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RESUMO
Este trabalho propõe uma discussão sobre a inserção da estética do feio na
sociedade através dos tempos, desde sua origem bíblica no simbolismo do diabo
aos dias de hoje, demonstrando sua oposição ao belo e sua utilização como
instrumento de confronto e rebeldia diante das normas vigentes.
PALAVRAS-CHAVE
Feio – belo – camp – diabo – estética – sociedade – massa – tendência
INTRODUÇÃO
Como isso ocorreu é o tema desse trabalho que pretende passar de maneira
sucinta sobre a história do feio baseado, especialmente, na obra A história da
feiúra, de Umberto Eco. Divido em cinco partes, relembrará as caricaturas, o rock
e a cultura camp, evidenciando a concepção inicial da feiúra e como ela é vista,
diante do belo, na sociedade contemporânea.
1. O DIABO E A CONCEPÇÃO DO FEIO
Na sociedade atual é tênue o limite entre o feio e o belo, de tal modo que a
questão da beleza e da feiúra é reduzida muitas vezes a uma opinião sobre gosto
pessoal. Mas a discussão não se sucedeu assim durante toda a história. São claras
e repetitivas as referências à busca pela perfeição na antiguidade clássica, com os
ideais de beleza gregos, medidas racionais e representações realistas, bem como o
seu reflexo no período renascentista, com o culto pelo homem e sua anatomia.
A definição de belo, ainda que mutável, sempre esteve mais presente no
nosso dia-a-dia e remonta à criação divina. Quando deus cria a luz e o mundo, tudo
o que ele toca e constrói é belo. Partindo desse pressuposto, assimila-se de maneira
muito fácil a idéia de que a natureza é bela: árvores, montanhas, animais, rios e tudo
o que foi concebido pela mão de deus.
Mesmo que o desenvolvimento das mais diversas sociedades no curso da
história tenha revisado esse conceito, acrescentado inúmeras outras possibilidades
de beleza e questionado outras, esse ainda é o ponto de partida e de mais fácil
compreensão de beleza no mundo ocidental. Mas e o feio? Quando surge a
definição do feio? O que marca a concepção do feio dentro da criação divina?
Ainda hoje, pensar sobre o feio é um exercício mental que confronta o que
antes a mente humana já definiu como belo. Ou seja, definir o feio ainda está muito
interligado ao que inicialmente se entende por bonito. E foi assim que surgiu a
concepção de feio, de dentro da criação divina, daquele que deu as costas à deus: o
diabo. Vilém Flusser escreveu sobre o negativo da figura do diabo: “Nós, os
ocidentais, somos produtos de uma tradição oficial que pinta o diabo em cores
negativas, a saber, como o opositor de Deus”. (FLUSSER, 1965, p.16).
Desde os tempos mais remotos, o diabo é pensado como ícone central da
feiúra e foi implacavelmente retratado como o que há de mais feio durante séculos: o
oposto da perfeição de deus. Uma criatura disforme, união de partes anatômicas de
seres ferozes, com potenciais de destruição e dor, como cuspir fogo e força
incomensurável, odores desagradáveis e demais dessemelhanças com o ideal de
beleza criado por deus.
Essa construção do diabo é muito fortalecida durante a Idade Média e o auge
da Igreja, especialmente pelas artes, ilustrações e pinturas de época, e também pela
literatura, tendo como forte expoente Dante Alighieri, com sua descrição de Lúcifer
no Inferno de sua A Divina Comédia.
Dessa forma, a concepção do feio nasce no oposto do belo, que se entende
pela criação divina, e se propaga no imaginário da forma física demoníaca. Assim, o
que é belo se assemelha à deus, enquanto o que é feio se assemelha ao diabo.
2. O FEIO E O DESCONHECIDO
John Darkow
2008
John Heartfiel
(data desconhecida)
Belmonte
1939
3. O DIABÓLICO E O ROCK
A estética do feio como diabólico também teve sua aceitação social. Apesar
de historicamente prevalecer uma cultura cristã no ocidente, sempre existiram
expressões religiosas pagãs, e até mesmo satânicas, que sofreram com a
supremacia da Igreja medieval e mais tarde com a constituição de uma sociedade
de elite branca e protestante, especialmente na Inglaterra e nos Estados Unidos.
Mas essas seitas, filosofias ou religiões não sucumbiram e, mais tarde, no
declínio da elite americana na década de 1960, foram abraçadas como um
movimento de contra-cultura que em breve estaria em voga. O paganismo, ou
satanismo, eram mais uma ideologia rebelde junto ao movimento hippie.
Ambos os movimentos tiveram fortes expoentes musicais que, rapidamente,
expandiram a contra-cultura especialmente ao setor jovem da sociedade, que e
tornou suas ideologias e, conseqüentemente, suas influências estéticas em
tendência.
Os aspectos mórbido e sombrio do paganismo eram muito mais íntimos da
estética do feio, assim como o satanismo, diretamente ligado ao diabo, era uma
representação forte da oposição ao belo, de um movimento revolucionário de atitude
que floresceu e se popularizou através do rock n’ roll.
Até a década de 1970, o rock já tinha em suas raízes uma postura rebelde,
mas não macabra. Em 1969, o Black Sabbath inaugura essa coalizão do rock com
referências fúnebres e satânicas, através da composição das letras, arranjos
musicais, figurino negro e encenações de rituais e representações do próprio diabo
em palco pelo frontman Ozzy Osbourne.
O objetivo inicial sempre foi causar medo e terror, na forma de uma contra-
corrente do que se produzia e estava em voga no período, mas os integrantes da
banda também acreditavam na sedução que o horror causava nas pessoas, no
gosto pelo feio.
O primeiro passo dado pelo Black Sabbath revolucionou os alicerces do rock
e o transformou no que conhecemos hoje nas suas várias espécies, mas também
popularizou a cultura do sombrio e trouxe espaço para essa estética na mídia. Por
fim, surgiram diversas tribos que colocaram o rock em algum ponto entre a cultura
marginal e os ares de pop.
Costuma-se repetir em toda parte que hoje em dia se convive com modelos
opostos porque a oposição feio/belo não tem mais valor estético: feio e
belo seriam duas opções possíveis a serem vividas de modo neutro, o que
parece se confirmar em muitos comportamentos juvenis.
ECO, Umberto. A história da feiúra. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record,
2007
FLUSSER, Vilém. A história do diabo. São Paulo: Livraria Martins Ed., 1965