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Desafios da educação na contemporaneidade:

reflexões de um pesquisador* - Entrevista com Bernard


Charlot

Entrevista concedida a
Teresa Cristina Rego
Lucia Emilia Nuevo Barreto Bruno
Universidade de São Paulo

Em entrevista concedida à revista Educação e Pesquisa em julho


de 2009, o francês Bernard Charlot, radicado no Brasil desde o
início dos anos 2000, reflete sobre sua formação acadêmica, sua
trajetória intelectual e, principalmente, sobre alguns problemas
relevantes da educação atual (da escola básica e do ensino su-
perior). Conhecido por seus importantes estudos sobre a com-
preensão da relação que as pessoas mantêm com o saber,
Charlot demonstra neste texto seu grande compromisso com a
prática educativa e com a atividade de pesquisa. Nascido em
1944 em Paris, Charlot é graduado em Filosofia e doutor pela
Universidade de Paris 10. Sua experiência como docente é signi-
ficativa: foi professor da Universidade de Túnis, na Tunísia, e de
volta à França, da École Normale (Instituto de Formação de
Professores), em Le Mans, e da Universidade Paris 8. Nessa ins-
tituição, onde atuou por 16 anos, idealizou e fundou a ESCOL
(Educação, Socialização e Comunidades Locais), equipe de pes-
quisa de grande projeção internacional, voltada à investigação
das relações com os saberes (especialmente com o objetivo de
esclarecer de que forma os alunos de diferentes classes sociais
se apropriam deles) e de outros temas cruciais relacionados à
educação como violência na escola, territorialização das políti-
cas educacionais e globalização. No Brasil, Charlot já trabalhou
como professor-visitante na Universidade Federal de Mato Grosso.
Desde 2006, é professor visitante na Universidade Federal de
Sergipe. Atualmente é também professor afiliado da Universidade
do Porto (Portugal). É autor de uma série de livros, entre os
quais: A mistificação pedagógica: realidades sociais e processos
Correspondência: ideológicos na teoria da educação. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
Bernard Charlot
Núcleo de Pós-Graduação em Ensi-
1979; Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Trad.
no de Ciências e Matemática - UFSe Bruno Magne. Porto Alegre: Artmed, 2000; Os jovens e o saber:
Av. Marechal Rondon, s/n perspectivas mundiais. Trad. Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed,
49100-000 - São Cristóvão – SE
e - m a i l : 2001; Relação com o saber, formação dos professores e
bernard.charlot@terra.com.br globalização : questões para a educação hoje. Porto Alegre:
Artmed, 2005; e Jovens de Sergipe: como são eles, como vivem,
*Editada por Ana Paula Carneiro o que pensam. Aracaju: Governo de Sergipe, 2006.
Renesto.

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Challenges of education in contemporaneity:
thoughts of a researcher* - An interview with Bernard
Charlot

Conducted by
Teresa Cristina Rego
Lucia Emilia Nuevo Barreto Bruno
Faculdade de Educação - USP

During an interview given to Educação e Pesquisa magazine in July


2009, Bernard Charlot, a French intellectual who has lived in Brazil
since the early 2000s, reflects on his academic background, his
intellectual itinerary and especially on some current education
problems (from elementary school to higher education). Known for
his important studies on the relationship people have with
knowledge, Charlot shows in this text his great commitment to
teaching practice and to research. Born in 1944 in Paris, Charlot
graduated in philosophy and holds a Ph. D. in philosophy from the
University of Paris 10. He has large teaching experience: he was a
professor at the University of Tunis, in Tunisia and, back in France,
at Ecole Normale (an institute that licenses teachers), in Le Mans,
and at the University of Paris 8. In this institution, where he worked
for 16 years, he conceived and founded ESCOL (Education,
Socialization and Local Communities), a research team known
worldwide, which focuses on investigating the relationships with
school disciplines (especially aiming at clarifying how students from
different social classes gain knowledge) and other crucial themes
related to education, such as violence at school, territorialization of
education policies, and globalization. In Brazil, Charlot worked as
visiting professor at the Federal University of Mato Grosso and
since 2006, as a visiting professor at the Federal University of
Sergipe. He is currently working as an adjunct professor at the
University of Oporto (Portugal). He has written several books,
including A mistificação pedagógica: realidades sociais e processos
Contact: ideológicos na teoria da educação. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
Bernard Charlot 1979; Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Trad.
Núcleo de Pós-Graduação em Ensino
de Ciências e Matemática - UFSe
Bruno Magne. Porto Alegre: Artmed, 2000; Os jovens e o saber:
Av. Marechal Rondon, s/n perspectivas mundiais. Trad. Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed,
49100-000 - São Cristóvão – SE 2001; Relação com o saber, formação dos professores e
e-mail: bernard.charlot@terra.com.br
globalização: questões para a educação hoje. Porto Alegre: Artmed,
2005; and Jovens de Sergipe. Como são eles, como vivem, o que
pensam. Aracaju: Governo de Sergipe, 2006.

* Edited and translated by por Ana


Paula Carneiro Renesto.

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Conte-nos um pouco de sua história de série, porque já tinha sido alfabetizado pela
vida, sua infância e suas origens minha mãe. Não sei se isso foi bom porque
familiares. sempre fui o menor da turma, o que não foi
Nasci em 15 de setembro de 1944, que fácil. Ainda havia classificação e prêmios. Fui
era o dia do início do ano letivo na França, o que sempre o primeiro ou o segundo da turma,
já é simbólico. Meus pais tiveram três filhos e mas não era um típico CDF, porque sempre tive
uma filha. Sou o segundo filho. Nós morávamos amigos entre os últimos da turma. Era bom
em Paris, cidade em que meus pais nasceram. aluno, mas era perdoado pelos amigos. Eu vi-
O meu pai nunca terminou o ensino via os dois mundos. Fui um aluno um pouco
primário. Foi operário em vários setores: pin- complicado para os professores: muitas vezes
tura de prédios, asfalto das ruas etc. Foi pri- o melhor da turma, mas participante de um
sioneiro na Alemanha e fugiu depois de dois grupo que gostava de rir e, às vezes, resistia à
anos. Depois da guerra, entrou na polícia por- escola. Mais tarde, isso me ajudou a entender
que ela dava prioridade de emprego aos prisi- coisas nesses dois mundos.
oneiros que haviam escapado. Fiz estudos num colégio que era mais
Sociologicamente sou dessa família que técnico-comercial, com ensino moderno, sem
passa da camada operária para a da pequena latim nem grego. Eu gostava muito de francês
classe média, com uma mãe que foi boa aluna e história, mas também de matemática. E
e que acabou levando todos os filhos para cima. quando cheguei ao penúltimo ano do ensino
Por ser boa aluna, ela terminou a escola cedo, médio, por meio da literatura, tive vontade de
com doze anos, e ao invés de ir trabalhar numa passar para a filosofia. Teria de mudar de co-
fábrica, entrou num escritório. Não foi fácil para légio, porque não tinha filosofia no meu. A
ela na época da guerra com um filho que aca- minha mãe, que sempre teve sonhos ambicio-
bara de nascer. Ela teve de cuidar dos filhos e sos, foi ver o diretor do Liceu Henri IV, uma
continuar a trabalhar. Foi uma vida difícil. das duas melhores escolas de Paris, sempre pú-
A minha mãe teve um papel preponde- blicas. O diretor era professor de matemática e,
rante na minha formação. A alta expectativa como eu tinha boas notas, ele me permitiu
depositada no projeto escolar era mais dirigida entrar. Nessa nova escola, no último ano do
a mim porque eu era considerado “o intelectu- ensino médio, no Concours Général, que era
al da família”. No entanto, o meu irmão mais uma prova para os melhores alunos de toda a
velho entrou no comércio e agora ele é que é França, ganhei o prêmio de história.
rico. O terceiro filho se tornou fisioterapeuta. E Eu queria ser jornalista político. Podia
a minha irmã, embora não tenha prosseguido entrar no Instituto de Ciências Políticas sem
seus estudos nem ficado rica, tem uma vida concurso, graças aos meus bons resultados no
boa. baccalauréat, exame final do ensino médio.
Mas não ia receber dinheiro para fazer os es-
Quais são suas memórias de escola: tudos e precisava de recursos, porque me ca-
quando entrou na escola, qual o perfil sei pela primeira vez quando nem bem tinha
das escolas cursadas e o estilo 19 anos. Nessa época, no mundo popular, ca-
pedagógico a que esteve submetido? sava-se cedo. Tinha uma vida popular e, ao
Fui um pouco à escola maternal, mas mesmo tempo, os estudos. Passei num concur-
não sei com quantos anos. Tenho poucas lem- so e ganhei uma bolsa para estudar literatura
branças, acho que não gostei muito. Depois fui na Sorbonne e tornar-me professor de francês.
para uma escola num distrito popular do les- Com essa bolsa, eu poderia sobreviver dois
te de Paris. Entrei na primeira série e, depois anos. Mas não queria ser professor de francês.
de duas semanas, colocaram-me na segunda Decidi me preparar para o concurso da École

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Normale Supérieure, aquela em que se podia ais. Eu lia os livros clássicos – Freinet,
entrar sem latim nem grego. Queria ser profes- Claparède, Dewey, Montessori, Makarenko etc.
sor de história. No último ano do ensino mé- – à noite e no fim de semana. Eles traziam
dio, minha mãe foi ver o professor que orien- casos da escola, do tipo: “Enviei um aluno para
tava a turma e perguntou-lhe o que eu deve- procurar giz no escritório do diretor. Ele en-
ria fazer para ser professor de história. Ele era trou, nem conseguiu falar e recebeu uma bo-
professor de filosofia e eu era o melhor aluno fetada de imediato. O que podemos fazer?”
de filosofia da turma. Ele recomendou que eu Então, trabalhávamos assim entre os li-
me tornasse professor de filosofia e não de vros e a realidade. Nessa época, já constatava o
história. Nos estudos de filosofia, tinha provas fosso enorme existente entre ambos. Ao invés
de latim e grego, mas ele disse: “é só apren- de ficar apenas dois anos na Tunísia, fiquei qua-
der”. Foi assim que aprendi, na École Normale tro. Assim fiz a minha “licenciatura” em peda-
Supérieur, o latim com 20 anos e o grego com gogia. Fiz um esforço para me adaptar ao país.
21, que passei no concurso da Agregação e me Lá, nasceu meu primeiro filho, cujo segundo
qualifiquei como professor de filosofia, um nome é Karim, um nome árabe. Estudei seis
pouco por acaso. Mas, antes de começar a horas de árabe por semana durante um ano.
ensinar, devia prestar o serviço militar. Saber ler árabe também foi útil depois na Uni-
versidade de Paris 8, onde estudavam muitos
E seus itinerários como intelectual e imigrantes.
militante? Na graduação, você cursou Quando voltei da Tunísia, trabalhei numa
filosofia e suas primeiras pesquisas são École Normale por 14 anos. Lá constatei o
relacionadas à epistemologia das mesmo problema que já havia percebido na
ciências. Você começou a se interessar Tunísia: a diferença entre a realidade e a teo-
pelos temas voltados à educação aos 25 ria era enorme. Comecei a escrever A Mistifica-
anos, graças a um trabalho de formação ção Pedagógica, não para dizer que a pedago-
docente que você desenvolveu na gia é uma mistificação, mas para dizer que exis-
Tunísia. É isso mesmo? te um discurso pedagógico – seja o tradicional,
Depois dos estudos, em vez de ir para o seja o chamado construtivista – que é uma mis-
quartel, fiz a cooperação cultural na Universi- tificação porque não fala da situação real.
dade de Túnis. Nomearam-me para o Departa- Com um pouco mais de 30 anos, para-
mento de Ciências da Educação, embora eu lelamente ao trabalho como professor, atuei
nunca tivesse estudado pedagogia. Como to- numa revista semanal muito à esquerda como
dos os filósofos, eu tinha bastante desprezo jornalista voluntário, especializado em educa-
pela pedagogia. Tive que ensinar filosofia da ção. Na ocasião, recebi a proposta de ser con-
educação, psicologia e coisas assim sem saber tratado como jornalista profissional – o tra-
nada de educação. Comecei falando do Platão balho com que sonhara quando adolescente.
e, depois de algumas semanas de Platão, um Mas decidi ser pesquisador por duas razões.
estudante me questionou sobre esse conteúdo. Eu já tinha três filhos, e funcionário público
Muitos dos alunos tinham 30 anos e eu era uma profissão mais segura do que jorna-
era um dos mais novos da turma. Era 1969, lista. Além disso, como jornalista, fazia per-
estava com 25, 26 anos. Expliquei o que eu guntas para as quais, como pesquisador, eu
sabia fazer: analisar conceitos. Eles conheciam tinha respostas. E percebi que preferia ser en-
a realidade da escola na Tunísia, e eu, a da trevistado a ser entrevistador.
escola francesa por ter sido aluno. Decidimos Entrei na Universidade Paris 8 depois,
estudar juntos, com uma parte de teoria e porque estava pesquisando, entre outras coisas,
outra parte de trabalho ligado a situações re- as políticas educacionais e adivinhei que o

148 Teresa REGO e Lucia BRUNO. Entrevista com Bernard Charlot: Desafios da educação...
tempo das Escolas Normais estava para termi- teria sucesso e que depois esqueceria as mi-
nar. Em 1985, defendi na França uma tese nhas origens. Isso foi um desafio para mim.
sobre obras já publicadas: três livros e 42 ar- Em 1968, terminei o concurso da Agre-
tigos, mais de mil páginas. Pretendia defender gação e fui dormir, porque o concurso era
uma tese de doutorado normal, mas Gilles muito difícil. No dia seguinte, ouvi no rádio
Ferry, meu “orientador”, me propôs uma Thèse que tinha começado a Revolução. Participei
d’État (que seria, no Brasil, um conjunto: dou- dos eventos, claro. Nunca ergui barricadas
torado mais livre-docência). Tive que redigir porque não é o meu estilo, mas participei de
em 15 dias, em pleno início do ano letivo, uma reuniões, ocupei a Sorbonne, distribuí panfle-
nota de pesquisa sobre tudo o que havia es- tos na porta de usinas etc.
crito. Eu escrevia à noite e a minha esposa Fui o tipo de estudante popular que
levava para alguém digitar. Nem tive tempo de pertence à esquerda quase por origem, mas
reler. Era tão ingênuo que fiz 59 páginas em nunca entrei em partido político, porque rapi-
espaço simples, quando geralmente se faz com damente entendi que, em partido político, não
espaço maior para parecer mais sério e profun- se tem liberdade para pensar. Ia ser expulso.
do! Depois, com essa tese, entrei direto como Quando tive de deixar a Tunísia, não
professor titular em Paris 8, no primeiro pedi- tinha contatos universitários, não pertencia a
do, em 1987. Isso foi importante porque não nenhuma panela universitária. Pedi uma vaga
tive que sofrer, esperar e passar a mão nas para uma universidade da África negra e obti-
costas dos “grandes professores”. Assim, estan- ve uma no Togo. Só que ela sumiu de repen-
do no topo da hierarquia, pude viver fora da te das listas oficiais. Fui sindicalista na Tunísia,
hierarquia e manter a minha liberdade de pen- do Sindicato do Ensino Superior, e uma vez
samento. ocupamos a embaixada da França lá. A Fran-
O poder nunca me seduziu. Já tive po- ça obviamente não queria enviar para África
der. Em Paris 8, dirigi a graduação e a pós-gra- um professor universitário desses!
duação. Pediram duas vezes para me candidatar Voltei para a França, para uma École
a reitor, mas não quis. Fui presidente da Asso- Normale. Lá, fiz sindicalismo de minoria para
ciação dos Pesquisadores da Educação, o equi- mudar todas as práticas, inclusive as sindicais.
valente à ANPED no Brasil, por seis anos, du- Eu tinha esse tipo de militância, sempre des-
rante dois mandatos. Mas nunca aceitei entrar confiando dos partidos.
no Conselho Universitário Nacional, que avalia Mais tarde, já na Universidade de Paris
os colegas para as carreiras. Não gosto de exer- 8, fui vereador da cidade de Saint-Denis, na
cer o poder, porque poder é responsabilidade e, periferia de Paris. Saint-Denis é uma das cida-
além disso, sinto-me um pouco ridículo. des mais populares da França, com um passa-
do operário e que tem fama de violenta. Por
Muito provavelmente, seu interesse pela sinal, foi lá que fiz a maioria das minhas pes-
educação também tinha relação com o quisas sobre a relação com o saber. Na Fran-
período político vivido na França naquele ça, o vereador tem uma atividade sociopolítica
momento histórico. Você começou a dar não remunerada e é eleito numa lista com um
aulas um ano depois de maio de 1968. programa. Apresentei-me numa lista com um
Que tipo de jovem você foi? Era engajado prefeito comunista, com socialistas, ecologis-
politicamente? tas e pessoas sem partido, como eu.
Sempre fui de esquerda, inclusive por- No Brasil, sou um dos fundadores do
que os meus pais eram de esquerda, embora Fórum Mundial de Educação de Porto Alegre
nunca tenham se filiado a um partido políti- e ainda faço parte do Comitê Internacional,
co. Sempre ouvi na minha juventude que eu embora agora participe pouco, porque ele foi

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. especial, p. 147-161, 2010 149


institucionalizado.
Acho que sou intelectual no sentido Num de seus artigos, você afirma preferir
francês: pesquisador que participa dos debates a ‘crise’ de uma escola democratizada à
sociais, dos movimentos sociais, sem ficar preso paz de uma escola elitista. Considerando o
num partido político. que você acaba de dizer e tendo em vista
Seu primeiro livro lançado no Brasil (A as diversas dificuldades e os múltiplos
mistificação pedagógica, Ed. Zahar, problemas enfrentados hoje pela escola, o
esgotado) teve grande repercussão nos que você sugere para os educadores e
anos 80. Naquele trabalho, você aponta pesquisadores quanto à forma de
a significativa defasagem entre o enfrentá-los?
discurso teórico pedagógico e a prática, Decerto, não podemos dar receitas, isto
a realidade social. Qual é a saída para é, modos de fazer que sempre funcionam,
superar esse distanciamento? qualquer que seja o contexto. Mas podemos e
Falemos do Brasil. O professor tem prá- devemos oferecer técnicas de trabalho. Senão,
ticas basicamente tradicionais porque a esco- explicamos uma pedagogia ideal para o profes-
la é feita para ter práticas tradicionais: tempo sor “normal”, que tem alunos “normais”, em
e espaço fragmentados, formas de distribuir os condições de trabalho que muitas vezes nem
alunos de acordo com a sua idade e, sobretu- são normais e culpamos o professor, o que o
do, avaliação individual que gera uma hierar- leva a pensar que é incapaz, que não sabe
quia. Só que o professor brasileiro tem uma como enfrentar suas dificuldades.
especificidade: ele sabe que deve dizer que é Devemos trabalhar com os professores
construtivista para não ter problemas. “normais” e, desse ponto de vista, desconfio
O professor universitário, sem levar em dos discursos sobre a escola ideal. Há exemplos
conta as condições em que os professores do de escolas, como a Escola da Ponte, de Portu-
ensino básico trabalham, explica que eles de- gal, que impressionam muito. Claro que essa
vem ser construtivistas. E quando estes per- escola é muito interessante, fora da norma,
guntam como fazer, o professor universitário mas esse é o problema: ela está fora da nor-
brasileiro faz como o seu colega francês: ele ma. Entre os professores muito emocionados
diz que não vai dar receitas. Ele não dá recei- por esse exemplo, quantos por cento querem
tas porque ele não as tem. Se as tivesse, da- entrar numa aventura dessas? E qual a função
ria. Se soubesse como fazer, diria. Acho que real desses exemplos heróicos? Ao dá-los, di-
temos que sair desse impasse. Muitas escolas zemos aos professores que se pode mudar a
brasileiras estão em situação material que é do escola brasileira agora. É verdade, mas, para
século XIX. Falar para o professor de tanto, tem que ter heróis. No Brasil, há cerca
construtivismo é completamente fora da rea- de 1.800.000 professores. Não são 1.800.000
lidade. Sabemos que, em muitas escolas, a di- heróis. São trabalhadores que querem fazer um
ficuldade principal é com o professor que não bom trabalho e não podemos exigir que sejam
vai dar aula. Na Amazônia, por exemplo, há todos santos, militantes, heróis. No Brasil, nós
todo o problema da chuva, alunos que andam – digo nós porque vivo aqui agora e compar-
duas horas até a escola e não tem professor. tilho suas preocupações e alegrias – devemos
Não estou criticando ninguém, sei que é difí- trabalhar mais com a realidade da escola bra-
cil, mais difícil aqui do que na França, mas sileira e não com o que deve ser uma escola
essa é a realidade. Se quisermos mudar a es- ideal.
cola brasileira, teremos que trabalhar a realida- Esse distanciamento entre as questões
de. Ela tem que ser tomada como ponto de teóricas e aquilo que a realidade suscita é um
partida. problema quase crônico na educação – e não

150 Teresa REGO e Lucia BRUNO. Entrevista com Bernard Charlot: Desafios da educação...
só no Brasil. Mas a especificidade deste país é palavras: qual a relação dos alunos com a es-
que ele deve resolver todos os problemas ao cola e com o saber?
mesmo tempo e em pouco tempo. A França e Essa abordagem, essa forma de questio-
outros países da Europa tiveram um século nar, implica uma ruptura com muitos
para a constituição da escola primária e tive- questionamentos anteriores e isso é o que impor-
ram 20 anos para construir a segunda parte do ta, antes de tudo. Mas é preciso ter cuidado:
ensino fundamental. No Brasil, temos que relação com o saber não é uma resposta, é uma
fazer tudo ao mesmo tempo: terminar o ensi- forma de perguntar. Na França, já ouvi profes-
no fundamental, que foi estatisticamente re- sores dizendo: ele fracassa porque não tem re-
solvido, mas que sabemos que ainda tem pro- lação com o saber. É um erro: cada um tem uma
blemas; temos que resolver o problema do relação com o saber, inclusive quando não gos-
Ensino Médio, que é o mais grave neste mo- ta de estudar. É, ainda, uma catástrofe ideológi-
mento, porque não foi suficientemente ampli- ca, uma vez que, ao dizer que alguém não tem
ado, constituindo um gargalo entre o ensino uma relação com o saber, reintroduz-se a análi-
fundamental e o ensino superior. Além disso, se em termos de “carências”, justamente aquela
é necessário organizar uma universidade para que a noção de relação com o saber permite
a globalização. Aqui há escolas dos séculos afastar. O problema não é dizer se a relação do
XXI, XX e XIX. Às vezes, num mesmo bairro! aluno com o saber é “boa” ou não, mas, sim,
Isso significa que o discurso fora da realidade entender as contradições que o aluno enfrenta
tem consequências mais graves no Brasil do na escola. Ele vive fora da escola formas de
que na França, já que lá a distância entre a aprender que são muito diferentes daquelas que
realidade e o discurso é menor do que aqui. o êxito escolar requer. Essas contradições é que
Não é culpa de ninguém – aliás, não gosto do se deve tentar entender. Por isso, insisto muito
discurso da culpa – mas temos de resolver es- sobre a heterogeneidade das formas de aprender.
ses problemas. Há coisas que só se pode aprender na escola e,
portanto, não se deve menosprezar esta institui-
Você foi um dos primeiros autores no ção. Mas também se aprendem muitas coisas
campo da educação a chamar a atenção importantes fora da escola.
para a relação que os sujeitos, em Hoje, embaso essa ideia de heterogenei-
particular os estudantes mais pobres, dade das formas de aprender numa análise antro-
estabelecem com o saber, com aquilo pológica. O ser humano nasce incompleto, como
que é ensinado na escola. Você acha que explicam autores tão diferentes quanto Kant,
esse tema ainda precisa ser mais bem Marx, Vygotsky ou Lacan. Mas ele nasce em um
compreendido? Quais novas perguntas mundo humano, que lhe proporciona um
essa temática enseja? patrimônio. Ao se apropriar desse patrimônio, pela
Vou tentar responder da forma mais educação, a cria do homem torna-se humana. Em
simples possível. Só aprende quem estuda, outras palavras, o que caracteriza o ser humano
quem tem uma atividade intelectual. Mas só não fica dentro de cada indivíduo. Como escreveu
faço um esforço intelectual se a atividade tem Marx na VIa Tese sobre Feuerbach, a essência do
sentido para mim e me traz uma forma de ser humano é o conjunto das relações sociais. Am-
prazer. Portanto, a questão da atividade, do pliando a ideia, pode-se considerar que a essên-
sentido e do prazer é central. Ir à escola, es- cia do ser humano é tudo o que a espécie humana
tudar (ou recusar-se a estudar), aprender e criou no decorrer de sua história. Portanto, a edu-
compreender, seja na escola seja em outros cação é um processo de humanização, sociali-
lugares: qual sentido isso tem para os jovens, zação e subjetivação. Na psicologia, isso leva a
em particular nos meios populares? Em outras uma perspectiva histórico-cultural. Na sociolo-

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. especial, p. 147-161, 2010 151


gia, isso leva a reavaliar a questão do sujeito, nho não transforma a natureza. Na perspecti-
que a sociologia deixou de lado para se cons- va marxista clássica, é a espécie humana que
tituir. Na pesquisa em educação, devemos con- transforma a natureza. O que o bebezinho deve
siderar o aluno como ser humano fazer? Seduzir os seus pais para ter o que ele
indissociavelmente social e singular– e talvez quer, para satisfazer os seus desejos. Qual dis-
essa seja a especificidade da disciplina Educa- ciplina me ajuda a entender essa problemáti-
ção. ca do desejo e das relações? A psicanálise, em-
bora eu não pretenda ser um especialista nes-
Você critica uma tendência da sociologia sa área.
a não considerar o singular e aponta Portanto, preciso de Vygotsky e de Lacan.
também o reducionismo da psicologia de Preciso daquele para entender que o psiquismo
não considerar o coletivo, o plural, o humano se constrói no decorrer da história e
social. Para você, a questão do sujeito qual é a relação entre a história da espécie
tem particular importância. Essa é a humana e a do sujeito. Preciso dele, ainda, para
razão de seu diálogo com os trabalhos compreender que o sujeito não é um conjunto
de Lacan e, mais recentemente, com os de pulsões biológicas que, a seguir, socializa-se:
de Vygotsky? ele é de imediato social. Mas preciso da psica-
Encontrei a psicanálise na década de nálise, em particular de Lacan, para entender
1960, bem antes de Vygotsky, autor que só che- quais são as raízes do desejo de aprender e sa-
gou à França nos anos 1980. E a perspectiva da ber. Por sinal, Lacan foi o primeiro que utilizou
psicologia histórico-cultural, encontrei-a no Bra- a expressão “relação com o saber”. Para apren-
sil. der, devo me mobilizar numa atividade intelec-
De imediato concordei com Vygotsky, tual. Qual é o motor dessa mobilização? Um
um dos poucos na educação que é realmente desejo. Mas como se pode ter desejo por um
marxista. A perspectiva histórico-cultural me teorema de matemática ou uma fórmula de
interessa e, para mim, é quase evidente que o química? Essa é uma questão muito “concreta”:
homem se constrói integrando uma parte do um ensino é interessante quando um conteúdo
que foi criado pela espécie humana. De certa intelectual encontra um desejo profundo. Aliás,
forma, é a própria definição da perspectiva Vygotsky percebe esse problema quando ele
histórico-cultural. Mas preciso também da psi- distingue e tenta articular significado histórico-
canálise, que Vygotsky não aceitou integrar à cultural e sentido pessoal, distinção essa que foi
sua perspectiva, conforme o marxismo da épo- trabalhada por Leontiev.
ca. Com efeito, o que escrevo supõe a noção Por fim, não posso esquecer que esse
de desejo: por nascer incompleto, o ser huma- sujeito deve manter o seu corpo biológico,
no vive procurando o que lhe permitiria com- sustentar-se, trabalhar e que, assim, ele entra
pletar-se. É o que Lacan chama de objeto “pe- em relações de dominação e exploração. A
queno a”, aquele objeto que nunca se pode psicanálise sabe que o sujeito é desejo, mas
atingir, já que nenhum objeto pode finalizar o que também é estruturado por normas, o que
ser humano, seja ele amor, dinheiro ou poder. a levou à noção de superego. Mas a sociolo-
Por condição, o ser humano é e permanece gia da psicanálise é tão sumária quanto a psi-
incompleto, à procura de alguma coisa que cologia dos sociólogos. A noção do superego,
nunca consegue satisfazê-lo. Ademais, por nas- de normas sociais, não foi trabalhada pela psi-
cer incompleto, o homem entra de imediato canálise, como se tal noção fosse clara.
em relações com outros seres humanos. Como
dizia Descartes, somos levés à bras, isto é, car- Como é que você vê, dentro da sua
regados no colo. Depois de nascer, o bebezi- vertente marxista, a relação entre

152 Teresa REGO e Lucia BRUNO. Entrevista com Bernard Charlot: Desafios da educação...
indivíduo e sociedade, sujeito e o individualismo – categorização ética e políti-
instituições sociais, entendendo as ca. Por exemplo, na França, o grande movimen-
instituições não no sentido normativo, to social da década de 1980 foi contra o racis-
mas como todas as relações que mo e foi liderado por uma organização cujo
definem um padrão para se reproduzir e nome era Touche pas à mon pote (Não agrida o
se institucionalizar. Essa relação, claro, meu amigo). Não é individualismo, já que se trata
é contraditória. Mas em que termos você de recusa do racismo. Mas essa recusa é pensa-
entende que essa contradição se da na lógica da individuação: o conceito de “ra-
coloca? cismo” é geral demais para mobilizar as pessoas,
Não sei se sou capaz de responder a em particular os jovens, mas a referência ao que
essa questão. Vou fazer o que se faz quando sofre um indivíduo não branco mobiliza. Como
não se sabe responder: responde-se a outra. pensar uma sociedade em que o indivíduo pas-
Quero dizer duas coisas, uma partindo da so- sou a ser uma referência central e, também, onde
ciologia e outra, da psicanálise. o sujeito sofre?
Hoje, a questão do sujeito é importan- A segunda coisa que gostaria de comen-
te para a sociologia. É uma questão política. tar remete às questões da psicanálise contem-
Em primeiro lugar, é muito interessante ana- porânea. Escrevi muito sobre a necessidade de
lisar a sociedade atual como fonte de sofri- levar em conta o sujeito. Mas descobri recen-
mento e abandono do sujeito. Nunca antes o temente, lendo coisas sobre Lacan, que a pró-
indivíduo foi tão livre e, ao mesmo tempo, pria noção de sujeito não é nada clara. O que
nunca o sujeito foi tão abandonado como é o sujeito? Quem é e o que é aquele que diz
hoje. Isso vale também quando se trata dos “Eu”? Essa é a questão que perpassa a obra de
jovens: a nossa sociedade gosta de juventude, Lacan. Muitas vezes, este último cita o que
mas não gosta dos jovens; ela valoriza tudo disse Rimbaud, um grande poeta francês: “Je
que é novo, mas não deixa espaços para os est un autre” (Eu é um outro). Se Eu é um
jovens. outro, preciso entender as suas relações com os
O próprio Bourdieu encontrou essa outros e, de forma mais ampla, com a socie-
questão do sujeito que sofre: antes de publi- dade e a cultura em que ele vive, para compre-
car A miséria do mundo , escreveu, sobre o ender o que significa ser um sujeito. E aí en-
mesmo tema, um artigo que se chamava O so- contro de novo Vygotsky.
frimento. Mas não dava para um sociólogo
falar do sujeito e Bourdieu propôs uma expli- Você tem uma grande experiência como
cação sociológica do fenômeno: quando exis- investigador. Além de desenvolver
te uma defasagem entre o habitus, isto é, as pesquisas na França, você coordenou
disposições psíquicas socialmente estruturadas, estudos na Tunísia, na República Tcheca
por um lado e, por outro, as condições de fun- e no Brasil. Em 1987, fundou a equipe
cionamento desse habitus, o sujeito sofre. A Escol (Éducation, Socialisation et
explicação é interessante, mas, a meu ver, não Collectivités Locales) a partir de um
é suficiente. Parece-me difícil falar do sujeito programa de pesquisa sobre a relação
sem levar em consideração o que nos ensina a com o saber. Gostaríamos que você
psicologia e, mais ainda, a psicanálise. fizesse um balanço deste seu trabalho
Em segundo lugar, e de forma mais geral, como pesquisador e formador de novos
a sociologia deve levar em conta aquele fenôme- pesquisadores. Que conselhos daria
no contemporâneo que chamo de individuação para um jovem pesquisador na área da
da vida e das relações. Não se deve confundir a educação?
individuação – processo psicológico e social – e Criei uma equipe de pesquisa – a ES-

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. especial, p. 147-161, 2010 153


COL. Em 1987, quando cheguei à universida- oralmente, não são entrevistas. E as entrevistas
de, era a época das zonas de educação “não estruturadas” não passam de conversas de
prioritárias. Estava em Paris 8, num município boteco.
muito popular e eu queria trabalhar com essas Vou lhes contar como inventei aquele
zonas. A ideia básica era trabalhar o dentro e instrumento de pesquisa, hoje bastante utiliza-
o fora da escola, a educação, a socialização e do, que chamei em francês de bilan de savoir,
a coletividade, que aqui no Brasil seria a co- expressão essa que foi traduzida no Brasil
munidade. como “balanço de saber”, “escrita de saber”,
No início, não foi fácil porque queria “inventário de saber”. O secretário de quem
trabalhar a questão das dificuldades dos alu- falei não escreveu nada, mas deu ordem aos
nos mais fracos, num lugar frágil. O equivalen- diretores de colégios para que eu não tivesse
te francês do Secretário de Educação que, na acesso às classes. O diretor do colégio local era
França, tem autoridade sobre as universidades gentil, me oferecia um café, mas, por uma ra-
e que era de direita mandou a Reitora de Pa- zão ou outra, nunca me deixava entrar nas
ris 8 me dizer que não era uma boa ideia. Pedi salas. Fiquei assim durante oito meses. Por
uma ordem por escrito, já que um funcioná- fim, os próprios professores interessaram-se
rio não tem obrigação de obedecer a uma or- por minha pesquisa e pediram para me encon-
dem oral. Ele não respondeu, sabendo que o trar numa sala da comunidade. Disseram-me
seu ofício iria parar na imprensa nacional. Por- que trabalhariam comigo e me perguntaram o
tanto, decidi prosseguir. Às vezes, a pesquisa é que faríamos na próxima reunião. Eu não ti-
também isso: um confronto político com as nha pensado nisso e não sabia... Se respeitas-
autoridades. Aliás, mais tarde, acerca de outra se a regra metodológica, deveria dizer que ía-
pesquisa, tive problemas também com o pró- mos trabalhar com nossa própria relação com
prio Ministro da Educação, que era socialista. o saber. Mas sabia que, fazendo isso, não te-
Quem quer vida tranquila e acesso às honras ria mais ninguém na terceira reunião. Então,
oficiais que desista de ser pesquisador ou que disse, improvisando: “Estamos no final do ano
apenas faça de conta que pesquisa! Essa é a letivo. Vamos fazer um balanço de saber com
primeira coisa que diria, e que digo, a um jo- os alunos que vão sair do colégio”. Eles me
vem pesquisador. perguntaram o que era aquilo. Eu também não
A segunda é: “ouse inventar”, escute os sabia. A minha ideia era fazer um balanço. Ex-
argumentos e conselhos do seu orientador, mas pliquei-lhes o que era um balanço de saúde,
não obedeça a suas ordens. No seu trabalho, você um balanço de carro, e pedi que eles explicas-
pode até criticar o que o seu orientador escre- sem a mesma coisa a seus alunos. Voltaram
veu – o que já aconteceu com doutorandos com textos muito interessantes. No ano se-
“meus”. No mundo do pensamento, pode haver guinte, com Élisabeth Bautier e Jean-Yves
técnicos, como no futebol, pode haver colegas Rochex, que tinham se juntado a mim,
com mais experiência, mas não pode haver che- estruturei o enunciado do balanço: “Desde que
fes. Também não confie demais nos livros de nasci aprendi muitas coisas em casa, na esco-
metodologia: quem pesquisa não tem tempo la, na rua ou em outros lugares. O que é im-
para escrever livros de metodologia e vice-versa. portante em tudo isso e o que estou esperan-
Por exemplo, esses livros gastam muito papel do agora?”. Eu tinha inventado um instrumen-
para classificar as entrevistas em não to de pesquisa.
estruturadas, semiestruturadas e estruturadas, Digo aos meus estudantes que eles podem
mas, na verdade, os pesquisadores sempre usam inventar instrumentos de pesquisa, que a vida não
entrevistas semiestruturadas. As chamadas entre- é apenas questionário e entrevista: “Vocês têm
vistas estruturadas são questionários aplicados todos os direitos, contanto que sigam duas regras:

154 Teresa REGO e Lucia BRUNO. Entrevista com Bernard Charlot: Desafios da educação...
a) vocês devem ter uma metodologia pertinente ço do movimento social.
para responder a suas questões centrais; e b) vocês Darwin sempre carregava consigo um
devem trabalhar com rigor. Sabendo isso, vocês caderninho para anotar as objeções essenciais à
não precisam pedir autorização ao orientador, sua teoria, porque os argumentos a favor ele
embora possam pedir conselhos. Parem de pergun- não ia esquecer, mas as objeções sim. Isso é
tar se podem ou não podem fazer algo. Reflitam: pesquisa. Além do mais, a pesquisa é um pra-
com dados coletados assim, conseguem responder zer quando se tem uma pergunta não respon-
à sua questão central de forma rigorosa? Se po- dida, quando há um pouco de suspense, quando
dem, façam.” Acho que, no Brasil, há uma depen- se encontram contradições. Assim, é pesquisa
dência forte demais do orientador. Como formar viva e dá prazer pesquisar. Pesquisa sem igno-
“mestres” com alunos por demais obedientes? rância não é pesquisa, pesquisa sem esforços
A terceira coisa que diria, e que sempre não existe, pesquisa sem prazer não vale a pena.
digo, é a seguinte: o trabalho específico do pes- A primeira pergunta que faço a quem
quisador em ciências humanas é identificar e pede a minha orientação é: “O que você quer
pensar sobre contradições. Não é dizer que o saber que ainda ninguém sabe, inclusive eu?”.
povo está certo. Aliás, o povo não está nem aí Essa pergunta é o primeiro passo naquela
com essa legitimação que o pesquisador julga lhe aventura que constitui a pesquisa.
conferir. Descobri isso e logo me livrei do discurso
marxista oficial e comecei a desenvolver um pen- No contexto brasileiro, você é um
samento marxista, quando escrevi, com uma co- daqueles autores que conseguem
lega, um livro sobre a história da formação dos transitar, com muita competência, pelo
operários, na França, de 1789 a 1984. Descobri mundo da academia e do cotidiano
que não existe um empresariado, mas pelo me- escolar. Embora seja um intelectual, você
nos três – o grande, o médio e o dono de uma é muito ouvido e respeitado pelos
loja – e que os três nem sempre têm os mesmos profissionais que atuam nas redes de
interesses. Descobri ainda que o sindicalismo re- ensino. A que você atribui isso?
volucionário, quando nasceu, era sempre sexista Em primeiro lugar, a minha questão da
e às vezes racista. Encontrei a contradição, o meu relação com o saber está na encruzilhada da
mundo pré-organizado desmoronou e pude co- questão do sujeito, da desigualdade social e do
meçar a pensar. saber. É a mesma questão que o professor
Explico isso aos estudantes brasileiros. enfrenta na sala de aula. Em segundo lugar,
Muitas vezes, eles pretendem fazer uma pes- falo de situações e práticas que o professor co-
quisa, mas já têm uma resposta política, o que nhece, inclusive quando teorizo. O professor
os impede de pesquisar. Eles vão a campo com não recusa a teoria quando ela teoriza situa-
muitas certezas e poucas dúvidas. Explico que ções, problemas, práticas; ele rejeita a teoria
a diferença entre a militância e a pesquisa, sem objeto identificável, aquela teoria em que
inclusive quando se é militante, é a questão da o autor apenas fala a outros autores de teori-
contradição. O militante, pelo menos o mili- as. Em terceiro lugar, depois de ter defendido
tante tradicional, não pode levar em conta a os professores como sindicalista e de tê-los cri-
opinião do adversário, não pode tentar enten- ticado como jornalista, acabei por entender
der de qual ponto de vista o adversário está qual postura considero justa. Sei da dificuldade
certo, porque isso vai impedir a ação militan- de ser professor, sobretudo na sociedade con-
te. Pelo contrário, o trabalho do pesquisador é temporânea, e estou solidário com os profes-
evidenciar as contradições, inclusive aquelas sores. Sei também que as práticas escolares
que existem no seu campo. É assim que ele atuais não são satisfatórias. Mas afastei qual-
pode ajudar o povo e contribuir para o avan- quer discurso sobre a “culpa”, já que agora

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. especial, p. 147-161, 2010 155


entendo as contradições que o professor deve Vou aproveitar a pergunta para acrescen-
enfrentar no seu trabalho cotidiano e explico tar mais uma ideia: os jovens ainda são políticos,
essas contradições aos professores. E sempre ao contrário do que se diz. Eles não são parti-
tento abrir pistas “concretas”, dizer o que eu dários, claro, mas são políticos, eles participam de
tentaria se estivesse no lugar deles. Os profes- movimentos sociais. Temos de entender que, na
sores entendem isso. Ademais, não “ministro sociedade contemporânea, a forma de militância
conferência”; explico coisas, o que é bem di- mudou: não são mais grandes movimentos de
ferente. Uso muitos exemplos, cito alunos e partido ou de sindicato. São mais movimentos de
professores, não uso palavras complicadas e, mulheres, de ecologistas, movimentos ligados a
quando não posso evitá-las, explico o seu sen- vários eventos (como o dos “caras pintadas”). No
tido. Não sou um “doutor” falando a profes- Brasil, na pesquisa que fiz em Sergipe acerca dos
sores, culpando-os, humilhando-os. Sou, ou jovens, a participação maior é nos movimentos
pelo menos tento ser, um colega pesquisador da Igreja, mais pelas ações sociais do que pela
transmitindo resultados de pesquisas, instru- questão da fé. Os jovens ainda levantam os pro-
mentos conceituais e práticas para eles se tor- blemas da desigualdade, da discriminação, do
narem mais fortes, mais orgulhosos de seu tra- racismo, da fome no mundo, mas fazem parte
balho, mais felizes e também para que eles dessa geração que quer ver o resultado de seus
façam a mesma coisa com os seus alunos. atos. Eles são marcados pela individuação da vida
e desconfiam muito dos políticos. Na minha pes-
Podemos dizer que a educação continua quisa, as quatro instituições em que eles menos
sendo, no Brasil contemporâneo, um dos confiam são o governo, as Assembleias
mais graves problemas sociais. No que Legislativas e os vereadores, os partidos políticos
diz respeito às políticas que se sucedem, e o Congresso. A seguir, vêm o empresariado e
existe má utilização de verbas o exército. Os jovens confiam mais na família,
destinadas a esse setor, precária depois no professor e no médico, e depois nos
formação docente, adoção de currículos defensores dos direitos humanos. Os jovens têm
propedêuticos e excessivamente questões e interesses políticos, mas sentem um
pesados e dificuldades de várias ordens profundo desprezo e uma grande desconfiança
vividas no cotidiano escolar. Há também de tudo que remete à política institucionalizada.
uma grande desconfiança acerca da
classe política de modo geral. Como No Brasil e em várias partes do mundo, o
você já mora no Brasil há um bom tempo, ensino superior e os programas de pós-
deve conhecer suficientemente essas graduação estão passando hoje por
mazelas. Nossa pergunta é a seguinte: grandes transformações. Você trabalhou
qual é o balanço que você faz dessa quase duas décadas como professor
situação e qual seria o papel do catedrático na Universidade de Paris 8 e
pesquisador? aqui no Brasil ainda atua como docente e
Sou estrangeiro, não posso nem quero me pesquisador no Ensino Superior. Hoje
meter na política brasileira, mas é claro que vocês você está com 65 anos, já tem, portanto,
estão certas ao dizerem o que acabaram de di- um bom percurso, uma longa trajetória
zer. Sobre o balanço, porém, gostaria de chamar como intelectual, como pensador. Como
a atenção para o fato de que, apesar de tudo, o avalia o mundo acadêmico
Brasil avança, inclusive na área da educação. contemporâneo (marcado pela
Nessa área, anda devagar, mas anda. Quanto ao competitividade, pela pressa, por
papel do pesquisador, acho que já respondi, pressões de toda ordem como, por
quando falei do trabalho com as contradições. exemplo, pela necessidade publicar

156 Teresa REGO e Lucia BRUNO. Entrevista com Bernard Charlot: Desafios da educação...
muito, de conseguir fontes de dem dos seus estudantes. Em um colóquio in-
financiamento etc.)? Existe uma ternacional organizado por nosso Grupo Edu-
diferença muito grande de outras épocas cação e Contempo-raneidade (EDUCON), uma
em que viveu? professora universitária enviou trezes trabalhos,
Essa pressão existe na França também, sempre com outro autor, que eram os seus es-
mas acho que está pior no Brasil. Confesso tudantes. Isso não faz sentido. Sempre me re-
que, às vezes, fico perplexo ao observar as re- cusei a assinar um texto com os meus
gras de avaliação da produtividade dos pesqui- orientandos e continuo a recusar-me. Mas eles
sadores. A minha pesquisa sobre os jovens de ficam magoados. Digo que eu não contribuí
Sergipe, realizada a pedido da UNESCO de para o texto e eles contra-argumentam que os
Brasília e do Governo de Sergipe, gerou um ajudei. Mas ajudá-los é o meu trabalho e o tex-
relatório de 700 páginas com base em 3052 to é deles.
questionários aplicados e 33 grupos focais,
mas não vale nada segundo os critérios da Em um dos últimos livros que você
CAPES, porque foi publicada sem número de publicou no Brasil ( Relação com o saber,
INSS! Apesar de o relatório de pesquisa ser a formação dos professores e
base de trabalho do pesquisador, no Lattes, globalização: questões para a educação
não há lugar para registrar relatório de pesqui- hoje , Artmed, 2005), você afirma que os
sa. Tem que colocar em “outras produções”. livros não são escritos somente para os
Temos que ensinar os jovens a produzir rela- leitores, que eles são também,
tórios de pesquisa e, com base neles, publicar primeiramente, fonte de realização e de
artigos. O problema é que os estudantes de prazer que o autor se propicia.
mestrado devem publicar artigos antes de de- Gostaríamos que você falasse sobre sua
fender a sua dissertação, já que esse é um dos relação com o mundo dos livros, com a
critérios de avaliação dos Núcleos de Pós-Gra- leitura e com a escrita.
duação pela CAPES. Além disso, de acordo com Não releio o que publico, o que resulta
as regras de avaliação vigentes, os livros não às vezes em situações curiosas, com pessoas
valem mais do que um artigo, o que, na área que conhecem o que escrevi mais do que eu.
das ciências humanas, é um absurdo. Os pes- Uma vez, uma brasileira que participava do
quisadores devem ser avaliados, mas estranho meu seminário, na Paris 8, disse algo que per-
alguns dos atuais critérios de avaliação. cebi que era de A mistificação pedagógica .
Em1994, Andrew Wiles demonstrou o Afirmei que não concordava e ela retrucou que
teorema enunciado por Fermat no século XVII, eu é que tinha escrito aquilo. Respondi-lhe que
que muitos grandes matemáticos não tinham não é porque escrevi algumas besteiras que ela
conseguido demonstrar. Até então, Wiles era con- tinha que repeti-las [risos]. Ela ficou magoa-
siderado perdido pela pesquisa: não publicava, da, mas seis meses depois, quando foi se des-
não frequentava os colóquios. Apenas se dedica- pedir, agradeceu-me dizendo que aquilo tinha
va à sua tentativa de demonstração. Nem sei se sido a coisa mais importante que ela aprendera.
publicou a sua demonstração com INSS... Hoje, Às vezes, leio um pedacinho do que pu-
o seu nome pertence à história da matemática. bliquei, porque preciso, mas não vou repetir a
A pressa que estamos sofrendo não deixa tem- minha vida toda a mesma coisa. Apenas quan-
po para amadurecer ideias importantes, temos do terminamos um livro é que sabemos o que
que correr de um tema para outro, conforme as queríamos escrever. Mas não devemos refazer o
oportunidades de publicar. O que resta dessas livro, o qual assim nunca acabaria. Devemos
publicações? Pouquíssimas coisas. Alguns cole- continuar o itinerário e escrever outro livro. Por
gas, para sobreviverem academicamente, depen- isso é que disse que se escreve em primeiro lu-

Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. especial, p. 147-161, 2010 157


gar para si mesmo. praticam uma bricolagem conforme as oportuni-
Livros dos outros eu tenho pouquíssimo dades do momento. É um autor fundamental
tempo para ler. Trouxe da França muitos livros para se livrar dessa praga que constitui a noção
que gostaria de ler, pensando “Vou me aposen- de “carência”. Há autores importantes que pou-
tar”. E ainda não os li nem me aposentei. Além co estudei, como Wittgenstein e Habermas; não
do mais, quando é um livro sobre educação, precisei deles para pensar o que tentei pensar,
digo: “Hoje, não. Estou cansado.” Há uma pi- mas sei o suficiente para perceber a sua impor-
ada de que gosto. O Papa entra no quarto do tância. E há os autores com quem penso, às
hotel e vê um crucifixo. Ele chama o funcio- vezes contra quem penso. Bourdieu, um gran-
nário e diz: “Tira isso. Me lembra o escritório” de pensador que nos permitiu entender que o
[risos]. Como falo de educação o tempo todo, inimigo está dentro da nossa cabeça, prenden-
prefiro ler romances. Entrei na literatura bra- do-nos no exato momento em que temos a
sileira e portuguesa, o que é um prazer. Já es- ilusão de escolher com toda liberdade.
tudei inglês, espanhol, russo, árabe, mas é a Foucault, que evidenciou os micropoderes que
primeira vez na minha vida que domino bem tecem o nosso cotidiano. Lacan, de quem já
uma segunda língua e curto o prazer de ler ro- falei. Os sociólogos Goffman e Becker, que
mances em português. E às vezes em espanhol. evidenciaram que o desvio, a transgressão, o
estigma são relações, antes de características
Quer dizer que você não se sente mais de um ato ou um indivíduo. Snyders, que in-
um estrangeiro nos trópicos? sistiu a sua vida toda na importância da ques-
Não, já não sou um estrangeiro nos tró- tão do saber. Na área da epistemologia,
picos... Não leio sistematicamente livros sobre Bachelard e seu herdeiro intelectual,
educação. Leio-os quando tenho que tratar de Canguilhem, que orientou a minha primeira
um tema particular. Então, sim, mergulho nos pesquisa – de tal modo que, de certa forma,
livros com um verdadeiro prazer, porque não é sou neto de Bachelard... E os pais fundadores.
uma obrigação profissional. Preciso entender uma Marx, em especial o Marx filósofo dos Manus-
coisa e, portanto, preciso dos livros. Leio-os sa- critos de 1844. E o marxista francês Lucien
bendo o que estou procurando. É leitura como Sève, que introduziu a questão do sujeito no
vida e não como obrigação. Aliás, essa prática debate marxista. Aquele grande marxista per-
condiz com as minhas referências seguido pelo marxismo oficial que foi Vygotsky
epistemológicas, em especial com a minha refe- – e seu herdeiro Leontiev. E Freud, claro. Dá
rência preferida, Bachelard, que escreveu “Toute muita gente para responder a uma pergunta
connaissance est réponse à une question” (O sobre “algum pensador contemporâneo”... Mas
conhecimento é sempre resposta a uma questão). não sou homem de uma corrente, assim como
não o era Michel de Certeau.
Diga algum pensador contemporâneo
que para você seja importante, por Qual é a sua pesquisa atual e quais são
trazer uma abordagem interessante, os projetos para o futuro?
instigante. Estou tentando sobreviver, pulando de
Não é uma pergunta de resposta fácil... um tema para outro: agora, sou um verdadei-
Se tivesse mesmo que escolher, diria Michel de ro professor universitário brasileiro [risos]. Fico
Certeau. É um grande autor, que escreveu coisas de olho na questão da globalização e publiquei
fundamentais sobre a invenção do cotidiano, as textos acerca dela por motivos tanto políticos
artes de fazer, a diferença entre as estratégias da quanto científicos. Mas a minha atual pesquisa
classe média – que domina o tempo e os recur- de campo investiga as relações com os sabe-
sos – e as táticas das classes populares – que res, com um duplo plural. Há uma questão

158 Teresa REGO e Lucia BRUNO. Entrevista com Bernard Charlot: Desafios da educação...
básica: para uma criança, qual o sentido de grupo de pesquisa sobre as relações com os
aprender, quer na escola, quer fora? Essa é a saberes, com 12 subgrupos, mais de 70 pesqui-
questão da relação com o saber, no singular. sadores (12 doutores em várias disciplinas,
Mas filosofia, história, matemática, física, in- mestrandos, graduandos, professores do ensi-
glês, educação física etc. são matérias escola- no básico). É uma pesquisa calma, sem pressa,
res bem diferentes e cada uma tem a sua começada há quase dois anos e que precisará
normatividade interna. Por exemplo, em mate- provavelmente de mais dois anos. Que eu saiba,
mática, um símbolo não pode ter dois significa- essa questão ainda não foi pesquisada de for-
dos. Essa não é uma insuportável normatização ma sistemática e interdisciplinar como estamos
imposta pela burguesia, mas sim uma norma sem fazendo. Uma questão nova merece tempo.
a qual não há mais atividade matemática possí- Ademais, esse grupo constitui um ótimo lugar
vel. A poesia, pelo contrário, caracteriza-se pela de formação dos jovens para a pesquisa. De for-
ambiguidade. Gostaria de entender as relações dos mação “concreta”: construímos juntos um ques-
alunos com esses campos diferentes de saberes ou tionário, ensinei o que é uma análise longitu-
de cultura. dinal, como categorizar etc. Mostrando e fazen-
Estamos desenvolvendo uma pesquisa do com eles. Para quem quisesse, ensinei até
de campo sobre esse tema, na UFS, no Grupo como utilizar Excel, em vez de perder horas
EDUCON, fundado e liderado por minha espo- calculando percentuais. A pesquisa é, antes de
sa, Veleida Anahí da Silva. Constituímos um tudo, uma aprendizagem, um artesanato. E não
uma aula sobre historicismo, fenomenologia,
marxismo e estruturalismo – é útil saber o que
é, mas isso não é formação para a pesquisa.
Em um ano e meio, já coletamos mais
de 3.000 questionários com questões abertas.
Não temos nenhum financiamento, o que sig-
nifica que tenho tempo para pesquisar em vez
de perder tempo fazendo relatório para o CNPq
[risos]. Também não atraímos os caçadores de
bolsas: nessa pesquisa, não se pode ganhar
nada, apenas formação e prazer. Não quero
agredir ninguém, sei por experiência que não
é nada fácil ser professor universitário no Bra-
sil, mas um problema fundamental da pesquisa
educacional brasileira é que, muitas vezes, ela
é feita por bolsistas, que não têm formação,
com orientadores que não têm tempo para
cuidar deles. Depois o professor arruma mais
ou menos, mas ele tem pouco contato direto
com os dados, não mergulha nos detalhes,
aqueles detalhes que, muitas vezes, são fontes
de ideias novas. Qual é o código a ser aplica-
do a essa resposta? É esse ou outro? É o que
chamo de trabalhar “no porão da pesquisa”. E
acho que o orientador de uma pesquisa ampla
como a nossa deve participar, de uma forma
ou de outra, dessas microdecisões aparente-
mente técnicas, mas que, de fato, são essen-
ciais na coleta e análise dos dados.
Quanto ao meu projeto para o futuro, é
Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. especial, p. 147-161, 2010 159
simples: continuar vivendo, pesquisando, publican-
do.

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