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Patricia Gula
& Nadja Pinheiro
Universidade
Estácio de Sá
Experiência
É importante frisar
apresentação da perspectiva da Psicologia
que o psicólogo institucional proposta por Bleger para, em Assim sendo, “todos os fatores que
que opta por seguida, passarmos à apresentação de nossa compreendem a investigação e a ação devem
trabalhar no ser incluídos como variáveis do fenômeno
âmbito da psico-
própria experiência com um grupo de jovens
higiene é que freqüentava a referida instituição. Nossa mesmo que se estuda e que se vai
colocado diante esperança é que, ao darmos vida às nossas modificando enquanto se estuda. Cada passo
do desafio de não dado na ação deve, por sua vez, ser
constituir outra
argumentações, o leitor perceba, por si
mesmo, toda a riqueza de um trabalho que, investigado em seus efeitos, incluindo o fato
instituição dentro
daquela que se se, por um lado, suscita resistências poderosas, de que sua própria investigação já é uma
propôs a investigar.
por outro, se faz (re)construtor do sujeito e atuação” (Bleger,1984, p.25).
também da realidade que o cerca.
Essa perspectiva demonstra a concepção do autor
de que a investigação e o desenvolvimento
Psicohigiene e Psicologia científico não se desvinculam do trabalho
institucional: a configuração concreto, mas, ao contrário, são condições
de um campo de trabalho inerentes ao fazer de cada um. Desse modo, o
autor propõe uma forma de fazer ciência em
Segundo Bleger (1984), a mudança de decorrência da qual “a Psicologia institucional
paradigma em relação à atuação do psicólogo, (prática) não será mera aplicação da Psicologia
do âmbito individual, privado e, portanto, (ciência) mas sim, uma forma de fazer Psicologia
relacionado aos problemas psicopatológicos, enquanto ciência e enquanto profissão (Guirado,
para ingressar no campo da promoção da 1986, p. 7).
saúde, abriu um leque de novas possibilidades
de atuação para a prática da Psicologia: grupos, Nesse sentido, cabe aqui promover uma
instituições e comunidades. Trata-se aqui da diferenciação entre Psicologia institucional e
Psicologia em uma instituição. Para Bleger
passagem salientada pelo autor do âmbito da
(1984), esta última configura uma prática na
higiene mental para o da psicohigiene. Nesse
qual o psicólogo (na condição de empregado)
sentido, o autor salienta que, para o psicólogo,
se limita a executar tarefas determinadas pela
uma instituição interessará como organismo própria instituição. Por sua vez, para o psicólogo
específico e concreto, mas sem perder de institucional, o vínculo empregatício com a
vista que seu objetivo é o de “estudar os instituição precisa ser constituído de tal forma
fenômenos humanos que se dão em relação que lhe garanta uma autonomia que o permita
atividades sugeridas foi o primeiro obstáculo o que provocou, por seu turno, algumas formas
com que nos deparamos. Os jovens, ao serem de resistência visíveis: a interrupção das
convidados a falarem de si mesmos, de seus atividades em andamento, embora um papel
sonhos e expectativas diante da vida, na porta avisasse que o grupo estava em
respondiam com o silêncio. Foi quando trabalho, o uso do espaço reservado para o
percebemos o quanto deveria ser difícil para grupo para outras atividades, e,
eles falarem de algo sobre o qual ninguém principalmente, o pedido expresso pela
lhes havia perguntado até então e sobre o instituição de que a Psicologia participasse de
qual não possuíam nenhuma noção. Tal atividades programadas pela própria instituição
movimento nos apontava também o lugar no (tais como a seleção de novos alunos,
qual a instituição os colocava, posto que, a entrevistas com os pais dos mesmos, a
eles, não era dada a possibilidade de construção de um questionário para
interlocução diante da imposição de regras e levantamento de banco de dados sobre os
leis explícitas. alunos, etc), fatores esses que apenas
apontavam uma repercussão do nosso trabalho
É interessante observar que os integrantes em nível institucional.
É interessante
observar que os desse grupo inicial eram tidos, pela instituição,
integrantes desse como os mais difíceis de serem encaminhados Um dos temas surgidos a partir das atividades
grupo inicial eram a uma empresa, e, por isso, permaneciam
tidos, pela do grupo dizia respeito à escolha profissional
instituição, como excluídos e segregados dentro da própria e ao planejamento de vida futura. Nesse
os mais difíceis de instituição. Tal segregação foi claramente momento, a fala de um jovem se mostrou
serem observada durante os encontros semanais do
encaminhados a fundamental para o direcionamento de nosso
uma empresa, e, grupo, na medida em que este se dividia trabalho: “Não somos nós que escolhemos, nós
por isso, abertamente em dois segmentos: um, dos somos escolhidos”, palavras que pareciam
permaneciam meninos bem comportados e bem vistos pela
excluídos e resumir o sentimento geral do grupo, sua
instituição, e outro, dos meninos malvistos e posição de passividade e impotência diante
segregados dentro
da própria rebeldes. Dessa mesma forma, em nossos dos acontecimentos de suas vidas. Os jovens
instituição. encontros, os jovens do primeiro grupo sempre
assumiram a postura de vítimas e culparam
se mostravam dispostos a participar das
o(s) outro (s) por sua situação. Embora não
atividades, enquanto os jovens do segundo
possamos perder de vista as dificuldades reais
grupo permaneciam inertes e desmotivados.
que os jovens das classes desfavorecidas
Foi interessante observar que esses jovens,
enfrentam no cotidiano brasileiro, acreditamos
ao notarem a participação das estagiárias nas
que, naquele momento, seria importante
atividades propostas, ou seja, ao perceberem
propor a discussão de tal situação, visando a
a implicação das mesmas no desenrolar do
construir alternativas possíveis de
grupo, se “arriscaram” a fazer o mesmo,
transformação. Começamos, então, a pensar,
desencadeando, a partir daí, um processo de
em grupo, na questão do projeto de vida e
transformação tanto interno quanto
nos aspectos envolvidos nas nossas escolhas
institucional, processo que teve, como
diárias, nas suas implicações e conseqüências.
primeiro movimento, a escolha de um nome
para o grupo: GRUPO JOVEM, o que marcou Nesse momento, o grupo percebeu que, por
o momento inicial da construção de uma menores que sejam, há sempre escolhas a
identidade própria, aspecto fundamental para serem efetuadas, escolhas essas que podem
que esses jovens começassem a se perceber levar nossas vidas a ganhar múltiplos caminhos.
como cidadãos. Pensar no futuro de suas vidas levou o grupo a
refletir sobre o tema das profissões, tanto em
Gradativamente, a atuação da Psicologia nível universitário quanto técnico, o que
começou a fazer parte da rotina da instituição, evidenciou o alto grau de desinformação
acerca do que é preciso para obtê-las. Nesse enfrentando algumas dificuldades. A instituição
momento, o grupo assumiu uma postura de impôs que a participação dos jovens no grupo
indagação operativa, transcendendo o tema deixasse de ser opcional e passasse a ser
da escolha profissional propriamente dita para obrigatória, como pré-requisito para serem
ingressar nas questões institucionais, encaminhados às empresas. A obrigatoriedade
manifestando claramente suas dúvidas e da presença trouxe conseqüências específicas:
insatisfações em relação ao processo de o aumento significativo no número de
seleção dos candidatos às vagas nas empresas participantes, fato que impedia uma escuta
e relatando as dificuldades e frustrações que mais individualizada de cada sujeito, e a recusa
vivenciavam quando não eram encaminhados na participação das atividades propostas. A
para nenhuma entrevista. Apontamos aqui a alternativa que encontramos foi a de formar
relevância desse momento, pois pôde-se subgrupos, que nos permitiriam manter o
perceber uma nítida mudança de trabalho em andamento.
posicionamento desses jovens em relação às
suas vidas na medida em que assumiram um Por outro lado, ultrapassando as indicações
posicionamento interrogativo e ativo sobre os individuais, a questão da obrigatoriedade
fatos que vivenciavam em seu dia a dia. O remetia, novamente, ao âmbito institucional
espaço grupal havia sido construído, e os jovens e à forma impositiva e desqualificante com
o estavam aproveitando, cada qual a seu modo que a instituição tratava seus jovens. Tal
e segundo as suas características individuais. movimento (re)produzia, de certa forma, a
Esse ambiente permitiu que arriscássemos uma mesma dinâmica social segregadora e
atividade mais audaciosa, na qual os jovens excludente com a qual esses jovens se vêem
precisariam se expor um pouco mais: confrontados diariamente em suas vidas.
montamos um teatro de sombras e pedimos Nesse ponto, uma transformação operada pelo
que improvisassem algumas cenas que os grupo foi crucial. Diante da resistência em
espectadores deveriam adivinhar quais eram. participar das atividades propostas pelas
A adesão foi total, e, como conseqüência, estagiárias, foi aberta uma discussão sobre o
surgiram, num segundo momento, novas tema. Os jovens começaram, então, a dar suas
profissões em seus repertórios de possibilidades opiniões sobre o grupo e sobre quais atividades
e, como não poderia ser, a de ator, fato gostariam de desenvolver. Após uma votação,
bastante significativo se pensarmos no sentido as propostas do grupo foram levadas para a
de ator como agente, ou seja, agente de suas direção da instituição, o que permitiu a
próprias vidas.
reavaliação de algumas regras institucionais e
o alcance de um consenso. Nesse processo,
Durante todo o trabalho grupal, a questão da
os jovens puderam experienciar uma atitude
informação sobre as profissões, em como obtê-
ativa e responsável diante de um problema a
las, e por que, constituiu-se em um tema
ser solucionado. Por seu turno, a instituição
recorrente nas atividades, fator esse que nos
também abriu um espaço para rever e
motivou a fazer um círculo de palestras,
reformular suas atitudes e regras perante
convidando profissionais de diversas áreas para
falarem sobre suas atividades. Diante dessa aqueles jovens.
oportunidade, os jovens aproveitaram para tirar
suas dúvidas, demonstrando terem, Nesse ponto, cabe, certamente, um olhar para
definitivamente, assumido uma nova postura os objetivos da instituição: sua finalidade maior
diante da vida. é a de inserir adolescentes pobres no mercado
de trabalho local, atendendo, assim, uma
Após um período de dois meses de férias, necessidade da comunidade e das famílias de
retornamos o trabalho com o grupo terem mais um membro empregado. É
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Entre o Limite e a Esperança: Relato de uma Experiência em Psicologia Institucional
interessante, aqui, destacar o discurso que como era esperado, levou à emergência de
constitui, subliminarmente, as redes inúmeras estratégias de resistência através de
simbólicas a partir das quais a instituição e sucessivas atuações institucionais de
seus atores se percebem: a instituição é pobre desvalorização de nosso trabalho. Tais atitudes,
e, portanto, não possui recursos financeiros no entanto, serviram para mostrar o quanto
suficientes para a ampliação de seus quadros nosso trabalho grupal estava sendo produtivo
profissionais e para realizar melhorias em seus como agente mobilizador e transformador,
cursos. Há um pedido explícito a todas as tanto no âmbito subjetivo quanto institucional.
pessoas (inclusive funcionários) para que
façam doações de materiais e trabalho
Algumas reflexões...
voluntário. Esse discurso perpassa a instituição
– pobre, carente, necessitada, sem
Para pensar a nossa experiência com a
possibilidades de transformação – e o
Psicologia institucional, adotamos a perspectiva
adolescente que dela se beneficia – pobre,
da psicohigiene, proposta por Bleger para
carente, passivo e desamparado. Assim,
nortear nosso trabalho, na medida em que
quando ouvimos dos jovens que o maior valor
nesta, a Psicologia institucional se propõe a
do trabalho é o dinheiro que esse pode
intervir nas formas estereotipadas e alienadas
proporcionar, e ouvimos, da instituição, que
que os relacionamentos interpessoais assumem
a prioridade é empregar os jovens, pois
nos grupos, nas organizações e nas instituições,
somente através da bolsa-estágio a instituição
impedindo que os indivíduos se constituam
pode se manter, percebemos que a prioridade
como agentes de suas próprias ações e
institucional não estava na formação
escolhas.
profissional desses jovens, mas na
manutenção da própria instituição. Sendo
assim, fica claro aquilo que Bleger (2001) Após um ano e meio de contínuo trabalho em
pontuou: “o grupo se burocratizou, uma instituição, foi-nos possível perceber tanto
entendendo por burocracia a organização na as possibilidades quanto os limites intrínsecos
qual os meios se transformam em fins, e deixa- na tarefa de promover uma re-significação das
se de lado o fato de se ter recorrido aos meios relações cristalizadas dento de uma instituição.
para conseguir determinados objetivos ou Percebemos, ainda, o quanto esse processo é
fins” (p.115). capaz de mobilizar não somente o grupo
envolvido nas atividades mas também a
Segundo o que nos informa o autor, toda instituição como um todo. Assim, por mais
instituição tende a ter a mesma estrutura que difícil que essa tarefa se torne em certos
o problema que deve enfrentar e para o qual momentos, é fato que a Psicologia institucional
foi criada. Desse modo, foi-nos possível é uma abordagem possível e uma oportunidade
compreender a dinâmica institucional, que, singular de crescimento emocional para seus
diante da percepção de jovens ativos, capazes envolvidos. Nossa experiência nos
de se posicionarem diante de um problema a demonstrou, acima de tudo, a importância e a
ser resolvido, que deixavam de ser objetos pertinência de se utilizar o trabalho da
passivos para se tornarem sujeitos de suas psicologia a partir de uma perspectiva que
ações e atos, se viu obrigada a reformular suas possibilita e incentiva o florescimento de novas
próprias convicções e objetivos. Esse fato, configurações institucionais e subjetivas.
Patricia Gula
Psicóloga, pós-graduanda do Curso de Especialização em Psicanálise e Saúde Mental da
Universidade Estácio de Sá, Nova Friburgo. Estrada Vr. Eugênio Guilherme Spitz, 2681, Mury, Nova
Friburgo, R.J. Cep: 28615-450 Tel.: (22) 25422100; (22) 92142809.
E-mail: patriciagula@yahoo.com.br.
Nadja Pinheiro
Psicóloga, Mestre em Psicologia (UFRJ), Doutora em Psicologia (Puc-Rio), professora-adjunta do
Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), pesquisadora do Núcleo
de Estudos de Desenvolvimento Humano (NEDHU-UFPr). Universidade Federal do Paraná, Praça
Santos Andrade, 50, Centro. Curitiba, Paraná. Cep:80060-240. Tel.: (41) 3310 2625.
E-mail:nadjanbp@rjnet.com.br; nadjanbp@ufpr.br
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