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CÉREBRO E IDEOLOGIA

Uma Crítica ao determinismo cerebral


CÉREBRO E IDEOLOGIA
Uma Crítica ao determinismo cerebral

NILDO VIANA
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Índice

Capítulo 1
A FORÇA DA IDEOLOGIA..........................17
O conceito de ideologia na história................18
O fenômeno ideológico..................................23
Ciência e ideologia.........................................29
A eficácia prática da ciência e da ideologia.....30
Ideologia e Verdade........................................38

Capítulo 2
CRÍTICA ÀS IDEOLOGIAS
DO CÉREBRO..............................................47
A ideologia do volume cerebral......................48
A ideologia das localizações cerebrais.............51
A ideologia dos dois hemisférios cerebrais......54
A ideologia do cérebro triuno.........................57
A ideologia do cérebro
como substância química...............................60
A ideologia do cérebro como computador......62
A ideologia do paralelismo psicofísico.............63

Capítulo 3
CONTROLE SOCIAL...................................65
Legitimação do Capitalismo...........................69
Reprodução ampliada
do mercado consumidor................................72
As categorias profissionais..............................75

Capítulo 4
CÉREBRO, CORPO,
MENTE E SOCIEDADE...............................79

OBSERVAÇÕES FINAIS..............................91

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............101
APRESENTAÇÃO

O problema do cérebro e sua relação com as ações e


ideias do ser humano é bastante complexo. Esta questão já
foi abordada por várias ciências, desde as ciências humanas
(sociologia, psicologia, antropologia, entre outras) até as ci-
ências naturais (biologia, medicina, entre outras). No interior
destas últimas, temos um conjunto de teses sobre o cérebro
que podem ser qualificadas de “ideologias”, pois obscurecem
a realidade do fenômeno da mente humana. Neste contexto,
uma obra que realiza a crítica de tais ideologias e aponta suas
raízes sociais, bem como mostra uma concepção alternativa,
se faz necessária, já que os efeitos práticos de tais concepções
atingem milhares de seres humanos. Assim, é esta necessida-
de que justifica a presente obra.
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Às vezes se pensa, equivocadamente, que a pluralida-


de de concepções é uma característica exclusiva das ciências
sociais e que, por conseguinte, tal pluralidade se encontra
ausente nas ciências naturais. Outra ideia comum é a de que
o fenômeno ideológico só se encontra presente nas ciências
sociais. Isto ocorreria devido à própria temática (a socieda-
de, a moral, a política, etc.) destas ciências e o envolvimento
maior do cientista social com seu objeto de estudo, o que
aumentaria a dose de condicionamento em sua pesquisa.
No entanto, isto se revela uma ilusão quando observa-
mos as ciências naturais, seu desenvolvimento e suas teses. Se
observarmos a chamada “teoria da evolução”, por exemplo,
veremos que existe, na verdade, uma pluralidade de “teorias
da evolução”, bem como veremos o tanto que a mentalidade
do pesquisador influencia na sua formação (Viana, 2001).
Isto também ocorre na esfera das chamadas “ciências
do cérebro”. Existem várias concepções a respeito do cérebro
e a mentalidade dos pesquisadores influencia em sua forma-
ção, provocando até mesmo casos de falsificação voluntária,
como colocaremos adiante. O fenômeno ideológico também
está presente nas ciências naturais e, o que será abordado no
presente trabalho, nas ciências do cérebro, mais especifica-
mente. Desta forma, dividiremos o presente livro nos seguin-
tes capítulos:
No primeiro capítulo, apresentaremos uma discussão
sobre o fenômeno ideológico, demonstrando suas caracterís-
ticas essenciais, sua base social e sua manifestação na esfera
das ciências naturais. Esse é um ponto de partida necessário
para os demais capítulos. Após isto, apresentaremos as prin-
cipais ideologias do cérebro e sua crítica. O capítulo seguin-
te aborda o papel social das ideologias do cérebro, ou seja,
sua ligação com determinados interesses sociais. A seguir,
realizamos a exposição de uma concepção alternativa a tais
ideologias, repensando a relação entre mente, cérebro, corpo
e sociedade, para encerrar com nossas considerações finais.
Este é o trajeto que seguimos na presente e obra e es-
peramos que ela contribua com um amplo debate nos meios
acadêmicos, nas ciências naturais e humanas, bem como jun-
to à população e nos meios de comunicação, alertando para
os riscos e perigos de determinadas ideologias e suas con-
sequências sociais e individuais. Se conseguir efetivar isto,
cumpriu com o seu objetivo.

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PREFÁCIO

É muito comum, na nossa sociedade, a procura por pí-


lulas ou soluções mágicas para aflições e dores cuja causa
aquelas pílulas e soluções mágicas jamais alcançarão: o Pro-
zac para os angustiados e depressivos, o Viagra para impo-
tência sexual (qualquer que seja sua causa), o medicamento
ou até a cirurgia para emagrecer (qualquer que seja a causa
da obesidade), sem falarmos na enxurrada de drogas para
quase todo tipo de “problema mental”. Existe um sem fim
de exemplos desse tipo, em que o diagnóstico e a abordagem
adotam perspectiva reducionista ou meramente “técnica” e
evasiva do problema. Alguns dirão também “cientificista”.
Existe, portanto, uma tendência corrente – de parte dos
médicos e de parte do público – que se materializa na me-
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dicalização de problemas que raramente são medicalizáveis.


De fatiar problemas cuja solução jamais será encontrada no
fatiamento, na tendência a arrancar o problema do contexto
ou das suas verdadeiras raízes. Ou na tendência a procu-
rar saídas na esfera da neurologia, da psiquiatria, da ciência
do cérebro, da bioquímica cerebral e assim por diante, para
problemas cuja origem não é molecular e cujas soluções são
reais e muito frequentemente de origem e natureza social,
isto é, procedem de distúrbios e patologias sociais próprias
de relações de classe e, particularmente, resultam dos anta-
gonismos e da destrutividade próprios da sociedade capita-
lista decadente. Mediações bioquímicas são o que o nome
diz (mediações) e sobre elas se assentam as determinações
sociais; a estas a bioquímica está subsumida, não tem con-
dição de ser jamais um substituto nem explicativo e muito
menos curativo.
Este livro aborda essa problemática procurando desvelar
e reorientar o raciocínio usual em direção a uma concepção
mais crítica e dialética. Por essa razão - e ao recorrer a essa
metodologia – os argumentos nele apresentados permitem
colocar em discussão e apresentar ao leitor outra abordagem
para os problemas vinculados ao cérebro e à totalidade com-
plexa mente-cérebro-corpo-sociedade, neste caso tomando
como base as relações sociais, a formação social capitalista e
sua ideologia.
Com muita propriedade, o autor, estudioso do assunto,
vai mostrar a força da ideologia que encobre e termina de-
terminando a abordagem dos problemas comportamentais,
mentais e médicos, os quais, normalmente, são tratados de
uma forma reducionista, seja pelas chamadas ciências do cé-
rebro, pelas “ciências da mente” (psicologia, etc.) ou pelo
mundo das ciências humanas em geral.
Várias explicações e vários enfoques parciais e ques-
tionáveis do comportamento mental serão objeto da crítica
deste autor: a ideologia do volume cerebral, a das “locali-
zações cerebrais”, a do cérebro como “substância química”,
a ideologia do “cérebro triuno” (cérebro réptil, cérebro de
mamífero pouco evoluído e cérebro de mamífero evoluído),
a dos “dois hemisférios cerebrais” (em sua pretensa “assime-
tria funcional”), a ideologia do “paralelismo psicofisiológico”
e, finalmente, a do cérebro como computador.
Ao final da sua leitura e de acordo com a ótica adotada
pelo autor, iremos perceber que esse processo de mistificação
dos problemas mente-cérebro (e “corpo-e-alma”) vem histori-
camente sendo posto e reposto por meio de uma dinâmica que
deriva da necessidade absoluta de autorreprodução da socie- 13

dade do capital, de autopreservação das classes dominantes. A


lógica dessa dinâmica, sua necessidade é a de que as pessoas
– sobretudo a classe trabalhadora – acreditem que suas vidas
precisam ser controladas de fora, seus problemas vêm de fora,
podem ser resolvidos pela droga, pelo bisturi, pela douta ciên-
cia, enfim, por todo e qualquer tipo de ferramenta “científica”
ou de xamanismo que venha de algum lugar desde que este
lugar não seja as relações sociais, de classe.
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Ou seja, a finalidade não-dita, sistemática e mais pro-


funda de toda essa ideologização dos problemas do cérebro,
da mente, é a de que não se altere a estrutura de poder social
do capital sobre o trabalho, de alienação do trabalhador e que
prevaleça o poder das grandes corporações e do imperialis-
mo sobre a vida das pessoas e dos povos.
Conforme a época, conforme a moda, conforme o ní-
vel dos conhecimentos médicos, bioquímicos, afloram visões
médicas, bioquímicas, cirúrgicas determinadas, que domi-
nam a cena acadêmica, midiática, arrastam multidões para
crenças como, por exemplo, a da separação entre o cérebro
emocional e o racional, a das moléculas da felicidade (no
cérebro como um mundo determinado em si mesmo pelas
reações químicas), enfim, cria-se toda uma escola de pen-
samento que passa a substituir a necessidade imperiosa de
mudanças sociais profundas por soluções ou paliativos quí-
micos e cirúrgicos. Tais “soluções”, além de evitarem tocar
na origem dessas aflições, são portadores de mutilações, in-
toxicações e efeitos colaterais que infernizam a vida de quem
aceita essa ideologia imediatista e – por sua própria natureza
– fraudulenta.
As chamadas ciências da mente, assim como as do cé-
rebro não são – e não podem ser - neutras em uma sociedade
de classes. Carregadas de valores dominantes – a ideologia
da classe dominante – as abordagens científicas costumam
padecer de várias deformações que terminam formatando as
técnicas, as aplicações práticas daquele conhecimento que,
já em sua origem, já na condição de pesquisa científica é de
natureza sociomorfa. Isto é, estamos diante de conhecimen-
tos ideologicamente formatados pelos valores da sociedade
do capital, distorcidos. O reducionismo é apenas um desses
males trabalhados pelo autor.
Viana explica muito bem esse processo cujo ponto de
partida está em destacar a parte do todo, “consiste em pos-
tular a existência de um objeto de estudo e, posteriormente,
conferir-lhe autonomia e importância” e, finalmente, aliená-
lo das relações sociais, resvalando para o plano mágico, me-
tafísico, fenomenológico, no qual reinam as pílulas mágicas,
no qual prevalece – no caso dos problemas mentais e cere-
brais – a medicalização, o fatiamento.
A bioquímica do cérebro tem sua razão de ser, a cirur-
gia neurológica tem sua razão de ser, são ferramentas do co-
nhecimento e de sua aplicação, mas não podem – e metodo-
logicamente não devem – representar a chave e nem o ponto
de partida para se abordar problemas “mentais” ou compor-
tamentais. Antes, bem antes da medicalização, do processo 15

de reducionismo “científico” encontra-se a totalidade: antes


de se abordar um problema comportamental e/ou psíquico
cirurgicamente ou com drogas, é puro reducionismo (sob
manto de ciência) deixar de levar em conta carências alimen-
tares, afetivas, angústias e ansiedades cuja gênese é social,
decorrente das privações absurdas às quais as pessoas estão
submetidas, cuja origem tem a ver com a alienação social,
com o vazio existencial da sociedade alienada de classes, com
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o desestímulo social, profissional, enfim, com a ausência da


comunidade social autêntica, não mercantil, não fundada nas
trocas econômicas.
Nesta sociedade, no entanto, é assim que as coisas
acontecem, é assim que a ciência costuma ser produzida (de
forma marcadamente ideológica, deformada pelas relações
sociais do capitalismo) e é por isso mesmo que, por conta de
tais determinações sociais que, ao final de contas, o imediatis-
mo e o reducionismo terminam marca da cultura “científica”
dominante. Terminam sendo a base e o alimento da indústria
da doença, do mercado de cirurgias e medicamentos, para
doenças mentais, por exemplo, cuja solução implicaria ne-
cessariamente em mudanças escolares, ambientais e sociais
de fundo. E cujo substrato de origem são relações sociais
– economicamente fundadas – cujo antagonismo com as ne-
cessidades humanas, autenticamente humanas, é flagrante
para quem enxergue com o olhar crítico.
A grande contribuição deste livro é ampliar esse olhar
crítico, provocar e desafiar o leitor na perspectiva de outro
olhar que não seja o da falsa consciência sistematizada.

Gilson Dantas
Brasília, 13/08/2008

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