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O CONFLITO DO IRAQUE SOB DIFERENTES PRISMAS: UMA ANÁLISE

ACERCA DA TRÍADE REALISTA, LIBERALISTA E CONSTRUTIVISTA

Os atentados de 11/9 se enquadram nos acontecimentos que tiveram papel


relevante no processo de reordenamento do poder mundial. Não somente catalisaram
esses ajustes, como culminaram no desmoronamento da sensação de
invulnerabilidade norte-americana, acarretando em mudanças substanciais na política
externa norte-americana, culminando na criação do que posteriormente ficou
conhecido como a “Doutrina Bush”. Foram então determinados, em nome da
segurança nacional, possíveis alvos de intervenção (Eixo do Mal: Irã, Iraque, Coréia
do Norte), acenando para medidas unilaterais e preventivas contra qualquer perigo à
segurança nacional.
A invasão do Iraque, segundo o discurso de Bush, era uma conseqüência
natural e necessária como ato preventivo em um plano maior de Guerra contra o
Terror. “Tratava-se de um encaminhamento natural da guerra contra o terror, segundo
o discurso preventivo e um foco essencial, e tradicional, do interesse no Oriente
Médio.” 1 A invasão ocorre sem a adesão dos membros do Conselho de Segurança da
ONU, exceto por Grã-Bretanha e Japão, não havendo o envio de tropas regulares
pelos orientais.
Recentemente, o sucesso de tal invasão vem sendo contestado por escolares
das Relações Internacionais, como podemos comprovar em um documento publicado
pelo New York Times em 26 de Setembro de 2002 por uma coalizão de universidades
norte americanas2, que destacam fatores como: a falta de evidências concretas de que
o Iraque cooperava de fato com a al Qaeda; o fato de que mesmo que Saddam tivesse
armas de destruição em massa, não deveria ter sido desconsiderada a possibilidade
de retaliação pelos próprios EUA e Israel, sendo um ataque extremamente improvável;
a consideração feita pela primeira administração Bush em 1991 ao não conquistar o
Iraque continua válida, visto que uma conquista não traria estabilidade ao Oriente
Médio, mas sim vicissitudes desnecessárias; o Iraque tem opções militares - químicas
e biológicas – que impõem custos significativos ao enfrentamento; mesmo com uma
vitória supostamente fácil pelos EUA, não havia um plano razoável para a retirada das
tropas; pela instabilidade do local, seria necessária uma dominação presente a longo
prazo para o estabelecimento de um Estado minimamente estável; a própria al Qaeda
representa uma ameaça maior aos EUA em comparação ao Iraque. Uma campanha

1
PECEQUILO, Cristina S. “A política externa dos Estados Unidos”, Continuidade ou mudança? Porto
Alegre: UFRGS Editora, 2003, p. 402.
2
Documento disponível no endereço < http://www.bear-left.com/archive/2002/0926oped.html >

1
contra o Iraque acaba por tirar o foco da verdadeira batalha idealizada, desviando
recursos e esforços em uma batalha supostamente secundária.
O objetivo que norteia o seguinte trabalho é a elaboração de uma análise do
enfrentamento em questão. Ao longo da construção pretendida, serão apresentados
argumentos recorrentes das teorias realista, liberal e construtivista e, para tal análise,
deverão constar, além do histórico do presente conflito, as premissas constituintes dos
constructos teóricos designados, juntamente com as evidências empíricas necessárias
para a elaboração de uma conclusão crível.

UMA BREVE APRESENTAÇÃO DO CONFLITO

A guerra dos EUA contra o Iraque teve início em 20 de março de 2003, quando
o Estado norte-americano, apoiado por Reino Unido, Espanha, Itália, Polônia e
Austrália, invadiu o país. A justificativa apresentada pelo governo dos EUA foi a
suposta existência de armas de destruição em massa em poder do ex-ditador
iraquiano Saddam Hussein.
Nos meses anteriores à invasão os cidadãos norte-americanos foram tomados
pelo medo. O governo havia alertado a população sobre a possibilidade de um novo
ataque terrorista. A imprensa destacou as preocupações da Casa Branca e do
Pentágono com a segurança.
Ainda sob o impacto dos ataques de 11/9, a população apoiou a iniciativa do
governo de se engajar numa guerra preventiva, ou seja, atacar o Iraque antes de
sofrer um ataque. Em abril de 2003, as forças da coalizão chegam a Bagdá, tomando
o controle da capital, mas não encontrando Saddam. A chegada das tropas à capital
do Iraque foi rápida e tranqüila, não havendo resistência por parte dos rebeldes.
Porém, tal trégua durou pouco tempo, havendo um início de movimento de contra-
ataque pelos iraquianos, promovendo ataques contra soldados e civis, matando
milhares de pessoas.
Em dezembro de 2003, Saddam foi capturado em um esconderijo subterrâneo
próximo a cidade de Tikrit. Quase dois anos depois, o ex-ditador foi a julgamento por
acusações de crimes contra a humanidade, pela morte de 148 xiitas em Dujail, após
uma tentativa de assassinato contra o ditador em 1982. Condenado à morte, Saddam
foi executado por enforcamento.
Em junho de 2004, um governo provisório foi estabelecido e, em outubro, uma
nova Constituição foi aprovada. Em dezembro do mesmo ano, os iraquianos elegem
um governo e um Parlamento pela primeira vez.
AS ALTERNATIVAS DA INVASÃO: A ARGUMENTAÇÃO REALISTA

2
Partimos, para esta parte da análise, dos pressupostos realistas para a
construção do modelo do sistema internacional vigente. Sendo assim, à luz dos
conceitos de John Mearsheimer, temos o sistema inter-estatal anárquico, sob a lógica
de auto-ajuda. Ao contrário da concepção defensiva de Kenneth Waltz - que postula
que o Estado não se preocupa com sua imposição sobre outros, mas somente com
sua sobrevivência – o realismo ofensivo de Mearsheimer prima pelo caráter
revisionista dos Estados, e sobre práticas estatais a serem aprofundadas a seguir.
A política externa estadunidense teve alguns fatores conclamados para
legitimar a sua intentona. Podemos citar, inicialmente, a lógica do Realpolitik. Segundo
esta, o Estado deve estabelecer as diretrizes do interesse nacional, sendo as
necessidades de sua política externa resultados da dinâmica anárquica do sistema. O
discurso norte-americano, de certa forma, tentava salientar de forma freqüente que a
invasão não seria apenas uma incursão daqueles que desejariam colocar à prova a
sua hegemonia, mas uma questão de interesse nacional.
Após a formulação da política e do cálculo racional identificando as políticas
mais aplicáveis ao sistema, o sucesso da mesma seria medido com base na
capacidade de aumento do poder/influência externa. Identificamos a região do Oriente
Médio como uma Multipolaridade Desequilibrada3, o que impõe severas dificuldades à
capacidade de dominar dos EUA. Além do que, os EUA têm um sistema de dominação
mundial que é baseado na reverberação de poder por parte de suas influências
regionais. É exercida, portanto, a posição de ‘offshore balancer’.
“Furthermore, if a potential hegemon emerges among them, the great powers in
that region might be able to contain it by themselves, allowing the distant hegemon
to remain safely on the sidelines. Of course, if the local great powers were unable to
do the job, the distant hegemon would take the appropriate measures to deal with
the threatening state. The United States, as noted, has assumed that burden on
four separate occasions in the twentieth century, which is why it is commonly
referred to as an offshore balancer.” 4

Existe, segundo os preceitos realistas, um ‘poder parador das águas’ que


impediria a existência de uma hegemonia global. O poder real seria o poder de
dominar, e a dominação efetiva seria pela tomada do território por tropas regulares.A
distância imposta pelos oceanos poderia frear a capacidade de exercer poder. Seria
justamente a busca pela dominação real do Iraque e um conseqüente estabelecimento
de uma base de poder no Oriente Médio que motivava a incursão estadunidense, não
havendo nenhum tipo de dominação deste tipo em outro continente.

3
Dentre as potências (estabelecidas ou não), é destacado um Estado potencialmente hegemônico, capaz
de dominar a região com certa legitimidade. Segundo Mearsheimer, este seria o sistema mais instável
possível.
4
MEARSHEIMER, John. “The Tragedy of Great Power Politics” New York: Norton, 2001. p. 42

3
Capaz de atrair e liderar outros Estados menores, através do bandwagoning5,o
poder influencial estadunidense resultou na “Coalition of the Willing 6” em que a única
potência a enviar tropas foi o Reino Unido e ainda contou com a participação de outros
países7 de menor relevância .
O que percebemos é o fato de que a invasão do Iraque não tinha somente o
caráter conservador de uma manutenção do status quo. Além da necessidade de
impedir a eclosão de uma nova ameaça em uma região de instabilidades já
reconhecidas internacionalmente, é notável o caráter revisionista pela simples busca
da maximização do poder. A alteração na Balança de Poder e seu direcionamento
para os EUA eram desejados, já que a teoria realista ofensiva confirma que só existiria
uma situação na qual estaria garantida a segurança total do Estado: a Hegemonia
Total do Sistema.
Baseado nas suas capacidades, que conferiam aos EUA a capacidade de
realizar os atuais movimentos unilaterais, sem que assim sofram qualquer tipo de
penalidade ou constrangimento das outras potências, seria insensato pensar que a
adoção de políticas conservadoras seria utilizada ao invés da invasão efetivamente.
Porém, apresentaremos fatores que contrariam a obviedade dessa ação. Tais fatores
contrariam o raciocínio de que a intentona seria necessária para a manutenção da
segurança local.
Outra premissa básica do realismo como teoria das Relações Internacionais é
a racionalidade atribuída ao Estado, ou seja, este ator, ao tomar determinadas
atitudes, busca realizar um cálculo custo/benefício, objetivando, segundo Waltz (2002),
no mínimo manter a sua posição no sistema. E aqueles que advogam pela guerra
afirmam que a irracionalidade de Saddam Hussein impediria uma política de
contenção.
Ao fazer uma retrospectiva das ações anteriores de Saddam, observamos que
ele realizou um cálculo racional ao invadir o Irã, país que representava uma ameaça à
soberania iraquiana, em um momento em que o Irã estava enfraquecido. Assim, foi
também racional o uso de armas químicas, pois tanto a população curda como os
iranianos não podiam retaliar de igual forma. Porém, contra as forças americanas na
Guerra do Golfo, não houve o uso de tais armas, pois a retaliação americana seria
clara. Observa-se, portanto, que o Iraque é sim um ator racional e,
conseqüentemente, vulnerável a uma política de contenção.
5
De acordo com a teoria de Mearsheimer, seria um alinhamento estratégico de Estados considerados mais
fracos às potências ou Estados mais fortes do que ele, com o objetivo de evitar agressões ou atitudes
hostis. Manutenção da segurança/sobrevivência.
6
A lista completa pode ser acessada em <http://www.whitehouse.gov/infocus/iraq/news/20030327-
10.html>
7

4
Não somente, há de se considerar o fato de que os EUA historicamente
desenvolveram uma rede de bases militares em todo o globo. Especificamente na
região do Oriente Médio, o país possui um número alto de soldados e equipamento.
Segundo reportagem da BBC (2000), havia aproximadamente 15.200 soldados
divididos entre vários estados8 próximos ao Iraque, entre eles a Arábia Saudita, maior
reserva de petróleo do mundo e maior exportador deste commodity para os EUA.
Estas tropas possuem a capacidade de reagir a qualquer ato iraquiano que pudesse
representar uma ameaça ao status quo, ou contra qualquer outro país. Porém, ao
estarem diretamente envolvidas com o Iraque, perdem a capacidade de reação
imediata contra qualquer outro país que representasse uma ameaça ao equilíbrio da
balança de poder da região.
Pela argumentação realista, podemos perceber, não obstante, a possibilidade
não somente da justificativa da invasão, como de possíveis críticas à mesma.

OS FATORES ECONÔMICOS ENVOLVIDOS: A QUESTÃO LIBERALISTA

Nesta seção, a análise é focada não somente nos fatores econômicos que
permeiam o conflito, mas todos os argumentos dos liberalistas aplicáveis nos
acontecimentos. Inicialmente, devemos definir as premissas liberalistas que embasam
nossa análise.
Em primeiro lugar, deve-se quebrar o paradigma realista do Estado como único
ator relevante na Política Internacional. Devem ser considerados, além deste, os
atores não-estatais, que tendem a exercer papel cada vez mais relevante na dinâmica
do sistema. Segundo, a perspectiva de que, para o pensamento pluralista, o estado
não é necessariamente racional e pode tomar suas decisões baseando-se em outros
aspectos, tendo em vista a existência de uma agenda ampla, não somente focada na
segurança e sobrevivência. Aspectos econômicos, sociais e ambientais são, de fato,
primordiais nas diretrizes de políticas públicas. Não somente a existência de outros
fatores como as pressões sociais e a inconsistência de informações no ambiente
internacional acabam por tornar essa escolha ainda mais limitada racionalmente. Por
fim, podemos afirmar que, apesar da anarquia do sistema, a possibilidade de
cooperação é tangível.
A existência de grupos de interesses responsáveis pela definição não somente
do interesse público como das definições de política externa deve ser salientada como
força motriz desse conflito. A intentona estadunidense tinha raízes políticas
8
Principais países em que os EUA mantêm bases militares na região são: Arábia Saudita, Turquia,
Kuwait e Emirados Árabes Unidos.

5
incrustadas, assim como um caráter de rivalidade extremamente acirrado desde o
Governo Bush no início da década de 90. Mesmo assim, não podemos desconsiderar
o fato de que esta, ainda que encoberta por estes fatores, foi também uma importante
manobra econômica.
Para uma melhor compreensão, a atual invasão do Iraque pelos EUA deve ter
sua análise numa trajetória de 50 anos marcados pelo acrescente engajamento militar
norte-americano no Golfo Pérsico. O motivo principal dessas intervenções é o controle
das profusas reservas petrolíferas da região. Em 1980, os EUA adotaram uma linha de
política externa, a Doutrina Carter, que prevê o uso de tropas efetivas para que seja
garantido o acesso ao petróleo do Golfo Pérsico. No governo de George W. Bush,
portanto, essa diretriz passou a se vincular a uma política energética baseada na
busca da maximização da extração de petróleo no mundo inteiro.
A reconfiguração da estratégia norte-americana pelo governo de George W.
Bush trouxe fortes conseqüências para o componente energético da política de
segurança nacional, na medida em que essas duas necessidades – segurança e
energia – estão intimamente ligadas no atual contexto. Como podemos perceber no
relatório encaminhado pelo presidente Bush (pai) ao Congresso com o título de Uma
Estratégia de Segurança Nacional para os Estados Unidos9:
“Suprimentos de energia seguros, amplos, diversificados e limpos são essenciais
para a nossa prosperidade nacional econômica e para a nossa segurança. (...) A
garantia dos suprimentos de petróleo tem como base uma política externa
adequada e capacidades militares apropriadas. (...) Manteremos nossa capacidade
de responder às exigências de proteger as instalações petroleiras vitais, em terra e
no mar, ao mesmo tempo em que trabalharemos para solucionar as tensões
políticas, sociais e econômicas que podem ameaçar o livre fluxo de petróleo.”10

Sendo assim, temos a condição de extrema volatilidade da questão do


interesse nacional, tendo em vista o papel importante exercido, não somente pelos
fortes grupos de interesse, como pelos próprios indivíduos e pequenos grupos. E é
justamente a respeito do papel dos indivíduos (opinião pública) que reside um
importante fator condicionante dessa análise.
Com a expansão do comércio e da economia internacional permeando cada
vez mais territórios e fronteiras, torna-se cada vez mais custoso ir à guerra. A própria
dinâmica da cooperação entre os Estados torna cada vez mais inviável a prática da
guerra. A expansão da democracia e a crescente interdependência também
configuram fatores que deveriam amenizar rivalidades existentes, impondo

9
Disponível em: < http://www.whitehouse.gov/nsc/nss.html >
10
BUSH, George. “A strategy of National Security for the United States of America”. National Security
Council, Washington. 1991

6
constrangimentos àqueles que desejam utilizar-se de vias de força para a resolução
de controvérsias. Porém, existe uma ressalva a respeito dos governos ditatoriais. As
guerras, segundo os preceitos liberais, aconteceriam justamente na existência destes.
A prerrogativa da existência de uma ditadura de Saddam Hussein no Iraque é uma
comprovação deste argumento.
A invasão sob o preceito da disseminação da democracia é claramente um
fator influenciado pelas idéias de Immanuel Kant, no desejo de implantação de um
sistema que seria pacífico por si só, e com um nível de constrangimentos de tal forma
elevado que seria incoerente a existência de conflitos. Além disso, o caráter
messiânico das ações conclamando a “libertação” do povo iraquiano remete a outro
pensador Liberal Clássico – John Locke – no que concerne a garantia dos direitos
naturais aos indivíduos (vida, liberdade e propriedade), para que a região pudesse ter
um estado de harmonia e garantir a sua própria sobrevivência.
É percebido, mesmo após a análise desse discurso, que existe uma
contestação à postura intervencionista norte-americana e, principalmente, pela
inatividade das Organizações Internacionais a esse respeito. Tal descaso inviabilizaria
qualquer tentativa de conclamação à governança global por parte destas.
De fato, existe uma comprovação da possibilidade de cooperação no sistema
pela harmonia de interesses, como já havia sido citado anteriormente, na existência do
apoio britânico(mais efetivo) e de outros países membros da “Coalition of the Willing” à
invasão, mas é importante a ressalva de que muitos dos argumentos construídos são
somente preceitos para que sejam alcançados objetivos maiores. Escolhas que
possam aparentemente ser sub-ótimas (como a escolha do engajamento real no
conflito) são, na verdade, escolhas que buscam algum fim maior (os ganhos
econômicos pelo controle petrolífero no Oriente Médio).

O DISCURSO E O PAPEL DA OPINIÃO PÚBLICA: A VISÃO CONSTRUTIVISTA

Para uma formulação de uma análise construtivista sobre qualquer conflito,


uma breve elucidação teórica faz-se necessária para uma melhor compreensão.
Primeiramente, a perspectiva construtivista não é, em si, uma teoria, mas sim uma
metateoria11. Em segundo lugar, devemos ressaltar que existem duas vertentes
teóricas construtivistas: Wendt e o construtivismo sociológico centrado nos Estados e
Onuf, com o construtivismo orientado por regras.

11
Ao invés das postulações teóricas usuais, a perspectiva construtivista representa um conjunto de
reflexões acerca das questões teóricas. Usa-se o construtivismo para, a partir de avaliações empíricas,
fazer teoria.

7
Tal como o nome indica, o foco do construtivismo está na construção social da
política internacional. No alicerce de seu argumento está a concepção de que (i) a
realidade deve ser ‘socialmente construída’; (ii) as estruturas são definidas, sobretudo,
por idéias compartilhadas, e não somente por forças materiais; e (iii) as identidades e
os interesses dos atores são construídos por aquelas idéias compartilhadas. Isso
significa que idéias e normas têm um papel fundamental na constituição da realidade e
dos agentes, seja na definição de identidades e interesses, ou na relação
intersubjetiva.
No presente trabalho, tomaremos as premissas de que todo ator social age a
partir de alguns propósitos, e de que existem estruturas sociais nas quais os atores
encontram-se imersos. O mundo em que este ator vive é fruto de suas ações e sua
ação é constrangida pela estrutura em que se encontra. Não existe uma hierarquia
constitutiva entre agente e estrutura. Confere-se a este processo o nome de co-
constituição. Neste caso, o agente é representado pelos EUA, e a estrutura,
consequentemente, o Sistema Internacional.
Os EUA são facilmente reportados como hegemônicos no contexto mundial,
nas mais diversas esferas de poder. Não obstante, este não é o único Estado capaz
de condicionar mudanças na estrutura. Todos os agentes teriam a capacidade de
moldar alterações na estrutura, assim como essa acabaria por condicioná-los às
próximas tomadas de decisões.
Este raciocínio, ainda que confuso, pode ser comprovado pela mudança
substancial na dinâmica da Balança de Poder mundial oriunda do advento das Armas
Nucleares, ou Armas de Destruição em Massa. Representando o maior dos
argumentos declarados pelo governo estadunidense para a invasão, a posse de
ogivas nucleares acaba por conferir a qualquer Estado um poder de barganha e
disputa política consideravelmente maior. Por ser um artefato de utilização e produção
controversa, percebemos Estados como Iraque, Paquistão, Rússia e, mais
recentemente, Coréia do Norte em voga nas discussões mundiais a respeito de
mudanças no curso político das grandes potências. Isso seria, sem qualquer
questionamento, uma mudança na estrutura pelo agente. Ao passo que a própria
estrutura, percebendo a postura ofensiva destes países, e temerosa pela possibilidade
de acirramento de vicissitudes indesejadas, age preemptivamente e preventivamente
no intuito de contornar as adversidades, criando mecanismos legais de solução de
controvérsias. A própria evolução do Direito Internacional por sua prática de
jurisprudência evidencia essa contra-resposta da estrutura.
Ao contrário da premissa realista de que o Estado seria unitário e maciço, e
que a política externa é claramente distinta e independente da política doméstica, o

8
construtivismo ressalta a importância da análise intra-estatal, principalmente no que
concerne a força das idéias – e, conseqüentemente, da opinião pública – na
formulação de políticas do Estado. Algumas ações não são, de fato, vantajosas em um
primeiro momento, mas pode-se notar um forte caráter compensatório ou de
contenção da opinião pública nos mesmos.
A respeito destas, citamos as ações norte-americanas após um certo ‘sucesso’
das políticas econômicas de contenção ao Iraque. sanções impostas pelo Conselho de
Segurança em 1990 (Resolução 661) colocavam o Iraque sob total embargo
econômico (exceto alimentos e medicamentos), após a Guerra do Golfo, sendo o fim
das mesmas vinculado ao abandono da produção das Armas de Destruição em
Massa, assim como o descarte/destruição das existentes.
Tal ação não foi capaz de criar uma crise dentro do estado iraquiano ao ponto
que resultasse na remoção de Saddam do poder, mas foram eficientes o bastante
para destruir parte significativa do armamento iraquiano

“In reality, however, the system of containment that sanctions cemented did much
to erode Iraqi military capabilities. Sanctions compelled Iraq to accept inspections
and monitoring and won concessions from Baghdad on political issues such as the
border dispute with Kuwait. They also drastically reduced the revenue available to
Saddam, prevented the rebuilding of Iraqi defenses after the Persian Gulf War, and
blocked the import of vital materials and technologies for producing WMD. “(LOPEZ;
CORTIRIGHT, 2004)12

As sanções foram duramente criticadas devido aos efeitos colaterais causados


à população iraquiana. Em função disso, em 1996 é então implementado o programa
Oil for Food. A implementação deste acabou por ser algo extremamente útil às
potências, ainda que não tão vantajoso economicamente, já que permitia acesso ao
petróleo iraquiano reduzindo as intensas críticas aos efeitos nocivos das sanções.

“The mission of the Oil-for-Food program was to address the humanitarian impact of
sanctions [...] Under the program, enough food was imported to feed all 27 million
Iraqis and the average daily caloric intake of the people of Iraq was increased 83
percent,[...]. In addition, malnutrition rates in 2002 in the central and southern part
of the country were half those in 1996 among children under the age of five; in the
three northern governorates, chronic malnutrition decreased 56 percent. “(OIL FOR
FOOD FACTS, 2005)13

12
LOPEZ, George A.; CORTRIGHT, David. Containing Iraq: Sanctions Worked. Foreign Affairs,
jul/ago. 2004. Disponível em: <http://www.foreignaffairs.org/20040701faessay83409/george-a-lopez-
david-cortright/containing-iraq-sanctions-worked.html>
13
OIL for food facts. Disponível em: <http://www.oilforfoodfacts.org/faq.aspx>.

9
O poder das idéias também é um fator de suma importância nesta presente
análise, sendo a disseminação dos ideais um desejo presente na política
expansionista de George W. Bush. De acordo com Ikenberry (2006)14, a promoção da
democracia liberal seria um meio encontrado para a erradicação da tirania no mundo,
sendo a preocupação com o caráter de cada regime muito maior do que com as
instituições, tratados e outros princípios nos quais a comunidade internacional se
baseia. A criação de um sistema mais coeso, mas não necessariamente
homogeneizado, seria possível sob esta lógica. Esta criação daria azo à percepção de
uma ‘comunidade pluralística de segurança’, mantendo, não somente a configuração
do status quo como a posição privilegiada no Estado norte-americano.
Conclui-se, por conseguinte, através da análise destes fatores que mesmo que
os fatores políticos e econômicos tenham sido forças motrizes para a intentona, a
utilização do discurso e a necessidade de coesão interna foram fatores que também
permearam o histórico do presente conflito, sendo a análise construtivista de grande
valia.

CONCLUSÃO
Após a análise das perspectivas teóricas explicitadas concomitantemente com
as evidências históricas e empíricas do conflito, foi possível perceber a invasão do
Iraque pelos EUA como um marco para aqueles que buscam definir os termos da
hegemonia norte-americana. O poder que já foi incontestável, tanto econômica como
militarmente, hoje sofre de falta de legitimidade em algumas ações e não encontra
mais uma disparidade tão acentuada de capabilities como outrora.
Sendo assim, tomamos o conceito de Samuel Huntington, para uma melhor
exemplificação da conclusão atingida. Os EUA assumem a postura de ‘superpotência
pária’15, pelo fato de agirem supostamente em nome da ‘comunidade internacional’,
mas acabam por se isolar cada vez mais dos outros países e da possibilidade de
cooperação, afastando-se do que seria uma hegemonia benigna.
Mesmo com a disparidade de poderio militar, foi presenciado um certo fracasso
nos planos de uma invasão com precisão ‘cirúrgica’ e de gastos (financeiros e
temporais) mínimos.
Não obstante, temos que seria extremamente imprudente tentar criar um
parecer definitivo para este conflito, tendo em vista as suas inúmeras variáveis
condicionantes e objetivos políticos que permeiam todas as ações. Sendo assim, a
análise feita mostra que teríamos argumentos a serem formulados pelos diferentes
14
IKENBERRY, John. “Liberal Order and imperial ambition”. 2006
15
HUNTINGTON, Samuel P. “A superpotência solitária”. Revista Política Externa, volume 8, nº 4, p. 12
– 25, 2000

10
arcabouços teóricos, sendo cada linha de argumentação direcionada a um fim político
específico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAYLIS, John. SMITH, Steve. The Globalization of World Politics. Oxford University
Press, USA; 4 edition (January 18, 2008)

BUSH, George. “A strategy of National Security for the United States of America”.
National Security Council, Washington. 1991

DOYLE, Michael W. Liberalism and World Politics. The American Political Science
Review. Vol. 80, No. 4 (Dez. 1986), pp. 1151, 1169. Disponível em:
<http://www.jstor.org/stable/1960861 >

FUSER, Igor. “O petróleo e a política dos EUA no Golfo Pérsico: a atualidade da


Doutrina Carter”. São Paulo: Editora PUC, 2008

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LOPEZ, George A.; CORTRIGHT, David. Containing Iraq: Sanctions Worked. Foreign
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cortright/containing-iraq-sanctions-worked.html>

MEARSHEIMER, John. “The Tragedy of Great Power Politics” New York: Norton,
2001.
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Correntes e Debates. Ed. Elsevier.
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PECEQUILO, Cristina S. “A política externa dos Estados Unidos”, Continuidade ou


mudança? Porto Alegre: UFRGS Editora, 2003

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<http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0210270_04_cap_02.pdf>

11
WALTZ, K. Teoria das Relações Internacionais.São Paulo, Gradiva, 2002

12

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