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O CAMINHO DO ZEN
Para Monja Coen, percepção da vida como um processo em
o
constante mudança é a base da mente sábia e iluminada
rdenada monja em 1983, Coen Sensei é a Certa vez, a senhora afirmou que “apreciar a imper-
fundadora da Comunidade Zen Budis- feição é uma arte”. Todavia, essa é uma filosofia que
ta no Brasil. A missionária, que hoje vai de encontro ao comportamento de muitas pessoas.
participa de encontros educacionais, inter Acredita que os seres humanos (pelo menos a maioria
religiosos e promove a Caminhada Zen, em parques deles) têm dificuldade para reconhecer suas próprias
públicos – com o objetivo de divulgação do princípio limitações?
da não violência e a criação de culturas de paz, “Estudar o Caminho de Buda é estudar o Eu / Estudar o Eu é esquecer-se do eu. / Esquecer-se
justiça, cura da Terra e de todos os seres vivos – em do eu é ser iluminada por tudo que existe. / É abandonar, ir além do próprio corpo-mente e
nada lembra a mulher que um dia já foi presa na de outros seres. / Nenhum traço de iluminação permanece / E esta iluminação sem marcas é
Suécia e tentou o suicídio. É verdade que o período colocada à disposição de tudo que existe”. (Mestre Zen Eihei Dogen – 1200-1253). O que nós,
conturbado, regado por excessos, pode soar um tan- seres humanos, precisamos conhecer não são apenas nossas limitações, mas fundamental-
to destoante da trajetória da missionária. Mas, por mente a nós mesmos e a nossa essência verdadeira. Essa a tarefa mais importante. Há vários
caminhos: o do Zen Budismo é o Caminho do Zazen. Za significa sentar e Zen é um estado de
outro lado, demonstra que ela foi capaz de percorrer
meditação profunda, onde o pequeno eu individual se percebe como o grande Eu coletivo. Um
caminhos muitas vezes inexplorados, provando que estado de não discriminação, de unidade, de integridade.
os seres humanos podem realizar profundas trans-
formações em suas vidas: para que isto aconteça, Que conselho a senhora daria para essas pessoas?
segundo Monja Coen, é necessário esforço contínuo. Como diz meu vizinho – o psiquiatra Paulo Gaudêncio – devemos buscar a excelência e não a
Simultaneamente, é preciso confiança e entrega às perfeição. Quem procura pela excelência está sempre bem, pois faz o seu melhor a cada ins-
práticas de se aprofundar no conhecimento da nossa tante. E se o resultado ainda não é satisfatório, tenta outra vez. Aquele que almeja a perfeição
essência verdadeira. Numa entrevista exclusiva à está sempre infeliz, reclamando de não ter atingido esse objetivo. Sofre e faz sofrer. Até os
Revista Regional, Monja Coen fala de felicidade e pássaros tem limites em seus voos. Assim, nós, seres humanos, temos inúmeros limites – físi-
critica a obsessão das pessoas em serem perfeitas – cos, psicológicos, mentais, espirituais. Mas que eles não nos aprisionem e possam ser portais
comportamento muito comum nos dias de hoje, que, de libertação. Possam se expandir. Essa percepção da vida como um processo em constante
de acordo com a religiosa, “sofre e faz sofrer” – e transformação é a base da mente sábia, iluminada.
incentiva a busca pela excelência. Ao mesmo tempo,
propaga o respeito à vida em suas inúmeras Sob essa perspectiva, de que maneira uma frustração
formas e cita exemplos de manifestações do amor pode contribuir para o amadurecimento? Concorda
incondicional em nosso cotidiano. que só são realmente felizes aqueles que sabem lidar
Além de um convite à reflexão, seus conselhos e com as desilusões e aprendem com os próprios erros?
ensinamentos são um presente aos leitores Não é errando que se aprende. É corrigindo os erros, conforme o pensador Mario Sergio Cor-
tella, professor de Filosofia da PUC SP: essa premissa tão simples precisa ser cuidadosamente
nesta primeira edição de 2011.
estimulada. Outro pensador interessante é o professor Hermógenes, um dos pioneiros do Yoga
no Brasil. Já o ouvi em várias palestras dizer: “Estou criando uma nova religião, o ‘desilusio-
nismo’. Cada desilusão nos coloca mais perto da verdade. Assim devemos agradecer por cada
desilusão”. Não é interessante? Ao invés de reclamarmos, podemos agradecer a cada vez que
nos desiludimos. Pois se houve ilusão, existirá desilusão. Entretanto, se mantivermos a mente
O meu clara e luminosa haverá menos desilusões. Viver a vida como um processo de crescimento e
amadurecimento dói, incomoda muitas vezes, mas nos leva a uma compreensão mais clara e
sutil do que somos. O que somos nós? Como funciona a mente humana? O que são pensamen-
eu pequeno só tos, sensações, emoções, conexões mentais? O que é vida-morte? Para que estamos aqui? São
perguntas iniciais, perguntas finais, que cada um de nós deve provocar. O importante, muitas
vezes, não é responder, mas ser capaz de questionar.
estará bem A senhora acredita que é possível ter uma atitude zen
quando o nosso
no dia-a-dia, sem precisar se retirar num mosteiro
nem ser budista. Como os princípios do Zen Budismo
podem ser incorporados ao dia-a-dia das pessoas?
Eu maior estiver
O Zen Budismo – como toda e qualquer religião – deve ser incorporado na vida diária. Religião
pode ter vários sentidos. O mais usado viria de religare – nos religarmos ao sagrado, ao uno, a
nosso corpo-mente-espírito como unidade. O Segundo sentido é relegere – ler novamente, fazer
em harmonia
uma releitura de nossas ações, palavras e pensamentos. Fazer escolhas, então. Rever nossos
valores éticos e vivê-los. É preciso ouvir ou ler os ensinamentos, refletir sobre eles e colocar
em prática. Então temos o terceiro significado de religião – religiosamente. Prática incessante
em nossa vida diária: fazer o bem a todos os seres, todas as criaturas, não pode ser apenas
uma prática restrita aos templos e locais especiais de encontros espirituais. Assim, observamos
cuidadosa, meticulosa, religiosamente nossos gestos, palavras e pensamentos. Nosso modelo
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O que
fazemos,
falamos e
pensamos
mexe na teia
da existência.
Então, é preciso
sempre saber
que somos co-
responsáveis
pela realidade
que estamos
vivendo
são os inúmeros Budas e seres iluminados. Seja qual for a situação, invocamos pela um grupo de prática para se fortificar. Buda falava em Três Tesouros, Três Jóias Pre-
presença desta sabedoria superior para podermos compreender e agir de forma a ciosas: o Ser Iluminado e Sábio, pleno de compreensão e compaixão; a Lei Verdadeira,
fazer o bem ao maior número de seres. Isso inclui pessoas de convívio íntimo (fami- os ensinamentos preciosos: a grande verdade de causas, condições e efeito, a grande
liares, companheiros, companheiras), pessoas de nosso convívio social – de trabalho, verdade da transitoriedade, de tudo estar sempre se modificando, a grande verdade de
negócios, trocas, encontros e desencontros – e todas as formas de vida. Acordar com Nirvana – estado de paz e tranquilidade; e a Terceira Jóia é a Sanga, a Comunidade de
alegria e disposição. Estar pronta a servir com ternura e respeito à vida em suas praticantes. Logo, é necessário encontrar pessoas experientes, que possam nos guiar
inúmeras faces e formas – este o Caminho do Zen. na senda da iluminação. É preciso confiar e entregar-se às práticas de se aprofundar no
conhecimento da nossa essência verdadeira. E, a partir desse encontro, dessa experi-
Para que as pessoas possam transformar o mun- ência mística, surge a fala amorosa, o servir terno, a compreensão superior.
do, elas precisam primeiro transformar a si mes-
mas. Por que nem sempre é fácil reavaliar nossas Para a senhora, qual a maior prova de amor ou
atitudes? Além de vontade, o que é preciso para afeto que um ser humano pode dar ao seu seme-
que essas mudanças aconteçam de fato? lhante? Como o indivíduo pode contribuir para
Para nos tornarmos a transformação que queremos no mundo, como dizia Mahatma melhorar a comunidade em que vive?
Gandhi, é preciso esforço contínuo. Temos hábitos, arestas, asperezas, inflexibilidades, Amor não precisa de provas. Amor verdadeiro, incondicional é suave e constante,
discriminações, durezas. Raramente as percebemos. Podemos apontar erros e faltas acolhe, inclui, orienta, guia por meio da bondade e do servir pleno. Cada um de nós,
nos outros. Como é difícil para o olho ver o olho. Assim, é sempre adequado procurar cada uma de nós é a vida da Terra se manifestando. O que fazemos, falamos e pensa-
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conversa
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