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Começando o papo
(Bem, se você é mais iniciante ainda do que eu, começe voltando atrás
lendo o beabá bakongo neste link) .
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Não se sabe tampouco de onde esta gente que desceu o continente veio
para os Camarões. Eu mesmo me arrisco a presumir que eles
podem ter vindo do nordeste do continente, num fluxo migratório
que espalhou pessoas das fraldas do Egito, da Núbia, até a costa
oeste da África mais remota, alguma civilização qualquer bem
avançada, assentada em saberes sobre os quais foram fundadas
todas as civilizações precedentes, da África propriamente dita e
suas proximidades até, bem mais tarde repercutirem na Europa,
esta Europa sempre envergonhada , sabe-se lá porque, deste seu
evidente – embora não único – passado africano.
E não sou eu que digo. Foi o Heródoto… O que? Não sabe quem é
Heródoto? Aí já é ignorância demais. Não vou dizer. Perguntem ao
Google.
O tema é muito novo para a maioria de nós. Por isto, esta abordagem
mais ampla ou genérica me pareceu, inicialmente mais
aconselhável. Sugiro então apenas algumas linhas básicas,
balisadoras do instigante debate que o tema pode sugerir.
Eu sei que é enfadonho insistir, mas entendam que a culpa é deste ‘nosso’
insidioso modo de ver tudo que não é fruto da cultura ocidental
como ‘primitivo’ e ‘exótico’, rasamente ‘místico’ ou religioso, um
pensamento arcaico, colonizado que, infelizmente predomina em
nossas ciências sociais. A ressaltar apenas, neste ensejo, portanto os
seguintes pontos:
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Por esses diversos registros fica evidente que desde os primeiros contatos
com os portugueses no final do século XV até os dias de hoje, é
básica para os Bacongo a divisão entre o mundo dos vivos e o mundo
dos mortos, os primeiros vivendo acima da linha do horizonte, os
últimos existindo abaixo da linha do horizonte, mundos estes
separados pela água, conforme as imagens mais recorrentes.
Acima da linha do horizonte estão os vivos, que são negros*; abaixo da
linha do horizonte estão os mortos, de cor branca, e uma
multiplicidade de espíritos da natureza que povoam a esfera invisível
do mundo.
A ligação entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, de onde vêm as
regras de conduta e o auxílio para a solução dos problemas terrenos,
como doenças, secas e o infortúnio de maneira geral, se dá por meio
de ritos nos quais se evocam os espíritos e antepassados para que
resolvam as questões que lhes são colocadas.
Segundo Fu-Kiau, o rito básico e mais simples a ser feito por todos aqueles
que querem se tornar mensageiros do mundo dos mortos e
condutores de seu povo ou clã é fazer um discurso sobre uma cruz
desenhada no chão. Com isso, são frisados os poderes de todo chefe
de fazer a conexão entre o mundo dos vivos e o dos ancestrais e
espíritos.
1 “Evangelização e poder na região do Congo e Angola: A incorporação dos crucifixos por alguns chefes centro- africanos,
séculos XVI e XVII”. Marina de Mello e Souza -Departamento de História /FFLCH/Universidade de São Paulo
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Para estes racistas sutis, a África genuína, altiva, seria a estranha África
‘sudanesa’, Nigéria, Ghana, Dahomey, uma África cravejada de
exotismo cultural, primitivismo e mistério em seus ritos ‘selvagens’,
passíveis das mistificações que, por fim, se achou por bem banhá-
la, redundando nas aberrações fake-antropológicas do cinemão de
Hollywood e na adoção no Brasil de uma religião negra
hegemônica calcada em crioulo-doidices bem constrangedoras,
ridículas mesmo, um melê de referencias distorcidas, inventadas,
do que seria a cultura negra ideal, reunidas neste Candomblé de
falsas aparências que eu, sem papas na língua, costumo chamar de
‘Axé-Babá’.
Quando voltarmos o papo vai poder ser bem mais ‘buraco em baixo’, se
bem me entendem.
Spírito Santo
Março 2011