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ACELERADO
LUZ, Araeci Carvalho da – PUCRS – araeci.luz@gmail.com
Eixo: Sociologia da Educação / n. 15
Agência financiadora: Capes
Para as entrevistas, buscou-se localizar jovens que houvessem tido contato com
as ações do Projeto, realizadas havia dois anos. Priorizou-se a área do bairro mais
marcada pela pobreza e a ausência do Estado, por ser esta uma área também priorizada
pelo Projeto Piloto. Localizaram-se 22 jovens que já eram adolescentes e moravam ali
na época do Projeto e lembravam-se de suas ações. Destes, 12 participaram de atividades
desenvolvidas e 10 tomaram conhecimento, mas optaram por não participar.
Destes jovens, 14 tinham idade entre 14 e 17 anos à época da pesquisa (dois a
menos na época de implantação do Projeto Piloto); 8 ainda estudavam, 3 não quiseram
responder a esta questão e 11 já haviam abandonado a escola. Nenhum concluiu o ensino
fundamental. Dezoito sujeitos eram do sexo masculino e 4 eram do sexo feminino.
Os jovens foram escolhidos aleatoriamente dentre as casas de duas vilas do
bairro, situadas em dois extremos geográficos deste, com altos índices de violência. Em
cada uma destas comunidades, há uma escola municipal que participou ativamente das
oficinas. Para obter as 22 entrevistas, foram contatadas 69 residências (37 numa vila e
32 na outra). Em 8 não havia ninguém em casa. Em 16, não havia adolescentes na época
do projeto. Treze casas possuíam moradores novos e 10 não quiseram dar entrevistas.
Das 22 residências restantes, 12 tinham adolescentes que participaram do projeto e 10
não, por diferentes motivos. Foram entrevistados 22 jovens, um de cada uma destas
casas, separados em dois grupos – os que participaram e os que não participaram do
projeto.
A partir dos dados coletados, procedeu-se à análise de conteúdo segundo Moraes
(1999), obtendo dessa forma as categorias iniciais, intermediárias e finais de análise. 1
Construiu-se então um quadro teórico de referência a partir dessas categorias que
traçam um panorama de algumas das questões que marcam a subjetividade da juventude
local - ou melhor seria dizer, das juventudes locais.
O termo juventude deixou há muito de ser usado no singular, como a referir-se a
um corpo único de pessoas. O que se nomeia jovem muda no tempo e no espaço. Não
apenas no espaço macro, mas aquele entendido como território simbólico – cada
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O quadro “Categorias Finais” apresentado na última parte deste artigo, traz categorias de análise
construídas a partir da fala dos adolescentes e um resumo das conclusões, último momento da
sistematização de dados proposta pelo autor. Lamentavelmente não é possível, por questão de espaço,
apresentar num único artigo todas as categorias construídas e, por isso, optou-se por ilustrar este
artigo com as categorias finais e as conclusões, que espelham, de fato, os temas onde este texto se
deteve.
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juventude tem o seu. Ser jovem no centro é diferente do jovem na periferia. Ser jovem na
periferia se você é rapper tem um significado, mas se é pagodeiro, tem outro. As
juventudes são múltiplas, têm múltiplos códigos, linguagens, valores, territórios
(Reguillo, 2003; Feixa, 1999).
Através dessas entrevistas e de visitas ao local (com observações de inspiração
etnográfica e registro no diário de campo) no convívio com os espaços dos jovens, em
suas escolas no horário de recreio, no centro comunitário, nas quadras desportivas e nas
esquinas, foi possível perceber um pouco do universo onde a pesquisa foi feita.
Para fins desse artigo, por motivo de espaço, será necessário fazer alguns
recortes na pesquisa realizada. Dentre os conceitos que surgiram no decorrer da pesquisa
como parte do cotidiano dessas juventudes destacam-se alguns dos apontados por
diversos pesquisadores como sendo característicos da contemporaneidade e, dentre
estes, três em particular: a liminaridade, a velocidade social e a necessidade simbólica de
pertencimento.
O tempo social não é o do relógio: é uma criação social (Elias, 1999). O tempo,
para a física, é o desgaste da matéria. O tempo social nos fala de como são percebidas as
transformações ao nosso redor. Isso depende da velocidade que é impressa nos eventos
sociais.
De acordo com Ulrich Beck (2002) a contemporaneidade trouxe mudanças
aceleradas. As certezas da Modernidade, surgida com as luzes do Iluminismo, traziam
um mundo organizado, regido por leis que, se conhecidas, poderiam ser controladas. O
racionalismo cartesiano elevou a lógica ao patamar de única via para o desenvolvimento
científico. A natureza passou a ser vista como um conjunto ordenado orientado no
tempo e no espaço. Procurou-se desvendar as leis da física, da química e da biologia,
posto que, ordenadas por leis imutáveis, o homem as poderia controlar se lhes dominasse
as leis. Da mesma forma, as ciências do homem buscaram seguir esse caminho. Conhecer
leis que regulariam o comportamento e a organização humana traria para a ciência a
certeza de conhecer o homem.
As certezas modernas não respondem mais aos desafios da contemporaneidade.
A cosmovisão de universo ordenado, de sociedade hierarquizada e de leis imutáveis não
serve para analisar o mundo depois da segunda metade do século XX. As certezas dão
lugar a múltiplas verdades provisórias. Segundo Prigogine (1996), o caos é a forma de
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O prefixo nano equivale a um bilionésimo da unidade escrita a seguir. Deriva daí a nanotecnologia e a
nanociência, campos empenhados em pesquisar soluções para questões que exigem uma precisão cada
vez maior.
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aceleração produz uma pressão ainda maior: pouco tempo para se viver tudo. O jovem
quer viver o mundo que o cerca no agora.
Se, no entanto, o universo imediato do jovem partilhar de um tempo lento e ele
tiver essa vivência do tempo acelerado (por participar de outros grupos sociais, por
interação com o universo midiático ou por suas próprias características) esse
descompasso será motivo de grande angústia. A necessidade de viver essa aceleração e
abarcar o mundo inteiro entram em choque com vivências de um tempo lento, de
acontecimentos repetitivos.
A juventude, por suas características, é um tempo de provisoriedades. Ainda que
se saiba que as identidades são móveis e provisórias, a adolescência é o tempo do
momentâneo, por excelência. Isso faz com que o adolescente viva no espaço da
liminaridade – um entre - lugar que se mantém entre a infância e o mundo adulto. Essas
divisões de fases da vida, sabe-se, são construções culturais. Não são intrínsecas do
sujeito (pois não há nada intrínseco) mas têm uma força de construção de significados.
Em função desse lugar/não-lugar, o jovem sente-se deslocado.
Este espaço de liminaridade, nas sociedades contemporâneas urbanas, tende a se
estender. Alguns demarcadores de ingresso no mundo adulto deixaram de existir. A
grande exigência para ingresso no mercado de trabalho, um forte demarcador, pois
constitui um anúncio de independência financeira e, portanto, sua coroação como
consumidor (Bauman, 1998) adia cada vez mais esse momento. O jovem tem de estudar
cada vez mais para buscar a integração num mercado de trabalho exigente e exíguo.
Para os jovens que abandonaram a escola muito cedo, esse ingresso só é possível
em trabalhos de baixíssima remuneração ou no mercado informal. Isso aumenta ainda
mais sua busca de visibilidade, grande necessidade simbólica do jovem. Com a mesma
avidez com que experimentam sua existência no mundo os jovens buscam vê-la
reconhecida. O espaço simbólico de existência entre dois atores bem definidos (a criança
e o adulto) torna a necessidade de ser visto ainda maior. Ele percebe sua existência
como única e é assim que quer ser visto. Uma escola que não o vê ou que ele abandonou
prematuramente, um mercado de trabalho que parece longínquo ou desvalorizado como
o informal – nada lhe dá visibilidade. O jovem quer ser visto pelo adulto, mas sente
necessidade principalmente de ser reconhecido por seus pares. Precisa conquistar seu
lugar junto ao grupo de iguais. Isso, no entanto, gera novas dificuldades.
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social. Vários casamentos, com filhos e enteados de outras uniões, pais ou mães
sozinhos, avós, tios ou irmãos no papel de cuidadores parentais e outras formas de
família compõem um universo que se modifica.
Neste espaço, crianças e adolescentes freqüentam cada vez mais o espaço
público. Por outro lado (especialmente no bairro pesquisado, onde as pessoas têm baixo
poder aquisitivo), pais desempregados permanecem mais tempo no espaço doméstico.
Observa-se, portanto, uma inversão do que antes se via na ocupação do espaço
comunitário: mais pais em casa, filhos na rua. É importante ressaltar que, na realidade
observada, o espaço das crianças e adolescentes é a rua. Não contam, à exceção de um
centro comunitário, com espaços de convivência senão aqueles criados por eles mesmos:
as esquinas e portas de escolas. Conforme se observou no trabalho de campo, esta
mudança não se traduz em maior cuidado parental. Ao contrário: ajuda a desapropriar o
espaço doméstico como local de aprendizagem de limites e de liberdade. A cada dia, as
crianças e jovens passam menos tempo no convívio doméstico e os pais têm menos
controle sobre o cotidiano e os atos de seus filhos.
Os jovens, sem meios de viver autonomamente, por questões econômicas e
psicossociais, necessitam da proteção e da orientação do adulto. O adulto é provedor e
também aquele que os imerge nos princípios de sua cultura. As noções de pertinência, de
comportamentos apropriados, de expectativas, de lugar no mundo são dadas
primeiramente pela família. Se este espaço for subocupado, outros elementos da cultura
o farão. Assim, a criança aprenderá pelo modelo vivido, quer em casa, quer na rua, os
valores da cultura. Sabe-se que a maior parte desse legado não se dá por transmissão
explícita, mas pela observação e vivência.
Como estão imersos na cultura monetarista e são, desde o nascimento,
consumidores, crianças e adolescentes estão sujeitos a valores impostos a partir do
mercado. Bauman (1998) explica como o consumo nos enreda, fazendo com que sua
busca seja nossa fonte de prazer e não a posse do objeto desejado. Quanto mais à mercê
de si mesmas, mais permeáveis a estes valores as crianças serão. Considerando-se que
todos são consumidores de um modo ou de outro (comprando, ganhando, tomando para
si o que foi descartado por outro, apropriando-se do que não é seu, etc.) o mercado é
um potente criador de significados. Segundo Lipovetsky (in Morin e Prigogine, 1996) o
consumo não é simplesmente um elo da cadeia produtiva: é um potente criador de
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esperar a solução das desigualdades econômicas para responder a estas questões. Elas
estão postas hoje e, ainda que tenham íntima ligação, coexistem. A contemporaneidade,
ao quebrar o pensamento linear de causa e efeito entre fenômenos, não acredita em
etapas. As questões estão todas postas, exigindo soluções de múltiplos campos.
Se a juventude envolve-se no mundo do ilícito, é também porque este universo dá
respostas a necessidades simbólicas que a sociedade não consegue oferecer-lhe. Se a
escola hoje está rediscutindo seu papel não é porque está em crise, mas porque o
universo moderno, no qual foi gerada, há muito entrou em crise. Adiar as discussões
sobre violência para depois de vencida a desigualdade social é tão improdutivo quanto
delegá-las unicamente à escola. Problemas complexos exigem soluções de múltiplos
atores. Não se pode colocá-los hierarquicamente, assim como não se pode atribuir nem
suas causas nem suas soluções a um único ator.
A contemporaneidade não pediu permissão para colocar em xeque valores
modernos. Não há sentido em pensar-se nostalgicamente no mundo perdido de nossas
certezas, num tempo em que a violência era menor e os alunos, corpos dóceis. O mundo
contemporâneo está sendo construído cotidianamente e, quanto mais o
compreendermos, mais poderemos repensá-lo e modificar aquilo que desejamos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: