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SEGREDOS DA MENTE
GALENO PROCÓPIO M. ALVARENGA
www.galenoalvarenga.com.br
Publicações do Autor
Transtornos Mentais
Testes Psicológicos
Medicamentos
Galeria de Pinturas de Pacientes
Vídeos / Programas de TV com participação de Galeno Alvarenga
Profs.: Amílcar Viana Martins, J.Baeta Vianna; Geraldo Guimarães Gama, Joa-
quim Romeu Cançado; Moisés Schuster; Oscar Versiani Caldeira, Wilson Tei-
xeira Beraldo; todos da Faculdade de Medicina.da UFMG,
A. Köestle
Esta idéia tem sido aceita e seguida pelos que buscam, de modo sério e
honesto, defender seu raciocínio. Portanto, todo sistema possui limites.
Esta limitação constitui um antídoto lógico contra os delírios retóricos
dos discursos totalizantes das pseudociências, de pregadores e políticos.
Tentando clarear o descrito acima: não devo – não tem valor – explicar
um acidente de carro afirmando que os acidentes ocorrem, pois sempre
aconteceram. Entretanto, poderá ter alguma validade explicá-lo através
de outros sistemas já conhecidos e aceitos, por exemplo: que havia ex-
cesso de velocidade, que a neblina dificultou a visão do motorista e do
pedestre, que o motorista dormiu ao volante, que ele estava bêbado, que o
carro foi fechado por outro, etc.
Eu, entretanto, por ser um pouco ou muito teimoso, resolvi escrever esse
livro criticando uma das faces de Janus: a do olhar de vidro, o olhar de
sonho. Por que faço isso?
Por isso escrevi esse livro. Ele é nada mais nada menos que meu esforço
para entender um Galeninho tolo e infantil que habitou e dominou mui-
tas e muitas vezes minha mente. Mesmo atualmente, bem mais maduro, o
Galeninho, sorrateiramente, algumas vezes, retorna ao meu corpo cansa-
do do real e usa os olhos embaçados e de vidro.
Aos poucos, lendo e escrevendo, fui sendo capaz, estudando muito para
isso, de me compreender um pouco menos mal que antes. Consegui ser
Os livros de ficção são bem mais fáceis e agradáveis de serem lidos; eu sei
disso: gosto muito deles. Aqui usei os conhecimentos que adquiri através
de minha vida. Aos trancos e barrancos, me apoiei na minha teimosia e
curiosidade de ler e ler. Calculo que nos últimos três anos li aproximada-
mente 400 artigos sobre o ser humano, a maioria escrito a partir do ano
2.000 e, além disso, li e reli dezenas de livros sobre neurociência, todos
atuais. Reli ainda outras dezenas ou centenas de textos filosóficos, princi-
palmente sobre valores. Se isso ainda é pouco para você, largue meu livro
rápido e escreva o seu.
Boa sorte!
O autor
Por tudo isso, os moradores daquela cidade pacata recusam, para manter
seu equilíbrio interno e externo, as informações que se mostram em
desarmonia (não-adequadas) às suas convicções. Todos ali criticam,
como errados, os métodos diferentes dos ali usados para obter uma
compreensão dos eventos.
— Vou bem. Vejo que está com a cara ruim. Aconteceu alguma coisa?
— Mas também você! Foi pouco cuidadoso. Para que arrumar outra se você
já tinha uma?
Somos assim também. A diferença está nos poderes que dominam uma
espécie e outra. Os outros animais estão aprisionados pelos seus instintos
e reflexos. Os homens, por outro lado, estão aprisionados, da mesma
forma, pelos instintos e reflexos e, também, talvez mais ainda, pelas regras,
deveres e princípios aprendidos pela cultura. Estamos encarcerados pelas
leis biológicas e pelas normas impostas pela nossa cultura: valores, modo
de perceber, fundamentos para raciocinar, etc.
Imagine, meu caro leitor, você conversando com seu chefe com a intenção
de lhe pedir um aumento do salário. Entretanto, ao começar a conversa –
a pensar para expressar seu desejo – surge, de uma só vez, tudo, ou mesmo
parte do que você armazenou em sua memória, como, por exemplo: a
barriga do chefe está enorme; ele parece ter um caso com Divina; parece
ser burro; tem esse poder por causa do pai; anda mal vestido; está fedendo;
etc.
Se você soltasse tudo isso de uma vez ou, mais ainda, bilhões de outras
experiências armazenadas que nada tinham a ver com a conversa, como,
“Esse ano irei passar minha férias em Cabo Frio; não sei se o dinheiro vai
dar; acho que meu namoro não vai continuar; meu bairro está cada vez mais
barulhento; minha cachorrinha passou a ter convulsões; minha mãe tossiu
muito essa noite” e outras coisas mais, seria internado imediatamente.
Algumas hipóteses acerca do pensamento esquizofrênico afirmam que
esse paciente perde sua capacidade de “filtrar” estímulos, internos e
externos, dando origem a um pensamento e conduta desagregada e solta,
semelhante à acima descrita. Isso dificulta ou impossibilita a compreensão
de sua fala e comportamento.
Esse controle das ações pessoais parece ser coordenado por conjuntos de
auto-esquemas mentais – noções gerais acerca de si mesmo – levando ao
aparecimento de outras representações na consciência. Exemplo: “eu sou
honesto” ou, ainda, “sou religioso”. Falarei mais tarde sobre esse assunto.
Pensando assim, podemos imaginar que para que haja uma conduta
coerente para o indivíduo, num dado momento, alguns desses auto-
esquemas (honestidade, religiosidade, culto, brincalhão, sério, submisso,
humilde, arrogante, espontâneo, criador de caso, pacífico e diversos
outros.) precisam estar sintonizados ou ativados pela consciência pessoal
no momento da ação. De outro modo, são esses princípios fundamentais
que passam a coordenar, no momento das ações, através de lembranças
recuperadas, modulando e orientando a maneira de pensar e de agir
nas atividades de níveis mais concretos ou periféricos, ou seja, as ações
Por outro lado, são esses eus possíveis ou virtuais que, num momento,
ao despertarem, formam o “autoconceito em ação”, o eu real (o outro
lado do eu virtual), que geralmente vai sendo mudado constantemente
e dinamicamente. Num momento focalizo minha honestidade: devolvo
o troco recebido a mais como modo de confirmar, para mim mesmo, o
princípio central acerca da honestidade. Depois, muda-se a conversa e
passo a discutir a fé das pessoas: nesse ponto estou transvestido no eu
religioso. Num outro instante, ainda, falo acerca do último clássico do
futebol e assim por diante, transformando-me num eu esportista. Em
todos os momentos da ação concreta – não central – os meus diferentes
eus se desnudam (se revelam), e se mostram para quem quiser observar
e julgar minhas ações concretas com respeito aos princípios defendidos.
Do mesmo modo que a pessoa que não tem bons músculos não pode
praticar corridas profissionais, um analfabeto não poderá pensar como
um homem culto, um religioso budista não pensará como um cristão, se
estou cursando Medicina posso imaginar-me como futuro professor da
escola, um homem criado num mundo machista não pensará como uma
mulher mais livre, etc. Em resumo: somos (pensamos, compreendemos
e agimos) o que nossa memória biográfica estocou e é capaz de exibir
num certo momento; não há como escapar disso. Podemos fazer um
discurso diferente; não condutas diversas diferentes. Somos governados
totalmente por nossos princípios, ou, simplesmente, por reações diretas e
reflexas ao meio ambiente. Os princípios foram aprendidos naturalmente
– sem consciência ou esforço – na cultura onde vivemos (pais, vizinhança,
leituras, etc.).
Assim, uma pessoa não pode manter uma meta, ou estruturas de metas,
que contradiz o conhecimento autobiográfico que ela trás consigo.
Por exemplo: uma pessoa não pode imaginar-se como tendo tido no
passado uma realização acadêmica excelente – a não ser uma pessoa com
disfunção cerebral: um doente mental- quando suas memórias estocaram
uma péssima realização acadêmica. Portanto, as metas imaginadas pela
pessoa encontram-se delimitadas pelo conhecimento autobiográfico que,
de forma consciente, estabelece as possibilidades e limitações das metas a
serem alcançadas pelo eu ação, de curta ou longa duração.
Pois bem. É através desses instrumentos precários, nos quais apenas uma
pequena parte decorre da experiência do seu proprietário, que percebemos
e formamos o mapa do mundo onde estamos inseridos. Munidos dessa
representação, em parte alheia e de origem duvidosa, assimilamos os
dois universos (organismo e meio ambiente externo) que nos cercam.
Assentados nessas idéias espúrias bem aprendidas e memorizadas
resolvemos nossos problemas, isto é, escolhemos um ou outro caminho
e tomamos nossas decisões mais importantes, como, por exemplo, seguir
esta ou aquela profissão, escolher esse ou aquele cônjuge, morar num ou
noutro lugar. Portanto, agimos mais persuadidos (orientados) pelo que
ouvimos dos outros do que pela experiência por nós vivida.
Nesse caso particular, uma vez possuidor da crença “Deus existe”, ou seu
contrário, “Deus não existe”, a pessoa é também possuída (controlada)
por uma ou outra crença (não uma realidade perceptível): a existência
ou a não-existência de Deus. Tais crenças auxiliam (o modo certo ou
errado não interessa aqui) seu possuidor a explorar, organizar, explicar
e a conhecer o mundo que o circunda, ou seja, olhar as regularidades e
irregularidades e buscar explicações das observações iniciais, conforme
uma ou outra premissa (imaginação).
Mas, por outro lado, o uso de crenças (o conjunto de elos que reúne
fatos desconexos) tem uma possível grande desvantagem, pois dificulta
a apreensão da “verdade”, o que está por detrás do cosmo que está sendo
— Defequei sem parar. Deve ser gastrenterite. Você não acha? Que
remédio bom você tem pra isso?
Não devemos nos espantar com essa maneira simples e prática de resolver
problemas; ela tem sido usada constantemente por nós. Os dois, freguês
e balconista, por viverem numa mesma sociedade, por participarem de
crenças, costumes e modos semelhantes de captar, selecionar, categorizar
e explicar os fatos e acontecimentos de seu meio, tendem a concordar em
diversos pontos nas suas inter-relações. Os dois também, sendo parecidos
na maneira de raciocinar (realismo ingênuo), concordam com a descrição
– diarréia, vômitos, etc. – e as suposições de causalidade – “talvez uma
manga estragada” – e, além disso, estão de acordo, também, quanto ao
“poder das drogas”, isto é, quanto aos medicamentos usados para debelar
o que estava funcionando anormalmente no organismo do freguês.
Por tudo isso, eles não pensaram duas vezes (não raciocinaram mais
profundamente) para decidir o que fariam para retornar o organismo ao
seu estado de saúde anterior.
Decidi parar, pois não mais consigo continuar a descrever outros modos
de examinar uma indigestão. Fiquei emocionado com as palavras do
existencialista ao lembrar-me de uma época de minha vida que li demais
acerca desse assunto e entrei feito idiota para um grupo de pensadores.
Mais burrinho que os outros, não consegui adaptar-me aos intelectuais da
época. De qualquer modo, aprendi muito sobre minhas diversas burrices
e, também, acerca da composição da inteligência dos intelectuais.
Mas, num último esforço, devo-lhe dizer, prezado leitor, que cada um
rotula e esquematiza suas ações e as dos outros conforme seus óculos (a
cabeça que dá suporte a eles). Consequentemente, há a proliferação de
diferentes diagnósticos e terapias, todas, por sinal, corretas quando são
analisadas por suas próprias terorias (lógica interna) e por seus ramos
diretos. Entretanto, essas mesmas teorias, adoradas pelos seus seguidores,
são incoerentes e absurdas quando são analisadas pelas teorias rivais
e diferentes. Comprei, há muitos anos, um livro sobre psicoterapia
que contém um pouco mais de mil diferentes teorias-técnicas dessa
especialidade.
Quando uma mãe queixa de seu filho “preguiçoso”, não devemos aceitar
seu som “preguiçoso” e prepararmos uma terapia para sua preguiça.
Devemos, em primeiro lugar, verificar e aprofundar na queixa da mãe,
junto com o exame do seu filho. Só assim poderemos verificar o que deve
ser feito para ajudar os dois. A “preguiça” do menino pode não ser para
jogar “videogame”, sendo apenas para o estudo de matemática.
Todas as prescrições são dirigidas para que a pessoa não mude suas
crenças básicas, suas “verdades eternas” e fundamentais. Há sempre o
medo de ser contaminado por outros modos de pensar diferentes, pois
esses poderiam nos corromper, levando-nos a “olhar” o mundo de um
modo inadequado e moralmente condenável. Todo esse trabalho para
tornar os homens semelhantes quanto ao modo de focalizar, enfatizar e
Um aspecto da civilização grega importante para todos nós foi seu sentido
de curiosidade acerca do mundo e a pressuposição que esse podia ser
compreendido através da descoberta de regras que regessem os eventos.
De outro modo, podíamos criar normas capazes de englobar os eventos
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em categorias, bem como descobrir suas relações. Partindo desses
pressupostos, os gregos, especulando acerca da natureza dos objetos e
eventos que os circundavam, foram capazes de criar modelos a respeito
do meio ambiente onde viviam; uma pré-ciência.
Atenção e Controle
A localização da atenção é altamente maleável e sujeita à aprendizagem
estratégica de adaptação e, como a percepção, pode ser melhorada. As
pessoas em algumas culturas prestam mais atenção a muito mais amplos
acontecimentos, ao mesmo tempo, que as pessoas de outras culturas.
Se os ocidentais prestam mais atenção aos objetos, e acreditam que
eles compreendem as regras que influenciam a conduta do objeto, eles
podiam ter uma crença maior na controlabilidade do objeto do que os
asiáticos. Em decorrência desse modo diferente de perceber e de prestar
atenção, podemos concluir que: a) os asiáticos vêem mais relações entre
os elementos; b) vêem mais o todo que as partes; c) encontram mais
dificuldades em diferenciar um objeto quando ele está embebido num
campo e d) suas percepções e condutas deveriam ser mais influenciadas
pelas crenças que eles têm sobre os objetos ou meio.
Explicação e Predição
Se os ocidentais atentam mais para os objetos, nós podemos esperar que
eles atribuam causalidade aos objetos. Os asiáticos, por outro lado, por
terem sua atenção voltada mais para o campo e relações entre os objetos
no campo, tornam-se mais inclinados a atribuir causalidade ao contexto
e à situação.
Diversos estudos indicam que a Ásia Oriental confia menos nas regras e
nas categorias e mais nas relações e semelhanças para organizar o mundo
que se tenta entender e explicar; o oposto acontece com os americanos.
Princípios da dialética
Princípio de mudança – a realidade não é um processo estático, mas
dinâmico e mutável. Uma coisa não necessita ser idêntica a ela mesma; há
uma fluidez constante.
Foi desses dois tipos de conduta que nasceu a crença de que laços sociais
mais fortes poderiam produzir uma orientação mais holística no mundo.
Os fazendeiros são mais dependentes que os caçadores, industriais ou
boiadeiros. Os campos/dependentes são mais interessados em lidar com
problemas sociais que os de orientação oposta. O esforço para melhorar as
condições de um povo “oriental” (campo) X “ocidental” (cidades grandes)
será muito diferente para um e outro grupo.
Os sistemas ocidentais
A epistemologia tácita (implícita, subentendida) é que irá ditar os
procedimentos cognitivos que as pessoas usam para resolver problemas
particulares. O conteúdo imaginado são crenças acerca da natureza do
Haverá uma procura por categorias e regras que irão ditar os modos
particulares de organizar o conhecimento bem como os modos de obter
novos conhecimentos acerca das regras. Estas práticas, por sua vez, são
ajudadas pela confiança na lógica formal, com especial atenção para o
fantasma (espectro) da contradição que subdetermina as crenças acerca
da validade das regras.
Os sistemas orientais
De modo similar podemos pensar acerca das pessoas que pensam que a
causalidade é uma função complexa de múltiplos fatores operando em
um objeto num campo. A complexidade indica uma mudança constante
e dinâmica. Uma crença numa mudança e instabilidade tende a criar
hábitos de categorização e busca por regras universais acerca de objetos
que parecem irrelevantes, ou melhor, uma tentativa para ver a inter-
relação de eventos como importantes. A contradição parece inevitável,
desde que a mudança é constante e fatores opostos sempre existem.
A preocupação com objetos concretos será vista como mais útil que a
procura por abstrações. A lógica não será admitida para prevalecer ou
dominar a experiência ou o senso comum.
Para finalizar
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Assim, cada povo – ou pessoa – possui sua mala carregada de utensílios
ou ferramentas diferentes para lidar com o mundo. Cada um usa seu
instrumento preferido ou disponível para o mesmo problema. Os
membros de diferentes culturas (ou pontos de vista, teorias) parecem
não ver o mesmo estímulo-situação como um problema que necessita ser
observado e notado. Uma aparente contradição num estímulo pode ser
um problema para os ocidentais, mas não para os orientais.
A principal força da vida cultural americana atual (que reflete e cultiva esse
conjunto de valores e práticas) parece derivar, principalmente, da classe
média. As crianças americanas são encorajadas a serem independentes e a
ter seu próprio quarto e cama, ou seja, serem autônomos. O protestantismo
valoriza os que, antes de tudo, além de seguirem o rebanho, têm a
coragem de possuir sua convicção e de caminhar sozinho. Nas escolas e
em casa, os criadores (pais, mães e outros) e professores progressivamente
“individualizam” e descontextualizam as crianças.
“Espero que você enjoy this trip Mr. Joseph”. Nos Estados Unidos tudo
está carregado de “enjoy”. Os japoneses hesitam em ser felizes, baseados
na tradição filosófica e espiritual de sua cultura: seu sentido de equilíbrio
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ou harmonia; o bom é contrabalançado com o ruim; a felicidade com a
tristeza. O Budismo enfatiza o transitório de todas as coisas, incluindo
os sentimentos de felicidade; esta termina sempre. Os japoneses tendem
a acreditar que suas experiências felizes logo irão se acabar e ficam
preocupados como irão pagar por esta felicidade. Nos USA enfatiza-se a
força, no Japão a fraqueza ou uma avaliação negativa de si mesmo.
Onde coloquei meus óculos? Porque Lula foi eleito presidente? Nota-
se que essas perguntas, imediatamente, levam o leitor, caso ele deseje
respondê-las, a caminhar numa ou noutra direção. Esse processo é
realizado sem nenhum esforço mental, ou seja, a questão, por si só, gera a
busca da resposta. Nos dois casos acima fica fácil procurar uma resposta
qualquer. A facilidade de procurá-la ocorre mesmo quando a resposta
não é encontrada, mas pelo menos sabemos como procurá-la. Assim,
diante da pergunta acerca da eleição de Lula como presidente não iremos
procurar uma resposta dentro da gaveta ou no cesto de lixo, isto é, uma
possível resposta diante da primeira pergunta: “Onde coloquei meus
óculos?”.
A característica comum em todas essas questões é que elas não podem ser
respondidas pela observação nem pelo cálculo (inferência, dedução), por
métodos indutivos ou dedutivos. Os que as propõem são confrontados com
perplexidade desde o início da elaboração da pergunta, pois eles próprios
não sabem onde e como procurar a resposta. Apesar da frustração, os
problemas filosóficos estão aí, mais vivos que nunca. Eles jamais foram
eliminados mesmo em ciências “exatas”, como é o caso da Física, por
exemplo, quando se discute a estrutura de alguns de seus conceitos
fundamentais: força, massa, velocidade, etc. As hipóteses da Física devem
ser formuladas e as informações interpretadas conforme esses termos
filosóficos (construtos científicos). Pois, afinal, “O que é força?” e “O que
significa velocidade?”. Não sei se há algum meio empírico ou dedutivo
para responder o significado desses conceitos; somente através da filosofia.
Cada pessoa, pobre ou rica, culta ou inculta, possui sua mala carregada
de utensílios ou ferramentas diferentes para lidar com o mundo. Cada
uma faz uso das suas ferramentas preferidas ou disponíveis num certo
momento, para um tipo de problema particular.
Assim, nenhuma ação poderá ser considerada como tendo uma única
consequência confinada somente à coisa a qual ela foi dirigida. A ação
geralmente afeta e é afetada por muitas coisas numa cascata. De outro
modo, um valor é “bom” quando olhado sob um aspecto e “ruim”
quando examinado sob outro ângulo. Portanto, uma solução numa área
geralmente provoca problemas (disfunções) em outra, que terão que ser
debatidos ou solucionados e, por sua vez, trarão novos problemas. Logo,
um valor aceito quase sempre prejudica um outro valor também aceito.
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Por tudo isso, talvez, seja melhor deixar o povo de Lumeeira continuar
com sua vida pacata e não tentar “ajudá-los”, pois o remédio salvador
poderá matar o paciente.
Selecionando, processando,
organizando e explicando a
informação captada
O homem de Lumeeira e Buenos Aires, diante do mundo local, percebido
ou imaginado, dispõe, devido a fatores genéticos e culturais, de alguns
processos psicológicos (procedimentos, estratégias, instrumentos)
diferentes (sistemas de coordenadas) para compreender e explicar a
realidade da cidade: os fatos concretos, as condutas, a ética a ser seguida,
o estético, arte, saúde, doença, lazer, etc.
5 – O Mítico
Num instante, xinga-se o filho de vagabundo, pois ele não fez os deveres
de casa e não estudou como se esperava. Subjacente ou ligado a esse
modo de pensar, encontra-se a suposição (um princípio) de que o filho,
Tipos de intuições
Que intuições são essas? Muitos cientistas cognitivos acreditam que o
raciocínio humano não é executado por um computador único e sim por
vários. Para essa idéia, nosso organismo é equipado com diferentes tipos
de intuições e de lógicas, da mesma forma que o mundo é heterogêneo.
Cada uma dessas é apropriada a uma área da realidade. Uma pessoa pode
ser precisa e realista em uma área, como, por exemplo: ser um excelente
físico ou químico e rigoroso e exato em suas pesquisas. Entretanto,
pode ser, também, em outra área, um seguidor de doutrina avessa à
experimentação exata, admirador de macumba e de rezas milagrosas,
quando alguém da família adoece. Esses diferentes modos de conhecer
e lidar com a “realidade” têm sido chamados de sistemas, módulos,
posturas, faculdades, órgãos mentais, modelos, inteligência múltipla,
dupla atitude e mecanismos de raciocínio.
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Nossos processos (assimiladores) mentais emergem no início da vida,
estão presentes em todas as pessoas normais e parecem estar localizados
em conjuntos de redes parcialmente distintas no cérebro. Podem ser
instalados por diferentes combinações de genes ou emergir quando o
tecido cerebral se auto-organiza em resposta a diferentes problemas
a serem resolvidos e a diferentes padrões de estímulos sensoriais (sua
plasticidade). Em resumo: nosso assimilador mental desenvolve devido
aos genes, à plasticidade cerebral e aos estímulos do meio ambiente. Esses
três fatores dão origem ao modo de captar informações e de lidar com
elas.
Quando classifico minha amiga de feia, o faço em virtude de ela ter, por
exemplo, o cabelo espichado para os lados e para cima. Desse modo, ao
enxergar o cabelo de minha amiga, noto em meu organismo uma emoção
desagradável, uma coisa ruim conforme as minhas idiossincrasias (por
sinal um belo nome). É esse mal-estar que possivelmente me leva a
classificá-la de feia e, consequentemente, afastar-me dela. Se for obrigado
a ficar perto, por questões sociais ou outras, fico martirizado durante
todo o período do encontro pelas emoções negativas provocadas pela
minha construção singular. É possível, se perguntarmos o que estaria
acontecendo dentro do organismo, o julgador não saber. Poderá dizer,
para justificar o mal-estar existente, que não se sente bem por estar diante
da moça de cabelos levantados para os lados e possivelmente falará, por
exemplo: “Ela é muito feia”. Uma simples característica, como um tipo de
penteado, uma vez generalizada, transforma-se no conceito “feiúra”. Ao
encontrar-me com pessoas com a mesma característica, as classifico de
feias. Nesse exemplo, todos os outros aspectos da pessoa não são levados
em conta, isto é, eles não foram focalizados, examinados e interpretados.
— Imagine você entrando num quarto com outro homem. Depois, ambos
começam a se despir e, em seguida, deitam-se e começam a se abraçar e
se beijar. Forme uma imagem de cada uma dessas cenas e de outras que
você inventar quando estiver junto a esse homem imaginário. À medida
que elas vão se desenrolando procure ficar atento às emoções surgidas,
as que vão aparecendo em seu organismo diante de cada cena ou quadro
formado, isto é, durante cada envolvimento e cada contato físico: a visão
do corpo do parceiro, o abraço, o beijo e tudo mais.
A mesma tarefa poderá ser feita para saber que alimento gostaria de comer,
o que fazer hoje à noite, etc. Os indicadores serão as emoções exibidas e
sentidas pelo nosso corpo total: a positiva me agradou e a negativa não me
agradou; somos guiados, em grande parte dos casos, por nossas intuições.
As crenças são mais que uma expressão do conhecimento; isso seria muito
pouco. Há muito mais coisas escondidas por trás do explicitado: sempre
há. Elas, quase sempre, escondem o mais importante e mais perigoso
para minar seu poder. As necessidades e os interesses particulares não
explicitados (não mostrados claramente), muitas vezes nem percebidos
ou conscientizados (poder, domínio), são pontos decisivos na elaboração
da crença e tornam-se responsáveis pelas semelhanças e diferenças entre
os grupos.
Princípios e atitudes
Uma atitude contém em si uma ordenação mais ou menos coerente de
diferentes dados. Observações e raciocínios diversos utilizados pela
pessoa devem estar arrumados e unificados para facilitar a defesa dos
argumentos apresentados. O que a pessoa diz em certo ponto precisa
estar ligado, de maneira inteligível, com o que se afirmou antes ou se dirá
depois, assim como as partes de uma história precisam estar interligadas.
Função da atitude
Uma função importante da atitude é providenciar resumos avaliadores
rápidos e simplificados do meio ambiente; elas atuam como indicadores
promovendo uma predisposição ou prontidão para a resposta. As
atitudes sinalizam para as pessoas se os objetos de seu meio ambiente
Portanto, uma pessoa criada numa família racista com respeito aos
afro-brasileiros, ao estudar, quando adulta, Biologia, adota uma atitude
igualitária, pois percebe cientificamente de onde provém a cor negra da
pele, que nada tem a ver com as outras características que ela assimilou
em casa ou com os companheiros. Mas esta segunda crença não toma
totalmente o lugar da primeira, a racista. Ela passa a viver com as duas
atitudes; a negativa para os afro-brasileiros (uma avaliação negativa,
preconceituosa, obtida na infância) e uma atitude mais recentemente
construída alicerçada na observação e estudo da ciência. A atitude
mais recente, a secundária, é a explicitada em condições comuns de
tranquilidade. Assim, esse indivíduo repele, não considera ou, ainda,
domina, em certos momentos, a atitude primária e inicial aprendida.
Entretanto, a atitude primária, que habita a mente dessa pessoa, pode,
de modo automático e implícito, aparecer e dominar a cena. Os brancos
expressam mais atitudes positivas aos negros nas medidas explícitas
(conscientes e pensadas) que nas implícitas (inconscientes e impulsivas) e
a correlação entre uma medida e outra é bastante baixa.
Após termos aprendido uma atitude “AP” (atitude primária) nos primeiros
anos de vida (“o negro é preguiçoso”; “a mulher é mais fraca”; “o velho é
lerdo e confuso”), podemos aprender novas atitudes contrárias às acima
citadas: “a preguiça do negro, caso exista, ocorre não pela cor de sua
pele, da melanina mais superficial”; “a mulher foi fraca por ser dominada
pelas idéias masculinas de uma época, por não ter acesso aos postos e
estudos dos homens”; “o velho sadio e executando atividades cognitivas
e físicas pode ser muito mais lúcido e capacitado que o jovem de trinta
anos”. Nesses casos falamos que a atitude AP mudou-se para AS (atitude
secundária). Mas o que ocorre com a atitude AP, isto é, a primária, antiga
e inicial? Ela some, desaparece da mente?
Mesmo uma frase iniciada tão simplesmente pela palavra “A” faz surgir
em nossa mente que se trata de um feminino, portanto, poderá ser “rosa”,
“vizinha”, “porta”, mas não “menino”, “cravo”, “amigo”. Caso continue a
frase, e vou um pouco além, “a bicicleta”, nesse caso a minha mente espera
por um predicado que dirá algo acerca dela. Por exemplo: “foi roubada”;
“quebrou-se”; “está ótima”; “chegou pelo correio”. O que importa aqui é
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que todas essas representações surgem espontaneamente e sem nosso
esforço em nossa mente, conforme nossos conceitos e preconceitos, bem
como a riqueza ou pobreza de nossa memória armazenada.
As atitudes duais não ocorrem juntas, pois as pessoas não têm duas
avaliações ao mesmo tempo. As pessoas muitas vezes adotam uma nova
atitude explícita enquanto que a atitude implícita permanece inalterada.
Após algum tempo, a nova atitude pode desaparecer, devido ao não uso
e, nesse caso, a atitude implícita original reaparece ou emerge ocupando
seu poder original.
Preconceito e estereótipo
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Os estereótipos e os preconceitos contêm, quase sempre, atitudes duais. O
preconceito contra negros nos USA é criticado por todos, mas é adquirido
(aprendido) muito cedo, do mesmo modo que atitudes contra os gays,
as prostitutas, os deficientes físicos, os pacientes mentais, as mulheres
e velhos de modo geral nos países ocidentais. Todas essas intuições
deformadas da realidade, uma vez armazenadas, são ativadas diante do
objeto-estímulo (negro, velho, mulher, doente mental, etc.).
Se AP é muito forte, fica difícil para a pessoa construir uma outra AS, que
vai contra a primeira, contradizendo-a. Portanto, para que a atitude dual
possa existir é preciso que a AP não seja muito poderosa, permitindo a
construção da AS, ou seja, de uma nova atitude.
Alguns autores têm uma visão pessimista da capacidade das pessoas para
controlar as reações estereotipadas dos outros, arguindo que:
1. os estereótipos são quase sempre ativados quando a pessoa
encontra um membro do grupo alvo, mesmo quando
a pessoa está tentando controlar suas reações (o velho,
gordo, negro, judeu, turco, etc.);
Assim, de um lado temos certos estímulos como uma fala, a cor da pele,
um corte de cabelo e o tamanho de um busto; de outro, uma pessoa
que vai ser estimulada por esses fatos pouco ou nada significativos ou
representativos aos olhos da ciência, religião, política, economia, etc.
O tem de ser não pode derivar apenas do ser. Muitos dos “tem de ser”
(dever, obrigação) que proferimos não são normas de conduta definitivas,
mas apenas objetivos secundários, adotados como meios para outros fins,
durante certo tempo em uma cultura e outra.
As decisões não são escolhas com base em vastas áreas de vida, mas
somente em relação a aspectos específicos, considerados, corretamente
ou não, relativamente independentes de outras dimensões da vida
igualmente importantes. Para dar um exemplo: a compra de um carro terá
pouca relação com outros tipos de problemas, até mesmo com respeito
ao carro, poluição, trânsito ou o menu do jantar de hoje. A compra do
carro lembrará alguns aspectos da vida em detrimento de outros. Seu
novo possuidor talvez, ao comprar o carro, leia mais sobre estradas ou
viagens e deixará de pensar em comprar uma nova casa, etc. Tudo isso são
exemplos de racionalidade limitada ou intuições parceladas.
Prezado leitor. Ao ouvir a frase de sua amada: “Você me deu uma força”, o
melhor é não perder o sono tentando entender o que foi dito, caso inicie
seu raciocínio a partir da fórmula da mecânica newtoniana, na qual o
Milhões de frases semelhantes a esta são ditas o dia inteiro, mas não
devemos nem defendê-las, nem combatê-las, pois elas nada significam.
Essas frases existem para encher o tempo do falante e para produzir sons,
como uma melodia criada ou assobiada por uma pessoa, como fazem as
crianças quando descobrem que podem produzir sons. A fala do político,
do grande pregador e do professor, comumente, apresenta uma melodia
inebriante e também vazia de conteúdo.
— Não! Não! Ela não tem que ser úmida e fria. Ela é semelhante à pele do
rato albino.
Nada mais errado. Talvez seja mais fácil um juiz alemão entender um juiz
brasileiro, mesmo que um nunca tenha falado nossa língua, desde que
tenha à mão um bom dicionário, que um brasileiro comum entender a
linguagem dos magistrados. O exemplo pode ser estendido para todas
as áreas do conhecimento humano. O vocabulário de qualquer área é
especializado. Os fatos e acontecimentos são codificados dentro de cada
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área e organizados de certa maneira, onde cada signo tem uma enorme
riqueza de informações, conforme a experiência e o estudo dos peritos da
área. Os mesmos sons ou códigos nada significam para os não-versados.
O físico atual faz coisas mais valiosas que o alquimista que “fabricava”
o ouro dos trouxas e descobre fatos antes profetizados. Contudo, nem
mesmo a ciência pode penetrar muito na natureza; o observador “penetra”
apenas nas idéias ou representações que ele tem da natureza, jamais na
própria natureza.
Uma visão geral mostra que esses modelos, muitas vezes, contêm atitudes
opostas, uma contra a outra. Além disso, diversos modelos se tornam
inadequados por deixarem de explicar muitos aspectos da experiência a
ser compreendida e, por fim, são, por sua vez, substituídos por outros
modelos que enfatizam o que esses últimos omitiram.
Não há como viver, a não ser um débil mental extremamente grave, sem
perceber o meio ambiente, seja lá qual for, e, posteriormente, procurar
descrever e explicar o universo para si mesmo, incluindo seu próprio
organismo. Mais uma vez chamo a atenção do leitor: os tipos diferentes
de modelos empregados para descrever e explicar afetam profundamente
a maneira de perceber, sentir, pensar e se comportar de cada pessoa,
principalmente quando (geralmente são) esses pilares sustentadores das
explicações são inconscientes. Grande parte da desgraça e frustrações
dos homens se deve à aplicação mecânica ou não consciente, bem como
deliberada de modelos inadequados à realidade vivida. Por isso, nada
mais prejudicial (funesto) para o indivíduo que o uso de modelos em
desacordo (incompatíveis, inconciliáveis) com a realidade.
Uma vez criadas estas idéias elas se tornam não só difíceis de serem extintas,
mas, também, dão origem a uma “teoria” positiva ou negativa acerca do
filho, também, muitas vezes, pelos amigos, vizinhos ou pela população da
cidade. A manutenção da característica imaginada é construída através
do uso de conceitos abstratos, isto é, não possíveis de serem observados,
comprovados ou refutados; por outro lado, um conceito concreto, como,
por exemplo, “José é baixinho”, sendo um conceito concreto, poderá ser
Pobre do mau filho! Se ele age acertadamente seus pais se sentem mal
e confusos, pois esperavam o contrário e, nesse caso, não se sentindo
bem, eles tendem a arrumar argumentos para justificar suas crenças e
não suas observações: “Ele está fingindo”; “Foi por acaso, daqui a pouco
estará fazendo tudo errado de novo”. Muitas das crenças que os pais
formam acerca do filho “bom” permanecem por ser o filho obediente ou
semelhante aos pais. Os pais dão mais liberdade para os “bons” filhos e
impõem atividades mais rígidas para os “maus”, numa tentativa de manter
o controle sobre este que se crê perdido.
Existem pais rígidos, isto é, os que têm certeza acerca de suas suposições.
Os rígidos, também chamados de autoritários ou dogmáticos, são mais
insensíveis às mudanças de comportamento dos filhos que poderiam
contradizer suas hipóteses originais. Esses pais confiam mais nas suas
crenças intuitivas (sem fundamentos empíricos) existentes em sua mente
que em suas observações; eles julgam e agem conforme o seu rótulo e não
de acordo com o percebido e mais real. Os pais de suposições flexíveis
são capazes de reverem e mudarem suas hipóteses conforme os fatos
observados.
Se o filho acreditar que para atingir seus objetivos ele dependerá mais
de si próprio, mesmo sendo visto como mau, ele poderá ter sucesso.
Entretanto, se sua crença for a de que seu futuro depende dos pais, ele
pensará que não há nada a fazer. Assim, o conceito (a teoria dele mesmo)
que o filho forma de si próprio, após ter sido rotulado ainda criança, terá
uma importância crucial para a melhor adaptação na futura vida.
Uns estudam onde se ensina que sua família faz parte dos possuidores de
maior poder e, nesse caso, poderão ser políticos, médicos, economistas,
empresários, etc. Outros frequentam escolas onde o aprendido é o oposto
e, nessa caso, eles poderão ser serventes de pedreiro, lavradores, lixeiros
ou pequenos ladrões. Quando procura o primeiro emprego ou o primeiro
vestibular, a cabeça do jovem já foi preparada para perceber, avaliar, pensar
e viver do modo como foi determinada pelo seu grupo de referência, isto
é, seus modelos. Um vai mandar e poderá ganhar fortunas e o outro vai
obedecer e receber o salário mínimo.
2.4 De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também
as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos”.
O aprendizado da submissão
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A criança em Lumeeira, como em qualquer lugar, após o nascimento, é
domesticada pelos sistemas de crenças existentes na cultura onde vive.
São os pais que, por sua vez, aprenderam dos seus pais, os transmissores
das idéias. Como depositários e difusores dos fundamentos do modo de
pensar, entre eles, os não-igualitários acerca do sexo, os pais tendem a
escolher, para suas filhas “meigas”, nomes suaves como Dulce, Cândida ou
Felicidade; para os meninos “rudes”, nomes de sábios, atletas ou artistas:
Homero, Romário, Ronaldo, Fernando ou Luiz.
A construção da submissão
De todos os lados, sem percebermos, somos bombardeados por condutas/
modelos – nítidas e frequentes demais – indicativas da maneira “correta”
de se comportar conforme nosso gênero. Esse aprendizado, assimilado
sem digerir, ao modelar a personalidade infantil, carrega internamente
inúmeros e imperceptíveis apelos à ordem masculino-feminina:
hipóteses, afirmações e modos de agir. Nas novelas e nas propagandas
de TV, no colégio ou vizinhança, os estereótipos existentes afloram
a todo o momento, quase sempre engrandecendo, sem preocupação
pedagógica, os papéis e valores tradicionais existentes na cultura do dia-
a-dia. Os homens são mostrados como dirigentes sérios e importantes,
bem ajustados, enérgicos, habilidosos e ambiciosos. Já as mulheres
são “usadas”, muitas vezes, para embelezar o ambiente, como anfitriãs,
apresentadoras e animadoras, sempre sedutoras e emotivas e cuidando de
alguém, ocupando posições desvalorizadas socialmente: babás, donas de
casa e outras.
Grupos ideológicos
Os principais grupos ideológicos de nossa sociedade, começando com os
familiares, cooperam para o mesmo fim: a pregação, explícita e implícita,
da inferioridade da mulher. Em todos os lugares, diariamente, as crianças
são educadas, treinadas e ajustadas para assimilarem essas crenças
delirantes. Os grupos inoculadores de crenças, unidos pelo discurso
pró-masculino, fazem parte de uma forte e poderosa rede, avaliando
e aprovando as regras da conduta. A obediência à palavra, através dos
tempos, tem sido uma tendência natural do homem, tomando o mapa
pelo território, a palavra pela coisa e a idéia pela realidade. As ideologias,
além de doutrinárias, de explicarem dogmaticamente tudo, também
assimilam os fatos observados e mesmo experimentados, fazendo-os
desaparecer quando eles poderiam ser úteis para contestar e destruir a
fala utilizada. De outro modo, as ideologias, para sobreviverem, precisam
rejeitar certos fatos.
A ordem social não poderia ser mantida apenas com a divisão simples
de um grupo superior e outro inferior. Haveria sublevação da ordem
pública caso existisse apenas a afirmação da inferioridade da mulher.
Era preciso criar, além dessa “ordem”, um outro sistema de crença,
circundando (dominando) o primeiro, para que as mulheres, e outros
estigmatizados, pudessem, não só aceitar pacificamente seu papel, mas,
também, “valorizar” a inferioridade.
Não faz muito tempo, o trabalho era visto como penoso e até degradante,
principalmente os chamados “trabalhos braçais”; agora, os tempos
mudaram. O trabalho submisso, as profissões penosas e tidas como
inferiores e as atividades cansativas e sujas adquiriram status de majestosas
e ilustres, quase divinas para as classes “humildes” e, desse modo, aceitas
com grande orgulho por seus executores. Para atiçar a mente do leitor,
repito, aqui, frases frequentemente ouvidas: “O trabalho enobrece o
espírito”; “Todo trabalho é nobre e digno”; “Não há diferença entre a
atividade do lixeiro e do senador” e diversos outros slogans do mesmo
gênero que hipnotizaram os distraídos.
Uma vez inventado, imposto e aceito o novo valor supremo, foi possível
a criação de diversas outras afirmações derivadas da premissa inicial, tais
como: “ser um bom escravo é vantajoso”; “é glorioso servir a um homem
importante como o Dr. X”. Ficou fácil, para a maioria das mulheres,
ansiosamente, buscar, com orgulho, ser uma ótima funcionária de
qualquer expoente, carregar às costas uma série de atividades cansativas,
trabalhar 30 horas por dia para o bem da empresa em atividades pouco ou
nada valorizadas e, também, casar-se com um “importante”.
Um outro fato não raro em Lumeeira é o da mãe (ou pai) que, privada
de amor do cônjuge, exige da filha (filho) o amor desta para ela, em vez
de dar amor à filha. Nesse caso a filha (filho) pode imaginar a mãe como
amorosa e generosa, mas ela é, de fato, uma mãe exigente e egoísta. O
que se deseja é que a percepção correta seja descartada da consciência
para permitir somente a imaginação errônea, a mais agradável de ser
conscientizada: “Minha mãe me adora; está sempre atrás de mim. Não
pode me ver longe dela”.
Nesses exemplos um fator agiu sobre o outro que nada fez, apenas sofreu
a ação passivamente. Isto, geralmente, não ocorre. Segundo essa postura
popular, a influência causal é disseminada de cima para baixo, ou seja,
uma causa é mais “poderosa” que outras, de um modo antropomórfico,
envolvendo a ação do poder das coisas, ou seja, de um poder delas, saindo
destas. O poder de Parreira foi tão grande que dominou a conduta de
todos os jogadores brasileiros, inclusive a dos franceses; Zidane jogou
bem independente da ruindade dos brasileiros.
Esse tipo de raciocínio, de uma só via, não mostra que a ação se faz
também de B (do queixoso ou interpretado) sobre A e não somente de A
sobre B. Por trás da declaração encontra-se um organismo humano com
inúmeras características. Não foi somente Parreira o culpado da derrota
do Brasil na Copa do Mundo. Podemos também pensar que Alberto só
poderá ser “machista” caso Antônia facilite essa conduta, isto é, lhe sirva
de nicho adequado às necessidades dele. Não se pode pensar em líder
sem liderados para segui-lo. Só existe “mandão” se existir alguém para
submeter-se a ele; só existe doce ou azedo se existir papilas gustativas de
um corpo determinado para detectar esses sabores. Precisamos conhecer
melhor o cérebro do que sofre a ação, suas dificuldades, medos, fraqueza
física, falta de apoio familiar e social, etc. Este é o campo da neurociência
ainda pouco conhecido em Lumeeira.
São esses fundamentos assentados logo após o nascimento que irão atuar
como bússola orientadora para o cidadão de Lumeeira, inicialmente,
focalizar e, posteriormente, assimilar e entender o observado, para depois
tomar as decisões necessárias. Pensando assim, a pessoa poderá, caso
tenha uma bússola eficiente, compreender melhor e, consequentemente,
agir mais acertadamente, mas o assimilador mental de uma comunidade
tende a adquirir um modo de raciocinar e explicar suas experiêcias.
A população de Lumeeira tem um conhecimento restrito e inexato da
realidade; ela acredita mais no falso mapa aprendido intuitivamente, que
Por outro lado, o Deus teorizado pelos sábios da Igreja, descrito nas
pregações inteligentes dos padres ou pastores, é um ser justo, racional,
protetor, bom, calmo, tolerante, capaz de perdoar, não perseguidor e
outras virtudes, todas elas apreciadas e respeitadas por todos nós; um
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ser totalmente diferente do pai-deus citado acima e outros modelos
vivenciados mais tarde: tutor, governo, professor, certos religiosos, certos
policias, etc., com os quais convivemos. O “Deus” falso, reflexo do pai ou
governo tirano, é um ser malvado, indiferente ao sofrimento dos menos
favorecidos, perseguidor, intolerante e fácil de ser corrompido.
Quem de fato nos ameaça desse modo e usa de uma teoria explicativa
de “bondade”? O “leão” do imposto de renda, os chefetes e aduladores
dos governantes, os policiais desajustados, os professores carrascos e,
frequentemente, os familiares possuidores do maior poder e isentos de
amor. Este “Deus” temido tem tudo a ver com a triste realidade vivida
em casa com o pai severo, injusto, abusador e pronto para punir seu
filho diante de qualquer deslize, com a professora brava e injusta, com
os colegas mais velhos e mais fortes, com o governo e com o religioso
intolerante e incapaz de ajudar de fato. A história é cheia de casos dessa
natureza.
Por outro lado, este pai, e outras instituições, detentor de todos os poderes,
ditador das normas, pode fazer o que quiser: explorar o trabalho gratuito
dos filhos; criticá-los seja onde for; arrumar amantes e filhos fora do lar;
fazer gastos desnecessários com jogos, farras e bebidas; agredi-los quando
desejar e, também, abandonar, caso sinta vontade, a família ou o emprego.
Tudo isso sem consultar ou ouvir a família ou a população. Esse pai é tido
como um conhecedor de tudo, e, por outro lado, os familiares são vistos
e tratados como ignorantes, por isso todos devem obediência a ele. O
Deus da população de Lumeeira foi gerado pelos diversos governantes
perversos que tiveram na família, escola, igreja e política.
Uma palavra em defesa desse pai e governo tirano. Eles assim agem por
ter assimilado intuições (pré-conhecimentos) com esse formato; também
foram escravizados por esses saberes esquisitos.
O nível ético ou moral foi construído pelo homem, por isso, existindo
homens diferentes experimentando ambientes e fatos diversos, isto é,
variando de grupo para grupo e de época para época, consequentemente,
a ética será também diferente.
Tudo muito certo caso não misturemos uma ética à outra. Assim, a
atrapalhada se dá quando ligamos uma à outra: as regras da ética divina
e da natureza. A ética jurídica, a legalizada, se for violada, recorre-se à
lei, com possibilidade de defesa e acusação. No caso da divina, para o
cristianismo atual – diferente de outras religiões – a Igreja não tem o
poder de punir o indivíduo por não ter cumprido suas ordens, decisões,
rituais, etc. As punições podem vir depois (após a morte), conforme a
vontade divina, podendo, muitas vezes, ser perdoada.
A ética divina (um nível) criada pelo homem não atua funcionalmente
na natureza (outro nível), pois a natureza não obedece a ninguém (muito
menos a um tipo de ética); ela obedece apenas a ela mesma, como ocorre
com o homem; se passo uma lâmina na minha pele fina, ela deve ser cortada
e o sangue sairá. Não adiantaria, caso tivesse esse desejo, orar, rezar, fazer
uma penitência, etc., para impedir o corte, a dor e o sangramento. Do
mesmo modo, não adianta eu fazer uma promessa para não envelhecer;
minha natureza não “escuta” ou não “decodifica” este tipo de informação.
O que escrevi pode parecer risível, mas é a mesma coisa que relacionar
minha “sorte” com a vida por ter sido eu um bom cristão ou, ao contrário,
ser um azarado porque não fui bom cristão. Repetindo: o nível verbal do
desejo, criado por uma cultura, não pode interferir no nível da natureza;
esta se prende somente a ela própria, não obedece às palavras; inventamos
palavras para elas apenas para facilitar a informação, não para mudar seu
mecanismo: “a bomba explodiu e matou oito pessoas”. Em resumo: cada
nível pertence a campos diferentes e são regidos por leis também diversas;
elas são como água e óleo.
Segundo essa crença, hoje criticada, toda diferença que vemos entre
raças, grupos étnicos, sexos e indivíduos provém não de diferenças de
sua constituição inata, mas de diferenças em suas experiêcias, somente
isso. Mudando as experiências – reformando o modo de criar os filhos, a
educação, a mídia e as recompensas sociais – podemos mudar as pessoas.
Ainda conforme essa crença, para curar um criminoso basta lhe dar
amor. Por mais que isso tem falhado, a fé, arraigada e escondida no núcleo
A crença da alma, por sua vez, se entrelaça, não se sabe bem porque, às
nossas convicções morais. O cerne da moralidade é o reconhecimento de
que os outros têm interesses tanto quanto nós temos – “que eles sentem
necessidade, experimentam o pesar, precisam de amigos”, nas palavras
Shakespeare – e, portanto, que têm direito à vida, liberdade e busca de
seus interesses.
Mas quanto tempo gasto para ir de Belo Horizonte à Santa Maria de Itabira
ou, ainda, saber se está ou não chovendo é muito diferente de saber quem
é o homem ou mesmo saber por que Pedro usa cocaína.
Uma boa parte das explicações em Lumeeira é feita tomando por base
conceitos duvidosos e as transformam em dogmas mais ou menos
absolutos. Tudo isso mantém um grupo (instituição) dominando outro
(o grupo dos impedidos de aprender a criticar) como um fato natural e
adequado à comunidade de Lumeeira e de Madrid.
Parece haver um movimento para erguer um mundo onde não haverá mais
distância entre o discurso e o real e onde se unificará o saber e os objetos
desse saber. Não podemos nos esquecer de que nosso mundo faz parte de
nossa visão do mundo. Por outro lado, nossa visão do mundo faz parte de
nosso mundo. Explicando: o conhecimento de um objeto qualquer não
pode ser pensado sem a presença de um sujeito (homem) cognoscitivo
para pensá-lo, enraizado numa cultura e numa história determinada,
como ocorre em Lumeeira. Portanto, é necessário considerar o ambiente
sociocultural de qualquer conhecimento (físico, filosófico, científico etc.)
e, também, os aspectos físico-orgânicos do sujeito conhecedor.
Minha resposta, para minha tristeza, é a de que minha escolha foi feita
intuitivamente, ou seja, um simples palpite apressado do momento,
como várias escolhas erradas que fiz; algumas foram desastrosas. Assim
avaliamos as pessoas, ora endeusando-as, ora destruindo-as, sempre sem
informações sérias e lógicas. Somos mais irracionais que racionais. Não
há outro modo. Usamos a bela e adorada razão raramente, pois o seu
uso não só exige muito trabalho, como, também, utiliza conhecimentos
oferecidos a poucos e muito difíceis de ser assimilados.
Uma vez rotulado, forçado a agir como tal, devido a pressões externas
e internas, o antigo cidadão, Carlos ou Diva, desaparece. Assim vai se
formando o novo ator, o transformado no rótulo, passando a agir de
acordo com o novo conceito ou mito criado em torno dele: “Aninha é
bonita”; “Dirce é inteligente”; “Pedro é um crápula”.
Faço uma pergunta para mim mesmo: O que faz com que um determinado
indivíduo, aos poucos, deixe de ser homem e torne-se um mito? O que
leva uma pessoa (ou um fato ou história) a receber dos outros seres
humanos uma categorização de tão alto nível? Não estou falando de uma
habilidade comum, como “ter um bom ouvido”, uma “bela voz” ou uma
boa memória. É muito mais.
Mas vamos um pouco além dessa idéia, pois já penso ser ela simples
demais, até um pouco boba. Talvez ganhe mais sua atenção com as novas
suposições que acabei de ter. Na maioria das vezes, o rótulo colocado é
percebido pelo “rotulador” como tal, ou seja, como rótulo. Nesse caso,
o “rotulador” reconhece claramente que o rotulado não é o personagem
do mito. Exemplificando: a pessoa sabe que o símbolo por ela usado ao
chamar determinada mulher de “Gata Borralheira” não representa a
realidade, pois ela é, de fato, a lavadeira Teresa.
Não se assustem, pois isso não é tão raro assim. Por ser bastante comum,
essa explicação torna a conduta complicada. Passamos a denominar e,
logicamente, a enxergar ou tratar a pessoa rotulada conforme o rótulo
usado: gênio, herói, santo, milagreiro, etc. Assim, passamos a acreditar
Muitas vezes, após aceitarmos por muito tempo algum indivíduo como
super-homem (herói, bandido, etc.), damos uma rasteira no seu prestígio,
destruímos sua santidade ou heroísmo e o transformamos num homem
normal e irracional. Isso tem ocorrido entre os grandes estadistas e mesmo
entre os santos, já que alguns foram destituídos do status que gozavam.
Recentemente até Plutão foi desclassificado como planeta.
Apesar dos fatos mostrarem que muitos seres humanos, com os quais
convivemos, são agressivos, injustos, traiçoeiros, infiéis, egoístas e
trapaceiros, muitos continuam a imaginar, pensar e conviver com os
homens como se eles fossem bons, pacíficos, solidários, justos, etc., isto
é, convivem com o homem idealizado e não com o real, o que habita sua
mente e não o mundo externo a esta.
Uma grande parte da população aceita e acredita na maioria das coisas que
escuta ou lê. Muitos acreditam em alma de outro mundo, nos benefícios
da posição da “quarta casa da era do Aquário” ou de “Netuno ter entrado
em Sagitário”. Outros crêem na sorte do número 24, nas “descobertas”
da cartomante, vidente, gnomo, duende, espíritos maus e bons, ET, pai-
de-santo, anjo da guarda, mandinga, banho de descarrego, transmissão
e leitura de pensamentos, búzios, paranormais, benzeções e técnicas
médicas milagrosas. Alguns acreditam em possessão de demônios e,
logicamente, na sua expulsão (exorcismos). Outros acreditam que é
possível a pessoa recordar fatos acontecidos antes de ter nascido, ou seja,
memórias ainda da vida intra-uterina. O que não falta é alguma coisa
para acreditar. Todos os exemplos relacionados acima fazem parte do
mundo imaginário, ou seja, de uma “realidade” que é alcançada através
da imaginação (cognição mítica) e não do mundo chamado físico, que
é adquirido ou captado através de observações sensoriais e organizado
através de teorias científicas, que diferem muito das míticas.
Para que o exorcismo dê certo é necessário que as ordens dadas pelo pastor
pregador sejam obedecidas pelo capeta, mas, principalmente, que haja
uma ingênua mocinha histérica (são mais raros os mocinhos) do outro
lado da cena (a que acredita em forças sobrenaturais), pois, do contrário,
não haveria o resultado esperado.
Toda essa sopa conceitual, essa mistura confusa de crenças diversas para
todos os gostos e funções milagrosas tem criado um contexto, um nicho,
forma ou clima propício ao cultivo do falso, do não-verdadeiro, do apenas
imaginado e não possível de ser detectado pelos nossos únicos meios de
entrar em contato com o meio exterior, que são nossos órgãos sensoriais.
Tentando sintetizar
Prezado leitor. Observadas de fora, há um ponto comum em todas essas
crenças. Todas elas – ou quase todas – buscam acionar ou disparar a
esperança quase perdida ou profundamente inexistente por um mundo
melhor; a busca de uma vida menos miserável ou de um futuro possível de
se viver. Por outro lado, os embusteiros de toda espécie, impossibilitados
de mudarem concretamente a vida mal vivida de cada cliente ingênuo,
utilizam-se, como isca posta no anzol para fisgá-los, de crenças antigas
disseminadas, cristalizadas e aceitas sem restrições, nunca examinadas
em sua profundidade e de modos neutros e, também, impossíveis de
serem negadas ou provadas.
Alcmaeon, tão sábio como seu antecessor, mais ou menos na mesma época,
afirmou que canais recheados de espíritos (ou pneuma) atravessavam o
corpo e, para ele, os espíritos, que entravam pelo nariz, eram feitos de
ar, ou seja, um dos quatro elementos do cosmo (segundo os sábios da
época), junto com fogo, terra e água; essa bela teoria ainda é seguida por
muitos em nossa época.
Para diversos sábios gregos, a carne do corpo era composta por uma
combinação de elementos conhecidos como humores: a bile amarela
(homens violentos, invejosos, cruéis e desafortunados); a bile negra
(melancólicos, meditativos e indiferentes); os sanguinolentos (sangue)
(francos, corajosos, lúbricos, venturosos, crédulos) e a fleuma (frios,
indolentes, apáticos).
Para o genial Platão, o cérebro era o centro da alma principal, onde foi
plantada a semente da vida para aqui efetuar a missão divina reproduzindo
A obediência às teorias intuitivas e míticas não pára aí. Elas eram idéias
tidas como corretas numa época, isto é, aceitas pela maioria da população,
uma opinião fabricada pelos lideres políticos e religiosos. Antes de relatar
mais exemplos, lanço uma pergunta crucial: Quais atitudes assentadas em
teorias sem suporte científico ou ético nós ainda estamos aceitando com
naturalidade e sem reservas? Possivelmente, daqui a algumas dezenas de
anos, nós, nossos filhos ou netos, todos irão se arrepender e se envergonhar
de tê-las adotado como verdades.
No ano 150 da era cristã, um jovem médico chamado Galeno, por ser
médico de gladiadores, ganhou enorme experiência examinando e
tratando das feridas desses indivíduos. Deve ser lembrado que nessa
época e centenas de anos depois, a dissecação humana era proibida.
Galeno, munido de seus pensamentos, era tido como um grande curador
de pessoas, isto é, um prático competente; morreu em torno de 199 de
nossa Era.
Meu xará Galeno, aos trinta anos, munido de algumas idéias de Platão e de
Aristóteles, usando alguns ensinamentos da medicina de Hipócrates, teceu
suas próprias observações. Sua medicina se apoiava na transformação
da comida e da respiração em carne e espírito. Suas teorias diversas e
mal costuradas dominaram as mentes da Medicina até um pouco depois
do surgimento do Renascimento. Raros eram os médicos que ousavam
combater as idéias de Galeno. Essas eram tidas como dogmas indiscutíveis,
apesar de que ele, como todos os outros médicos dessa época, baseava
as teorias em intuições ou especulações e não em observações sensoriais
e teorias logicamente construídas. Para ele os órgãos sensoriais eram
ferramentas (instrumentos) de terceira categoria, pois só as intuições
especulativas – que não eram raciocínios – tinham prestígio e deviam ser
usadas pelos chamados “sábios”. A chamada “ciência” só apareceu séculos
depois, ou seja, após o Renascimento.
Eu, como Bacon, não estou fazendo nenhuma crítica contra excepcionais
seres humanos, pois a nossa maneira de pensar, que tanto valorizamos,
nasceu deles e de centenas de outros gênios. Devemos muito e muito a
todos eles. Apenas critico, ou melhor, tento compreender o que sou, um
ser humano, o que todos nós somos agora e antes: nós, pois os grandes
homens também erraram muito; isso só foi percebido anos depois por
outras grandes mentes. Retorno à minha pessimista pergunta: O que os
grandes homens de amanhã, daqui a um século – talvez não precise de
tanto tempo – pensarão acerca de nossa atual descrição do homem e da
natureza? Afirmo que irão rir de “nossa ignorância” como rimos deles
atualmente, isto é, nada é definitivo, pois os mais sábios e inteligentes
descrevem suas idéias segundo uma época, não pode ser diferente. Com
os novos conhecimentos criticamos os antigos. Foi e será sempre assim;
não há nenhuma afirmação científica que tenha um valor eterno. A
oposição feita a Galileu era principalmente devido a uma ordem social
que atuava e que tinha pontos de vista formados acerca da criação do
mundo, da natureza das coisas, e, com isso, impediu de ver a realidade.
A imaginada “inferioridade do negro”, para os que discordam desta idéia,
nada mais é do que uma função da força, uma manutenção do poder
político ou para explorar uma mão-de-obra barata ou, ainda, fortalecer a
auto-estima abalada do branco.
Esse padre posteriormente foi procurado por René Descartes, que tinha,
por um lado, uma forte fé católica e, por outro, uma dúvida constante
sobre tudo o mais. Ele estava convencido que os animais não passavam
de máquinas complexamente elaboradas, feitas de partículas passivas. Os
homens se diferenciavam deles unicamente por conterem uma substância
totalmente divorciada da matéria: a alma racional, sendo que esse atributo,
único do homem, não estava sujeito às leis mecânicas; dissociada da lei
dos outros animais, nossa alma seguia somente as leis divinas. Éramos
comandados por Deus e não pelo nosso corpo. A alma humana era capaz
de produzir coisas que nenhuma máquina podia realizar: consciência,
vontade e a glândula pineal (local onde, segundo as especulações, se
uniam os vasos da rede maravilhosa), um órgão cerebral que já tinha sido
uma suposição de Galeno.
Descartes, com sua sabedoria, afirmou que nossa mente trabalhava livre
e independente da função do cérebro, se é que isso existia, e, portanto,
não podia ser estudada como o resto do organismo. Para René Descartes,
com seu “corpo e alma”, o homem seria uma máquina dirigida por um
espectro, pois a alma não podia ser estudada e largava o corpo após a
morte. Sendo assim, o comportamento, principalmente a fala, não era
causado por nada, este era livremente produzido e escolhido segundo
nossa vontade livre. Mas o que dá origem à vontade livre?
A revolução continua
Mas, querendo ou não, a revolução que começara continuava e, aos poucos,
foi abalando, devagar e sempre, os alicerces da explicação antiga. A partir
de conhecimentos cada vez mais apoiados por observações feitas por
nossos órgãos sensoriais (que não eram usados, talvez até proibidos), sem
ou com aparelhagens, o pensamento religioso, aceito pela comunidade
pensante, acerca do cérebro e da mente, foi se tornando cada vez mais
debilitado. Havia sido desfechado um golpe mortal nas almas ditas
inferiores do corpo. Essas morriam com a morte do indivíduo e a Igreja
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perdia seu poder de explicar tudo, inclusive a Biologia e a Astronomia.
Para ele, a moral era uma questão simples e fácil de ser entendida:
Deus proveu o homem de uma alma racional, que determina o certo
e o errado por meio da razão, portanto, o instrumento humano para o
conhecimento não era o uso dos órgãos sensoriais, mas, sim, a razão
(intuições; sem observações ou teorias lógicas), ou seja, bastava pensar
ou, mais acertadamente, intuir. Willis construiu sua neurologia sobre
essa crença, convencido de que somente com um cérebro sadio a alma
racional poderia exercitar o raciocínio correto. Os delírios de uma febre
e as vociferações de uma falsa religião também representavam ameaças
perigosas aos julgamentos morais de alguém. Em resumo: um cérebro
— Seu idiota! Você acha que há mais sabedoria na boca de um burro que
em nossas cabeças? A sessão terminou em seguida…
Inspirando em Hume, Darwin criou uma nova teoria do juízo moral. Esse
grupo chamou a si mesmo de Intuicionistas sociais. Eles defendiam a
idéia de que quando um indivíduo decide o que é certo, ou errado, o papel
do raciocínio é irrelevante; foi um tiro de misericórdia na tão querida e
orgulhosa “razão”.
Nós somos capazes de, rapidamente, perceber se uma pessoa está com
medo, raiva, triste, amistosa ou feliz. É claro que podemos errar em
nossos julgamentos. Nossas intuições variam como as línguas e conforme
as culturas; entretanto, todos os seres humanos aprendem conforme as
predisposições existentes em cada organismo, influenciando a forma
como conduzimos nossas vidas. Assim é que, se o circuito cerebral estiver
Nós só podemos pensar com nossa mente, não com outra cabeça, e,
assim, consequentemente, todas as idéias do universo foram construídas
Pois bem: eles não se preocupam se seus desejos, uma vez realizados,
serão bons ou ruins para eles. Nossos desejos estão presos a valores e estes
são transmitidos, segundo explicações mais recentes, no final da infância
e na puberdade, principalmente dos companheiros mais admirados
e imitados, isto é, o famoso diálogo dos pais parece não ter grande
importância na assimilação de valores. As crenças, desejos e os valores
são passados, ou melhor, incorporados através da imitação automática e
geralmente inconsciente de uma pessoa a outra através do contato e ações
físicas.
Não existem valores objetivos. Não se pode falar que isto é melhor que
aquilo, como, por exemplo, que é melhor comer chuchu que dançar ou
ser pai. Não se pode comparar uma coisa com outra quando não há
parâmetro para isso. Não há nada que é bom para todos e mau para
todos. Os governantes sofrem por isso. Os moradores da Rua Maria de
Souza acham que a prefeitura deveria, prioritariamente, calçá-la, mas a
comunidade do Bairro Esperança pensa ser “absurdo” não existir uma
linha de ônibus para servir a região. Um grupo acha que as árvores
devem ser cortadas para a construção de uma fábrica, pois esta gerará
mais empregos em Santana da Misericórdia. Outros fazem um abaixo-
assinado contra o corte, pois este irá perturbar o equilíbrio ecológico. As
nossas instituições sociais não possuem uma maneira fácil ou mágica de
tratar os valores antagônicos e múltiplos como se descreveu acima. Talvez
algum leitor saiba.
Ter uma companhia amiga é uma meta cobiçada por todos. Mas essa
companhia, rotulada de agradável conforme o princípio, pode ser a fonte
principal de futuro sofrimento, da perda da querida liberdade e do sossego.
Os cônjuges brigam entre si, batem e exploram um ao outro; os amigos
matam, traem e mentem; os colegas podem ser egoístas, competitivos e
agressivos, portanto, nem sempre é bom estarmos ligados. Mas se ficamos
livres dos sofrimentos das relações, nós não gozamos os prazeres do amor
— Por que você precisa de uma companhia agora? Por que morar junto com
essa determinada companhia e não com uma outra diferente dela?
Maria conta à amiga Fernanda que largou o namorado por ter este
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lhe dado um “bolo”. Fernanda comenta: “Você fez isso?” O seu tom de
voz, ligado à frase, e mais sua expressão facial denotam claramente um
julgamento questionador e de reprovação para o relatado por Maria;
essa é a informação transmitida. Maria, não muito segura de suas ações
– como ocorre com todos nós – vai para casa apreensiva após ter sido
inoculada pelas críticas da amiga. Fica em dúvida: “Será que agi certo?”
Mais tarde telefona para Fernanda pedindo a ela mais conselhos acerca
do caso contado.
Rosângela relata a Fátima que nas próximas férias irá a Cabo Frio. Esta,
julgando sua pretensão e discordando do desejado, lhe diz: “Cabo Frio?
Lá é lugar de farofeiros, fui lá uma vez só. Detestei!” Rosângela, confusa,
começou a imaginar vários inconvenientes em ir a Cabo Frio. Depois,
desistiu do passeio.
Alfredo prepara-se para o vestibular sem contar para os pais. Deseja fazer
Pedagogia. Sai o resultado e Alfredo é classificado; ele corre para casa
para contar sua proeza ao pai. Este, sem mudar o semblante, olha para o
filho sem demonstrar alegria, pois, ao contrário, estava decepcionado e
irritado. Nesse momento desabafa: “Curso de Pedagogia? Uma porcaria
dessas. Pra quê? Seria melhor não ter passado!” Alfredo larga o curso e a
casa dos pais.
O que é certo ou adequado para um pode ser o errado para o outro; o que
é liberdade para um é sofrimento ou aprisionamento para outro; o que é
solução para um é a formação de um problema para o outro. A conduta
certa para um lobo é comer o coelho, já a conduta certa para o coelho
é fugir do lobo. A conduta certa – ou liberdade – de um proprietário
Tudo o que pensamos está impregnado por essas categorias de uma forma
Por tudo isso, ora batemos palmas para o homem, ora queremos sua
morte ou prisão. O homem oscila de Deus (amamos e perdoamos) ao
Demônio (odiamos e matamos injustamente), e, às vezes, se aproxima da
burrice. Como somos um produto da evolução, estamos aprisionados às
forças que nos obrigam a preservar a nossa vida e a da espécie.
Fica difícil, talvez esteja além de nossos poderes normais, conceber qual
seria nossa imagem do mundo se acreditássemos e empregássemos
seriamente as idéias aqui defendidas: procurar entender o mecanismo
biológico, o meio cultural e as oportunidades que levaram João a ser
Talvez não valha a pena pensar do modo como defendi acima, pois
experimentaríamos consequências terríveis caso mudássemos nossa
maneira de avaliar as pessoas. Por isso, vocês decidem se é melhor
continuar a exclamar: “Viva Bush!”, “Enforque Saddam!”, “Mata
o estuprador!”, “Suzane, assassina!”. Cada uma dessas expressões
impulsivas, emocionais e não cognitivas e racionais são fáceis e práticas.
Além disso, a sua expressão não nos causa nenhum trabalho mental e,
também, não teríamos que repensar diante da nova realidade. Assim é
melhor: continuarmos aninhados na nossa acolhedora e santa ignorância.
Também para que usar um raciocínio mais exato e cansativo? Talvez o
homem não mereça tanto!
As revelações intuitivas
Para alguns o processo não-racional representaria o conhecimento de
“verdades auto-evidentes”, repentinas, sem esforço. A intuição moral,
que é aceita como uma espécie de cognição (conhecimento), não é
aceita como um tipo de raciocínio. Segundo o modelo intuitivo (não-
racional), o indivíduo, diante de um evento provocador de emoções e
julgamentos, sente um lampejo instantâneo frente ao acontecimento,
como, por exemplo, um mal-estar diante do relato de um incesto e, nesse
caso, informado pelo seu mal-estar corporal (asco, aversão de todo o
organismo), ele “sabe”, intuitivamente, que o evento não deve ser apoiado.
Por tudo isso, como já dizia minha mãe: “Futebol, religião e política não se
discute”. Essa idéia popular retrata a percepção da quase impossibilidade
de argumentadores diferentes persuadirem um ao outro. São raras as
ocasiões, se é que elas existem, nas quais alguém consegue modificar as
opiniões e condutas de outras pessoas com respeito às discussões morais,
pois as posições morais sempre têm um componente afetivo poderoso,
disparado automaticamente e encapsulado, isto é, geralmente não
alcançado pela cognição pura e introspectiva.
Muitas pessoas usam a teoria de que elas agem e devem agir, primariamente,
sem ser para seu próprio interesse (egoísmo), isto é, para o interesse do
outro (altruísmo). Entretanto, ser egoísta é uma tendência natural de
todo ser vivo. Para sair dessa armadilha-afirmação errônea, elas precisam
fabricar explicações para seus atos egoístas, os de auto-interesses para
harmonizar a conduta real com o princípio de ser altruísta. Isso ocorre,
por exemplo, nas ações de caridade e na assistência aos necessitados,
quando tudo dá a impressão de que a pessoa está agindo contra seus auto-
interesses. Ouvi uma apresentadora de programa de televisão falando a
respeito de um trabalho que ela estava fazendo para ajudar os outros: “O
bom de nosso trabalho é que ele melhora agente mesmo. Eu estou muito
melhor depois que comecei essa atividade”. Parabenizo essa simpática
apresentadora. Ela percebeu e externou publicamente que estava, também,
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ajudando a si própria ao ajudar os outros. Muitos falam o oposto: “Apesar
do sacrifício, sempre procurei ajudar as pessoas. Cuido mais delas que de
mim…”. Uma afirmação como esta é mentirosa; este indivíduo gosta e se
sente bem com sua atividade.
A pessoa acha que ela própria percebe o mundo como ele é, mas seu
oponente teimoso não o enxerga ou não quer enxergá-lo da maneira
correta. Imaginamos que o nosso chato oponente pensa erradamente
por ser tendencioso, pois tem sua mente infiltrada por ideologias e auto-
interesses mesquinhos. Nós todos somos assim. Criticamos o outro e
não percebemos a venda existente em nossos olhos impedindo-nos de
perceber que existem outros modos de avaliar e, também, da inutilidade
da discussão. Cada um de nós discute usando a própria teoria, isto é,
assimilamos a realidade com o modelo que possuímos e não entendemos
ou nos identificamos com a outra maneira, a estranha para nós: “Deus
existe e criou o mundo” para um, mas, para o outro, “Deus não existe,
portanto não criou o mundo”. Jamais um vai convencer o outro de que sua
“verdade” é a verdadeira e certa.
A pessoa não concebe que ela está agindo de modo parecido ao do seu
contendor e que seu raciocínio não é raciocínio e seu julgamento se
baseia em crenças e emoções intuitivas e não numa lógica pura e imune
ao irracional. Desse modo, a pessoa é incapaz de perceber suas ilusões
quanto à lógica. Pensando assim, poderíamos, caso estivéssemos com
raiva, chamá-lo de “idiota”.
A estratégia a ser usada deve tentar conseguir que a outra pessoa veja
o problema discutido de um novo modo, sob um novo ângulo, de uma
maneira diferente da anterior, para que assim haja a produção de outras
emoções e intuições diferentes, de preferência opostas à anterior. Tudo
isso, portanto, visa a impedir que o problema ventilado desencadeie outras
intuições contrárias ao nosso objetivo. Nesse caso, a geração de outras
intuições, semelhantes à original, irá reforçar a defesa da intuição inicial
incitando mais a defesa contra nosso argumento. Então, se tivermos sorte,
Tudo faz crer que mecanismo semelhante ocorre com as pessoas que
“lembram” de memórias de vida passada. A “lembrança” deve ocorrer,
num e noutro lugar, conforme as insinuações propositais ou não do leitor
desses fatos. O escritor de ficções age de modo semelhante. Ele, por conta
própria, cria imagens de um evento determinado pela sua imaginação. A
partir dessas imagens ele vai seguindo o que “lê” nas suas representações
à medida que elas vão sendo exibidas para ele próprio. Depois de escrevê-
las, faz a limpeza necessária.
Lembro ao leitor que não podemos generalizar essas afirmações; elas nem
sempre acontecem. Muitos são capazes de rever suas opiniões a favor ou
contra alguém, mas essa não é a tendência geral.
Pois bem. O fim vocês já imaginaram. Depois de uma grande procura ele
a encontrou: estava mais velha que ele. Os seios atuais e envelhecidos de
Duília ele não conseguiu ver; mal-escondidos debaixo de um vestido velho,
sujo e amarrotado, estavam dois ovos fritos achatados. O aposentado,
desiludido, retornou à pensão onde se hospedou na pequena cidade e lá
permaneceu à espera da próxima “jardineira” que o levaria de volta ao
Rio de Janeiro. Seu sonho terminou: os seios de Duília desapareceram no
tempo. Agora, enterravam as lembranças do aposentado. Era o fim de um
sonho, de um julgamento feito anos e anos atrás.
Lembro ao leitor que não podemos generalizar essas afirmações; elas nem
sempre acontecem. Muitos são capazes de rever suas opiniões a favor ou
contra alguém. Mas essa não é a tendência geral.
Pois bem. O fim vocês já imaginaram. Depois de uma grande procura ele
a encontrou: estava mais velha que ele. Os seios atuais e envelhecidos de
Duíla ele não conseguiu ver; mal-escondidos debaixo de um vestido velho,
O desenvolvimento das
intuições morais
Talvez, em virtude das normas morais variarem de cultura, classe e até
épocas históricas, os psicólogos têm afirmado frequentemente que a
moralidade é aprendida na infância. Eles têm tentado demonstrar como a
moralidade exterior atinge o interior da criança. Mas a resposta pode ser
dada de outra forma. Há suposições que a moralidade, como a linguagem,
é uma adaptação evolucionária principal para espécies intensamente
socializadas, construída em diversas regiões do cérebro e do corpo, sendo
descrita mais como emergente (desponta, começa a aparecer, brota), que
aprendida. A moralidade, para emergir (manifestar-se, expressar-se) com
naturalidade, na certa exigirá estímulos e modelos (formatos) adequados
fornecidos por uma cultura particular. Para essas idéias, as intuições
morais são, portanto, inatas e aculturadas.Alguns argumentos em defesa
dessa idéia.
Externando a intuição
Se muitas intuições morais (simpatia, reciprocidade e lealdade) foram
parcialmente construídas pela evolução, então a mais importante questão
acerca desse desenvolvimento não é “como elas entram na mente da
criança, mas sim como saem”. Para alguns autores, o desenvolvimento
social deve ser pensado como um processo de externação, onde os modelos
cognitivos inatos manifestam-se ou emergem por eles mesmos, como
parte de uma maturação normal. Na vida em comunidades, o modelo de
“Divisão Comunal” começa mais cedo; o de “Posição da Autoridade” aos
3 anos; a “Troca Igualitária” em torno dos 4 anos e o “Preço do Mercado”
mais tarde ainda. Esse desenvolvimento segue a mesma sequência
Uma primeira forma de ética diz respeito à “Autonomia”. Esta ética focaliza
as maneiras de viver que protegem a autonomia individual, tais como os
direitos, liberdade de escolha e o bem-estar pessoal.
Alguns desses conceitos podem ter uma base inata e nascem de metáforas
decorrentes de experiências físicas. As metáforas existentes em muitos
argumentos e persuasões morais, com suas vinculações a diversos
acontecimentos, envolvem tentativa de fazer o uso do implicado na
metáfora certa. Assim, se Saddam Housein é Hitler, segue-se que ele deve
ser combatido a todo custo. Entretanto, se o Iraque é o Vietnam, segue-se
que os USA não deviam se envolver, pois perderam a guerra contra eles.
Tais argumentos são utilizados aparentemente para induzir um raciocínio
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no ouvinte, mas são de fato designados para detonar intuições neste e,
assim, inculcar a opinião.
Janela sensitiva
Parece que há um período sensitivo, dos 9 aos 15 anos, para a aquisição dos
julgamentos intuitivos dos companheiros e ou da comunidade onde vive
a criança, bem como da acentuação da linguagem do lugar. Se a criança
viver num país estrangeiro nesse período, ela aprenderá e irá incorporar a
maneira de enxergar o mundo dos nativos do lugar; se for antes dos 9 anos,
o aprendizado será pequeno; se for anos depois, ela terá consciência do
choque cultural, mas não mais aprenderá como aprenderia se fosse mais
cedo e, nesse caso, as normas jamais serão automáticas e inconscientes
ou, de outro modo, incorporadas e auto-evidentes como ocorre com o
conhecimento intuitivo assimilado no período sensitivo.
As pessoas que vão para a comunidade mais tarde, acima dos 15 anos,
podem adquirir conhecimento proposicional explícito (conhecimento
memorizado ou cognitivo) acerca do certo e do errado, talvez
conscientemente, mas não espontâneo ou automático como ocorre com
o aprendizado da criança. Nesse caso, o adulto que aprendeu obteve um
conhecimento como adquire qualquer outro, como um fato científico
verbalizado. De modo semelhante, o mesmo fato ocorre com alguns
clientes. Estes aprendem a verbalizar a conduta mais sadia a ser adotada,
entretanto, continuam a agir da forma anterior, isto é, da maneira
disfuncional.
Se até 1930 era aceito não permitir às mulheres votar, era porque se
aceitava como normal, correto ou outra coisa qualquer que elas não
deviam ter os direitos dos homens, possivelmente, apoiados em alguma
regra implícita (modelo, princípio) de que os homens são superiores às
mulheres. E, como se sabe, os superiores têm direitos que os inferiores
não têm. Por isso escrevi a palavra “louca” entre aspas. De fato, era preciso
ser “louca” para pensar contra a correnteza, isto é, ter coragem e ousadia e
usar outras “lentes” para gritar contra o aceito, contra a correnteza. Assim,
aplausos para esses loucos, cada vez mais raros, os que enxergam diferente
O que leva a pessoa a entrar tão facilmente numa disputa? Por que
uns pensam tanto nas consequências futuras de uma conduta e outros
não? Andando pelas ruas, fui à procura de respostas para as minhas
próprias perguntas. Minha mente estava ligeiramente agitada devido à
briga; fui contaminado pela doença. Por que certas pessoas brigam tão
repentinamente e discutem raivosamente por qualquer coisa? Por que
essas exigem uma solução imediata para suas vontades ou desejos? Por
que alguns usam menos a razão diante de um problema? Que mecanismos
O livre-arbítrio tem sido definido por alguns como “a capacidade para inibir
uma resposta impulsiva que desfaz ou anula nosso comprometimento
com outras ações de maior valor para nós mesmos de longa duração”.
Vamos a um exemplo simples: passo (poderia ser você) por uma rua e um
rapaz forte esbarra em mim sem razão alguma, segundo meu raciocínio.
Eu poderia, mesmo achando ruim, continuar minha caminhada, mas,
sem pensar, impulsivamente, agrido-o com um murro na face. O rapaz,
mais forte que eu, me agride com violência. Resultado final: em troca do
meu pequeno murro, o grandalhão me devolveu vinte poderosos socos;
dei um e levei vinte. Evidentemente, não foi uma boa estratégia para me
proteger. Um outro exemplo é comer uma sobremesa exageradamente
e depois ficar empanzinado ou, também, fumar vinte cigarros por dia
apesar de tossir e escarrar constantemente.
Diante das incertezas, sem saber o que escolher ou decidir, muitas pessoas
tornam-se presas ao presente. Quanto mais desorientada e ou emocionada
estiver a pessoa, mais confusa ela ficará e, também, mais presa aos aspectos
imediatos da situação. Indeciso, sem rumo, o indivíduo se torna incapaz
de examinar ou de considerar as relações mais amplas e importantes entre
os fatos e os objetivos.
Desorientação e sugestão
O desorientado é um sugestionável pelos acontecimentos do momento,
isto é, aceita o símbolo – palavras, figuras ou algum outro elemento
semelhante – sem que se manifeste, ao mesmo tempo, uma evidência
ou um fundamento lógico desta aceitação. Uma pessoa concorda ou
discorda de uma afirmação ou um estímulo em função da ação conjunta
do estímulo e das condições internas dela mesma, ou seja, seu modo de
pensar ou modelo da realidade. Durante as incertezas, a análise lógica
possível de existir na mente do indivíduo é diminuída ou eliminada, pois
há inibição das possíveis restrições críticas.
Mas a situação, apesar do uso dessas falsas teorias, foi piorando; tudo
continuou na mesma. A epidemia foi se espalhando e matando: crianças,
mulheres, homens, ricos e pobres de todas as crenças e origens, pois o
princípio de que certas doenças podem ser causadas por microrganismos
(vírus, bactérias, fungos, etc.), que eram passados de pessoa para pessoa,
ainda não existia.
Até hoje, bem mais velho que o menino daquele tempo, tento entender
essa guerra. Por que os Estados Unidos, a Inglaterra e a França eram os
nossos “aliados” e a Itália e Alemanha nossos inimigos? Nunca tive acesso
aos pormenores, às filigranas dessa e de outras guerras.
A pessoa pode fazer planos para, num tempo distante, talvez daqui a três,
quatro ou cinco anos, se casar, ter filhos, netos, viajar feliz com a família,
etc. Tudo isso é muito fácil de ser imaginado conforme um plano muito
distante a ser realizado. Quando imaginamos um futuro muito distante,
como o relatado acima (fazer um vestibular e formar numa faculdade),
visualizamos o futuro de modo ultra-simplificado, e, portanto, deformado,
pois dispomos somente de idéias abstratas (cognições, pensamentos) e
muito gerais, com poucos, caso tenha, dados concretos e ou específicos.
Uma vez perdidos na teia de aranha da vida, percebendo que suas falsas
crenças estão ameaçadas, os adeptos das pseudociências tendem a buscar
outros e outros meios mágicos para dar uma solução aos seus problemas.
Ora é o pai-de-santo, o milagre, o sobrenatural, ora a terapia estranha e
não-científica, onde todos falam, enfaticamente, a mesma linguagem: a
da superstição.
Bem mais tarde surgiu a ciência. Alguns têm sugerido que a ciência
A ciência e a verdade
O cientista, para alguns, é um investidor de credibilidade, confiança,
influência, reputação na capacidade de responder no futuro às expectativas
e investimento do presente. O cientista avaliará a qualidade de suas
informações, os seus receptores, as profundidades de convencimento e sua
estratégia de carreira; ele buscará, permanentemente, a conversão de uma
forma de credibilidade em outra. Mas a cobiçada credibilidade poderá ser
convertida em dinheiro, equipamento laboratorial, informação, prestígio,
credencial, área de estudo, argumento, textos publicados, livros e prêmios.
A falta de credibilidade leva o cientista ao oposto do descrito acima; é o
desastre.
As publicações científicas
Tem ocorrido um exagero de publicações científicas. Alguns cunharam
o termo “cemitério de textos” para a imensa quantidade de artigos
publicados. Imagina-se que a maioria dos trabalhos científicos não é lida
por ninguém, a não ser por seu autor. Isto deu origem à ciência de refugo.
No mundo das publicações científicas proliferam campos imaturos ou
ineficazes de pesquisas, mostrando claramente que a quantidade de
publicações nada vale em termos de mensuração de progresso, pois têm
inúmeros dados incorretos e em muitas não há nada de substancial, assim
como interpretações incongruentes e conclusões vazias.
Tudo isso dito acima, e muito mais não descrito, vai contra a tese aceita
segundo a qual a “ciência” oferece à ação humana um modelo que se
diferencia fundamentalmente da “política” e apresenta um maior grau de
certeza. É difícil ou impossível separar a área da ciência para que essa se
mantenha “pura” como se fala, ou melhor, se aspira. O desenvolvimento
das ciências está intrinsecamente ligado e influenciado por considerações
políticas, sociais, mídia, industriais e militares. Ninguém desconhece a
existência de programas militares de defesa ou ataque, cuja influência
sobre a ciência e a alta tecnologia é geral e de proporção apreciável; elas
poderiam ser chamadas de “ciências sujas”, com o sentido que estão sendo
feitas no interesse de um determinado país ou grupo. Mas há outros
interesses que incentivam a ciência a “crescer”, segundo os eufemismos
usados, como o poder da religião e do laboratório A ou B, para se adaptar
à ideologia que vigora e, por fim, ao mercado comprador.
Além de tudo isso, o cientista, como você, a terra e as pedras, faz parte
também da natureza físico-química do Universo. O cientista foi fabricado
com um pouco de cálcio, carbono, hidrogênio, nitrogênio, cloro, oxigênio,
ferro e outros elementos químicos que compõem nosso Universo geral.
Naturalmente, o cientista, como qualquer homem, sofre os impactos das
reações químicas desses elementos e de seus compostos, como a proteína,
Pois bem. Essas características que os cientistas têm, como não podia
ser de outro modo, contaminarão as explicações que eles produzem e
produzirão ao longo de sua vida, pois todas as suas cognições são geradas
por suas frágeis e plásticas mentes.
Não há como fugir disso. Nem o Rei mais poderoso, nem o Papa e nem
mesmo o Lula, com todo seu poder e malabarismo, escapam dessas
nódoas. Todos esses personagens, semelhantes a qualquer cientista vivo,
bem como aos homens da rua (todos comem e defecam), jamais poderão
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raciocinar livres dessas mazelas, das manchas e feridas que impregnaram
no corpo desses ilustres representantes da raça “hominis”.
Se você, leitor, adquirir essa visão mais realista do homem, não mais
perderá tempo criticando os políticos e bandidos. Você se espanta por
usar uma idéia falsa (padrão, modelo) do homem real. Caso você construa
outro modelo do homem, sem dúvida, irá concordar com uma frase, que
suponho foi atribuída a Terêncio, não sei bem, peço-lhe desculpa por isso:
“Eu sou homem e nada do que é humano me é estranho”.