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NA INFÂNCIA
BAURU
2007
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INFÂNCIA
BAURU
2007
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Banca examinadora:
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Profa. Dra. Maria do Carmo Monteiro Kobayashi
________________________________
Profa. Dra. Sônia de Brito.
________________________________
Prof. Dr. Antonio Walter Ribeiro de Barros Júnior
Agradeço a Deus e à sua conspiração divina que me mandou para esse mundo;
aos meus pais que, corajosamente, contrariaram todo plano econômico vigente de
1977 a 1990;
às minhas irmãs e irmão, Patrícia, Ana Laura, Luíza, Luiz Antônio, Fernanda e
Marina, por toda lição de amor e sobrevivência;
aos meus cunhados, cunhada, sobrinhos Pedro Benjamim e Ana Paula, e a todos os
“agregados” por trazerem novas riquezas e dinâmicas;
às minhas amigas e amigo, Christina, Renata, Vanessa e Leôncio, por toda uma
loucura pessoal e intelectual enriquecedora;
Freud
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RESUMO
Os contos de fadas, em sua tradição oral, surgiram há milhares de anos, como obras de uma
sociedade pré-literata. Sua valorização deu-se há alguns séculos atrás, quando passaram a ser
narrados às crianças. Suas mais recentes contribuições estão diretamente ligadas aos estudos
de Jung e, mais recentemente, de Bettelheim, que se dedicou ao estudo dos conteúdos
implícitos nos contos de fadas e sua importância na vida da criança, também objeto deste
trabalho. Constituindo a principal base desta pesquisa, de abordagem referencial teórico,
busca-se explicar a fonte comum entre todos os contos e o porquê de suas narrativas serem tão
cativantes e entendidas por diversas gerações em diferentes contextos. Como proposta para a
Educação, visa um novo olhar sobre a infância, considerando-se a criança como um todo: seu
lado afetivo e cognitivo em igual medida, oferecendo-se um estudo introdutório da psique do
ser humano, as intervenções do meio e a idéia que criança tem de si e do outro. Dirigindo-se
aos principais instrumentalizadores e colaboradores (pais e professores) de uma consciência
civilizatória na criança, este trabalho propõe uma busca de si próprio e de um significado à
vida.
ABSTRACT
The fairytales in it’s oral tradition has begun thousand years ago as a work from a
pre-literal society. It’s valuing started some centuries before, when fairytales has
started been said to children. It’s most recently contributions are straightly linked to
Jung’s studies, and lately to Bettelheim’s, who has dedicated himself in studying the
implicit content on fairytales and it’s importance in child’s life, also as a subject from
this work. Being the main base from this research, on a theorycal referential
approach, it tries to explain the common focus between all the fairytales and the
reason why it’s narrative is so captivating and understandable by lots of generations
in different contexts. As an educational purpose it tries a new point of view about
childhood, considering child as a whole: their affective and cognitive side in the same
weight, offering an introductory human psique study, the media and idea
interventions that children has from himself and from the others. Focused on the
main instrumental and collaborators (relatives and teachers) from a civilizatory
consciousness on child, this work suggests an inner-search and a life’s meaning
search.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11
2.2 OS ARQUÉTIPOS 27
CONCLUSÃO 41
REFERÊNCIAS
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INTRODUÇÃO
não nos diz que uma coisa seja assim ou assim: ele apenas ilustra um determinado
modo de observação" (JUNG, 1984, p. 191).
Como uma situação temporal é fundamental para compreensão do trabalho
como um todo, o primeiro capítulo apresenta a origem dos contos de fadas, de
maneira breve, desde sua conhecida milenaridade até os dias atuais, bem como
seus principais autores e o contexto histórico em que estão inseridos.
Como a tese central deste trabalho é o estudo do material implícito nos contos
de fadas, no segundo capítulo será discorrido sobre a importância dos contos de
fadas através da ótica de alguns pesquisadores, em especial, o psicólogo infantil
Bruno Bettelheim. Como introdução indispensável ao trabalho, serão abordadas as
funções do consciente, inconsciente pessoal e coletivo e as imagens primordiais ou
arquétipos herdados e presentes no ser humano, como nossa mente funciona,
objetos de estudo do principal representante da base estruturadora do trabalho, o
psicanalista Carl Gustav Jung. Ainda neste capitulo, será trabalhada a idéia de que
os contos dirigem ao ego em formação, acalmando as pressões pré-conscientes e
inconscientes, trazendo também a questão de que neles a criança pode lidar com
seus instintos mais profundos, pois ensinam a lidar com seus problemas interiores;
tratam os conflitos gerados pelos contos e a certeza gerada na criança de uma saída
vitoriosa, promovendo a confiança em si mesma e no futuro, refletindo em sua
personalidade e nos caminhos que irá tomar.
No capítulo três e último, procura-se apresentar os impactos que os contos de
fadas provocam na psique de uma criança ou adulto, as suas contribuições na
maneira como a criança reconhece o mundo, os conceitos que retira das estórias, as
idéias de diferenciação entre o eu e o outro, as escolhas dos personagens, as
relações afetivas e os dilemas enfrentados e a certeza de uma superação de
dependências a caminho de um sentimento de individualidade e maturidade. Finaliza
tratando como poderia ser a abordagem de pais e professores em relação aos
contos, e onde eles se situam na maneira de se alcançar maior êxito na promoção
da independência afetiva infantil, na reflexão do adulto como ser psíquico em
constante formação e na lembrança do papel que assume e compartilha com a
criança.
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Por fazerem parte do folclore de vários povos, por lidarem com a sabedoria
popular e os conteúdos essenciais da condição humana, por sua transmissão oral
antes mesmo da escrita, fica difícil precisar ao certo a origem dos contos de fadas.
Porém, segundo a teoria do padre W. Shimidt (1946 apud FRANZ 1981), os temas
permanecem praticamente inalterados no decorrer dos séculos.
De acordo com Coelho (1987), os primeiros registros dos contos de fadas
datam de 4.000 a.C, feitos pelos egípcios, com o "Livro do Mágico". Na seqüência,
apareceram na Índia, Palestina (Velho Testamento), Grécia Clássica, sendo o
Império Romano o principal divulgador das histórias mágicas do Oriente para o
Ocidente. A materialidade sensorial do Oriente, com a luxúria da Arábia, Persa, Irã e
Turquia, se contrapunha à cultura dos celtas e bretões no ocidente, cheia de magia
e espiritualidade.
O registro material dos contos de fadas começou no século VII, segundo
Coelho (1987), com a transcrição do poema épico anglo-saxão Beowulf. As fadas
aparecem no século IX, no livro de escrita galesa denominado Mabinogion. Nele não
só surgem as fadas, como a transformação das aventuras reais que deram origem
ao Ciclo Arturiano.
No século XII, mais precisamente em 1155, o Romance de Brut de Wace
retomam as aventuras lendárias do Rei Arthur e seus cavaleiros. Neste mesmo
século, Os Lais de Marie de France, gênero de poema narrativo ou lírico, que
continha temas das novelas de cavalaria do ciclo do rei Arthur, divulgaram a cultura
céltico-bretã pelas cortes da Europa e sua absorção pelo cristianismo (COELHO,
1987).
Na Idade Média, esse lastro pagão choca-se, funde-se ou deixa-se absorver
pela nova visão de mundo gerada pelo espiritualismo cristão e,
transformado, chega ao Renascimento. Na Era Clássica, os contos, que
tinham um profundo sentido de verdade humana, foram perdendo seu
verdadeiro significado e, como simples “envoltório” colorido e estranho,
transformou-se nos contos maravilhosos infantis (COELHO, 1987 p. 15).
originais. São deles as estórias: Pele de Urso, A Bela e a Fera, A Gata Borralheira e
João e Maria (PAVONI, 1989).
Hans Christian Andersen (1802-1875), filho de um humilde sapateiro e de
uma mãe iletrada, mulher supersticiosa que o influenciou bastante por passar-lhe a
tradição oral do campo. Em 1835 publicou histórias Contadas às Crianças, com seus
quatro primeiro contos. Até 1872, produziu 168 histórias. Suas estórias trabalhavam
com o código social e eram inspiradas na sua infância sofrida, trazendo uma moral
ou ensinamento. Destacam-se: A Roupa Nova do Imperador, O Patinho Feio, Os
Sapatinhos Vermelhos, A Pequena Sereia, A Pequena Vendedora de Fósforos, A
Princesa e a Ervilha (COELHO,1987).
Walt Disney (1901-1966) foi um cineasta, produtor estadunidense de
desenhos animados e animador. Não criou nenhum conto, mas ficou conhecido
pelas releituras que fez dos contos de fadas, como a primeira: “Branca de neve e os
sete anões”, animação lançada nos cinemas, que na época (como nos tempos
atuais) era uma poderosa aliada midiática. As histórias eram facilmente
compreensíveis, refletindo os valores médios da tradição americana (COSTA e
BAGANHA, 1989).
Em sua adaptação dos contos de fadas clássico, de acordo com Costa e
Baganha (1989), os contos aparecem distorcidos de sua forma original. Muitas
adaptações subtraem passagens consideradas mais fortes, com o objetivo de não
assustar ou chocar as crianças, privando-as do conflito e posterior resolução.
Assim como a Disney, estúdios como a Pixar, Dreamworks e Warner Bros,
têm ganhado merecido destaque por contribuir com outras histórias, mais atuais,
que se assemelham estruturalmente com os contos.
Foi com Vladimir Propp, estruturalista russo e um dos expoentes da
narratologia, que se deu um dos primeiros estudos científicos relevantes dos contos,
em 1920, conforme Pavoni (1989), a partir dos estudos nos quais se propôs a
analisar estruturalmente cem narrativas dos contos populares da época, chegando a
conclusão de que todas as histórias tinham a mesma seqüência de ações ou
funções narrativas, e a questão de que, apesar da diversidade de temas e versões,
todas poderiam ter uma origem comum.
Segundo Coelho (1987), Propp formulou uma estrutura básica para os contos
de fadas, envolvendo início, ruptura, confronto e superação de obstáculos e perigos,
restauração e desfecho.
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do latim fatum, que significa destino, fatalidade. Ela caracteriza o conto de fadas
como:
[...] com ou sem a presença de fadas (mas sempre com o maravilhoso),
seus argumentos desenvolvem-se dentro da magia feérica (reis, rainhas,
príncipes, princesas, fadas, gênios, bruxas, gigantes, anões, objetos
mágicos, metamorfoses, tempo e espaço fora da realidade conhecida etc.) e
têm como eixo gerador uma problemática existencial. Ou melhor, têm como
núcleo problemático à realização essencial do herói ou da heroína,
realização que, via de regra, está visceralmente ligado à união homem-
mulher (COELHO, 1987, p.14).
maior parte das vezes. Mitos e fadas atingem a sua forma final apenas quando estão
redigidos, após passarem por um processo de mudança pelo contador,
condicionando-os ou melhorando-os, de acordo com os interesses dos ouvintes, das
preocupações do momento ou da época.
A separação entre a narração ritualística e o tratamento apenas artístico dado
aos contos, de acordo com Mendes (2000), foi o início da transformação do mito em
contos populares.
Bettelheim (1980) afirma que esses contos desenvolveram-se a partir dos
mitos ou foram a eles incorporados, passando a experiência acumulada de uma
sociedade sedenta de transmiti-las a novas gerações.
Estes contos fornecem percepções profundas que sustentaram a
humanidade através das longas vicissitudes de sua existência, uma herança
que não é transmitida sob qualquer outra forma tão simples e diretamente,
ou de modo tão acessível, às crianças. Um mito, como uma estória de
fadas, pode expressar um conflito interno de forma simbólica e sugerir como
pode ser resolvido, mas esta não é necessariamente a preocupação central
do mito. Ele apresenta seu tema de forma majestosa; transmite uma força
espiritual; e, o divino está presente e é vivenciado na forma de heróis sobre-
humanos que fazem solicitações constantes aos simples mortais. Por mais
que nós, os mortais, possamos empenhar-nos em ser como estes heróis,
permaneceremos sempre e obviamente inferiores a eles (BETTELHEIM,
1980, p.34).
Para Iser (1999), o elemento básico é a imagem. Ela traz a tona o que não é
idêntico a um objeto empírico, nem ao significado de um objeto representado. A
experiência do objeto é infringida pela imagem, sem, entretanto, ser atributo para o
que a imagem mostra. O sentido passa a ser captado não como mensagem, nem
como determinado significado, mas como imagem. Ela é, portanto, a categoria
básica da representação.
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2.2 OS ARQUÉTIPOS
Como sucede com toda grande arte, o significado mais profundo do conto
de fadas será diferente para cada pessoa, e diferente para a mesma pessoa
em vários momentos de sua vida. A criança extrairá significados diferentes
do mesmo conto de fadas, dependendo de seus interesses e necessidades
do momento. Tendo oportunidade, voltará ao mesmo conto quando estiver
pronta a ampliar os velhos significados ou substituí-los por novos
(BETTELHEIM, 1980, p. 20 - 21).
Apesar de a criança viver no mesmo mundo dos adultos, ela o pensa, sente e
vê de forma diferente. Segundo Costa e Baganha (1989), para a criança, o mundo -
pessoas e coisas - não é reconhecido como algo fora dela. Reconhecer a
exterioridade do mundo implica, para ela, reconhecer os próprios poderes e limites,
e é nesse confronto que ela vai se construindo.
Bettelheim (1980) afirma que a vida intelectual de uma criança, através da
história, dependeu de mitos, religiões, contos de fadas, alimentando a imaginação e
estimulando a fantasia, como um importante agente socializador. A partir dos
conteúdos dos mitos, lendas e fábulas, as crianças formam os conceitos de origens
e desígnios do mundo e de seus padrões sociais.
Os contos de fadas, apesar de apresentarem fatos do cotidiano às vezes de
forma bem realista, não se referem claramente ao mundo exterior, e seu conteúdo
poucas vezes se assemelha com a vida de seus ouvintes. Sua natureza realista fala
aos processos interiores do indivíduo (BETTELHEIM, 1980).
Para Dieckmann (1986, p. 49) os contos de fadas são mais do que estórias
bonitas, partindo da idéia de que eles têm importância para a formação e
configuração do mundo interior humano. “[...] As figuras e feições, como também a
ação do conto, são vividas não mais como acontecimento real do mundo, exterior,
mas como personificação de formações e evoluções interiores da mente”. Esses
símbolos são a melhor imagem que demonstra aquilo que se passa com o homem.
Essas imagens ou arquétipos representados pelos personagens nos contos
de fadas, segundo Pavoni (1989), são a própria pessoa. E o mesmo acontece com
as relações reais de uns com os outros: elas não são vistas como realmente são,
mas sim pela imagem que se tem delas. Esta imagem é constituída através de
experiências pessoais com o outro e também através da imagem do arquétipo de
relação ou de posição projetada no outro. Na relação com alguém de maior
autoridade, o comportamento é marcado ou alterado pelos arquétipos de autoridade
inconsciente que a pessoa traz, podendo ser negativo ou positivo.
Portanto, o mundo age sobre as pessoas conforme ele é percebido. Só aquilo
que tem ressonância com os conteúdos da psique é que é percebido. Cada um
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Contudo, não se pode precisar qual, nem em que idade ou fase será
importante para uma criança um conto em específico; só a criança poderá revelar ou
determinar que conto quer ouvir, à medida que esses falam ao seu consciente e
inconsciente.
Naturalmente, um pai começará a contar ou ler para seu filho uma estória
que ele próprio gostava quando criança, ou ainda gosta. Se a criança não
se liga à estória, isto significa que os motivos ou temas aí apresentados
falharam em despertar uma resposta significativa neste momento da sua
vida (BETTELHEIM, 1980, p.26).
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CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ALT, Cleide Becarini. Contos de fadas e mitos. Um trabalho com grupos, numa
abordagem junguiana. São Paulo: Vetor, 2000.
BRAGA, Maria Alice. Como usar a literatura infantil na sala de aula. São Paulo:
Contexto, 2004.
COSTA, Isabel Alves. BAGANHA, Filipa. Lutar Para Dar Um Sentido À Vida: Os
contos de fadas na educação de infância. Portugal, Edições Asa, 1989.
41
DINIZ, Maria Lucia Vissoto Paiva. Era uma vez belo, o bom e o bem comportado...:
O discurso ideológico nos contos de fadas,1993.176 fs. Dissertação de mestrado –
Área de Teoria Literária e Literatura Comparada. Faculdade de Ciências e Letras da
Unesp de Assis, 1993.
GIMAEL, Patrícia Couto. Crescendo entre príncipes, fadas e bruxas. Viver. São
Paulo, nº 98, p. 36 – 37, mar, 2001.
ISER, W. O ato de leitura: uma teoria do efeito estético. São Paulo: Editora 34, 1999.
SAIANI, Cláudio. Jung e a Educação: uma análise da relação professor/ aluno. São
Paulo: Editoras Escrituras, 2003.
43
STOEBER, Isa Spanghero. Lenda nos tempos difíceis. Viver. São Paulo, nº 91, p.10-
11, ago, 2000.
TATAR, Maria. Contos de fadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.