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Malinowski, Bronislau. Os Argonautas do Pacífico Ocidental.

Coleção Os
Pensadores. São Paulo: Abril, 1976.

- Vida e obra – Eunice Durham.

- 1884-1942. Nasce em Cracóvia, na Polônia.

- Publicação de Os Argonautas se dá em 1922. Revolução na literatura


antropológica, não só sobre a Melanésia (p. VI).

- Só Morgan (1818-1881) e Lévi-Strauss (1908-2009) lograram tamanha


repercussão.

- Apresentação de uma nova maneira visão do homem e indicação de uma


nova maneira de compreender o comportamento humano.

- “Com os Argonautas, desfaz-se definitivamente a visão das sociedades tribais


como fósseis vivos do passado do homem, equivalentes humanos das peças
de museu, aglomerados de crenças e costumes irracionais e desconexos. Os
costumes e as crenças de um povo exótico adquirem agora plenitude de
significado e o comportamento nativo aparece como ação coerente e integrada.
A etnografia adquire a capacidade de reconstruir e transmitir uma experiência
de vida diversa da nossa, mas nem por isso menos rica, ou menos humana” (p.
VI).

[Aqui tem algo sobre uma visão de museus]

- Novas técnicas de investigação e novos métodos de interpretação, na


Introdução.

- “Singular mistura de objetividade científica e vivência pessoal, de humildade e


jactância” (p. VI).

- Vivacidade e penetração da análise etnográfica contrasta com seus trabalhos


teóricos, em que explica acerca do mpetodo funcionalista. Há contradições
insolúveis e generalizações apressadas (p. VI).

- As novas bases da antropologia.

- Formação em ciências exatas. Doutor em física.

- Doente, leu The Golden Bough, de Sir James Frazer.

- Contatos com Seligman, Haddon, Rivers, Frazer e Marett. Westermarck


prefacia The Family Among the Australian Aborigines, seu primeiro livro,
baseado em material bibliográfico.

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- Até o fim do século XIX, a maioria dos antropólogos era “de gabinete”. Sem
contato direto com os povos estudados. Trabalhos baseavam-se em materiais
históricos e arqueológicos sobre a civilizações clássicas e orientais e em
relatos de viajantes, missionários e funcionários dos governos coloniais (p. IX)

[Aqui vai também para pós-colonialismo]

- Havia exceções, na América sobretudo. Morgan – informantes iroqueses;


Cushing – viveu 5 anos entre os Zuni. Franz Boas (1858-1942) já havia
estabelecido o trabalho de campo nos EUA como tradição – desde 1883-1884
– pesquisa entre os esquimós. E depois índios da costa noroeste.

- 1899 – publicação de pesquisas de Spencer e Gillen entre aborígenes


australianos. Potencialidades do trabalho de campo e importância das
observações diretas para a resolução de problemas teóricos colocados pela
antropologia. Inspirou As formas elementares da vida religiosa, de Durkheim,
Totem e Tabu, de Freud; A família entre os aborígenes australianos, de
Malinowski, todos publicados em 1913.

- Haddon em 1888-1889 também realiza a Expedição Cambridge ao estreito de


Torres (entre a Austrália e a Nova Guiné). Seligman e Rivers participaram dela.

- 1901 – Rivers trabalhou mentre os Toda.

- 1904 – Seligman empreendeu um enorme survey de toda a Nova Guiné


Britânica e, nos anos seguintes, entre os Vedda do Ceilão e as tribos do Sudão
britânico, junto a sua esposa.

[relação com o colonialismo]

- Quando Malinowsli chegou à Inglaterra, esses pioneiros já estavam formando


a primeira geração de investigadores de campo e Radcliffe-Brown (1881-1954)
havia acabado de concluir sua pesquisa entre os Andamaneses, realizada
entre 1906 e 1908, embora só publicada em 1922).

[Porque??]

- O funcionalismo.

- “A nova geração de antropólogos britânicos, cujos expoentes são justamente


Radcliffe-Brown e Malinowski, promoveu a crítica radical aos postulados
evolucionistas e difusionistas que dominavam a antropologia clássica,
estabelecendo um novo método de investigação e interpretação que ficou
conhecido como “escola funcionalista”” (p. X).

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- O funcionalismo, na Antropologia, desenvolveu-se em 3 linhas: a dos
discípulos de Boas, nos EUA; a de Malinowsli e a de Radcliffe-Brown, na
Inglaterra.

- Está sempre estreitamente vinculado ao trabalho de campo. Mas não se


reduz a uma técnica de pesquisa. Mesmo em Malinowsli, etnógrafo por
excelência, a crítica à antropologia clássica e a formulação de novos problemas
teóricos precedem o trabalho de campo. Crítica das categorias de análise e dos
conceitos evolucionistas e difusionistas.

- Primeiros trabalhos de Malinowki e Radcliffe-Brown são muito influenciados


por Durkheim, que forneceu a ambos a formulaççao inicial dos conceitos de
função e de integração funcional.

- A crítica fundamental à antroplogia clássica diz respeito à arbitrariedade das


categorias utilizadas. “A comparação entre sociedades diversas é feita através
de um desmembramento inicial da realidade em itens culturais tomados como
elementos autônomos; com os fragmentos assim obtidos os autores procedem
a um rearranjo arbitrário, agrupando-os de acordo com categorias tomadas de
sua própria cultura e fabricando com isso instituições, complexos culturais e
estágios evolutivos que não encontram correspondência em qualquer
sociedade real” (p. X).

[Morgan e Tylor, por exemplo]

- Preocupação com a adequação das categorias à realidade estudada –


reconhecer e preservar a especificidade e particularidade de cada cultura.

- “Para os funcionalistas, os elementos culturais não podem ser manipulados e


compostos arbitrariamente porque fazem parte de sistemas definidos, próprios
de cada cultura e que cabe ao investigador descobrir. Essa noção se expressa
no postulado da integração funcional, que assume importância fundamental em
toda análise funcionalista. O conceito de função aparece como o elemento que
permite reconstruir, a partir de dados aparentemente caóticos que se oferecem
à observação de um pesquisador de outra cultura, os sistemas que ordenam e
dão sentido aos costumes nos quais se cristaliza o comportamento dos
homens” (p. X).

- Essas preocupações é que orientam Malinowski quanto parte para o campo.

- Oportunidade para o trabalho de campo surge em 1914. Bolsas graças aos


esforços de Seligman. Organiza uma expedição à Nova Guiné, região que já
havia sido estudada por Seligman.

- A observação participante.

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- Interessante: chega à Austrália no início da Primeira Guerra Mundial. Era
tecnicamente súdito austríaco – “cidadão inimigo”. Só volta à Inglaterra depois
de cessado o conflito. Em parte foi por isso seu longo trabalho de campo.

[buscar ref. I Guerra Mundial]

- Passa alguns meses entre os Mailu, habitantes da ilha de Tulon. Retorna à


Austrália em 1915 e sai novamente ao campo, dessa vez para os arquipélagos
que se estendem a nordeste do extremo oriental da Nova Guiné. Acaba
fixando-se nas ilhas Trobriand, onde permaneceu de junho de 1915 a maio de
1916 (p. XIII).

- Volta à Austrália, onde ordena por um ano e meio o material coletado. Publica
artigos – entre eles Baloma – e volta ao campo entre outubro de 1917 e
outubro de 1918.

- Esse intervalo entre duas estadias de campo acabou tornando-se uma das
premissas da pesquisa etnográfica tal como por ele prescrevida. Mas nem
sempre ele é possível.

- Pesquisas anteriores – inquéritos realizados com poucos informantes


bilíngües, ou questionários aplicados com auxílio de tradutores. Observação
direta do comportamento era necessariamente breve e superficial, realizada
durante visitas de curta duração às aldeias indígenas. É possível acumular
informações, testar sua veracidade com informantes distintos. Mas impossível
captar a riqueza de significados que permeia a vida social. A cultura aparece
como itens isolados. Além disso, as categorias dos inquéritos são alheias ao
universo cultural investigado, introduzindo pequenas ou grandes distorções no
material etnográfico (p. XIII).

- Malinowski passou a viver permanentemente na aldeia, aprendeu a lingua


nativa, afastou-se do convívio com outros “ocidentais”. Não dispensou o uso de
informantes, mas o substituiu em grande medida pela observação direta, que
só é possível pela convivência diária, pela capacidade de entender o que está
sendo dito e pela participação das conversas e acontecimentos da vida da
aldeia (p. XIII).

[Fica como uma espécie de ideal contingente, pano de fundo]

- O fundamento dessa técnica reside num processo de “aculturação” do


observador que consiste na assimilação das categorias inconscientes que
ordenam o universo cultural investigado. “Através desse processo, que é
análogo ao do aprendizado de uma língua estranha e, como este, também em
parte inconsciente, o observador apreende uma “totalidade integrada” de
significados que é anterior ao processo sistemático da coleta e ordenação das
informações etnográficas. Isto é, a apreensão inconsciente da totalidade
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precede e permite o procedimento analítico consciente da investigação da
realidade cultural” (p. XIV).

- “Se a observação participante recoloca para Malinowski o problema da


totalidad, ela obviamente não o resolve. A familiaridade com o nativo, a
capacidade de participar de seu universo constituem condições prévias para a
investigação, mas não eliminam o laborioso trabalho da coleta sistemática de
dados, nem a interpretação e integração da evidência empírica de modo a
recriar a totalidade vivida pelo nativo e apreendida pela intuição do
pesquisador”. Essa tarefa devia ser resolvida na elaboração das monografias
sobre os trobriandeses, tarefa a que Malinowski se dedicou durante o restante
de sua vida (p. XIV).

- A instituição.

- Escreveu os Argonautas em 1921, nas Ilhas Canárias, em Tenerife, para


onde foi depois de casado, por contab de seus problemas de saúde.

- Argonautas.

- Difere das monografias tradicionais. Não é uma descrição de toda a cultura


trobriandesa. Não é uma análise de um dos aspectos nos quais os
antropólogos decompõem a cultura: economia, parentesco e organização
social, religião, ritual e mitologia, cultura material. Consiste de todos esses
aspectos vistos da perspectiva de uma única instituição: o Kula. A escolha da
análise institucional constitui a solução encontrada pelo autor para reconstituir,
na descrição etnográfica, a integração e a coerência ou, em outras palavras, a
totalidade integrada que a técnica de investigação lhe havia permitido captar no
trabalho de campo (p. XVI).

- Para Malinowski, a cultura constitui uma totalidade integrada. Mas não é um


todo indiferenciado – apresenta núcleos de correlação e ordenação, que são as
instituições. Elas são limites, estabelecidos pela própria cultura. “O conceito de
instituição permite a Malinowski resolver o problema da adequação entre as
categorias da análise e a realidade empírica, estabelecendo um isolado teórico
que corresponde às unidades observadas na própria realidade e que dela
emergem” (p. XVI).

- Em seu ensaio Uma Teoria Científica da Cultura, publicado anos mais tarde, a
instituição é sempre uma unidade multidimensional, que compreende uma
constituição ou código, que consiste no sistema de valores em vista dos quais
os seres humanos se associam; isto é, corresponde à idéia de instituição tal
como é percebida pelos membros da própria sociedade. Compreende também
um grupo humano organizado, cujas atividades realizam a instituição. Essas
atividades se processam de acordo com normas e regras, que constituem mais

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um elemento dessa totalidade. Finalmente, compreende um equipamento
material que o grupo manipula no desempenho de suas atividades. Esses
diferentes elementos definem o que ele chama de “estrutura da instituição”.

[Estrutura]

- Multidimensionalidade do real, que reproduz em cada unidade de análise as


dimensões do processo cultural em sua totalidade. Processo cultural = vida
social, que envolve sempre, em qualquer de suas manifestações concretas,
seres humanos em relações sociais definidas, pessoas que manipulam
artefatos e se comunicam através da linguagem e de outras formas de
simbolismo.

- O equipamento material, a organização social e o simbolismo constituem 3


dimensões intimamente vinculadas e a realidade jamais pode ser
compreendida integralmente se não se apreender a simultaneidade de todas as
suas dimensões (p. XVI).

- Instituição não é soma dos aspectos de sua estrutura, mas sua síntese. A
integração das diferentes dimensões da cultura é a referência constante de
toda a investigação. Não se deve confundir a síntese construída pelo
antropólogo com a idéia que dela fazem seus portadores. Insiste na diferença
entre o código e as normas da instituição e as atividades efetivamente
desempenhadas pelos membros do grupo. É através da análise das atividades
e de seus resultados que o investigador encontra instrumentos para superar a
consciência restrita e deformada que os membros de uma sociedade possuem
de sua própria cultura (p. XVI).

- É nas atividades, no comportamento humano real, que reside o elemento


verdadeiramente sintético que fornece a chave para a apreensão da instituição
na totalidade de seus aspectos.

- Escolhe instituições, como o Kula, pois apresentam síntese cultural. E não


aspectos separados – sistema econômico, político, religioso etc (p. XVII).
Instituição é projeção parcial da totalidade da cultura, e não aspectos ou partes
dela. Instituição permeia a cultura, e vice-versa. Sua descrição busca mostrar
isso.

- “Muitos autores já apresentaram um aparente paradoxo: Malinowski, que


tanto se preocupou com a noção da totalidade da cultura, jamais apresentou
uma descrição integrada de todos os aspectos da cultura trobriandesa. É que o
estudo do todo não se confunde com o estudo de tudo e a totalidade só pode
ser apreendida concretamente através de realizações parciais, projetada no
comportamento dos homens” (p. XVII).

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[Essa era a pretensão dele ao analisar o Kula. A crítica pós-moderna e pós-
colonial, dentre outros aspectos, vai questionar essa noção de todo e a
ausência de conflito].

- Ataca difusionismo e evolucionismo, que era muito presente na antropologia


inglesa – ex,: Elliot Smith, Spinden, Goldenweiser.

- Viajou muito. Recebeu o grau de doutor honorário em Harvard, nos Estados


Unidos.

- Foi responsável pelo primeiro programa de treinamento em pesquisa de


campo do International African Institute e, na década de 30, vários de seus
discípulos fizeram trabalhos de campo na África Meridional e Oriental.

- Em Crime e Costume na Sociedade Primitiva, explora a noção da


reciprocidade como princípio de ordenação social (p. XVIII).

- De questões econômicas, passa a voltar a atenção para outras. E em 1929,


publica sua segunda grande monografia sobre os trobriandeses, A Vida Sexual
dos Selvagens.

- Sexo e cultura.

- Nos trabalhos referentes à vida sexual e à família entre os trobriandeses,


buscou retratar o funcionamento de uma sociedade matrilinear. Além disso,
numa época de puritanismo vitoriano, descreveu explicitamente a vida sexual.
Idéia de “liberdade sexual” – não praticavam castidade pré-nupcial, a fidelidade
conjugal. Negavam a “paternidade social” - sociedade matrilinear. Ignoravam a
paternidade fisiológica. Não estava preocupado com a estrutura do sistema de
parentesco, mas na ordenação das condutas nesse quadro institucional –
“como funcionava uma sociedade matrilinear” (p. XIX).

- A ordenação dos dados, contudo, não se dá em torno da família, mas do


“impulso sexual”, tomado como um aspecto universal do comportamento
humano, presente em todas as culturas. Dupla referência: impulsos biológicos
e sua regulamentação social. Atividade na qual se integram impulsos naturais e
imperativos sociais – ponto central, para ele, da reflexão sobre a própria
natureza da cultura. Mas essa integração só pode ser apreendida no nível
individual – localiza no indivíduo (por meio da noção de impulso sexual), e não
na sociedade, todos os processos significativos e todas as explicações
formuladas. Biologismo e psicologismo latentes, que estão presentes em toda a
sua obra. Apesar dessas limitações, abordagem permite emergir a visão do
nativo “em carne e osso” [que ele preconiza nos Argonautas como objetivo da
pesquisa antropológica]. “Focalizando quase que exclusivamente as atitudes e
a motivação do comportamento – isto é, o arranjo particular trobriandês de
aspectos “universais” do comportamento humano -, torna-se aparente, através
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da peculiaridade do costume, a qualidade humana da conduta. “Malinowski
demonstra que o comportamento do trobriandês não é nem irracional, nem
imoral, mas coerente e compreensível dentro das premissas da cultura
trobriandesa. Para demonstrar isso, é necessário apreender as premissas, mas
não é necessário analisa-las como um sistema. Por isso mesmo, nesses
trabalhos evidenciam-se claramente tanto a riqueza como as limitações desse
tipo de abordagem. De um lado, ela nos aproxima da vida real, mas, de outro,
abandona uma problemática de enorme relevância, muito mais presente nas
duas outras monografias, que consiste na análise das forças sociais que
explicam a emergência e a força das atitudes próprias das situações
investigadas: a natureza das relações entre os grupos e a oposição entre
segmentos sociais, estruturadas através do parentesco” (p. XX). As críticas,
inclusivem referem-se em boa parte à ausência de uma análise sistemática do
parentesco.

- O biologismo, também criticado, deve-se a sua concepção de cultura, que é


sempre referida à capacidade de satisfazer necessidades humanas. Idéia de
instrumentalidade da cultura. Relação entre as instituições e a satisfação de
necessidades humanas. Em Uma Teoria Científica da Cultura, postula uma
gama de tipos de necessidades. Necessidades básicas – nutrição, procriação
etc), só satisfeitas por meio da cultura; e secundárias, que tem a ver com a
transmissão da cultura, entendida como equipamento cultural. Mas tem
dificuldade em relacionar esses termos todos – necessidades derivadas às
básicas; instituições às necessidades. Caberia ao conceito de função superar
esta dificuldade. Define como a correspondência entre a instituição e as
necessidades que ela satisfaz. No Kula. No método de interpretação dos dados
empíricos, é a análise da função que permite a passagem da consciência dos
agentes para as conexões gerais, constituídas pelo observador e que definem
a natureza da instituição (p. XX).

- A partir da década de 1930, aparecem ensaios teóricos. Começa a ser


criticado por antropólogos mais jovens, inspirados no funcionalismo-estrutural
de Radcliffe-Brown. Seu prestígio, entretanto, não diminui (p. XXI). Seus
alunos, dentre eles Raymond Firth (We, the Tikopia), começam a publicar suas
próprias monografias sob sua orientação. Detalhe interessante: em 1938 surge,
com prefácio dele, o livro de Jomo Kenyata, Facing Mount Kenya, a primeira
monografia antropológica escrita por um membro da sociedade tribal.

[Para tópico pós-colonialismo]

- É a partir do trabalho de seus discípulos que ele começa a se interessar pela


questão da mudança cultural por conta da dinâmica colonial. Mais ainda depois
de sua visita à África. Publica uma série de artigos e conduz vários seminários
sobre esse tema.

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- A terceira grande monografia sobre Trobriand foi Coral Gardens, de 1935.
Formulações teóricas melhor expostas. Retoma a questão da economia
primitiva, voltando-se para a questão da pripriedade da terra e para o estudo do
trabalho agrícola nas ilhas. Busca resolver os problemas relativos à integração
da cultura. Também passa a se preocupar com a questão da estrutura social. E
aparece uma análise do sistema de parentesco.

- Tema: relação entre trabalho, magia, mitologia e propriedade da terra.


“Demonstra como as atividades relacionadas à produção, distribuição e
consumo do alimento – atividades que compreendem trabalho e magia, técnica
e crença, uso e significado, ação e representação – simultaneamente
expressam e produzem a própria sociedade” (p. XXII).

- Desaparece o psicologismo. A relação entre o social e o individual não é mais


direta e imediata. Os aspectos psicológicos aparecem como síntese, ao nível
do comportamento, dos aspectos culturais e sociais revelados pela análise
etnográfica.

[Isso é importante – mostrar como ele abandonou o psicologismo e passou a


pensar em estrutura social, parentesco etc]

- Propriedade da terra – questão da relação entre o processo produtivo e sua


regulamentação jurídica, política e mitológica.

- Publicações póstumas.

- Em 1938, vai para Tucson, EUA (questões de saúde). Com o início da Guerra
na Europa, prolonga a estadia. Passa a lecionar em Yale em 1939, até 1942.
Inicia novo trabalho de campo entre os Zapotec, no México. Em 1942, é
nomeado professor permanente, mas falece em maio, antes de tomar posse do
cargo.

- A guerra e a ascensão do totalitarismo o abalara. Apesar de haver se


naturalizado cidadão britânico, a situação da Polônia na Guerra o leva a fundar
um instituto polonês de artes nos EUA, empenhando-se em auxiliar os
refugiados poloneses.

- Publica alguns trabalhos sobre mudança cultural e teoria funcionalista.

- Depois de morto, sua esposa, auxiliada por discípulos e amigos, publica seus
manuscritos em Uma Teoria Científica da Cultura e outros ensaios, em 1944.
Em 1945, As dinâmicas da mudança cultural. Nesse trabalho, a análise da
transformação cultural assume a forma rígida de relações entre 3 culturas
distintas: a do colonizador, a tribal e a nova cultura que emerge da interação
entre as duas.

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- Obras póstumas guardam, apesar de sua ampla divulgação e aceitação, um
caráter de improvisação e estão cheias de generalizações apressadas e
contradições Muitas das críticas dirigidas a ele e à fragilidade de sua teoria da
cultura estão justamente baseadas neles, que prestam-se a críticas fáceis.

- Discutível também a publicação, em 1967, da tradução de seu diário íntimo,


redigido em polonês durante o trabalho de campo nas Ilhas Trobriand, e que
ele certamente jamais havia pensado e publicar. Pouco valor científico ou
literário, mostra sua preocupação com a saúde e suas crises de angústia, mal
humor e hostilidade para com os nativos, que acometem todo pesquisador de
campo na situação de “observação participante”, que ele preconizou. É nas
monografias etnográficas que se pode perceber o significado e importância de
sua obra para a antropologia moderna e as ciências humanas em geral.

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Argonautas do Pacífico Ocidental.

- Dedica a obra a Seligman.

- Prefácio de Sir James G. Frazer.

- “Um nativo entre os nativos” (p. 5). Análise do Kula – “extraordinário sistema
de trocas (econômico ou comercial apenas em parte) utilizado pelos ilhéus
entre si e com os habitantes das ilhas circunvizinhas” (p. 5).

- Fala do alicerce material – necessidade de alimento e proteção contra os


elementos naturais, base econômica e industrial, condição necessária à vida
humana. Fala em “superestrutura”.

- Não se limita a uma descrição do sistema de trocas – busca os motivos que o


fundamentam, e os sentimentos que provoca nos nativos (p. 6). Tema da
psicologia, mas que não pode ser relegado exclusivamente a ela.

- Fatos que, à primeira vista, tomaríamos como meramente econômicos; mas


ele busca mostrar como a circulação de riquezas entre os habitantes das Ilhas
Trobriand e das demais ilhas, embora acompanhadas por um comércio, não
constitui uma forma de transação estritamente comercial; não se fundamenta
num mero cálculo utilitário de lucros e perdas; mostra como a transação de
objetos úteis, que é parte integrante do Kula, ocupa na mente dos nativos uma
posição subordinada à troca de certos objetos, que é feita sem quaisquer
finalidades utilitárias. “Combinando transações comerciais, organização social,
mitos e rituais mágicos – o Kula, essa extraordinária instituição nativa que
chega a abranger enorme extensão geográfica, parece não ter paralelos nos
anais da antropologia” (p. 7).

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- Importância que a magia adquire nesta instituição. A realização de rituais de
magia e o uso de fórmulas mágicas são indispensáveis ao bom êxito no Kula
em todas as suas fases – desde a derrubada das árvores cujos troncos serão
utilizados na construção de canoas até o momento em que elas e as preciosa
carga iniciam a viagem de volta ao ponto inicial.

- Os rituais mágicos e os feitiços são também indispensáveis à horticultura e ao


bom êxito na pesca – principais meios de subsistência nativa. Figura do
“feiticeiro agrícola”, que por meio de fórmulas mágicas promove o crescimento
das plantas, figurando hierarquicamente logo abaixo do chefe e do feiticeiro, é
um exemplo. A magia é imprescindível em todas as atividades. A fé no poder
dela é uma das principais forças psicológicas que permitem a organização e
sistematização dfo esforço econômico nas ilhas.

- Importante porque contraria a idéia de que a magia, contrariamente à religião,


é por sua natureza essencialmente maléfica e anti-social; e que é sempre
utilizada por interesses egoístas e para prejudicar inimigos, sem levar em conta
a coletividade e seu bem-estar. Pode ser utilizada dessa forma, mas não
sempre. Mas em si não é nem maléfica e nem benéfica – é um poder
imaginário de controle sobre as forças da natureza. Interessante: sob esse
ponto de vista, está no mesmo plano das ciências, que também não são nem
boas nem más em si.

.......................

Prólogo de Malinowski.

- Escrito em 1921, em Tenerife, nas Ilhas Canárias.

- Fala do rápido desaparecimento do objeto de estudos da etnologia. E


demonstra tristeza que isso se dê justamente quando um pessoal treinado
surgiu (p. 11).

[É interessante que isso já estava presente em Tylor, que não era antropólogo
de gabinete, fez pesquisas de campo entre os iroqueses, apesar de ser
evolucionista]

- Traçar, em linhas claras e precisas, um quadro de instituições sociais vastas e


complexas; apresentar uma visão do nativo tal como ele é, com suas crenças e
práticas religiosas e mágicas; penetrar em sua mente de maneira profunda.

[Objetivos da etnologia, para ele. Crítica pós-moderna, pós-colonial relaciona-


se a isso...autoridade etnográfica]

- “Para que um trabalho etnográfico seja válido, é imperscindível que cubra a


totalidade de todos os aspectos - social, cultural e psicológico – da

11
comunidade; pois esses aspectos são de tal forma interdependentes que um
não pode ser estudado e entendido a não ser levando-se em consideração
todos os demais” (PP. 11-12).

[Princípios da análise funcional; relação com a etnografia]

- Região geográfica – arquipélagos situados no extremo leste da Nova Guiné.


Distrito das ilhas Trobriand, foi estudado minuciosamente. Durante dois anos,
no decorrer de 3 expedições à Nova Guiné, vivi naquele arquipélago e aprendi
bem sua língua. Fiz meu trabalho completamente sozinho, vivendo nas aldeias
a maior parte do tempo. Tinha constantemente ante meus olhos a vida
cotidiana dos nativos e, com isso, não me podiam passar despercebidas
quaisquer ocorrências, mesmo acidentais: falecimentos, brigas, disputas,
acontecimentos públicos e cerimoniais (p. 12).

[Autoridade etnográfica – trabalho de campo]

- Na verdade, a pesquisa durou seis anos – teve intervalos – ver o que Eunice
Durham fala na vida e obra [relação com a Guerra]. Totalizou dois anos de
campo em si, mas durou seis anos.

- Objetivos da etnografia: revelar algum progresso metodológico; superar os


limites de pesquisas anteriores, em amplitude, em profundidade, ou em ambas;
apresentar seus resultados de maneira precisa, mas não insípida (p. 12).

- Metodologia – Introdução, capítulo XVIII.

- Resultados de pesquisa – Capítulos IV-XXI – relato das expedições do Kula e


dos costumes e crenças a eles associados.

- Descrições, pesquisa etnográfica, definição da instituição – capítulos I, II e III.

- Idéia de que é uma parcela da pesquisa.

.......

- Introdução. Tema, método e objetivo desta pesquisa.

- I.

- Populações costeiras das ilhas do sul do Pacífico – hábeis navegadores e


comerciantes.

- Canoas grandes – expedições comerciais a lugares distantes, incursões de


guerra ou conquistas.

- Papua-melanésios da Nova Guiné – “navegadores destemidos, artesãos


laboriosos, comerciantes perspicazes” (p. 17).

12
[Sentimentos...]

- “Sistema bastante extenso e altamente complexo, que abrange, em suas


ramificações, não só as ilhas próximas ao extremo leste da Nova Guiné, mas
também as Lusíadas, a ilha de Woodlark, o arquipélago de Trobriand, e o
grupo d´Entrecasteaux; penetra no interior da Nova Guiné e exerce influência
indireta sobre vários distritos circunvizinhos, tais como a ilha de Rossel e
algumas porções dos litorais sul e norte da Nova Guiné. Esse sistema de
comércio, o Kula, é o que me proponho a descrever neste volume e como
veremos mais adiante, trata-se de um fenômeno econômico de considerável
importância teórica. Ele assume uma importância fundamental na vida tribal e
sua importância é plenamente reconhecida pelos nativos que vivem no seu
círculo, cujas idéias, ambições, desejos e vaidade estão intimamente
relacionadas ao Kula” (p. 17-18).

[Aqui tem: a questão metodológica da seleção da instituição a partir do


contexto; a questão da integração funcional; a questão da psicologia – “idéias,
ambições, desejos e vaidade”]

- II.

- Métodos utilizados na coleta do material etnográfico. Faz referência às


ciências físicas e químicas e na apresentação detalhada de resultados,
métodos utilizados, arranjos experimentais. Mesmo na geologia e na biologia.
“A etnografia, ciência em que o relato honesto de todos os dados é talvez ainda
mais necessário que em outras ciências, infelizmente nem sempre contou no
passado com um grau suficiente deste tipo de generosidade” (p. 18)
“Sinceridade metodológica”.

[Importante para situar as referências a ciências duras]

- Relato da experiências concretas que levaram às conclusões.

- Trabalho etnográfico só é científico se permite distinguir, de um lado, os


resultados da observação direta e das declarações e interpretações nativas; e
de outro, as inferências do autor, baseadas no bom senso e na intuição
psicológica.

- Não se pode falar das coisas como se as conhecesse por adivinhação.

- Etnografia não trabalha com documentos materiais, mas com o


comportamento e a memória de seres humanos (p. 18-19).

- “Na etnografia, é frequentemente imensa a distância entre a apresentação


final dos resultados da pesquisa e o material bruto das informações coletadas

13
pelo pesquisador através de suas próprias observações, das asserções dos
nativos, do caleidoscópio da vida tribal” (p. 19).

- III.

- “Imagine-se o leitor sozinho, rodeado apenas de seu equipamento, numa


praia tropical próxima a uma aldeia nativa, vendo a lancha ou o barco que o
trouxe afastar-se no mar e desaparecer de vista. Tendo encontrado um lugar
para morar no alojamento de algum homem branco – negociante ou
missionário – você nada tem a fazer a não ser iniciar imediatamente seu
trabalho etnográfico. Suponhamos, além disso, que você seja apenas um
principiante, sem nenhuma experiência, sem roteiro e sem ninguém que o
possa auxiliar – pois o homem branco está temporariamente ausente ou, então,
não se dispõe a perder tempo com você. Isso descreve exatamente minha
iniciação na pesquisa de campo, no litoral sul da Nova Guiné” (p. 19).

- Fala dos primeiros dias na aldeia. Do uso de inglês pidgin, do recenseamento


que fez da aldeia – anotação de genealogias, esboço de alguns desenhos,
relação de termos de parentesco. Para ele, “material morto”, que não levaria a
um entendimento da “verdadeira mentalidade e comportamento dos nativos”,
por meio de “boas interpretações” feitas por eles sobre esses itens para atingir
o “significado intrínseco da vida tribal” (p. 20).

[inspiração funcionalista, positivista]

- Os homens brancos (administradores, missionários, comerciantes) do distrito


não tinham esses interesses. Já tinham preconceitos e opiniões sedimentadas
sobre esses nativos, o que considera repulsivo naqueles que buscam uma
visão “objetiva e científica da realidade” (p. 20).

- “De fato, em minha primeira pesquisa etnográfica no litoral sul, foi somente
quando me vi só no distrito que pude começar a realizar algum progresso nos
meus estudos e, de qualquer forma, descobri onde estava o segredo da
pesquisa de campo eficaz. Qual é, então, essa magia do etnógrafo, com a qual
ele consegue evocar o verdadeiro espírito dos nativos, numa visão autêntica da
vida tribal?”. Resposta: “bom-senso” e “princípios científicos bem conhecidos”.

- “Os princípios metodológicos podem ser agrupados em três unidades: em


primeiro lugar, é lógico, o pesquisador deve possuir objetivos genuinamente
científicos e conhecer os valores e critérios da etnografia moderna. Em
segundo lugar, deve o pesquisador assegurar boas condições de trabalho, o
que significa, basicamente, viver mesmo entre os nativos, sem depender de
outros brancos. Finalmente, deve ele aplicar certos métodos especiais de
coleta, manipulação e registro da evidência. Diz que vai começar a falar sobre
o segundo, que é o mais elementar dos 3 (p. 20).

14
- III.

- Condições adequadas à pesquisa etnográfica.

- Primeiro de tudo – busca contato o mais íntimo possível com os nativos. Isso
só é possível acampando nas aldeias, mantendo uma base de residência com
um “homem branco” – suprimentos, em caso de doença [e as condições de
saúde ele explicam essa preocupação] ou no caso de estafa da vida nativa
[questão dos diários]. Mas não pode ser local de estadia permanente. Os
nativos não são os companheiros naturais do homem branco (p. 21).

- Ainda assim, é preciso desenvolver relacionamento natural com eles, direto,


sem intermediários, tradutores etc.

- Que significa estar em contato? Significa que a vida na aldeia, a princípio


estranha, por vezes desagradável mas interessantíssima, assuma aos poucos
o “caráter natural de plena harmonia com o ambiente que nos rodeia” (p. 21).

- Fixa-se em Omarakana (ilhas Trobriand). Passa a tomar parte na vida da


aldeia. Suas expectativas do dia a dia eram as mesmas dos nativos. “Brigas,
brincadeiras, cenas de família, incidentes geralmente triviais, às vezes
dramáticos, mas sempre significativos, formavam a atmosfera da minha vida
diária, tanto quanto a da deles. Com o passar do tempo, acostumadoa a ver-
me constantemente, dia após dia, os nativos deixaram de demonstrar
curiosidade ou alarma em relação à minha pessoa nem se sentiam tolhidos
com munha presença – deixei de representar um elemento perturbador na vida
tribal que devia estudar, alterando-a com minha aproximação, como sempre
acontece com um estranho em qualquer comunidade selvagem. Sabendo que
eu meteria o nariz em tudo, até mesmo nos assuntos em que um nativo bem
educado jamais ousaria intrometer-se, os nativos realmente acabaram por
aceitar-me como parte de sua vida, como um mal necessário, como um
aborrecimento mitigado por doações de tabaco” (p. 21-22).

[Questão do ser finalmente aceito, sem nunca ser um igual – Geertz; lembrei
de Avatar, o filme, que brinca com essa convenção antropológica; é possível
relativizar – trata-se apenas de contextos tribais?]

- Acontecimentos que ocorriam “à soleira de minha porta” (p. 22).

- Tive de aprender a comportar-me como eles e desenvolvi uma certa


percepção para aquilo que eles consideravam como “boas ou más maneiras”.

[Questão do aprender a comportar-se, com o corpo também]

15
- Entrar em contato com os nativos “constitui, sem dúvida alguma, um dos
requisitos preliminares essenciais à realização e ao bom êxito da pesquisa de
campo” (p. 22).

- V.

- Não é suficiente colocar as redes no lugar certo e esperar que a caça caia
nelas. Pesquisador tem de ser um “caçador ativo”. Isso exige o emprego de
métodos mais eficazes na procura de fatos etnográficos. [atentar para a palavra
fato; fato social – durhheim] É aqui que vai falar do princípio I – necessidade de
inspirar-se nos resultados científicos mais recentes. O que ele pensa disso:

- “Conhecer bem a teoria científica e estar a par de suas últimas descobertas


não significa estar sobrecarregado de idéias preconcebidas. Se um homem
parte numa expedição decidido a provar certas hipóteses e é incapaz de mudar
seus pontos de vista constantemente, abandonando-os sem hesitar ante a
pressão da evidência, sem dúvida seu trabalho será inútil. Mas, quanto maior
for o número de problemas que leve consigo para o trabalho de campo, quanto
mais esteja habituado a moldar suas teorias aos fatos e a decidir quão
relevantes eles são ás suas teorias, tanto mais estará bem equipado para o
seu trabalho de pesquisa. As idéias preconcebidas são perniciosas a qualquer
estudo científico; a capacidade de levantar problemas, no entanto, constitui
uma das maiores virtudes do cientista – esses problemas são revelados ao
observador através de seus estudos teóricos” (p. 22).

- Etnografia – resultados empíricos e descritivos da ciência do homem;


etnologia – teorias especulativas e comparativas.

- Tylor e Morgan reformularam concepções toscas dos viajantes. Ex.:


fetichismoe culto ao demônio – neles, torna-se “animismo”.

- Trabalhos de psicólogos alemães.

- Também Frazer e Durkheim.

- Separa trabalho teórico e etnográfico. Mesmo cronologicamente devem estar


separados. É possível ser apenas etnógrafo, utilizando o trabalho teórico de
outrem. Mas é possível ser também teórico, embora ambas as atividades
devam estar separadas cronologicamente.

- A etnologia trouxe leis e ordem àquilo que parecia caótico e anômalo. Mostra
que as sociedades nativas têm uma organização bem definida, são governadas
por leis, autoridade e ordem em suas relações públicas e particulares, e que
estão, além de tudo, sob o controle de laços extremamente complexos de raça
e parentesco. De fato, podemos constatar nas sociedades nativas a existência
de um entrelaçado de deveres, funções e privilégios intimamente associados a
16
uma organização tribal, comunitária e familiar bastante complexa. As suas
crenças e costumes são coerentes, seu conhecimento do mundo exterior
suficiente para suas atividades e empreendimentos, sua arte carregada de
sentido e beleza (p. 23).

[Idéia: mostrar coerência, unidade era importante porque era dessa forma que
as sociedades modernas ocidentais eram pensadas; esforço em mostrar isso.
Quando hoje se questiona essa unidade e coerência, se o faz em relação a
quaisquer sociedades]

- Importância da ciência e de métodos científicos para “comprovar” isso –


mapas, genealogiasmapas, planos e diagramas – “provar” a existência de uma
organização nativa.

[Ex.: sem fé; sem rei; sem lei – mesmo aqui na América do sul]

[Pode-se dizer que ele não abandona, portanto, um olhar externo à sociedade
trobriandesa – busca organização e coerência. Mas é diferente de buscar
selvageria e liberdade irrefreada, ou mesmo caos, anomalias e cultos
demoníacos]

- Objetivo fundamental da pesquisa etnográfica de campo: estabelecer o


contorno firme eclaro da constituição tribal e delinear as leis e os padrões de
todos os fenômenos culturais, isolando-os de fatos irrelevantes. É necessário,
em primeiro lugar, descobrir-se o esquema básico da vida tribal. “O etnógrafo
de campo deve analisar co seriedade e moderação todos os fenômenos que
caracterizam cada aspecto da cultura tribal sem privilegiar aqueles que lhe
causam admiração ou estranheza em detrimento dos fatos comuns e rotineiros.
Deve, ao mesmo tempo, perscrutar a cultura nativa na totalidade de seus
aspectos. A lei, a ordem e a coerência que prevalecem em cada um desses
aspectos são as mesmas que os unem e fazem deles um todo coerente” (p.
24).

[Idéia do todo coerente]

- O etnógrafo que se propõe a estudar a religião, a tecnologia, ou a


organização social estabelece um campo de pesquisa artificial (p. 24).

[Ver vida e obra; pode-se objetar à luz da antropologia pós-moderna]

- VI.

- Terceiro ponto: metodologia. Métodos.

- Leis e regularidades que regem a vida tribal, tudo que é permanente e fixo, a
anatomia da cultura, a constituição social que deve ser descrita – elementos

17
que, embora cristalizados e permanentes, não se encontram formulados em
lugar nenhum.

[Positivismo, funcionalismo – idéia de que as regrasnão são conscientes]

- Não estão também na mente do nativo – estes não as entendem – condições


materiais e tradição é que geram automaticamente as regularidades.

- Relativiza – diz que mesmo em instituições modernas isso se dá.

- Recurso – coletar dados concretos sobre todos os fatos observados para


poder formular inferências gerais (p. 24). A inferência é obtida por indução – a
partir de questionamentos sobre fatos concretos, acontecimentos concretos,
cujas explicações nativas recorrem às instituições. “Através da discussão, com
os nativos, de uma série de fatos realmente ocorridos, o etnógrafo tem a
oportunidade de conhecer bem o mecanismo social ativado, por exemplo, no
processo de punição de um crime” – o que leva à questão da autoridade tribal
(p. 25).

- A comparação de diversos dados assim obtidos e a tentativa de reuni-los num


todo coerente leva a lacunas, que levam a novas investigações (mas o objetivo
é reconstituir essa realidade) (p. 25).

- Ia escrevendo porções de seu trabalho e publicando, mesmo sabendo que


necessitariam ser revistas [foi o que fiz no doutorado, coloca como premissa
metodológica. Hoje, fazemos congressos para isso também, não?].

- No presente volume, faz uma descrição do Kula – “instituição nativa dotada


de uma enorme variedade de aspectos e associada a um sem-número de
atividades. Aos eu refletirem um pouco sobre o assunto, ficará claro que as
informações a respeito de um fenômeno tão complexo e de tantas ramificações
como o Kula não poderiam ser completas e exatas não fosse pela constante
inter-relação entre esforços construtivos e testes empíricos” (p. 25).

- Coleta do maior número possível de dados para formulação de um “esquema


mental”, que sempre que possível deve transformar-se num “esquema real” –
mapas, quadros sinóticos, diagramas. Fala de Rivers (genealogias de
parentesco) e Seligman (quadros sinóticos) [ver vida e obra]

- Recenseamento genealógico.

- Definição de genealogia: o quadro sinótico de um determinado grupo de


relações de parentesco interligadas (p. 26).

- É preciso distinguir entre as informações obtidas diretamente das obtidas


indiretamente, pois o relato etnográfico inclui ambas.

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- “Resumindo aqui a primeira e principal questão metodológica, posso dizer que
cada fenômeno deve ser estudado a partir do maior número possível de suas
manifestações concretas; cada um deve ser estudado através de um
levantamento exaustivo de exemplos detalhados. Quando possível, os
resultados obtidos através dessa análise devem ser dispostos na forma de um
quadro sinótico, o qual então será utilizado como instrumento de estudos e
apresentado como documento etnológico. Por meio de documentos como esse
e através do estudo de fatos concretos, é possível apresentar um esboço claro
e minucioso da estrutura da cultura nativa, em seu sentido mais lato, e da sua
constituição social. Esse método pode chamar-se método de documentação
estatística por evidência concreta” (p. 27).

VII.

- Surveys e levantamentos: “podem apresentar um excelente esqueleto a


constituição tribal, mas ao qual faltam carne e sangue. Aprendemos muito a
respeito da vida social nativa mas não conseguimos perceber ou imaginar a
realidade da vida humana, o fluxo regular dos acontecimentos cotidianos, as
ocasionais demonstrações de excitação em relação a uma festa, cerimônia ou
fato peculiar” (p. 27).

- regras e regularidades... (p. 27).

- Vivendo na aldeia e ovservando os acontecimentos muitas e muitas vezes, e


obtendo muitos exemplos de suas crenças, tais como vividas pelos nativos, “a
carne o o sangue da vida nativa real preenchem o esqueleto vazio das
construções abstratas” (p. 29).

- Fenômenos que não podem ser registrados apenas com o auxílio de


questionários ou documentos estatísticos, mas devem ser observados em sua
plena realidade. “A esses fenômenos podemos dar o nome de os
imponderáveis da vida real” [imponderável – que não pode ser avaliado,
impalpável – Houaiss] (p. 29).

- Mas nõ se trata de mero recolhimento de dados abstratos, mas


acompanhados de um esforço para atingir “a atitude mental que neles se
expressa” (p. 29-30). [Ressalta o tempo todo a importância desses
imponderáveis].

- Idéia é a de que vivemos as instituições sem grandes elaborações teóricas a


respeito delas. Elas nos são exteriores – Durkheim. Mas no nosso
comportamento completo pode-se inferi-las, assim como inferir os esquemas
mentais a partir dos quais elas constituem-se.

- Importância do lado íntimo das relações observadas. O “tom dos


comportamentos”. [carne e sangue].
19
- Ex. a questão da sobreviência dos traços culturais. Idéia de comportamentos
típicos – reações e emoções (p. 30).

- O método adequado para observar e registrar esses imponderáveis da vida


real e do comportamento típico. A subjetividade do observador interfere ainda
mais do que na coleta dos dados etnográficos cristalizados. O emprenho deve
ser o de deixar que os atos falem por si mesmos (p. 31). Anota-los, desde o
princípio, antes que se tornem familiares. Outros, para serem notados,
demandam familiaridade. O diário etnográfico deve ser feito sistematicamente.
Instrumento ideal. Anotar dois registros – os fatos normais e típicos e também
aqueles que representam desvios da norma, a fim de determinar os dois
extremos da “escala da normalidade” [mas a preocupação ainda é com a
normalidade].

- Registrar não só os acontecimentos, mas as atitudes.

- Recomenda-se também que de vez em quando se deixe de lado a máquina


fotográfica, lápis e caderno, e participe pessoalmente do que está
acontecendo. [observação participante]. “Mergulhos na vida nativa”.

- Ilustra nos capítulos que se seguem, todas essas observações


metodológicas.

- VIII.

- Além do esboço firme da constituição tribal e dos atos culturais cristalizados


que formam seu esqueleto; além dos dados relativos à vida cotidiana e ao
comportamento habitual que são sua carne e sangue, há ainda que registrar o
espírito da cultura nativa, para compor o seu quadro completo. São os 3
objetivos da pesquisa de campo.

- Espírito – pontos de vista, opiniões, palavras dos nativos.

- Rotina estabelecida pela tradição --------maneira como ela se desenvolve-------


----comentários a seu respeito, contido nas mentes.

- Em primeiro lugar – o objeto de nosso estudo são os modos estereotipados


de pensar e sentir. O ambiente social e cultural força-os a pensar e a sentir de
maneira específica.

- Resumo.

- Os objetivos da pesquisa de campo podem ser alcançados por meio de 3


caminhos.

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“1. A organização da tribo e a anatomia de sua cultura devem ser delineadas
de modo claro e preciso. O método de documentação concreta e estatística
fornece os meios com que podemos obtê-las”.

2. Este quadro precisa ser completado pelos fatos imponderáveis da vida real,
bem como pelos tipos de comportamento, coletados através de observações
detalhadas e minuciosas que só são possíveis através do contato íntimo com a
vida nativa e que devem ser registradas nalgum tipo de diário etnográfico.

3. O corpus inscriptionum – uma coleção de asserções, narrativas típicas,


palavras características, elementos folclóricos e fórmulas mágicas – deve ser
apresentado como documento da mentalidade nativa.

Essas três abordagens conduzem ao objetivo final da pesquisa, que o


etnógrafo jamais dewve perder de vista. Em breves palavras, esse objetivo é o
de apreender o ponto de vista dos nativos, seu relacionamento com a vida, sua
visão de seu mundo. É nossa tarefa estudar os homens e devemos, portanto,
estudar tudo aquilo que mais intimamente lhe diz respeito, ou seja, o domínio
que a vida exerce sobre ele. Cada cultura possui seus próprios valores; as
pessoas têm suas próprias ambições, seguem a seus próprios impulsos,
desejam diferentes formas de felicidade. Em cada cultura encontramos
instituições diferentes, nas quais o homem busca seu próprio interesse vital;
costumes diferentes através dos quais ele satisfaz às suas aspirações;
diferentes códigos de lei e moralidade que premiam suas virtudes ou punem
seus defeitos. Estudar as instituições, costumes e códigos, ou estudar o
comportamento e mentalidade do homem, sem atingir os desejos e
sentimentos subjetivos pelos quais ele vive, e sem o intuito de compreender o
que é, para ele, a essência da sua felicidade, é, em minha opinião, perder a
maior recompensa que se possa esperar do estudo do homem” (p. 33-34).

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