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CRÔNICA DE
MARÇO
Desequilibrando a balança

Rogério Ferreira

Chamo-me Friedrich Wilhelm Nietzsche. Mas, chamam-me simplesmente Nietzsche.

Curtindo loucamente o meu pós-vida, quero dialogar com você buscando compreender os sentidos ocultos
nos 11 pratos centrais da balança.

Então, façamos a viagem:

Normal vem de norma, média, padrão, regra.

Nesta lógica, não é considerado normal quem se encontra fora da referida norma, média, padrão ou regra.
Simples assim. Paranóico assim.

Pois é! Ser humano normal é aquele que se encontra necessariamente em uma faixa central na qual se
enquadra a maior parte dos comportamentos verificados em um meio sociocultural. Se fôssemos
matematicamente rigorosos (eca!), então poderíamos imaginar outras possibilidades. Por exemplo: se
metade dos indivíduos se comportam nas proximidades de um extremo e a outra metade na vizinhança do
extremo oposto, então quem ousa andarilhar pela faixa central certamente é considerado anormal.

Estou fazendo você raciocinar lógica e matematicamente? Desculpe-me, não é o propósito. Deixemos isso
para trás, levando adiante apenas a ideia de que normal, no final das contas – no sentido popular – significa
estar longe dos pólos, comportar-se sem se deliciar com as extremidades, sem afastar-se dos padrões.

É assim que a normalidade é identificada pela maioria absoluta dos seres humanos, indivíduos que
dominaram e dominam os demais seres vivos do planeta – muitas vezes se alimentando deles.

Nisso tudo, acontece uma coisa paradoxalmente engraçada! Aqueles que mantêm grande distância da
pacata faixa central são extremamente fiéis aos padrões estabelecidos social e culturalmente – os
chamados conservadores ou caretas – ou, inversamente, são extremamente infiéis aos tais padrões – os
chamados revolucionários ou “malucos beleza”. Mas, por que engraçada? Por que, por um lado, os
parâmetros, chamados regras, não podem ser atendidos completamente, mas, por outro, não podem ser
avassaladoramente desrespeitados. Ou seja, ser normal é muito louco!

É incrível: uns pra lá, outros pra cá e a maioria – a massa – no meio. Se você não quer correr o risco de ser
preso por ser considerado um extremista revolucionário ou não quer ser identificado como um extremista
da imobilidade, então você deve ficar no meio. Quanto mais próximo do ponto médio melhor. Mas,
cuidado! Manter-se na corda bamba do centro é difícil, pois tanto um extremo quanto o outro direcionam
as suas ações para intervir no mencionado meio, buscando conquistar a confiança dos chamados normais,
aqueles que não entendem sequer minimamente a própria identidade.

2011 CRÔNICA DE MARÇO


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Quanto mais a corda é balançada, mais pontos são computados. Mas, quem a balança? Quem marca
pontos? Geralmente um anormal, com cara de bonzinho, infiltrado entre os normais. Na verdade, indivíduo
conhecedor das insensatezes provenientes da normalidade.

Está confuso? Vou a exemplos: Hitler, Colombo, Cabral, Mussolini, Cortagle, Ghandi, Cazuza, Paulo Freire,
Gormínio, Renato Russo. Nenhum deles se encontra na faixa normal, não é mesmo? Ou você acha que
estão? Todos já se foram do espaço-terra, assim como eu. Dentre eles, dois viveram antes de mim, dois
foram meus contemporâneos e os outros seis viveram depois dos meus últimos momentos, quando fui
considerado débil por abraçar-me a um cavalo no instante em que seu dono covardemente o espancava.

Os cinco primeiros, sacana e hipocritamente, fluem para a valorização do poder por meio do domínio e do
fortalecimento das suas certezas, das suas armas, fundadas em valores bem definidos, oriundos de sua
cultura, de sua história, de seus saberes locais. Os cinco últimos, admiravelmente, prezam pela liberdade,
pela transformação, pelo prazer da autonomia.

Note que, geralmente, os nomes que ficam grafados nas histórias são de pessoas que se distanciam do
centro. Faça o teste você mesmo! Pense nas referências mundiais ao longo dos tempos e logo irá perceber
que não se tratam de meros normais.

Cabe, então, a pergunta: ser normal é servir a quem?

Construamos um modelo: uma inovadora balança de pratos, aquela a que me remeti no início do texto. A
tradicional possui apenas dois pratos. A que aqui imaginariamente crio possui 111. Um no centro, 55 à
esquerda e 55 à direita. Neste instrumento fictício, a normalidade reside nos 11 pratos centrais: 5 à
esquerda, um no centro e 5 à direita. Fora destes, encontra-se a anormalidade! Onde estariam
posicionados os nossos exemplos? Nenhum deles ocuparia os 11 pratos centrais. Porém, os cinco primeiros
nomes certamente estariam à direita.

E você onde está? Valeria muito à pena perder algumas noites de sono para refletir sobre isso,
criticamente.

Passados 111 anos de minha morte, tenho cada vez mais desconfiado dos normais. Eles imobilizam a
cultura, as verdades, os modos de ser. Obviamente, tenho não só desconfiado dos pratos centrais, mas
lutado contra a perversão neles contida em meio a um respeito cego, submisso e acrítico às regras e
insensibilidades.

O último prato do lado direito da balança converge para a desgraça e descaracterização humana.

E o último da esquerda? Deixo para sua reflexão.

Acho que me encontro no prato 30 à esquerda de zero, no centro da anormalidade de uma das metades da
balança. Talvez seja esse o meu ponto otimal. Ou seria esta a morada do autor desta crônica? Não sei mais
quem sou eu e quem é ele. Afinal, ele aqui escreve sob o meu comando. Eu não tenho meios para escrever
e ele não tem força para comandar. Identidades cruzadas em um encontro merecedor do prato 55,
obviamente à esquerda do centro da balança.

Normalidade é maioria.

Avalie bem, muitíssimo bem, as maiorias. Identifique-as em detalhes. Se já não o faz, então passe a
desconfiar fortemente daquelas em que você se faz presente ou, caso contrário, elas simplesmente
engolirão você.

Nietzsche,
01 de março de 2011
2011 CRÔNICA DE MARÇO

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