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Marxismo crítico
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LOWY, 1997. pág.21.
Crítico ferrenho de toda ideologia oficial do marxismo de Estado e todos os
matizes que contribuíram para dar origem ao sistema burocrático autoritário e às
aberrações stalinistas, Lowý traduz em sua proposição a condição aberta e auto-crítica
de seu marxismo. Segundo o autor é necessária uma “faxina” geral na casa - no interior
do pensamento marxista - para que ele mantenha o vigor necessário à tarefa de enfrentar
os dilemas de nossa sociedade contemporânea. É somente identificando o que é
essencial e insuperável (pelo menos até hoje) daquilo que deve ser rejeitado e revisto no
marxismo é que conseguiremos estabelecer os parâmetros de um marxismo que seja
verdadeiramente atual, crítico e radical.
Primeiramente, segundo Lowy, é necessário que não percamos de vista a
atualidade da obra original de Marx, já que ela inaugura uma concepção de mundo
inédita até então. Superando tanto o idealismo neohegeliano (consciência é a chave para
libertação) como a Filosofia da Luzes (transformar as circunstâncias segundo preceitos
científico racionais), a obra de Marx propõe uma nova forma de pensamento–ação: a
práxis revolucionária. Na filosofia de Marx, mudança de circunstância e tomada de
consciência estão imbricadas uma na outra em um dinâmica unidade dialética2.
Superando as dicotomias, o materialismo dialético proposto por Marx reúne assim
análise da sociedade do capital (e sua evolução) com a renovação constante das
possibilidades de luta social e derrocada do capitalismo. É inegável que o mundo
capitalista está muito diferente da época de Marx. Porém também é inegável que ele
continua sendo um sistema que se alimenta da exploração, alienação e dominação
ideológica daqueles que vendem sua força de trabalho por aqueles que detém os meios
de produção. Apesar de mais complexa, sofisticada e perversa, a contradição capital-
trabalho – luta de classes - continua sendo a estrutura dinâmica pela qual se organiza
nossa sociedade.
Mas houveram muitas mudanças e elas precisam ser levadas em conta. Para que
o pensamento marxista atual não incorra no erro de uma ortodoxia homogênea e linear
é preciso que ele – canteiro de obras- se realize como uma “diversidade conflituosa e
aberta”. E, para isso, não é possível pensar o marxismo do séc. XXI sem levar em conta
os inúmeros autores dos marxismos do séc XX e suas análises. Temas como fascismo,
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“ a filosofia da práxis de marx é intrinsecamente hostil a todo autoritarismo, substitucionismo ou
totalitarismo. De todas as manipulações, deformações e falsificações que o marxismo conheceu pelos
zelos do cesarismo burocrático estalinista – que não é um desvio teórico, mas um monstruoso sistema
de monopólio dos poderes por um Estado parasitário – aquele que se produziu neste nível foi sem
dúvida o pior.” (LOWY, 1997, pág.24)
stalinismo, sociedade do espetáculo, capitalismo periférico e as novas formas de
dominação da globalização totalitária ganharam análises imprescindíveis para a
compreensão da história contemporânea. Nas palavras do próprio Lowy esse conjunto
de teorias nos legou pistas indispensáveis para decifrarmos os impasses de nossa época
atual.
Além de uma postura atenta aos autores de sua própria corrente, segundo o
autor, um marxismo vigoroso deve sabe revisitar antigas utopias socialistas e
anarquistas, o socialismos românticos e sua crítica ao progresso linear e ilimitado. Deve
saber também reter as contribuições não-marxistas3. Exemplo de autor que segue os
próprio mandamentos, a obra de Lowy chama a atenção pela capacidade de dialogar
com os representantes das mais diferentes correntes. O sociólogo franco-brasileiro
parece estar sempre atrás de descobrir pontos de congruência entre diversos autores, fios
de união muitas vezes invisíveis, e que somente uma análise criteriosa e pluralista é
capaz de encontrar.
Mas para que o marxismo atual se constitua como uma alternativa radical em
nossos dias, não é só o diálogo aberto para fora que se faz necessário. Para além de
uma postura que consiga absorver contribuições exteriores, é preciso realizar um
revisionismo crítico da obra original de Marx. Segundo Lowy, a inegável atualidade da
obra do filósofo alemão não “impede a existência de problemas, dificuldades e
insuficiências” em seu pensamento. Questões relacionadas às formas não-econômicas e
não-classistas de opressão como o nacionalismo e o patriarcalismo, a autonomia relativa
dos fatores étnicos e religiosos e principalmente as relações entre modo de produção e
meio ambiente são lacunas na obra de Marx que não podem ser ignoradas. Nesse
sentido, Lowy é bastante enfático em afirmar a necessidade de retomarmos uma
corrente de pensamento por vezes deixada de lado pelo pensamento crítico. Verdadeiro
“continente esquecido” pelas Ciências Sociais, o enigma romântico constitui para
Michael Lowy, uma dimensão fundamental na construção do socialismo do séc. XXI.
Romantismo utópico
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Há um texto de Lowy onde ele comenta umescrito inédito de Benjamin denominado O capitalismo
como religião . O texto de lowy, com o mesmo nome, é uma boa apresentação ao tema.
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Lowy aponta e aprofunda outras diferentes características da modernidade que se somam ao
desencantamento. São elas a quantificação do mundo, a mecanização, a abstração racionalista e a
perda de vínculos sociais. Devido ao tema do artigo se relacionar diretamente com a dimensão
religiosa e não haver espaço suficiente para uma análise mais esmiuçada do tema em qustão, optei por
me deter somente na dimensão do desencantamento.
Porém, segundo Lowy, há uma forma de busca de reencantamento que ocupa um
lugar à parte no romantismo. É o mito. Cerne miraculoso e vivo do espírito reencantado,
o mito é um “perigoso tesouro” que tanto serve para apontar para a humanidade a
direção de uma Nova Aurora – uma utopia – como para alimentar a perversão genocida
e conservantista que pode se desdobrar em regimes totalitários como aqueles que
eclodiram na Europa das Guerras Mundiais. Ao resgatar e ressignificar mitos arcaicos
de um passado mítico idealizado, pode-se tanto caminhar para um conservadorismo
aprisionante como para o “sonho de olhos abertos” (E.Bloch) de um futuro inédito. No
primeiro caso, o mito tende a ser vivido como uma espécie de essência imutável que
tende a se reproduzir indefinidamente. O caráter congelado e aprisionante dessa forma
de interpretação explica sua utilização por aqueles de posições políticas retrógradas e
ultra conservadoras. Na ponta oposta, o mito é vivido como uma realidade que se renova
e ganha novos matizes a cada momento histórico, pelos matizes dos hibridismos
culturais e até mesmo pela apropriação única que faz dele cada indivíduo. Os diferentes
movimentos camponeses e indígenas da América Latina são, para Lowy, um exemplo
atual de uma constante reivenção mítica que não buscam uma pálida imitação do
passado e sim a criação de um futuro não vivido.
Tentando trazer algum contorno a essa abrangência do espectro romântico,
Lowy propõe então uma tipologia que procura dividir e situar dentro do campo político
as diferentes formas de romantismo, explicitando dessa forma a abrangência desta
corrente de pensamento e suas potencialidades. Caminhando entre a dupla luz que vai
do sol negro da melancolia à estrela da revolta (G. De Nerval), Lowy apresenta o
romantismo desde sua face mais à direita – retitucionista- que prega o retorno à época
feudal– até sua versão mais à esquerda, o romantismo utópico-revolucionário.6
Para o autor, é na utopia revolucionária que o romantismo ganha sua versão mais
subversiva já que usa a nostalgia do passado pré-capitalista para investir na construção
de um futuro revolucionário. Defendendo a abolição do capitalismo e utopia igualitária,
esses pensadores reconhecem as qualidades do passado -seu enraizamento – mas tem os
olhos voltados para o vôo do porvir. Sua utopia, nas palavras de Jerzy Szachi é feito de
“raizes e asas”. E guardam, no seu apreço ao passado, uma inegável dimensão mística.
Essa atitude e sentimentos que remontam a uma origem mítica, espiritual e
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A tipologia completa do romantismo proposta por Lowy é: 1) restitucionista, 2) conservador, 3)
fascista, 4)resignado, 5)reformista,6) utópico-revolucionári. Este último esta subdividido em
I)jacobino,II)populista,III)socialista utópico, IV)libertária, V) Marxista
transcendente que se voltam à luta social no seio do mundo moderrno, Lowy vai chamar
de mística revolucionária.
A mística revolucionária
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Dada a naturez desse escrito, nesse momento só faremos uma breve apresentação às extensas análises
de Lowy sobre religião e pensamento revolucionário. Mais que qualque esmiuçamento, o objetivo é,
em sobrevôo, os principais caminhos percorridos pelo autor.
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O principal interesse de Lowy em seus estudos mais recentes são o aprofundamento e divulgação do
Ecossocialismo, corrente do marxismo contemporâneo da qual ele é um dos fundadores. Ver
bibliografia.
judaica alinhados com os ideias revolucionários. Segundo Lowy (ele mesmo filho de
imigrantes judeus), há um inegável “isomorfismo espiritual” entre esses dois universos
culturais. A chegada do Messias, a irrupção de um mundo novo após o desmoronamento
apocalíptico é uma estrutura de visão de mundo que, no entendimento do sociólogo,
encontra forte correspondência com o elemento revolucionário que transfigurará
completamente o presente decaído. Escreve ele:
Bibliografia: