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      O MINISTÉRIO PÚBLICO, por seu Promotor de Justiça que adiante subscreve, no uso de
suas atribuições constitucionais e legais, vem respeitosamente, perante Vossa Excelência, com
relação aos autos do Inquérito Policial n. (xxx) (IP n. (xxx) -DENARC), em que figura como
indiciado (XXX), expor e requerer o seguinte:

       Trata-se de Inquérito Policial, iniciado com o fito de apurar os fatos e circunstâncias que
circundaram a prisão em flagrante de (XXX), por porte ilegal de droga, no dia 03 de setembro
de 2007, por volta das 22h, na Rua (XXX), nesta capital.

       Segundo consta dos autos, no dia, hora e local citados, policiais militares faziam o
patrulhamento de rotina na região, quando notaram o denunciado em comportamento
suspeito, tendo-lhe procedido com uma revista pessoal. Dentro de suas vestes foi encontrado
um saco plástico, na cor verde, fechado com fita gomada tipo “durex”, e no seu interior 355g
(trezentos e cinqüenta e cinco gramas) da substância entorpecente cannabis sativa,
popularmente conhecida como “maconha” (Laudo de Constatação, à fls. 13). Como o indiciado
estava trazendo consigo droga, sem autorização legal ou regulamentar, incidindo, em tese, no
tipo previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, foi-lhe dada voz de prisão e
encaminhamento à Delegacia, para os devidos fins.

       Em seu interrogatório, o conduzido disse ser usuário da droga e que a havia adquirido,
naquele mesmo dia, com o seu salário, para consumo próprio. Revelou ter pagado R$300,00
(trezentos reais) por ela e que seu plano era de enterrá-la em sua própria casa, para ir
consumindo-a aos poucos, e que comprou em quantidade suficiente para este fim, em razão
de constrangimento que havia passado, decorrente de ação de um seu irmão, perante a sua
família, evitando, assim, aborrecimentos. Afirmou ter começado a se drogar depois de um
período depressivo, em que esteve internado na Casa de Saúde (XXX), e que toma
medicamento para essa perturbação mental, indicando o nome de um médico que o
acompanhara.

       Pedido de liberdade provisória, já apreciado, em que se sustentou a mesma versão, foi


instruído com Atestado Médico, no qual o Psiquiatra (XXX) relatou que, em quatro ocasiões,
nos últimos três anos, o indiciado esteve sob os seus cuidados, na forma ambulatorial, em
razão de quadro clínico de transtorno mental, secundário ou concomitante ao uso de drogas,
mas que este abandonara o seu tratamento. Igualmente, foram acostadas certidões criminais
negativas, CTPS anotada, certificado de registro de veículo e carteira nacional de habilitação,
em nome do autuado.

       Durante a instrução preliminar, foram buscadas informações no Setor de Inteligência da


Segurança Pública, especificamente no Disque-Denúncia, sem resultados. Procurou-se, junto
aos vizinhos do conduzido, informações sobre a eventual mercancia de drogas, o que, além da
afirmação em sentido negativo, foi dito que é pessoa bem quista, porém conhecido usuário de
entorpecentes. Do extrato do celular com ele apreendido, nada de interesse às investigações
foi encontrado. O Delegado que presidiu o Inquérito, à míngua de meios de prova indicativos
da prática do tráfico, indiciou (XXX) no art. 28, caput, da Lei n. 11.343/2006.
       Eis a síntese dos fatos.

       Passo a analisá-los à luz do Direito.

       Não há dúvidas de que (XXX) foi surpreendido na conduta típica de “trazer consigo” droga,
em desrespeito à legislação de regência. Mas o mencionado elemento normativo está
presente tanto no art. 28, quanto no art. 33, da Lei Antidrogas. A questão de direito é saber se
a substância entorpecente fora adquirida com a finalidade de consumo próprio (dolo
específico) ou não, o que levaria à incidência de uma ou outra previsão normativa, com as
respectivas conseqüências jurídicas. Nada há de subjetivismo nesta verificação, uma vez que a
própria lei enuncia dados objetivos que devem nortear a decisão. De fato, está disposto no art.
28, da Lei n. 11.343/2006:

“Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para
consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou
colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz
de causar dependência física ou psíquica.
§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza
e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a
ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do
agente. (Destaque nosso)

       Tais circunstâncias objetivas são fundamentais para a correta classificação da conduta,


tanto na esfera policial, quanto na ministerial e, por fim, na judicial. Neste sentido, adverte a
doutrina, igualmente, que nenhuma circunstância objetiva deve preponderar sobre as demais,
devendo todas ser apreciadas em conjunto, mediante a prova existente. Apenas para ilustrar:

“(...) Os aspectos subjetivos de uma conduta, porém, só podem ser aferidos por circunstâncias
objetivas, que o artigo enumera com a finalidade de orientação do juiz. Na verdade, o
dispositivo nada acrescenta, mas tem uma intenção que o justifica, qual seja, a de chamar a
atenção do magistrado para que aprecie todas as circunstâncias do crime e não apenas a
quantidade da droga apreendida, critério simplista e único considerado na vigência do art.
281 do Código Penal antes do Decreto-Lei 385. A quantidade da droga, não se nega, é fator
importante, mas não pode ser exclusivo, devendo, pois, o juiz apreciar as demais
circunstâncias que envolvem o delito, tais como o local e as condições em que se
desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, bem como a conduta e os
antecedentes do agente” (GRECO FILHO, Vicente e RASSI, João Daniel. Lei de Drogas Anotada
- Lei n. 11.343/2006. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 48 – destaque nosso)

       A quantidade de droga apreendida é significativa. Este fato, considerado isoladamente,


seria indicativo de traficância. Mas, como já exposto, não deve servir como único critério
determinante. Doutra sorte, e a contrário senso, muitos traficantes seriam beneficiados se
fracionassem substância entorpecente e as vendessem aos grãos. Nesta linha de raciocínio, os
seguintes julgados são bem exemplificativos:

“Ementa: APELAÇÃO - TRÁFICO DE ENTORPECENTES - DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PARA O


ARTIGO 16 DA LEI 6368/76 - MATERIALIDADE E AUTORIA PROVADAS - RÉ QUE ADMITE, DESDE
A FASE POLICIAL, SER APENAS USUÁRIA - TESTEMUNHA E LAUDO DE EXAME PERICIAL QUE
ATESTAM A CONDIÇÃO DE USUÁRIA DA APELANTE - A GRANDE QUANTIDADE DE TÓXICO
APREENDIDA ISOLADAMENTE NÃO BASTA PARA CARACTERIZAR O FIM DE TRÁFICO - RÉ QUE
TEM CONDIÇÕES ECONÔMICAS E FINANCEIRAS PROVADAS, SUFICIENTES PARA COMPRAR
MAIOR QUANTIDADE PARA O SEU PRÓPRIO CONSUMO - RECURSO DO M.P. DESPROVIDO”
(4ª. Câm. Crim. do TJRJ, ACrim. n. 2006.050.01237, Rel. Des. Roberto Rocha Ferreira, j.
18.04.2006) (Destaque nosso).

“Ementa: APELAÇÃO CRIME. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS.


DESCLASSIFICAÇÃO. ART. 16 DA LEI Nº 6.368/76. A condenação por tráfico ilícito de
entorpecentes, dada a gravidade da conduta, depende de prova robusta, a amparar o juízo
condenatório. A apreensão de significativa quantidade de droga e a forma de
acondicionamento, por si só, não afastam a hipótese de consumo, impondo-se a
desclassificação e condenação do acusado pela prática do crime descrito no art. 16 da Lei n.
6.368/76. (APELAÇÃO CRIME Nº 70009946021, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DANÚBIO EDON FRANCO, JULGADO EM 02/12/2004)” (3ª. Câm.
Crim. do TJRS, ACrim. n. 70009946021, Rel. Des. Danúbio Edon Franco, j. 02.12.2004)
(Destaque nosso).

       No caso em exame, não se percebe, reunindo-se os meios de prova produzidos, qualquer
indicador em outro sentido, senão o do consumo pessoal. O indiciado foi preso com a droga
toda embalada e sem divisões, encostadas ao próprio corpo, debaixo das vestes. Tem profissão
lícita, endereço fixo e, na sua comunidade é tido como usuário de substância entorpecente,
não traficante. Não há qualquer antecedente criminal, muito menos específico, a si vinculado.
A droga apreendida, ainda que impropriamente assim considerada (posto que causadora de
dependência, passo inicial para mais fortes e preâmbulo de delitos), é considerada de natureza
leve, dentre as demais. Para um dependente, é razoável presumir-se as frações diárias de
maconha que usaria. Salienta-se uma psicopatologia de que é portador, com tratamento
ambulatorial para a depressão. É verossímil, diante desse contexto probatório, a versão que
firmemente sustentou desde o início da persecução, com a sua prisão, ou seja, que, para se ver
livre de constrangimento familiar, adquirira a droga em quantidade considerável, para
consumir aos poucos, durante o mês. Aliás, as próprias investigações a abonaram.

       Diante de todo o exposto, entende este Promotor de Justiça que não há meios de prova
suficientes para indicar que a conduta de “trazer consigo” droga, praticada pelo autuado, se
amolde ao tipo previsto no art. 33, mas sim ao art. 28, da Lei n. 11.343/2006, de menor
potencial ofensivo e, por conseqüência, afeto à competência do Juizado Especial Criminal (xxx).
       Posto isto, requer o Ministério Público, seja redistribuído o feito a uma das unidades dos
Juizados Especiais Criminais de (XXX), com a respectiva expedição de alvará de soltura, em
favor do indiciado, salvo se por al deva permanecer preso.

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