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Por
Capitão-de-Corveta
2004
SUMÁRIO
Vegetius e sua obra são muito pouco conhecidas, mesmo entre militares e estrategistas.
Sua obra “De Re Militari”, também conhecida como “Epitoma Rei Militaris”, foi, no entanto,
o tratado militar mais influente no ocidente, da Idade Média até o final do século XIX (7:67),
representando, como constataremos neste artigo, um dos alicerces do pensamento estratégico
militar ocidental. Sua importância é evidenciada pelo fato que sua obra foi traduzida para o
francês, inglês e búlgaro antes mesmo da invenção de imprensa. O número de cópias
manuscritas datadas dos séculos X ao XV totalizam 150 (8:68). A título de comparação
podemos citar que Vegetius foi traduzido para o francês pela primeira vez em 1271, enquanto
César só o foi em 1473. Um manuscrito de Vegetius consta no testamento do Conde Everardo
de Frejus, escrito em torno do ano 837. Ricardo “Coração de Leão” carregava consigo uma
cópia do De Re Militari onde quer que fosse, assim como fazia seu pai Henrique II da
Inglaterra. Carlos Magno considerava como vital o conhecimento dos escritos de Vegetius
pelos seus comandantes (8:67). Alfonso X, Rei de Castela, torna os preceitos de Vegetius
obrigatórios por meio de uma ordenança publicada em 1280 (2:160). Com o advento da
imprensa, Vegetius foi o primeiro autor militar a ter sua obra impressa (em torno do ano 1473
em Utrech), sendo também o autor militar com maior número de edições nos séculos XV e
XVI (10). Montecucolli, um importante general austríaco do século XVII, que tornaremos a
citar mais adiante, disse: - “[...] há espíritos suficientemente arrojados para acreditarem-se
grandes capitães assim que aprendem a dominar um cavalo, a manejar a lança em carga num
torneio, ou assim que acabam de ler os preceitos de Vegetius” (8:67). Nos séculos XVIII e
XIX, Maurício de Nassau, Gustavo Adolfo, Maurice de Saxe e Frederico, o Grande, da
Prússia foram influenciados pela obra de Vegetius, cada qual aperfeiçoando e refinando sua
aplicação, num processo de evolução que forjou o pensamento militar ocidental tal qual o
conhecemos hoje.
A máxima “Si vis pacem, para belum” é atribuída a Vegetius, porém na sua obra esta
frase aparece numa forma mais completa e que nos permite perceber melhor sua importância:
“Igitur qui desiderat pacem, praeparet bellum; qui victoriam cupit, milites imbuat diligenter;
qui secundos optat eventus, dimicet arte, non casu. Nemo provocare, nemo audet offendere,
quem intellegit superiorem esse pugnaturum” (14). Máxima que pode ser traduzida como:
Portanto, quem deseja a paz, prepara a guerra; quem aspira a vitória, adestra
seus soldados diligentemente; quem deseja determinar o resultado dos
eventos, luta se valendo da arte, e não da sorte. Ninguém provoca, ninguém
atreve ofender, quem percebe como sendo superior no combate1.
Pois bem, no livro IV Vegetius descreve uma mistura composta de betume, enxofre, e óleo
(14), empregada em bombas incendiárias. Afirmar que Vegetius nunca citara tal dispositivo é
um equívoco sério, decorrente, provavelmente, do fato do autor supracitado não ter usado
Vegetius como referência para escrever seu livro, mas sim trabalhos de outros autores ingleses
que podem ter se baseado na tradução de John Clarke, que omite o livro IV. Equívocos
semelhantes são encontrados nos outros autores de língua inglesa que consultamos, sendo que
todos tendem considerar Vegetius algo superado e destinado ao esquecimento. Com os autores
de língua francesa e italiana que consultamos o mesmo não ocorre, e Vegetius é tratado com
mais consideração. No seu Traité de Stratégie, Hervé Coutau-Bégarie afirma que, “nos dias
de hoje, um historiador pode tristemente constatar, que a literatura tática da antiguidade foi
relegada à lixeira da história” (2:160).
O manuscrito mais antigo que cita Vegetius data do século VII e lhe dá o nome de
“Plubius Vegatius [sic] Renatus” (13). Este mesmo nome aparece como autor do
Mulomedicina, um tratado sobre veterinária de bovinos e eqüinos. O fato de ambas as obras
terem sido escritas na mesma época, em latim tardio, e no mesmo estilo, permite, segundo
alguns estudiosos, considerá-las como sendo do mesmo autor (13). Ainda assim, precisar
quem foi Vegetius, e qual era seu nome exato é, ainda hoje, objeto de controvérsia. Com o
passar dos séculos e sucessivas traduções de seu trabalho, seu nome assumiu diversas formas
como: Flavius Vegatius, Vegitus, Vigitus, Vicetus e até mesmo Negotius, Renatus3. A forma
atualmente mais aceita de seu nome é: Plubius (Flavius) Vegetius Renatus. Outro aspecto
interessante de seu nome é que Renatus significa “nascido novamente” (re-natus), sendo um
antropônimo adotado por muitas famílias romanas para denotar sua conversão ao cristianismo.
Vale ressaltar que à época de Vegetius a religião oficial do Império era o cristianismo. Em
diversos trechos de sua obra Vegetius evidencia sua fé cristã, fato que facilitou a aceitação dos
seus preceitos na Idade Média (13).
A posição social de Vegetius também é objeto de discussão acadêmica. Manuscritos
antigos o qualificam como uir illustris, tratamento reservado às maiores personalidades do
Império, como prefeitos, chefes de milícia, ou ministros (13). Segundo o humanista italiano
do século XV, Raphael de Volterra, Vegetius seria o Conde de Constantinopla (8:68), mas
Philippe Richardot4 discorda desta informação baseado no fato do seu nome não constar no
Notitia Dignitatum, documento datado entre 395 e 425, que relaciona os grandes personagens
do Estado Romano (13). Certo é, que ele devia ter algum prestígio na corte romana, tanto que
seu primeiro livro chega ao conhecimento do Imperador que encomenda a continuação da
obra (Livros II, III, IV e V).
Vegetius demonstra conhecer perfeitamente a terminologia e técnicas militares da sua
época, e sua modéstia, “[...] this work, as it requires no [...] extraordinary share of genius, but
only great care and fidelity in collecting and explaining, for public use, the instructions and
3
É interessante observar que Flavius não era um nome, mas um título honorífico adotado pelos altos funcionários
do Império Romano por determinação do Imperador Constantino I após sua vitória sobre Licinius em 323.
Flavius seria o equivalente romano para “Senhor” (13).
4
Philippe Richardot é Doutor em História, encarregado de curso e conferencista do Institut d’Études Politiques
d’Aix-en-Provence, encarregado de pesquisas do Institut de Stratégie Comparée e membro da Commission
française d’Histoire Militaire.
observations of our old historians of military affairs […]” (8:73), não pode ser tomada como
prova de desconhecimento ou inexperiência em assuntos militares, contrariamente ao que
afirma o Tenente John Clarke na introdução à sua tradução da obra de Vegetius (8:68). Sua
atitude modesta era típica de uma retórica cautelosa, necessária numa obra dedicada ao
Imperador, e que podia ser mal recebida (13). O autor de Mulomedicina relata muitas viagens
por todo o Império, e viagens de altos funcionários eram sempre acompanhadas por escoltas
militares, possibilitando ao autor observar o funcionamento da máquina de guerra romana.
Supondo ser correta a premissa de que Mulomedicina e De Re Militari (ou Epitoma Rei
Militaris) sejam do mesmo autor, podemos imaginar Vegetius como sendo uma pessoa de
culta e experiente. É, portanto, plausível considerá-lo como capacitado a escrever a respeito
da arte militar com conhecimento de causa (13).
Para fixar a época em que Vegetius viveu devemos observar que, no prefácio do livro I,
Vegetius dedica sua obra ao Imperador Valentinianus. Muito provavelmente este seria o
Imperador Valentinianus II, e não Valentinianus I, já que seu sucessor, Gratianus, é citado no
livro. Além disso, entre os reinados de Valentinianus II e Valentinianus III, Roma foi atacada
e queimada por Alarico, Rei dos Godos, fato que certamente teria sido citado por Vegetius
(8:68). Assim De Re Militaris teria sido escrito entre 375 e 392 d.C., período do reinado de
Valentinianus II, o que permite considerar que Vegetius teria vivido no final do século IV.
Portanto, para respondermos à pergunta em epígrafe, podemos dizer que Vegetius era,
muito provavelmente, um cristão, alto funcionário do Império Romano do Século IV, com
algum conhecimento da arte militar (e de veterinária), cujo nome completo seria Plubius
Flavius Vegetius Renatus.
A OBRA DE VEGETIUS
A obra de Vegetius, conhecida como Epitoma Rei Militaris (sumário dos assuntos
militares) ou De Re Militari (dos assuntos militares) foi escrita na forma de cinco livros. O
primeiro foi escrito e oferecido ao Imperador Valenciano II (375-392d.C.), os outros quatro
foram escritos por determinação do Imperador. Ao escrever sua obra Vegetius tinha o
propósito explícito de resgatar a glória militar de Roma pelo retorno ao modelo republicano
das legiões onde soldados-cidadãos disciplinados e adestrados formavam uma máquina de
guerra invencível. Vegetius desenvolve seu tratado de maneira didática, cobrindo
praticamente todos os aspectos da guerra e é pioneiro no estabelecimento de regras gerais da
guerra (regulæ bellorum generales), ou na terminologia atual, princípios da guerra.
Os conceitos e procedimentos descritos por Vegetius na sua obra são voltados para as
técnicas empregadas pela legião romana, cujo poderio era baseado, primordialmente, sobre a
infantaria pesada, cabendo à infantaria leve e à cavalaria, papéis secundários (3:164).
No Livro I, Vegetius destaca a disciplina e o adestramento como causa da grandeza das
legiões romanas, realçando que os romanos antigos contavam mais com a perícia e disciplina
de suas tropas do que com seu número ou coragem. A seguir ele descreve como deve ser a
seleção e o adestramento de recrutas, assim como a castrametação5 das legiões. Detalhes
como: idade, porte físico ideal, qualidades desejáveis e profissões são esmiuçadas e
explicadas. Também é pormenorizado o adestramento a ser dado aos recrutas, que incluía,
além do manejo de armas, natação, e um aspecto aparentemente trivial que, mais adiante,
tornar-se-á bastante significativo: marchas. Vegetius preconizava a realização de exercícios
mensais de longas marchas onde os legionários portavam todo seu equipamento. Concluindo
o livro, Vegetius garante que a seleção e treinamento descritos acima evitam que períodos de
paz prolongada degenerem as qualidades guerreiras de um povo. Finalmente, ele destaca que
treinar seus cidadãos é menos oneroso ao estado do que pagar estrangeiros para o serviço das
armas.
O Livro II, escrito por determinação do Imperador, começa com Vegetius se
desculpando por estar mencionando a arte da guerra ao “Senhor e Mestre do mundo e
conquistador de todas as nações bárbaras” (8:97). Notamos neste prefácio um estilo
extremamente cauteloso, o que nos parece coerente com o fato de que críticas à situação de
decadência da legião romana poderiam não ser bem recebidas pelo Imperador. Porém, ao que
tudo indica, o Imperador percebeu o valor do trabalho de Vegetius uma vez que determinou
sua continuação. Neste livro Vegetius se dedica à organização das legiões, sua constituição,
sua divisão em coortes, sua hierarquia e outros aspectos logísticos e administrativos. Dentre
estes aspectos está a música legionária, cujos ecos chegam até os dias de hoje, sob a forma dos
toques de corneta e bandas marciais, e que terão um papel relevante na evolução da arte da
guerra do século XVII, como veremos mais adiante neste trabalho.
No Livro III, que se dedica à tática e estratégia, estaria contida a essência da sabedoria
de Vegetius. Seguindo uma prática iniciada pelo lacedaemonianos6, mas cujo conteúdo se
encontrava disperso nas obras de diversos autores, Vegetius compila uma série de regras
gerais da guerra - regulæ bellorum generales -. São exatamente estas máximas que levarão os
5
Técnicas de acampamento militar.
6
Espartanos.
generais a buscar nos escritos de Vegetius meios para a invencibilidade. A título de exemplo,
e buscando perceber o significado do trabalho de Vegetius, destacamos as seguintes máximas:
Na introdução deste artigo citamos alguns personagens centrais da Idade Média, como
Carlos Magno e Ricardo “Coração de Leão”, e como estes prezavam os escritos de Vegetius.
Outro exemplo de seu prestígio é o fato de Eleanor, rainha de Eduardo I da Inglaterra, ter
comissionado uma tradução de Vegetius para seu marido na Cruzada de 1270 a 1272 (9:186).
Os registros de estudos sobre estratégia na Idade Média são muito raros, até porque a
estratégia, seguindo uma das máximas de Vegetius (8:174), era assunto secreto. Assim temos
Vegetius como a principal fonte para quase todos os documentos medievais, que são
compilações, traduções ou até mesmo plágios de Vegetius (2:157). Este é o caso das obras
atribuídas a um certo Modestus, cuja primeira edição data de 1471 e tem o título De disciplina
militari. O que se acreditava ser um autor clássico romano era na realidade um extrato
medieval da obra de Vegetius como revelou o humanista François de Maulde em 1580 (11).
A guerra na Idade Média, como quase todos os aspectos da vida medieval, era dominada
pela Igreja (4:5). A queda do Império Romano do Ocidente, em 476, e o surgimento do
feudalismo fracionou a autoridade política de uma forma que a guerra imperial praticada pelo
Império Bizantino não fazia sentido (3:171). Neste contexto, Santo Agostinho e seu livro A
Cidade de Deus, escrito em 410 para explicar o saque de Roma, passa a ser a principal
influência para a concepção medieval da guerra. Neste livro Santo Agostinho rejeita as idéias
triunfalistas do Império Bizantino e se recusa a identificar a civitas Dei, a comunidade
invisível dos salvos, e até mesmo a organização visível da Igreja, com o Império Romano ou
qualquer cidade terrena. A Guerra, como todos os outros males, seria uma punição pelo
pecado original, mas seria também um freio ao pecado, onde o justo prevaleceria sobre o
pecador graças à divina providência. Por trás de tudo estariam os misteriosos planos de Deus,
que determinavam a ascensão ou queda dos impérios, sendo presunçoso aquele que se achasse
capaz de compreendê-los. A visão agostiniana da guerra é extremamente pessimista, não
sendo atribuído à mesma nenhum aspecto positivo. Para Santo Agostinho uma guerra justa
seria permitida apenas por motivos caridosos. Isto foi interpretado como havendo a obrigação
de se fazer a guerra para resistir a qualquer imoralidade. Também não havia nos trabalhos de
Santo Agostinho nada que sugerisse que uma guerra justa não pudesse ser ofensiva, bastava
que ela tivesse motivos “puros”. A doutrina da guerra justa que daí surgiu pode ser sintetizada
como tendo que preencher três requisitos: ter uma causa justa, ter uma intenção justa e ser
declarada por um soberano, como estabeleceu São Tomás de Aquino na obra Summa
Theologiæ (3:173), escrita entre 1268 e 1272. Como causas justas estavam repelir ou vingar
injúrias e recuperar bens. O conceito de injúria era bastante flexível e sujeito a interpretações.
A idéia da guerra travada com intenção justa é a grande contribuição medieval à teoria da
guerra, prevalecia o princípio agostiniano de que a guerra deveria ser travada com um espírito
caridoso, sem ódio pelo inimigo. Esta postura levou a um jus in bello onde a imunidade dos
não combatentes era defendida. Esta é uma diferença notável em relação à guerra da
antiguidade onde povos derrotados eram exterminados ou escravizados. Há, no entanto, vários
episódios que demonstram que a imunidade dos não-combatentes era desrespeitada, como na
Guerra dos Cem Anos, na qual os chevauchées7 ingleses deixaram um rastro de morte e
destruição no interior da França, queimando vilas, fazendas, matando o gado, assassinando
camponeses entre outras violências, contra aqueles que, supostamente, estariam a salvo, se as
normas da cavalaria fossem respeitadas.
Vegetius escrevera sua obra baseada nas táticas e características das legiões romanas do
período republicano. Estas legiões tinham na disciplina e adestramento o segredo de sua
invencibilidade, e na infantaria pesada a base de sua força. Na Idade Média o fracionamento
do poder político e da autoridade no sistema feudal tornava proibitivo manter-se forças
permanentes e adestradas, e o núcleo da força dos exércitos medievais foi, até a batalha de
Agincourt, em 1415, a cavalaria pesada, composta por nobres. Havia, também, a infantaria
pesada, formada por nobres sem posses suficientes para terem cavalos de batalha, e a
infantaria leve, formada pela plebe, servos ou mercenários, que tinham, porém, o papel
secundário de apoiar a cavalaria, a quem cabia, efetivamente, combater. Os nobres se
exercitavam constantemente na arte da guerra e manejo das armas, havendo adestramento
militar para a plebe, como na Inglaterra do século XIII, onde todos os homens eram
regularmente adestrados no uso do arco e flecha. Ainda assim, o recrutamento era difícil e
esporádico, sendo, portanto, impossível qualquer estrutura organizada nos moldes do que
preconizava Vegetius. Mesmo quando o rei convocava os exércitos, cada nobre mantinha o
comando sobre aqueles que ele havia trazido consigo e, caso ocorressem desentendimentos
entre os comandantes, parcelas significativas de um exército podiam simplesmente abandonar
o campo de batalha e voltar para seus domínios.
7
Grupos montados que realizavam incursões no território inimigo para saquear e destruir (9:347)
Na guerra medieval, tropas mercenárias, ainda que freqüentemente empregadas, eram
encaradas, de uma forma geral, como sendo compostas por párias, miseráveis e criminosos,
pois ganhar a vida com a guerra era visto como uma atividade pecaminosa. A infantaria
pesada, formada por nobres de menores posses, e a infantaria leve, formada principalmente
pela plebe, eram consideradas como tendo apenas papéis secundários de apoio à cavalaria, a
quem cabia efetivamente o combate .
O fracionamento do poder político e da autoridade no sistema feudal tornava proibitivo
manter forças permanentes e adestradas aos moldes das legiões de Roma. Ainda que um
exército fosse convocado pelo Rei, cada nobre mantinha o comando sobre aqueles que ele
havia trazido consigo e, caso ocorressem desentendimentos, parcelas significativas de um
exército podiam abandonar o campo de batalha, ou passarem para o lado adversário.
A guerra medieval tinha, também, todo um significado econômico para aqueles que dela
participavam. Promessas de posse sobre terras conquistadas ou de saquear os tesouros das
cidades derrotadas eram, muitas vezes, as principais motivações que levavam nobres a apoiar
um rei em suas campanhas. Como parte do componente “econômico” da guerra medieval
havia o costume de se procurar capturar nobres inimigos, a fim de cobrar resgate pela sua
soltura. Cada nobre buscava no campo de batalha um refém adequado à sua posição social e
que lhe permitisse auferir um bom lucro. Qualquer tentativa de manobra organizada ficava
seriamente comprometida. Conseqüentemente, as batalhas medievais eram, de um modo
geral, um conjunto pouco organizado de combates individuais centrados nos cavaleiros (4:5).
Ainda assim as regulæ bellorum generales de Vegetius eram estudadas pelos generais
que, de uma forma geral, buscavam segui-las, até porque alguns reis, como Carlos Magno e
Alfonso X de Castela as tornaram obrigatórias para seus exércitos. O sucesso de Vegetius,
mesmo em uma era em que a guerra pouco se assemelhava ao modelo por ele preconizado, se
devia à crença de que nas regulæ bellorum generales residia o segredo da invencibilidade para
quem as compreendesse e interpretasse corretamente. Ou seja, Vegetius representava para os
comandantes militares medievais o que a pedra filosofal representava para os alquimistas.
O caráter místico da guerra justa agostiniana tornava-a um assunto dos nobres que a
praticavam seguindo as regras da cavalaria e os preceitos de Vegetius. A guerra era feita
segundo as regras do código da cavalaria, que constava de livros como o Livre des Faits
d’Armes et de Chevalerie, escrito em 1410 pela poetisa francesa Christine de Pisan8, e que
continha, também, uma versão simplificada dos preceitos de Vegetius (2:160).
8
Christine de Pisan (1365-1430) foi uma figura notável. Viúva de um secretário da corte de Carlos V da França,
ela tornou-se uma poetisa de renome numa época em que as mulheres eram, em sua maioria, analfabetas e
consideradas inferiores aos homens.
O Livro IV de Epitoma Rei Militaris foi muito empregado na Idade Média. Ainda que
no século XIII o surgimento do trebuchet9 tenha superado as antigas armas de arremesso
descritas por Vegetius, as técnicas de poliorcética usadas na Idade Média foram um legado
seu.
Ainda que não tenhamos encontrado em nenhuma das referências bibliográficas
consultadas nada relativo à influência de Vegetius sobre as ordens militares da Idade Média,
consideramos notável a semelhança entre as normas de adestramento e disciplina adotadas
pelos os Cavaleiros do Templo de Salomão e pelos Cavaleiros do Hospital de São João10 e os
preceitos de Vegetius.
9
Catapulta que emprega um grande contrapeso, diferentemente das catapultas romanas que empregavam cordas
ou peles de animais torcidas para armazenar a energia necessária para o arremesso, tinham um alcance muito
menor e lançavam objetos muito menores.
10
Também conhecidos, respectivamente, como cavaleiros Templários e cavaleiros Hospitalares.
Dell’arte della Guerra foi escrita num estilo muito diferente do De Re Militari, mas é
no diálogo imaginário entre Fabrizio Colonna e Cosimo Rucellai11 que Maquiavel descreve,
na sua obra, os conceitos de Vegetius que são discutidos e atualizados para a realidade
renascentista (1). Maquiavel torna a ressaltar a necessidade e a importância da disciplina e do
adestramento dos exércitos em outras obras suas como Il Principe e no Discorso
dell’Ordinare lo Stato di Firenze alle Armi (5:XXIV).
A influência de Vegetius sobre Maquiavel, no entanto, vai muito além dos aspectos
técnicos da guerra. Vegetius abriu os olhos de Maquiavel para o papel da guerra moderna. Na
Idade Média a guerra era conduzida por uma classe particular da sociedade e fora moldada
segundo seus valores e código de honra. No mundo antigo a guerra visava a defesa do Estado,
não sendo, portanto, tarefa de uma classe específica, mas sim de toda a sociedade. Do esforço
de Vegetius em restaurar a glória de Roma pela recuperação de seu poderia militar, Maquiavel
compreendeu que a vida de um Estado depende da excelência de seu exército e que suas
organizações políticas devem ser organizadas de forma a criar condições favoráveis ao
funcionamento da organização militar. Esta conclusão de Maquiavel é a tradução da máxima
elaborada por Vegetius no prefácio do Livro III de sua obra, cuja forma abreviada é “si vis
pacem para bellum” e que já comentamos na introdução deste trabalho. Podemos considerar,
portanto, que Vegetius é um dos alicerces do pensamento estratégico militar de Maquiavel.
As idéias de Maquiavel, como as de Vegetius, não deram frutos de imediato. Em 1512,
sua milícia Florentina foi derrotada em batalha pelas tropas profissionais espanholas aliadas
do Papa. Tropas mercenárias ou profissionais dominavam o cenário militar no início do
século. Ainda assim, as idéias de Maquiavel representam o novo patamar a partir do qual se
vai construir a guerra moderna.
É partindo das idéias de Maquiavel e do conceito de Vegetius, de soldados-cidadãos
sobrepujando inimigos mais numerosos, mas menos disciplinados, que vão surgir nos Países
Baixos quando forças muito eficientes comandadas pelos príncipes da casa de Orange-Nassau,
dentre os quais destacamos Maurício de Nassau12. O fundamento para a organização destas
forças deveu-se, em grande parte, ao filósofo holandês Justus Lipsius (7:35), admirador de
Maquiavel e estudioso de Vegetius. Seguindo suas idéias, a Holanda organizou um exército
extremamente adestrado, disciplinado e eficaz, garantindo a sua independência da Espanha. O
exército de Maurício de Nassau ainda era formado por soldados mercenários, mas não era
11
Os personagens da obra de Maquiavel eram pessoas reais, contemporâneas do autor e que gozavam de grande
prestígio. Expondo suas idéias num diálogo imaginário entre pessoas reais, Maquiavel toma-lhes emprestada a
credibilidade e o prestígio (1).
12
Trata-se do mesmo Maurício de Nassau do governou Pernambuco durante a ocupação holandesa.
como os exércitos mercenários do passado onde o grosso das tropas era de pessoas à margem
da sociedade, criminosos, assassinos e párias. Seu exército era altamente adestrado e
disciplinado e totalmente submisso à autoridade política da República Holandesa. Esta forma
de fazer a guerra ficou conhecida como “Escola Holandesa”.
A Escola Holandesa teve grande influência sobre a organização militar das demais
potências européias. Um de seus admiradores foi o Rei Gustavo Adolfo, da Suécia (1594-
1632). Gustavo Adolfo levou o modelo holandês um passo adiante, instituindo o recrutamento
nacional para o serviço militar. As tropas nacionais eram, no entanto, empregadas na defesa
nacional e tropas mercenárias eram usadas em suas campanhas estrangeiras. Com uma base
populacional de cerca de um milhão e meio de habitantes, a Suécia não podia prescindir dos
mercenários para ter um exército suficientemente numeroso. Porém, Gustavo Adolfo foi o
primeiro a ter um exército regular nacional. Quando Gustavo Adolfo morreu, em 1632, o
exército sueco contava com 120.000 homens, dos quais um décimo era de suecos.
Outro admirador da Escola Holandesa e leitor de Vegetius foi Raimondo Montecucculi
(1609-1680), marechal-de-campo do Exército austríaco, dos Habsburgos. Tendo lutado contra
os suecos e contra os turcos ele incorporou-lhes os métodos de guerrear criando o que se
chamou “Escola Imperial”. Montecuculli, além de ser considerado um dos fundadores do
exército regular dos Habsburgos, é também considerado o primeiro estrategista militar
moderno (2:171). Seus estudos a respeito da guerra não se limitam a aspectos táticos e
materiais, ele desenvolve um estudo metódico da guerra classificando-a em civil ou
estrangeira, ofensiva ou defensiva e marítima ou terrestre, abordando aspectos morais,
psicológicos, sociais e econômicos. Seguindo a prática inaugurada por Vegetius,
Montecucculi estabelece suas máximas da guerra e afirma:
13
François-Michel Le Tellier, o marquês de Louvois (1641 – 1691) foi Secretário da Guerra do rei Luis XIV.
14
Hermann-Maurice, Conde de Saxe, foi um personagem singular. Grande general, mercenário e aventureiro era
também amigo de Madame Pompadour, amante do rei Luis XIV (8:181). Como sinal de gratidão pelos seus
feitos, recebeu do rei Luis XV o castelo de Chambord, onde ele tinha seu próprio regimento e um grande pátio
para exercícios de manobras militares.
15
As falanges gregas, enormes formações muito poderosas, mas com pouca capacidade de manobra, foram
derrotadas pelas legiões romanas, compostas de formações menores que lhe davam maior capacidade de manobra
(3:112).
Rêveries, Maurice de Saxe aprofunda, expande e atualiza os conceitos de Vegetius e as
práticas de seus predecessores como Gustavo Adolfo e Montecucculi, acrescentando mais um
tijolo à construção do pensamento estratégico militar ocidental.
Outro notável general da Idade Moderna, estudioso das idéias de Vegetius (2:159) e que
contribuiu significativamente para a evolução do pensamento estratégico militar ocidental foi
Frederico, O Grande (1712-1786), Rei da Prússia. Durante seu reinado o exército prussiano é
reestruturado, o adestramento é incrementado, é estabelecido um sistema de recrutamento
regional, a disciplina é rígida, a moral elevada. A profissão das armas deixa de ser encarada
como degradante ou ocupação para a escória da sociedade16, pelo contrário, seu exército é o
orgulho da Prússia, sendo uma honra nele servir, buscava-se um exército patriótico de
cidadãos (4:55). É invenção sua o modelo da mobilização moderna (16:35). Suas obras como:
Príncipes géneraux de la guerre, Élements de castramétrie et de tactique e L’art de la
guerre17, ainda que não contenham referência direta a Vegetius, representam, na nossa
opinião, o resgate e atualização dos seus conceitos. Com Frederico o modelo do exército
dinástico atingiria seu zênite, e é preparado o terreno para o surgimento dos exércitos
nacionais na Revolução Francesa.
No final da Idade Moderna os exércitos já se assemelhavam bastante ao modelo
imaginado por Vegetius quando escreveu sua obra. A infantaria havia recuperado seu papel
central nas batalhas e os exércitos tinham grande capacidade de manobra e mobilidade.
Faltava, no entanto, um aspecto para que o modelo previsto no De Re Militari fosse
completamente aplicável: os exércitos deveriam ser compostos por cidadãos que lutavam pelo
bem de seu Estado. Os exércitos deste período são dinásticos e lutam para atender aos
interesses de seus soberanos que, em sua maioria, eram reis absolutistas. Mesmo grandes
líderes como Frederico, O Grande, eram na realidade déspotas. Ainda que o recrutamento
nacional tivesse se tornado uma prática generalizada, só com as transformações políticas que
se seguiram é que os exércitos assumiram o caráter de exércitos nacionais.
18
Entendemos as armas de arremesso romanas como sendo a artilharia da guerra na antiguidade.
Vegetius no século IV. Tratou-se de um longo processo, algumas vezes interrompido (como
na Idade Média) onde cada geração foi resgatando e incorporando os preceitos clássicos
compilados pelo sábio romano até que toda a plenitude da guerra fosse restaurada e
compreendida. Paradoxalmente a conclusão deste processo faz com que os preceitos de
Vegetius deixem de ser um diferencial, que indicava a quem os compreendesse um caminho
para a vitória, para tornarem-se características basilares do pensamento estratégico militar.
Com isso as palavras do sábio romano passaram a soar óbvias e o Epitoma Rei Militaris deixa
de ser objeto da atenção dos estudiosos de estratégia.
Como expusemos na introdução, Vegetius é muito pouco conhecido nos dias de hoje,
mesmo entre militares e estudiosos da estratégia. Mesmo tendo sido o alicerce sobre qual o
pensamento estratégico militar ocidental foi construído, Vegetius foi esquecido enquanto
outro mestre do passado, Sun Tzu, alicerce do pensamento estratégico militar do oriente, é
objeto de interesse destes mesmos militares e estudiosos da estratégia. Pelo que se tem notícia,
os escrito de Sun Tzu só teriam chegado ao ocidente em 1772 (6:16).
Ainda que Sun Tzu tenha antecedido Vegetius em aproximadamente mil anos19, não
pudemos perceber nenhum indício de que Vegetius tenha sido influenciado por Sun Tzu. O
fato de que os escritos de Sun Tzu só chegaram ao Japão, vizinho da China, em 760 d.C.
(6:16) corroboram para que aceitemos esta suposição como sendo correta. Isto torna notável a
constatação de que a essência dos escritos destes dois mestres da estratégia seja a mesma. Os
estilos empregados pelos dois autores e seus contextos culturais diferentes fazem com que as
obras sejam bastante diferentes na forma e nos detalhes, mas as idéias centrais são as mesmas.
Para reforçar esta percepção relacionaremos alguns trechos das obras dos dois mestres onde as
semelhanças são excepcionais:
SUN TZU VEGETIUS
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A Arte da Guerra de Sun Tzu teria sido escrito entre 403 e 221 a..C. e De Re Militari, de Vegetius, entre 375 e
392 d. C.
“A guerra é um assunto de vital importância para “Portanto, quem deseja a paz, prepara a guerra;
o Estado; a província da vida ou morte; a estrada quem aspira a vitória, adestra seus soldados
para a sobrevivência ou a ruína. É imperativo que diligentemente; quem deseja determinar o
ela seja profundamente estudada” (Livro I). resultado dos eventos, luta se valendo da arte, e
não da sorte. Ninguém provoca, ninguém atreve
ofender, quem percebe como sendo superior no
combate” (Livro III, Prefácio).
“Portanto, examine-a em termos dos cinco fatores “Dificilmente se derrota um general capaz de
fundamentais e faça comparações dos sete avaliar verdadeiramente as suas tropas e as do
elementos mencionados mais adiante. Assim você inimigo”.
poderá avaliar seus pontos essenciais. O primeiro “Poucos homens nascem corajosos; muitos podem
desses fatores é a influência moral; o segundo, as tornar-se corajosos pelo esforço e pela força da
condições climáticas; o terceiro, o terreno; o disciplina”.
quarto, o comando; e o quinto a doutrina. (livro “Um exército é fortalecido pelo trabalho e
I)”. enervado pela inércia”.
“Portanto, eu digo: ‘Conheça o inimigo e “Não se deve levar para o combate tropas que não
conheça a si mesmo; em cem batalhas, você estejam convencidas da vitória”.
jamais correrá perigo. Quando você é ignorante “A natureza do terreno freqüentemente tem
quanto ao inimigo mas conhece a si mesmo, suas maiores conseqüências que a coragem”.
chances de vencer ou perder são iguais. Se “Bons oficiais nunca engajam em batalhas
ignorante tanto quanto ao inimigo como quanto a decisivas, a não ser quando a oportunidade os
si mesmo, não há dúvida de que correrá perigo em induz, ou a necessidade os obriga”. (Livro III,
todas as batalhas”. (Livro III) Regulæ Bellorum Generales)
“Porque obter cem vitórias em cem batalhas não é “É preferível vencer o inimigo pela fome,
o máximo de habilidade. Subjugar o inimigo sem surpresa ou terror do que em batalhas decisivas,
luta é o máximo de habilidade”. pois neste caso a sorte pode ter uma participação
“Assim, os peritos em guerras subjugam o maior que o valor”. (Livro III, Regulæ Bellorum
exército do inimigo sem combater. Capturam as Generales)
cidades sem tomá-las de assalto e derrubam o
estado sem operações prolongadas”. (Livro III)
“Aquele que souber quando pode lutar e quando “Bons oficiais nunca engajam em batalhas
não pode, será vitorioso” (Livro III) decisivas, a não ser quando a oportunidade os
“Nada é mais difícil do que a arte da manobra. O induz, ou a necessidade os obriga”. (Livro III,
que manobra tem de difícil é fazer da rota mais Regulæ Bellorum Generales)
tortuosa e mais direta e transformar o infortúnio
em vantagem”. (Livro VII)
As semelhanças e paralelos nos ensinamentos dos dois mestres não se resumem aos
pontos mostrados acima, mas a muitos outros. Abstraindo-se aspectos culturais e de estilo os
conceitos das duas obras guardam um paralelo notável. Para Raimondo Montecucculi,
Frederico, o Grande, e Antoine-Henri Jomini, isto não é surpresa alguma, pois eles
perceberam que a guerra é calcada num conjunto universal de princípios, sejam eles chamados
de regula bellorum generales, máximas da guerra, príncipes géneraux de la guerra, princípios
universais da guerra, ou, na terminologia hodierna, princípios da guerra. Observando a notável
semelhança entre o mestre da estratégia militar ocidental, Vegetius, e o mestre da estratégia
militar oriental, Sun Tzu, somos inclinados a concordar com esta percepção.
CONCLUSÃO
Ao longo deste artigo procuramos verificar qual foi a influência de Vegetius sobre o
pensamento estratégico militar. Para tal comentamos que Vegetius teria sido um alto
funcionário romano do século IV cujo nome, provavelmente, era Plubius Flavius Vegetius
Renatus, que escreveu De Re Militari na tentativa de resgatar a glória militar de Roma. Nesta
obra Vegetius descreve a organização, treinamento, equipamentos, técnicas e procedimentos
das legiões de Roma, além de relacionar uma série de máximas da guerra. Os preceitos
contidos na obra de Vegetius foram escritos para um exército de soldados-cidadãos motivados
pelo amor à pátria e cuja base de poder residia na infantaria pesada.
Na Idade Média, ainda que Vegetius tenha sido a referência para quase todos os escritos
militares, seus preceitos não podiam ser plenamente empregados uma vez que a base dos
exércitos era a cavalaria pesada e as batalhas eram, na realidade, um conjunto de combates
individuais, não havendo espaço para as manobras preconizadas por Vegetius. Ainda assim
seus livros foram bastante empregados, especialmente o que tratava da poliorcética.
Com o Renascimento e a volta aos valores clássicos, Maquiavel retoma o que ensinava
Vegetius quanto à necessidade de se contar com um exército de cidadãos e não depender de
mercenários. A infantaria retoma seu lugar de rainha das armas e os preceitos de Vegetius
passam a ser gradualmente resgatados e reincorporados à prática militar. Processo que se
acelera nos séculos XVIII e XIX com generais como: Maurício de Nassau, Gustavo-Adolfo,
da Suécia, Raimondo Montecucculi, Maurice de Saxe, Frederico II, da Prússia e Napoleão
Bonaparte. A este último coube o gênio de combinar e aplicar os conhecimentos de seus
antecessores, dando à guerra sua plena dimensão.
Partindo da guerra tal qual Napoleão a moldara, Henri-Antoine Jomini e Karl Von
Clausewitz escreveram suas obras que representam o nascimento do pensamento estratégico
militar moderno. A guerra passou então a ter a prática baseada em Jomini e a essência em
Clausewitz. O ponto de partida do trabalho de ambos era, no entanto, na nossa opinião, a
conclusão de um processo de resgate e reincorporação dos preceitos compilados por Vegetius
a, aproximadamente, mil e quinhentos anos.
Observando os conceitos contidos no De Re Militari e no A Arte da Guerra de Sun Tzu,
percebemos que a essência dos ensinamentos destes dois mestres é a mesma, o que corrobora
a noção da existência de princípios de guerra de validade universal.
Concluímos, portanto que a importância de Vegetius para o pensamento estratégico
militar é a de representar um dos alicerces sobre o qual este pensamento foi construído. Sua
pouca notoriedade nos dias de hoje se deve, na nossa percepção, ao fato de que seus preceitos
nos parecem óbvios e já teriam sido plenamente incorporados à prática militar.
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