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Sexta-feira, 29 de agosto de 2003 DIÁRIO DO GRANDE ABC 3

Magda Becker Soares, doutora em Ela destaca a importância do aluno ser


educação, fala sobre as diferenças alfabetizado em um contexto onde
entre letramento e alfabetização leitura e escrita tenham sentido

O que é letramento
etrar é mais que alfabetizar, A educadora argumenta que a

L
é ensinar a ler e escrever criança precisa ser alfabetizada
dentro de um contexto convivendo com material escrito de
onde a escrita e a leitura qualidade. “Assim, ela se alfabetiza
tenham sentido e façam sendo, ao mesmo tempo, letrada. É
parte da vida do aluno. possível alfabetizar letrando por
Magda Becker Soares, meio da prática da leitura e escrita.”
professora titular da Faculdade Para isso, Magda diz ser preciso usar
de Educação da UFMG jornal, revista, livro. Sobre as antigas
(Universidade Federal de Minas cartilhas que ensinavam o ‘Vovô viu a
Gerais) e doutora em educação, uva’, a educadora afirma que muitas
explica que ao olharmos crianças nunca viram e nem
historicamente para as últimas comeram uma uva. “Portanto, é
décadas, poderemos observar necessária a prática social da leitura
que o termo alfabetização, que pode ser feita, por exemplo, com
sempre entendido de uma o jornal, que é um portador real de
forma restrita como texto, que circula informações, ou
aprendizagem do sistema da com a revista ou, até mesmo, com o
escrita, foi ampliado. Já não livro infantil. Tem que haver uma
basta aprender a ler e escrever, especificidade, aprendizagem
é necessário mais que isso para sistemática seqüencial, de aprender.”
ir além da alfabetização A professora Magda Soares afirma
funcional (denominação dada às que o PNLD (Programa Nacional do
pessoas que foram alfabetizadas, Livro Didático), desenvolvido pelo MEC
mas não sabem fazer uso da leitura e (Ministério da Educação), é excelente
da escrita). porque “avalia o livro didático segundo
O sentido ampliado da critérios sensatos”. Mas ela enfatiza que na
alfabetização, o letramento, de alfabetização e letramento há um problema a
acordo com Magda, designa práticas ser resolvido. “As cartilhas desapareceram do
de leitura e escrita. A entrada da mercado. Não se fala mais em cartilha, fala-se
pessoa no mundo da escrita se dá em livro de alfabetização. Mas com o
pela aprendizagem de toda a complexa desaparecimento das cartilhas, praticamente
tecnologia envolvida no aprendizado do desapareceu também o conceito de método. Não
ato de ler e escrever. Além disso, o aluno é possível ensinar a ler e escrever, ou qualquer
precisa saber fazer uso e envolver-se nas coisa em educação, sem um método. Há
atividades de leitura e escrita. Ou seja, para poucos livros de alfabetização que tenham
entrar nesse universo do letramento, ele precisa uma organização metodológica para orientar
apropriar-se do hábito de buscar um jornal para professores e crianças envolvidos neste
ler, de freqüentar revistarias, livrarias, e Fale com @ gente processo de aprendizagem. Os professores
com esse convívio efetivo com a leitura, lhubner@diarionaescola.com.br usam precariamente os livros de que dispõem
apropriar-se do sistema de escrita. Tel: 4996-1993 ou buscam as cartilhas nas prateleiras da
Afinal, a professora defende que, para a biblioteca da escola.”
adaptação adequada ao ato de ler e
escrever, “é preciso compreender, inserir-
se, avaliar, apreciar a escrita e a leitura”. O
Para todas as
letramento compreende tanto a disciplinas
apropriação das técnicas para a alfabetização
quanto esse aspecto de convívio e hábito de Outro fato destacado por Magda é que o
utilização da leitura e da escrita. letramento não é só de responsabilidade
do professor de língua portuguesa ou
Apropriação do dessa área, mas de todos os
educadores que trabalham com leitura e
sistema de escrita escrita. “Mesmo os professores das
disciplinas de geografia, matemática e
Uma observação interessante apontada pela educadora ciências. Alunos lêem e escrevem nos
Magda Soares diz respeito à possibilidade de uma pessoa ser livros didáticos. Isso é um letramento
alfabetizada e não ser letrada e vice-versa. “No Brasil as específico de cada área de conhecimento.
pessoas não lêem. São indivíduos que sabem ler e escrever, O correto é usar letramentos, no plural.
mas não praticam essa habilidade e alguns não sabem O professor de geografia tem que
sequer preencher um requerimento.” Este é um exemplo de ensinar seus alunos a ler mapas, por
pessoas que são alfabetizadas e não são letradas. Há aqueles exemplo. Cada professor, portanto, é
que sabem como deveria ser aplicada a escrita, porém não responsável pelo letramento em sua
são alfabetizados. “Como no filme Central do Brasil – alguns área.”
personagens conheciam a carta, mas não podiam escrevê-la Em razão disso, a educadora diz
por serem analfabetos. Eles ditavam a carta dentro do acreditar que é preciso oferecer contexto
gênero, mesmo sem saber escrever. A personagem principal, de letramento para todo mundo. “Não
a Dora (interpretada pela atriz Fernanda Montenegro), era adianta simplesmente letrar quem não tem o
um instrumento para essas pessoas letradas, mas não que ler nem o que escrever. Precisamos dar as
alfabetizadas, usarem a leitura e a escrita. No universo possibilidades de letramento. Isso é importante,
infantil há outro bom exemplo: a criança, sem ser inclusive, para a criação do sentimento de
alfabetizada, finge que lê um livro. Se ela vive em um cidadania nos alunos.”
ambiente literário, vai com o dedo na linha, e faz as
entonações de narração da leitura, até com estilo. Ela é
apropriada de funções e do uso da língua escrita. Essas são
Recomendações
pessoas letradas sem ser alfabetizadas.” Para os professores que trabalham com
alfabetização, Magda recomenda:
“Alfabetize letrando sem descuidar da
Contexto Social Seri
especificidade do processo de alfabetização,
especificidade é ensinar a criança e ela
Para Magda, um grave problema é que há pessoas que se saberão usar.” aprender.O aluno precisa entender a tecnologia da
preocupam com alfabetização sem se preocupar com o Um ponto importante para letrar, diz Magda, é saber que alfabetização. Há convenções que precisam ser ensinadas e
contexto social em que os alunos estão inseridos. “De que há distinção entre alfabetização e letramento, entre aprendidas, trata-se de um sistema de convenções com
adianta alfabetizar se os alunos não têm dinheiro para aprender o código e ter a habilidade de usá-lo. Ao mesmo bastante complexidade. O estudante (além de decodificar
comprar um livro ou uma revista?” A escola, além de tempo que é fundamental entender que eles são letras e palavras) precisa aprender toda uma tecnologia
alfabetizar, precisa dar as condições necessárias para o indissociáveis e têm as suas especificidades, sem hierarqueia muito complicada: como segurar o lápis, escrever de cima
letramento. A educadora faz uma critica ao Programa Brasil ou cronologia: pode-se letrar antes de alfabetizar ou o pra baixo e da esquerda para a direita; escrever numa linha
Alfabetizado, do Ministério da Educação que prevê a contrário. Para ela, essa compreensão é o grande problema horizontal, sem subir ou descer. São convenções que os
alfabetização de 20 milhões de brasileiros em quatro anos. das salas de aula e explica o fracasso do sistema de adultos letrados acham óbvias, mas que são difíceis para as
Para ela, o programa irá, na melhor das circunstâncias, alfabetização na progressão continuada. “As crianças crianças. E no caso dos professores dos ciclos mais
minimamente alfabetizar as pessoas num sentido restrito. chegam no segundo ciclo sem saber ler e escrever. Nós avançados do ensino fundamental, é importante cuidar do
“Onde elas aprendem o código, a mecânica, mas depois não perdemos a especificidade do processo”, diz. letramento em cada área específica.”

Para conhecer melhor Magda Becker Soares


Livros publicados Com outros autores: História, Perspectivas, Ensino. 1ªed, São Paulo: Implicações na Metodologia do Ensino – In:
- Letramento: Um Tema em Três Gêneros. Belo - Soares, M. B.; Campos, E. N. EDUC, 1998, v. 1 Leituras no Brasil. Campinas: Mercado das
Horizonte: Autêntica, 1998, v.1. p.190. Técnica de Redação: As Articulações - O Acesso ao Livro no Limiar de um Novo Letras, 1995
- Português Através de Textos (Coleção Didática, Lingüísticas como Técnica de Pensamento. Rio Milênio – In: O Jogo do Livro Infantil v. 1. Belo - As Condições Sociais da Leitura: Uma
4 Volumes). São Paulo: Moderna, 1990 p.757. de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1978 p.191. Horizonte: Dimensão, 1997, v. 1 Reflexão em Contraponto – In: Leitura:
- Alfabetização no Brasil: O Estado do - Soares, M. B.; Rodrigues, A. - Sobre os PBN de Língua Portuguesa: Algumas Perspectivas Interdisciplinares. São Paulo: Ática,
Conhecimento. Brasília: INEP/REDUC, 1989 Comunicação em Língua Portuguesa (Coleção Anotações – In: Avaliação Educacional e 1988, p. 18-29.
p.151. Didática - 4 Volumes). Rio de Janeiro: Francisco Currículo: Inclusão e Pluralidade. Recife: - Avaliação Educacional e a Clientela Escolar –
- Linguagem e Escola: Uma Perspectiva Social. Alves, 1975 Universitária da UFPE, 1997 In: Introdução à Psicologia Escolar. São Paulo:
São Paulo: Ática, 1986 p.86. - Comunicação e Expressão: O Ensino da Cortez, 1981, p. 47-53.
- Travessia: Tentativa de um Discurso da Capítulos de livros publicados Leitura – In: Leituras no Brasil. Campinas: - A Linguagem Didática – In: Educação e
Ideologia. Belo Horizonte: Amigos do Livro, - Concepções de Linguagem e o Ensino da Mercado das Letras, 1995 Linguagem; para um Estudo do Discurso
1982 p.95. Língua Portuguesa – In: Língua Portuguesa: - Natureza Interdisciplinar da Leitura e suas Pedagógico. São Paulo: EDART, 1976.

Coordenação pedagógica – Luciana Hubner Edição – James Capelli Diagramação – Alexandre Elias Diário na Escola – Santo André é um projeto do Diário em parceria com a Secretaria de Educação e Formação Profissional de Santo André.

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