim, na maioria das vezes, se

adaptar às rijezas da oferta de bens e serviços; ou, ainda, há de se escapar da armadilha

de deixar que felicidade seja sinônima de se obter mercadorias, de forma a substituir as

satisfações afetivas, e assim correr o risco de dela se tornar escravo, mascarando a nossa

insatisfação afetiva e o nosso mal-estar. Sabe-se que a maioria desses bens é posicionais,

aqueles que representam melhoria de posição na sociedade dos que buscam status

correspondem aos custos transacionais e gerenciais (implicando cada vez mais agentes

intermediários), que crescem tão rapidamente nas nossas sociedades, trazidos pelas

mazelas da afluência, aos acidentes inerentes aos estilos contemporâneos de vida urbana e

aos modos de transporte, à depredação do ambiente, às deseconomias de escala da

megalomáquina e da sua gêmea megaburocracia (HIRSCH, 1979; MARCUSE, 2001).

3.1 Superando a Sociedade de Consumo

Na mesma proporção, as funções de produção reproduzem a liberdade econômica,

que nada mais é do que uma autolimitação do apetite por bens materiais e do desejo de

afirmação de status sociais através da desigualdade no consumo, oriunda de um excedente

33
econômico. Há, então, de reformulá-las concedendo maior liberdade cultural, proveniente

de uma redução do tempo de trabalho que gera o excedente econômico, de maneira a

liberar um excedente de tempo disponível, que poderá ser empregado individual ou

coletivamente com finalidades culturais, entre elas, lúdicas, religiosas, sociais,

educacionais, esportivas e outras. Portanto, a maneira pela qual a sociedade usa seu tempo,

define o seu estilo de vida. Este tempo de trabalho, mesmo quando o valor de troca estiver

suprimido, continua sendo sempre a sua sustância criadora de riqueza e a medida dos

custos exigidos pela produção. Mas, o tempo livre ou, melhor, o tempo disponível constitui a

riqueza mesma, consagrada em parte à fruição dos produtos, em parte ao exercício de uma

atividade livre, que não deve ser desempenhada como o trabalho sob a imposição de um fim

exterior que tem de ser realizado, quer se trate de uma necessidade natural ou de uma

obrigação social, pouco importa (HIRSCH, 1979).

Na perspectiva de uma percepção bipolar de tempo, produtivo - aquele em que a

personalidade se realiza - e improdutivo - ou até mesmo destrutivo de sua personalidade -,

a oposição freqüente feita entre tempo de trabalho alienante e o tempo de lazer

desalienante não tem nenhum sentido. O trabalho pode ser um ensejo de criação, ao passo

que o lazer forçado ou suportado passivamente é apenas fonte de tédio. Este emaranhado

complexo entre lazer e trabalho pode ser compreendido sob o enunciado de estilos de vida

que, concomitantemente, é causa e efeito da cultura (o homem é um animal amarrado a

teias de significados que ele mesmo teceu). Contudo, podem se apontar os limites do

conceito de cultura quando aprisionado pelos condicionamentos ecossocioeconômicos

contemporâneos que, na maioria das vezes, conduz aos estilos de vida aprisionados sob a

égide de apenas uma lógica – individualismo economicista. A rigor não existe uma cultura

melhor do que a outra, existem culturas distintas. Não se pode entender cultura dominante

34
como que ela fosse a melhor; se assim fosse poderia se pensar na possibilidade de haver

maioria equivocada.

Da mesma maneira que tal perspectiva possa sugerir certo exagero, a perspectiva

material-consumista apregoa ao local de trabalho a possibilidade de ócio, tais como:

canchas de esporte nas fábricas ou espaços para atividades lúdicas ou relaxantes, donde se

viabiliza a convivência harmoniosa entre escalões hierárquicos democraticamente

embaralhados. Não se sabe bem ao certo se tal fenômeno é oriundo ora de uma crença

puritana modernista de que a empresa pode tornar-se uma comunidade ou uma grande

família ora de um ato premeditado para dissolver diferenças e conflitos organizacionais. Da

mesma forma, a casa ou o universo privado de cada um também tende a ser integrado à

empresa por meio das tecnologias de informação e comunicação (TICs, a internet por

exemplo), possibilitando o trabalho a qualquer hora, sem necessidade de se deslocar (ao

menos evitando a circulação de veículos automotores que emite Dióxido de Carbono (CO2) e

nem tirar literalmente o pijama. A empresa passa a ser o lugar no qual o trabalho, a

convivência e os laços fraternos se juntam de forma entusiasmada e prazerosa (GEERTZ,

1989; FREITAS, 2000, p. 14; MORGAN, 1986; WACKERNAGEL, REES, 2001).

O direito de cada homem de buscar a coerência de um projeto existencial no

emprego do seu próprio tempo 40, ou ainda de ganhar consciência e autonomia, implica que as

suas singularidades naturais e individuais conseguirão gerar uma criatura original ou

irredutível. Nessa perspectiva, os homens são atores sociais, cada um conservando a sua

singularidade, de forma que assumam funções distintas na sociedade, conforme suas

ansiedades e possibilidades. Nestas funções que cada um de nós venha a ocupar, se espera

40
A noção de tempo pode ser percebida de maneira diferentemente. Da mesma forma que
há um tempo cronológico, há também um tempo humano subjetivo influenciado pelo saber
local e o senso de lugar vistos predominante em comunidades tradicionais costeiras e
rurais. Cinco minutos preso em um congestionamento de trânsito urbano aparentam ser
mais longos do que cinco minutos contemplando uma cachoeira (MAX-NEEF, 1993).

35
ações e reações, fruto de uma racionalidade não econômica ou não instrumental.

Racionalidade essa que conduz à verdade, conseqüentemente, à liberdade e à felicidade. O

exercício desta racionalidade substantiva conduz obrigatoriamente ao político, ao exercício

de opções que se refletem na sociedade subordinados a critérios éticos e mesmo estéticos,

e, acima de tudo, às relações de poder e à articulação em torno da produção da riqueza

material para a satisfação das necessidades humanas, tanto da sociedade civil e do Estado

como do mercado, restabelecendo o controle social sobre a tecnologia (SCHUMACHER,

1987; SACHS, 1986a, 1986b; NAESS, ROTHENBERG, 1990; MASI, 2000).

Schumacher, autor que elaborou os conceitos de tecnologia intermediária 41, não a

distingue explicitamente da tecnologia apropriada; entretanto, verifica-se que o conceito

de tecnologia intermediária se originou da necessidade de se adotar tecnologias de mão-de-

obra intensiva (típicas do desenvolvimento endógeno) nos países mais pobres, bem ao

contrário das tecnologias avançadas da modernização. Devido à existência de mão-de-obra

abundante e não especializada nos países chamados do terceiro mundo, Schumacher

formulou quatro proposições para combater os efeitos negativos desta alta tecnologia

nesses países: têm de ser criadas organizações nas áreas onde as pessoas vivem agora e

não, primordialmente, em regiões metropolitanas para as quais tendem a migrar; essas

organizações têm de ser, em média, suficientemente baratas para que possam ser criadas

em grande quantidade sem exigir um nível inatingível de formação de capital e importações;

os métodos de produção empregados devem ser relativamente simples, de sorte que a

demanda de grandes qualificações seja minimizada, não apenas no processo de produção,

mas também em matérias de organização, fornecimento de matérias-primas, financiamento,

comercialização etc.; e a produção deve ser principalmente dependente de materiais locais

41
Intermediária não é de aplicabilidade universal, e sim contextual, resultando uma
apropriada tecnologia intermediária (SCHUMACHER, 1983, p.164).

36
e, também, para o consumo local, tal como se apregoa em arranjos produtivos locais de base

comunitária (GLAESER, 1979; SACHS, 1986a, 1986b; SCHUMACHER, 1980).

Nesta mesma contextualização, Schumacher introduziu uma economia da não-

violência, que possa cooperar com a natureza em vez de explorá-la. Ele defendia o uso de

recursos renováveis já em meados de 1950, em uma época em que o otimismo tecnológico

glorificava o crescimento e a expansão econômica, considerando os recursos ilimitados.

Schumacher falava de uma tecnologia com rosto humano (CAPRA, 1988, p.171), produzindo

bens e serviços necessários e úteis, permitindo-se usar e aperfeiçoar talentos naturais e

habilidades, servindo aos demais, e colaborando com eles, para se libertar do inato

egocentrismo. Em seu trabalho A Guide for the Perplexed, Schumacher discute a filosofia

da modernidade, disparando tiros contra a sua racionalidade, que expurga a imaginação e os

sentidos, deixando-se convencer fosse pelo que fosse a não ser pela evidência da razão,

razão esta que nos torna donos e senhores da natureza (1987, p.21). A tecnologia

apropriada assim recupera, com proeza, conhecimentos preciosos que podem ser aplicados

em uma grande variedade de maneiras, das quais a tecnologia moderna é apenas mais uma. A

explicitação dos critérios aos quais há de obedecer à escolha de técnicas, produtos e

prioridades de pesquisa devem, em cada caso, resultar de uma reflexão normativa de

identificação das dimensões de tecnologia que incidem sobre os valores do estilo de

desenvolvimento, relevando a capacidade de carga cultural e ambiental da comunidade

(SCHUMACHER, 1983, 1987; SACHS 1986a, 1986b).

3.2 Superando a Dicotomia entre Sistemas Ecológicos e Sociais

Não se sabe bem ao certo quando surgiu a dicotomia entre sistemas ecológicos e

sociais. Uma corrente formada por ecologistas, predominantemente preservacionistas,

37
aponta para o criacionismo 42 como uma de suas principais causas. O criacionismo sugere

literalmente que Deus criou o universo e depois o homem, a partir de sua imagem, a menos

de 8.000 anos atrás para dominar outros seres vivos (animais e plantas), tal como se

interpreta o velho testamento (A Bíblia, 2001). Uma segunda corrente, composta por

ecologistas políticos, aponta à civilização grega como uma das mais importantes razões. A

civilização grega é vista como um marco da história da humanidade por recontextualizar,

redesenhar e recontar os fenômenos da natureza a partir da perspectiva antropocêntrica

(deuses com feições humanas), como tão bem ilustra as metáforas sugeridas pela Mitologia

Grega 43. Ambas correntes sugerem que o sistema social prevalece sob o ecológico. Uma

terceira corrente formada por ecologistas humanos aponta para o evolucionismo como um

dos principais marcos a terem causado esta sobreposição 44. Uma das principais teorias do

evolucionismo baseia-se nos princípios da seleção natural darwiniana, afirmando que

sobrevivem os membros mais fortes da espécie, ou melhor, os mais adaptados ao meio

ambiente (DARWIN, 1987). Esta corrente valendo da expressão darwinismo social, sugere

que a competição prevalece sob a cooperação e que esta sobreposição consiste na principal

estratégia de sobrevivência numa economia de mercado. Surgem, então, as denominações

recursos humanos e recursos naturais para designarem respectivamente indivíduos e

natureza como fossem elementos exclusivos da perspectiva econômica utilitarista

produtivista (ROZZI, 1999; SAMPAIO, 2005a).

Contudo compreende-se que a problemática ambiental é uma problemática

eminentemente social, que surge da maneira como a sociedade se relaciona com a natureza.

A problemática ambiental é senão uma problemática econômica, social, cultural e espiritual.

42
Segundo o capítulo Gênesis, tratando das origens do mundo e da humanidade, calcula-se
que a criação surgiu aproximadamente há 5.000 anos antes de cristo (A Bíblia, 1973).
43
Recomenda-se para os curiosos sobre o assunto a leitura do Livro de Ouro da Mitologia
(BULFINCH, 2001).
44
Contradizendo a estimativa de data de nascimento da Eva africana que é de
aproximadamente 143 mil anos (CAVALLI-SFORZA, 2003).

38
A natureza propriamente dita não tem problemas e se os têm são inerentes à sua dinâmica,

e resolvidos por ela (resiliência). O conceito de problemática ambiental, portanto, é um

conceito diretamente ligado às atividades sociais. Da mesma maneira que o homem

sobrepuja o próprio homem, o homem o faz com a natureza. (FERNANDES, SAMPAIO,

2007). Não há como dicotomizar indivíduo e cultura ou espécie e ecossistema como fossem

dois extremos opostos, não há como negar a interdependência entre sistemas ecológicos e

sociais. O indivíduo e a espécie humana são concomitantemente causa e efeito da cultura e

dos ecossistemas aos quais pertencem, assim como, ditos de outra maneira, são elementos

de um processo de cooperatividade numa dinâmica circular (MATURANA, VARELA, 2001).

Há um ponto comum mesmo entre visões de mundo que aparentemente parecem

contrárias, como por exemplo no biocentrismo, metaforizado no mito da natureza intocada

(preservacionismo), privilegiando sistemas ecológicos, e no antropocentrismo, caracterizado

pelo enfoque do desenvolvimento sustentável (conservacionismo), no qual se privilegia

sistemas sociais. Isto é, não há como preservar a natureza sem conservar as comunidades

tradicionais que nela habitam, ou vice-versa. Caso as comunidades tradicionais sejam

impedidas de satisfazerem suas necessidades mínimas (por exemplo: moradia e

alimentação), elas vão pressionar o equilíbrio da biodiversidade através de sua depredação

(exemplo: desmatamento e caça indiscriminada), ao invés de sua extração (exemplo: manejo

da floresta e cultivo de subsistência). No entanto, os recursos de propriedade comum não

podem ser divididos entre consumidores separadamente, neste caso apenas para as

comunidades tradicionais, quando acontece o uso individual normalmente resulta na

subtração da possibilidade de uso por outros, uma vez que o uso individual do recurso afeta

as chances potenciais dos demais usuários dos recursos (DIEGUES, 1996; BERKES In:

HANNA et al., 1996).

39
Não se sabe onde se inicia e termina as fronteiras dessas semelhanças e

diferenças entre os pares indivíduo-cultura e espécie-ecossistema.

Por um lado, a neurociência ou a biologia do conhecimento, herdeira

contemporânea da filosofia e das ciências biológicas e humanas, aponta que as expressões

faciais humanas, consideradas como um canal de comunicação não-verbal, tais como raiva,

medo, tristeza, felicidade e outros, independentemente donde se encontram o indivíduo da

espécie humana - dos confins (grupos isolados da Papua-Nova Guiné) às zonas urbanas de

grandes metrópoles (São Paulo, Santiago ou Nova York) - são reconhecidas e identificadas

como sendo as mesmas, isto é, a cultura ou o ecossistema pouco interfere na expressão

facial do indivíduo ou da espécie humana (ECKMAN In: GOLEMAN, 2003, p. 135) 45.

Por outro lado, a ecologia sugere o conceito de plasticidade fenotípica para

ilustrar tal interdependência entre estes pares. Este conceito faz referência a indivíduos,

que possuindo a mesma constituição genotípica, exibem formas (fenótipos) contrastantes

que variam conforme as características do ambiente em que se encontram. Por exemplo:

quando as folhas de uma planta chamada Ranunculus aquatilis se desenvolvem em um

ambiente aéreo, suas folhas apresentam uma forma composta com ramificações largas;

quando estas desenvolvem submergidas em água, suas folhas apresentam una forma

composta com ramificações delgadas; e quando estas desenvolvem entre a interface ar-

água, desenvolvem uma forma de folhas inteiras (ROZZI, 1997, p. 7) 46.

O sistema ecológico não funciona e tão pouco o sistema social através de relações

monopolares. Há uma circularidade dinâmica entre ambos. Aliás, o reducionismo, a

fragmentação para entender determinado fenômeno vêm provocando crescentes disfunções

45
Confirmando, segundo o autor, [...] o que já apontava o livro de Charles Darwin de 1872, A
expressão das emoções no homem e nos animais (ECKMAN In: GOLEMAN, 2003, p. 135).
46
Exemplo adaptado por ROZZI (1997), partindo de C. COOK. Phenotypic plasticity with
particular reference to three amphibious plant species. In: Modern Methods in Plant
Taxonomy (V. Heywood, ed.), pp. 97-111. Academic Pres, London, 1968.

40
nas inter-relações sistêmicas que ambos compõem. Os problemas mais significativos

contemporâneos não serão resolvidos de maneira disciplinar, isto é, por especialistas.

Muitos desses problemas tornaram-se problemas exatamente por terem sido tratados de

maneira unodisciplinar. O desafio da transdisciplinaridade é desfazer o feitiço que se tem

pela especialização, na sua máxima racionalista, e, ao mesmo tempo, resgatar

conhecimentos e sentimentos perdidos, reintegrando-os aos campos de saber diversos e,

assim, possibilitar a melhor compreensão e resolução dos problemas (MORIN et al., 2005;

MAX-NEEF, 2005).

41
CAPÍTULO 4: PARA PENSAR A VIABILIDADE INTERORGANIZACIONAL E A
EFETIVIDADE EXTRA-ORGANIZACIONAL

Superando a dicotomia entre sociologia compreensiva weberiana, que considera o

indivíduo como tendo precedência sobre a sociedade (WEBER, 1999), e sociologia

metodológica durkheimiana, que considera a sociedade precedendo ao indivíduo

(DURKHEIM, 2002), a ecossocioeconomia das organizações sugere a eminência de uma

ação extra-organizacional, isto é: o agente organizacional relevando os impactos de sua

ação sobre o entorno territorial. A ecossocioeconomia das organizações sugere a

superação do modo de produção capitalista hegemônico 47 - identificado pelo utilitarismo

econômico individualista que se baseia na supremacia do cálculo de ganhos individuais -

sobre outros tipos de ação social, resultando na perda de sentido valorativo, afetivo e de

costumes territoriais, tornando a ação social escrava de um cálculo meramente econômico

(SAMPAIO, 2005a).

Mesmo para Hobbes (1979) e Locke (2000) que apontam o estado de natureza sob

a concepção individualista, diferentemente da concepção aristotélica, proclamava-se a

possibilidade de um pacto de consentimento e não de submissão, denominado contrato

social ou, entendido aqui, como um arranjo interorganizacional. Rousseau (19XX) acreditava

que havia como conciliar liberdade e igualdade no estado da sociedade. A natureza no

homem permite a este superar a contradição inerente ao estado social; ou seja, entre as

suas inclinações individuais e os seus deveres coletivos, tal como se apregoa no arranjo

institucional (interoganização de ênfase sociopolítica) ou no arranjo produtivo (de ênfase

socioeconômica), mesmo porque se percebe que estes elementos necessitam um do outro

para se manifestarem. Assim, o arranjo interorganizacional não pode ser legítimo senão

quando se origina de um consentimento necessariamente consensuado. Este entendimento

47
Weber aponta que o Capitalismo tornou-se uma ética de vida, isto é um estágio superior
de vida social. Ele aponta que o Protestantismo foi uma alavanca e não a única causa da
conduta econômica capitalista. (2002).

42
mútuo sobrepõe-se às ações voltadas ao sucesso, às vezes chamadas equivocadamente de

estratégicas, materializadas em sujeitos oportunistas para influenciar outros

(HABERMAS, 1989).

A participação interorganizacional deve, então, girar em torno do espaço mediado

entre o interesse público e o privado, que é uma ação coletiva, operando sobre as bases da

intersubjetividade e do entendimento genérico pela linguagem trivial do cotidiano, em

distinção dos símbolos específicos vigentes nas diferentes instituições (entendidas como

organizações). O espaço público representa o nível onde se dá esse confronto de opiniões

que disputam o recurso escasso da tematização e da conseqüente atenção dos tomadores

de decisão. As esferas do Estado, mercado e sociedade civil, mesmo que ainda possuam

ambigüidades quanto ao caráter público do problema, ora se complementando, ora se

interpondo, devem ser vistas como potenciais criadores que enriquecem o processo de

negociação. Pois são elas (as esferas) que legitimam os processos participativos - como são

os arranjos institucionais e produtivos -, e que, conseqüentemente, possibilitam, no bojo da

discussão, o surgimento de questões estratégicas negociadas, o que, neste caso, é

necessariamente diferente da soma destas esferas (COHEN, ARATO, 1992; COSTA,

1994).

Todo arranjo interorganizacional presume uma igualdade moral e legítima, mesmo

se ainda a natureza puder introduzir a desigualdade em força física ou em gênio, tornando

todos iguais por convenção e direito. Todo indivíduo constitui uma interioridade por

excelência que o identifica com seus semelhantes. O homem natural está rudemente

sujeito à natureza física, à necessidade física, às coisas, ao outro; enfim, ao território

(SAMPAIO, 2005a).

Entretanto, o conceito de território deve estar distanciado da sua subversão ou

sua subordinação aos fluxos meramente econômicos, recompondo-se e reconceituando-se

43
como um movimento de elementos, entre eles, sociais, geográficos e naturais; e a

preocupação não está na definição de seus limites, mas nos entrelaçamentos que o

compõem. Não há, então, como estudar o território sem fazê-lo correlativamente, em duplo

sentido, com os demais contextos: local, microrregional, regional, nacional e internacional.

Entretanto, o território possui especificidades que não devem ser tomadas como mero

reflexo destes demais contextos. Sugere-se, então, que num cenário de gestão

interorganizacional ou arranjo institucional, o conjunto de entidades deverá refletir não

apenas a micro complexidade do território, mas também a macro complexidade dos demais

espaços (FISHER, 1993; SANTOS, 1994; LEVY, 1998).

Diante da transformação do homem natural em homo economicus, é necessário

resgatar o conceito original de virtuosidade 48, que é o de renunciar a si próprio. A virtude,

neste sentido, é o princípio vital (é o cimento, metaforicamente falando) para entender a

ecossocioeconomia das organizações. A ecossocioeconomia das organizações tem o desafio

de resgatar princípios da integridade verdadeiramente humana que podem ser sintetizados

na valorização e preservação de tradições e relações sociais mais solidárias; na geração de

trabalho e renda sob a perspectiva de modos de produção mais associativistas; no

revigoramento dos significados de virtude humana e do próprio Estado, distanciados do

racionalismo utilitarista; e na utilização apropriada dos recursos naturais e das capacidades

humanas locais (SAMPAIO, 2005a) 49.

48
Para Aristóteles o livre exercício da virtude é como a felicidade que acontece na
mediania, isto é, de modo que todos possam conseguir (1991).
49
Estes postulados atualizam quatro outros que vinham sendo utilizados pelo pesquisador
nos últimos anos, baseados na concepção do pesquisador Ignacy Sachs (Apud VIEIRA,
1992): satisfação das necessidades básicas das populações, tanto materiais como
psicossociais; self-reliance (promoção da autonomia) de comunidades locais, de maneira que
elas tenham gerência efetiva do seu desenvolvimento (sem decorrer em isolacionismo);
relação simbiótica entre homem e natureza; e reconsideração dos conceitos de eficiência e
eficácia econômicas (ponderando o utilitarismo organizacional) a partir das dimensões
socioambientais extra-organizacionais (SAMPAIO, BOHN, 2001; SAMPAIO, 2003).

44
Operacionalizando estes princípios da ecossocioeconomia nas organizações,

sugere-se que a gestão de empresas, de organizações públicas, de organizações não-

governamentais, bem como o arranjo interorganizacional que é composto por estes três

tipos de organizações deva ser conduzido pautado por critérios extra-organizacionais, no

sentido de incorporar demandas sociais oriundas do território ao qual a interorganização

está instalada, isto é, do território à organização; onde a racionalidade seja conduzida pelo

cálculo de conseqüências societárias, privilegiando as dimensões sócio-econômico-

ambientais (sustentáveis) para poder corrigir os equívocos provocados por um modelo de

gestão que privilegia apenas critérios intraorganizacionais (para dentro da organização),

baseado numa racionalidade econômica de cálculo de conseqüências apenas organizacional

(SAMPAIO, 2000; 2004b).

Critérios extra-organizacionais com dimensões sustentáveis, chamados de

efetivos ou de efetividade, devem guiar os intraorganizacionais, caracterizados pelos

vetores eficiência e eficácia. A eficiência é medida através dos processos de produção que,

no seu conjunto, determinam o grau de produtividade. A eficácia é verificada através dos

resultados desses processos de produção, que determinam, por sua vez, o grau de

competitividade. Essas definições de eficiência e eficácia surgem no âmago da

racionalidade utilitarista econômica. Não se propõe aqui que a efetividade seja um critério

que se sobreponha aos de eficiência e eficácia, mas se deseja redirecioná-los de modo que

possam superar o mero cálculo (meios-fins) utilitarista, que privilegia apenas a dimensão

econômica. É admissível se pensar em processos de produção (e seus respectivos

resultados) com algumas exigências éticas de comportamento, mesmo para o capitalismo,

que dirá para fragmentos emergenciais de novos sistemas de gestão socioambiental, onde

as pessoas não sejam regidas apenas por valores baseados em vantagem pessoal; não sejam

irredutivelmente egoístas e movidas pelo auto-interesse (SAMPAIO et al., 2003).

45
A efetividade organizacional ou interorganizacional se alcança quando os

processos de tomada de decisão relevam as conseqüências de tais atos à comunidade

(inclusive considerando o conjunto de trabalhadores da própria empresa), privilegiando o

homem não só na sua dimensão econômica ora como consumidor, ora como funcionário, mas,

também, na dimensão socioambiental, isto é, como cidadão. Para isso, o processo de tomada

de decisão organizacional, parametrizado pelo critério da efetividade, considera a

participação (direta ou indireta) dos atores sociais que vão sofrer as conseqüências de tais

atos, como sua principal estratégia. Participação é o processo de se tornar parte de alguma

coisa por opção, entretanto, a participação por si só tem sido insuficiente como estratégia

que possibilite a emergência de uma racionalidade mais solidária. Sugere-se, então,

adjetivá-la: participação compromissada, isto é, que vai além de um estado de participação.

É um sentimento de total responsabilidade na transformação do ideal desejado (visão) em

ação realizável (DOWBOR, 1987; TRATEMBERG, 1987; SCHERER-WARREN, 1993;

GONDIM, 1994; SENGE, 2001).

O marco desencadeador dessa participação compromissada ocorre quando o

tomador de decisão (chamado de sujeito da ação) inter-relaciona-se com aqueles que vão

sofrer as conseqüências destas decisões (na maioria das vezes denominados objetos da

ação). Nesta perspectiva, em algum momento, há uma simbiose interorganizacional entre

organização e seu entorno extraorganizacional, isto é, as conseqüências das ações dos

sujeitos impactam sobre eles próprios 50. Assim, essa ação compromissada, que surge,

sobretudo da insatisfação moral (vácuo institucional) provocada pelos interesses individuais

baseados no cálculo meios e fins utilitaristas, se configura, por sua vez, em uma

racionalidade alternativa mais solidária. Acredita-se que o vácuo institucional surge a partir

50
Como no exemplo de um proprietário de uma empresa de não ficar perturbado ao
despejar o esgoto industrial de sua empresa, sem tratamento no rio, no qual a comunidade
onde ele reside depende da boa qualidade de suas águas para viver com qualidade.

46
de uma disposição em fazer sacrifícios (quando se faz algo não só voltado para os

interesses próprios) para promover valores como justiça social e bem-estar da comunidade.

Se uma pessoa ajuda alguém em estado de miséria (quando os rendimentos econômicos não

permitem satisfazer as necessidades de alimentação), movido por um sentimento de

mudança de um sistema econômico que acha injusto, isto pode ser chamado de

comprometimento (SEN, 2000).

4.1 A gestão interorganizacional socioprodutiva

O Arranjo Produtivo Local 51 (APL) pode ser considerado como gestão

interorganizacional ou empreendimento coletivo 52 de um espaço territorial sociopolítico-

econômico que desencadeia uma dinâmica dialética entre cooperação e competição, com

foco em um conjunto específico de atividades econômicas (SACHS, 2003; VARGAS, 2003;

LASTRES; CASSIOLATO, 2003a; 2003b).

Diferentemente dos clusters, o APL concentra-se em micro e pequenas

empresas. Os clusters são agrupamentos de empresas em uma região com sucesso

extraordinário em determinado setor de atividade econômica na qual há predominância de

grandes empresas (PORTER, 1998; ALBAGLI; BRITO, 2002). O APL seria um estágio

anterior ao que se denomina sistema produtivo e inovativo local (RedeSist), que compreende

arranjos produtivos em que interdependência, articulação e vínculos consistentes resultam

51
O conceito de Arranjo Produtivo Local (APL) originou-se do conceito de distritos
industriais Marshallianos, no qual se descrevia um padrão de organização comum à
Inglaterra (final do século XIX e começo do XX), caracterizado por pequenas empresas
concentradas na manufatura de produtos específicos de setores como o têxtil, localizadas
geograficamente em grupamentos, em geral na periferia dos centros produtores (VARGAS,
2003, p. 8). Este conceito foi revitalizado nos estudos sobre a Terceira Itália. As
primeiras experiências que podem ser apontadas como constituindo um APL são as
denominadas villaggios produttivos, redes de empresas flexíveis localizadas em
determinadas regiões italianas, que se beneficiaram da existência de uma rede horizontal
de cooperação entre essas empresas (CASAROTTO Fo., PIRES In: SIEBERT, 2001;
SACHS, 2003; SUZIGAN, 2000).
52
Empreendimento Coletivo é a denominação utilizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE).

47
em interação, cooperação e aprendizagem, com potencial de gerar o incremento da

capacidade inovativa endógena, da competitividade e do desenvolvimento local (LASTRES;

CASSIOLATO, 2003a, 2003b).

Assim, com ênfase associativa comunitária, surgem expressões como arranjo

socioprodutivo de base comunitária ou redes de economia solidária ou capital social.

Adota-se a primeira denominação por se considerá-la um termo com menor

doutrina ideológica cooperativista, na qual empresas mercantis, cooperativas, consumidores

organizados, diferentes instâncias de governo e organizações ou quase organizações

(movimentos) da sociedade civil convivem na dialética de interesses de uma outra economia,

isto é, nas convergências e divergências entre os partidários do livre mercado,

ambientalistas e socioeconomistas (variando nos diversos graus entre oportunistas e

idealistas), subentendendo que, tanto modos de produção quanto de distribuição - e por que

não de consumo? - mais solidários tenham chance de ocorrer no nível comunitário. Parte-se

do pressuposto que a comunidade é um tema transversal à própria questão da

territorialidade, assim como o são as questões de gênero, pobreza e meio ambiente.

Entretanto, evidencia-se a importância da ação territorial (SAMPAIO et al., 2005b).

Por restrições quanto ao uso do termo capital social, por sua suposta conotação

utilitarista economicista, prefere-se utilizar o termo Arranjo Socioprodutivo que designa

ampliação do contexto das relações produtivas, perpassando pela perspectiva da economia e

adentrando na perspectiva da sociologia e das ciências ambientais. Isto é, a denominação

arranjo socioprodutivo pode incorporar todo o discurso da Sociologia Econômica - que pode

ser definida como a aplicação de idéias, conceitos e métodos sociológicos aos fenômenos

econômicos (SWEDBERG, 2004, p. 7) -, e das Ciências Ambientais – que relativiza as

relações produtivas a partir da complexidade da dinâmica socioambiental. Entretanto,

compreende-se o uso do termo capital social, assim como se considera fundamental

48
reconhecer o uso do termo capital natural (na perspectiva da Economia Ecológica) como

recursos naturais e serviços ambientais como tendo funções e valores econômicos positivos,

e que tratá-los como preço zero (como se faz muitas vezes na perspectiva utilitarista

economicista) seria um risco sério de exauri-los ou manejá-los insustentavelmente

(MERICO, 2002, p. 36).

O associativismo designa toda ação coletiva baseada numa modalidade

qualificada de cooperação, isto é, aquela que privilegia a cooperação sem desconsiderar as

coações impostas pela busca de competitividade sistêmica ou territorial (SINGER, 2002).

Arranjo socioprodutivo de base comunitária é um micro-empreendimento compartilhado

(articulado) no qual se supera a competitividade utilitarista econômica e se privilegia ações

no âmbito de uma rede horizontal de cooperação (SAMPAIO, 1996; ARAUJO, SAMPAIO,

2004).

Trata-se de agregar valor aos pequenos socioempreendimentos e, assim,

aumentar as possibilidades de sobrevivência sócio-empresarial diante de uma economia de

mercado. Acredita-se que uma outra economia se estabelecerá quando for dado aos

socialmente excluídos tratamento especial, isto é, fomentando políticas públicas que

combatam a alta mortandade de empreendimentos populares, que, em geral, não encontram

meios de se estruturar na economia de mercado, em que predominam empresas dotadas de

grande poderio tecnológico, detentoras de profissionais altamente qualificados e, ainda,

com facilidade de acesso ao crédito. No desespero em sobreviver à acirrada competição na

economia de mercado, a maioria dos grupos organizados (chamados informais 53), micro e

53 A questão da informalidade é um problema complexo, porém, deve ser combatido com


certa urgência. Estima-se hoje que para cada 100 novos postos de trabalho criados, cerca
de 70 são informais. Na Índia o emprego informal representa 93% do total (dos quais 60%
estão no emprego informal agrícola). No México equivale a 64% e na África do Sul a 34%.
A inclusão no mercado e a saída da informalidade são prementes e faz-se necessário
investir em políticas públicas privilegiando os menos favorecidos, ou seja, os
empreendedores que estão em pé de desigualdade, estruturando-os para enfrentarem o

49
pequenas empresas fazem uso de práticas, tais como: salários baixos, sonegação ou

postergação de encargos trabalhistas e impostos, sobretrabalho (longas jornadas de

trabalho) e, inclusive, apropriação predatória de recursos naturais (SACHS, 2003, 2004).

O arranjo socioprodutivo de base comunitária é composto por uma micro-rede

interorganizacional principal que desencadeia outras micro-redes, conforme ilustra a figura

1. A micro-rede principal não é a mais importante do arranjo, mas é aquela que tem como

função incubar as demais. Na constituição desta rede maternal há encadeamentos

produtivos verticais à montante (para trás) e à jusante (para frente). Isto é, a relação

vertical predominante entre fornecedor-produtor caracteriza-se como à montante, e a

relação produtor-distribuidor caracteriza-se como à jusante. A micro-rede possui também

encadeamentos produtivos horizontais. A relação horizontal predominante é entre

produtores (serviços e bens) terceirizados, todavia sem ser espúria, isto é, sem ser

economicamente desigual, socialmente injusta e ecologicamente imprudente (SAMPAIO et

al., 2004b, 2004d; DIAS, 2004; MUNDIM, 2005).

Figura 1: Micro-Estrutura do Arranjo Socioprodutivo de Base Comunitária


(APL.Com)

Encadeamento Produtivo
Vertical (à montante)
Encadeamento Produtivo Encadeamento Produtivo
Horizontal Micro-rede Principal Horizontal
(organização de apoio) (terceirização não espúria)
Encadeamento Produtivo
Vertical (à jusante)

Fonte: Baseado em Sampaio, Mundim, Dias (2004) inspirado em Sachs (2003).

Para se constituir uma micro-rede interorganizacional são utilizados

encadeamentos produtivos da economia local. Os encadeamentos produtivos são as relações

mercado com condições de competitividade e produtividade suficientes para gerarem


trabalho e renda. (SACHS, 2003; SACHS, 2004).

50
interorganizacionais, pelas quais passam e vão sendo transformados e transferidos insumos,

produtos intermediários e acabados, processos de produção, distribuição e pós-venda. Cada

membro ou conjunto de membros do encadeamento se especializa em etapas distintas do

ciclo econômico (ALBAGLI; BRITO, 2002).

No caso de um arranjo socioprodutivo de base comunitária é necessário

fomentar a criação de novas organizações do tipo associativistas autogestionárias (os

próprios trabalhadores gerenciam), permitindo que pessoas ou grupos excluídos da

economia de mercado possam ser integrados. Para que isso aconteça devem ser reguladas

as possíveis relações espúrias entre produtores de modo que se possa evitá-las. Por

exemplo: diante de um processo de terceirização de uma empresa, a criação de uma

cooperativa de trabalhadores não poderia ser motivada apenas pela mera decisão de

diminuir custos trabalhistas, mas também pela perspectiva de aumentar a oferta de

trabalho na comunidade 54. Gestada a micro-rede maternal, esta se expandiria às demais

micro-redes. Seria difícil de prospectar todos os possíveis desdobramentos deste

arranjo 55. Embora os micro-empreendedores de um mesmo ramo compitam entre si, não se

excluem iniciativas e ações que podem ser compartilhadas, voltadas à solução de problemas

comuns, como atuação conjunta na economia de mercado para compras e vendas

compartilhadas, negociação com governos municipais, aprimoramento da infra-estrutura e

da rede de serviços locais (tais como qualificação profissional ou re-qualificação, inclusão

54
Ressalta-se aqui as chamadas “pseudocooperativas” que “consistem em formas
disfarçadas de terceirização, onde um elo da cadeia produtiva de determinadas empresas é
desmembrado, e confia-se sua produção a um grupo de trabalhadores, que perdem a relação
empregatícia e os direitos sociais e passam a ser fornecedores autônomos da mesma
empresa” (DOWBOR, 2002, p.43).
55
Os Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul possuem os maiores índices de criação
de pequenos empreendimentos no Brasil que, aliás, pode ser atribuído, sobretudo em Santa
Catarina, pelo modelo de desenvolvimento baseado na cooperação mútua e na relação
empresarial familiar (CUNHA, VIEIRA In: VIEIRA, 2002; SACHS, 2003).

51
digital 56) e articulação com centros de pesquisa, sobretudo com as Incubadoras

Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs) surgidas dentro das universidades. Assim,

os arranjos socioprodutivos de base comunitária contribuem para uma maior

competitividade e também resiliência 57 (capacidade de auto-regulação) no conjunto de

micro-empreendimentos mais integrados (SACHS, 2003).

A autogestão, de acordo com Motta (Apud Mantovaneli Jr., 2001), é o plano em

que se dá o exercício coletivo do poder para decidir sobre os destinos, os processos e os

resultados do trabalho na aquisição e distribuição de renda. O arranjo socioprodutivo de

base comunitária corporifica, portanto, um processo de conhecimento da realidade na qual

a decisão organizacional busca, em linhas gerais, superar o nível da participação meramente

motivada por interesse individual e descompromissada do ponto de vista sociopolítico.

Aspectos estes considerados importantes para o encaminhamento de uma proposta na

direção de uma outra economia. Em outras palavras, a autogestão alimenta o cultivo de

práticas associadas ao ideário do empreendedorismo coletivo, mediante o qual se procura

garantir direitos iguais entre aqueles que se associam para financiar, produzir, comerciar

ou consumir mercadorias. O princípio autogestionário desvela a possibilidade de se

introduzir modificações estruturais nos sistemas de gestão empresarial, estimulando-se a

descentralização de poder e o senso de responsabilidade compartilhada, aumentando-se as

chances de lucratividade e bom posicionamento no mercado, remunerando-se a mão-de-obra

56
O pesquisador participou como co-autor, em dois momentos diferentes, na formulação de
um projeto interinstitucional e internacional de qualificação e re-qualificação profissional:
(1) VIEIRA, Deodete Packer (Coord.); SAMPAIO, Carlos Alberto Cioce; et al. Demand
Driven Ubiquitous Professional Qualification and Requalifiquation. Projeto Classificado no
Edital Sociedade da Informação, Fundação de Ciência e Tecnologia de São Paulo (FAPESC).
Brasília, 2002; (2) TISTAD, Per (Coord.); SAMPAIO, Carlos Alberto Cioce; et al. IT
Vocational Training Program. Project submitted to Alliance for The Information Society
Support for The Project Participation to @Lis Pilot & Demonstration Projects, European
Commission. Stockholm (Sweden). 2002.
57
O conceito de resiliência consiste na capacidade da natureza de recuperar-se de forma
natural (CALCAGNI et al., 1999).

52
acima da média do mercado, valorizando-se a capacitação contínua dos trabalhadores e,

finalmente, expandindo-se os espaços de inclusão social e exercício da cidadania. O

mercado pode deixar de ser uma referência passando a ser norteado por imperativos

sociais e ambientais, o que redunda em sustentabilidade econômica (VIÉGAS In: VIEIRA,

2003; SACHS, 2003; SAMPAIO et al., 2004).

Estas modificações podem emergir e se consolidar progressivamente a partir

do surgimento de fissuras nos sistemas de auto-regulação pela via do mercado – a exemplo

do descontentamento das pessoas quanto à legitimidade da racionalidade econômica

unidimensional face à virulência da crise global do meio ambiente e do desenvolvimento.

Entretanto, pelo fato de desafiarem o paradigma economicista dominante, torna-se de

difícil compreensão para o público leigo e em obstáculo quase intransponível para parte do

público dito “ilustrado”. Seu entendimento pressupõe, entre outros, um esforço tenaz de

superação da dicotomia economia formal versus economia informal - que, aliás, não traduz a

complexidade da economia real -, além da incorporação, num debate social cada vez mais

amplo, dos princípios da economia doméstica (ou de subsistência) e da chamada economia

solidária ou descalça (MAX-NEEF, 1986; SACHS, 2003).

53
CAPÍTULO 5: PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO SOB A PERSPECTIVA DA
EXTRA-RACIONALIDADE E DO ENTORNO EXTRA-ORGANIZACIONAL

O processo de tomada de decisão sugere a seleção de alternativas. A seleção se

ajusta entre circunstâncias, externas e objetivas, e desejos, internos e subjetivos: o que

as pessoas podem fazer e o que elas querem fazer (ELSTER Apud PECI, 2003). Em outras

palavras, é a mediada entre as liberdades positiva e negativa. Diz-se normalmente que um

indivíduo é livre positivamente na medida em que nenhum outro homem ou nenhum grupo

interfere nas decisões desse indivíduo; e quando a liberdade tem relação com a área de

controle e não com a sua essência, têm-se, assim, os preceitos de liberdade negativa

(BERLIN, 1979).

Diante da complexidade desse ambiente intersubjetivo e organizacional, com

múltiplas alternativas de ação, variando ora ante ao estado de ânimo dos decisores ora

perante as combinações possíveis entre fatores do ambiente externo 58 e interno, o

processo de tomada de decisão organizacional ou interorganizacional pode ser subdividido

por um conjunto de etapas pedagógicas, chamado de metodologia ou tecnologia social, para

ser mais bem compreendido. As metodologias de tomada de decisão, como o planejamento e

a gestão organizacional, são conduzidas através da ação social, denominada racionalidade

(SAMPAIO, 2000).

A racionalidade é uma qualidade do pensamento humano e do comportamento que

resulta da adaptação da razão, ou seja, da capacidade de pensar de maneira ordenada e

lógica (DAMÁSIO, 1995, 1999; LENT, 2004). Entretanto, a racionalidade não está isenta

de contradição, isto é, ela pode ter um componente ilógico quando se sobrepõem interesses

58
Sabe-se que na prática, muitas vezes, há dificuldade de situar determinados fatores
como compondo o ambiento externo ou o interno, sobretudo quando se considera a
perspectiva interorganizacional (SAMPAIO, 2000).

54
individuais sobre sociais ou, ainda, racionais sobre emocionais 59. A racionalidade é sempre

um atributo individual, todavia não isolado do coletivo (SOUTO-MAIOR, 1998), como Hegel

(Apud CHANLAT, 1998, p. 10) aponta: a realidade humana só pode ser social: é preciso, ao

menos, ser dois para ser humano ou, ainda, como apregoa a chamada inteligência coletiva,

que pode ser definida como trabalhar em comum acordo, isto é: aproveitando a diversidade

de talentos individuais de um grupo com seus diferentes graus de competência,

conhecimento e saberes (LÉVY, 1998). Contudo, há limitantes sob a justificativa de que

pequenos grupos são mais eficientes e viáveis do que grandes grupos, ou seja, quanto maior

o grupo menos ele promoverá seus interesses comuns (OLSON, 1999) 60.

A racionalidade significa aderência pelo individuo a um conjunto de valores

embutidos no senso coletivo. Geralmente, o senso comum não pode ser especificado,

sobretudo por conter componente valorativo (tácito) territorial, podendo conduzir ao

seguinte questionamento: a final de contas é racional para quem? Podendo inferir que toda

vez que um indivíduo escolhe uma norma de ação em lugar de outra está se ordenando a

partir de uma lógica, muitas vezes, baseadas no coletivo. Portanto, não existiriam

interesses sociais independentes dos interesses individuais de seus membros (MORGAN,

1986).

59
O piloto encarregado de aterrizar um avião, em condições atmosféricas desfavoráveis,
não pode permitir que os sentimentos perturbem sua atenção aos por menores. E, no
entanto, precisa de sentimentos para não se desviar dos objetivos de seu comportamento,
como o de responsabilidade pela vida dos passageiros. Ou, ainda, que emoções não
controladas e mal orientadas podem constituir em um comportamento irracional, tampouco
negar que um raciocínio aparentemente normal pode ser perturbador por inflexões sutis
enraizadas nas emoções, a exemplo: (a) 10% das pessoas que sofrem acidentes nas estradas
morrem; (b) 90% das pessoas que sofrem acidentes nas estradas sobrevivem. Embora (a) e
(b) digam a mesma coisa, se tem a impressão que não! (DAMÁSIO, 1995).
60
De qualquer maneira, contribui para desfazer o mal entendido provocado pela metáfora
tragédia dos comunas, sugerindo que indivíduos que utilizam conjuntamente o mesmo
recurso são incapazes de se auto-organizarem e, assim, engajarem em uma ação coletiva.
Diferentemente do livre acesso, portanto, sem controle de usuários, a propriedade comunal
ou comunitária significa que o recurso deve ser controlado por uma comunidade definida de
usuários que, por sua vez, podem excluir outros usuários e regulamentar os usos (BERKES
In: HANNA et al., 1996).

55
A racionalidade vem sendo historicamente sistematizada em tipologias, tais como:

utilitarista econômica, baseada em cálculo de conseqüências individuais 61 de curto prazo;

utilitária coletiva, apontada por Souto-Maior (1988), que se baseia no cálculo de

conseqüências coletivas; substantiva, baseada em valores, inclusive tradicionais, e não em

cálculos, conectados à ética da razão, à intersubjetividade e a emancipação humana

(WEBER, 1999; RAMOS, 1981; HABERMAS, 1989; HOBBES, 1979); e a chamada extra-

racionalidade, podendo ser considerada como uma pré-racionalidade, baseada em um

conhecimento ainda pouco visível: tácito (DROR Apud SOUTO-MAIOR, 1988).

É importante ressaltar que é quase uma máxima considerar a não possibilidade de

inclusão de objetivos solidários no cálculo de conseqüências embutido na racionalidade

utilitária coletiva. Este equívoco surge da identificação desta racionalidade com a

racionalidade utilitária econômica, contendo a máxima do egocentrismo. Um indivíduo pode

sim calcular conseqüências, objetivando a solidariedade, contrariando a máxima

maquiavélica: os fins justificam os meios (MACHIAVEL, 1995). Pode-se imaginar alguém

dando esmola a um mendigo sem ter a intenção de livrar-se dele, porém tendo a intenção de

ajudá-lo (SOUTO-MAIOR, 1998).

As tipologias de racionalidade apontadas anteriormente podem variar entre dois

extremos: objetividade e subjetividade. De certo modo, sem grande rigor, a objetividade

relaciona a racionalidade individual à organizacional, em outras palavras, o quanto que uma

ação individual é aceita perante a organização. Enquanto que a subjetividade está

relacionada a uma pré-racionalidade individual e que não é aceita, todavia, na organização.

Isto poderia sugerir que a objetividade está conectada ao mundo da realidade e a

subjetividade está conectada ao mundo das idéias, ou seja, ao mundo dos sentimentos

(MATURANA, VARELA, 2001; GOLEMAN, 2003).

61
Embora Hobbes tenha relativizado o cálculo individual ao coletivo, o utilitarismo
hobesiano é empregado pejorativamente na literatura como cálculo meramente individual.

56
Um processo de tomada de decisão organizacional pode ser conduzido a partir da

interação de três variações sócio-individuais, denominadas aqui: comportamento,

autodeterminação e emoção. O comportamento se manifesta a partir da racionalidade

utilitarista econômica, sob o sentir condicionado, ou seja, é quase uma máxima sentir-se

bem quando se alcançam resultados econômicos favoráveis, não se importando com o que

aconteceu com outros sujeitos. A teoria econômica neoclássica tem como premissa básica

que o comportamento humano é eminentemente racional, defendendo que os consumidores e

empresas atuam racionalmente maximizando seus valores individuais (PECI, 2003). A

autodeterminação se manifesta a partir da combinação da racionalidade valorativa e

utilitária coletiva, sob a égide do atuar ético, isto é, preocupando-se também como que os

resultados serão alcançados 62. E, por último, a emoção se manifesta baseada na pré-

racionalidade, sob a interação entre o atuar ético e o sentir autêntico, isto é, aquele

despreocupado com o comportamento social (SAMPAIO et al., 2006a).

Entre o ato de idealizar e o ato de agir há diferenças significativas. O mundo das

idéias é muito diferente do mundo da ação: o que pode ser dito nem sempre pode ser feito.

Além do mais, há diferenças tanto nos sistemas de produção de idéias e ações quanto na

velocidade em que as idéias e as ações são produzidas, em outras palavras: as idéias podem

desaparecer e mudam mais rapidamente que as ações (BRUNSSON, 1994).

Cabe a consideração que fatores emocionais estão sim relacionados à formulação

das idéias e à produção de ações, em outras palavras, ao processo de tomada de decisão 63.

Tal como sugere a neuroeconomia quando desmistifica que o processo de tomada de decisão

62
Segundo Ramos (1989), os principais representantes da Escola de Frankfurt:
Horkheimer, Adorno, Marcuse, Habermas e outros tentam restabelecer o papel da razão
como categoria ética, tal como concebia Aristóteles.
63
Damásio (1995) aponta que danos cerebrais em uma área específica do córtex pré-
frontal, onde processam emoções secundárias (empatia), com funções normais - linguagem,
habilidades motoras, atenção memória, inteligência - tem dificuldade para tomar decisões
triviais.

57
é resultado final de um acordo entre agentes (neste caso, agentes econômicos) firmado sob

a justificativa racional, sugerindo que recentes estudos apontam contradição no sistema

autônomo de respostas dos tomadores de decisão, pois não é percebida de maneira

consciente e, portanto, não depende do controle cognitivo ou racional do sujeito. Isto

sugere que as emoções exercem também papel central, sobretudo quando as decisões são

tomadas momentaneamente (GLIMCHER, 2003). Pode-se dizer que a racionalidade é o

filtro da emoção, isto é, quando um indivíduo passa por uma situação que exige reação

imediata, a racionalidade depura a reação emocional instantânea como um mecanismo de

seleção lógica (DAMÁSIO, 1995, 1999; ECKMAN, DAVIDSON, 1994). A emoção não é o

sensível, nem o percebido, porém é o querer, anterior à razão, à lógica que esquematiza e

calcula (THIRY-CHERQUES, 2003). Negar o subjetivo é negar as diferenças, a

individualidade do próprio homem. Em outras palavras, não existe a impossibilidade de

julgar o subjetivo, o que pode existir realmente é o medo das conseqüências que pode ter

tal discurso (MAX-NEEF, 1993).

Deve-se relevar também no processo de t

omada de decisão o conhecimento construído por quem vive no território ou quem

vai sofrer as conseqüências das ações planejadas, tal como se vê em um arranjo produtivo

local, e não considerar apenas a perspectiva do parecer técnico dos especialistas (BERKES

In HANNA et al., 1996; DIEGUES, 2003). O conhecimento tradicional, por exemplo, é um

tipo de conhecimento que não se visualiza através da ação racional individual ou

organizacional, quando visto sob o viés do utilitarismo econômico e da economia de mercado.

Aliás, sob esta perspectiva é concebido, quase, como irracional.

58
A dimensão tácita do conhecimento ou, também chamada, extra-racional é de

difícil valorização racional, entretanto, não podendo ser considerado como irracional 64. É

um conhecimento que se comparte no âmbito local, nos simbolismos do saber local (DROR

Apud SOUTO-MAIOR, 1988; TUAN, 1980; POLANY, 1983).

Valendo-se das idéias de DAMÁSIO (1996; 2000), a dimensão tácita do

conhecimento existe nos níveis de consciência ampliada dos mais profundos que, de fato, é

característica exclusivamente humana. A dimensão tácita pode ser factível quando

disseminada entre agrupamento de indivíduos que vivem em um mesmo território e que

subjetivamente reconhecem padrões de pensamento e de ações ou estados de condutas e

de comportamentos coletivos. Ela se materializa nos olhares, no agir das pessoas, na

sensibilidade quanto ao território (inclusive na organização). É um conhecimento de ênfase

cultural-social territorial. Por sua vez, quando este é racionalizado como modo de produção

coletivo, transforma-se em conhecimento tradicional ou sabedoria local, isto é, de ênfase

cultural-produtiva territorial (DIEGUES, 2003). Os aprendizes, por exemplo, trabalham

com seus mestres e apreendem sua arte através da observação, imitação e prática,

considerado um saber local. É quase axiomático que o bom artesão ou o bom gestor é aquele

que tem experiência (SAMPAIO, 2003; 2004a).

Portanto, de um lado, é necessário permitir uma flexibilização na busca do

entendimento do saber científico, considerando os saberes tradicionais e a dita dimensão

tácita do conhecimento, gerando subsídios para a formulação de decisões coladas à

realidade e que, conseqüentemente, solucionam os problemas mais importantes, concebidos

como estratégicos, do mundo da vida.

64
Segundo Granger (2002), a própria forma lingüística da palavra irracional é
manifestamente negativa ... (p. 11), entretanto, ... consiste na ausência de coerência de um
sistema de valores ... por impossibilidade de colocá-los em aplicação simultaneamente (p.16).

59
CAPÍTULO 6: ESTADO ATUAL DO CONHECIMENTO SOBRE EXPERIÊNCIAS DE
ECOSSOCIOECONOMIA DAS ORGANIZAÇÕES

O estado atual de conhecimento sobre experiências que podem ser qualificadas

como de ecossocioeconomia das organizações, isto é: que possibilita tanto viabilidade

interorganizacional e efetividade extraorganizacional - sintetizado no referencial teórico

como arranjo socioprodutivo de base comunitário - quanto relevar a chamada extra-

racionalidade nos processos de tomada de decisão aos grupos organizados ou quase

organizados que promovem uma outra economia, foi analisado qualificadamente e

sintetizado sob as denominações Agenda 21 Local 65, Turismo Comunitário, Responsabilidade

Social Empresarial (RSE), Economia de Comunhão (EdC) e Economia Solidária (ES). Para

efeito deste estudo priorizou três correntes da ES: Comércio Justo, Bando dos Pobres e

Clube de Troca Solidária.

Aponta-se a seguir, uma síntese atual de conhecimento sobre gestão

organizacional que podem ser entendidas como privilegiando a ecossocioeconomia das

organizações, ilustrando com experiências que estão em curso no Brasil e Chile em

diferentes estágios de implantação. A maioria das descrições das experiências está

estruturada partindo de um breve histórico da organização/comunidade, contextualização

geográfico-ambiental e socioeconômica, dinâmica interorganizacional e entorno extra-

organizacional (resultando encadeamentos sociopolíticos e socioeconômicos), tipos de

conhecimentos ou modos de vida ou, ainda, como estes estão sendo relevados nos processos

de tomadas de decisão organizacional. Ilustraram-se com mais detalhes as experiências

chilenas, sobretudo pelo exoticismo natural quando comparado com a realidade brasileira.

6.1 Agenda 21 Local

65
Diante da complexidade das experiências de Agenda 21 local, foram descritas com mais
densidade.

60
A Agenda 21 (2000) é um compromisso internacional de alta cúpula governamental

e não-governamental que assumiu o desafio de incorporar nas políticas públicas dos países

participantes princípios que, desde já, os colocavam a caminho de um outro

desenvolvimento, chamado ecodesenvolvimento ou desenvolvimento sustentável. A Agenda

21 no âmbito local pressupõe a tomada de consciência por todos os indivíduos sobre os

papéis ambiental, econômico, social e político que desempenham em sua comunidade e

exigem, portanto, a integração de toda a comunidade no processo de construção do futuro.

A comunidade compartilhando com o governo as responsabilidades pelas decisões possibilita

uma maior sinergia em torno do projeto de desenvolvimento sustentável, aumentando as

chances de sua implementação (CONSTRUINDO, 2000). Após a Conferência das Nações

Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), 1.652 municípios brasileiros

declararam, através da pesquisa Municipal de Meio Ambiente realizada em 2002, contar

com a Agenda 21. Contudo, a pesquisa não relevou o estágio atual de implantação da Agenda

21 nestes municípios e tão pouco sua formalização legal 66. Cerca de 53% destes municípios

não declararam ter Fórum da Agenda 21 instalado, o que evidencia a falta de representação

comunitária, desvirtuando assim o propósito principal do espírito da Agenda 21 (IBGE,

2005).

Os Fóruns de Agenda 21 são entendidos como espaços criativos que possibilitam

debates públicos, nos quais surgem estratégias coerentes com um novo estilo de

desenvolvimento. Os Fóruns são criados através de iniciativas ora governamental ora

comunitária ao nível de bairro, distrito, município, microrregiões, bacias hidrográficas,

66
Uma Frente Parlamentar Agenda 21 (supondo que tenha sido instalada no Congresso
Nacional), realizado em 2003, apontava aproximadamente 300 municípios brasileiros como
tendo assumido a Agenda 21 Local como principio básico para o seu desenvolvimento
(CAPRILES, 2005). Claro que com este dissenso estatístico, desconfiam-se dos números
apresentados pelo IBGE, mesmo porque, no mesmo documento, aponta que cerca de 60%
dos municípios da Região Nordeste apresentam Agenda 21, que, na prática, parece ser um
contra-senso.

61
região, estado e federação. Os Fóruns são compostos por representantes da sociedade

civil, do mercado e do Estado, e geralmente são constituídos por Grupos de Trabalho que

discutem questões setorializadas, entretanto, com vistas à perspectiva intersetorial

(SAMPAIO, 2005a).

A única experiência brasileira que está sendo aqui sistematizada é a do Fórum da

Agenda 21 da Lagoa de Ibiraquera (Imbituba e Garopaba, SC) que vem discutindo um

diagnóstico socioambiental participativo que pode subsidiar um processo de revitalização

de um tecido social seriamente desgastado pela crise do setor pesqueiro e da agricultura

familiar e pelos impactos negativos - cada vez mais intensos - da especulação imobiliária e

do turismo de massa. No Chile não se tem notícias de nenhum levantamento sistemático

nacional, entretanto, evidencia-se o Programa Eco-Región de Los Lagos Sustentables que

vem sendo implantado em cinco municipalidades da província de Valdivia. É importante

ressaltar que embora a experiência chilena não faça referência a denominação fórum, há

evidências de instâncias democráticas que desempenharam este papel.

6.1.1 Fórum da Agenda 21 da Lagoa de Ibiraquera (Garopaba e Imbituba, Santa


Catarina, Brasil)

Com colaboração de Márcia Silveira de Souza e Guilherme Pinto Araújo 67

Desde 2000 vem sendo desenvolvido na área de entorno da Lagoa de Ibiraquera,

situada nos municípios costeiros de Imbituba e Garopaba (SC), um diagnóstico

socioambiental participativo orientado no sentido da definição de um plano experimental de

desenvolvimento local integrado e (ecológica e socialmente) sustentável - ou

ecodesenvolvimento. Este trabalho vem sendo conduzido pelo Núcleo do Meio Ambiente e

Desenvolvimento (NMD) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), dando

67
Márcia é graduada em turismo e mestranda em desenvolvimento regional pela
Universidade Regional de Blumenau (FURB), e Guilherme é graduado em ciências sociais e
mestrando em agroecossistemas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

62
continuidade a um projeto de doutorado que estava em curso nos meados de 2000 68. Após

algumas reuniões entre lideranças comunitárias e o NMD/UFSC com sua equipe

interdisciplinar, chegou-se a um consenso de que as aspirações da comunidade convergiam

com as intenções do NMD/UFSC de pesquisar e dar apoio técnico-científico à área,

firmando um acordo que resultaria mais tarde da criação do Fórum de Agenda 21 da Lagoa

de Ibiraquera 69.

O diagnóstico teve como desafio subsidiar um processo de revitalização de um

tecido social seriamente desgastado pela crise do setor pesqueiro e da agricultura familiar,

pelos impactos negativos - cada vez mais intensos - da especulação imobiliária e do turismo

de massa, e pela hegemonia de uma cultura política conservadora e clientelística 70. Tratava-

se da fase inicial de um programa de longo fôlego de extensão acadêmica, numa área dotada

de rara beleza paisagística, onde vivem atualmente cerca de 5.000 habitantes (62% são

nativos da área, 33% são migrantes e 5% mantém residências secundárias 71) distribuídos

em oito pequenas comunidades - Limpa, Arroio, Araçatuba, Grama, Campo Duna, Ibiraquera,

Barra da Lagoa e Alto Arroio, sendo que cerca de 90% destas, estão situadas no município

de Imbituba, e 10% no município de Garopaba.

A área conserva um rico patrimônio cultural herdado de imigrantes açorianos que

estão atualmente inseridos (parcialmente) no domínio de uma Unidade de Conservação de

uso direto chamada de Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca 72. Esta era até

então uma das mais recentes Unidade de Conservação criada no Brasil, através do Decreto

68
SEIXAS (2002).
69
No ano de 2003, a UFSC conseguiu apoio financeiro do Fundo Nacional de Meio Ambiente
(FNMA) do Ministério do Meio Ambiente (MMA), com o projeto intitulado Manejo
Integrado da Pesca na Lagoa de Ibiraquera, que teve como objetivo trabalhar com as
comunidades que vivem da pesca na Lagoa de Ibiraquera, respeitando os princípios do
Fórum da Agenda 21 Local (MUNDIM, 2005).
70
SAMPAIO (2005a).
71
Estudo survey não estratificado realizado entre 2001 e 2002 pelo NMD/UFSC com cerca
de 300 famílias, que representam pelo menos 10% dos domicílios localizados no entorno71.
72
NMD (2003).

63
s/n de 14 de setembro de 2000. O referido Decreto sinaliza o objetivo da APA como sendo

o de “proteger a área reprodutiva da baleia franca austral (Eubalaena australis), ordenar e

garantir o uso racional dos recursos naturais da região, ordenar a ocupação e utilização do

solo e das águas, ordenar o uso turístico e recreativo, as atividades de pesquisa e o tráfego

local das embarcações e aeronaves.” Na área, os principais recursos em uso - a lagoa e o

mar - são de propriedades comum, o que permite aos grupos de usuários poderem se

organizar de forma associativa, pautando suas ações por regras coletivas de uso dos

recursos naturais que se desenvolveram por mais de dois séculos de exploração pesqueira 73.

A APA engloba uma área correspondente a 156.100 hectares, no trecho de Florianópolis a

Laguna, ambos em Santa Catarina. No estado, esta configura-se como sendo a principal área

de preservação da baleia franca, que aparece na zona costeira durante os meses de julho a

novembro 74.

O binômio agricultura-pesca, característica até então da área, sofreu alterações

decorridas do desenvolvimento do turismo, que vem causando modificações no modus

vivendi da população local. Desde o ano de 1880, quando a localidade de Ibiraquera recebeu

seus primeiros ocupantes, e até a década de 1960, as atividades econômicas de

subsistência eram baseadas na combinação entre agricultura, pesca e caça. A

predominância era da atividade agrícola familiar, com a produção de farinha de mandioca,

melado e aguardente de cana em engenhos artesanais. A partir de 1970, quando a área

começa a desencadear um processo ágil de urbanização, as atividades de pesca e

agricultura passam a ceder espaço para uma nova atividade econômica: o turismo. Com isso,

abre-se espaço também para a especulação imobiliária, quando proprietários de terras,

ávidos pelo lucro imediato, vendem-nas a um preço irrisório para imobiliárias. Essas últimas

revendem as terras a preços bem superiores. O resultado desta ação é a diminuição de

73
ARAÚJO, SAMPAIO (2004).
74
MUNDIM (2005).

64
áreas agricultáveis, transferindo para o turismo, a mão de obra antes utilizada para a

agricultura 75.

Em entrevista a um agricultor, morador local, este afirma que não tem mais interesse

na atividade agrícola. Ele se justifica afirmando que já não consegue mais pessoas para

auxiliá-lo e porque acredita que há outras formas de ganhar mais dinheiro, por exemplo,

vendendo suas terras. Com a urbanização crescente, o esforço de pesca também se

intensificou pelo crescimento populacional. Sendo assim, os estoques da lagoa e do mar

começaram a diminuir gradativamente. Aliada a esta questão, o turismo trouxe consigo

embarcações e banhistas que afugentam os peixes e atrapalham os trabalhos dos

pescadores. As construções irregulares, em geral de casas secundárias e pousadas, que não

respeitam a distância entre a lagoa e a área construída (36 metros na maré mais alta)

imposta pela marinha é outro problema constantemente discutido. Existe ainda, a

problemática da abertura da barra da lagoa, ato considerado como um atrativo turístico,

por despertar a curiosidade e o fascínio de visitantes. A Lagoa de Ibiraquera possui apenas

um canal de ligação para o mar, que permanece fechado durante a maior parte do ano. A

abertura deste canal pode ocorrer naturalmente ou, com mais freqüência, pela ação humana

(antigamente 20 enxadadas e hoje utilizando-se de escavadeiras), e é quando o estoque de

peixes e camarões se renova. Até alguns anos atrás, a abertura da barra era decidida pelos

pescadores. Atualmente, os pescadores da região reclamam que a abertura é condicionada

ao favorecimento de empresários turísticos, que pressionam as autoridades para que a

abertura seja feita com vistas ao escoamento do esgoto in natura, que em geral, estão

localizados muito próximos à lagoa 76.

O caso da Carcinicultura, na comunidade de Araçatuba, configura-se como sendo um

dos maiores conflitos que existem no entorno da Lagoa de Ibiraquera. A fazenda de

75
Idem.
76
MUNDIM (2005).

65
camarão, que tem sido alvo de muitas dúvidas, reclamações e, inclusive, demandas por

embargos na justiça brasileira, é um empreendimento que está presente na localidade

desde o ano 2000, e que atualmente encontra-se embargada, devido ao descaso existente

com questões sociais e ambientais. Os motivos principais destes conflitos são: que a

espécie cultivada (camarão branco do pacífico - Litopenaeus vannamei ) não é a mesma que

se encontra presente na dita lagoa; a água utilizada para a enchente dos viveiros de cultivo

é tomada da própria lagoa, sendo devolvida após aproximadamente 4 meses (média de

tempo que o camarão demora até atingir o tamanho comercial). A água que é devolvida para

a lagoa, contém restos de alimento (ração), fezes, e sustâncias de excreção do camarão,

fatos que induzem à poluição da lagoa; a fazenda não respeita o mínimo de distância entre a

lagoa e o empreendimento, ou seja, a “linha marinha” determinada em 36 metros da maré

mais alta; a fazenda está localizada ao lado de um cemitério. A comunidade vem tomando

providências para o fechamento do empreendimento, que permanecia em funcionamento,

apesar dos embargos sofridos pela Justiça Federal 77.

Como anteriormente apontado, para realizar o diagnóstico socioambiental

participativo foi necessário instituir um fórum comunitário, com se valeu de grupos de

trabalho (pesca, turismo, saúde, educação), atualmente em fase de consolidação

institucional – o Fórum da Agenda 21 local -, envolvendo lideranças comunitárias,

representantes de ONGs, equipe de pesquisadores e esporadicamente agentes

governamentais. O Fórum surgiu com a finalidade inicial de elaborar a Agenda 21 da Lagoa

de Ibiraquera, definindo e legitimando regras de participação, capacitando participantes,

formando Grupos de Trabalho (GT) e parcerias institucionais, coletando e sistematizando

dados para um diagnóstico participativo de potencialidades e vulnerabilidades locais,

priorizando problemas em função do diagnóstico e das aspirações dos habitantes,

77
NMD (2003).

66
identificando e elaborando projetos de desenvolvimento local orientados no sentido do

enfrentamento dos problemas, em sintonia com as ações previstas no Programa Nacional de

Gerenciamento Costeiro (GERCO-SC) e nos Planos de Desenvolvimento dos municípios de

Garopaba e Imbituba; Os Grupos de Trabalho surgiram com a finalidade de prestar

assessoria técnica-científica permanente, subsidiando o Fórum com dados, pareceres e

estudos técnicos necessários ao desenvolvimento de suas atividades, especialmente nas

áreas de pesquisa básica, pesquisa aplicada e tecnológica, fiscalização e avaliação

institucional; subsidiar a busca de articulação institucional entre o setor produtivo, o setor

governamental e a sociedade civil organizada atuando na área da Lagoa de Ibiraquera;

emitir pareceres técnicos sobre propostas de prestação de serviços. Em um segundo

momento, quando se espera que o diagnóstico esteja finalizado, o Fórum terá como desafio

se concentrar na busca de implementação dos projetos selecionados, estimulando para

tanto a realização de estudos técnicos de viabilidade adicionais, fortalecendo e ampliando

as parcerias institucionais e o processo de capacitação profissional, aperfeiçoando

mecanismos de gestão interna e participando da criação de Fóruns municipais da Agenda 21

em Imbituba e Garopaba 78.

Entre as debilidades apontadas, fazia-se necessário um intercâmbio maior entre as

inter-relações múltiplas dos Grupos de Trabalho (GTs), que compunham o Fórum da Agenda

21 da Lagoa de Ibiraquera, de modo que se pudesse visualizar melhor esta dinâmica

complexo-sistêmica. Tanto que, atualmente, nem sequer existem mais tais GTs. Quanto a

conscientização da comunidade, embora os atores sociais sejam capazes de perceber e

apontar os problemas socioambientais causados pelas atividade turística, mesmo porque,

por fotos aéreas, comprova-se o aumento da área de vegetação na região, eles não

enxergam a si próprios como agentes de degradação, isto é, problemas são e estão sempre

78
Estatuto do Fórum da Agenda 21 Local da Lagoa de Ibiraquera (2002).

67
no outro. Por exemplo, os proprietários de pousadas que construíram seus equipamentos no

morro da Praia do Rosa, ocupando quase a área total do terreno e, que, conseqüentemente

acabam derrubando a mata nativa, não consideram seus empreendimentos como sendo

impactantes, mesmo porque, justificam eles, tudo esta conforme a legislação municipal 79.

O Fórum ainda não conseguiu contar sistematicamente com o apoio do governo de

ambos os municípios e superar a obstrução de membros comunitários, muitas vezes,

provocada por questões relacionadas a diferentes visões de mundo, entre os partidários da

Via da Economia de Mercado, do Ecodesenvolvimento e do Preservacionismo (da natureza

intocada). Ou, então, entre as populações tradicionais e as que migraram de outros lugares

para viver em Ibiraquera, que, aliás, são características comuns entre arranjos

institucionais e socioprodutivos de gênese comunitária. Não se espera que estas

contradições sejam superadas, mesmo porque a diversidade cultural é desejada, mas que ao

menos se consiga dialogar sobre temas de interesse comum. Contudo, conseguiram frear

impactos de uma fazenda de camarão e de grupos empresariais hoteleiros que ameaçam

tanto o equilíbrio quanto o acesso e uso da biodiversidade costeira, e ainda relevar na etapa

do diagnóstico participativo o conhecimento dos moradores tradicionais, pescadores ou ex-

pescadores artesanais que desenvolvem ou desenvolviam agricultura de subsistência 80.

Espera-se que o Fórum catalise a criação de um sistema de educação para o

ecodesenvolvimento na área, de modo que possa refletir permanentemente sobre os


direitos e deveres de cada usuário dos recursos ambientais existentes na área (lagoa,

dunas, praia e mar), tal como se está refletindo na concepção de uma reserva extrativista

de espelho de água para a área que, aliás é uma experiência pioneira pela suas

características; tomar decisões cada vez mais descentralizadas; mediar a negociação de

conflitos gerados pela presença de interesses diferenciados pelos usos do patrimônio

comum, com base na difusão de normas jurídicas oficiais e científicas qualificadas; e

formular participativamente estratégias coordenadas de ecodesenvolvimento, implicando -

79
MUNDIM (2005); ARAÚJO, SAMPAIO (2004).
80
SAMPAIO (2005a).

68
entre outras - a busca de revitalização da pesca e da aqüicultura, a criação de alternativas

nos setores de agroecologia e do turismo de baixo impacto socioambiental (tanto que se

está implantando um projeto inspirado na experiência da AGRECO/Acolhida na Colônia com

sede em Santa Rosa de Lima, conforme item 6.2.2), a instituição de unidades de

conservação co-geridas pelas comunidades locais, revitalização do tecido cultural e a

construção de uma representação ecossistêmica das opções de modo de vida comunitário,

exemplificado pelo depoimento de um pescador artesanal: de que só sabia pescar e que

tinha aprendido com seu pai e que passaria para seu filho, e que não trocaria a pesca por
nada 81.
6.1.2 Projeto Fortalecimento da Identidade Cultural, Melhoramento da Gestão
Ecoturística e Habilitação em Inovação Tecnológica para uso Sustentável dos Recursos
Naturais associados às margens costeiras da Comunidade Indígena Tralcao Mapu
(Município de San Jose de la Mariquina, Región Los Lagos, Chile), vinculado ao
Programa Ecorregião Os Lagos Sustentáveis

Com colaborações de Pedro Mauricio I. Huenulef O. e de María Carolina Cárcamo

G. 82

Tralcao 83 é uma localidade cujo nome deriva da expressão tralkan, que significa em

mapudungun (idioma indígena Mapuche-Huilliche) lugar de trovões, ainda que seus

habitantes tradicionalmente o traduzam como “escopeta”, provavelmente associado ao som

que esta emite. Localiza-se no coração do Santuário da Natureza Carlos Anwandter,

pertencendo à comuna de San José da Mariquina, na Província de Valdivia, Região dos Lagos,

Chile. 84 A zona apresenta um complexo hidrográfico importante, destacando os rios Cruces

81
VIEIRA (2004).
82
Maurício é graduado em antropologia e Carolina é graduada e especialista em turismo,
ambos pela Universidad Austral de Chile.
83
Tralcao, igual a grande parte do território nacional, apresenta em sua história ter sido
afetado por diversos movimentos sísmicos, de intensidades variáveis, sendo o mais grave o
ocorrido a 22 de Maio de 1960, que abarcou desde Concepção até Porto Aysén, e que
atingiu sua máxima intensidade em Valdivia com 9.5 na escala de Richter. Este terremoto
provocou inundações na zona quando os terrenos baixaram em média entre 1,5 a 3 metros.
84
Depois de um duro processo de radicação parcial dos mapuche-huilliches (índios do Sul do
Chile), produziu-se o último levantamento indígena nos meados de 1881, etapa em que
intervém o exercito chileno sob a denominação Pacificação da Araucanía, dizimando a
reduzida população local e considerando-os como cidadãos da República de Chile (BENGOA,
1985).

69
e Pichoy, os quais margeiam todo o território comunitário e o esteiro Collimaico pelo lado

oeste, no qual cruza de norte a sul à localidade, sendo o referente hidrográfico secundário

que outorga a condição de ilha à localidade.

Os habitantes de Tralcao, ao redor de 80 famílias que somam cerca de 260

pessoas, descendentes em sua maioria da etnia Mapuche-Huilliche, permanecem neste

território até hoje em pequenas propriedades familiares, similares aos de seus ancestrais,

porém mais subdivididos. Entretanto, os habitantes continuam dando conta de um modo de

vida intimamente associado a terra e sua biodiversidade, estratégia esta que lhes conecta

com um mundo de ciclos, de tempos de espera e tempos de colheita, onde a identidade se

constrói relacional e comunitariamente, que, por sua vez, conduziu-os a serem capazes de

fazer uso funcional de uma identidade étnica reconstruída cotidianamente, sobretudo sob

as condições de subordinação que impõe um Estado que procura assimilá-los a um projeto

nacional, que sob uma política desenvolvimentista conduziria a modernidade à estas zonas

rurais, pela via de seu aparelho administrativo institucional 85.

Atualmente é difícil encontrar na comunidade indígena Tralcao Mapu elementos

culturais considerados mapuche-huilliches, no entanto foram redefinidos historicamente

elementos próprios e inovações que incorporaram às suas práticas, encontrando em parte o

uso da medicina com ervas, a manutenção de algumas tecnologias apropriadas, comidas

adaptadas aos cultivos originais, respeito ao uso do mapudungun embora poucas pessoas

saibam ainda algumas palavras ou que recordam que seus pais e avôs se comunicavam nessa

língua como algo cotidiano. Os mapuche-huilliches foram transformados numa economia

camponesa de subsistência, obrigados a vincular-se ao sistema de mercado, um modelo

85
GISSI (1997); SAAVEDRA (2002).

70
desconhecido para o modo de vida deste povo, carregando consigo desvantagens históricas

oriundas da expansão que experimentava a cultura prevalecente, a sociedade chilena 86.

As famílias praticam uma agricultura de subsistência, contando algumas com

pequenas estufas. Os principais produtos que se cultivam são batata, milho, feijão, arveja,

fava, acelga, chalotín e alface. No caso da lavoura de aveia e trigo, ao não contar com

recursos para comprar sementes nem fertilizantes, faz-se por arrendo ou aluguel de seus

campos, obtendo uma percentagem da colheita como pagamento, o que nem sempre é justo.

A maioria das famílias cria aves como galinha, pato, peru e ganso; animais como cordeiro,

porco e bovino em menor proporção. Destina-se boa parte das hortaliças, bem como aves e

frutas para serem comercializados principalmente no mercado fluvial de Valdivia. Com isto

compram farinha e gás, pagam luz, água potável (fornecida a partir de um poço artesiano),

impostos sobre suas propriedades e permissões municipais para comercializar seus

produtos, o que inclui chicha de maçã (bebida alcoólica de fabricação caseira de uso

cotidiano).

Coexistem numerosas instituições sociais que denotam a influência de elementos

próprios de uma sociedade globalizante com seus modelos organizacionais, entre as que

figuram: Escola Rural com sistema unidocente e multigradual, que atende entre 6-10 alunos

até 6° ano básico; Junta de Vizinhos; Comitê de Água Potável; Comitê de Pequenos

Produtores Horti-frutículas; Clube Desportivo Independente; Comunidade Católica;

Associação Indígena Tralcao; Comunidade Indígena Tralcao Mapu; Agrupação de

Produtores de Cerejas; Grupo de Conservas e Geléias Las Cerecitas. Os membros das

organizações contam com experiências diretivas que lhes capacitaram na execução de

variados projetos e empreendimentos. Entre estas qualificações se encontram:

conhecimento da cultura mapuche, saúde intercultural, contabilidade, capacitações em

86
Idem.

71
ecoturismo, e manejo agrícola (hortaliças, frutíferas, apicultura, etc.) sustentável, sendo

que esta última qualificação foi deflagrada a partir da contaminação do estuário. Este

grupo de organizações constitui hoje uma rede de apoio mútuo que, por sua vez, lhe permiti

interagir no contexto regional, nacional e, também, internacionalmente, sendo capaz de

articular diferentes redes que respondem a variados âmbitos de seus afazeres, entre os

quais estão Centro de Estudos Ambientais (CEAM) e outros órgãos da Universidade Austral

do Chile, Associações Indígenas, ONGs como Acción para los Cisnes, WWF e Comissão

RAMSAR 87; Plataforma Komyuniti: Cooperativa Comércio Justo Chile, Iniciativa Agentes

Culturais da Harvard University.

Tralcao forjou suas esperanças de desenvolvimento no ecoturismo que

beneficiaria 80 famílias através de um Projeto Fortalecimento da Identidade Cultural,

Melhoramento da Gestão Ecoturística e Habilitação em Inovação Tecnológica para uso

Sustentável dos Recursos Naturais 88 vinculado ao Programa Ecorregião dos Lagos

Sustentável que está implantando a Agenda 21 no Município, contudo, teve dificuldades de

iniciar quando eclodiu uma contaminação ambiental do estuário valdiviano, conforme

comentado.

O Programa Eco-Região dos Lagos Sustentável tem como desafio implementar

processos de agenda 21 local e regional, sob uma proposta de modelo de desenvolvimento

integrado com enfoque territorial, que potencie a coordenação intersetorial, a cooperação

público-privada e a participação cidadã, gerando aprendizagens e estratégias para um

87
A Convenção sobre Ambientes Úmidos, firmada em Ramsar, Iran, em 1971, é um tratado
intergovernamental que serve de marco para a ação nacional e a cooperação internacional
em prol da conservação e uso racional dos ambientes úmidos e seus recursos. Há
atualmente 154 partes contratantes na Convenção e 1641 ambientes úmidos, com uma
superfície total de 146 milhões de hectares, designados para ser incluídos na Lista de
Ambientes Úmidos de Importância Internacional de Ramsar (The Ramsar Convention on
Wetlands, 2007).
88
Contou com o apoio do Instituto de Turismo, Instituto de Antropologia (através do
estágio de conclusão de curso de Mauricio Huenulef) e do Programa de Honor / Centro de
Estúdios Ambientales (CEAM), todos órgãos vinculados a Universidad Austral do Chile.

72
desenvolvimento regional sustentável. Este programa está sendo implementado, em uma

primeira etapa, na província de Valdivia, priorizando 5 municípios: San Juan de la Mariquina,

Corral, Panguipulli, Futrono e Lago Ranco, o qual é liderado por um consórcio integrado

pelo Fundo das Américas-Chile, Centro de Estudos Agrários e Ambientais (CEA), Agrupação

de Engenheiros Florestais pelo Bosque Nativo e a organização social Mawida Ngen:

Espíritus de la Montaña – Agrupación Médio Ambiental. O Programa possui as seguintes

instâncias de ação: a) Comitê de Fomento Produtivo Regional: instância dirigida através de

governança entre chefes de serviços públicos regionais que se valem de seus respectivos

instrumentos de investimento público; b) Municípios: onde o trabalho deve ser assumido

com protagonismo quando se refere ao processo de construção da agenda 21 local, com

aportes de contrapartida e assessorias na construção de Plano de Desarrallo Comunal

(Pladeco) e de Ordenamento Territorial com critérios de sustentabilidade, entre outras

ações; c) Mesas Municipais Multisetoriais: instância de participação cidadã ampliada, com

representantes do setor público, privado e organizações da sociedade civil 89.

Obteve-se também um documento de linha base de cada município, no qual

contendo informações econômico-produtivas (com índices de geração de trabalho e renda),

sociais, demográficas, espaciais, entre outras. De igual modo se elaborou uma cartografia,

englobando dados básicos representando a rede hídrica, vias de acesso, curvas de nível e

lugares prioritários, dados de capacidade de uso de solo, Áreas de Valor Natural: Sistema

Nacional de Areas Silvestres Protegidas del Estado (SNASPE), áreas protegidas privadas,

bosques e sua biodiversidade, planos de manejo, etc.. Quanto aos dados econômico-

produtivos: concessões de aqüicultura, áreas de manejo, patrimônio das empresas

florestais, projetos de Sistema de Evaluación de Impacto Ambiental (SEIA) e aterros

89
BUSTAMANTE, AZURMENDI (2004).

73
sanitários. Dados sociais: organizações atuantes, comunidades indígenas, projetos do Fondo

de Solidaridad e Inversión Social (FOSIS), Programa das Nações Unidas para o Meio

Ambiente (PNUD), Fondo de las Américas (FDLA), escolas, cemitérios, etc.. Além de

deflagar outras ações concomitantemente com o diagnóstico, há ações mais pontuais como

gestão de resíduos sólidos nos municípios, capacitando servidores públicos e a comunidade

usuária; ou, ainda, ações de gestão institucional: estratégia de marketing, implantando um

programa institucional e potencializando a articulação entre os atores envolvidos; ações

específicas para o setor privado, incluindo aproximação direta e integração de empresas

estratégicas a nível municipal e ainda promovendo boas práticas sociais e ambientais

empresariais 90.

Por sua vez a construção da Agenda 21 Local de San Juan de la Mariquina se

baseia a partir de três insumos ou fontes de informação, que correspondem: Diagnóstico

Municipal da Agenda 21 Local; Mesas Multisetoriais de Agenda 21 Local; e Trabalho com a

Equipe Municipal. A partir do labor realizado nestas instâncias, priorizam-se os problemas

existentes no município de Mariquina, o que constitui uma aproximação objetiva da

realidade, a partir dos próprios atores locais, relevando problemas, tais como:

desenvolvimento econômico débil do Município; deficiência no manejo de resíduos sólidos;

contaminação do Santuário da Natureza Río Cruces; práticas agropecuárias inadequadas;

crescimento territorial desordenado na zona urbana e nas periferias do município; manejo

inadequado de recursos florestais. Posteriormente, desenvolveu-se um programa operativo,

no qual definiam lineamentos estratégicos, objetivos específicos, metas e ações

necessárias, identificando territórios de atuação e seus respectivos atores.

Em uma das participações nas mesas multisetoriais da Agenda 21 Local, no ano

2004, a Comunidade Indígena Tralcao Mapu postulou o projeto de identidade cultural e de

90
Idem.

74
ecoturismo. Após aprovado o projeto, permitiu iniciar um diálogo mais sistemático em torno

de uma proposta de desenvolvimento sustentável para Tralcao. Concomitantemente ao início

da implantação do projeto, eclodiu o problema da contaminação do estuário valdiviano por

excesso de metais provindos das atividades industriais da Planta de Celulosa Valdivia da

Celulosa Arauco e Constituição S.A. – CELCO (com grande repercussão na mídia nacional),

na qual acabou pondo fim a uma boa parte da vida silvestre que fazia da localidade um lugar

privilegiado para a observação dos hoje quase inexistentes cisnes de pescoço negro (Cygnus

melancoryphus, espécie rara na região que despertava interesse). Muitos cisnes morreram

lentamente de fome devido à desaparição do luchecillo (Egeria densa) 91, fonte principal de

sua alimentação 92. Os habitantes foram gravemente afetados em seu patrimônio natural e

optaram por sair em defesa de seu território para denunciar este desastre ambiental

ocasionado pelas atividades da Planta CELCO, participando ativamente de foros, marchas

cidadãs, convocando organismos e autoridades locais, regionais, nacionais e internacionais, e

ainda apresentando demandas contra os responsáveis.

Nestas circunstâncias, o projeto Fortalecimento da Identidade Cultural,

Melhoramento da Gestão Ecoturística e Habilitação em Inovação Tecnológica para uso

Sustentável dos Recursos Naturais contou com os apoios do Instituto de Turismo, através

da participação incisiva de uma estudante de pós-graduação supervisionada pela Diretor do

Instituto, e do Programa de Honors em Estudos Ambientais e Desenvolvimento Humano

Sustentável do Centro de Estudos Ambientais (CEAM), através de professores e

estudantes da disciplina filosofias do desenvolvimento, ambos da Universidade Austral de

Chile (UACH). Teve-se como objetivo gerar uma proposta de turismo na qual valorizava o

91
O luchecillo (Egeria densa) desapareceu devido às altas concentrações de sulfato
evacuadas pela indústria de celulosa que fizeram diminuir o bicarbonato de cálcio
necessário para que se obtenha dióxido de carbono [CO2], que permite realizar a
fotossíntese (UACH, 2005).
92
Idem.

75
patrimônio cultural e natural da comunidade indígena. A fase preparatória da proposta

priorizou mapear o território e aproximar-se da comunidade. A mobilização inicial foi de

sensibilizar e informar os residentes locais sobre iniciativas ou projetos turísticos que se

poderiam empreender, cuja finalidade era de motivar e envolver a comunidade a participar

de maneira responsável, sustentável e associativa. A partir de uma oficina denominada

Sensibilização Local em Matéria de Turismo, abordaram-se conceitos sobre turismo,

desenvolvimento local e território vivo 93.

A fase de diagnóstico do projeto constituiu na caracterização familiar, na

percepção do turismo e na análise FODA (Forças, Oportunidades, Debilidades e Ameaças)

do território. Além do cadastramento de atrativos, informação essencial em toda

investigação ou estudo relacionado ao turismo, conheceram-se as aspirações da população

de Tralcao. Baseando-se na análise FODA, obteve-se o seguinte diagnóstico: Forças:

patrimônio natural, existência de líderes locais, numerosas organizações sociais e

produtivas, disposição à participação de projetos produtivos e de resgate cultural,

assessores experientes e consciência ambiental; Oportunidades: possibilidade de apoio

técnico sobre temas como turismo e desenvolvimento local, comoção nacional a respeito da

crise do Santuário que acaba projetando Tralcao; Debilidades: pouca participação dos

habitantes de Tralcao, deficiência na capacidade de gestão da maioria dos dirigentes

organizacionais, caudilhismo 94 de alguns dirigentes, falta de unidade e enfraquecimento

entre as organizações locais e abandono de compromissos estabelecidos em projetos

93
CÁRCAMO (2005).
94
Caudilhismo é o exercício do poder político caracterizado pelo agrupamento de uma
comunidade em torno do caudilho. Em geral, caudilhos são lideranças políticas carismáticas
ligadas a setores tradicionais da sociedade (como militares e grandes fazendeiros) e que
baseiam seu poder no populismo. Muitas vezes, líderes são chamados de caudilhos quando
permanecem no governo por mais tempo do que o convencional. O caudilhismo se apresenta
como forma de exercício de poder divergente da democracia representativa. No entanto,
nem todos os caudilhos são ditadores: às vezes podem exercer forte liderança autocrática
e carismática mantendo formalmente a normalidade democrática (Wikipédia, 2007)

76
anteriormente; Ameaças: pelas circunstâncias da contaminação ambiental provocada pela

Planta CELCO, passava a sensação de se ver na posição de venderem ou na pior das

hipóteses abandonarem seus terrenos, a possibilidade de que a produção local esteja

contaminada e predisposição negativa por parte das organizações/membros comunitários na

realização de projetos futuros,.

Concomitantemente com a fase de diagnóstico, implementaram-se ações de curto

prazo que pudessem motivar a comunidade, como a realização de um concurso para eleger

os melhores jardins, cuja finalidade era melhorar as fachadas das propriedades rurais, e

ainda se programou um encontro comunitário no qual estudantes do Programa de Honors

expuseram experiências chilenas chamadas de ecossocioeconomia bem sucedidas que

poderiam trazer aprendizagens à Tralcao.

A fase de propostas surgiu a partir da análise do diagnóstico, no qual se

conheceram as aspirações e necessidades da comunidade de Tralcao a respeito das

capacitações requeridas e ações que se desejam empreender, identificando seis

lineamentos: Comitê de Gestão Turística, coordenando o conjunto de propostas; Meio

Ambiente e Consciência Turística, sensibilizando e conscientizando à comunidade quanto a

importância e necessidade de se manejar sustentavelmente a biodiversidade e de se

preparar para recepcionar turistas; Patrimônio Histórico e Cultural, valorizando os modos

de vida indígenas; Fomento de Empregabilidade Local, capacitando socioempreendedores;

Informação e Comunicação Local; Produto Turístico, planejando e implementando vivências

ecoturísticas (inclusive, tendo realizado a primeira vivência no verão de 2006) baseadas na

educação, reflexão e conscientização dos visitantes sobre o uso sustentável da

biodiversidade e modos de vida indígena e rural 95.

95
CÁRCAMO (2005).

77
Enfim, o desenho de uma proposta turística com participação local procurava

reduzir as tensões que geralmente causam as atividades turísticas em áreas onde

predominam modos de vida tradicionalmente rural. Encontrar métodos ou novos processos

de trabalho desafia os modelos clássicos imperantes sobre o planejamento com

participação local. Propostas para o desenvolvimento sustentável demandam mudanças de

mentalidade na maneira de intervir em uma comunidade, camponesa ou indígena, pois os

modos de vida e o uso do tempo são distintos do padrão urbano. Parte dos benefícios da

atividade turística deve ser destinada a programas de educação, saúde e melhoramento de

infra-estruturas básicas. Apesar da contaminação do Río Cruces contribuir para uma

imagem negativa e significar impactos para a comunidade de Tralcao, a ameaça oportunizou

transformar a área em uma Zona Laboratório de Educação Ambiental, onde se aprende a

lidar com crises ambientais. A partir de Tralcao, a universidade pode se aproximar do

mundo das comunidades locais, possibilitando integrar ensino, pesquisa e extensão e

combinar conhecimento científico com tradicional. Hoje em dia, em Tralcao, é mais

freqüente escutar: sim, estive com os da universidade e lhes ensinei como se semeia ou

como se chama tal planta. Por outro lado, jovens universitários puderam conhecer na

manifestação de suas inquietudes os primeiros passos de uma investigação aplicada a uma

realidade concreta, e bem como em suas cálidas palavras e entusiasmo por ajudar uma

comunidade com desvantagem histórica.

6.2 Turismo Comunitário

Entre as modalidades de turismo conhecidas, o turismo comunitário poderia ser

confundido com três delas: turismo cultural ou etnoturismo (incluindo o turismo indígena),

ecoturismo e agroturismo. O turismo cultural se volta para a observação ou convívio de

estilos de vida tradicionais (BARRETTO, 2004). Mesmo podendo ser considerado como

78
turismo cultural, o turismo indígena se restringe a observação ou convívio com povos de

nações minoritárias sujeitadas às histórias coloniais, mas com direitos que preservam sua

autonomia (ILO, 1991). Embora o termo ecoturismo esteja atualmente vulgarizado, a sua

principal motivação para viagem é o desejo de ver ecossistemas em seu estado natural, sua

vida selvagem assim como sua população nativa (SCHEYVENS, 1999). O Agroturismo

refere-se a um conjunto de serviços requeridos por visitantes e turistas que desejam

adquirir a experiência de conhecer a vida de uma pequena propriedade rural (SCHAERER,

DIRVEN, 2001; OYARZÚN, CARCAMO, 2001).

Embora o turismo comunitário tenha como eixo norteador integrar vivências,

serviços de hospedagem e de alimentação, o que a priori não o diferencia das três

modalidades de turismo apontadas anteriormente, uma primeira característica que o

diferencia é entender a atividade turística como um sub-sistema interconectado a outros

subsistemas, como por exemplo educação, saúde e meio ambiente, ou seja, o turismo

comunitário é pensado como um projeto de desenvolvimento territorial sistêmico

(sustentável) a partir da própria comunidade, o que poderia ser destacado como segunda

característica, no qual promove, entre outras coisas e o que seria a terceira característica,

a convivencialidade entre população originária visitantes e residentes (inclusive, não

descartando os domiciliados não residentes e migrantes) incrustada em um arranjo

socioprodutivo de base comunitária, fomentando a relação social entre modos de vida

distintos no qual congregam conhecimento formal e tradicional e que na sua essência supera

a mera relação de negócio (baseado na maximização do ganho individual), resgatando e

reconstruindo o interesse pelo outro, pelo diferente, pela alteridade, pelo autêntico, enfim,

pela interconectividade entre os sistemas sociais e ecológicos (IRVING, 2002;

CORIOLANO, LIMA, 2003; SAMPAIO 2004a, SAMPAIO et al., 2006b).

79
As experiências de turismo comunitário vêm chamando atenção, sobretudo pela

capacidade potencial de municípios sul-americanos implementarem uma atividade econômica

de baixo investimento (de pequena escala), geradora de postos de trabalhos não

especializados e de baixo impacto ambiental. Analisaram-se seis projetos demonstrativos,

três brasileiros - Prainha do Canto Verde (município de Beberibe, Ceará), Associação da

Acolhida na Colônia com sede em Santa Rosa do Sul (SC) e Projeto Montanha Beija-Flor

Dourado (Micro-bacia do Rio Sagrado, município de Morretes, PR) – e três chilenos - Rede

de Agroturismo em Chiloé (Región Los Lagos), Rede de Turismo Rural Licanhasi (sede San

Pedro de Atacama, Región Antofogasta) e Rede de Parques Comunitários Mapu Lahual (San

Juan de la Costa, Región Los Lagos). Há evidências, baseando-se em pesquisas

exploratórias, que poucas comunidades vêm demonstrando capacidade de associativismo

articulado (SAMPAIO, 2005a).

6.2.1 Prainha do Canto Verde (município de Beberibe, CE, BR)

A Prainha do Canto Verde é um lugarejo de pescadores e rendeiras, com cerca de

1.200 habitantes, localizado no município de Beberibe, próximo da capital do Estado do

Ceará, Fortaleza, na Região do Nordeste brasileiro. Diante de uma luta comunitária contra

a grilagem de suas terras, foi criada em 1989 a Associação Comunitária do Canto Verde.

Desde, então, vem combatendo também outros problemas na área: pesca predatória,

especulação imobiliária, turismo de massa e falta de apoio do governo estadual. Vem

obtendo apoio de organizações não-governamentais (ONG), inclusive, muitas delas criadas a

partir das demandas reclamadas pela comunidade 96.

O que vem chamando atenção na área é a implantação de um turismo responsável

socialmente, para melhorar a renda e o bem-estar dos moradores e, ao mesmo tempo, para

preservar os valores culturais e as belezas naturais da região. Este projeto de turismo foi

96
MUNDIM (2004).

80
organizado pelo Conselho de Turismo, criado em 1997, que, por sua vez, está vinculado a

Associação Comunitária do Canto Verde. Além deste Conselho, existem outros, os de

Educação, Saúde, Terra, Pesca e Artesanato, todos vinculados a Associação Comunitária. O

Conselho de Turismo se dinamiza através da Cooperativa de Turismo e Artesanato da

Prainha do Canto Verde, que coordena as atividades turísticas e as organizam em pequenos

empreendimentos coletivos e individuais, tais como pousadas, casas e quartos de aluguel,

barracas de praia, passeios de buggy e lojas de artesanato, como um Arranjo

Socioprodutivo de Base Comunitária. Inclusive, uma das pousadas é de propriedade da

própria associação. Todos os empreendedores são oriundos da própria comunidade,

portanto, não há investidores externos à comunidade e os lucros permanecem na própria

localidade; diferentemente, de outras localidades próximas a Prainha, Praia das Fontes e da

Tabuba, que predominam o chamado turismo de massa, baseadas respectivamente na rede

hoteleira e no conjunto de residências secundárias (habitações cujo uso é eventual pelos

proprietários). A cooperativa, até então informal, surgiu com o intuito de possibilitar um

complemento na renda familiar dos moradores, em conseqüência pelas dificuldades da pesca

artesanal 97.

A Prainha recebe basicamente turistas como pesquisadores, inclusive estrangeiros,

algumas famílias e parentes dos moradores. Consideram-se como atrativos locais na

localidade o luar, casas típicas de pescadores, a pesca comercializada na própria praia, ou

seja, o próprio modo de vida 98. Isto é, estratégias comparativas pouco percebidas na

maioria dos planejamentos turísticos elaborados de maneira tecnicista. A atividade

turística se iniciou com famílias que puderam, com recursos próprios ou tomando

97
A Prainha do Canto Verde já coleciona duas premiações: (1) Prêmio To Do, versão 1999,
por ter sido considerado projeto de turismo socialmente responsável; e (2) TOURA D’OR
2000, por melhor filme documentário sobe turismo comunitário (MENDES; CORIOLANO,
2003).
98
MENDES; CORIOLANO In: CORIOLANO; LIMA (2003).

81
empréstimo de um fundo rotativo de recursos da associação comunitária, construir quartos

e pousado. As pessoas que não se beneficiam com a atividade turística acabam se

beneficiando, entre outras coisas, de um Fundo Social e de Educação, mantido parcialmente

por repasse de recursos da Cooperativa de Turismo e Artesanato. É uma maneira de atuar

contra a desigualdade de oportunidades 99.

A atividade turística não é planejada de maneira setorial, como geralmente são os

planos turísticos. Além de possuir função subsidiaria, assumidamente de pequena escala, e

complementar a economia da comunidade, o turismo tem papel na conservação do ambiente

cultural e natural, isto é, sua gestão assenta-se da auto-regulação comunitária. Porém os

desafios não são pequenos, como em qualquer outra experiência. Ressalta-se o desrespeito

de alguns cooperados, que tentam obter vantagens individuais; necessidade freqüente de

sensibilizar a comunidade para que ela se identifique como parte de todo esse processo,

tanto na identificação de problemas como nas suas soluções; e a falta de reconhecimento e

apoio por parte dos órgãos de turismo e governamentais 100.

6.2.2 Acolhida na Colônia (com sede no município de Santa Rosa de Lima, SC, BR)

Com contribuição de Márcia Silveira de Souza 101

Em 1996, a sociedade civil e o poder público de Santa Rosa de Lima iniciaram um

processo de fortalecimento de alternativas para o município, através da organização

solidária e da preservação da vida e da natureza. Aquele ano, um grupo de agricultores

aceitou o desafio de produzir de forma ecológica. Foi criada, então, a Associação de

Agricultores Ecológicos das Encostas da Serra Geral (AGRECO), com sede no Município de

Santa Rosa de Lima, compreendendo os municípios situados nas cabeceiras dos rios Braço

do Norte e Capivari. Em seguida, agricultores de Gravatal e Rio Fortuna se integraram ao

99
IVT (2004b)
100
MUNDIM (2004).
101
Márcia é graduada em turismo e mestranda em desenvolvimento regional pela
Universidade Regional de Blumenau (FURB).

82
trabalho. Em 1999, AGRECO expandiu seu trabalho, envolvendo diretamente 211 famílias de

pequenos agricultores, de Santa Rosa de Lima, Rio Fortuna, Gravatal e Anitápolis

(envolvendo um total de 44 produtores certificados). Este crescimento se produziu com o

desenvolvimento do Projeto Intermunicipal de Agroindústrias Modulares em Rede, com

financiamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF):

Agroindústria. Atualmente os agricultores associados à AGRECO participam de um Projeto

de Apoio ao Agroturismo - Acolhida na Colônia - como estratégia para promover o

desenvolvimento rural sustentável. Este projeto incentiva o turismo no meio rural através

de um conjunto de atividades desenvolvidas pelos agricultores e familiares.

A região dos municípios envolvidos no projeto pertence à Encosta da Serra Geral,

corredor ecológico, de vegetação originalmente composta pela Mata Atlântica, rica em

belezas naturais: fontes de águas termais, matas, montes, vales e rios. A cultura local

guarda muito da colonização européia, manifestada através de construções, costumes,

danças, música, artes plásticas e gastronomia; e a própria agricultura ecológica é

considerada um atrativo, como também os produtos artesanais fabricados sem

conservantes. A região foi colonizada por imigrantes alemães, italianos, poloneses e

ucranianos que até hoje exercem influência sobre a cultura na região. A economia se baseia

na agricultura familiar com predomínio de minifúndios. As atividades agrícolas se

concentram na produção primaria de vegetais (milho, tabaco, cana de açúcar, mandioca,

ervilha, batata e hortaliças) e de animais (gado, porcos, aves e ovelhas) orgânicos. Os

encadeamentos se disseminam a partir da microrrede principal deflagrada a partir de

agricultores familiares que produzem organicamente e que ainda oferecem hospedagem

para turistas poderem vivenciar esta experiência, reunidos sob a denominação Projeto

Acolhida na Colônia, no âmbito da AGRECO 102.

102
ACOLHIDA NA COLÔNIA (1999 apud CABRAL, SCHEIBE, 2004).

83
Uma central de reservas distribui os turistas de forma a privilegiar todos os

associados. Utiliza-se como principal argumento a possibilidade de experimentar o modo de

vida familiar campesino e que, ainda, produzem produtos sem agrotóxicos. A AGRECO

juntamente com a Associação Acolhida na Colônia, busca incentivar em seus associados a

preservação da sua cultura e do meio ambiente. As Universidades são sócias nesse sentido,

promovendo oficinas de capacitação. Os produtos ofertados no mercado e aos turistas

estão certificados por órgãos competentes. Os estudos sobre o impacto do turismo em

relação ao comportamento da comunidade e cultura local, ainda não estão concluídos.

Entretanto, se observa que os agricultores envolvidos estão satisfeitos com o processo, se

sentem recompensados financeiramente e vê o turismo ainda como uma oportunidade para

diminuir o êxodo de jovens à cidade. Ambientalmente o projeto beneficia o residente local,

que anteriormente se dedicava a plantação de tabaco, que utiliza intensivamente

agrotóxico, na qual propiciou a recuperação do meio ambiente na região. Está sendo

observada a necessidade de algumas pousadas adotarem mão-de-obra externa para

desenvolver a sua atividade. Em relação à geração de renda, existem propriedades em que o

emprego do agroturismo já representa cerca uma boa parcela da renda familiar nos meses

de maior movimento e quanto ao tipo de agroturismo desenvolvido, observa-se que o

turismo, inicialmente de convivência, já está se transformando em um turismo de

hospedagem e de lazer, ou seja, os turistas não estão apenas querendo conhecer a

experiência mas também usufruir dos meios de hospedagem oferecidos, podendo vir se

tornar um risco que descaraterr o modo de vida rural 103.

6.2.3 Projeto Piloto Montanha Beija-Flor Dourado na Zona Laboratório de Educação


para o Ecodesenvolvimento (Micro-bacia do Rio Sagrado, Município Morretes, Paraná,
Br)

103
TORESAN et al. (2002).

84
Com contribuições de Moreno Bona Carvalho e Fernando H. R. Almeida 104

A Micro-bacia do Rio Sagrado está localizada no município de Morretes, a 65km

de Curitiba e 45km do Porto de Paranaguá, a leste do Estado do Paraná, Brasil. Está

inserida na Área de Preservação Ambiental de Guaratuba. A Micro-bacia do Rio Sagrado

integra a Bacia Hidrográfica Litorânea, inserida na Reserva da Biosfera de Floresta

Atlântica, sendo um dos remanescentes mais preservados de Floresta Atlântica do Mundo.

As comunidades caracterizam-se por vários aspectos: organização econômica que se baseia,

principalmente, na agricultura familiar, tendo dificuldade de comercializar a produção dos

produtos locais, não permitindo assim a geração de renda necessária ao sustento das

famílias locais; a comunidade está organizada através de duas associações, uma de

agricultores e outra de moradores, tendo a primeira como finalidade principal a

agroindustrialização de produtos in natura em sua sede (onde está instalada uma cozinha

comunitária) ou nas próprias propriedades rurais dos associados; e a segunda associação,

tendo entre outras finalidades a da gestão do abastecimento da água; o movimento de

migração desencadeado pela venda das propriedades de agricultores tradicionais a novos

proprietários não pertencentes à região trás consigo pressão social caracterizada por

efeito demonstrativo (através da comparação das posses de bens entre vizinhos, acabam

despertando desejo de consumo não necessário) e de práticas tecnológicas não apropriadas

com a realidade sociocultural.

Os principais impactos ambientais causados pela comunidade decorrem das

atividades da pequena propriedade rural, tais como derrubada de mata nativa, muitas vezes

em área de preservação permanente, ocasionadas pela criação de novas áreas de plantio,

assim como o manuseio e destinação inadequada de defensivos agrícolas, mesmo se ainda em

104
Moreno é graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR)
e pós-graduado em Gestão Ambiental pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), e
Fernando é graduado pela Faculdade Curitiba e pós-graduado em Relações Internacionais
pela UFPR, ambos são pesquisadores do Instituto LaGOE.

85
quantidades pequenas. Além da extração sem manejo devido, ocasionando exploração

predatória da biodiversidade, como a exploração do palmito e a caça de espécies da fauna

nativa. Existência de esgotos sanitários residenciais para fossas sépticas fora dos padrões

exigíveis pelos órgãos sanitários ou, em alguns casos, quando se lança diretamente o esgoto

nos corpos hídricos. Constata-se que a maioria dos impactos ambientais causados na

comunidade, não muito diferente das demais comunidades com desvantagens

socioeconômicas, decorre da falta de oportunidades de trabalho, renda e de baixo nível de

escolaridade, levando seus membros a explorar de forma predatória os remanescentes

florestais bem como a biodiversidade 105.

Baseado em experiências anteriores e que ainda estão em curso oriundas tanto de

pesquisa-ação quanto de pesquisa exploratória de estudos de casos e comparativos de

ecossocioeconomia das organizações que vão à direção do Ecodesenvolvimento, e em virtude

das dificuldades de obtenção de recursos financeiros, da falta de conhecimento e de

informação da área de estudo sobre a Micro-bacia do Rio Sagrado (comunidades de

Brejamirim, Candonga, Canhambora e Rio Sagrado de Cima), e equipe jovem de

pesquisadores do Instituto LaGOE 106 tomou a decisão de iniciar um projeto-piloto na Zona

Laboratório de Educação para o Ecodesenvolvimento 107, intitulado Projeto Piloto Montanha

105
MARCHIORO (1999).
106
Instituto LaGOE: Laboratório de Gestão de Organizações que promovem o
Ecodesenvolvimento, com sede em Curitiba (www.lagoe.org.br).
107
O enfoque de uma Zona Laboratório de Educação para o Ecodesenvolvimento
fundamenta-se em experimentações epistemológicas sistêmica-construtivistas pressupondo
que todo conhecimento do mundo permanece hipotético e falível, mas passível de evolução
mediante a detecção e a eliminação sistemática de erro; se reconhecem os esforços de
elucidação das crenças, valores e atitudes dos atores sociais distanciando-se da aversão
que se tem por subjetividade e a dimensão tácita do conhecimento, de equipes
multidisciplinares e de pesquisas inter e transdisciplinares na tentativa de complexificarem
o entendimento de fenômenos contextualizados na conexão entre sistemas culturais e
ecológicos, e que a ética se encontra mais próxima da sabedoria do que da razão e a ação
social humana não se limita sob o cálculo de ganhos individuais, mesmo porque não se sabe
ao certo onde e termina as fronteiras entre coletividade e individualidade; e se valoriza o
estilo de pesquisa-ação comunitária na qual se releva conhecimento tradicional como

86
Beija-Flor Dourado de modo que os primeiros resultados de curto prazo alcançados

pudessem motivar os demais membros comunitários a participarem também da implantação

de um projeto de pesquisa mais complexo e sistêmico, intitulado Zona Laboratório de

Educação para o Ecodesenvolvimento, isto é, de perspectiva de alcance de médio e de longo

prazo 108.

O projeto piloto é constituído por famílias domiciliadas com residência

permanente e secundária (chácaras de finais de semana). Uma das famílias possui uma

hospedaria (oferecendo alojamento e alimentação caseira e agroecológica) que se

transformou na sede de um espaço de convivencialidade entre visitantes e visitados no qual

se realizam vivências temáticas. Após a realização de dez vivências comunitárias,

organizadas por membros da comunidade – população autóctone e proprietários de chácaras

não residentes -, ainda que oxigenados por experts, o projeto piloto está se constituindo

em um laboratório de oficinas agroecosistêmicas - agroindustrialização da mandioca em um

engenho artesanal de farinha construído aproximadamente há 150 anos,

agroindustrialização da cana de açúcar a partir de uma unidade de destilação e produção

artesanal de licores em uma propriedade que adota princípios da permacultura (eliminação

de resíduos nos processos produtivos), agroindustrialização de diversas frutas e verduras

em uma cozinha industrial comunitária, horta agroecológica e extração da fibra da

bananeira e cipó imbé para o feitio de artesanato, caminhada na Floresta Atlântica

contando ao longo do percurso estórias sobre fauna e flora, extração de ervas e fabricação

artesanal de essências fitoterápicas e de bem estar corporal e espiritual (aulas de ioga,

alongamento, aplicação de reiki, inclusive com cursos de capacitação em reiki, e roda de

viola ao redor de fogueira) com estudantes de cursos de graduação e de pós-graduação,

científico (POLANY, 1983; BERKES In: HANNA et al., 1986; VIEIRA, 1999, 2002, 2003;
VARELLA, 2003; MAX-NEEF, 2005).
108
SAMPAIO et al. (2006a; 2006b)

87
pesquisadores, professores e pessoas simpatizantes com a perspectiva do

ecodesenvolvimento, conjugando serviços de alojamento, alimentação caseira e natural e

venda de produtos agroecológicos e artesanais. As vivências são organizadas a partir de um

arranjo socioprodutivo de turismo comunitário que vêm começando a gerar uma dinâmica

que sinaliza geração de trabalho e renda no próprio território. O arranjo socioprodutivo

potencializa convivencialidade (convivência solidária) nas relações ecossocioeconômicas

entre turistas conscientes e comunidades que primam por um desenvolvimento que lhe é

próprio, colado ao seu território e aos seus modos de vida.

6.2.4 Rede de Agroturismo de Chiloé (Isla de Chiloé, Región Los Lagos, CH)

Com contribuições de Edgardo Oyarzún M. e María Carolina Cárcamo G 109.

Em 1996, gestou-se o Projeto de Agroturismo Chiloé, que é o ponto de partida para

a constituição de uma Rede de Agroturismo em Chiloé. Este projeto sinteticamente propõe

convocar e capacitar vinte famílias distribuídas em todo Arquipélago de Chiloé, para que

iniciassem organizadamente a oferta de diversos serviços associados à atividade

agroturística. As famílias que pertenciam à Rede de Agroturismo se motivaram a converter

suas casas em estabelecimentos com fins agroturísticos. A Rede de Agroturismo é uma

Associação Civil organizada através de uma diretoria, com presidente, secretário e

tesoureiro, além de outros quatro membros. A administração é de responsabilidade da

diretoria, entretanto as decisões são ratificadas pela assembléia de associados. Os

direitos e obrigações dos membros da Rede são regidos por estatutos da organização e

pelos valores que se estabelecem como organização. Na fase inicial do projeto pertenciam à

Associação 27 grupos familiares, entretanto, por distintas razões (distância dos centros de

109
Prof. Edgardo é Diretor do Instituto de Turismo da Universidad Austral de Chile
(UACH), e Carolina é graduada e pós-graduada em turismo pela UACH.

88
distribuição de importância, desmotivação e baixa recepção de turistas) o grupo diminuiu

para 20 famílias 110.

A unidade geomorfológico de Chiloé é a Cordilheira da Costa. O clima presente na

ilha é temperado chuvoso com influência mediterrânea, o que lhe caracteriza por

apresentar precipitações que superam os 60 mm. durante a estação mais seca. Os cursos de

água que destacam em Chiloé podem ser definidos como rios com regulação lacustre e

regime fluvial, apresentando um escasso desenvolvimento de extensão areal. Em Chiloé é

possível apreciar as formações vegetais da Pluviselva Valdiviana ou também conhecidos por

seus bosques sempre verdes onde destacam baias, bosques nativos, rios, ilhas, lagoas,

parques naturais e praia. Chiloé possui uma identidade reconhecida como única, resultado

em parte da mestiçagem cultural espanhol-huilliche (indígenas oriundos do Sul do Chile) e,

por outra, por sua condição de Arquipélago que se caracteriza pelo relativo isolamento, na

qual permaneceu menos permeável às influencias externas, o que marcou sua estrutura

social, econômica e produtiva. O artesanato de Chiloé possui características uniformes em

todo território, existindo em algumas localidades elementos próprios que são

representativas do artesanato provincial, como por exemplo: o artesanato em pedra

cancahua, com estufas e elementos decorativos, os trabalhos em lã, (coletes, mantas,

lençóis, etc.), cestarias (nocha, junquillo, quiscal, coirón, etc.), trabalhos em madeira,

conchas e pideras com desenhos de igrejas de Chiloé e figuras mitológicas. A imagem de

Chiloé vinculado ao artesanato em lã é reconhecida nacionalmente. As Igrejas, cultivo de

mariscos, doce de maça, minga (tipo de associativismo relacionado a construções familiares

e de vizinhança), museu arqueológico (organizado pelo sábio descalço Don Serafim

Gonzalez), cemitérios indígenas, cestaria, curanto chilote (tipo de paella espanhola) são

também elementos importantes da cultura chilote.

110
OYARZÚN, CARCAMO (2001).

89
As atividades econômicas predominantes são pesca e turismo, e em menor escala

atividade florestal e agropecuária. Os encadeamentos socioprodutivos se disseminam a

partir da rede de agricultores familiares que oferecem hospedagem para turistas poderem

vivenciar esta experiência 111. Apesar das barreiras idiomáticas, os estrangeiros são os que

melhores se adaptam ao estilo de vida chilote. O contato com o turista impacta ora

negativamente - perda de privacidade familiar, menor integração familiar com a vida

comunitária e desconfiança entre vizinhos - ora positivamente - troca de conhecimento,

possibilidade de venda de produtos artesanais, melhoria no sistema de telefona rural - aos

membros da Rede. Os principais resultados são maiores ingressos econômicos, entretanto,

marcadamente sazonais, melhorias quanto a salubridade e higiene impostas pela secretária

de saúde pública - água potável e manejo de resíduos -, crescente atitude de conservação

do meio ambiente natural entre membros da rede, produzindo um efeito demonstrativo aos

demais agricultores da comunidade e aos turistas, e criação de microempresas associadas

principalmente à preparação de alimentos e melhora no nível educacional 112.

6.2.5 Rede de Turismo Rural Licanhuasi (município de San Pedro de Atacama, Región
Antofagasta, Ch)

113
Com contribuições de Daniela D. Rosenberg G. e Leonie M. Kausel K.

A Rede de Turismo Rural Licanhuasi tem suas origens no ano de 1999, quando as

comunidades indígenas pertencentes ao Conselho de Povos Atacameños vêem a necessidade

de participar ativamente no setor turístico fortalecendo o reconhecimento de seu

patrimônio natural e cultural, criando uma alternativa ao turismo massificado que se

estabelecia no entorno de San Pedro, considerado como uma das mais importantes

111
SAMPAIO et al. (2005d).
112
OYARZÚN, CARCAMO (2001); SAMPAIO, OYARZÚN (2005).
113
Baseado no formulário qualitativo de coleta de dados preenchido pelas estudantes na
ocasião da disciplina Filosofias do Desenvolvimento, coordenada pelo Prof. Dr. Carlos
Alberto Cioce Sampaio com apoio dos Professores Juan Carlos Skewes e Luis Otero,
vinculado ao Programa de Honra em Estudos de Meio Ambiente e Desenvolvimento da
Universidade Austral do Chile (UACH).

90
destinações turísticas internacionais do Chile. Oferecia, assim, uma alternativa diferente

as existentes na área do entorno de San Pedro de Atacama. As condições para tal

desenvolvimento estavam dadas, posto que, as comunidades são as depositárias do

conhecimento ancestral. Seus habitantes são os proprietários das terras desta região,

quando ainda os conquistadores espanhóis desconheciam sua existência.

A etnia atacameña é matriz cultural dominante na zona, razão pelas quais

comunidades que pertencem a rede de turismo e que habitam o território compartilham

costumes e tradições similares. Seu principal símbolo cultural está dado por seu patrimônio

arqueológico situado no norte do Salgar de Tara e em setores aldeãos no entorno das

lagoas Miscanti e Miñiques. É importante destacar no Setor Valle de la Luna, o sítio

arqueológico de Tulor que corresponde a uma aldeia composta de moradias de planta

circular e paredes de barro. Grande parte da aldeia está sepultada sob areia, no entanto

existe um setor escavado e contíguo a ele, uma réplica das moradias. Existe uma sala de

visitação com mostra de artefatos e fotos. Neste lugar se oferece ao visitante uma

experiência de contato com a cultura viva e a história atacameña, condicionado ao

pagamento de um ingresso para adentrar. Encontra-se em Tulor uma das primeiras

manifestações da vida sedentária atacameña, uma aldeia arqueológica de aproximadamente

2.800 anos a.C..

A Rede está localizada na Região de Antofagasta, ao norte do Chile, com sede no

município de San Pedro de Atacama. A Rede atua dentro do Parque Nacional Os Flamengos,

onde se pode encontrar atrativos reconhecidos internacionalmente como os Geisers del

Tatio e os comentados Vale de la Luna, lagoas Miscanti e Miñiques e o sítio arqueológico de

Tulor. O Parque está localizado a 104 kms, ao sudeste de Calama (aonde situa o aeroporto

que dá acesso a San Pedro de Atacama). O clima é principalmente árido típico de deserto

que, aliás, é o considerado mais seco do planeta, com oscilações significativas: altas

91
temperaturas durante o dia e baixas extremas pela noite. Entre as espécies vegetais estão

tola de água e tola amia. Nos terrenos planos e ondulados, bem como em ladeiras de vulcões

e montanhas se encontram a llareta e a palha brava; nas margens dos corpos d’água são

predominantes a grama salgada, breu, cachiyuyo e ephedra breana. No setor de Tambillo há

um bosque de 370 ha de tamarugos. Pela extensão do Parque ele se divide em diferentes

zonas - Soncor, Salgar de Atacama, Aldeia de Tulor, Lagoas Miscanti e Miñiques e Vale de

la Luna, onde a fauna difere de um setor para outro. No setor do Salgar de Tara,

predominam roqueríos, vicuñas e raposas culpeo e cinza. Nos planos arenosos, os cholulos;

no ambiente aquático as diversas espécies de flamengo: chileno, andino e jamesis; também

há predominância do cautís, pintinhos de mar, patos jergón, entre outros. No bosque de

tamarugos, predominam pequéns, andorinhas de dorso negro, chincols, falcões e

perdigueiros.

As principais atividades econômicas desenvolvidas no setor são mineração,

agricultura e a pecuária em menor escala, contudo a fonte de sustento principal é a

atividade turística, na qual a Rede de Turismo Licanhuasi representa uma alternativa local

as agências turísticas, hotéis, pousadas, bares e restaurantes que operam na zona de

propriedade de empresários forâneos. Em função disto, é que se desenvolveram

capacitações para micro-socioempreendedores e demais membros que participam da rede,

nos seus diferentes ofícios, abarcando uma série de atividades como o manejo do

patrimônio natural e cultural, e implantação de hospedarias, centros gastronômicos,

circuitos turísticos e formação de guias turísticos.

Através do Conselho de Povos Atacameños, organizaram-se as comunidades de

Peine, Machuca, Solor, Toconce, Socaire, Ollague e Cupo, que estavam interessadas de

participar da rede que se estruturava. Com o passar dos anos, outras comunidades se

integraram. Os membros comunitários foram capacitados por diversas entidades públicas e

92
privadas que colaboraram nesta iniciativa, financiando parte da infra-estrutura que se

destinaria a hospedar turistas. Atualmente, esta colaboração se mantém com o propósito

de fazer dos habitantes desta zona micro-socioempreendedores em suas comunidades. Para

tal iniciativa, desenvolveram-se atrativos que poderiam integrar circuitos temáticos sob o

apelo cultural-arqueológico, como o sítio de Tulor e as ruínas de Pukará de Quitor, e o apelo

ambiental, como as Lagoas Miscanti e Miñeques e Vale de la Luna. Os circuitos foram

organizados por uma agencia de turismo da própria Rede Licanhuasi, contando com guias

turísticos locais e com um alojamento, denominado Casa de Hóspede de Socaire. A Rede

Licanhuasi teve o mérito de gerar trabalho e renda para as comunidades atacameñas, a

partir do fomento de protagonismo socioempreendedor em atividades turísticas, criando

uma alternativa para a diminuição da migração e mobilidade entre locais de trabalho e de

residência, da evasão de divisas econômicas e do subemprego originado de ocupações

sazonais em empreendimentos estabelecidos por forâneos.

No Parque Nacional Os Flamengos implementou-se um modelo único e bem sucedido

de co-gestão participativa entre a Corporação Nacional Florestal (CONAF) e o Conselho

dos Povos Atacameños, na qual é coordenado pela comunidade. A gestão compartilhada se

dá em áreas de maior atrativo turístico nas quais congregam usos e acessos de recursos

patrimoniais naturais e culturais. Nesta perspectiva, a Rede de turismo se encontra dentro

do marco da gestão da reserva. Além disso, a Rede não está apenas disposta a melhorar o

bem-estar econômico das comunidades autóctones, mas também a qualidade de vida dessas,

pois a zona apresenta falências nas áreas da saúde, moradia e educação, sendo difícil para

os povos contíguos acederem meios de desenvolvimento humanos mais dignos.

As principais debilidades são a falta de recursos próprios que possibilitam

significativo investimento local, não obstante, contam com a possibilidade de aceder a

fundos públicos através de projetos e propostas licitatórias, além de receber aportes de

93
diferentes entidades e programas governamentais, como os implementados por CONADI

(Corporação Nacional de Desenvolvimento Indígena), SERCOTEC (Serviço Cooperação

Técnica), SERNATUR (Serviço Nacional de Turismo), etc.; e concorrência dos serviços

locais mais profissionalizados e das agências turísticas de Santiago.

6.2.6 Red de Parques Comunitarios Mapu Lahual (San Juan de la Costa, Región Los
Lagos, Ch)

Com contribuições de Christian E. Henríquez Z. e Tarciso A. Tomaselli 114

e Carolina B. Millanao B., Mario A. Manzano C. e Karen T. Alcazar N 115

O Parque Lafkem Mapu Lahual, que na língua indígena designa mar e terra das

Alerces (Fitzroya cupressoides, arvore milenar de grande longevidade: as mais antigas que

se conhecem vivem mais de 3.000 anos), consiste na criação de três áreas protegidas

marinhas litorâneas 116, que o governo do Chile considera de importância sócio-ecológica

devido ao bom estado atual de preservação da biodiversidade marinha e terrestre

(reconhecida pelo governo como um dos 25 lugares prioritários para a conservação),

sobretudo para garantir a proteção de espécies endêmicas 117 (World Wildlife Fund – WWF,

e o Banco Mundial catalogaram como um dos 200 ecossistemas mundiais que ainda

conservam elementos únicos). O Projeto é coordenado institucionalmente pela Corporação

Nacional de Médio Ambiente (CONAMA), contando com a importante contribuição do

114
Baseado no formulário qualitativo de coleta de dados preenchido pelos estudantes na
ocasião da disciplina Planejamento Ambiental de Empresas de Turismo e Lazer, ministrada
pelo Prof. Dr. Carlos Alberto Cioce Sampaio e a estagiária docente Márcia Silveira de
Souza em 2006, do Curso de Graduação em Turismo e Lazer da Universidade Regional de
Blumenau (FURB).
115
Baseado no formulário qualitativo de coleta de dados preenchido pelos estudantes na
ocasião da disciplina Filosofias do Desenvolvimento, coordenada pelo Prof. Dr. Carlos
Alberto Cioce Sampaio com apoio dos Professores Juan Carlos Skewes e Luis Otero em
2005, vinculado ao Programa de Honra em Estudos de Meio Ambiente e Desenvolvimento da
Universidade Austral do Chile (UACH).
116
Área de marinha litorânea é uma modalidade de unidade de conservação para
preservação e uso sustentável da área, envolvendo tanto o meio marinho como litorâneo.
Foram criadas em 2006 pelo Governo de Chile (CONAMA, 2006).
117
O governo do Chile vem trabalhando em outras duas áreas marinhas e litorâneas
protegidas: Isla Grande de Atacama ao norte e Francisco Coloane ao sul (CONAMA, 2006).

94
engenheiro florestal Luis Cardenas, e é executado pelas próprias comunidades (criou-se a

Associação Indígena Mapu Lahual del Butahuillimapu), com apoios institucionais da Junta

Geral de Caciques, técnicos/financeiros do Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNDU), da Corporação Nacional Florestal do Chile (CONAF), do Serviço

Nacional de Turismo (SERNATUR) e da WWF, e co-financiado pela Global Enviroment

Found (GEF). Nas áreas terrestres habitam principalmente comunidades indígenas que

exercem atividades como pesca artesanal e agricultura familiar, e que lutam para

conservarem seus modos de vida. O principal desafio é conciliar, por um lado, conservação

de modos de vida com preservação ambiental e, por outro, saber científico com o dos povos

originários, através de um ordenamento e gestão comunitária territorial 118.

A área marinha está localizada próxima a Cordilheira da Costa, setor costeiro da

Província de Osorno, Región Los Lagos, Chile, possuindo 32 km de borde costeiro e inserida

em uma das últimas reservas de bosque valdiviano 119. Essa área protege ainda 1.500 metros

de zona de estuário, abarcando uma porção marinha de uma milha náutica, além de ser uma

zona de transição entre duas regiões oceânicas, a região temperada quente do norte e a

região temperada fria do sul, criando um espaço propício para a vida de importantes

espécies de fauna e flora. A rica biodiversidade contabiliza 704 espécies marinhas, soma-

se 89 espécies que vivem nas proximidades da costa, em águas continentais, e mais 118

espécies (Bosques de Alerces e de Olvillos, as últimas endêmicas do local) no ambiente

terrestre.

Dentro da área existem quatro comunidades indígenas (Mapuche-Huilliche 120) -

Hueyelhue, Loy Cumilef, Nirehue e Condor – que constituíram, em 2001, uma Rede de

118
Homepages: www.conama.cl/gefmarino/1307/propertyvalue-13224.html;
www.mapulahual.cl; http://www.wwf.cl/mapu_lahual_area_privada_protegida.htm..
119
Mata de bosque endêmico do sul do Chile.
120
Povo indígena que mora em Chile desde antes do descobrimento de América, atualmente
existem pequenas comunidades que ainda conservam suas tradições.

95
Parques Comunitários indígenas, chamado Mapu Lahual, com assessoria da CONAF e

financiamento do Fundo Bosque Temperado (com aportes de WWF, Comité Nacional Pro

Defensa de la Fauna y Flora – CODEFF, e Fundo das Américas), e inspirada a partir de uma

experiência da comunidade Maicolpi, em 1996, quando se implementou o projeto de Parque

Comunitário Mapu Lahual de Maicolpi, priorizando atividades de ecoturismo e etnoturismo.

Os objetivos da Rede de Parques são de gerar trabalho e renda para as

comunidades residentes a partir de atividades não extrativistas, sobretudo o turismo, que

complementariam os labores tradicionais; preservar o ecossistema de três áreas

protegidas marinhas litorâneas; e resgatar as tradições culturais e legitimar os direitos

das comunidades sobre a terra 121. Como impacto, esperam-se melhoria da qualidade de vida

das comunidades e a conscientização das comunidades locais e dos visitantes quanto à

importância de conservar a biodiversidade (sobretudo Bosques de Alerces e de Olivillos

costeiro) para as gerações futuras.

Quanto aos aspetos de infra-estrutura, a comunidade não possui eletricidade, nem

garantia de água potável, serviços de saúde e vias de telecomunicação. O radio nas unidades

escolares, algumas trilhas e a via marítima são os únicos meios de comunicação com as

sedes das municipalidades mais próximas. Os aspectos socioeconômicos se caracterizam

através de uma economia familiar de subsistência, baseada principalmente nas atividades

de pesca artesanal e na agricultura familiar com extensão à pecuária, extração seletiva de

madeira, que por uso de práticas inadequadas no manejo de bosques nativos de Alerces

(inclusive, protegido por lei devido à vulnerabilidade da ação antrópica e características

topográficas e edáficas do terreno) provocam sérios processos erosivos que repercutem

fortemente na produtividade agrícola das propriedades locais.

121
Estas comunidades fizeram parte de um processo de distribuição de terras fomentado
pelo governo chileno.

96
Com a criação da Rede de Parques Comunitários Indígenas e, consequentemente,

com o fomento de atividades turísticas, espera-se que esta atividade extrativista sem

manejo sustentável diminua ou, até, desapareça. Referente às atividades turísticas

praticadas pode-se mencionar que em cada comunidade há um centro de serviços básicos

que podem compreender: observação de pássaros e cetáceos, trilhas interpretativas

ecológicas, pesca com devolução, navegação, mergulho, educação ambiental, trekking,

cavalgadas e caminhadas, além de áreas de camping e gastronomia local. Há uma área que

conta com bosques nativos sem intervenção humana, que se localizam principalmente no

setor sul costeiro da província de Osorno, nas Bacias Hidrográficas dos rios Maicolpi,

Hueyelhue, Colguaco, Manquemapu, e San Pedro. Os bosques nativos se estendem como um

pano de vegetação e de biodiversidade contínua, sem estradas e trilhas que o cruzem,

aspecto que poderia eventualmente mudar com um projeto de construção de uma estrada à

beira da Costa que vem sendo cogitada.

Vários logros foram alcançados após a criação da Rede de Parques Comunitários:

criação de 5 novas áreas silvestres de conservação na Rede Mapu Lahual distribuídas na

costa sul da cidade de Osorno; viagem de intercâmbio à ilha de Chiloé, sul do Chile; 4

centros de educação ambiental e cultural construídos; implementação de 5 bibliotecas de

consulta ambiental e cultural; desenho, traçado e sinalização (em espanhol e chesungun 122)

de 5 trilhas de interpretação do patrimônio ambiental e cultural e, ainda, trilhas para

transito de turistas; mostras culturais, como eventos onde se apresenta a gastronomia

local, jogos tradicionais (palín) e exposição itinerante; participação de representantes na

reunião das Partes da Convenção da Biodiversidade (COP 8), em Curitiba, 2006; organização

de um seminário internacional em novembro de 2006; e seis comunidades indígenas

capacitadas em atividades turísticas, como de guia turístico, pela SERNATUR.

122
Dialeto mapuche falado em San Juan de la Costa.

97
O encadeamento socioeconômico na área se inicia através de ações de fomento do

Governo do Chile quanto a preservação ambiental e a conservação dos modos de vida das

populações tradicionais, em parceria com GEF, WWF e comunidades locais; as comunidades

e associações comunitárias em parceria com alguns organismos do governo e algumas ONGs

criam a associação Mapu Lahual Butahullimapu; com o trabalho de capacitação turística da

SERNATUR e o apoio da WWF, as comunidades locais criam e gestionam a Rede de Parques

Comunitários Mapu Lahual, na qual promovem vivências ecoturísticas, tendo como atrativos

principais a rica biodiversidade e os modos de vida tradicionais; por sua vez, SERNATUR e

WWF difundem a Rede de Parques a um mercado consumidor conscientizado (o público é

composto por jovens e adultos que viajam de carro e de ônibus, geralmente oriundos de

Santiago e Concepción) através da internet; com os benefícios ecossocioeconômicos visíveis

à comunidade, começa a se difundir socioempreendimentos comunitários que dêem conta

das novas demandas surgidas.

O Projeto está sendo analisado por Centros de Pesquisa Universitários cujo

objetivo é replicá-lo às outras comunidades. Contudo, duas debilidades chamam atenção: a

dificuldade de criar conscientização nas comunidades quanto da importância de preservar a

biodiversidade, embora haja um discurso de proteção para turista ver, e de que elas

abandonem as atividades extrativistas sem manejo (sobretudo de Alerces); e o risco

freqüente, tratando-se da realidade chilena (ou melhor, latino-americana), de utilizar

experiências internacionais que nem sempre se ajustam à realidade de país.

6.3 Responsabilidade Social Empresarial (RSE)

A prática de Responsabilidade Social Empresarial (RSE) significa mudança de

atitude, isto é: o processo de gestão deve estar centrado na qualidade das relações

pessoais intra (dentro da organização), inter (entre as organizações da cadeia produtiva) e

extra-organizacional (relações com a comunidade, mercado e governo), agregando valor

98
para todos (MODENESI, 2003). Embora haja esforços de consolidação de uma rede de

instituições, sobretudo no Brasil, chamada Instituto Ethos, que adota a Responsabilidade

Social Empresarial (RSE) e, mais recentemente, Desenvolvimento Sustentável, a maioria

das iniciativas restringe-se ainda a medidas paliativas e cosméticas que, muitas vezes,

confunde-se como mero marketing institucional. Apesar das boas intenções do Ethos, não

há como negar possíveis interesses empresariais disfarçados, motivados sob o apelo de

tornarem suas empresas mais competitivas, proporcionando uma imagem conveniente de

responsabilidade social empresarial, em virtude de exigências da sociedade, para que não se

corram riscos de terem suas marcas ou produtos rejeitados. Por outro lado, empresas que

assumem uma visão de longo prazo e que, ainda, se valem de competitividade sistêmica,

acabam superando a mera racionalidade econômica utilitarista, aprisionada na missão

organizacional descolada de um ideário institucional (DALLABRIDA, 2005; SAMPAIO et al.

2006d). Foram analisadas duas experiências, a Empresa Metalúrgica Rio Sulense Ltda. (Rio

do Sul, SC) e a chilena Florestal Río Cruces (com sede em Lanco, Región Los Lagos).

6.3.1 Empresa Metalúrgica Rio Sulense Ltda. (município de Rio do Sul, SC, BR)

Por Ivan S. Dallabrida 123

A empresa cujo processo de gestão baseia-se na Responsabilidade Social é uma

sociedade anônima que iniciou suas atividades em 1946, localizada na cidade de Rio do Sul,

no Alto Vale do Itajaí. Pertence ao setor metal-mecânico, a Rio Sulense produz autopeças

de precisão sendo fornecedora das principais montadoras nacionais e estando habilitada ao

competitivo mercado global. A empresa está instalada num dos bairros mais pobres do

município e conta com um quadro, em constante expansão, de aproximadamente 700

funcionários.

123
Baseado na dissertação de mestrado de Ivan Sidney Dallabrida, sob a orientação do
Prof. Dr. Carlos Alberto Cioce Sampaio, sendo agraciada com o 1º Lugar do Prêmio Ethos
Valor de Responsabilidade Social Empresarial - Edição 2005 (DALLABRIDA, 2005).

99
Mas muito mais que a força econômica e o destaque na geração de empregos, a

empresa é referência pela sua atuação através de investimentos espontâneos em projetos e

programas de Responsabilidade Social. A preocupação da empresa em gerir os projetos de

forma profissional, fez com que, a partir do ano 2000, fossem desenvolvidas parcerias com

o Serviço Social da Indústria (SESI) e o Instituto Ayrton Senna, objetivando elaborar,

implementar e avaliar os projetos encampados pela empresa.

Os projetos desenvolvidos remetem a ações que privilegiam segmentos variados,

especialmente o público interno, a comunidade e o meio ambiente. Dentre estes projetos,

destacam-se aqueles cujos focos são: a) a preocupação com as gerações futuras

(enfatizada no Balanço Social da empresa), materializada pelo fomento ao desenvolvimento

de uma geração de líderes, à formação de jovens para o novo mercado de trabalho e à

criação um compromisso de cidadania para as novas gerações, envolvendo empresa, crianças

e jovens, professores e comunidade em geral; b) o estímulo ao voluntariado, promotor da

integração entre a empresa e a comunidade, possibilitador do crescimento e auto-

realização dos voluntários através de sua participação na vida dos públicos envolvidos,

criador de um ambiente de cooperação e gerador de capital social; c) a consciência

ecológico-ambiental através da promoção de um conjunto de ações internas e comunitárias

que contemplam a destinação correta e o reaproveitamento dos resíduos e do lixo

produzido; o cultivo e o plantio de espécies da mata nativa, a educação ambiental e outras

formas de conservação do meio ambiente.

Em síntese, constatou-se a incorporação de algumas dimensões de

sustentabilidade ao processo de gestão, tais como: a dimensão social, representada

principalmente pela implementação de diversos projetos que fomentam a vida comunitária e

objetivam a melhoria da qualidade de vida das pessoas, sejam elas internas ou externas à

organização; a dimensão política, materializada pela participação (mesmo que esta seja

100
ainda incipiente) dos públicos envolvidos nos projetos e balizados no conceito de cidadania;

a dimensão ecológico-ambiental: o “algo a mais” feito pela empresa, que vai além do

cumprimento às determinações das leis ambientais, instituindo uma cultura ecológica que

converge para a sustentabilidade ambiental em nível local; a dimensão institucional,

representada pela imagem e pelos valores disseminados pela empresa aos stakeholders, que

a tornam um modelo a ser seguido, o que pode ser ratificado com a utilização dos projetos

desenvolvidos pela empresa como benchmark por várias outras organizações.

6.3.2 Florestal Río Cruces (sede no município de Lanco, Región Los Lagos, Ch) 124

A história da empresa começa com a visita de um casal de aristocratas alemães

que, ficando impressionados com a paisagem do local, comprou uma propriedade rural para

depois instalar uma empresa de manejo e plantio florestal (espécies tais como o Hualle,

Ulmo, Tieno, Laurel, Lingue, Avellano, Tepe, Olivillo, Coigue, Mañio, Paulí, Lenga, Canelo e

Radal), na qual se respeita princípios sustentabilistas. Posteriormente, foram compradas

outras propriedades rurais (municípios de Lanco, Panguipulli e Los Lagos), atualmente

totalizando aproximadamente 8.000 ha (sendo 60% de bosques nativos), além da sede da

Florestal que possui 2600 ha. Na administração da empresa há 19 pessoas, entre eles um

gerente geral, e mais 31 trabalhadores diretos, além dos 50 trabalhadores indiretos

oriundos de empresas associadas.

A madeira certificada, sobretudo de manejo de bosques nativos, é um mercado

incipiente, de certo modo desconhecido, no qual vigora o mito de baixa produtividade

quando comparado com reflorestamentos de árvores exóticas como pinus e eucalipto.

Contudo, a Forestal Río Cruces vem demonstrando que é possível conciliar responsabilidade

124
Baseado na apresentação do Gerente Geral Alex Strodthoff da Forestal Río Cruces na
ocasião da disciplina Filosofias do Desenvolvimento, coordenada pelo Prof. Dr. Carlos
Alberto Cioce Sampaio e com apoio dos Professores Juan Carlos Skewes e Luis Otero em
2005, vinculado ao Programa de Honra em Estudos de Meio Ambiente e Desenvolvimento da
Universidade Austral do Chile (UACH), e na entrevista presencial com o Gerente concedida
na sede da empresa em 15 de dezembro de 2005.

101
social empresarial (inclusive sendo agraciada pelo Prêmio Nacional a la Inovación Agrária,

versão 2003 125) e retorno econômico quando se planta e maneja sustentavelmente florestas

nativas, e se planeja a longo prazo, distanciado do imediatismo típico da lógica de mercado

na qual prevalece o utilitarismo economicista. A Forestal está certificada pela FSC (Forest

Stewardship Council 126), primando produtos de alta qualidade (tais como molduras,

madeiras semi-acabadas e acabadas, pisos, componentes de móveis e artesanato fino) ao

contrário de outras empresas florestais que utilizam apenas madeiras de bosques de

espécies introduzidas (não nativas). A capacitação do pessoal quando ao uso de moto serras

e artefatos florestais no manejo de bosques nativos é um dos pontos que merece atenção

constante, sobretudo quando se está numa região onde o desmatamento é comum.

A zona onde atua a Forestal apresenta um clima temperado chuvoso, cujas

características são de alta umidade relativa, baixas temperaturas e alto registro

pluviométrico anual. A área apresenta níveis altos de pobreza rural, grande analfabetismo,

o que dificulta a promoção de trabalhadores para postos de chefias, no qual se requerem

leitura e feitura de relatórios. A empresa faz doações periódicas à jardins infantis, escolas

e clubes desportivos nas localidades aonde ela opera, além de ministrar palestras sobre a

importância do manejo sustentável dos bosques nativos.

Algumas limitantes são decorrentes da ausência de marco legal em relação ao

manejo sustentável de bosques nativos, tanto por falta de consciência de governantes

públicos quanto do descaso do mercado comprador sobre a origem da madeira nativa.

125
O Ministério da Agricultura criou, em 1999, o Prêmio Nacional à Inovação Agrária, como
reconhecimento à criatividade e esforço de quem desenvolve iniciativas inovadoras no setor
agrário. A distinção é outorgada pela Fundación para la Innovación Agraria, que atua como
Secretária Técnica.
126
Certificação florestal de credibilidade internacional que garante que a madeira
comercializada provém de manejo sustentável, ou seja, que é oriunda de floresta, nativa ou
reflorestada, explorada de forma adequada do ponto de vista socioambiental (www.fsc.org).

102
A Forestal possui uma política de boa vizinhança com as comunidades e as

municipalidades aonde opera, cuidando de estradas vicinais, contratando membros

comunitários ora como empregados diretos e indiretos (exemplo: contratação na

manutenção de cercas das propriedades da empresa), além de doar boa parte dos resíduos

de sua operação para que sejam usados como lenha (lembrar que a lenha no Sul do Chile,

além de servir como combustível para cozinhar, serve sobretudo para aquecer a casa diante

das temperaturas anuais baixas durante todo o ano, com exceção do verão).

6.4. Economia de Comunhão

O projeto Economia de Comunhão (EdC) se desenvolveu no bojo de um movimento

social religioso católico, o Movimento dos Focolares. A EdC é a extensão para economia de

mercado de uma dinâmica de comunhão individual praticada pelos membros dos Focolares,

isto é, a EdC em termos teóricos tenta construir parâmetros para a prática dos

fundamentos da espiritualidade da unidade (BRUNI, 2005; FERNANDES, 2007;

FERNANDES, SAMPAIO, 2005).

O Projeto Economia de Comunhão (EdC) prega fazer da atividade econômica,

sobretudo a empresa, um lugar de encontro no sentido mais profundo do termo, um lugar de

comunhão entre quem têm bens e oportunidades econômicas e quem não os têm (SAMPAIO

et al., 2003). A economia de comunhão deve canalizar capacidades e recursos para produzir

riqueza em prol dos que se encontram em dificuldades. Parte desses lucros seria usada para

incrementar a empresa; parte, para ajudar pessoas necessitadas (ligadas diretamente ou

indiretamente ao Movimento dos Focolares), dando-lhes a possibilidade de viver de modo

mais digno, à espera de um trabalho, ou oferecendo-lhes um emprego nessas empresas de

EdC; e a última parte, para desenvolver estruturas visando à formação de homens e

mulheres que motivam a vida pela cultura do dar (LUBICH, 2002).

103
Dallabrida (2005) aponta que a EdC, com pouco mais de uma década, começou há

pouco a produzir resultados teórico-empíricos. Atualmente o projeto conta, em nível

mundial, com a adesão total de 756 empresas, de pequeno e médio porte que estão

inseridas completamente ou estão em processo de adaptação (FERNANDES, 2006).

Enquanto no Chile há apenas uma empresa de EdC, a Empresa Sociedade de Investimentos

Foco - Poupança e Crédito (Santiago), embora haja uma cooperativa de taxistas também em

Santiago se formalizando, no Brasil há pouco mais de uma centena, entre essas se

analisaram as experiências da Distribuidora de Medicamentos PróDiet Farmacêutica

(Curitiba, PR) e da Metalúrgica Metal Sul (Joinville, SC). Contudo, as experiências vêm

sendo analisadas, sobretudo por participantes do movimento dos Focolares, ao qual a EdC

está vinculada, o que pode revelar uma certa tendenciosidade nas análises e interpretações,

mesmo sem intencionalidade.

6.4.1 Empresa Metalúrgica Metal Sul (município de Joinville, SC, BR)

Por Ivan S. Dallabrida 127

A empresa vinculada ao projeto da Economia de Comunhão iniciou suas atividades

em 1996 e está localizada no norte do estado de Santa Catarina, no município de Joinville.

Pertence ao ramo metal-mecânico, sendo especializada na fabricação de ferramentas para

profissionais das indústrias metal-mecânica, da construção civil, marcenarias e serviços em

geral. É uma empresa de pequeno porte, possuindo 53 funcionários, a maioria deles na área

de produção.

A empresa, ao contrário do que se supunha, não possui projetos e programas

desenvolvidos especificamente para as questões sócio-ambientais. A filosofia de gestão

ancora-se nos valores inspirados do Movimento dos Focolares, postos em prática através da

127
Baseado na dissertação de mestrado de Ivan Sidney Dallabrida, sob a orientação do
Prof. Dr. Carlos Alberto Cioce Sampaio, sendo agraciada com o 1º Lugar do Prêmio Ethos
Valor de Responsabilidade Social Empresarial - Edição 2005 (DALLABRIDA, 2005).

104
motivação de seus dirigentes. Há uma priorização de aspectos ontológicos e sociais, onde o

principal objetivo é o de promover a formação integral e solidária do homem e da

sociedade. Nesse sentido, as dimensões “público interno” e “comunidade” são fortemente

preconizadas através da valorização das pessoas enquanto trabalhadores, cidadãos e seres

espirituais. Cumpre-se destacar, nesse sentido: a) a forma de tratar os talentos humanos,

estimulando a diversidade ao integrar em seu quadro funcional indivíduos pertencentes a

classes tradicionalmente marginalizadas como dependentes químicos em recuperação,

portadores de necessidades especiais, trabalhadores com idade superior aos 50 anos e

grande número de pessoas com baixo nível de escolaridade (segundo dados da empresa, 15%

dos funcionários são analfabetos); b) o compartilhamento do lucro de forma tripartite, que

desempenha papel social e comunitário através da destinação de uma parte desse lucro aos

necessitados e do reinvestimento na própria empresa para que ela se mantenha viável; bem

como papel na sustentabilidade institucional, através do investimento na formação humana

objetivando o fortalecimento dos valores éticos, morais e religiosos da EdC.

Com relação às dimensões da sustentabilidade, constatou-se a incorporação de

algumas delas ao processo de gestão: a) a dimensão social, materializada especialmente pela

destinação de parte do lucro aos menos favorecidos da comunidade onde está inserida a

empresa e pela tentativa de redução das desigualdades sociais através da inclusão social

pelo trabalho; b) a dimensão política, traduzida através das ações, mesmo que incipientes,

visando incluir pelo trabalho e pelas relações humanas, pessoas de setores tradicionalmente

marginalizados na sociedade atual; c) a dimensão institucional, caracterizada pela assunção

do papel de disseminadora de valores éticos, os quais são projetados nas instâncias locais,

com a irradiação do seu modus vivendi.

6.4.2 Distribuidora de Medicamentos PróDiet Farmacêutica (município de Curitiba, PR)

105
Por Ana Paula L. Pinheiro 128

A PRODIET farmacêutica de Curitiba foi criada em 1990, sob a forma jurídica de

sociedade limitada. Aderiu à proposta de economia de comunhão em 1991 com a vinda de

Chiara Lubich ao Brasil. É uma empresa prestadora de serviços com faturamento anual de

cinquenta e cinco milhões de reais e o número de colaboradores atualmente é de cento e

cinco. Seu negócio é a distribuição de medicamentos para hospitais, clínicas e prefeituras.

A PRODIET tem como visão buscar a excelência na distribuição de medicamentos,

construindo uma empresa rentável sob o aspecto financeiro, social e de promoção humana,

colocando o homem no centro de suas atividades, fazendo com que o trabalho seja um

importante meio para a realização de todos os funcionários. Sua missão é a de distribuir

medicamentos com ética, através do trabalho honesto, e compromisso social, expresso no

cuidado com a qualidade dos produtos, com a pontualidade e agilidade na entrega,

relacionamentos harmoniosos com os clientes e fornecedores, bem como no atendimento

das necessidades de saúde da população mais carente, já que a maioria das distribuições é

feita às prefeituras, que distribuem os medicamentos para os postos de saúde. A política

da empresa é a de ser um agente inovador na distribuição de medicamentos e de outros

produtos, com segurança e qualidade, visando plena satisfação do cliente e melhoria

contínua dos serviços prestados.

A principal estratégia da organização é a de crescimento. A média anual tem sido

acima de vinte por cento e, em 2005 o objetivo de crescimento foi de trinta e seis por

cento. Para atingir esse objetivo está sendo criado o desenho de todos os fluxos de

trabalho, de procedimentos e processos. Mas o que tem sempre diferenciado a organização

e mantido seu crescimento, tem sido a utilização da ética e da responsabilidade social como

128
Baseado na dissertação de mestrado de Ana Paula Lemos Pinheiro, sob a orientação do
Prof. Dr. Oklinger Mantovaneli Jr. e co-orientação do Prof. Dr. Carlos Alberto Cioce
Sampaio (PINHEIRO, 2005).

106
pressupostos administrativos. Os valores éticos da PRODIET baseiam-se no respeito mútuo

em benefício do bom relacionamento empresarial e social, expresso na comunicação e

negócios precisos, transparentes e oportunos. O respeito às comunidades e o compromisso

com a preservação do meio ambiente são princípios básicos. O ambiente de trabalho é

isento de discriminação de etnia, de sexo e de condição social. O compromisso social é

expresso através da preocupação com as pessoas que irão consumir os medicamentos. As

ações de responsabilidade social da PRODIET farmacêutica dividem-se em interna e

externa.

As ações de responsabilidade social interna são expressas pelas seguintes

características, a saber: a) busca da necessidade dos colaboradores e oferecimento de

benefícios tais como assistência médica, social, odontológica, alimentar e de transporte; b)

integração dos colaboradores com princípios da economia de comunhão; c) direitos iguais a

todos através do acesso à comunicação e liberdade de palavra; d) distribuição dos lucros

em razão do resultado da empresa; e) procura não despedir colaboradores por não estarem

produzindo o tempo todo. As ações de responsabilidade social externa foram detectadas

pelas seguintes características: a) Compromisso financeiro com clientes; b) compromisso e

pontualidade nas entregas (nas compras destinadas aos processos de licitação, os prazos

vão de 24 a 48 horas para todo o Brasil; c) a empresa procura viver os valores da economia

de comunhão praticando, nas palavras do sócio da empresa, “amor vivido na atividade

econômica”, usando a empatia como referencial de ação; d) a compra de medicamentos é

feita com fornecedores idôneos que estejam dentro da regulamentação da Agência

Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA); e) e nas palavras de todos os entrevistados,

não utiliza suborno e corrupção para ganhar concorrência nos processos de licitação.

Os princípios da economia de comunhão praticados pela organização, oferecem

embasamento para as práticas da ética e da responsabilidade social, criando condições

107
melhores para que se possa alcançar um desenvolvimento mais sustentável, através

principalmente da sustentabilidade econômica e administrativa reveladas nas atividades

corriqueiras da empresa. As práticas na PRODIET que apóiam a economia de comunhão têm

a ver primeiramente com a prática de ações transparentes através de canais de

comunicação abertos, de confiabilidade nas informações e qualidade dos produtos e

serviços, de afetividade, de respeito à todos os stakeholders, de trabalho com

honestidade. Em um segundo momento, dizem respeito à prática de valores humanos

universais tais como a compaixão, a honestidade, a justiça, o respeito e a responsabilidade.

Finalmente à redistribuição de riquezas, aos relacionamentos éticos e humanitários, ao

cuidado com o meio ambiente, ao intercambio com outras empresas de economia de

comunhão e finalmente entendendo que o trabalho é fonte de satisfação pessoal e de

serviço.

6.4.3 Empresa Sociedade de Investimentos Foco - Poupança e Crédito (Santiago, CH)

A Sociedade de Investimentos Foco S.A. (Poupança e Crédito), sediado em

Santiago (Chile), surge a partir da falta de acesso a crédito às pessoas vinculadas ao

Movimento Católico chamado Focolares. Diante de tal fato, surge o projeto de criar uma

cooperativa de investimentos para membros do Movimento. A Cooperativa surgiu em 1985,

anteriormente a criação do projeto global Economia de Comunhão, lançado no Brasil em

1990. Na ocasião se fez uma consulta à Federação de Cooperativas Chilenas que sugeriu ao

grupo de interessados que dessem continuidade a uma cooperativa já constituída,

entretanto inoperante, alterando seu contrato social ao invés de criar uma nova

cooperativa. Ela se transforma em uma Sociedade Anônima, a partir de 2004, para não

transgredir a legislação chilena de bancos, reduzindo de 400 para 100 associados,

utilizando como princípio: um sócio por família.

108
A Foco é constituída por pessoas físicas (chilenas) vinculadas ao Movimento dos

Focolares ou, então, por pessoas com vínculos com membros do Movimento. A Foco é regida

através de uma assembléia de sócios, elegidas sob critérios de competência e formação

universitária, e uma administradora. A Sociedade nunca recebeu financiamento a fundo

perdido oriundo de outras fontes. Os financiamentos que a Sociedade contrata, de um

modo geral, é para compra de maquinários (tal como um laboratório dental), emergências de

saúde, férias, reformas residenciais, estudos universitários e compra de automóvel (tal

como táxi), possuindo três faixas de taxas de juros: de 0 à US$4.500, juros de 2%; de

US$4.500 à US$13.500, juros de 1,7%; e mais de US$13.500, juros de 1,2% 129. A taxa de

retorno dos financiamentos chega a 97%. Os financiamentos contratados giram entre

US$1.000 a 23.000, limitados pela exigência de que o contratado deva possuir ao menos

1/3 do valor financiado em cotas do capital da Sociedade. Caso o contratado deseje

financiar quantia maior, terá que sugerir um outro associado como avalista. Nunca houve um

processo de cobrança oficial. Atualmente, há um caso de pagamento de financiamento

atrasado que, neste caso, por exemplo, a Administradora está negociando com o devedor

alegando que o princípio da Sociedade deve ser preservado: o coletivo prevalecendo sobre o

individual. A renegociação está sendo realizada considerando apenas a taxa de inflação do

período.

Os dividendos são divididos em três partes, não necessariamente iguais: a

primeira parte é destinada ao Movimento Internacional de Economia de Comunhão, sediado

em Roma (Itália), que posteriormente distribui as pessoas carentes que participam do

Movimento no Chile. Anteriormente a criação do Projeto Economia de Comunhão (EdC), era

doada esta parte diretamente a pessoas carentes; a segunda parte é destinada a

129
Comparativamente com um banco comercial chileno, as taxas de um modo geral estão por
volta de 3,3%.

109
investimentos na própria empresa e a terceira parte destinada a projetos de formação

humanista dos associados do movimento.

A Foco se encontra numa etapa madura e está pronta para novos desafios para o

futuro, inclusive, aponta-se como debilidade empresarial atualmente não ambicionar

crescimento econômico. Pensa-se na possibilidade de criação de um sócio coletivo que

poderia congregar associados interessados em correr riscos maiores como o financiamento

de novas empresas. Atribui-se como marco no projeto o compartilhamento de valores

solidários pelos sócios.

6.5 Economia Solidária (ES)

A Economia Solidária (ES) é uma categoria de economia que se funda na crise do

capital e do Estado e é expressão de uma das respostas dos trabalhadores que incorporam

suas críticas históricas ao capital e constituem uma forma de organização não capitalista

(SINGER, 2002). A ES prega princípios democráticos, ou seja, autogestionário. A economia

solidária apregoa que pode existir solidariedade na economia, sobretudo quando se garante

direitos iguais entre aqueles que se associam para financiar, produzir, comerciar ou

consumir mercadorias. No entanto, existem dificuldades de se inserir à lógica

associativista na economia de mercado; quando se consegue, corre-se ainda o risco de

desvirtuar-se dos princípios associativistas (SINGER, 2002). Optaram-se para efeito

deste estudo considerar três de suas correntes mais pragmáticas – Comércio Justo, Clube

de Troca Solidária e Banco dos Pobres.

O Comércio Justo (Fair Trade) surge para assegurar uma nova relação, livre,

direta e honesta entre três novos sujeitos econômicos: produtores em vias de

empobrecimento, geralmente excluídos ou com desvantagens no comercio praticado no

âmbito da economia de mercado; consumidores solidários que estão dispostos a pagar um

110
sobrepreço; e os intermediários sem ânimo de lucro. Nesta relação existe a perspectiva de

contratos à longo prazo, baseados no respeito mútuo, de maneira que permita ao produtor e

sua família viver mais dignamente. A incorporação de boas práticas socioeconômicas e

socioambientais pelos pequenos produtores são premiadas com um preço justo,

materializado no princípio de sobrepreço, isto é, quando o consumidor está disposto a pagar

a mais por um produto originado de práticas com responsabilidade socioambiental. Busca

também conscientizar os consumidores sobre o poder de barganha que têm ao comprarem

produtos favorecendo trocas mais justa. O Comércio Justo pode ser considerado como um

movimento dentro da ES ou economia descalça, entretanto, pela engenhosidade de sua

proposta merece atenção especial. Mesmo com tal engenhosidade, a cadeia solidária

(chamada fidelização) pode ser rompida à medida que o consumidor desconfia de práticas

advindas ora do produtor ora do intermediário que possam induzir a um desvio moral da

proposta original do Comércio Justo. O que não seria difícil de imaginar quando se coloca

em cheque o sobrepreço; ou, ainda, quando consumidores confundem a proposta de

Comercio Justo com alguma proposta de selo de garantia ou certificação de empresas do

setor produtivo lucrativo que mesmo que tendo boas práticas, estão distantes de

questionarem sobre as desigualdades socioprodutivas existentes na economia de mercado

(PLATAFORMA KOMYUNITI, 2005; ESPANICA, 2005).

O Banco dos Pobres ou Grameen Bank (Banking for the poor) surge em

Bangladesh, em 1974, e foi criado pelo economista Muhammad Yunus (ganhador do Prêmio

Nobel da Paz, versão 2006), e até 2005 tinha mais de 3 milhões de clientes, tendo

emprestado cerca de 4 bilhões de dólares e com mais de 60 sucursais em diversos países.

Yunus, rompendo com o modus operandi do empréstimo bancário, criou um sistema para

entregar fundos às mães socioempreendedoras informais de Bangladesh, cujo percentual

de reembolso dos empréstimos realizados é alto quando comparado com os empréstimos

111
bancários convencionais (YUNUS, 2005). O Banco dos Pobres empresta uma pequena,

entretanto suficiente, quantidade de dinheiro às pessoas de escassos recursos como

mulheres indigentes chefas de lar que estejam sem trabalho e que não tenham nenhuma

possibilidade de aceder a créditos na banca financeira, mas com idéias e capacidade de

empreendimento organizacional (próprio e independente) com potencialidade

interorganizacional (conectados a redes de apoio), com a finalidade de que possam iniciar

um micro projeto socioprodutivo que lhes possa significar rendimentos permanentes

conservando seu modo atual de vida (YUNUS, 1998).

O Clube de Troca Solidária mediado por uma moeda social tenta reconstruir o

vínculo social entre produtores e consumidores, denominado por Lisboa e Faustino (2006) e

Pascali, Primavera, Whitacker e Castro (2007), enquanto prossumidores, através da

convivência e de laços de solidariedade. Quando não é possível o escambo de bens e

serviços, vale-se de uma moeda social para facilitar a troca entre os sócios do clube.

Três experiências foram analisadas a Plataforma Komyuniti de Comércio Justo

(Sede em Santiago, Ch), Barco (Banco) dos Pobres em Valdivia (Región Los Lagos, Ch) e o

Encontro Comunitário de Trocas (Micro-bacia do Rio Sagrado, município de Morretes, PR).

6.5.1 Plataforma Komyuniti: Cooperativa de Comercio Justo (Santiago, CH)

Com contribuições de Ivan S. Dallabrida 130,

131
e Esperanza S. Alvarez S., Natalia V. Ciudad G. e Rosario Del Pilar Muñoz G.

As discussões acerca do Comércio Justo iniciaram no Chile em 1996 com a união de

diversas organizações não-governamentais (ONGs) 132, voltadas às questões sócio econômico

130
Ivan é graduado em administração e mestre em desenvolvimento regional pela
Universidade Regional de Blumenau (FURB).
131
Baseado no formulário qualitativo de coleta de dados preenchido pelas três estudantes
na ocasião da disciplina Filosofias do Desenvolvimento, coordenada pelo Prof. Dr. Carlos
Alberto Cioce Sampaio com apoio dos Professores Juan Carlos Skewes e Luis Otero em
2005, vinculado ao Programa de Honor em Estudos de Meio Ambiente e Desenvolvimento da
Universidade Austral de Chile (UACH).

112
e ambientais, denominada Plataforma Komyuniti, que após alguns anos de articulações,

conseguiu formar uma rede de cooperação e de apoio mútuo à pequenos produtores para

garantir a sustentabilidade de seus socioempreendimentos. Em outubro de 2002,

inaugurou-se a primeira Loja de Comércio Justo do Chile, e após um ano de funcionamento

constatou-se a importância de disseminar o conceito de comércio justo e o significado de

consumo consciente. Para tanto, a Plataforma Komyuniti concebeu uma Cooperativa de

Comércio Justo Chile, na qual começou a vigorar uma Carta de Princípios e uma Carta de

Compromissos que formalizam as diretrizes a serem seguidas por pessoas e organizações

que queriam ingressar na esfera comercial da Plataforma. Além de encampar os interesses

dos pequenos produtores, organizações da sociedade civil e consumidores, e de fomentar a

formação de micro-redes de Comércio Justo no Chile, a Cooperativa promove estratégias

educativas para pensar uma economia mais solidária.

A rede interorganizacional formada pela Plataforma Komyuniti - Cooperativa de

Comércio Justo se estende de norte a sul do Chile, incluindo regiões metropolitanas de

centros urbanos como Santiago e centros menores como Valparaíso, e comunidades e

povoados, como os descendentes dos mapuches-huilliches (grupo indígena predominante

entre os primeiros habitantes do Sul do Chile), ademais produtores da Bolívia e do Peru. O

grupo de produtores são, em sua maioria, indivíduos de baixa renda, povos autóctones e

originários que ainda preservam muitos de seus costumes e tradições, vivendo em

comunidades (muitas vezes isoladas) e desenvolvendo atividades relativas à agricultura

132
Instituto de Ecologia Política (meio ambiente); Tekhne (desenvolvimento sócio-
ambiental, participação cidadã e associativismo); Asociación de Estudios Geobiológicos –
GEA (saúde, hábitat e meio ambiente); Fundación OCAC (Oficina Coordinadora de
Asistencia Campesina): desenvolvimento social no meio rural e proteção aos camponeses;
PET: Programa de Economía del Trabajo (participação cidadã); Corporación “Caleta Sur”
(questões ligadas à educação e à proteção da infância); Estudios Agrarios Ancud
(desenvolvimento rural de comunidades pobres; ACJR - Corporación Alianza Chilena por un
Comercio Justo y Responsable (desenvolvimento sócio-econômico e consumo consciente),
entre outras. Além das ONGs, a Universidade do Chile, em especial os Centros de
Engenharia de Recursos Naturais e Engenharia Agronômica, participa efetivamente.

113
familiar, à pesca de subsistência e trabalhos manuais. Os artesãos, produtores e

pescadores envolvidos estão agrupados em torno de 40 organizações e o volume de vendas

estimado para o ano de 2005 era de US$ 45.000. A grande maioria dos produtos

comercializados pela Loja de Comercio Justo personifica a cultura socioprodutiva e a

identidade dos territórios onde são produzidos, como artesanato: produtos utilitários e de

decoração feitos de cerâmica, fibras, madeira, couro, lã, pedras e jóias (exemplos:

produtos em madeira talhada da Terra del Fuego, jóias da Patagônia, artigos de lã e couro

das artesãs de Ibañez, cestaria das mulheres Mapuches, cerâmica da região de La Serena,

esculturas mitológicas em pedra de Chiloé); como alimentos primários: café, chá, açúcar,

frutas, verduras, cereais andinos, ovos, carnes, mel, condimentos, ervas medicinais, etc.

(exemplos: frutas da região de Valparaíso, ervas medicinais de Chillan, café da Bolívia e

Peru); e produtos semi-industrializados: comidas nativas, pães, vinhos, licores, biscoitos,

queijos, geléias, brinquedos, sabões (exemplos: cosméticos naturais, cerâmicas e licores

artesanais da região metropolitana de Santiago, sabões de leite de ovelha e cabra de

Litueche).

Não se verificou o envolvimento de governos locais na experiência, ou qual foi o

papel do poder público local na identificação das potencialidades locais e na criação do

ambiente propício para o desenvolvimento destas potencialidades. Apesar de ser uma

experiência relativamente nova, verifica-se que acaba trazendo benefícios sociais,

econômicos e ambientais importantes (guardadas suas proporções) às comunidades de

produtores. Por sua vez, não quer dizer que os grupos de produtores respondam totalmente

aos critérios determinados pela cooperativa, o que também não invalida a experiência e nem

a enfraquece. As principais debilidades da Plataforma Komyuniti são: desarticulação com

governos locais; rigor nos critérios de integração dos cooperados à rede; limitação da área

de comercialização da Loja de Comércio Justo, restringindo a região metropolitana de

114
Santiago; loja com espaço físico restrito, embora esteja bem localizada; dificuldade de

replicar tal experiência diante do ambiente competitivo da economia de mercado chilena; e

inexperiência de dirigentes quanto à gestão da cooperativa.

6.5.2 Corporação Barco dos Pobres (sede Valdivia, Región Los Lagos, Ch)

Com contribuições de Cristian M. Aguirre A., Bladimir P. Antilef A. e Hector M. Caro C.

133

A Corporação Barco dos Pobres 134 surge a partir da experiência exitosa do

economista Muhammad Yunus quem inventou o sistema do micro crédito. O Deputado

Roberto Delmastro (Partido de Centro-Direita), na época presidindo a Fundação de Gestão

Social de Valdivia, reunindo US$ 3.700 (Três mil e setecentos dólares), toma a iniciativa de

entregar o primeiro micro crédito no mês de setembro de 2002 à presidenta do

Acampamento A Estrela, Laura Villablanca, que instalava um quiosque para a venda de pão

amassado (o tipo de pão mais conhecido do Sul do Chile) e empanada. Teve-se como objetivo

emprestar uma pequena, entretanto suficiente, quantidade de dinheiro às pessoas de

escassos recursos, como mulheres chefas de lar (tendo em média três filhos pequenos) que

estejam sem trabalho ou não tenham nenhuma possibilidade de aceder a créditos no

mercado financeiro, contudo que estejam dispostas a esforçar-se para sair dessa condição

através de idéias e de capacidade de empreendimento para iniciar um pequeno projeto

socioprodutivo, no qual lhes possam significar rendimentos e também elevar auto-estima de

maneira que valorizem seus modos de vida que lhe são próprios e, ainda, evitando romper a

133
Baseado no formulário qualitativo de coleta de dados preenchido pelos estudantes na
ocasião da disciplina Filosofias do Desenvolvimento, coordenada pelo Prof. Dr. Carlos
Alberto Cioce Sampaio com apoio dos Professores Juan Carlos Skewes e Luis Otero em
2005, vinculado ao Programa de Honra em Estudos de Meio Ambiente e Desenvolvimento da
Universidade Austral do Chile (UACH).
134
Atualmente a legislação chilena bancária impede que a Corporação opere como uma
instituição de micro financiamento tradicional, sobretudo pelo baixo capital acionário, o que
explica a denominação Barco ao invés de Banco.

115
estrutura familiar, já que essas mulheres desenvolvem geralmente suas atividades no

ambiente doméstico.

De maneira geral os grupos de beneficiários do projeto provem de acampamentos

que se formaram a partir de invasões ilegais de terreno. Os acampamentos se localizam em

diversos setores marginais da zona urbana de Corral, Valdivia, San José, Máfil e Lanco:

setores baixos e até pantanosos, uns com mais vantagens de acesso aos serviços urbanos do

que outros. As pessoas vivem em condições de pobreza extrema, sendo que a maioria

recebe assistência social precária por parte do Estado. O baixo nível educacional restringe

a estas pessoas a exercer ofícios poucos qualificados.

O trabalho se inicia a partir da associação de cinco mulheres, podendo ter projetos

distintos, mas que se comuniquem permanentemente e troquem experiências durante o

desenvolvimento de seus projetos. É requisito que as candidatas ao micro crédito não

tenham sido beneficiadas anteriormente por outras instituições. O grupo é monitorado por

uma assistente social da Corporação que assume a responsabilidade de reunir semanalmente

as participantes para assessorá-las em todos os detalhes necessários para melhorar a

administração dos socioempreendimentos. O atendimento é realizado nos próprios

empreendimentos, evitando que as pessoas saiam de seu lar e que interrompa suas

atividades produtivas. O micro crédito consiste num monto máximo de US$ 200 (duzentos

dólares) a serem pagos num máximo de 52 (cinqüenta e duas) parcelas iguais semanais. A

taxa de interesse geralmente é a metade do que oferece no mercado financeiro.

Outorgam-se micros créditos, condicionado ao comportamento de pagamento regular dos

outorgantes anteriores. Falhando um pagamento, suspende-se o crédito aos candidatos

posteriores. Apóia-se às beneficiárias mediante a capacitação em controle financeiro,

organização da produção e distribuição dos produtos.

116
No início o projeto contou com a participação de alunos do curso de Engenharia

Comercial da Universidade Austral de Chile (UACh) que realizavam estágio profissional

monitorando grupos de beneficiários a quem lhes outorgavam apoio na administração dos

socioempreendimentos. Além de contar com outras instituições, como Fundación CEMA

Chile: Organización Nacional de los Centros de Madres, Fundación PRODEMU: Promoción y

Desarrollo de la Mujer, e de organizações privadas - Supermercado UNICO, Casa del

Menaje, Multitiendas Taboada, Feria Persa Posto Nº 8, Ferretería Sur, Frigoríficos Trendy

e Visiontec.

Como principal marco do projeto, no ano de 2005, se cria a Corporação Barco dos

Pobres, tornando-se independente da Fundação de Gestão Social de Valdivia, com o que se

pretendia postular fontes de financiamento adicionais mais estáveis e fortalecer vínculos

de apoio e colaboração com o governo, empresas e instituições do terceiro setor. A

exemplo, incorporou-se a Rede para o Desenvolvimento das Micros Finanças do Chile A.G.,

além de ter presença na rede internacional de computadores (internet) através de um site

eletrônico; difundiu-se institucionalmente o projeto mediante a organização de feiras e

alianças que permitem o consumo dos produtos oferecidos pelos micro empreendimentos; e

captou-se fundos não reembolsáveis para desenvolver e ampliar as atividades. Desta

maneira, fortaleceu a institucionalidade da Corporação, sendo capaz de ampliar suas

operações e cobertura em outras comunidades da província (microrregião) de Valdivia. Em

Abril de 2005, o Barco dos Pobres contava com um fundo de US$ 14.500, uma taxa de

reembolso dos empréstimos próxima dos 90%, ainda que ocorram morosidades, trinta

beneficiários e duas Assistentes Sociais que atendem aos beneficiários em período

integral. As áreas dos socioempreendimentos compreendem quiosques e bazares de

produtos diversos, criação de coelhos, jardinagem, desenho de vestuário, confecção de

panos de cozinha e gastronomia.

117
Está-se trabalhando para elevar o nível de profissionalismo no atendimento aos

beneficiários, sobretudo na capacitação em gestão de socioempreendimentos e na criação

de novos produtos financeiros que atendam os segmentos dos beneficiários. Espera-se

fortalecer a associatividade e o encadeamento produtivo como estratégia para aumentar a

produtividade e a perenidade dos micros socioempreendimentos. Na medida do possível se

incentiva a formalização de modo que possam se beneficiar das benesses da previdência

social e do acesso aos sistemas de saúde. Contudo, há limitantes que se enumeram: pouca

inovação e criatividade nos tipos de socioempreendimentos; os beneficiários tendem a

perceber os micros créditos como ajuda assistencial, nos casos que não se cumprem os

compromissos de reembolsar os empréstimos; perfil dos beneficiários é restritivo podendo

marginalizar candidatos potenciais ao micro crédito; dificuldade de se alcançar um

equilíbrio entre taxa ativa e o custo real dos fundos, o que dificulta aumentar os montantes

emprestados; profissionais não estão sendo bem remunerados; restrições quanto a

recursos físicos e financeiros; falta de avaliação de desempenho dos

socioempreendimentos; oferta de serviços financeiros limitando-se a créditos (não há na

carteira de produtos cadernetas de poupança e seguros por exemplo); e não há estudos

sobre impactos dos empreendimentos.

6.5.3 Encontro Comunitário de Troca Solidária (Comunidades da Micro-bacia


Hidrográfica do Rio Sagrado, Município Morretes, PR, BR)

Com contribuições Christian E. Henríquez Z., Esperanza S. Alvarez S. e Francisco Brasil135

135
Baseado no formulário qualitativo de coleta de dados preenchido pelos estudantes
chilenos Christian e Esperanza na ocasião de seus estágios de conclusão de curso de
graduação, respectivamente, de Turismo e de Antropologia da Universidad Austral de Chile
(UACH), na Zona Laboratório de Educação para o Ecodesenvolvimento na Micro-bacia do
Rio Sagrando, Morretes (PR), entre dezembro de 2006 e fevereiro de 2007, sob a
orientação do Prof. Dr. Carlos Alberto Cioce, coordenador do Instituto LaGOE. Brasil é
graduado em engenharia civil e é mestrando em engenharia ambiental pela Universidade
Regional de Blumenau (FURB).

118
Diante da parceria entre as comunidades da Micro-bacia do Rio Sagrado,

representada pelas Associações Comunitária Candonga (cuja finalidade principal é gerar

trabalho e renda através da agroindustrialização do excedente da produção agrícola

aproveitando a estrutura de uma cozinha comunitária) e de Moradores do Rio Sagrado –

AMORISA (tendo como finalidade primordial assegurar o abastecimento de água potável

para uma grande parcela dos moradores da Micro-bacia do Rio Sagrado) e o Instituto

Lagoe: Laboratório de Gestão de Organizações que promovem o Ecodesenvolvimento (ONG

composta por professores universitários e pesquisadores), surge o projeto guarda-chuva

Zona Laboratório de Educação para o Ecodesenvolvimento na Micro-bacia do Rio Sagrado,

envolvendo principalmente quatro comunidades - Rio Sagrado Alto, Canhembora, Brejamirim

e Candonga 136 - localizadas no município de Morretes, Área de Preservação Ambiental de

Guaratuba, Reserva da Biosfera de Floresta Atlântica, cujo objetivo é fomentar uma

experiência de valorização de modos de vida comunitário distanciados do padrão

hegemônico urbano-consumista. Nas reuniões sistematizadas entre os três parceiros

emergiu a idéia de colocar em prática um Clube de Troca (com moeda solidária), agregando-

o a um evento comunitário que se pensava, cuja finalidade era de disseminar os objetivos

propostos da implantação da Zona Laboratório à população da Micro-bacia, independente se

possuíssem ou não domicílio (autóctones, migrantes e proprietários de chácaras que passam

finais de semana), à parceiros em potencial (representantes de instituições

governamentais, redes da sociedade civil, universidades, ongs) e à visitantes.

A área caracteriza-se por ecossistemas como Floresta Ombrófila Densa, Floresta

Ombrófila Mista e campos de altitude, com mata densa e diversa mesclada por pinheiros e

vegetação de terras interiores. É uma área exemplar do bioma de Mata Atlântica, neste

caso a chamada Serra do Mar. O Estado do Paraná conserva no seu território 97% desta

136
Além de outras comunidades nos arredores, tais como Morro do Chiqueiro, Campo
Formoso e Morro do Cupim.

119
mata. É um dos Estados que melhor conserva a Mata Atlântica que se distribui, segundo a

Revista Rede Semente Sul (2005), em 1.306.421km2 (quase 15% do território brasileiro).

Atualmente restando apenas 99.466km2, o que corresponde a 7,6% da área original. A

mesma reportagem da Revista Rede Semente Sul aponta que esta mata alberga mais de

20.000 espécies de flora e 1,6 milhões de espécies de fauna, incluindo insetos, mamíferos,

pássaros e anfíbios, constituindo uma biodiversidade única, ou seja, endêmica, o que quer

dizer que não se acham no outros lugares. O serviço ecossistêmico que a mata oferece às

comunidades é de grande valor, porque além de prover diretamente meios de subsistência,

ajuda a manter e regular o clima e conservar as nascentes de água potável.

A partir de testemunhos de moradores e de documentos, as pessoas que habitaram

o local foram descendentes de indígenas, espanhóis, italianos, alemães, polacos, russos,

entre outros. Desde meados do século XIX, quando chegam os primeiros assentados (o que

não quer dizer que antes não havia indígenas), as famílias viviam da agricultura, do cultivo

do palmito, cana, aipim, banana e feijão, da criação de gado e de galinhas, e da horta

caseira, entre outras coisas. As estradas e os caminhos eram (e continuam) acidentados

geograficamente em virtude da Serra do Mar. Nestes tempos a maiorias das famílias

comercializava o excedente da produção da banana e do aipim na zona urbana do município

de Morretes, e com o dinheiro da venda compravam querosene, açúcar, sal, roupas, entre

outras coisas. Os demais produtos já eram trocados entre as próprias famílias, e os

fandangos e outras festas populares representavam a expressão da solidariedade destas

famílias 137.

Atualmente, a maioria as famílias domiciliadas com residência exercem atividades

agrícolas, através dos plantios de aipim, feijão, café, frutas como banana, abacaxi,

maracujá, goiaba, jabuticaba, pitanga, entre outras (alguns agroindustrializados em uma

137
Depoimentos colhidos de Josimari Nogueira, João Rapque e Julia.

120
cozinha comunitária que fica instalada na sede da Associação Comunitária Candonga, ou

ainda em engenhos tradicionais e semi-industrializados). Além de famílias que produzem

quase exclusivamente palmito, pupunha, ou exercem atividades associadas ao lazer

(pousadas). Contudo há pedreiros, marceneiros, artesões, chacreiros (caseiros de

chácaras), empregadas domésticas, comerciantes (mercearias, bares, uma pizzaria e um

material de construção).

A gênese do Encontro Comunitário iniciou da formulação de uma proposta,

confeccionada por alunos da disciplina Planejamento Ambiental de Empresas Turísticas de

Turismo e Lazer da Universidade Regional de Blumenau, que concebia um Clube de Troca. A

proposta baseou-se nas edições do Brique FURB 138 e de dois trabalhos acadêmicos, o

primeiro de autoria de Lisboa e Faustino (2006), no qual conceitua trocas solidárias a partir

da literatura e de vivências próprias, e o segundo de Pascali et al. (2006), ilustrando suas

experiências em São Paulo. Esta proposta delineou algumas diretrizes que puderam servir

de base para pensar um Encontro Comunitário de Trocas na Zona Laboratório. A proposta

foi apresentada e aprovada por lideranças comunitárias que participaram do ll Encontro

Caminhos para o Turismo Comunitário realizado em novembro de 2006 no campus da FURB.

Dois estagiários chilenos do Instituto LaGOE 139 e um aluno do Programa de Pós-Graduação

em Engenharia Ambiental da FURB adaptaram a primeira proposta do Encontro e

conduziram sua implementação. A partir da quinta reunião comunitária (todas com atas

lavradas), realizou-se um ensaio experimental do Clube de Troca com moeda solidária,

donde se trocaram aproximadamente 20 bens e serviços – além de saberes - entre as 15

pessoas que participaram do experimento, tentando corrigir equívocos e confirmar acertos

para a preparação do 1º Encontro Comunitário de Trocas Solidárias, que aconteceu em

138
Coordenado atualmente pela Professora Rachel Aparecida de Oliveira.
139
Os dois alunos são egressos da Universidad Austral de Chile (UACH) e estavam
participando de convênio firmado com a FURB, através do Centro de Estúdios Ambientales
(CEAM) e do Instituto de Turismo.

121
março de 2007. As avaliações do simulado e do 1º Encontro foram realizadas logo após de

seus encerramentos, podendo ser resumida através do depoimento: o clube brinda a

possibilidade de conhecer o que é que faz o vizinho, conversar e conhecê-lo ainda mais 140.

Assim, ratificou-se o objetivo do 1º Encontro Comunitário de compartilhar experiências,

através de um seminário, de manifestações culturais e de troca solidária, neste último

podendo além de intercambiar bens acumulados (em bom estado), bens produzidos e

serviços, pode-se também trocar saberes, olhares e sentimentos, transformando-se em

convivencialidade solidária 141. O Encontro foi organizado através de comissões de trabalho:

coordenação geral - coordenava as atividades, horários, acompanhamento e funcionamento

das demais comissões; divulgação - informando e convidando membros da comunidade e

pessoas externas; tesouraria - emissão, distribuição e controle da moeda solidária; e

inscrições – confeccionando o formulário de inscrição dos participantes e secretariando o

evento.

Anteriormente a formação das comissões, definiram-se uma carta de princípios e

um regulamento do Clube de Troca. Pode participar qualquer pessoa que pertencia à

comunidade e que tenha algum bem, serviço ou saber para trocar; cada inscrito,

necessariamente um prossumidor 142, recebeu 10 moedas solidárias a título de incentivo; a

moeda social foi utilizada nos casos de trocas diretas, nas quais os valores determinados

pelos produtores divergiam ou, então, e de trocas indiretas; a moeda solidária é o Sagrado

e seu valor de referencia é 1 Sagrado = R$ 1,00; emissão do Sagrado foi em notas de 1, 2, e

5; criou-se uma comissão fixa para administrar o Sagrado; formulou-se uma lista prévia dos

participantes com seus respectivos produtos e saberes a serem oferecidos e os que

desejam demandar; ficaram excluídas as trocas de produtos como álcool, tabaco ou

140
Depoimento de Marta dos Santos.
141
LISBOA e FAUSTINO (2006).
142
Nas palavras de Lisboa e Faustino (2006), todo produtor é consumidor que, por sua vez,
todo consumidor é produtor.

122
medicamentos; e as crianças que participaram, precisaram estar acompanhadas de seus

pais.

A programação da agenda ficou definida para um sábado em horário (16h às 20h)

que tanto os trabalhadores das chácaras quanto seus patrões pudessem participar. O 1º

Encontro compreendeu um seminário, no qual se teve o objetivo de replicar os desafios da

Zona Laboratório, uma avaliação comunitária do evento realizada no seu encerramento,

manifestações culturais (fandango, poesias e exposição de artesanato local), e finalmente o

clube de trocas solidárias. O Encontro se realizou no salão da AMORISA. Aportou-se R$

100,00 na logística e na difusão, além de colaborações espontâneas das lideranças

comunitárias para oferecer um lanche aos participantes do Seminário. É intenção

incondicional que o Clube de Troca Solidária tenha periodicidade mensal para que o Sagrado

se valorize na comunidade, e se está estudando a possibilidade de medir a circulação das

trocas e da moeda solidária, o Sagrado.

Entre os aspectos positivos da experiência, destaca-se a motivação de várias

lideranças e participantes comunitários de juntos planejarem e gestionarem o

desenvolvimento territorial, a partir dos olhares de quem vive no local. Como dito por uma

das lideranças do local: o LaGOE jogou a semente e nos a fazemos crescer 143. No entanto,

há duas debilidades: nas reuniões comunitárias as discussões ficam muitas vezes

polarizadas na divergência entre duas lideranças, o que pode acabar inibindo a participação

de outros membros comunitários nas discussões ou nas próprias reuniões devido a certo mal

estar que a situação que ocasiona. E o risco de influência de empreendedores com maiores

aportes econômicos querendo implantar atividades agrícolas sob a lógica da economia de

escala (como a monocultura que, consequentemente, pode levar ao desmatamento de

florestas para expandir a área de plantio), comprando propriedades menores e se

143
Depoimento de Sr. Rudolf Windmûller.

123
transformando-se em latifúndios. Não que se é contra aos empreendimentos maiores,

contudo, que se respeite a biodiversidade dos modos de vida comunitários e ecológica do

território.

124
CAPÍTULO 7: CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acredita-se que nestas experiências entendidas como de Ecossocioeconomia das

Organizações, o agir organizacional que resulta de ações individuais compromissadas

emergem de um vácuo institucional inalado na dinâmica societária. Novas tecnologias sociais

(entendendo-se a ecossocioeconomia das organizações) surgem ponderando o agir

econômico dentro de limites que promovam igualdades de oportunidades, tal como Sen

(2000) sugere. Crê-se na possibilidade de um mercado mais solidário, no sentido de trocas

mais justas entre vendedor e comprador, incorporando trocas compensatórias 144, isto é,

quando a classe econômica mais privilegiada, ao menos em um primeiro momento, reduz

voluntariamente sua expectativa de ganhos a favor de classes econômicas menos

abastadas 145, reconhecendo um contexto de desigualdade histórica e, ao mesmo tempo,

valorizando conhecimento e bens de origem comunitária, e que possa conviver com uma

economia de mercado que se deseja menos hegemônica.

Nesta perspectiva, há de conscientizar os consumidores sobre o poder de

barganha que têm ao comprarem produtos favorecendo trocas mais justas, estimulando uma

cadeia solidária baseada na fidelização (quando consumidores têm a garantia que estão

contribuindo para a diminuição da desigualdade e da melhoria no trato com a

biodiversidade) que, aliás, pode ser rompida à medida que o consumidor desconfia de

práticas advindas ora do produtor, ora do intermediário, que possam induzir a um desvio

moral da proposta original de um arranjo socioprodutivo de base comunitária. E que os

consumidores não confundam as propostas de selo de garantia ou certificação de empresas

144
Como as políticas compensatórias de educação, implantadas por muitas universidades
brasileiras, na implementação de cotas de vagas nos exames vestibulares de ingresso nos
cursos de graduação para estudantes negros, pardos e índios.
145
É o mesmo princípio do consumo solidário, tal como se vê no Clube de Troca Solidário na
Micro-bacia do Rio Sagrado (Morretes, PR) e na Plataforma Komyuniti: Cooperativa de
Comércio Justo, em Santiago de Chile.

125
do setor produtivo lucrativo que, mesmo tendo boas práticas, estão distantes de

questionarem sobre as desigualdades socioprodutivas existentes na economia de mercado.

Os cinco agrupamentos de tecnologias sociais de ecossocioeconomia das organizações

encontrados na literatura, contudo diferentemente das experiências exploratórias

selecionadas para este estudo, de modo geral podem ser divididos entre trabalhos teóricos

ou, até mesmo, ideológicos bem elaborados, entretanto com pouca prática convincente,

como as Agenda 21 Locais e as Empresas de Responsabilidade Social, e trabalhos empíricos

que vem apresentando resultados promissores, como o Turismo Comunitário, a Economia de

Comunhão e a Economia Solidária (Comércio Justo, Banco dos Pobres e Clube de Troca

Solidária), contudo sem uma proposta clara sobre um modelo de gestão que possa ser

replicado.

As experiências selecionadas de Agenda 21, Fórum da Agenda 21 da Lagoa de

Ibiraquera e o Projeto Fortalecimento da Identidade Cultural, Melhoramento da Gestão

Ecoturística e Habilitação em Inovação Tecnológica para uso Sustentável dos Recursos

Naturais da Comunidade Indígena de Tralcao Mapu, instituíram redes interorganizacionais

complexas. Embora ambos os casos sejam oriundas de iniciativas comunitárias, eles se

diferem no fato do Fórum da Lagoa de Ibiraquera não ter conseguido inserção nas políticas

públicas municipais e demais instâncias governamentais. Diferentemente, o Projeto de

Tralcao Mapu por estar conectado com a Agenda 21 Regional de Los Lagos e a Local de San

Juan de Mariquina conseguiu apoio institucional governamental municipal, provincial e

regional. Na prática, ambas as experiências foram financiadas por organismos de fomento e

apoiadas cientificamente e tecnicamente por Universidades, pelo menos no período

analisado, para implementar suas ações que acabaram fortalecendo instâncias democráticas

comunitárias. Também nos dois casos houve necessidade de intervenção junto a grupos de

influência (stakeholders) que estavam impactando socioambientalmente. Quanto ao

126
processo de tomada de decisão as duas experiências relevaram uma racionalidade mais

valorativa e instrumental coletiva (distanciada do utilitarismo individualista) e ponderaram

conhecimento tradicional como complementando o conhecimento científico - Ibiraquera

incorporando o conhecimento da cultura pesqueira-agrícola artesanal, enquanto Tralcao

Mapu oportunizou a cultura indígena mapuche-huilliche rural. Os dois casos possibilitaram

que os principais implicados das políticas e das ações organizacionais, nestes casos as

comunidades, fossem beneficiados, sendo exemplo de efetividade extra-organizacional.

Os casos de turismo comunitário contribuem para o entendimento sobre a

confluência entre a ecossocioeconomia e a gestão do desenvolvimento local. Considera-se o

fenômeno turístico como campo capaz de ilustrar tais instâncias segundo sua natureza

interorganizacional (ênfase na relação entre organizações) e microespacial (organizações

localmente concentradas), configurando assim um laboratório para experimentar tipologias

de redes associativistas, tal como se entende o Arranjo Socioprodutivo de Base

Comunitária. O panorama exploratório apresentado oferece um conjunto de elementos para

avançar em estudos detalhados sobre tais experiências. As experiências analisadas se

fundamentam na sistemática de comercialização que dialoga com a idéia de

sustentabilidade socioeconômico-ambiental. Elas contribuem por considerar a esfera do

mercado enquanto não hegemonicamente determinante sobre a esfera social, podendo ser

visualizado não somente pelos mecanismos de complementaridade de base endógena ora

como ofertas de bens ora como prestação de serviços, mas também no fato de que os

produtos (e suas tecnologias apropriadas) e mecanismos de comercialização agregam valor e

difundem lógicas questionadoras das estratégias mercantis tradicionais do setor. Contudo,

Chiloé adota estratégias convencionais, comercializando o produto turístico “agroturismo”,

sendo tímidos para compartir intercâmbios de bens e serviços entre os associados. Em

todas as experiências não se busca somente equidade na distribuição dos ingressos

127
econômicos, tudo está condicionado ao desejo e a capacidade de acolher visitantes

(turistas) - e não o inverso - com resguardo cultural, possibilitando conhecer um outro

modo de vida, com os conhecimentos tradicionais que lhe são inerentes, distanciado do

padrão urbano-consumista. De qualquer maneira, não existe o aprisionamento econômico

tantas vezes apresentado pelo principio a satisfação do cliente é nosso maior desejo, e sim

à busca da convivencialidade, a primazia da troca solidária distanciada do interesse

calculado. O lugar tem que ser bom não só para quem visita, mas também para quem vive.

Por outro lado, o turista não deixa de ser bem tratado ou sair insatisfeito. Sintetizando, a

convivência solidária é potencializada nas relações ecossocioeconômicas entre turistas

conscientes (pessoas simpatizantes a outros modos de vida, independentemente do grau de

consciência) e membros da comunidade que primam por um desenvolvimento que lhe é

próprio, colado ao seu território e a sua cultura, entretanto, distanciado do imaginário

social de vida aldeana ideal, como que não existissem problemas que, por sua vez, possibilita

uma qualidade de vida à escala humana comunitária, isto é, a vida boa é aquela que se pode

ter e não aquela que se deseja ter.

Os casos estudados de Responsabilidade Social Empresarial, Metalúrgica Rio

Sulense e a Florestal Río Cruces, e bem como as Economia de Comunhão, Metalúrgica Metal

Sul, Distribuidora de Medicamentos PróDiet Farmacêutica e a Sociedad de Inversiones

Foco - Ahorro y Credito, dizem respeito as organizações privadas, o que as diferenciam dos

três outros agrupamentos, Agenda 21 Local, Turismo Comunitário e Economia Solidária. O

que estas empresas apresentam em comum é o esforço de incorporar uma outra

racionalidade nos processos de tomada de decisão, que se tratando de organizações

mercantis, atuando na economia de mercado, soam como exceções. Não se pode afirmar se

os projetos de RSE ou de Economia de Comunhão constituíram ou não em medidas paliativas

e cosméticas que, muitas vezes, confundem-se como mero marketing social empresarial, e

128
não se sabe também quais foram os graus de racionalidade solidária ou utilitarista

economicista utilizados nos processos de tomadas de decisão. Além do que, como aponta o

pesquisador Ignacy Sachs 146, um dos criadores do conceito de ecodesenvolvimento, em um

período que se apresentam mudanças paradigmáticas, aliás, como se vive atualmente, se for

muito criterioso nas análises de novas experiências, se está correndo o risco de inibir

elementos que, a partir deles, possam emergir novos conceitos que ainda estão em

construção. O que se pode apontar é que as empresas agiram solidariamente, pelo menos,

quando concebem e implementam projetos sociais com (quando o conhecimento tradicional

ou popular se insere nas instâncias participativas) e para seus colaboradores (correndo-se o

risco de ser mal compreendido devido a vulgaridade impregnada no termo) ou para as

comunidades do entorno organizacional, sobretudo no caso das Empresas de RSE, ou quando

dividem uma parte dos seus lucros para doarem a necessitados e investirem em projetos

humanitários de resgate e formação da cidadania, isto é, solidariedade na distribuição do

capital, no caso da Empresas de EdC. Outro mérito das empresas é a empregabilidade de

habitantes do entorno local. Outro ponto a destacar é que a Sociedade de Investimentos

Foco participa de um sistema econômico fechado entre seus sócios, entretanto, participa

um sistema social aberto entre a rede formada pelo Movimento dos Focolares na qual se

desmembra na rede de Economia de Comunhão.

As experiências de Economia Solidária estudadas, Plataforma Komyuniti:

Cooperativa de Comércio Justo, Banco dos Pobres e Clube de Troca Solidária, não se

restringem apenas ao conceito clássico de auto-gestão (associativismo e cooperativismo),

mas a prática da solidariedade no campo da economia, desprendendo dos critérios –

eficiência produtiva (chamada produtividade), eficácia produtiva (chamada

146
Conforme relato feito em uma das reuniões de orientação durante o estágio de
doutorado sandwich do autor, em 1996, no Centre de Recherche sur lê Bresil Conteporain
(CRBC) / École des Hautes Etudes en Sciences Sociales (EHESS), em Paris.

129
competitividade) e lucro (mais valia) - típicos da dinâmica capitalista e da economia de

mercado. Sob esta ótica, a economia solidária é irracional, contrariando o utilitarismo

economicista que, muitas vezes, justificado sob o signo do conhecimento técnico-científico

da economia e da administração. Não há de se esquecer que as experiências de economia

solidária tratam de atividades muitas vezes realizadas informalmente e levadas a cabo a

pequena escala, que requerem pouco investimento (equipamentos e materiais) e tecnologia

(artesanal). Por sua vez, enquanto nas zonas rurais os modos de produção são voltados

predominantemente para a fabricação de bens de consumo (sendo que as matérias primas

são extraídas da biodiversidade local, chamada de recursos naturais), nas zonas urbanas os

modos de produção são predominantemente voltados para prestação de serviços

domésticos. Os consumidores demandantes de tais bens e serviços geralmente são famílias

que procuram satisfazer suas necessidades mais de ordem doméstica, isto é, de

sobrevivência. Na prática algumas experiências resultam ser muito precárias e enfrentam

sérias dificuldades para se manterem vigentes, ficando às margens da economia de

mercado.

A economia solidária refere-se ao trabalho distante do conceito industrial:

padronizado e enfadonho, realizado para a esfera doméstica, isto é, limitando-se ao espaço

público de seu território. Ela, por sua vez, pode resgatar o significado de trabalho como

ensejo de lazer, no sentido de busca de satisfação, de felicidade; isto é: não é necessário

trabalhar uma vida toda para depois libertar-se; trabalho não é apenas produzir riquezas

econômicas, pode ser também uma maneira de produzir a si próprio. As três experiências

analisadas além de demonstrarem capacidade sinérgica nas redes de pessoas ou

organizações (interorganização) de viabilizar economicamente empreendimentos, através

de encadeamentos socioprodutivos à economia de mercado, respeitaram também princípios

que lhe são próprios, ou seja, de uma outra economia. Além das experiências de economia

130
solidária, sobretudo a do Clube de Trocas Solidárias (e também as de turismo comunitário)

ilustram que a qualidade de vida não depende apenas da condição econômica na quais as

pessoas se encontram, embora pareça que a finalidade da troca solidária seja satisfazer

meramente uma necessidade econômica que não se consegue comprá-la, mas sim da

intensidade das trocas afetivas e culturais, isto é, da convivência solidária que essas novas

dinâmicas socioeconômicas e sociopolíticas acabam desencadeando.

Existem também outras iniciativas ainda incipientes como as do carbono social e

livres iniciativas socioempresariais. A partir do Protocolo de Quito, instituiu a figura dos

Mecanismos de Desenvolvimento Limpo que trata da geração de créditos de carbono por

meio de projetos que seqüestram ou reduzam os gases-estufa. Entre os mecanismos que

vêm surgindo, o Carbono Social se baseia no sistema agroecosistemas, típico de pequenas

propriedades rurais, que consiste em relacionar à área agrícola bosques nativos,

beneficiando comunidades ao invés de grandes grupos econômicos (CUOCO et al., 2006).

Há também empreendedores e empreendedoras que surpreendem tanto pela forma

inovadora de gerir empresas - como práticas participativas, descentralizadoras e

humanistas -, quanto pelos bons resultados alcançados para a empresa ou para as pessoas

que nelas trabalham: como remuneração acima da média do mercado, valorização do

trabalho e facilidades para conclusão de curso superior de interesse do empregado,

independentemente do interesse da empresa; ou, ainda, para a comunidade de entorno:

como projetos que resgatam e asseguram os direitos da criança e do adolescente, e

garantam a cidadania de seus pais. Essas experiências acontecem, geralmente, de maneira

isolada, isto é, elas não se relacionam com movimentos religiosos (como a EdC) ou

filantrópicos (Instituto Ethos de Responsabilidade Social Empresarial e Desenvolvimento

Sustentável), entretanto, não estão isentas de ideologias. Conforme aponta Lisboa, quando

a responsabilidade / ética empresarial está, em geral, posto no nível micro social, reduzido

131
ao plano das ações dos agentes econômicos individuais, configurando uma armadilha se

ficarem restrito a esta dimensão (In: CATTANI, 3002, p. 146). Acredita-se que elas

surgem a partir de fissuras do sistema de mercado – no descontentamento das pessoas

quanto à lógica da racionalidade econômica individual (um ganha e outro perde). Para

entender essas livres iniciativas empresariais, é necessário certo esforço para superar a

dicotomia economia formal e informal1 que, aliás, não traduz a complexidade da economia

real, e, ainda, incorporar no debate princípios da economia doméstica (subsistência) e

solidária. Essas experiências por serem inovadoras1, ou seja, por estarem desafiando o

status quo do paradigma vigente, são de difícil compreensão científica e,

conseqüentemente, não são estudadas. Elas simplesmente ficam relegadas ao mundo da

vida.

Um dos desafios das experiências brasileiras e chilenas estudadas que foram

apontadas como indo na direção da ecossocioeconomia das organizações é equacionar a

solução de três problemas: (a) indivíduos que ocupam funções de liderança ou de fomento

comunitário, de administração ou de técnico organizacional que vêm conseguindo com

dificuldade transformar boa vontade em gestão compartilhada (ou seja, um arranjo

socioprodutivo) e gestão extra-organizacional (isto é, considerar o entorno na gestão da

organização) e ainda relevar a potencialidade tanto do conhecimento tradicional nos

processos de produção (através de tecnologias apropriadas que podem agregar valor)

quanto de produtos comunitários nos mercados verdes ou justos, acabam abandonando suas

atividades por questão de sobrevivência, pois na maioria das vezes são militantes não

remunerados e ou pesquisadores com bolsas temporárias; (b) sabe-se que, na maioria das

vezes, experiências de associativismo legítimo e empreendimentos compartilhados

sobrevivem através de subsídios ora com financiamento estatal ou de ONGs internacionais,

ora incubados ou assistidos por movimentos sociais ou centros de pesquisa universitários.

132
Não se questiona quanto a relevância de políticas compensatórias 147 em sociedades

economicamente não democráticas (com má distribuição de renda), independentemente do

seu estagio político democrático, como acontece na maioria dos países da América Latina,

contudo, estas devem ser pensadas como propostas articuladas à um projeto de

sustentabilidade administrativa e econômica que possibilitam em um primeiro momento, ao

menos, sobreviver diante da dinâmica capitalista e da economia de mercado para que, então,

em um segundo momento, possibilitarem a criação de uma dinâmica própria; e (c)

dificuldade de diálogo com os governos locais e demais instâncias é uma das características

das experiências de ecossocioeconomia das organizações, muitas vezes isolando

comunidades/organizações de produtores das sedes dos municípios. Ou quando poucos

estabelecem parcerias restringem-se a relações assistencialistas (tendem a se tornarem

cooptadas do auxílio estatal) e que acabam minando um modelo inspirado no associativismo.

Assim, há carência de envolvimento de governos locais nas experiências de

ecossocioeconomia, ou seja, não assume o papel de identificar potencialidades locais ou na

criação do ambiente propício para o desenvolvimento destas potencialidades.

A ecossocioeconomia das organizações não tem a pretensão de ser uma nova base

conceitual para se pensar um outro modo de vida, como já faz o desenvolvimento

sustentável quando pensado em termos de Ecodesenvolvimento. Ela deseja reorganizar

conceitos já encontrados na multiplicidade de estudos existentes na literatura sobre o

tema, entretanto, que carecem de sistematização pragmática nas ciências sociais aplicadas

para que possa disseminar-se. Contudo, deseja-se ser pretensioso sim com a

ecossocioeconomia das organizações quanto ao pensar, analisar e experimentar

metodologias de tomada de decisão que consideram a extra-racionalidade e o vetor extra-

147
Como as políticas compensatórias de educação, implementadas por muitas universidades
brasileiras, na implementação de cotas de vagas nos exames vestibulares de ingresso nos
cursos de graduação para estudantes negros, pardos e índios.

133
organizacional como princípios de gestão organizacional de ênfase interorganizacional, tal

como um arranjo socioprodutivo de base comunitária.

Um arranjo socioprodutivo de base comunitária pode contribuir para articular ou,

ao menos, relevar a complexidade da economia real, cujos elementos são representados por

grupos de consumidores, empresas formais orientadas ao lucro, empresas de

características predominantemente urbanas - entre elas as chamadas empresas informais

que se baseiam na pequena produção pré e protocapitalista, e as cooperativas, empresas de

economia de comunhão e solidárias voltadas ao mercado, mas não para o lucro individual - e

de empresas de características predominantemente rurais - produção familiar de

autoconsumo -, diferentes instâncias governamentais e demais organizações ou quase

organizações (movimentos) da sociedade civil que convivem na dialética de interesses da

ecossocioeconomia (desenvolvimento economicamente efetivo - privilegiando o interesse

coletivo e não somente os grupos de interesse -, socialmente includente e ambientalmente

prudente. Considera-se, assim, que o empreendedorismo compartilhado pode superar a

competitividade econômica através da negociação da diversidade de interesses (ação

política) e da ação qualificada (ação ética) que conduz à eficiência produtiva coletiva, à

eficácia socioecológica de produtos e à efetividade societária (ação técnica

administrativa).

Em outras palavras, devem-se criar alternativas que complementem as limitações

da ação baseada puramente na racionalidade econômica utilitarista, ampliando suas

perspectivas de análise quantitativa (de curto para de médio e de longo prazos) e

qualitativa (da economia para ecossocioeconomia), inserida nos modelos de gestão

empresarial que acabam servindo de inspiração, muitas vezes sem as devidas adaptações, ao

setor público e ao chamado terceiro setor, como se fossem organizações com

características de propriedade e finalidade semelhantes.

134
Como se apontou anteriormente através dos estudos em neuropsicologia,

neuroeconomia ou biologia do conhecimento, a subjetividade constitui-se em um elemento

enriquecedor nos processos de tomada de decisão. Negar o subjetivo é negar as

diferenças, a individualidade do próprio homem1. Não se quer também polarizar o tema

entre subjetividade e objetividade e nem entre racionalidade e extra-racionalidade, mesmo

porque não se concorda com esta perspectiva dicotômica. Sugeriu-se concomitantemente

subjetividade coletiva e intersubjetividade para designarem a dimensão tácita (valorativa)

contidas no conhecimento de ênfase cultural-social territorial e na sabedoria tradicional de

ênfase cultural-produtiva territorial. Concorda-se que tais conhecimentos nem se querem

são visualizados sob a justificativa de não possuírem cognição, entretanto quando

observados a partir da perspectiva da racionalidade individual ou organizacional

parametrizada no utilitarismo econômico e na economia de mercado, pois não sabem como

os medirem. Portanto, de um lado, é necessário permitir uma flexibilização na busca do

entendimento do saber científico, considerando os saberes tradicionais gerando subsídios

para a formulação de decisões coladas à realidade e que, conseqüentemente, solucionam os

problemas mais importantes, ditos estratégicos, do mundo da vida. Por outro lado, não se

quer cair nos riscos da ideologia, do romantismo utópico e da generalização, muito menos,

no risco do ceticismo, da imobilidade e da especificação. Assim, a ecossocioeconomia das

organizações pode encontrar mecanismos que possibilitem extrair, sistematizar e

potencializar, primeiro, o saber tradicional no âmbito da objetividade coletiva e, segundo, a

dimensão tácita do conhecimento no âmbito da intersubjetividade, e construir uma ponte

entre o abismo que separa as Ciências Sociais Aplicadas (na qual predomina o par

objetividade e racionalidade) das experiências organizacionais concretas (domínio do ímpar

subjetividade e extra-racionalidade).

135
Enfim, espera-se que as metodologias de Agenda 21, Turismo Comunitário,

Responsabilidade Social Empresarial, Economia de Comunhão e Economia Solidária que

podem ser entendidas como indo na direção da ecossocioeconomia das organizações,

impregnadas também de certo pragmatismo, possam se multiplicar da mesma maneira que

seu par gerencial-economomicista, tornando-se cases ou modismos globalizados. Contudo,

que sejam mais benéficos à maioria dos indivíduos e que, ainda, privilegiem horizontes

temporais mais longos.

136
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