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A ENDOGENEIZAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO

ECONÔMICO REGIONAL E LOCAL


Jair do Amaral Filho
Doutor em Economia; professor titular de
Desenvolvimento Econômico; professor do
CAEN , da Universidade Federal do Ceará − UFC ,
e diretor de PGD do Centro de Estratégias de
Desenvolvimento do Estado do Ceará − CED .

RESUMO
É hoje bastante conhecido o processo de endogeneização nas teorias macroeconômicas de
crescimento. Esse processo, todavia, é bem menos conhecido no campo das teorias de
desenvolvimento econômico regional, embora tenha sido muito importante. Sem a preten-
são de esgotar o assunto, este trabalho investiga o exercício realizado pelos pesquisadores
no sentido de endogeneizar o desenvolvimento regional e de apontar novas estratégias de
desenvolvimento regional e local. Na investigação procurou-se estabelecer uma ponte
entre autores da corrente da economia imperfeita, que romperam com a “teoria da locali-
zação tradicional”, e os autores evolucionistas e institucionalistas, os quais se debruçaram
nos estudos dos novos fenômenos e modelos de desenvolvimento regional e local, tais
como os dos distritos industriais. O objetivo é verificar as novas formas de desenvolvimento
local e regional, bem como os instrumentos de ações públicas e privadas.

1 INTRODUÇÃO
Nos últimos anos as teorias de desenvolvimento regional sofreram grandes
transformações, de um lado provocadas pela crise e pelo declínio de muitas
regiões tradicionalmente industriais e, de outro, pela emergência de regiões
portadoras de novos paradigmas industriais.
Esse fenômeno está associado às mudanças radicais nas formas e nos mo-
dos de produção e de organização industriais, bem como à globalização e à
abertura das economias nacionais. Quanto ao primeiro fenômeno devem ser
considerados os aspectos da flexibilização e da descentralização, dentro e fora
das organizações, os quais ocasionam impactos importantes em termos de
reestruturação funcional do espaço. Quanto ao segundo fenômeno, esse tem
provocado impactos consideráveis sobre os custos e sobre os preços relativos
das empresas, as quais têm levado cada vez mais em conta fatores locacionais
em suas estratégias de competitividade.
O que tem sido observado, desde o fim da década de 1980, é que, ao
mesmo tempo em que ocorre um movimento de extroversão por parte das
empresas (subcontratações, alianças e fusões) e dos países (abertura comercial
e aumento do volume do capital em circulação mundial), as regiões no inte-
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rior dos países vêm mostrando um movimento de endogeneização, tanto das


decisões relacionadas ao seu destino quanto do uso dos meios e dos recursos
utilizados no processo econômico. Isso mostra que a organização territorial
deixou de ter um papel passivo para exercer um papel ativo diante da orga-
nização industrial.
O objetivo deste trabalho é investigar as repercussões dessas transforma-
ções sobre as teorias de desenvolvimento econômico regional. Essa investiga-
ção focaliza principalmente o processo de incorporação da questão da
endogeneização por parte das teorias de desenvolvimento regional, numa pro-
posta em que se procura estabelecer uma ponte entre autores da corrente da
economia imperfeita, que romperam com a “teoria da localização tradicional”,
e autores evolucionistas e institucionalistas, que se debruçaram nos estudos
dos novos fenômenos e modelos de desenvolvimento regionais, tais como os de
distritos industriais italianos.
Este trabalho está dividido da seguinte maneira: além desta seção
introdutória as três a seguir descritas, a seção da conclusão e a da bibliografia.
Na seção 2 serão apresentados e analisados os paradigmas surgidos e discuti-
dos recentemente no campo da economia regional, os quais são marcados pelo
aspecto endógeno das fontes de desenvolvimento; na seção 3 serão apresenta-
dos alguns dos desdobramentos desses novos paradigmas, representados pelo
novo papel do Estado local e pelas novas estratégias de desenvolvimento regional
e local; e na seção 4 serão apontadas as principais convergências encontradas
entre as (três) estratégias (ou conceitos) de desenvolvimento regional e local.

2 NOVOS PARADIGMAS DE DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO


NA ECONOMIA REGIONAL
Do ponto de vista regional, o conceito de desenvolvimento endógeno pode ser
entendido como um processo de crescimento econômico que implica uma
contínua ampliação da capacidade de agregação de valor sobre a produção,
bem como da capacidade de absorção da região, cujo desdobramento é a re-
tenção do excedente econômico gerado na economia local e/ou a atração de
excedentes provenientes de outras regiões. Esse processo tem como resultado a
ampliação do emprego, do produto e da renda do local ou da região.
Para facilitar o entendimento dos próximos parágrafos há que se salientar,
primeiramente, que o caráter endógeno desse processo não tem um sentido
autocentrado na própria região ou no local, e, em segundo lugar, que seus
fatores propulsores podem ser vistos tanto pelo lado da endogeneização da
poupança, ou do excedente, como pelo lado da acumulação do conhecimento,
das inovações e das competências tecnológicas, com repercussões sobre o cres-
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cimento da produtividade dos fatores. Como assinala Malinvaud (1993) ao


analisar a contribuição das novas teorias de crescimento (endógeno), esse se-
gundo ângulo de ver o crescimento é o aspecto mais interessante no conjunto
dos modelos recentes de crescimento.
Como se sabe, essas questões − da concentração e da aglomeração −
ocupam lugar central nas teorias e nos modelos tradicionais de localização
industrial, em grande parte de origem alemã, que dominaram a Ciência
Econômica Regional até recentemente. Essas teorias estão relacionadas a
autores tais como: Von Thünen, Weber, Preddöl, Cristaller, Lösch e Isard.1
Mas, e como sugerem Arthur (1994) e Krugman (1991a; 1995a; 1996),
apesar desse domínio as citadas teorias encontram limites ao tentar explicar
o processo de localização e de endogeneização regional porque, em razão da
sua escolha metodológica, não conseguem apreender a complexidade dos
processos concretos e dinâmicos da concentração das atividades econômicas
sobre um determinado espaço.
Imbuídas de “astúcias geométricas continuadas de triângulos e losangos”
[Krugman, 1991a, 1995a], as teorias tradicionais estão desprovidas do meca-
nismo dinâmico do auto-reforço endógeno (self-organisation) formado pelas
economias externas propagadas por tecidos criados pela aglomeração industrial
sem que as empresas tenham controle disso. Como observam os dois autores
citados, essas teorias são muito estáticas por se limitarem a quantificar os cus-
tos e os lucros a fim de assim definirem a localização ótima da firma numa
determinada região.
A hegemonia dessas teorias no campo da Ciência Econômica Regional
não se deu, no entanto, sem rivalidades. Durante a década de 1950 desenvol-
veram-se conceitos e estratégias de desenvolvimento regional aparentemente
mais atraentes, os quais chamaram a atenção dos sistemas de planejamento
nos anos 1960. Destacam-se aí três conceitos-chaves. O primeiro, o conceito
de “pólo de crescimento” [Perroux, 1955]; o segundo, o conceito de “causação
circular cumulativa” [Myrdal, 1957]; e, o terceiro, o conceito de “efeitos para
trás e para frente” [Hirschman, 1958]. Seguindo as trilhas criadas pelos pio-
neiros das teorias de desenvolvimento econômico (Nurkse, Rosenstein-Rodan,
etc.), esses três autores passaram a dar maior ênfase aos fatores dinâmicos da
aglomeração, na medida em que incorporaram como fator de localização a
“complementaridade” entre firmas e setores, assim como a noção de economia
de escala mínima da firma. Poderia ser visto, nesse ponto, uma certa conside-

1
Para uma revisão dessas teorias, ver, por exemplo, Richardson (1969).
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ração à preocupação com “economias externas”, embora essa se dê com caráter


mais “tecnológico” (ou técnico).2
Autores como Arthur e Krugman vêem nesses últimos conceitos um cami-
nho mais promissor, para que se chegue a uma teoria mais convincente sobre a
localização industrial, do que o proposto pela escola alemã. Krugman (1995a)
chega a afirmar que as idéias de Myrdal e de Hirschman não eram novas mas
marcaram muito, principalmente por seu estilo e por sua metodologia. Contu-
do, segundo Krugman (1995a), eles não puderam resistir à concorrência das
teorias estáticas porque seus autores abandonaram o esforço de formalizá-las.
Para esse autor, uma teoria econômica é feita de uma “coleção de modelos”, e,
como isso faltou para os conceitos de “efeitos para trás e para frente” e de
“causação circular”, tais conceitos caíram em desuso.
Considerando, de um lado, a força das idéias de Myrdal e de Hirschman
e, de outro, a fragilidade formal delas, causada pela falta de uma modelização,
autores do porte de Arthur (1994) e de Krugman (1991a; 1995a; 1996)
empenharam-se3 para refazer a teoria da localização e para devolver à Econo-
mia Regional seu devido lugar no mainstream da Ciência Econômica, porém
sem menosprezar a importância dos “custos de transporte” tão caros aos repre-
sentantes da “escola alemã”. Para isso incorporaram as idéias marshallianas de
“economias externas”, e isso não apenas no sentido pecuniário, mas também
no tecnológico. Além disso, encararam de frente a discussão tabu dos rendi-
mentos crescentes e lançaram mão de poderosos instrumentos matemáticos
usados no tratamento de sistemas complexos para formalizar seus modelos.
O resultado final é que a existência de custo de transporte baixo, de rendimen-
tos crescentes e de uma intensa demanda local contribui para a perenização de
uma certa aglomeração industrial [Lecoq, 1995].

2
Separam-se as “economias externas” em duas partes [Catin, 1994]: economias externas pecuniárias e
economias externas tecnológicas. A diferença entre os dois tipos está no fato de a primeira ser
transmitida via mercado, mediante a intermediação dos preços, e a segunda não; essa é transmitida
diretamente pelas empresas. Ainda segundo Catin, nas definições mais recentes consta que as
externalidades tecnológicas se caracterizam pela ausência de controles sobre as quantidades recebi-
das dessas externalidades (positivos ou negativos), e sobre a decisão do agente que as emite.
Segundo Scitovsky (1969), a rigor as economias externas pecuniárias não se verificam na teoria do
equilíbrio. Embora Perroux, Myrdal e Hirshman não fossem filiados à teoria do equilíbrio, seus
conceitos tinham uma certa influência das economias externas tecnológicas definidas por Meade como
interdependências entre os produtores.
3
O empenho desses autores parece fazer parte de um movimento, observado a partir da segunda metada
dos anos 1980, no sentido de se atualizar e de se formalizar alguns conceitos da chamada high
development theory dos anos 1950. Ponto marcante desse movimento é o trabalho de Murphy, Shleifer
& Vishny (1989) a propósito do conceito de “Big Push”, de Rosenstein-Rodan.
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Interessante registrar que uma tentativa parecida, embora de muito menos


repercussão, foi feita por Kaldor (1970), por ocasião da Fifth annual Scottish
Economic Society Lecture, na University of Aberdeen. Nessa tentativa, Kaldor pro-
curou relacionar o conceito de “rendimentos crescentes”, desenvolvido por Young
(1928), com o conceito de “causação circular” de Myrdal (1957). As tentativas
assemelham-se, pois ambas procuraram libertar-se da visão comum segundo a
qual crescimento é sinônimo de crescimento do produto. Diferentemente dessa
abordagem visualiza-se, portanto, o crescimento da produtividade. No entanto,
enquanto Young (1928) e Kaldor (1970) privilegiaram o tamanho do mercado
e a divisão do trabalho como fontes (smithianas) do crescimento da produtivi-
dade, Krugman (1991a) passaria a privilegiar as externalidades marshallianas e
daria mais atenção à proximidade espacial e aos fatores relacionais.
A volta a Marshall (1919 e 1982) está claramente presente em Krugman,
em seu clássico Geography and Trade (1991a), no qual ele considera três fato-
res de externalidades marshallianas para explicar o fenômeno da localização
industrial: concentração do mercado de trabalho, insumos intermediários e
externalidades tecnológicas. O autor ilustra suas teses com vários estudos de
casos americanos, entre os quais o caso do Silicon Valley, mostrando assim,
que muitos deles foram produtos do “acidente histórico” mas tiveram em seu
processo a combinação desses três fatores.
Como enfatiza o autor, o mais importante a reter do acidente inicial não é
o fato em si, mas a “natureza do processo cumulativo”, que permite que tal
acidente se propague de maneira ampla e duradoura. Nesse caso, os registros
históricos mostram dois elementos: primeiro, que o processo cumulativo é pene-
trante, e, segundo, que os fatores “concentração do mercado de trabalho” e “oferta
de insumos especializados” desempenham papel importante no processo.
O retorno ao argumento das externalidades dinâmicas e a redescoberta de
Marshall são também importantes no campo dos economistas evolucionistas e
institucionalistas (Becattini, Pyke, Sengenberger, Storper, Schimitz, etc.), como
será visto em outras passagens deste trabalho. No entanto, esses últimos tomam
uma certa distância de autores como Krugman na medida em que consideram
também, em suas análises, o papel dos agentes locais (“atores”, “protagonistas”)
na organização dos fatores e na coordenação do processo cumulativo. Entretan-
to, ao investigar com mais cuidado, vamos observar que Krugman (1991a, 1991b)
não deixa o seu modelo totalmente ao sabor do indeterminismo, pois, ao consi-
derar o papel da história (“condições iniciais”) como um importante fator
determinante no desenvolvimento, ele passa a considerar também o papel das
“antecipações” dos agentes locais sobre o comportamento futuro da economia
local. A grande diferença é que Krugman faz passar essas antecipações por meio
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do sistema de preços e do mercado, e os evolucionistas e institucionalistas pas-


sam-nas por meio da interação e da coordenação entre os agentes.
Na literatura evolucionista e institucionalista recente, o debate sobre o
fenômeno do desenvolvimento regional/local endógeno tem-se dividido em
duas grandes tendências: uma de natureza indutiva e outra considerada de-
dutiva [Federwisch e Zoller, 1986]. Os da primeira tendência, mais descri-
tivos, partem de estudos específicos para mostrar as particularidades das
condições determinantes de cada caso de desenvolvimento local. Os da se-
gunda partem comumente de postulados mais gerais sobre a dinâmica das
organizações territoriais descentralizadas. Nessa segunda corrente encontram-
se, por exemplo, autores que defendem a tese da crise do sistema produtivo
fordista, baseado na produção em grande escala, e o conseqüente renascimento
das vantagens da pequena produção baseada na produção flexível. Associada
a essa tese a referência mais marcante foi, sem dúvida, o livro de Piore e Sabel
(1984), intitulado The second industrial divide: possibilities for prosperity.
É interessante notar que há um certo consenso, entre estas duas tendências,
em reconhecer que há alguns anos estaria havendo uma abertura de janelas de
oportunidades para que regiões e locais fora dos grandes eixos de aglomeração
fordista, ou fora da dualidade centro−periferia, pudessem engendrar processos
de desenvolvimento. 4 Associados a essa linha estão os autores que defendem
políticas de implantação de distritos industriais do tipo marshalliano, os quais
têm como maior fonte de inspiração os distritos industriais surgidos em deter-
minadas regiões da Itália. Por outro ângulo estão aqueles autores que, preocupa-
dos com o declínio de várias regiões tradicionalmente industriais, passaram a
defender iniciativas de reestruturação ou de estruturação regional baseadas na
“alta tecnologia” ou na intensificação das inovações.5
O aspecto novo desse debate, que podemos promover entre adeptos da eco-
nomia imperfeita e a grande corrente dos evolucionistas e institucionalistas, e o
qual traz à luz um novo paradigma de desenvolvimento regional endógeno, está na
refutação do indeterminismo do processo de desenvolvimento regional ou local, o
que pode ser visto no papel da “história”, como também nas “antecipações” e nas
“ações dos protagonistas locais”. Por essa última ótica, a definição do modelo de

4
Esse é um ponto de controvérsia porque há uma corrente [Veltz,1996], por exemplo] que entende que não
só a grande produção se adaptou à produção flexível, como também a globalização das economias deverá
provocar um processo de concentração e de polarização regionais, e, nesse último aspecto, haveria uma
situação em que as regiões desenvolvidas de um país tenderiam a intensificar as ligações entre elas
próprias ou delas com regiões desenvolvidas de outros países.
5
Entendemos que o conceito de “alta tecnologia” não está limitado apenas aos setores específicos e
emergentes de ponta (informática, microeletrônica, etc.), ele abrange também a maioria dos setores e
das atividades econômicas, mesmo aqueles considerados “tradicionais”.
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desenvolvimento passa a ser estruturada a partir dos próprios atores locais, e não
mais por meio do planejamento centralizado ou das forças puras do mercado.
Mais do que isso, o aspecto novo trazido pelas novas abordagens na Eco-
nomia Regional está na recuperação vigorosa das noções de intertemporalidade
e de irreversibilidade na trajetória do desenvolvimento econômico. O que
significa dizer que o passado influencia o presente, que esse influencia o futuro
(intertemporalidade), que as propriedades do tempo zero não coincidem com
as propriedades do tempo um, e assim sucessivamente (irreversibilidade), de
tal forma que a situação de equilíbrio no tempo zero dificilmente será recupe-
rada no tempo um, tal como preconizado por Schumpeter (1982).
Como resultado, a estruturação do modelo alternativo de desenvolvimento
regional, como sugerido por evolucionistas e institucionalistas, é realizada por
meio de um processo, já definido por Boisier (1988), de “organização social
regional” ou, como o define Schmitz (1997), de “ação coletiva”. Esse processo
tem como característica marcante a ampliação da base de decisões autônomas
por parte dos atores locais; ampliação que coloca nas mãos desses o destino da
economia local ou regional. Com base em valores tácitos ou subjacentes, os
atores locais podem antecipar ou precipitar um “acidente histórico” positivo;
podem evitar um “acidente histórico” negativo; assim como podem coordenar
um processo em curso. É certo que a importância da história (condições iniciais)
e das externalidades dinâmicas estão presentes tanto em Krugman quanto nos
evolucionistas e institucionalistas. No entanto, esses últimos reservam um lu-
gar especial às estruturas sociais e às escolhas políticas.
A abordagem mais abrangente realizada por essa última corrente é possí-
vel, tendo-se em vista que ela toma um caminho metodológico semelhante
àquele trilhado por Albert O. Hirschman, o qual pode ser caracterizado como
um caminho holístico, sistêmico e evolutivo. 6 Nesse sentido, pode-se dizer
que essa abordagem toma (como também o fez H. Simon) certa distância em
relação aos pressupostos da “racionalidade econômica pura”, não aceitando,
portanto, os preços e os mercados como os únicos mecanismos sociais de trans-
missão de informação ativa [Nelson e Winder, 1982].
O modelo alternativo de desenvolvimento sugerido pelas correntes exa-
minadas pode ser definido como um modelo endógeno construído “de baixo
para cima”, ou seja, que parte das potencialidades socioeconômicas originais

6
Segundo Wilber e Francis (1988), “A metodologia de Hirschman é holística porque tem como foco
primário as relações entre as partes de um sistema e o todo. É sistêmica porque aquelas partes
constituem um todo coerente e podem ser entendidas, tão somente, nos termos do todo. O método de
Hirschman é evolutivo porque as mudanças do padrão de relações são vistas como a própria essência da
realidade social. Há uma interconexão entre os elementos que formam o sistema econômico e o
contexto social e político em que esses elementos funcionam”.
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do local, em vez de como um modelo de desenvolvimento “de cima para bai-


xo”, isto é, que parte do planejamento e da intervenção conduzidos pelo Esta-
do nacional.7 Essa última modalidade, a qual ser associada àqueles casos de
implantação de grandes projetos estruturantes, a qual procura satisfazer a coerên-
cia de uma matriz de insumo − produto nacional.
Um outro aspecto desse modelo está associado ao perfil e à estrutura do siste-
ma produtivo local, ou seja, a um sistema com coerência interna, aderência ao local
e sintonia com o movimento mundial dos fatores. Como ilustração, e segundo
Garofoli (1992) − um dos muitos autores que estudaram a constituição de mode-
los endógenos de desenvolvimento, em especial na Itália −, entre os modelos de
desenvolvimento endógeno os casos mais interessantes e paradigmáticos são aque-
les constituídos pelos sistemas de pequenas empresas ou de pequenos empreendi-
mentos circunscritos a um território (do tipo território-sistema ou distrito indus-
trial). Trata-se de sistemas que produzem verdadeiras “intensificações localizadas”
de economias externas, que determinam intensas aglomerações de empresas, fabri-
cando o mesmo produto ou gravitando em torno de uma produção “típica”.
Ainda segundo Garofoli, o grau de autonomia (comercial, tecnológica e
financeira) desses sistemas é particularmente importante, e essa autonomia
relativa é conseqüência de numerosas inter-relações entre as empresas e os
diferentes setores produtivos locais, e também entre o sistema produtivo, o
ambiente e o contexto locais. Isso pode ser entendido, ainda conforme a opi-
nião do autor citado, como “meio” ou conjunto de fatores históricos, sociais e
culturais sedimentados na comunidade e nas instituições locais.
Há que se notar que as definições de Garofoli, para um modelo produtivo de
desenvolvimento endógeno, estão fortemente influenciadas pela realidade da ter-
ceira Itália, o que não significa que possam ser generalizadas para todas as regiões
ou para todas as situações. Na subseção 3.2 vamos ver que, quando se trata de
estratégia de desenvolvimento regional endógeno, os caminhos são plenos de nuanças.

3 DESDOBRAMENTOS DOS NOVOS PARADIGMAS

3.1 O Novo Papel para o Estado Local


Não há propriamente uma nova teoria do Estado que tenha sido produ-
zida no debate acerca da nova economia regional. Há, no entanto, novas inter-
pretações para as funções do Estado, tendo-se em vista sua segmentação e
também as parcerias estabelecidas entre o Estado e a sociedade civil. Como
vimos na seção anterior, um dos elementos centrais da nova economia regional

7
A esse propósito ver Stöhr e Taylor (1981).
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consiste nas “ações coletivas”, e essas só se desenvolvem com eficiência se forem


institucionalizadas.
O papel do Estado nos novos paradigmas de desenvolvimento regional/
local [Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico − OCDE, 1993
e 1996] tem-se baseado fortemente no resultado de processos e de dinâmicas
econômico-sociais determinados por comportamentos dos atores, dos agentes
e das instituições locais. Há um amplo consenso em relação à idéia de que os
processos e as instâncias locais levam enorme vantagem sobre as instâncias
governamentais centrais, na medida em que estão mais bem situados em ter-
mos de proximidade com relação aos usuários finais dos bens e serviços. Nessa
perspectiva, supõe-se que as instâncias locais podem captar melhor as infor-
mações, além de poderem manter uma interação, em tempo real, com produ-
tores e com consumidores finais.
Conforme resenha feita por Tanzi (1995), podem ser identificados, na
Teoria Econômica, duas linhas importantes de argumentos em favor da rela-
ção entre descentralização e alocação eficiente:
a) a primeira liga-se ao “teorema da descentralização” (Oates, Cremen,
Estache e Seabrigh), e tem, como argumento de defesa, de um lado o
fato de nem todos os bens públicos terem características espaciais
semelhantes e, de outro, o fato de os governos locais terem vantagem
comparativa superior, em relação ao governo central, em supri-los.
A conclusão mais direta desse teorema é que nem todos os governos e
comunidades locais estão dispostos a receber um “pacote de bens
públicos” que nada tem a ver com suas necessidades, e tampouco
com suas maneiras de executá-lo;
b) a segunda tem como argumento a vantagem oferecida pela concorrência
entre governos locais (Israel e Tiebout), e diz que esses estão mais bem
dotados para identificar as preferências da população, e, assim, aqueles
que melhor perceberem essas preferências colherão melhores benefícios.
Nesse caso supõe-se que a concorrência entre os governos locais engendra
um processo virtuoso de eficiência na alocação dos recursos.
Em resumo, os argumentos favoráveis à descentralização da ação pública
estão baseados em três elementos-chaves (i) o da proximidade e da informação,
isto é: os governos locais estão mais próximos dos produtores e dos consumido-
res finais de bens e de serviços públicos (e privados), e por isso são mais bem
informados que os governos centrais a respeito das preferências da população;
(ii) o da experimentação variada e simultânea, ou seja: a diferenciação nas expe-
riências locais pode ajudar a destacar métodos superiores de oferta do serviço
público; e (iii) o elemento relacionado a tamanho, quer dizer: quanto menor o
aparelho estatal melhor é o resultado em termos de alocação e de eficiência.
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Por outro lado, o novo papel do Estado, no desenvolvimento local/regional,


tem-se balizado em um “modo de intervenção pragmático”, o qual não valoriza
em absoluto o princípio neoliberal nem o princípio do dirigismo estatal. Quan-
to ao primeiro, esse não aceita a crença cega de que o mercado e os preços sejam
os únicos mecanismos de coordenação das ações dos agentes. Quanto ao segun-
do, esse não aceita o dirigismo generalista que leva à burocracia pesada, à hierar-
quia rígida e ao desperdício financeiro. Segundo Sabel (1996), o Estado não
deve funcionar como uma máquina, e sim como um sistema aberto; mais atento
às nuanças de seu ambiente, mais interativo com seus parceiros, mais sensível à
informação que recebe como retorno dos utilizadores dos bens e serviços.
Questões como a descentralização administrativa, fiscal e financeira entre as
instâncias de governo; a descentralização produtivo-organizacional, ocorrida no
setor privado; e o acirramento da concorrência em razão do ambiente econômico
aberto têm criado forte necessidade de se promover, em nível regional ou local, um
processo de aprendizagem sempre contínua e interativa entre os trabalhadores,
entre esses e as empresas, e entre os dois conjuntos e as instituições públicas e
privadas. Nesse caso, nem as forças do mercado nem o dirigismo estatal têm con-
dições de proporcionar uma coordenação eficiente desse processo.
O modo de intervenção pragmático tem sido utilizado de forma vasta em
praticamente todas as situações de desenvolvimento localizado e regional, des-
de os casos de desenvolvimento regional na Itália (na “terceira Itália”) até os
casos de desenvolvimento dos Estados federados americanos [OCDE, 1993 e
1996; Goldstein, 1990]. Isso mostra que, enquanto os Estados centrais ten-
deram, nos últimos anos, para uma adesão mais firme ao paradigma neoliberal;
os Estados federados ou os subsistemas nacionais de governo procuraram, no
modo de intervenção do tipo pragmático, a forma mais conveniente de inter-
vir nos problemas, mesmo porque são os governos locais ou subnacionais que
recebem o impacto mais direto e imediato das grandes contradições pelas quais
passa o capitalismo contemporâneo.
Com relação ao financiamento desse modo pragmático de intervenção
apesar da, ou por causa da, “redescoberta” do Estado pela teoria do crescimen-
to endógeno [Barro, 1990], não se verifica nos casos citados a repetição ou a
reprodução do paradigma keynesiano do desequilíbrio fiscal, mesmo porque
os estados centrais vêm praticando uma política rígida de controle da inflação,
na qual se verifica uma forte restrição monetário-fiscal responsável pelo
enquadramento relativo dos orçamentos dos governos subnacionais.
Assim, em grande parte o financiamento do novo papel do Estado pode
ser conseguido mediante a geração de poupança pública local e a recuperação
da capacidade de investimento, para a melhoria e a recuperação da infra-estru-
tura, a criação de um efeito multiplicador sobre o emprego, o produto, a
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renda e os investimentos privados, além de para a melhoria da produtividade


dos fatores globais. À medida que consegue gerar poupança própria o governo
local consegue também atrair parceiros, privados ou multilaterais (como o
Banco Mundial), para seus projetos de desenvolvimento. Aqui está implícita a
necessidade, e a possibilidade, de se construir um novo modo de financiamen-
to para o setor público e para a acumulação de capital a partir de uma nova
racionalidade fiscal. O aspecto “novo” dessa racionalidade está na impossibili-
dade de se manter o investimento e de se continuar autônomo com relação à
poupança, como o determinava a premissa keynesiana.

3.2 Novas Estratégias de Desenvolvimento Regional e Local


A política de investimento em capital físico ou, mais precisamente, em
infra-estrutura, é importante para uma região ou para uma economia, por
criar condições favoráveis à formação de aglomerações de atividades mercantis,
além de criar externalidades para o capital privado (redução dos custos de
transação, de produção e de transporte; acesso a mercados, etc.); mas em si ela
não é suficiente para criar um processo dinâmico de endogeneização do exce-
dente econômico local, e para atrair excedentes de outras regiões, provocando
assim a ampliação das atividades econômicas, do emprego, da renda, etc.
Para que produza efeitos multiplicadores crescentes e virtuosos sobre o
produto e a renda, a referida política deve estar no contexto de uma estratégia
global de desenvolvimento da região, cujos mecanismos estejam administrati-
va, econômica e politicamente fundamentados, com o objetivo de evitar a
formação de “enclaves” ou a aglomeração de indústrias desprovidas de coerên-
cia interna nas suas interconexões.
Como foi mostrado inicialmente, essa fundamentação pode ser elaborada a
partir de teorias de desenvolvimento regional já consagradas, envolvendo alguns
conceitos-chaves, tais como “pólos de crescimento”, constituídos por “firmas ou
setores motrizes” (F. Perroux), que produzam “concatenações para frente e para
trás” (A. Hirschman), e “efeitos cumulativos de causação circular progressiva”
(G. Myrdal). Sem dúvida, esses conceitos-chaves continuam a fazer parte da
caixa de ferramentas do economista regional. Entretanto, no decorrer dos últi-
mos quinze anos eles vêm cedendo espaço às estratégias e aos modelos de desen-
volvimento regional de tipo endógeno, “de baixo para cima”.
Os conceitos tradicionais, em especial o de “pólo de crescimento”, além
da referida fragilidade em termos de formalização − considerada importante
por Krugman −, estão muito associados ao planejamento centralizado, “de
cima para baixo”; e à grande firma fordista, assim como à lógica introvertida e
verticalizada de funcionamento dos aglomerados industriais. Como se sabe,
esses elementos foram em grande parte responsáveis pelo declínio de muitas
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regiões com tradições industriais, exatamente porque tiveram dificuldades de


se adaptar, com a rapidez suficiente, aos novos paradigmas produtivos e
organizacionais.
Vários são os conceitos, ou estratégias, que reivindicam a representatividade
do novo paradigma de desenvolvimento regional endógeno. Entre eles três
podem ser identificados claramente: (i) o primeiro é o “distrito industrial”,8
(ii) o segundo é o “milieu innovateur” (ambiente inovador); e (iii) o terceiro é
o “cluster”. Apesar de as teorias de Krugman e de Arthur poderem encarnar
qualquer política de desenvolvimento regional, parece que os autores não rei-
vindicam a transformação delas em modelos de desenvolvimento.
As diferenças entre as três estratégias são muito sutis, o que torna difícil a
tarefa de distinguí-las; visto terem sido desenvolvidas praticamente na mesma
época e de maneira não muito concorrente no tocante aos pressupostos, o que
torna difícil a tarefa. Todavia, é possível encontrar nelas algumas particularidades.

3.2.1 Distrito Industrial


Segundo Pyke, Becattini e Sengenberger (1990), qualquer definição de
“distrito industrial” não estará livre de controvérsia. No entanto, os autores
definem essa estratégia como um sistema produtivo local, caracterizado por
um grande número de firmas envolvidas em vários estágios, e em várias vias, na
produção de um produto homogêneo. Um forte traço desse sistema é que uma
grande parcela das empresas envolvidas é de pequeno ou de muito pequeno
porte. Muitos desses “distritos” foram encontrados no norte e no nordeste da
Itália, na chamada terceira Itália, com especializações na produção de diferen-
tes produtos: Sassuolo, na Emilia Romagna, especializado em cerâmica; Prato,
na Toscana, especializado em têxtil; Montegranaro, na Marche, especializado
em sapatos e no Veneto, em móveis de madeira etc.
Uma característica importante do “distrito industrial” é ele ser concebido
como um conjunto econômico e social. Pode-se falar que há nele uma estreita
relação entre as diferentes esferas social, política e econômica, com o funciona-

8
O conceito de “distrito industrial” foi retomado com muita força na década de 1980 por alguns autores
[Piore e Sabel, 1983 e 1984; Scott e Storper, 1988 e 1989; Garofoli, de 1983 a 1987; Becattini, 1987 e
1989; Brusco, 1990; e Schmitz e Musyck, 1994], para a realização de vários estudos de caso de industrialização
e de desenvolvimento locais (da Itália principalmente). Desses estudos resultaram tanto uma atualização
teórica do conceito originalmente cunhado por A. Marshall como também propostas de desenvolvimento
regional e local baseadas nesses novos paradigmas. Essas novas teorias e propostas (em especial a de
Piore e Sabel) tiveram muita influência nas pesquisas e nas políticas de desenvolvimento local. As caracte-
rísticas “distritalistas” consistem basicamente no regime de especialização flexível baseado em tecnologias
flexíveis, em trabalhadores flexíveis e em novas formas de comunidades industriais.
A Endogeneização no Desenvolvimento Econômico Regional e Local 273

mento de uma dessas esferas moldado pelo funcionamento e pela organização


de outras. O sucesso dos “distritos” repousa não exatamente no econômico,
mas sobretudo no social e no institucional.
Ainda segundo os autores citados, alguns emblemas desse sistema são a
adaptabilidade e a capacidade de inovação combinados à capacidade de satis-
fazer rapidamente a demanda, isto com base numa força de trabalho e em
redes de produção flexíveis. No lugar de estruturas verticais tem-se um tecido
de relações horizontais, no qual se processam a aprendizagem coletiva e o de-
senvolvimento de novos conhecimentos mediante a combinação entre concor-
rência e cooperação. A interdependência “orgânica” entre as empresas forma
uma coletividade de pequenas empresas, a qual se credencia à obtenção de
economias de escala só permitidas por grandes corporações.
Essa estratégia se destaca em uma grande família conceitual, no âmbito
da qual se encontram outras, tais como “sistema produtivo territorial”, “estru-
tura industrial local”, “ecossistema localizado” e “sistema industrial localiza-
do”. Trata-se de uma estratégia que representa os principais rivais dos modelos
tradicionais baseados no modo de organização fordista, porque supõe um aglo-
merado de pequenas e de médias empresas funcionando de maneira flexível e
estreitamente integrada entre si e o ambiente social e cultural, alimentando-se
de intensas “economias externas” formais e informais [Piore e Sabel, 1984].

3.2.2 Milieu Innovateur (Ambiente Inovador)


Esta estratégia foi bastante trabalhada por uma rede de pesquisadores
europeus (Aydalot; Perrin; Camagni; Maillat; Crevoisier; entre outros), os quais
se agregaram em torno do Groupe de Recherche Europeen ( GREMI). Vários dos
pesquisadores que participaram da identificação e da revelação dos distritos
industriais italianos também participam da Agenda de Pesquisa do Gremi.9
Entende-se que essa estratégia foi elaborada como parte de uma preocu-
pação cujo objetivo foi fornecer elementos para contribuir para a sobrevivência
dos distritos industriais, e para que outras regiões e locais concebessem seus
próprios projetos de desenvolvimento de maneira sólida. Essa corrente dis-
pensa atenção especial para a tecnologia, dado ser essencial [Aydalot, 1986]
no processo de transformações das últimas décadas. Nesse aspecto o milieu
innovateur destaca-se do “distrito industrial” porque, enquanto esse privilegia
a visão do “bloco social”, aquele confere às inovações tecnológicas uma certa
autonomia e um papel determinante.
Percebe-se, por esse traço tecnológico, que a corrente dos defensores do milieu
innovateur apresenta certa preocupação em evitar que determinadas regiões peri-
9
Para se ter uma idéia exata da Agenda de Pesquisa do GREMI , ver Maillat (1995).
274 planejamento e políticas públicas ppp | n. 23 | jun 2001

féricas sejam vítimas dos resultados perversos difundidos pela desintegração do


modelo fordista de produção (produção de massa conseguida por meio da
integração vertical para que se consiga economias de escala e de scope). O modelo
de Coase − Williamson − Scott (CWS ), por exemplo, mostra que a desintegração
vertical da firma, característica importante da desarticulação da organização fordista,
pode causar desintegração também espacial, o que resulta no deslocamento das
firmas, ou de partes delas, à procura de regiões com vantagens locacionais.
Sabendo que a desintegração vertical lhe permite separar o núcleo estra-
tégico (pesquisa & desenvolvimento e marketing) das partes de produção e/ou
de montagem, a empresa pode simplesmente conservar o seu núcleo estratégi-
co no lugar de origem e deslocar, para outras regiões, as partes de simples
montagem do produto. Nesse caso a empresa exige, da região receptora, ape-
nas vantagens em termos de mão-de-obra barata. Portanto, as janelas de opor-
tunidades abertas pela desintegração da produção fordista, para que uma região
periférica passe a crescer, podem ser apenas uma bolha passageira sem a capa-
cidade de realizar a união entre território e indústria. O milieu innovateur
fornece subsídios importantes para que se tente evitar a formação de uma
industrialização vazia e de natureza nômade.
Segundo Camagni (1995), o GREMI interpreta os fenômenos do desen-
volvimento espacial como o efeito dos processos inovadores e das sinergias
em construção sobre áreas territoriais limitadas. Um dos pontos de partida
das pesquisas do GREMI foi esclarecer a diferença entre milieu (o ambiente ou
a região em questão) e milieu innovateur (ambiente inovador). Para Maillat
(1995), milieu é definido como um conjunto tornado territorial e aberto para o
exterior, o qual integra conhecimentos, regras e um capital relacional. É ligado a
uma coletividade de atores e de recursos humanos e materiais. E não é forma-
do como um círculo fechado; ao contrário, está em permanente relação com o
ambiente exterior.
Já milieu innovateur (ambiente inovador), ainda segundo o mesmo autor,
não constitui um conjunto paralisado; diferentemente disso ele é lugar de
processos de ajustamentos, de transformações e de evoluções permanentes.
Esses processos são acionados, de um lado, por uma lógica de interação, e, de
outro, por uma dinâmica de aprendizagem. A lógica de interação é determina-
da pela capacidade dos atores de cooperarem entre si em relações de
interdependências, principalmente pelo sistema de redes de inovação. A dinâ-
mica de aprendizagem, por sua vez, traduz a capacidade dos atores de modifi-
car seu comportamento em razão das transformações do ambiente externo que
os cerca. Desse processo de aprendizagem nascem conhecimentos, tecnologias.
O GREMI parte da constatação de que um milieu (ou ambiente) é mais ou
A Endogeneização no Desenvolvimento Econômico Regional e Local 275

menos conservador ou mais ou menos inovador segundo as práticas e os ele-


mentos que o regulam. Isso quer dizer que esses últimos podem estar sendo
orientados tanto para as “vantagens adquiridas” quanto para a renovação ou a
criação de recursos [Maillat, 1995]. É fácil deduzir que os locais e as regiões
que optam pelas “vantagens adquiridas”, ou “dadas”, estarão se candidatando
ao declínio econômico, enquanto aqueles que optam pelas conquistas de novas
vantagens estarão mais próximas do sucesso ou da sobrevivência. A chave, por-
tanto, encontra-se, segundo Maillat, certamente na capacidade de os atores de
um determinado milieu, ou região, compreenderem as transformações que es-
tão ocorrendo em sua volta, no ambiente tecnológico e no mercado, para que
eles façam evoluir e possam transformar o seu ambiente.
Além dessa fase de percepção, os atores devem passar para a segunda fase:
a da construção da capacidade de resposta. E essa fase consiste concretamente
na mobilização do conhecimento e dos recursos para colocar em prática proje-
tos de reorganização do aparelho produtivo. Nessa fase é muito importante a
presença de fatores como “capacidade de interação” entre os atores, segundo as
regras de cooperação/concorrência e dinâmica de aprendizagem, desde que se
trabalhe sempre com o estoque de experiências acumuladas. Para os pesquisa-
dores do GREMI, essas duas fases estão estreitamente relacionadas com o ciclo de
vida do espaço e com a capacidade de fazer frente às transformações constata-
das no ambiente externo que cerca a região ou o local.

3.2.3 Cluster
O “cluster” (literalmente, agrupamento, cacho, etc.), de origem anglo-saxônica,
pretende funcionar como uma espécie de síntese das estratégias anteriores.
Ele é mais abrangente não só porque incorpora vários aspectos das duas estratégias
precedentes, mas porque não fica restrito às pequenas e às médias empresas.
Segundo Rosenfeld (1996), um grupo de especialistas americanos deu,
em 1995, a seguinte definição para cluster:
... uma aglomeração de empresas ( cluster) é uma concentração sobre um territó-
rio geográfico delimitado de empresas interdependentes, ligadas entre si por
meios ativos de transações comerciais, de diálogo e de comunicações que se
beneficiam das mesmas oportunidades e enfrentam os mesmos problemas.

Michael Porter (1990) parece ter sido o autor de maior influência na


composição estrutural do conceito cluster. Contudo, e curiosamente, esse
termo não aparecia nos títulos dos incontáveis artigos do autor até 1998.10
10
Ver, do autor, Clusters and the new economics of competition, Harvard Business Review, nov.-dec. 1998
276 planejamento e políticas públicas ppp | n. 23 | jun 2001

Parece não haver dúvida de que a estrutura de um cluster, tal como é veiculado,
sobretudo pelas empresas internacionais de consultoria, guarda íntima relação
com o “diamante” de Porter. 11
Ao que parece, o conceito de cluster procura recuperar alguns conceitos
tradicionais, como “pólo de crescimento” e “efeitos concatenados”, de Perroux
e de Hirschman respectivamente, notados, principalmente, na idéia da indús-
tria-chave ou indústria-motriz, conjugada com uma cadeia de produção e adi-
cionado o máximo de valor possível. Não é mera coincidência encontrar na
bibliografia de The Competitive of Nations (1990), de Porter, duas referências
clássicas do desenvolvimento econômico regional − A. Hirschman (The Strategy
of Economic Development, 1958) e F. Perroux (“L’effet d’entraînement: de
l’analyse au repérage quantitatif”, Economie appliquée, 1973).
Essa recuperação é processada mediante a incorporação de vários elemen-
tos que aparecem naqueles exemplos exitosos de desenvolvimento endógeno,
os quais estavam ausentes nos conceitos e nas estratégias tradicionais que, aliás,
serviram para esses como pontos críticos, quais sejam: (i) articulação sistêmica
da indústria com ela mesma, com o ambiente externo macroeconômico e infra-
estrutural, e com as instituições públicas e privadas, tais como universidades,
institutos de pesquisa, etc., a fim de maximizar a absorção de externalidades,
principalmente tecnológicas; (ii) plasticidade na ação conseguida via uma forte
associação entre a indústria, os atores e os agentes locais, que permita proces-
sos rápidos de adaptações em face das transformações do mercado; e (iii) forte
vocação externa, sempre buscando o objetivo da competitividade exterior.
A idéia central é formar uma indústria-chave, ou indústrias-chaves, numa de-
terminada região, transformá-las em líderes do seu mercado, se possível inter-
nacionalmente, e fazer dessas indústrias a ponta-de-lança do desenvolvimento
dessa região; objetivos esses a ser conseguidos por meio de uma mobilização
integrada e total entre os agentes dessa região.
A estratégia, aparentemente hegemônica, de cluster está muito mais pró-
xima da grande produção flexível do que propriamente da pequena produção
flexível, sem demonstrar, no entanto, qualquer tipo de discriminação pela pe-
quena e pela média empresa.12 Assim, a abordagem associada ao cluster conse-

11
A solução do “diamante” é um esquema desenhado por Porter, em forma de uma pedra de diamante
lapidado em que ele une alguns pontos ou fatores responsáveis pela criação de vantagens competitivas
para uma indústria-nação/região: (i) estratégia, estrutura e rivalidade da empresa; (ii) condições dos
fatores; (iii) setores conexos e de apoio; e (iv) condições da demanda.
12
Oportuno registrar que uma corrente marshalliana muito forte utiliza também o conceito cluster para
tratar de aglomerações de pequenas e de médias empresas, tal como o fazem os adeptos do distrito
industrial. Nessa corrente podemos encontrar inúmeros autores, entre os quais R. Smith (já citado),
M. Amorim (1998), etc.
A Endogeneização no Desenvolvimento Econômico Regional e Local 277

gue se diferenciar tanto da visão fordista tradicional − identificada com a gran-


de indústria de produção de massa, quanto da visão distritalista − identificada
com a pequena produção flexível. Além disso, o cluster está mais propriamente
próximo da idéia de um “modelo”, dado assumir um caráter mais normativo,
enquanto aqueles são mais intuitivos. O indicador claro desse aspecto é o fato
de se encontrar com freqüência, na literatura sobre cluster, a solução do “dia-
mante” proposta por Porter; uma solução forte e até certo ponto convincente.
Desse modo, o cluster tem a vantagem de assumir uma forma menos difusa do
que outros conceitos e estratégias de desenvolvimento regional.

4 CONVERGÊNCIAS ENTRE AS TRÊS ESTRATÉGIAS


Importante remarcar que todos esses três conceitos ou estratégias partem mi-
nimamente da noção de “economias externas marshallianas”, que têm na aglo-
meração industrial sua fonte principal. A. Marshall já alertava para a vanta-
gem da concentração geográfica de empresas concorrentes. Vantagem essa
advinda da concentração convergente de atividades produtivas, de um fluxo
de informações, da notoriedade e da reputação alcançadas pelo local ou região,
pela localização concentrada de fornecedores e de clientes; pela circulação do
conhecimento científico e tecnológico; etc. Para completar esse raciocínio é
interessante notar que, como diz Porter (1990), o agrupamento ou a aglome-
ração de empresas, de indústrias ou de setores rivais sobre uma determinada
região gera condições propícias para a criação e a multiplicação de fatores,
além daqueles tradicionais.
É certo que a noção de “economias de aglomeração” também faz parte
dos modelos tradicionais de desenvolvimento regional; no entanto, o aspecto
que vai contribuir para a diferenciação entre esses modelos e os novos é o fato
de, nesses últimos, as “economias externas” não só serem dinâmicas como
também serem provocadas conscientemente por uma ação conjunta da coletivi-
dade local [Schmitz, 1997]. E, ainda segundo esse autor, essa “ação conjunta”
pode ser de dois tipos: cooperação entre firmas individuais e reunião de gru-
pos em forma de associações (produção em consórcio, etc.). Essa divisão pode
ser vista por meio de um corte em que se dividem “cooperação horizontal”
(entre competidores) e “cooperação vertical” (entre empresa cabeça e empre-
sa subcontratada).
Ao contrário dos modelos tradicionais de desenvolvimento regional, os novos
modelos estão identificados com as ações descentralizadas das empresas e das
instituições públicas, o que implica um forte processo de reciprocidade entre
eles, numa relação de concorrência e de cooperação entre as empresas; e com
uma lógica de funcionamento extrovertida, embora com raízes mais profundas
no território que acolhe tal aglomeração. Na realidade, não se trata mais de um
278 planejamento e políticas públicas ppp | n. 23 | jun 2001

aglomerado passivo de empresas, mas sim de uma coletividade ativa de agentes


públicos e privados atuando com um mesmo interesse: o de manter a dinâmica
e a sustentabilidade do sistema produtivo local. Nessa nova concepção de desen-
volvimento regional, observa-se que a interação entre os agentes assume posição
de destaque. Contudo, essa interação só é possível na presença de três elemen-
tos: (i) construção da confiança; (ii) criação de bases concretas capazes de permi-
tir a montagem de redes de comunicação, e (iii) proximidade organizacional
(esse como resultado da combinação dos outros dois elementos).13
Uma estratégia de desenvolvimento com base nos novos paradigmas tem
por objetivo munir um determinado local, ou região, de fatores locacionais
sistêmicos capazes de criar um pólo dinâmico de crescimento com variados
efeitos multiplicadores, os quais se auto-reforçam e se propagam de maneira
cumulativa, transformando a região num atrator de fatores e de novas ativida-
des econômicas. Para isso, recomenda-se a implantação ou o desenvolvimento
de projetos econômicos de caráter estruturante, que envolva uma cadeia de
atividades interligadas.
Dependendo da situação, o segmento do turismo, por exemplo, pode ser
uma das inúmeras opções que se aproximam do paradigma de desenvolvimento
endógeno sustentado, na medida em que consegue conjugar vários elementos
importantes para o desenvolvimento local ou regional: (i) forças socioeconômicas,
institucionais e culturais locais; (ii) grande número de pequenas e de médias
empresas locais, ramificadas por diversos setores e subsetores; (iii) indústria lim-
pa; (vi) globalização da economia local por meio do fluxo de valores e de informa-
ções nacionais e estrangeiras, sem que essa globalização crie um efeito trade-off em
relação ao crescimento da economia local, pelo contrário. Por outro lado, esse tipo
de atividade tem outra vantagem: a de possibilitar a transformação de “fatores
dados” em “fatores dinâmicos”, diminuindo, em muito, os custos de criação e de
implantação que envolvem qualquer projeto novo de desenvolvimento.
Os projetos de desenvolvimento podem estar ligados a algum tipo de voca-
ção da região, como a existência de atividades típicas ou históricas, ou a alguma
atividade econômica criada pelo planejamento em virtude da vontade política
das lideranças locais ou regionais. Não há receita pronta para esse tipo de desen-

13
Uma edição especial da Revue d’Économie Régionale et Urbaine, no 3, sobre o tema “economias de
proximidades”. Na introdução, feita por Bellet, Colletis & Lung (1993), “proximidade organizacional” foi
definida como a tradução da separação econômica entre os agentes, os indivíduos e as diferentes
organizações e/ou instituições. Ela depende principalmente das representações em razão das quais os
agentes inscrevem suas práticas (estratégias, decisões, escolhas, etc.). E engloba as relações
interindividuais, sobretudo a dimensão coletiva, no interior das organizações ou entre as organizações.
A proximidade organizacional é, dessa maneira, múltipla, podendo ser apreendida no plano tecnológico,
industrial ou financeiro (tradução do autor).
A Endogeneização no Desenvolvimento Econômico Regional e Local 279

volvimento. Muitas vezes um “trivial acidente histórico” (Krugman) ou “peque-


nos acidentes” (Arthur), ambos explicados pela força da história, podem alavancar
o desenvolvimento de uma região. Para ilustrar esse tipo de acidente, Krugman
(1991a) conta uma pequena história muito significativa:
Em 1895, uma jovem garota chamada Catherine Evans, que vivia na pequena cidade
de Dalton, na Georgia, fez uma colcha como um presente de casamento. Era uma
colcha fora de uso na época, que tinha um aspecto entufado. Esse trabalho (de algodão
espesso e macio) tinha sido comum no século XVIII e no início do século XIX, mas tinha
caido em desuso nessa época. Como conseqüência direta desse presente de casamento,
Dalton emergiu, depois da Segunda Guerra Mundial, como o proeminente centro de
fabricação de tapetes dos Estados Unidos. Seis das vinte mais importantes fábricas de
tapetes nos EUA estão localizadas em Dalton; o restante está localizado na vizinhança.
A indústria de tapetes de Dalton, e a da vizinhança empregam 90 mil trabalhadores.14

Se, de um lado, a concentração geográfica de atividades econômicas, con-


correntes mas afins, é importante para construir um pólo econômico atrator;
de outro, essa concentração deve também ser suficientemente importante para
formar um sistema produtivo15 e transformar as empresas, as indústrias ou os
setores ali localizados, ou para ali atraídos, em estruturas competitivas nacio-
nal e internacionalmente. Queremos dizer com isso que não basta uma estra-
tégia de desenvolvimento local buscar a criação de fatores locacionais, e com
isso provocar uma aglomeração de empresas; é preciso mais, ou seja, é preciso
que se crie um sistema produtivo sustentável no tempo. Nesse caso muitas das
empresas desse sistema devem se colocar como líderes em seus setores, tanto
em nível nacional quanto internacional. A assimilação, por empresas locais,
das normas de consumo e de produção internacionais ao mesmo tempo em
que mantém a reprodução ampliada do sistema produtivo local provoca um
processo endógeno de contaminação dinâmica sobre inúmeros segmentos (con-
correntes, parceiros, fornecedores, etc.) do próprio espaço geográfico.
A questão da competitividade, pouco relevante, aliás, na teoria econômi-
ca regional tradicional, é hoje um ponto estratégico de máxima importância

14
Tradução do autor.
15
Pela definição de Morvan (1991), “O sistema produtivo é composto de unidades muito numerosas e muito
variáveis: grupos, empresas, estabelecimentos... As relações complexas, múltiplas e mutantis estabelecidas
entre elas − e com o ambiente, porque o ‘sistema é aberto’ − traduzem escolhas estratégicas importantes
e participam largamente na definição das performances econômicas desse sistema: é claro que pelo jogo
das relações diversas, estabelecido entre elas de maneira voluntária e involuntária, essas unidades criam
permanentemente estruturas que desempenham um papel principal na determinação da eficiência global;
e, simultaneamente, a capacidade com a qual elas participam para fazer evoluir permanentemente essas
estruturas constitui cada vez mais a condição do reforço da competitividade do sistema, até mesmo da sua
sobrevivência”. (tradução do autor).
280 planejamento e políticas públicas ppp | n. 23 | jun 2001

para a sustentabilidade do desenvolvimento endógeno. Ela deixou de perten-


cer apenas ao mundo das empresas para pertencer também ao mundo das
regiões. Na verdade, as teorias e as políticas de desenvolvimento regional reque-
rem, hoje, uma síntese [Perrin, 1986] que integre dois componentes: a organi-
zação econômica associada à organização setorial (principalmente o sistema in-
dustrial) e a organização territorial (principalmente o sistema regional).16
O ponto central do casamento entre economia espacial ou territorial e
economia industrial está exatamente na questão de os fatores componentes da
escala da produção de uma empresa não se encontrarem necessariamente na
própria empresa, mas sim fora dela, isto é, em outras empresas − cooperadas
ou subcontratadas −, em outras instituições e organizações, e no próprio am-
biente territorial. Pelo novo paradigma industrial, marcado pela descentralização
organizacional e produtiva, fica difícil imaginar que o manejo da escala de
produção e da divisão de trabalho de uma empresa continue sendo exclusivi-
dade dessa mesma empresa individualmente.
Mais do que nunca a dependência entre rendimentos crescentes das em-
presas e externalidades (intrafirma, interfirma e territoriais) fica ainda mais
reforçada. Como já afirmou Young (1928), é muito difícil, ou mesmo impos-
sível, contabilizar a influência dessas economias externas sobre a função de
produção e sobre a estrutura de custos de uma firma, mas diante da nova
paisagem industrial achamos que fica cada vez mais constrangedor não admi-
tir essa influência. Utilizadas como mero instrumento ad hoc na análise econô-
mica, as economias externas vêm se afirmando como uma vigorosa mão invisí-
vel, reconhecida tanto pelos heterodoxos quanto pelos ortodoxos.
O que diferencia umas regiões de outras é o fato de umas se conformarem
com os “fatores dados” e outras procurarem “processar fatores e atividades”
[Kaldor, 1970], e mesmo essas regiões não estão livres do declínio econômico
porque os rendimentos decrescentes estão “inexoravelmente ligados à natureza
das coisas” [Young, 1928] e, por essa razão, os atores e os protagonistas locais
devem procurar continuamente novos fatores e novas combinações para a pro-
dução [Schumpeter, 1982]. Nesse caso, é importante que governo local (nível
macro), instituições intermediárias (nível meso) e setor produtivo privado
(nível micro) passem a trabalhar juntos com o objetivo de criar e de recriar
fatores locacionais dinamicamente competitivos.

16
Uma excelente tentativa de fusão dessas duas grandes áreas está representada pelo livro Économie
Industrielle et Économie Spatiale, sob a direção de Rallet e Torre (1995).
A Endogeneização no Desenvolvimento Econômico Regional e Local 281

5 CONCLUSÃO
O aspecto interessante na evolução das pesquisas recentes sobre crescimento
em geral, e sobre desenvolvimento regional em particular é o fato de existir,
numa certa época, uma convergência de preocupações entre os teóricos novos
clássicos (Lucas, Romer, etc.), aqueles próximos da concorrência imperfeita
(Krugman, Arthur, etc.) e os evolucionistas-institucionalistas regionais (Schmitz,
Becattini, Brusco, Aydalot, Maillat, etc.). Por vias metodológicas diferentes to-
dos tentaram chegar ao mesmo objetivo, qual seja, o de endogeneizar as fontes
de crescimento e de desenvolvimento.
A teoria econômica regional experimentou, nesses últimos anos, profun-
da transformação, em virtude da reestruturação produtiva e espacial, assim
como da emergência de novos paradigmas teóricos que encontram nas fontes
internas da região (história, antecipações e ações dos agentes locais) as princi-
pais causas do desenvolvimento. Em relação a esses novos paradigmas ficou claro
que as matrizes teóricas estão, de um lado, no campo dos economistas adeptos à
concorrência imperfeita e, de outro lado, no campo dos economistas, dos sociólo-
gos e dos geógrafos regionais marshallianos e schumpterianos (evolucionistas e
institucionalistas) que primeiro estudaram os distritos industriais italianos.
Ao mesmo tempo, essas correntes ganharam importante reforço dos
novos clássicos, esses preocupados em incluir na função de produção
neoclássica novos fatores de produção, de forma que função explicasse com
mais realismo as flutuações e o crescimento. Embora não ter surgido especi-
ficamente no campo dos estudos sobre a região, e apesar de não ter sido
objeto de análise deste trabalho, a Teoria do Crescimento Endógeno contribuiu
enormemente para a legitimação da endogeneização no âmbito da Teoria do
Desenvolvimento Regional.
O aspecto interessante a observar é que, apesar das diferenças metodológicas,
há, entre essas correntes, uma convergência no que se refere à fonte de abasteci-
mento, a qual pode ser reconhecida nas economias externas e nos rendimentos
crescentes. A convergência não se limita apenas a esse aspecto; ela pode ser
encontrada também em outro, na importância que todos atribuem ao aspecto
da intertemporalidade no processo de crescimento ou de desenvolvimento, ou
seja, na dependência que um dado tempo tem em relação a outro. Com algumas
variações de enfoque todas as correntes são unânimes em atribuir peso impor-
tante à história, responsável pelas condições iniciais do desenvolvimento; as-
sim como ao futuro, fruto da construção de atitudes e de antecipações presen-
tes dos agentes.
O desenvolvimento regional endógeno não deve ser visto como um mo-
delo apriorístico nem como um sistema fechado em sua própria carapaça.
Por outro lado, qualquer definição a ser dada ao desenvolvimento da região
282 planejamento e políticas públicas ppp | n. 23 | jun 2001

deve vir, antes de tudo, de um certo consenso endógeno relativo à região.


Apesar de a literatura do desenvolvimento regional endógeno negligenciar a
relação do local ou da região com o todo nacional, é importante não esquecer
que essa relação está engajada em um jogo para o qual existem regras co-
muns, como a política macroeconômica e o sistema político-administrativo.
Nesse sentido, é saudável que se combine o desenvolvimento regional endógeno
com o comportamento do tipo cooperativo da região/indivíduo em relação ao
todo nacional, exatamente para evitar que o bem-estar, para algumas regiões,
signifique o mal-estar para outras regiões.

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