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grande influência do poder religioso. Trevor-Roper chega, inclusive, a não considerar tal
regime propriamente fascista, pois não teria havido mobilização de massas, não existia uma
forte classe média e a classe que ascendeu ao poder foi aquela tradicionalmente dominante.6
A historiografia sobre o fenômeno fascista surgida no imediato pós-guerra
tendeu a adotar uma abordagem única e exclusivista do fenômeno, centrando a atenção no
nazismo alemão, e vendo o fascismo como uma etapa da história da Alemanha. Silva7
chama parte desta vertente historiográfica de demonização da história alemã, pois analisa o
surgimento do fascismo com base na pressuposição de que ele seria uma continuidade de
tendências maléficas presentes na história alemã.8
A tendência a analisar o fascismo como um fenômeno unicamente alemão
relacionava-se com o contexto da guerra fria, pois os EUA tinham interesse em fortalecer
economicamente os países da Europa, e coloca-los em sua órbita de poder na luta contra a
URSS. Para isso, era necessário reconstruir esses países, e muitas forças políticas oriundas
da colaboração com o fascismo participaram de governos de coalizão nacional com o
intuito de reerguer seus países. Era, portanto, conveniente que se esquecesse ou pelo menos
amenizasse a extensão do fascismo nesses países, levando à condenação quase que
exclusiva do hitlerismo.9
Até os anos 80, as análises sobre o fascismo enfatizam o caráter histórico do
fenômeno, considerando-o característico exclusivamente do período entre-guerras na
Europa, e que, portanto, não pode ser compreendido sem levar em conta a conjuntura
específica deste período, a qual, resumidamente, compreendia de um lado, a crise do
capitalismo liberal, e de outro, a ameaça bolchevista. Nolte, por exemplo, diz que o
fascismo foi uma tendência política característica do mundo entre-guerras, que caracteriza
os sistemas políticos da época, distintos tanto do padrão parlamentar, como do comunista,
os quais não podem ser reduzidos a uma ditadura militar simples ou a um regime autoritário
e conservador.10
A crise do liberalismo, visto como ineficaz para dar conta da crise econômica e
social, está no centro de muitas análises sobre o fenômeno. Uma das características do
discurso fascista é o antiliberalismo, pois o fascismo acusa as formas liberais de
organização e representação de originarem a crise contemporânea. Nesse sentido, dois
aspectos são enfatizados: a falência do sistema liberal e o caráter desagregador do
liberalismo. No primeiro caso, o liberalismo é visto como inadequado às novas condições
de desenvolvimento da sociedade de massas contemporânea, pois é incapaz de manter a
coesão nacional. A necessidade de um Estado forte que dê solução à crise econômica e
social é bastante enfatizada pelos líderes fascistas. Quanto ao segundo aspecto, o
liberalismo é acusado de fragmentar a nação, por meio do individualismo, da livre
manifestação de idéias, da existência de vários partidos políticos voltados para interesses de
grupos e não para os interesses nacionais. A sociedade liberal e o seu individualismo não
fornecem segurança para os indivíduos, que vêem os costumes e a tradição desaparecerem
como ponto de referência. Assim, a doutrina fascista surge como uma possibilidade trazer
6
TREVOR-ROPER, H. R. O Fenômeno do Fascismo, in RODRIGUES, E., op. cit.
7
Silva, Francisco C. Os Fascismos. In Aarão & Ferreira. O Século XX, vol. 2.
8
Entre os historiadores desta vertente, podemos citar Barraclough, G. The Origins of Modern Germany, Berr,
H. L’ Allemagne. Lê contre e lê pour, Carr, E-H. Conditions of peace e Taylor, A. The course of German
history.
9
Idem.
10
NOLTE, E. Three Faces of Fascism; Nation Française, Italien Fascism, National Socialism.
3
11
Menezes, Lená. Nazismo: a sacralização do profano. In Lima, Lana Lage, Silva, Francisco C. et al.História
& Religião.
12
FELICE, op. cit.
13
Apud FELICE, op. cit.
14
MEINECKE, F. La Catastrofe della Germânia.
15
Apud FELICE, op. cit.
16
KOHN, H. O Século XX.
4
ligam diretamente ao grande capital. Rosemberg, por exemplo, afirma que o fascismo não
se originou da pequena burguesia ou da juventude, apenas mobilizou estes setores, que
teriam sido enganados pela demagogia fascista. Os verdadeiros representados pelo
movimento fascista seriam os capitalistas contra-revolucionários, sendo o fascismo a forma
moderna da contra-revolução burguesa capitalista, sob a máscara de movimento popular.17
Já Maurice Dobb entende o fascismo no contexto da crise do capitalismo monopolista e da
fase imperialista do grande capital.18 Entre os autores que enfatiza o papel das camadas
médias, está Trotsky, para quem o desespero e a impaciência das massas pequeno-
burguesas do campo e da cidade as tornaram hostis à alta burguesia, voltado-se para o
fascis mo.19 Há ainda a análise de Bauer, que via o fascismo como uma força orientada
tanto contra o grande capital como contra o proletariado 20, assim como a de Cole que
enfatiza o fascismo como uma terceira força, baseada no elemento pequeno-burguês, que
não tinha interesse na manutenção da ordem social existente, mas aspirava à criação de uma
nova ordem que lhe garantisse o acesso ao poder e ao progresso. 21 Destaca-se ainda N.
Poulantzas, que analisou os elementos ambíguos da ideologia da pequena burguesia, que
provêm da situação peculiar na qual se encontra na estrutura produtiva, e se baseiam no
sentimento anticapitalista e no apego à propriedade; em aspirações igualitárias, porém, sem
transformações radicais.22
A tendência das análises marxistas em interpretar o fascismo simplesmente
como uma reação ao comunismo levou alguns historiadores a enfatizar o caráter limitado
destas interpretações. Furet, por exemplo, afirma que este tipo de análise impede que se
perceba as relações entre o fascismo e o comunismo, que para ele residem no fato de terem
nascido da mesma circunstância: a guerra. As elites da Europa teriam vivido em meio à
ameaça socialista desde o século XIX, e nem por isso o fascismo surgiu neste período. A
primeira guerra, no entanto, fez com que o comunismo e o fascismo levassem para a
política o aprendizado recebido nas trincheiras: o uso da violência, as paixões extremas, a
submissão do indivíduo ao coletivo, o nacionalismo e as frustrações pelos resultados da
guerra. Dessa forma, a guerra teria criado as condições para a ascensão tanto do comunismo
como do fascismo, contribuindo para o descrédito do liberalismo e de suas práticas
políticas.23
Já Nolte, afirma existir um paralelo entre o fascismo e o comunismo, pois
ambos teriam o liberalismo como matriz de suas ideologias. O comunismo, por exemplo,
leva ao extremo a transcendência da sociedade liberal, ou seja, a abstração do
universalismo democrático, que arranca o pensamento e a ação dos homens dos limites da
natureza e da tradição. O fascismo, por sua vez, faz o oposto, procurando tranqüilizar os
homens da angústia de estarem livres e sem determinações. Porém, Nolte, ao contrário de
Furet, explica o fascismo pelo comunismo, enfatizando que o extremismo universalista do
bolchevismo provoca o extremismo particularista do fascismo, assim como o extermínio da
17
ROSEMBERG, A. “El Fascismo Como Movimiento de Masas”, in BAUER. Der Faschismus.
18
DOBB, M. Economia Política e Capitalismo.
19
TROTSKY. Ecritis, II.
20
BAUER. Der Faschismus.
21
COLE, G. Storia del Pensiero Socialista, V. Socialismo e Fascismo.
22
POULANTZAS, N. Fascismo e Dictadura.
23
Furet, F. O Passado de uma Ilusão.
5
burguesia realizado por Lênin em nome da sociedade sem classes cria um pânico social,
fazendo triunfar Hitler e o contraterror nazista.24
Existe ainda a linha teórica que enfatiza a inevitabilidade do fascismo,
considerando o desenvolvimento histórico de alguns países. Tal interpretação enxerga o
fascismo como algo previsível, uma conseqüência lógica de uma série de “taras” que
fizeram parte da história destes países, assim como da tradição autoritária e imperialista,
sendo, inclusive, uma continuidade desta tradição. Tal tradição se ligaria à história da
ascensão e desenvolvimento da classe burguesa, que para alcançar a hegemonia teria
sempre recorrido a alianças conservadoras, ao antiliberalismo e à antidemocracia, gerando a
exclusão das classes populares da participação política. No caso alemão, enfatiza-se a
tradição pangermanista e anti-semita. Entre os autores, destacam-se N. Valeri, Edmond
Vermeil e Peter Vierek.25 A principal crítica que se pode fazer a esta interpretação é que ela
possui uma visão unilinear da história, descartando a possibilidade de que a história tivesse
um outro rumo.
Não se pode deixar de citar a tese do totalitarismo, que enfatiza o domínio total
dos indivíduos por parte dos regimes fascistas. O conceito de totalitarismo foi fortalecido
pelo contexto da guerra fria, e usado muitas vezes como arma política contra o comunismo,
já que alguns dos adeptos desta corrente agrupam o fascismo e o comunismo no conceito de
totalitarismo, desconsiderando as suas diferenças e especificidades. Para Friedrich e
Brzezinski, o fascismo apresentou características de uma de uma ditadura totalitária, entre
elas: uma ideologia abarcando todos os principais aspectos da existência humana; um
sistema de partido único, com base de massa, conduzido por um único homem, o “ditador”,
com uma organização hierárquica e oligárquica; uso do terror físico e psíquico realizado
pelo partido, tendo como base de apoio a polícia secreta.26
Dentro desta abordagem “totalitária”, destaca-se ainda H. Arendt, que no
entanto, não utilizou o conceito de “totalitarismo” para designar o fascismo italiano, mas
somente o nazismo alemão. Segundo ela, o totalitarismo está ligado ao abalo do sistema de
classes e à conseqüente atomização e individualização que caracterizam a moderna
sociedade de massas, levando à falta de representatividade dos partidos do sistema liberal.
A atomização dos indivíduos levou à perda dos pontos de referência de classe e dos laços
sociais, e a conseqüente massificação da sociedade abriu espaço para os movimentos
totalitários, que têm como pressuposto uma homogeneização uniforme da população,
através da liquidação dos laços e interesses comuns. A atomização social predispôs os
indivíduos à união em torno de uma ideologia totalitária, que englobava todos, visto que
não havia nada que se interpusesse entre os indivíduos e o ideal totalitário (nem interesses
de classe, nem qualquer outro tipo de interesse).27
No caso específico do nazismo alemão, o trabalho de N. Elias trouxe algumas
contribuições, ao enfatizar a forma específica com que se deu a unificação alemã, realizada
pela classe aristocrática, levando ao predomínio dos valores aristocráticos e militaristas.
Formou-se então um habitus alemão que combinado com a estrutura social levou à
ascensão do nazismo.28 Trabalhos mais recentes enfatizam também o caráter moderno do
nazismo, expresso na racionalização com que foi levado a cabo o extermínio nos campos de
24
Nolte, E. O Fascismo em sua Época.
25
Apud FELICE, op. cit.
26
FRIEDRICH, C. & BRZEZINSKI, Z. Totalitarismo e Autocracia.
27
ARENDT, H. Totalitarismo, O Paroxismo do Poder.
28
ELIAS, N. Os Alemães.
6
29
BAUMAN, Z. Modernidade e Holocausto.
30
SILVA, op. cit.
7