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PENSATA • DESAFIOS DA ADMINISTRAÇÃO NO SÉCULO XXI

DESAFIOS DA ADMINISTRAÇÃO NO SÉCULO XXI


Suzana Braga Rodrigues
CEPEAD/CAD/UFMG

O contexto atual das organizações disso, vale a pena lembrar que as gando as empresas locais a compe-
estimula algumas reflexões sobre os conclusões mais recentes indicam tirem sob condições desvantajosas.
desafios da Administração enquan- que, do ponto de vista econômico, Uma das conseqüências da de-
to prática e como ciência. Pode-se a globalização não passa de regio- pendência externa de recursos é a
resumi-los em quatro pontos prin- nalização, pois a maior parte das redução do consumo e a recessão
cipais: pressões ligadas à globaliza- empresas ainda prefere investir em econômica nos países emergentes, o
ção, pressões relativas ao controle territórios mais próximos do ponto que tem estimulado a migração de
de custos, pressões que se referem de vista geográfico e cultural. Além mão-de-obra qualificada em massa
às relações de confiança entre os disso, a prática da abertura dos mer- para os países nos quais o investi-
stakeholders e demandas sobre o cados expôs mais claramente a pos- mento em trabalho resulta em com-
comportamento ético e a responsa- tura contraditória dos Estados Uni- pensação financeira e oportunidades
bilidade corporativa. Esses quatro dos, que impõem pressões quanto à de ascensão. Essa mobilidade atin-
desafios estão ligados a alguns pa- abertura econômica em outros paí- ge o contingente das habilidades e
radoxos que as empresas enfrentam ses, mas protegem seus interesses competências disponíveis nos paí-
atualmente. internos. Tal fato leva à conclusão ses hospedeiros, mas sobretudo evi-
A constituição da Administração de que a globalização, entendida por dencia o fato de que uma das com-
como campo científico – as temáti- muitos como um movimento econô- petências mais importantes de um
cas, os fenômenos abordados e as mico autônomo, beneficia principal- governo, hoje em dia, envolve a ca-
teorias que provem explicações para mente os países mais fortes, por pacidade de geração de empregos.
esses fenômenos – passa pela iden- meio de políticas e práticas estabe- Nada diferente até o momento, ex-
tificação dos desafios apontados lecidas pelos governos. O fenôme- ceto o reconhecimento de que cabe
anteriormente e sua investigação. no ao qual se atribui a perda de po- aos governos a responsabilidade de
Espera-se que a acumulação de co- der dos estados-nação ocorre prin- abrir oportunidades de emprego em
nhecimento sobre a maneira como cipalmente com os países e os go- massa e, às empresas, agir respon-
afetam as organizações possa con- vernos fracos, que empregam medi- savelmente em relação a práticas
tribuir para encontrar soluções viá- das desproporcionais de atração do como o downsizing e a terceiriza-
veis, que resultem em uma ação po- capital estrangeiro, como, por exem- ção. Essas estratégias não resistem
lítica mais efetiva, não só interna- plo, o uso de juros altos, que coloca a uma análise de longo prazo, pois
mente, mas também em nível insti- a economia interna em recessão mas estimulam o desemprego, levando à
tucional. Assim, a proposta deste atrai investidores externos. Uma redução dos mercados e ameaçando
ensaio é discutir brevemente esses outra prática comum entre os paí- as condições que sustentam a sobre-
desafios e suas implicações para a ses dependentes de recursos exter- vivência das empresas.
prática da Administração, com o nos é a da desvalorização de sua As alternativas que se examinam
intuito de estimular outras reflexões moeda, tornando desproporcional- nos países em desenvolvimento são
e motivar o aprofundamento da in- mente baratos a terra, a proprieda- o aumento das exportações e a in-
vestigação sobre tais assuntos. de, o capital e o trabalho. Contradi- ternacionalização das empresas. A
O primeiro desafio, a globaliza- toriamente, essa prática leva à apro- expansão internacional tornou-se
ção, não constitui novidade. Apesar priação de recursos internos, obri- um requisito essencial à sobrevivên-

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cia das empresas de países emergen- soais ou institucionais, o que impli- sempre os custos associados à trans-
tes, considerando a vulnerabilidade ca que ele mesmo tem de continua- formação de idéias em algo tangí-
desses países durante as crises mun- mente gerar excedentes a fim de fi- vel, que possa ser comercializado.
diais. Os estudos mais recentes su- nanciar sua existência e precaver-se Mesmo as universidades, geradoras
gerem que uma das formas mais efe- em tempos de incerteza, de abun- de idéias por excelência, têm cria-
tivas de internacionalização por ini- dância ou incapacidade. No contex- do regras para garantir a proprieda-
ciantes ocorre por meio da coope- to organizacional, espera-se que os de do conhecimento gerado interna-
ração em redes, pois as estratégias indivíduos sejam independentes da mente. Contudo, a capacidade de
isoladas dificilmente conduzem à organização, pois devem assumir inovação requer alguns ingredien-
obtenção de informações e de recur- que o emprego é temporário e de- tes-chave, uma vez que o processo
sos financeiros que permitam a ex- pendente do desenvolvimento de criativo exige o compartilhamento
ploração de novos mercados, prin- competências-chave (as que interes- de informações e de conhecimento.
cipalmente em se tratando de pe- sam à organização em dado momen- Ademais, requer a habilidade de tra-
quenas e médias empresas. Esses to). O desenvolvimento de compe- balho em grupo, a formação de ati-
estudos também mostram que o su- tências-chave – a empregabilidade – tudes colaborativas e, sobretudo, a
cesso da organização em redes de- pode ser um instrumento que con- construção de relações de confian-
pende do desenvolvimento de uma duz à maior mobilidade do indiví- ça entre os atores organizacionais.
relação de confiança entre os parcei- duo, mas serve também para justi- A capacidade de construir rela-
ros, um outro desafio que se apre- ficar a quebra dos acordos implíci- ções de confiança torna-se impor-
senta àquelas organizações acostu- tos entre empresa e empregados. À tante também em um outro contex-
madas a fincar suas bases no opor- empresa interessa mais a flexibilida- to, o das relações entre os proprie-
tunismo. de de manobra do contingente de tários e gerentes e entre esses e os
O segundo desafio refere-se ao mão-de-obra do que a construção de demais stakeholders. O movimento
controle de custos. O desenvolvi- uma relação de confiança e lealda- de expansão das fusões e aquisições
mento de técnicas de medição em de com seus empregados. internacionais tem mudado as con-
vários setores e níveis organizacio- Esse último argumento leva ao figurações de propriedade no mun-
nais criou condições para que as terceiro ponto, que se refere à capa- do inteiro, tornando centrais as re-
empresas pudessem examinar e me- cidade de geração de conhecimento lações de agência. Essa questão vem
dir o custo de suas várias ativida- por parte das organizações. Para se- se tornando cada vez mais impor-
des. A sociedade atual é muito mais rem competitivas, as organizações tante quando se considera o movi-
consciente dos custos, graças ao precisam investir sistematicamente mento de mudança na propriedade
neoliberalismo. Qualquer atividade não somente na obtenção mas tam- das empresas com a abertura eco-
humana é avaliada em termos de bém na retenção de conhecimento. nômica em nível mundial. No iní-
custos diferenciados que se aplicam Como os meios de comunicação cio do capitalismo, essa questão não
a contextos e ocasiões distintos. O hoje disponibilizam as informações se apresentava relevante, pois quem
neoliberalismo estimula a consciên- com mais facilidade, a cópia tam- administrava a empresa era o dono.
cia de custos não apenas em nível bém se tornou muito mais fácil, Com a expansão e o aumento do
institucional e organizacional, mas impondo um ritmo acelerado de tamanho das empresas, houve ne-
também em nível individual. Cada inovação às empresas que preten- cessidade de delegar decisões e res-
pessoa deve ser responsável pelos dem ser competitivas. Além disso, ponsabilidades a profissionais de
custos de sua sobrevivência, pois, do tanto as organizações quanto os in- gerência. Segundo alguns autores, a
ponto de vista dos valores sociais, divíduos precisam gerar conheci- necessidade de delegar decisões ge-
os limites da responsabilidade da mentos passíveis de transformação. rou o que na literatura se denomina
família reduziram-se e o Estado tem A vulnerabilidade das inovações es- “problema de agência”, que se refe-
cada vez mais se ausentado das áreas timula a cópia ou a expropriação, re às relações de confiança entre os
sociais. O neoliberalismo estimula exigindo uma abordagem estratégi- investidores e seus representantes.
um determinado perfil, no qual o ca que proteja a retenção do conhe- A teoria diz que certas característi-
indivíduo é considerado uma uni- cimento internamente. Embora se cas humanas, como tendência ao
dade econômica, claramente inde- possa considerar que o ser humano auto-interesse, ao egoísmo e ao
pendente de relações familiares, pes- seja fonte inesgotável de idéias, há oportunismo, motivam decisões que

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beneficiam os gerentes mas não os cos pode ser muito mais facilmente Uma outra prática que tem sido
acionistas, afetando as relações de obtida por meio da cooperação e da abusiva é a do downsizing, e nesse
confiança entre esses agentes. Tal participação de outros stakeholders caso os que pagam os custos são os
problema se torna mais grave em nas decisões empresariais. Assim, empregados. A sede dos executivos
situações nas quais a delegação de paradoxalmente, a ênfase na gera- por poder e compensação financeira
responsabilidade é prioritária em ção de valor – que atribui o poder tem reforçado essa prática, e até hoje
virtude da grande dispersão de acio- de vigilância da gerência predomi- não se sabe o suficiente de que ma-
nistas. Na Inglaterra e nos Estados nantemente aos investidores e pro- neira ela e sua irmã gêmea, a tercei-
Unidos existe uma tendência a co- prietários – pode fracassar em suas rização, contribuem para a melhoria
locar um enorme poder nas mãos do intenções, pois negligencia a contri- do desempenho organizacional. Em
executivo principal. Os escândalos buição dos stakeholders. Além dis- geral, os movimentos de downsizing
recentes, envolvendo empresas so, a orientação excessiva da gerên- seguem uma mudança na proprieda-
como Enron e WorldCom, trouxe- cia para com a geração de valor tem de das empresas, pois nessa ocasião
ram à tona várias questões impor- freqüentemente levado as empresas torna-se mais fácil ignorar as regras
tantes relativas ao governo e à ges- a adotar medidas que ferem as de- dos acordos implícitos com os em-
tão das empresas. Uma delas refere- terminações dos acordos implícitos pregados. Estudos recentes têm mos-
se à passividade, à falta de informa- com os empregados. trado que o downsizing constitui a
ção e de profissionalização dos con- Como a empresa tem de gerar va- principal forma de agregar valor para
selhos de administração. Uma ou- lor para seus acionistas e, ao mesmo os shareholders e expropriar os em-
tra se refere ao comportamento tempo, pagar altos salários aos exe- pregados. Os que ficam têm de as-
oportunista, ineficiente e corrupto cutivos, cabe a outros stakeholders sumir as atribuições dos que vão
dos executivos principais de certas pagar esses custos. Pode-se começar embora, além de outras novas. Os
empresas, levando a enormes prejuí- pelos clientes. A máxima de que “o que perdem o emprego raramente
zos para os acionistas minoritários. cliente é o rei” tem servido para jus- conseguem posições equivalentes
Uma terceira refere-se à relação de- tificar práticas que, na verdade, ser- em outras empresas.
ficiente dos acionistas e da gerência vem para criar barreiras entre estes e Assim, o mais premente desafio
com outros stakeholders, como os a empresa. A terceirização por meio que se impõe à empresa do século
empregados e os clientes. de call centers é uma delas. Dificil- XXI é o da responsabilidade corpo-
A necessidade de controlar a cor- mente se consegue entrar em con- rativa, pois é aí que se muda a orien-
rupção e de impor limites aos altos tato com a área operacional da em- tação de curto prazo para uma pers-
salários dos executivos tem dado presa por meio deles. Na maioria pectiva de longo prazo. Gradualmen-
origem a uma das principais contra- dos casos, seus funcionários não te, vem-se formando um consenso de
dições do capitalismo contemporâ- estão aptos a resolver os problemas que a sobrevivência da empresa no
neo. Como o problema de agência do cliente porque não conhecem a longo prazo depende da construção
agrega os interesses dos acionistas empresa e o contexto em que o pro- de uma relação mais equilibrada com
em torno da geração de valor, isso blema aparece. Mais recentemente, seus vários stakeholders. Talvez o en-
reforça o consenso de que o proble- os call centers vêm se constituindo volvimento mais efetivo destes nas
ma da decência e da ética só poderá em unidades de lucro para as em- decisões que lhes afetam venha a ser
ser resolvido por meio de algumas presas por meio de contratos com o meio eficaz de controlar os exces-
medidas-chave, como a maior vigi- companhias telefônicas. Freqüente- sos da ênfase na geração de valor, o
lância sobre o executivo principal e mente, são os clientes quem pagam que certamente poderá contribuir
o uso de procedimentos operacio- o custo dos call centers, pois quan- para a construção de um ambiente
nais e contábeis que garantam a ge- to mais tempo permanecem na fila de maior confiança nas organizações.
ração de valor. No entanto, reconhe- de espera, mais a empresa ganha no
ce-se que a adoção de critérios éti- custo da chamada. Pensata convidada. Aprovada em 09.01.2004

Suzana Braga Rodrigues


Professora Titular do CEPEAD/CAD/UFMG. Doutora em Administração pela University of Bradford –
Management Center. Interesses de pesquisa em negócios internacionais, alianças estratégicas e organizações.
E-mail: sbrodrigues@task.com.br

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