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REVISÃO REVIEW 2055

Cuidados paliativos oncológicos: elementos


para o debate de diretrizes nesta área

Palliative care in cancer:


elements for debating the guidelines

Ronaldo Corrêa Ferreira da Silva 1

Virginia Alonso Hortale 2

Abstract Introdução

1 Coordenação de Prevenção The aim of this study was to present elements Hoje a ciência médica pode lutar contra uma
e Vigilância, Instituto
for debating guidelines on palliative care pro- doença potencialmente fatal e a morte, onde
Nacional de Câncer,
Rio de Janeiro, Brasil. grams for cancer. A literature survey searched uma vez o médico apenas podia oferecer con-
2 Escola Nacional de Saúde various databases (MEDLINE, LILACS, and forto e segurança. É comum na prática médica
Pública Sergio Arouca,
Cochrane Library), homepages of palliative care (ou dos profissionais de saúde) prolongar a vi-
Fundação Oswaldo Cruz,
Rio de Janeiro, Brasil. organizations, publications by renowned au- da a qualquer custo (e muitas vezes com suces-
thors in this area, reference textbooks on the so). A morte, desta forma, passa a ser entendi-
Correspondência
subject, relevant articles cited by these books, da como um fracasso e por este motivo deve
R. C. F. Silva
Divisão de Atenção and the thesis/dissertation database of CAPES ser “escondida”. Nos Estados Unidos, menos de
Oncológica, Coordenação (the Brazilian Coordinating Body for Training 10% da população morre devido a um infarto,
de Prevenção e Vigilância,
Instituto Nacional de Câncer.
University Level Personnel). The data were acidente ou um evento inesperado. Mais de
Rua dos Inválidos 212, grouped into four thematic categories: sympto- 90% morre de doença crônica, lentamente pro-
4 o andar, Centro, matic palliation, organization of services, psy- gressiva, com um período terminal de poucos
Rio de Janeiro, RJ
20231-020, Brasil.
chosocial characteristics, and spiritual charac- meses ou semanas (como o câncer) ou de pro-
rsilva@inca.gov.br teristics. The article then proceeds to discuss gressão lenta com períodos cíclicos de crise até
cancer as a public health problem and its im- advir a morte (insuficiência cardíaca e demên-
pact on individuals, the concept of palliative cia) 1. Das diversas causas de morte no mundo,
care and its context in health care, program o câncer é a única que continua a crescer inde-
models and their guidelines, death and dying, pendente do país ou continente e, nos países
and care and caregivers. The study concludes by em desenvolvimento, é atualmente responsá-
discussing the challenges for the Brazilian Na- vel por uma entre dez mortes 2.
tional Health System in structuring end-of-life Aprender a lidar com as perdas num con-
programs as a consequence of the population’s texto de uma doença crônica como o câncer é
aging and increasing cancer incidence. um desafio que poucos se propõem a discutir,
e muito menos a enfrentar. Ajudar indivíduos
Hospice Care; Medical Care; Home Nursing; Re- com doenças avançadas e potencialmente fatais
view Literature (doenças terminais) e seus familiares num dos
momentos mais cruciais de suas vidas é uma
atividade ou um modelo de atenção à saúde que
vem sendo denominado “cuidados paliativos”.

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Cuidados paliativos é reconhecido como de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Supe-


uma abordagem que melhora a qualidade de rior (CAPES).
vida dos indivíduos e familiares na presença de O livro Oxford Textbook of Palliative Medi-
doenças terminais. Controle dos sofrimentos cine 6 – essencial para quem trabalha com cui-
físico, emocional, espiritual e social são aspec- dados paliativos – foi considerado como refe-
tos essenciais e orientadores do cuidado. Pode rência para a discussão dos conceitos básicos
ser oferecido em instituições de saúde bem co- em cuidados paliativos, bem como para sua
mo na própria residência. Pode e deve ser ofere- historiografia.
cido aos indivíduos com doença terminal (des- Para a discussão dos temas morte e cuida-
de seu diagnóstico até o momento da morte) e dos foram identificados, principalmente, auto-
aos seus familiares (durante o curso da doença res nacionais. Esta estratégia teve como objeti-
e em programas de enlutamento). vo aproximar esta discussão ao contexto cultu-
Inicialmente, cuidados paliativos eram ofe- ral nacional.
recidos aos indivíduos com câncer, entretanto, Nos sítios da Internet de instituições nacio-
ao mesmo tempo em que esse tipo de cuidado nais e internacionais que lidam com cuidados
ganhou prestígio, cresceu o interesse em ofere- paliativos foram encontradas informações co-
cê-lo a indivíduos portadores de doenças que mo: estrutura e funcionamento das mesmas,
não o câncer. De acordo com o The Hospice In- produtos e serviços oferecidos, informações
formation Service do St. Christopher’s Hospice, técnicas (artigos científicos), sugestões de lei-
em Londres, existem mais de 7.000 hospices ou tura, calendário de atividades e links para en-
serviços de cuidados paliativos em mais de 90 dereços de outros sítios. A seleção das institui-
países em todo o mundo. Na América Latina ções teve como critérios: pioneirismo, repre-
existem mais de 100 serviços de cuidados palia- sentatividade nacional e internacional, serem
tivos 3. No Brasil, apesar dos dados não serem financiadoras de programas e projetos em cui-
oficiais, existem cerca de 30 serviços de cuida- dados paliativos, experiência em ensino e pes-
dos paliativos 4. quisa em cuidados paliativos, e serem conside-
Sabe-se que o câncer é reconhecido como radas instituições de excelência.
um problema de saúde pública e que, em todo O levantamento nas bases de dados foi rea-
o mundo, a maioria dos indivíduos apresenta lizado entre agosto e outubro de 2003. Para a
doença avançada no momento do diagnóstico 2. consulta nas bases de dados MEDLINE, LILACS
São também reconhecidos o impacto do cân- e Biblioteca Cochrane, foi utilizado o portal da
cer no indivíduo e familiares e o papel dos cui- Biblioteca Virtual em Saúde – BVS (http://www.
dados paliativos no controle dos sofrimentos bvs.br). Na base MEDLINE (1993-2003), optou-
físico, espiritual e psicossocial. se pela revisão dos últimos seis anos, devido ao
Este artigo, parte da dissertação de Mestrado fato dos livros de referência em cuidados palia-
de um dos autores 5, tem como objetivo trazer al- tivos terem suas últimas edições publicadas no
guns elementos para o estabelecimento de dire- final da década de 90, conseqüentemente, utili-
trizes para programas de cuidados paliativos no zando referências anteriores à data de publica-
Brasil, utilizando-se do levantamento bibliográfi- ção. Nessa base de dados foi utilizada a pesqui-
co, da análise e da discussão das questões rela- sa estruturada por meio do formulário básico.
cionadas à morte e ao morrer, e dos cuidados e Como descritor de assunto usou-se o termo
cuidadores, fundamentais para a adequação das “cuidados a doentes terminais”, selecionando o
experiências desenvolvidas em outros países às operador lógico “and” para o tipo de publica-
características culturais e sociais do nosso país. ção artigo de revista e somente nos idiomas in-
glês e português. Foram selecionados para
análise somente os artigos publicados entre
Estratégia metodológica 1998-2003, num total de 672 artigos.
Na base LILACS, optou-se pela revisão da
Foi realizado um levantamento bibliográfico, literatura sem restrição de período e procedeu-
no qual foram identificados livros de referên- se a uma pesquisa estruturada utilizando o for-
cia em cuidados paliativos, bases de dados na mulário básico, tendo como descritor de assun-
Internet (MEDLINE, LILACS e Biblioteca Coch- to os termos “cuidados paliativos”, “tratamento
rane), obras de interesse citadas nas referências paliativo” e “assistência paliativa”. Foi selecio-
desses mesmos livros, textos de autores consi- nado o operador lógico “and” para o tipo de pu-
derados fundamentais para quem trabalha com blicação artigo de revista e restringiu-se a bus-
cuidados paliativos, sítios na Internet de orga- ca aos idiomas inglês, português e espanhol.
nizações e instituições voltadas para cuidados Embora não se tenha estabelecido restrições de
paliativos e o banco de teses da Coordenação período, os artigos mais antigos datavam de

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CUIDADOS PALIATIVOS ONCOLÓGICOS 2057

1991. Foram encontrados um total de 78 arti- viços (562), seguido da categoria controle de
gos, sendo que 33 se repetiam. sintomas (83) e um número bastante reduzido
Na base da Biblioteca Cochrane foram rea- de artigos nas categorias aspectos psicossociais
lizados dois modos de busca, com e sem restri- (15) e aspectos espirituais (12). Entendeu-se
ção de período. No primeiro, selecionando o que essa distribuição deveu-se ao fato dos cui-
grupo “pain, palliative care e supportive care” dados paliativos nos países desenvolvidos ocor-
na opção tópicos, e no segundo, realizando uma rerem um grande número de pesquisas volta-
pesquisa (de 1990 a 2003) refinada sem restri- das para o desenvolvimento organizacional vi-
ções, utilizando a expressão “palliative”. No pri- sando à melhoria da qualidade dos serviços.
meiro modo de busca foram identificadas 16 Identificou-se também um pequeno número de
publicações, enquanto no segundo foram iden- publicações relativas aos aspectos espirituais,
tificadas 1.359. Do segundo modo de busca, se- apesar deste número estar aumentando nos úl-
lecionou-se para análise as publicações sobre timos anos.
revisões sistemáticas (145), revisões sobre efe- Na base LILACS, que registra as pesquisas
tividade (48), avaliações tecnológicas em saúde produzidas na América Latina e Caribe, o pre-
(23) e avaliação econômica do NHS (147). domínio foi de publicações na categoria de con-
O banco de teses da CAPES (http://www. trole de sintomas (35) e organização de servi-
capes.gov.br) foi utilizado de forma comple- ços (9), de um total de 45 artigos (78 artigos no
mentar para coletar teses e dissertações do pe- total menos 33 que se repetiam). Esse achado
ríodo de 1991 até 2002 referentes aos temas reforça a afirmação de Singer 7 de que os paí-
“câncer”, “cuidados paliativos”, “cuidados ao fi- ses em desenvolvimento ainda estão em fase
nal da vida”, “medicina paliativa”, “morte”, “fi- de construção de modelos e programas de cui-
nitude” e “cuidados”. Foram encontradas 11 te- dados paliativos, uma vez que a preocupação
ses/dissertações. ainda é com a adoção de práticas de controle
O objetivo do levantamento foi destacar pu- de sintomas e organização de serviços.
blicações recentes que acrescentassem novas Na base da Biblioteca Cochrane, das revisões
discussões à luz dos textos e de autores de refe- sistemáticas completas (74 em 145), a maioria
rência, e identificar as tendências da produção se relacionava com a categoria controle de sin-
científica na área, de acordo com as categorias tomas (63). Das revisões sobre efetividade, ava-
temáticas. liação tecnológica em saúde e avaliação econô-
Os trabalhos foram agrupados em quatro mica do NHS, a maioria se relacionava com a
categorias temáticas: controle de sintomas, or- categoria controle de sintomas (39, 17 e 90, res-
ganização de serviços, aspectos psicossociais e pectivamente).
espirituais. Na primeira categoria (controle de No banco da CAPES foi identificado um nú-
sintomas) foram selecionados trabalhos sobre mero reduzido de teses/dissertações. Apenas
controle da dor e outros sintomas, atenção à 11 abordavam diretamente o tema, sem que
fase terminal da doença e aspectos éticos das qualquer uma delas salientasse as questões
intervenções. Na segunda categoria (organiza- conceituais e de organização de programas e
ção de serviços) foram selecionados trabalhos serviços.
que definiam o papel da equipe interdiscipli- A análise de todo o material bibliográfico (li-
nar, as experiências particulares de cada insti- vros de referência, bases de dados, sítios na In-
tuição, as discussões sobre modelos de aten- ternet, textos de autores referenciais e banco de
ção, o papel da educação e formação de recur- teses e dissertações) foi realizada em três fases:
sos humanos, as iniciativas de controle da qua- crítica do material coletado, análise e interpre-
lidade de serviços e pesquisa em cuidados pa- tação dos textos. É importante ressaltar que a
liativos. Na terceira categoria (aspectos psicos- revisão da literatura serviu como um balizador
sociais) foram selecionados trabalhos que dis- para a construção do texto, ou seja, o predomí-
cutiam o impacto da doença terminal nos indi- nio de publicações científicas na categoria con-
víduos e familiares, os transtornos psicológicos trole de sintomas (35) e organização de servi-
mais freqüentes, os programas de apoio psi- ços (9) nos países em desenvolvimento (base de
cossocial no período da doença e após a morte, dados LILACS) indicava a necessidade do apro-
e os transtornos psicológicos na equipe de saú- fundamento da discussão sobre organização
de. Na quarta categoria (aspectos espirituais) de serviços. O resultado é apresentado a seguir
foram selecionados trabalhos que discutiam o com a seguinte disposição: câncer como um
papel do apoio espiritual nos cuidados ao indi- problema de saúde pública; câncer e seu im-
víduo em fase terminal da doença. pacto no indivíduo; cuidados paliativos e alívio
Na base MEDLINE, observou-se o predomí- da dor; modelos de programas e suas diretri-
nio de artigos na categoria organização de ser- zes; a morte e o morrer; cuidados e cuidadores.

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O câncer como um problema porados progressivamente em todos os níveis


de saúde pública de atenção e que se alcançasse uma grande co-
bertura de indivíduos por meio de atendimen-
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), to domiciliar 2.
ocorre anualmente em todo o mundo mais de Das doenças crônicas degenerativas, o cân-
10 milhões de casos novos e 6 milhões de mor- cer é uma das que mais trazem transtornos aos
tes por câncer. Cerca de 4,7 milhões de casos indivíduos e seus familiares. Sofrimentos de di-
novos ocorrem nos países economicamente versas dimensões acometem tanto os portado-
desenvolvidos, enquanto 5,5 milhões ocorrem res da doença como seus familiares e cuidado-
nos países economicamente menos desenvol- res. Entender o impacto do câncer nos indiví-
vidos. Nos países desenvolvidos o câncer se duos é essencial para estabelecer estratégias de
apresenta como a segunda causa de morte por cuidados.
doença, enquanto que nos países em desenvol-
vimento como terceira causa nesta categoria 2.
Atualmente o câncer é responsável por 12% O câncer e seu impacto no indivíduo
de todas as mortes no mundo. Em aproximada-
mente vinte anos, o número de mortes anuais Além da dor e outros desconfortos físicos para
por câncer irá quase que duplicar, com mais de o indivíduo, o câncer causa impacto quer de
60% dos casos novos e mortes ocorrendo nos ordem psíquica, social e econômica, tanto para
países menos desenvolvidos economicamente. ele como para seus familiares. Nos países sub-
Em todo o mundo, a maioria dos indivíduos desenvolvidos, as perdas são mais intensas,
diagnosticados com câncer apresenta doença principalmente se não existir um sistema for-
avançada e incurável no momento do diagnós- mal de saúde em condições de atender às suas
tico 2. Das 56 milhões de mortes que ocorrem necessidades. Perdas econômicas devidas ao
anualmente no mundo, 85% são nos países me- câncer são óbvias: custos diretos (hospitalares,
nos desenvolvidos economicamente. Cerca de medicamentos, outros serviços de saúde) e cus-
10% destas mortes são devidas ao câncer 2. Ape- tos indiretos (potencial produtivo perdido e so-
sar desses dados apontarem para uma maior brecarga do sistema previdenciário) 2.
necessidade de cuidados paliativos nos países Um estudo publicado em 1996 estimou os
economicamente menos desenvolvidos, a maio- custos diretos nos cuidados com o câncer nos
ria das pesquisas e das iniciativas em cuidados Estados Unidos em 27,5 bilhões de dólares, e os
paliativos tem ocorrido nos países economica- custos indiretos com a mortalidade prematura
mente desenvolvidos. Essa situação pode se em torno de 59 bilhões de dólares 2. Estima-se
caracterizar como um paradoxo, uma vez que a que nas primeiras décadas do século XXI, gran-
aplicação acrítica de estratégias e conceitos de parte dos recursos estará concentrado nos
dos países economicamente mais desenvolvi- cuidados ao final da vida. Em todo o mundo
dos nos países menos desenvolvidos leva a dis- mais indivíduos estarão morrendo de doenças
torções e inadequações organizacionais 7. crônicas ou progressivas do que de condições
Governos, sociedades médicas e de enfer- agudas 2. Nos Estados Unidos, os gastos com
meiros e organizações não-governamentais re- cuidados ao final da vida representam cerca de
conhecem a importância dos cuidados paliati- 27% do orçamento do Medicare, equivalendo a
vos e reafirmam a integração dos seus princí- 10-12% do total de gastos em saúde com este
pios aos programas de saúde pública, princi- tipo de seguro 8.
palmente os Programas Nacionais de Controle Independente do prognóstico, o diagnósti-
de Câncer (como também AIDS). Todos os paí- co inicial de câncer é ainda entendido por mui-
ses deveriam implementar programas de cui- tos indivíduos como um evento que põe suas
dados paliativos com a finalidade de melhorar vidas em risco 2. Transtornos de ordem psíqui-
a qualidade de vida da maioria dos indivíduos ca são freqüentes e levam a uma diminuição da
com câncer (e outras doenças potencialmente sua qualidade de vida e de seus familiares. Se-
fatais) e seus familiares 2. Esses programas es- gundo relatório da OMS de 2002, cerca de um
tariam em condições de oferecer serviços de terço dos indivíduos com câncer apresenta al-
controle da dor (e outros sintomas), suporte so- gum grau de ansiedade e/ou depressão 2. Mui-
cial, espiritual e psicológico. No entanto, sua tos profissionais de saúde acreditam ser natu-
organização é complexa pois depende da dis- ral estar deprimido quando se está morrendo.
ponibilidade de recursos das mais variadas or- Entretanto, é importante saber que esta com-
dens. Se os recursos são escassos, seria aconse- plicação é tratável. Os profissionais de saúde
lhável garantir que padrões mínimos de con- necessitam estar atentos para identificá-la e ca-
trole da dor e cuidados paliativos fossem incor- pacitados para instituir o melhor tratamento

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para cada caso. Outra forma comum de sofri- to humano que surgiu a modalidade de cuida-
mento psíquico (emocional) é a ansiedade. Ela do chamada cuidados paliativos.
é capaz de exacerbar outras formas de sofri-
mento, como por exemplo a dor, e também é
tratável. No cotidiano dos cuidados paliativos, Cuidados paliativos e alívio da dor
percebe-se que o sofrimento psíquico é tão per-
turbador quanto o sofrimento físico, e para mui- Na primeira definição da OMS para cuidados
tos é menos tolerável do que o sofrimento físi- paliativos, em 1998, estes foram categorizados
co. Nem os profissionais de saúde vinculados à como o último estágio de cuidado: “cuidados
assistência estão imunes aos efeitos dos cuida- oferecidos por uma equipe interdisciplinar vol-
dos aos indivíduos com câncer 2. É comum os tados para pacientes com doença em fase avan-
profissionais de saúde que lidam com indiví- çada, ativa, em progressão, cujo prognóstico é
duos muito enfermos ou moribundos apresen- reservado e o foco da atenção é a qualidade de
tarem exaustão emocional, insônia, absenteís- vida” 6 (p. 3). Entretanto, é sabido que os cuida-
mo, abuso de álcool e outras substâncias, além dos paliativos podem e devem ser oferecidos o
de sintomas somáticos 2. mais cedo possível no curso de qualquer doen-
As relações sociais costumam se modificar ça crônica potencialmente fatal, para que esta
pela presença do câncer. Tanto para aqueles não se torne difícil de tratar nos últimos dias
com câncer quanto para seus familiares e ami- de vida 2. A mais recente definição da OMS es-
gos, questões como perda do poder aquisitivo, tabelece que “cuidados paliativos é uma abor-
isolamento social, tensão familiar, manuten- dagem que melhora a qualidade de vida dos pa-
ção dos laços de amizade, capacidade de man- cientes e seus familiares frente a problemas as-
ter o emprego ou os estudos, entre outros, são sociados à doença terminal, através da preven-
comuns e desafiadores para os que convivem ção e alívio do sofrimento, identificando, ava-
com o câncer. Muitas vezes, um diagnóstico de liando e tratando a dor e outros problemas, físi-
câncer implica não somente em uma diminui- cos, psicossociais e espirituais” 2 (p. 84).
ção no salário, mas uma perda das reservas eco- Além da dor (um dos sintomas mais fre-
nômicas na busca por tratamentos que nem qüentes), outros sintomas acometem os indiví-
sempre aumentam a sobrevida. Atitudes so- duos com câncer, como: anorexia, depressão,
ciais perante a doença podem isolar uma pes- ansiedade, constipação, disfagia, dispnéia, fra-
soa, e os cuidados prestados podem levar a si- queza, entre outros. Todos diminuem de algum
tuações estressantes na relação íntima com o modo sua qualidade de vida, merecendo, por-
enfermo. Medo e luto antecipado podem ocor- tanto, a atenção dos profissionais de saúde. À
rer nos indivíduos com câncer terminal e seus medida que a doença progride, maior é a ne-
cuidadores, podendo causar mudanças na ori- cessidade de cuidados paliativos, o que os tor-
entação das relações afetivas. na quase que exclusivos ao final da vida, po-
Os textos literários são excelentes fontes pa- rém, não terminando com a morte do indiví-
ra se obter relatos da experiência do morrer e duo com câncer. Segundo a OMS 2, a propor-
do enlutamento antecipado. Um dos textos con- ção de indivíduos com câncer que requerem
siderados mais ilustrativos desta experiência é cuidados paliativos nos países menos desen-
o conto A Morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstoi volvidos economicamente é de 80%. Como o
9. Nele, Tolstoi relata a trajetória de um funcio- sofrimento de um indivíduo pode se apresen-
nário público na Rússia czarista nos últimos tar sob diversas dimensões (físico, psicológico,
meses de sua vida. O autor reflete sobre a con- espiritual, social, econômico), assim também
dição do personagem como portador de uma devem ser as dimensões do cuidado aos indiví-
doença intratável e fatal. Descrevendo as diver- duos sob cuidados paliativos.
sas fases de seu sofrimento (do diagnóstico à Atualmente, vêm sendo empregados com
morte), apresenta questões como a relação mé- mais freqüência e indistintamente os termos
dico-paciente, a autonomia do indivíduo, as re- cuidados paliativos, medicina paliativa, hospi-
lações familiares, o isolamento e a perda da ca- ce (sem tradução para o português), nursing ou
pacidade de trabalho, entre outras. residential homes (asilos ou casas de repouso).
Portanto, ao se planejar ações para contro- É preciso conceituá-los e estabelecer as dife-
lar os impactos do câncer nos indivíduos e seus renças. A definição de cuidados paliativos da
familiares, deveria ter-se a sensibilidade (e a OMS já foi apresentada. Hospice pode ser utili-
capacidade) de identificar desordens do cam- zado para descrever uma filosofia de trabalho
po físico, bem como do campo psíquico, social voltada aos indivíduos com doenças terminais
e espiritual. Foi com o objetivo de identificar e (Estados Unidos), um prédio ou edifício onde
cuidar destas diversas dimensões do sofrimen- são praticados os cuidados paliativos (Estados

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2060 Silva RCF, Hortale VA

Unidos, Inglaterra) ou o programa de cuidados fissionais, considerados inovadores por perce-


regularmente oferecido ao final da vida (Esta- berem a necessidade de oferecer cuidados pa-
dos Unidos, Inglaterra). Medicina Paliativa é liativos em suas unidades de saúde. Recente-
uma nova especialidade médica reconhecida mente, nos Estados Unidos, os cuidados paliati-
na Inglaterra em 1987 e, em muitos países, uma vos foram reconhecidos como um componente
área de especialização oferecida por progra- essencial nos cuidados do câncer. Embora o nú-
mas de pós-graduação. Nursing homes ou resi- mero de programas em cuidados paliativos te-
dential homes poderiam ser considerados o nha crescido, o número de programas inseridos
equivalente aos asilos ou casa para idosos no em instituições hospitalares ainda é pequeno 12.
Brasil. Não possuem uma equipe especializada Quando não inseridos em uma instituição
em cuidados paliativos, sua clientela permane- hospitalar, os programas de cuidados paliati-
ce mais tempo internada, o número de indiví- vos podem estar inseridos em asilos, casas de
duos com câncer é pequeno e normalmente é repouso, moradias assistidas, hospices, clínicas
constituída de solteiros ou viúvos 10. Indepen- e no domicílio (home care). Iniciativas para im-
dente da confusão acerca dos conceitos, os cui- plantar e manter programas de cuidados palia-
dados paliativos desenvolveram-se como uma tivos deveriam estar adequadas às necessida-
resposta às contínuas dificuldades em cuidar des quer dos usuários, dos provedores, dos ser-
dos indivíduos com câncer e suas famílias. A viços de saúde, quer da comunidade. Modelos
importância em entender esse indivíduo e sua de programas para adultos não são considera-
família como uma unidade é uma característi- dos adequados para atender às necessidades
ca desse cuidado. de crianças e adolescentes 13.
A discussão atual volta-se para a possibili- O maior desafio dos cuidados paliativos é
dade de entender cuidados paliativos como um integrar-se aos cuidados curativos. Paliar é uma
conceito que permeia todo o cuidado, ou seja, dimensão crítica dos cuidados em saúde e to-
do diagnóstico à morte, incluindo o processo dos os profissionais de saúde deveriam saber
de luto. Em síntese, cuidados paliativos e hos- quando os cuidados paliativos são necessários.
pice afirmam seis princípios 1: valoriza a vida e Quando qualquer indivíduo se aproxima dos
considera a morte como um processo natural; últimos momentos de uma condição de saúde
nem abrevia nem prolonga a vida; provê o alí- debilitante, a necessidade de cuidados paliati-
vio da dor e outros sintomas; integra os aspec- vos aumenta. Neste momento (e após o óbito),
tos psicológicos e espirituais dos cuidados, assegurar este tipo de atenção propicia um cui-
permitindo oportunidades para o crescimento; dado de qualidade não importando se ofereci-
oferece uma equipe interdisciplinar e um siste- do em uma instituição de saúde ou na residên-
ma de suporte para a família durante a doença cia do indivíduo.
do indivíduo e no período de enlutamento. Uti- Os modelos de programas e sua inserção no
lizando estes princípios como norteadores das sistema de saúde podem se dar das seguintes
ações, passamos, a seguir, à análise dos mode- formas 13: (1) consultoria – consiste de avalia-
los de programas. ções de médico, enfermeiro e/ou assistente so-
cial, geralmente em um hospital, clínica, hos-
pice, asilo ou em domicílio (home care); (2) uni-
Modelos de programas dade para pacientes internos – geralmente lo-
e suas diretrizes calizada num hospital, hospice ou asilo; (3) con-
sultoria e unidade para pacientes internos –
Como já apresentado anteriormente, cuidados geralmente localizado em um hospital, hospice
paliativos se propõem a aliviar o sofrimento e ou asilo; (4) unidade para pacientes externos e
melhorar a qualidade de vida dos indivíduos consultoria – geralmente localizada em um hos-
com doença avançada e seus familiares por pital, hospice ou clínica (com/sem home care);
meio de um conhecimento específico e habili- (5) unidade para pacientes externos e internos
dades, incluindo boa comunicação com estes e consultoria – geralmente localizado em um
indivíduos e seus familiares; controle da dor e hospital ou hospice (com/sem home care).
outros sintomas; suporte espiritual, psicosso- É importante salientar que não existe um
cial e no enlutamento; e coordenação dos di- modelo ideal. A escolha de um ou mais mode-
versos serviços médicos e sociais 11. los é definida pelas necessidades da popula-
Geralmente os cuidados paliativos são ofe- ção, dos provedores (públicos ou privados) e
recidos por meio de programas inseridos ou dos serviços de saúde. Os programas de cuida-
não em instituições hospitalares. Nos progra- dos paliativos, independente de estarem inse-
mas vinculados a instituições hospitalares, tor- ridos em unidades hospitalares ou não, deve-
na-se claro o esforço individual de alguns pro- riam seguir certas diretrizes que possibilitariam

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CUIDADOS PALIATIVOS ONCOLÓGICOS 2061

alcançar os objetivos de aliviar o sofrimento e A morte e o morrer


melhorar a qualidade de vida dos indivíduos
com doença avançada e seus familiares. Estas A sociedade contemporânea tem cada vez mais
diretrizes podem ser agrupadas em seis domí- dificuldade em pensar a questão da morte e do
nios: físico, psicológico, social, espiritual, cul- morrer, apesar de tornar-se uma sociedade de
tural e estrutural 14. risco, com múltiplas possibilidades de experi-
• Domínio físico: avaliação interdisciplinar mentar a vulnerabilidade e enfrentar a morte
do indivíduo e sua família; cuidados centrados em situações violentas de vários tipos. No sé-
nele e em sua família (respeito aos seus dese- culo XX, a morte outrora tão presente na vida
jos); controle dos sintomas baseado em evidên- familiar, vai sendo recalcada. A presença da
cias; adequação do ambiente onde o cuidado é morte gera incômodos provocados pela sua
realizado. presença numa sociedade que vive pelo prazer.
• Domínio psicológico: avaliar o impacto da A partir da década de 30, o local da morte é
doença terminal no indivíduo e familiares; esta- transferido das residências para os hospitais. A
belecer um programa de enlutamento; estabele- expulsão da morte (individual) da cena con-
cer um programa de cuidados do staff clínico. temporânea, da interdição do luto e do direito
• Domínio social: avaliar as necessidades so- de chorar seus mortos, são componentes ca-
ciais do indivíduo e sua família; estabelecer racterísticos da civilização contemporânea oci-
uma abordagem individualizada e integrada; dental. Este recalcamento do pensamento da
manter a comunidade alerta sobre a importân- morte, na persistência das ocasiões de expe-
cia dos cuidados paliativos; incluir a proposta riência da morte, pode ser considerado como
de cuidados paliativos na formulação de políti- uma conseqüência do processo civilizador 15.
cas sociais e de saúde. Uma vez que a morte é ocultada, e que so-
• Domínio espiritual: as crenças religiosas de- bre ela se fixem um conjunto de valores negati-
vem ser reconhecidas e respeitadas; suporte es- vos, o moribundo é algo que incomoda. Seu
piritual e religioso para indivíduos e familiares. sentido no ambiente hospitalar é negativo, é
• Domínio cultural: o serviço de cuidados pa- algo que precisa ser escondido sob o discurso
liativos deve atender às necessidades culturais técnico da biomedicina, irreconhecível como
dos indivíduos e familiares; deve refletir a di- humano. Ao mesmo tempo, na sociedade avan-
versidade cultural da comunidade a qual serve; çada, a consciência da legitimidade moral da
programas educacionais devem ser oferecidos cultura do respeito da autonomia do indivíduo
aos profissionais para que atendam a esta di- acrescenta uma nova atmosfera ao redor do
versidade cultural. morrer, na qual a tarefa dos médicos de fazer
• Domínio estrutural: equipe interdisciplinar todo o possível para impedir ou postergar a
(serviços médicos, de enfermagem e auxilia- morte é discutível 15. É sobre essa construção
res); incorporar voluntários; treinamento espe- social que os cuidados paliativos emergem co-
cializado em cuidados paliativos para a equipe mo uma alternativa às práticas instituídas. Cui-
interdisciplinar; incorporar atividades de me- dados paliativos ocupam o espaço entre a com-
lhoria da qualidade dos serviços e de pesquisa petência técnica da medicina curativa e a cul-
clínica e de processos gerenciais. tura do respeito à autonomia do indivíduo no
O National Consensus Project for Quality que se refere às suas decisões extremas (incluin-
Palliative Care 13 acrescenta mais duas dimen- do a prerrogativa de dizer que não quer mais
sões (ou domínios): domínio dos cuidados ao viver sofrendo) 15.
moribundo (últimas 24-48h) e domínio dos as- Toda sociedade tem de dar conta da morte
pectos éticos e legais do cuidado (bioética do e dos mortos, e, por conta disso, há padrões di-
final da vida). Os objetivos das diretrizes se- cotômicos de comportamento 16. De um lado
riam promover a qualidade dos serviços; redu- há sistemas que se preocupam com a morte, de
zir as variações entre serviços novos e os já outro, os que se preocupam com o morto. Há
existentes; estimular a continuidade dos cui- uma tendência em ver a morte como importan-
dados em todos os níveis de atenção; facilitar te, descartando o morto, e uma outra que ten-
parcerias entre os programas, a comunidade e de a ver o morto como básico, descartando a
outras unidades de atenção à saúde. morte. Na sociedade moderna não há luto nem
Os cuidados paliativos são oferecidos, pre- qualquer tipo de contato com os mortos. Uma
dominantemente, para indivíduos ao final da atitude inversa é encontrada nas culturas tri-
vida (moribundos). Da compreensão das cren- bais e tradicionais (relacionais), onde o sujeito
ças e costumes em relação à morte e ao morrer, social não é o indivíduo, mas as relações entre
emergirão propostas para intervenções ao final indivíduos. Nelas, ocorre uma grande elabora-
da vida coerentes com a cultura local. ção relativa ao mundo dos mortos, que são in-

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vocados, chorados, relembrados, homenagea- qualidade de vida e suporte aos mesmos. Não
dos e usados sem cerimônia pela sociedade. somente os profissionais de saúde, mas tam-
Tudo isso acompanhado de um silêncio pro- bém familiares e amigos, comunidade e insti-
fundo sobre a morte 16. tuições sociais, deveriam ser motivados para os
No Brasil, segundo Da Matta 16, se fala muito cuidados ao indivíduo com câncer e, em con-
mais dos mortos do que da morte. Isso implica seqüência, serem qualificados para tal.
uma contradição, uma vez que falar dos mortos
já é uma forma sutil e disfarçada de negar a mor-
te, fazendo prolongar a memória do morto. Para Cuidados e cuidadores
esse autor, a morte no Brasil é concebida como
uma passagem de um mundo a outro, uma me- Com o progresso da medicina, principalmente
táfora de subida ou descida, algo verticalizado no último século, os cuidados ao final da vida
como a própria sociedade brasileira. Finaliza passaram a ser realizados, sobretudo nos paí-
suas considerações com uma frase primorosa: ses desenvolvidos, em um ambiente impessoal,
“... podemos entender por que no Brasil a morte cercado de pessoas estranhas, muitas vezes
mata, mas os mortos não morrem” 16 (p. 158). sob monitoramento de aparelhos eletrônicos e
Dentre os que já tiveram a oportunidade de submetidos a procedimentos médicos invasi-
acompanhar as fases finais de um indivíduo ao vos. Esse panorama reflete o que é denomina-
final da vida, muitos experimentaram descon- do “medicalização da morte” 19. Na contramão
forto, principalmente se esse indivíduo foi um desse processo encontram-se os cuidados pa-
ente querido. É fácil compreender a dificulda- liativos ou os cuidados ao final da vida. O cui-
de que os médicos, bem como outros profissio- dado, segundo Boff 20, possui muitas repercus-
nais de saúde, têm em lidar com essas situa- sões, conceitos afins que emergem do cuidado
ções. Muitas vezes, sob o disfarce da afirmativa e o traduzem em atitudes e ações. Uma dessas
“não há mais nada a fazer por ele”, esconde-se repercussões é a compaixão. Trata-se da capa-
a dificuldade em lidar com a morte. Na verda- cidade do ser humano de compartilhar o sofri-
de, não é exatamente a morte a principal difi- mento (ou alegrias) do outro, construindo a vi-
culdade, mas sim o acompanhamento do indi- da em sinergia com este. Não é passiva e nem
víduo que está morrendo. Nas últimas décadas, representa um sentimento de piedade. Como
a literatura tem sido pródiga em publicações salienta Caponi 21, a motivação para a compai-
sobre as atitudes do médico diante da morte e xão com a pessoa que sofre pode ser resultado
do doente terminal 17. Apesar da grande proje- de um sentimento de que algo semelhante po-
ção sobre o assunto em anos recentes, os senti- de acontecer a qualquer um (solidariedade ge-
mentos dos médicos e dos estudantes de me- nuína), de outra forma, pode também ser mo-
dicina em relação à morte e o morrer são pou- tivada por um sentimento de piedade pelos
co conhecidos. que sofrem ou pelo simples fato de pensar que
É importante destacar que os grandes pro- socorrer os infortunados contribui para o bem
gressos da medicina instrumental não foram comum. A solidariedade genuína procura to-
acompanhados de progressos na atenção aos mar como ponto de partida as diferenças entre
indivíduos com câncer. É como se os progres- os que sofrem. Existindo a diferença, o diálogo
sos científicos, voltados para a efetividade, fos- é essencial para se criar vínculos. E nesse diá-
sem incompatíveis com os cuidados, voltados logo são estabelecidos modelos de atenção que
para a afetividade. Os hospitais dispõem de respeitam as crenças e saberes daqueles indiví-
equipamentos e tecnologias de última geração, duos, e principalmente não permitem a exclu-
mas são incapazes de desempenhar sua função são ou a adoção de projetos (de cuidados) pré-
primeira: oferecer hospitalidade. “Ao seculari- estabelecidos.
zar os tratamentos, o hospital parece que se de- Em geral, a maior parte do tempo do último
sumanizou” 18 (p. 43). Daí surgirem os movi- ano da vida dos indivíduos é passada em casa,
mentos para humanização dos serviços, como muito embora 90% deles passem algum tempo
se a aplicação da técnica fosse “desumana”. O em um hospital e 55% das mortes ocorram nes-
fator humano parece formado para desempe- te local 22. As obrigações e recompensas de cui-
nhar papel de máquina reparando outras má- dar de pessoas no seu último ano de vida são
quinas. Não são formados para desempenhar compartilhadas pelos cuidadores informais
uma parte significante de sua função que é cui- (parentes, amigos e vizinhos) e formais (profis-
dar de seres humanos. sionais de saúde) 22. Cerca de 75% das pessoas
Diversos atores sociais estão envolvidos nos recebem cuidados em casa por meio de cuida-
cuidados ao moribundo e desempenham pa- dores informais, sendo que a maioria deles é de
pel importante no compromisso de oferecer mulheres. Quase a metade dos indivíduos com

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câncer recebe cuidados de dois ou mais paren- Sem o apoio da família e dos amigos (cui-
tes, freqüentemente a esposa e um filho adul- dadores informais), seria difícil para muitos in-
to. Aproximadamente 2/3 destes indivíduos re- divíduos permanecerem em casa. Normalmen-
cebem alguma forma de cuidado formal 22. te os familiares assumem os cuidados, no en-
Com a transição demográfica observada no tanto amigos e vizinhos também podem assu-
Brasil, uma significativa parcela dos indivíduos mir papéis de cuidadores informais. A tarefa de
com câncer está em idade avançada. Essa po- cuidar está sob a responsabilidade quase ex-
pulação (bem como a idosa) é freqüentemente clusiva da família, uma vez que a organização
dependente de uma ou mais pessoas. A atual comunitária também se mostra bastante defi-
tendência em muitos países, e no Brasil tam- ciente 26. Os cuidadores informais necessitam
bém, é sugerir a permanência dessa população de informação e orientação sobre a doença do
em suas casas, sob os cuidados de sua família 23. indivíduo e como cuidá-lo, além de suporte psi-
Em vários programas de cuidados paliativos no cológico e social 22.
Brasil e no mundo são utilizados cuidados do- Estar bem informado sobre a doença do in-
miciliares como estratégia de oferecer cuida- divíduo parece diminuir a ansiedade referente
dos humanizados. a medos improváveis e irreais. Como a grande
A delicada relação entre o cuidador e o in- maioria dos cuidadores informais não possui
divíduo ao final da vida permite inferir que a treinamento em enfermagem, beneficiam-se de
humanização, muitas vezes, está longe de acon- instruções práticas, tais como administrar re-
tecer. “Não é necessariamente o local que hu- médios, mudança de posição no leito, entre ou-
maniza a relação terapêutica, mas, sim, o inte- tros. É alta a prevalência de sintomas como an-
resse empático que o profissional desenvolve pe- siedade e depressão, como também distúrbios
lo paciente” 24 (p. 991). Se o objetivo é aperfei- do sono e perda de peso 22. A preferência do cui-
çoar a qualidade dos cuidados oferecidos a es- dador pelo local da morte do indivíduo é uma
sa população, torna-se fundamental reconhe- informação que freqüentemente não está dis-
cer as necessidades dos cuidadores formais e ponível. Desgaste psicológico, falta de apoio de
informais e estabelecer estratégias de suporte enfermagem e ausência de equipamentos são
para os mesmos. as justificativas mais comuns para admitir no
Vários profissionais de saúde (cuidadores hospital indivíduos moribundos 22.
formais) estão envolvidos com os cuidados ao Quanto aos cuidados realizados por um cui-
indivíduo no final da vida e em diferentes locais dador informal, dois aspectos devem ser salien-
(hospitais, ambulatórios, asilos e residências). tados: as condições necessárias à manutenção
As atividades assistenciais levam a diversas for- dos cuidados na residência e as condições que
mas de estresse, mas também proporcionam realmente a família dispõe para ser responsa-
momentos de satisfação. É reconhecida a ocor- bilizada pelo mesmo. Sabe-se que os gastos fa-
rência da Síndrome de Burnout (Síndrome de miliares com os indivíduos ao final da vida são
Esgotamento Emocional) entre os profissionais crescentes e, muitas vezes, o cuidador também
de saúde que lidam com a morte ou situações é o provedor (ou um dos provedores) dos recur-
próximas da morte 25. É importante ressaltar sos financeiros, e que, infelizmente, o sistema
que a prevalência de morbidade psiquiátrica de seguridade social no Brasil não tem conse-
entre médicos e enfermeiras que trabalham guido cumprir seu papel, recaindo sobre a fa-
com cuidados paliativos e hospices é menor do mília a cobertura destas falhas 26. Outros fato-
que em outros profissionais de saúde 26. res como o baixo nível de renda, baixa escolari-
Manter e aprimorar a saúde mental dos tra- dade, carência de serviços públicos e de sanea-
balhadores é essencial para os próprios profis- mento básico são indicadores da precariedade
sionais de saúde, bem como para a qualidade das condições e qualidade de vida, e apontam
dos cuidados oferecidos aos indivíduos. Algu- para dificuldades no cuidado desses indivíduos
mas estratégias sugeridas para melhorar a saú- na comunidade 26.
de mental dos profissionais de saúde em cui-
dados paliativos são: manter uma cultura de
cuidados paliativos, oferecer treinamento em Considerações finais
comunicação e gerenciamento, oferecer super-
visão clínica adequada e que inclua as diversas O objetivo maior deste trabalho foi apresentar
dimensões dos cuidados ao indivíduo (física, a discussão atual sobre os cuidados paliativos
social, psicológica e espiritual) e oferecer um oncológicos. Para isso, a estratégia foi mostrar
serviço de saúde mental independente que um panorama amplo sobre cuidados paliativos
atenda problemas de caráter pessoal e os rela- no que diz respeito a conceitos, organização de
cionados ao trabalho 22. programas e desafios futuros.

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Entende-se que essa discussão é essencial res têm papel determinante na estruturação de
para a definição de políticas, programas e ser- modelos de programas e serviços.
viços em cuidados paliativos. Procurou-se dei- O Brasil ainda não possui uma estrutura pú-
xar claro que o período que antecede a morte blica de cuidados paliativos oncológicos ade-
de um ser humano portador de uma doença quada à demanda existente, tanto sob o ponto
crônica avançada, progressiva e incurável é tal- de vista quantitativo e qualitativo. Em pior si-
vez um dos períodos mais importantes de sua tuação encontra-se o subsetor privado de saú-
vida. Não somente pelo seu caráter irremediá- de. Preocupante é reconhecer que a maioria dos
vel, mas principalmente pelos distúrbios psí- indivíduos com câncer procura a rede pública
quicos, financeiros, afetivos e físicos que com- de serviços com a doença em estágio avançado
prometem os indivíduos, seus familiares e cui- e elegíveis apenas para cuidados paliativos. Tor-
dadores. O modo como os indivíduos morrem na-se urgente o conhecimento dos conceitos
modificou-se nos últimos cinqüenta anos. Pas- fundamentais dos cuidados paliativos e hospice,
sou-se a “medicalizar” ou “institucionalizar” a bem como empreender esforços para implemen-
morte. Este é o final do processo iniciado quan- tar iniciativas centradas no cuidar solidário nos
do a ciência assumiu o compromisso de lutar serviços de saúde, sejam públicos ou privados.
contra a morte. Como conseqüência, a morte O sistema de saúde brasileiro enfrenta gran-
significa derrota, vergonha e falha; tudo que o des desafios para o novo século. Uma das gran-
sistema moderno de saúde precisa esconder des questões é o aumento da população idosa
sob suas instituições. e o crescente número de indivíduos com cân-
Na década de 60, inicialmente na Inglaterra cer e doenças cardio e cerebrovasculares. Esse
e posteriormente estendendo-se ao restante da cenário indica a necessidade de se estabelece-
Europa e aos Estados Unidos, a idéia de uma rem políticas de saúde voltadas para os indiví-
morte mais digna, menos sofrida, próxima das duos ao final da vida. Por meio dos modelos de
pessoas que se ama e que nos são caras, propor- programas de cuidados paliativos e suas dire-
cionou a criação de um movimento de cuidados trizes de ação, se poderiam estabelecer as ba-
mais humanizado, integral, voltado mais espe- ses técnicas para discutir uma política nacio-
cificamente para indivíduos com doenças crô- nal de cuidados ao final da vida. Reconhece-se,
nicas, progressivas e sem possibilidade de trata- entretanto, que a singularidade do tema requer
mento curativo 5. Foi a partir desse movimento uma discussão multisetorial e com a participa-
que as discussões sobre os cuidados aos indiví- ção efetiva da sociedade civil. Talvez a análise
duos ao final da vida passaram a ganhar espaço do movimento da reforma psiquiátrica brasi-
nos serviços de saúde. Se for admitido que a na- leira possa contribuir para sugerir estratégias
tureza da formação do profissional de saúde de ação, uma vez que observadas as devidas
que lida com a terminalidade é complexa, será proporções, os dois temas (doença mental e
fácil compreender porque a preocupação com a morte) guardam semelhanças, tais como: são
formação de recursos humanos neste campo é temas polêmicos, estigmatizados, envolvem
mais do que urgente, porque passa a exigir aten- diretamente as famílias, propõem mudanças
ção a todas as dimensões do ser (plano físico, paradigmáticas e de atitudes, envolvem mu-
espiritual, social, psicológico e econômico). danças na legislação, necessitam de coordena-
O ser humano como tal deveria investir-se ção dos diversos níveis de atenção à saúde,
da responsabilidade e do dever de cuidar de propiciam conflitos de interesse e acarretam
seus semelhantes. Mas que forma de cuidado ações de educação em saúde.
se poderia oferecer? Uma das traduções do cui- A contribuição deste trabalho consistiu em
dado é a compaixão. A capacidade do ser hu- apresentar algumas considerações sobre cui-
mano de compartilhar o sofrimento ou a ale- dados paliativos oncológicos, com a finalidade
gria com o outro. No entanto, qual seria a mo- de motivar um debate com a participação de
tivação para a compaixão? O que motiva a com- todos os atores sociais interessados em promo-
partilhar o sofrimento dos moribundos? A mo- ver um sistema de saúde mais justo e humani-
tivação fundamentada pela piedade ou pelo fa- zado, e que entendam a morte como um pro-
to de que socorrendo os infortunados se esta- cesso natural e irremediável. Todos irão morrer
ria contribuindo para o bem comum não garan- um dia. Alguns, próximos aos seus entes queri-
te o respeito pelo beneficiado. Tornar-se-ia ne- dos, em um ambiente familiar, com seus sinto-
cessário desenvolver o sentimento de solida- mas controlados e sua autonomia preservada.
riedade. É na solidariedade que o diálogo se es- Outros, isolados, em um ambiente impessoal,
tabelece e que as crenças e saberes são respei- com dor e outros sintomas não controlados e
tadas. No caso dos cuidados paliativos fica cla- impossibilitados de exercer sua autonomia. A
ro que características culturais, crenças e valo- escolha depende de todos nós.

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Resumo Referências

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tor principal, e para tanto o apoio financeiro da Coor- a comprehensive cancer center: clinical and fi-
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