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Acústica de auditórios

Autor: José Augusto Nepomuceno

Navegando por aí, encontrei um artigo excepcional sobre projeto acústico de auditórios. O texto não fala
especificadamente sobre igrejas, mas o conhecimento passado é muito importante para todos nós, que
em geral vivemos nos digladiando com a acústica de nossas igrejas. O autor é Consultor em Acústica.
Participou de importantes projetos, como os da Sala São Paulo, Theatro São Pedro, Teatro de Araras,
Teatro Alfa-Real, Credicard Hall.

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Ao invés de preparar um artigo propriamente dito, decidi dividir algumas das minhas dúvidas e
reflexões sobre a acústica de auditórios com o leitor da Revista dos Eventos. São questões que
se referem à relação entre arquitetura e acústica, assunto raramente mencionado mesmo nas
revistas de arquitetura.

Um renomado arquiteto e querido amigo me perguntou: "O que há de mais avançado atualmente na
acústica de salas?". Frente ao velho mestre, ensaiei como resposta descrições de circuitos eletrônicos ou
modelos computacionais, mas respondi com a sinceridade que ele merece: "Entender que arquitetura e
acústica formam um único corpo". Cada vez mais nos convencemos de que a qualidade acústica de um
espaço não é função apenas dos seus acabamentos, mas principalmente da geometria e volumetria. Tudo o
que é incorporado (ou deixa de ser) no auditório determina sua qualidade acústica.

Espantosamente, a colaboração entre arquitetura e acústica nas fases iniciais de projetos de auditórios e
teatros parece ser ainda um tabu no Brasil. E digo espantosamente porque a arquitetura brasileira nada
deve à dos países desenvolvidos, onde é normal que o projeto arquitetônico seja antecedido pelas
diretrizes básicas de acústica e planejamento teatral. Nem por isso o arquiteto deixa de ser o autor do
projeto! Ninguém duvida de que o Berlin Philharmonie tenha sido projetado por Hans Scharoun, embora
o acústico Lothar Cremer tenha colaborado e interferido desde o início; ninguém tira de Carlos
Villanueva e seus colaboradores a autoria da Aula Magna de Caracas, embora os coloridos móbiles de
Alexander Calder instalados no teto para resolver uma questão acústica sejam marca inesquecível da sala!

Na mão contrária a esse procedimento, a consultoria em acústica no Brasil é freqüentemente chamada na


fase de anteprojeto ou detalhamento, quando os aspectos fundamentais que governam a resposta acústica
do espaço já estão definidos. E aí ficamos todos reclamando de que as salas por aqui não têm a mesma
acústica que as do exterior, ou tentando acreditar que os consultores "internacionais" podem fazer
milagres acústicos dos quais os profissionais locais são incapazes.

Arquitetura e acústica formam um único corpo; é a arquitetura que determina a acústica do espaço.Talvez
esta seja a lição mais importante que arquitetos e acústicos aprenderam em todo o mundo. O projeto
acústico de auditórios, teatros ou salas de concerto não é cosmética da arquitetura. É importante sepultar
definitivamente a idéia redutora e medíocre de que um "tratamento acústico adequado" possa resolver
problemas contidos no desenho arquitetônico. Os clientes dependem de nossa ajuda para entender que a
colaboração profissional entre arquitetura e acústica se faz desde o início do projeto.

Poderia dar vários exemplos dessa colabo-ração no exte-rior e alguns poucos no Brasil. Mas a melhor
prova recente são as diretrizes de projeto da nova Ópera de Oslo, na Noruega. Todos os requisitos
acústicos (geometria preferencial, volume, número de balcões, formas a serem evitadas) estão muito bem
estabelecidos no programa de projeto antes que a arquitetura tenha sido desenvolvida ou sequer
contratada.

Ao longo do século XX, os acústicos passaram a entender como a forma de uma sala influencia sua
qualidade acústica. Por tentativa e erro, estabeleceu-se, por exemplo, que a forma de uma caixa de sapato
é a melhor para salas de concerto devido aos benefícios das reflexões laterais. São salas longas, altas e
estreitas como o Boston Shymphony Hall, o Royal Festival Hall ou a Sala São Paulo.

A influência dos anfiteatros e primeiros cinemas pode ser vista nos auditórios em forma de leque. Essa
geometria normalmente apresenta problemas para espetáculos de música devido à falta de reflexões
acústicas laterais, mas pode ser utilizada com sucesso em auditórios de convenções, palestras e debates, e
até mesmo em teatros. Exemplos de salas em forma de leque são o Barbican Hall em Londres ou o Teatro
Cultura Artística em São Paulo.

Se um auditório com capacidade para 125 pessoas destina-se preferencialmente à apresentação de


palestras, ele terá um caminho de projeto; mas se esse mesmo auditório tiver a característica de uma sala
de recital, onde serão apresentados solos musicais ou de teatro, obviamente o desenvolvimento do projeto
será outro. Por exemplo: enquanto no primeiro caso um ambiente com 2,5m3/assento é adequado para dar
partida ao projeto, no segundo caso estamos pensando em algo como 6,0 m3/assento.

Fico pensando que alguns pecados acústicos podem ser evitados logo de início nos projetos. Quando vejo
uma sala circular, torço para que ela se destine exclusivamente a palestras, mas não para teatro ou música.
Salas circulares apresentam problemas sérios de geração de foco sonoro e péssima distribuição do som.

Da mesma forma, salas em forma de leque, muito abertas, com as paredes situadas a mais de 30m uma da
outra, não servem para teatros ou salas de música por falta de reflexão acústica lateral. Se esse formato
for utilizado num auditório, o ângulo de abertura da parede lateral não deve ter mais de 30º e a parede do
fundo precisa ser plana, e não côncava.

Nossos ouvidos não conseguem localizar sons no plano vertical, e as reflexões acústicas do forro são
percebidas como sons vindos do palco – uma ilusão muito útil. Um forro refletivo é, portanto, um
componente essencial para auditórios. Muitos autores preferem desenhar o forro de forma a propagar o
som para as partes posteriores (fundo) da platéia. A quantidade de material absorvente deve ser dosada
apenas na fase de definição dos acabamentos. É um equívoco acreditar que lambris ou painéis podem
corrigir desvios acústicos incorporados no desenho arquitetônico. Uma parede posicionada de forma
incorreta não pode ser corrigida com tratamento acústico. Quando muito, seus defeitos podem ser
minimizados.

Um eco é outro inimigo mortal. Uma vez detectado, deve ser corrigido, porque as pessoas o percebem e
se incomodam. Superfícies côncavas no fundo de auditórios e frentes de balcões são fontes potenciais de
geração de ecos.

Auditórios devem ser silenciosos, e para tanto existem critérios acústicos a serem adotados. Um nível de
20 dB(A) pode ser aceitável num auditório, mas é excessivo para uma sala de música. O controle de
ruídos (tráfego, salas adjacentes, ar condicionado, hidráulica e equipamentos) é uma importante
preocupação no projeto de auditórios. As casas de máquinas devem ser todas colocadas em pontos
remotos, distantes das áreas acusticamente classificadas.

Se os profissionais brasileiros de arquitetura e acústica conseguirem se aproximar logo no início dos


projetos, respeitando os limites de suas respectivas atividades, os requisitos do programa de projeto e a
autoria do projeto arquitetônico, inverteremos essa noção tola de que, para conhecer auditórios com boa
acústica, será preciso levantar vôo rumo ao Hemisfério Norte.

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