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SEGREDOS DA MENTE
GALENO PROCÓPIO M. ALVARENGA
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Esse livro faz parte do acervo de publicações do Psiquiatra e Psicólogo


Galeno Alvarenga. Disponibilizamos também a versão impressa, que
pode ser adquirida através do site do autor.

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Tags: Autoestima (auto-estima), Cérebro e Mente, Comportamento / Condutas,


Crenças antigas / Mitos / Superstições, Educação e Conhecimento, Emoções Sen-
timentos Controle, Informação Linguagem e comunicação, Livros Neurociência,
Livros Online Grátis, Livros Psicologia, Livros Psiquiatria, Memória e Indivíduo,
Percepção Estímulo, Razão vs Emoção

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Agradecimentos

Ao escrever este livro, emocionado, pouco a pouco, fui me lembrando de algu-


mas pessoas que propiciaram a limpeza dos meus olhos de vidros e de sonhos.
Entre esses abençoados estão, além dos diversos familiares, pessoas que, por
acaso, encontrei durante minha jornada na Terra. Minha gratidão a todos esses
indivíduos de olhos claros e bem abertos.

D. Edina Alves Dolabela, do Grupo Escolar Barão de Macaúbas, minha primeira


professora; Prof. Silva, do Colégio Batista e o Prof. Levindo Lambert, do Colégio
Marconi,

Profs.: Amílcar Viana Martins, J.Baeta Vianna; Geraldo Guimarães Gama, Joa-
quim Romeu Cançado; Moisés Schuster; Oscar Versiani Caldeira, Wilson Tei-
xeira Beraldo; todos da Faculdade de Medicina.da UFMG,

Profs.: Amaro Xisto de Queiroz, Arthur Versiani Velloso, Edgard Godoy da


Mata Machado, Moacyr Laterza, Morse Belém Teixeira, todos da Faculdade de
Filosofia da UFMG,

Prof. Silvio Cunha, Prof. Austregésilo de Mendonça e Dr. Fernando Veloso, da


área psiquiátrica,

Prof. Moacyr de Freitas da Escola de Veterinária e do Vestibular Único da


UFMG,

Prof. Eduardo Cisalpino, Ex.diretor do ICB e Reitor da UFMG.


Alberico Souza Cruz, Lauro Diniz e Luciana Guerra da Rede Super, Canal 23,

Fernando Telles da TV Bandeirante,

Dídimo de Paiva, Edson Zenóbio, Geraldo Magalhães e Roberto Drumonnd do


Jornal “O Estado de Minas”,
José Lino de Souza Bastos e Selma Souza e Silva da Rádio Itatiaia.

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Índice
9 Introdução

14 Pressão cultural: prescrições para um modo de


pensar e agir padronizado

15 O poder modelador da cultura


16 Lumeeira e o megacomputor: Normalizador Cultural
19 Organizando conforme a cultura as partes das informações expe-
rimentadas (Interpretação e compreensão dos fatos
24 Comandos conflitantes: Biológico e Cultural
29 Cultura: Princípios, programas e condutas
36 Dificuldade para atingir o objetivo desejado

42 Crenças (princípios) e modos diferentes de assimilar a realidade


43 A Cultura destaca dois modos para observar e representar o Mun-
do: Percebido (mais realista), e Imaginado (mais livre e criativo)
49 As percepções e os Princípios
55 Uma Diarréia e Sete explicações (princípios e verdades)
60 As várias maneiras de interpretar: Esforço para impedir divergên-
cias
64 A verdade e os diferentes modos de explicar

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68 Sistema de pensamento: Holístico versus Analítico
69 Modelo holístico (oriental) x analítico (ocidental)
83 A auto-estima e as diferentes culturas

89 Tipos de conhecimentos aprendidos: Factual (sensorial), deduti-


vo (racional), filosófico (metafísico) e mágico (sobrenatural)
90 O conhecimento: Factual e Dedutivo
94 Procurando transformar o filosófico em ciência

102 Procedimentos usados para captar (aprender) as informações:


Teorias subjacentes (implícitas) e automatismo
103 Aquisição de instrumentos (recursos) e estratégias (modos de
coordenar) para se informar
106 Selecionando, processando, organizando e explicando a informa-
ção captada

114 FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE MAPA INADEQUA-


DO À REALIDADE (TERRITÓRIO)

115 Introdução à assimilação de mapas disfuncionais


116 O aprendido não se ajusta à realidade vivida

124 Intuições: Nascimento e desenvolvimento de mapas mentais


defeituosos
125 Introdução ao estudo das intuições: O que é intuição?
130 Intuição e Irracionalidade: Princípios organizadores dos julga-
mentos tendenciosos

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137 A Intuição como Pré-conhecimento
141 Escondendo a crença básica: Estratégias e suas derivações
148 Atitude: Preconceitos (atitudes duais)

158 O fracasso da razão para alcançar a verdade


159 Estímulos, Regras, Axiomas e Princípios
164 Dois instrumentos diferentes: Observações e esquemas teóricos
169 Observações e preposições de observações: O sensorial e o pensa-
mento
174 A dificuldade de (assimilar) decifrar um vento
178 Assimliação simbólica das informações

185 Aquisição de princípios (crenças imaginadas como verdades) no


ambiente familiar (parentes e vizinhanças)
186 Absorvendo o “ERRADO” e o “CERTO” na família
191 Histórias Infantis contaminadas com princípios discutíveis
197 Imprimindo Intuições preconceituosas (atitudes falsas) sobre a
masculinidade e feminilidade
210 Produção de intuições enganosas durante estresse familiar
213 Infundindo intuições de causalidade em uma só via
217 Incutindo intuição de causalidade sobrenatural

221 Aprendendo princípios (verdades, pré-saberes) fora do ambiente


familiar
222 Intuições populares adquiridas: cultura de massa e domínio da
mídia
226 Assimilando pré-saberes (informações intuitivas) na escola
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229 Assimilando idéias (pré-saberes intuitivos) religiosas distorcidas
239 A aquisição do pré-saber religioso (informação intuitiva)
242 Outras intuições populares aprendidas cedo: Pré-conhecimentos
de biologia (seres vivos) e psicologia (comportamentos)

251 Assimilação (compreensão) do evento através do mito


252 A busca por explicações: Aquisição de modos de explicar os fatos
261 A Função mágica, fácil e calmante do mito
268 Nascimentos dos mitos e da figura mítica: Modelando heróis e
deuses domésticos
279 Um ninho para o mito: Nossa predisposição a ser enganado

287 Investigando princípios (intuições) históricos e fantásticos


288 O Intuicionismo bizarro dos sábios
295 O trágico e cômico pré-saber médico da antiguidade (O longo
reinado de Galeno na Medicina)
300 A queda das intuições de Galeno: Nascem novos pré-conheci-
mentos
309 Um elogio final para as idéias passadas

313 Julgamento moral e valores; papel da intuição


e razão

314 Desejos, dúvidas e valores do homem


315 Desejos, dúvidas e valores do homem
317 Dúvida do lumeeirense: Conflitos de valores
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320 Solucionando o emaranhado de valores: Dogmatismo
323 Qual objetivo deve ser alcançado?
327 Haveria uma escolha livre?
330 A responsabilidade humana é uma ficção?

335 Intuição, razão e julgamento moral


336 Intuição, razão e julgamento moral
340 A teoria moral e a intuição
344 Julgamento moral e motivos defensivos
356 O desenvolvimento das intuições morais
366 Julgamento moral: socialização e janela sensitiva
370 Como compreender e julgar a ação de uma pessoa

373 Fatores que alteram o julgamento


374 Julgamento: Sistemas “frio” e “quente”
384 Julgamento estressante: Incerteza e imediatismo
390 Julgamento e distância psicológica: Tempo, lugar e proximidade
396 Outros fatores que alteram os julgamentos

400 Palavras Finais


401 As várias Faces da Verdade

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Introdução
“Na aurora de sua longa viagem, a Ciência aparece sob a forma de Janus,
o deus de dupla face, guardião das portas: uma das faces abre para o hori-
zonte seus olhos claros, a outra deixa vagar, na direção oposta, um olhar de
vidro, um olhar de sonho”.

A. Köestle

Podemos comparar a vida de uma pessoa, do nascimento à morte – no


que diz respeito ao conhecimento – com a jornada do saber ocorrido a
partir do aparecimento do homem até a atualidade. No início, histórias
e mais histórias, até que bem mais tarde começa a aparecer a ciência vol-
tada mais para as observações e questionamentos das antigas verdades
aprendidas sem críticas.

No nosso desenvolvimento, do nascer ao morrer, percorremos caminho


semelhante. No início de nossa vida escutamos as mais diversas histórias,
as que têm pouco ou nada a ver com a realidade. Devagar, trombando a
todo instante com a realidade frustrante, somos forçados a encará-la de
frente e, consequentemente, obrigados a modificar muitas de nossas su-
posições acerca da família, religião, justiça, amizades e tudo o mais.

Previamente a todo saber sempre há uma primeira aquisição de infor-


mações adquiridas de modo natural ou espontâneo: é o pré-saber. Este
conhecimento inicial, apesar de conter inúmeros erros quanto à realidade
que iremos enfrentar, servirá, mais tarde, de base para as construções das
outras informações que serão adquiridas. Na maioria das vezes, nós car-
regamos esse pré-saber para sempre e, lamentavelmente, raciocinamos a
partir desse fundamento equivocado a respeito de quase tudo no que diz
respeito às normas, lógica, composição e causas dos acontecimentos.

Aristóteles afirmou: “Toda disciplina susceptível de ser aprendida e todo

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estudo comportando progresso intelectual constitui-se a partir de um co-
nhecimento já existente”. O teorema de Gödel (1931), que provocou uma
revolução quanto à validade ou não de um argumento, demonstrou que
a aritmética (como qualquer outra área do conhecimento) contém enun-
ciados que não podem ser demonstrados a partir dos axiomas da aritmé-
tica. A demonstração da aritmética exige uma teoria que transcenda a
aritmética (uma meta-aritmética). De outro modo: nenhum sistema ló-
gico é completo por si mesmo (auto-suficiente), pois só pode ser descrito
e compreendido através de um outro sistema, ou seja, do metassistema.

Esta idéia tem sido aceita e seguida pelos que buscam, de modo sério e
honesto, defender seu raciocínio. Portanto, todo sistema possui limites.
Esta limitação constitui um antídoto lógico contra os delírios retóricos
dos discursos totalizantes das pseudociências, de pregadores e políticos.
Tentando clarear o descrito acima: não devo – não tem valor – explicar
um acidente de carro afirmando que os acidentes ocorrem, pois sempre
aconteceram. Entretanto, poderá ter alguma validade explicá-lo através
de outros sistemas já conhecidos e aceitos, por exemplo: que havia ex-
cesso de velocidade, que a neblina dificultou a visão do motorista e do
pedestre, que o motorista dormiu ao volante, que ele estava bêbado, que o
carro foi fechado por outro, etc.

Voltando ao nosso desenvolvimento. Pouco a pouco, caso tivermos sorte,


durante e após nossa juventude, passamos a ouvir ou a ler outros relatos,
outras histórias mais plausíveis e relacionadas ao mundo percebido, isto
é, uma realidade mais relacionada ao observável que aos mitos (fanta-
sias). Sei que os leitores, como eu, foram, desde cedo, se acostumando e,
inclusive, apreciando mais as falsas histórias acerca da realidade que as
mais verossímeis.

Eu, entretanto, por ser um pouco ou muito teimoso, resolvi escrever esse
livro criticando uma das faces de Janus: a do olhar de vidro, o olhar de
sonho. Por que faço isso?

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Parece-me que todos nós, em qualquer profissão, procuramos saber mais
acerca do que fazemos, isto é, ter maior conhecimento da realidade com
a qual relacionamos. Lidando com objetos ou pessoas, fatos ou aconte-
cimentos, temos que, frequentemente, deduzir qual a conduta será mais
adequada para solucionar esse ou aquele problema. Ninguém se sairá
bem, será eficiente e produtivo ao trabalhar como motorista, vereador,
engenheiro, pedreiro, cozinheiro, varredor, lavrador, fazendeiro, etc., ao
usar conhecimentos produzidos por suas ilusões ou sonhos, ou seja, pelo
seu pré-conhecimento. Infelizmente, frequentemente, isso ocorre.

Deduzi – posso estar errado – que seria interessante conhecer com os


olhos claros do Deus Janus a conduta humana, pois o comportamento
do homem tem sido descrito, quase sempre, através do olhar dos sonhos
(mitos, fantasias). Eu sei que ele é mais agradável, pois descreve um mun-
do e pessoas otimistas e boas, onde há, quase sempre, um final feliz. Mas
esse relato não descreve a verdade; ela tem nos enganado.

Quase toda a literatura que li sobre o comportamento durante minha ju-


ventude e no início de minha carreira de médico, psicólogo e professor,
descreveu a cognição humana, emoção e a conduta com os olhos de vi-
dro embaçado. O resultado todo leitor deduzirá. Se você não aprendeu
cientificamente, aprendeu com o pré-saber – apenas com olhos de ilusão
– você irá dirigir seu carro em alta velocidade, não calculará o peso do
carro numa batida, a incapacidade do freio diante da velocidade, que sua
visão piora à noite, que o álcool faz você se sentir mais capaz quando está
incapaz, etc. Todas essas suposições do pré-saber levarão você a ter mais
propensão a bater, se ferir ou morrer enquanto dirigir seu carro com essa
mente infantil e tola.

Do mesmo modo, se você tem apenas um pré-conhecimento de eletrici-


dade e vai arrumar a fiação de sua casa, está sujeito a tomar um choque
ou incendiar sua casa, talvez a família. Do mesmo modo, se você atua
com o pré-conhecimento com seus filhos, com o namorado, vizinho, co-
lega, pais, etc., isto é, com o saber dos sonhos ou ilusões, você está sujeito

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a “queimar a cara” diante do que acontecerá no futuro. Provavelmente
estará frequentemente frustrado diante das decepções e dos sofrimentos.
Talvez se torne um queixador crônico e passe a usar álcool, calmantes, co-
caína, ecstasy, crack ou outras drogas para suportar as desgraças da vida.

Aprendemos a nossa profissão fazendo cursos complexos para isso; en-


tretanto, aprendemos na família, na rua, nos cursos idiotas e superficiais,
carregados de asneiras como conviver com as pessoas, como arrumar um
namorado, cuidar dos filhos, tratar os subordinados ou patrões e, princi-
palmente, como administrar de modo eficiente sua própria vida, geral-
mente com os olhos de vidro. Nesse caso, você está frito! Sua vida vai ser
um inferno de fracassos.

Na minha observação de psiquiatra e psicólogo, fundamentado na filoso-


fia, – tendo muita sorte e algum jogo de cintura, felizmente escapei de ser
intelectual -, imagino que a maioria das pessoas, devido ao precariíssimo
conhecimento que tem de si mesma e, portanto, dos outros, executam
uma péssima administração da própria vida. De outro modo, o indivíduo
se acha abandonado por ele mesmo, poucos se salvam tentando conhecer
mais o ser humano, isto é, o “objeto” que ele relaciona vinte e quatro horas
por dia.

A maioria das pessoas cuida melhor, de modo mais eficiente e profundo


das rosas do seu jardim, das abelhas, panelas, cortinas e do seu cãozinho
que de si mesma.

Por isso escrevi esse livro. Ele é nada mais nada menos que meu esforço
para entender um Galeninho tolo e infantil que habitou e dominou mui-
tas e muitas vezes minha mente. Mesmo atualmente, bem mais maduro, o
Galeninho, sorrateiramente, algumas vezes, retorna ao meu corpo cansa-
do do real e usa os olhos embaçados e de vidro.

Aos poucos, lendo e escrevendo, fui sendo capaz, estudando muito para
isso, de me compreender um pouco menos mal que antes. Consegui ser

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menos burro que era. Como sou igual, na maioria dos pontos, a você,
penso que esse livro, lido e relido, poderá motivá-lo a lutar para se co-
nhecer melhor e, também, conhecer com maior profundidade as outras
pessoas. Isso, sem dúvida, tornará sua vida mais fácil e produtiva.

Os livros de ficção são bem mais fáceis e agradáveis de serem lidos; eu sei
disso: gosto muito deles. Aqui usei os conhecimentos que adquiri através
de minha vida. Aos trancos e barrancos, me apoiei na minha teimosia e
curiosidade de ler e ler. Calculo que nos últimos três anos li aproximada-
mente 400 artigos sobre o ser humano, a maioria escrito a partir do ano
2.000 e, além disso, li e reli dezenas de livros sobre neurociência, todos
atuais. Reli ainda outras dezenas ou centenas de textos filosóficos, princi-
palmente sobre valores. Se isso ainda é pouco para você, largue meu livro
rápido e escreva o seu.

Boa sorte!

O autor

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Pressão Cultural:
Prescrições para um Modo de
Pensar e Agir Padronizado

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O Poder Modulador da
Cultura

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Lumeeira e o Megacomputor:
Normalizador Cultural

Ao nascer, cada indivíduo morador em Lumeeira (cidade luz), como


todos nós, acha-se inserido ou aprisionado numa organização já
estabelecida (ocidental ou oriental), numa teia ou certa ordem invisível
(mais perceptual ou mais conceitual), mas bem definida e conhecida, que
nos engloba e nos obriga a viver conforme essa estrutura. As pessoas que
ali nasceram e foram criadas passaram a ser controladas e domesticadas
por um potente e complexo megacomputador. É este mecanismo que
organiza e ordena, de forma metódica, os moradores da sociedade local a
pensarem e a se comportarem conforme o modo estabelecido.

A cultura de Lumeeira, bem como a de Itabira, Tóquio, Washington


ou Paris, nada mais é do que uma espécie de um possante e complexo
megacomputador capaz de armazenar toda a produção cognitiva
existente no lugar. É deste megacomputador que partem as informações
acerca do mundo vivido, das prescrições do que pode e não pode ser feito
(do certo e do errado), bem com dos modos de perceber ou de obter os
conhecimentos permitidos.

Microprogramas individuais existentes na mente de cada indivíduo


particular de Lumeeira recebem e enviam informações para o
megacomputador da comunidade (estoque geral de informações).
Portanto, do megacomputador invisível, mas poderoso, nascem milhares
de informações que são enviadas para diferentes direções; mensagens que
retornam e alimentam o próprio megacomputador.

Assim, inseridos em cada microcomputador, às vezes implicitamente


(às escondidas), encontram-se princípios impostos quanto à maneira

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de assimilar o conhecimento (sensorial, intuitivo, teórico, produtor
de prazer ou de sofrimento). O conhecimento final, obtido através do
sensorial ou intuitivo, irá propiciar ao microcomputador individual
processar os “fatos do mundo” e, consequentemente, entender, explicar
e responder à realidade física, química, biológica, psicológica, religiosa,
moral, econômica e outras.

Cada indivíduo (microcomputador), para viver adequadamente naquela


cidade e ser aceito como fazendo parte daquela comunidade, deve
assimilar o que é bom e mau, verdade e mentira, pontualidade e religião
certa. Tudo de acordo com os mapas (princípios) adotados abstratamente
pela população de Lumeeira. Cada cidadão, ainda, para ser aceito como
“igual” e “compreendido”, deve aprender como tratar seus conterrâneos
e, também, os estranhos ao lugar; como conviver, conforme as normas,
com os familiares e vizinhos do mesmo nível sociocultural; como tratar
os “superiores” e os “inferiores” a ele. Em resumo: o megacomputador
prescreve para cada indivíduo, de modo sutil, como ele deve viver e
conviver adequadamente com outros conforme os padrões do lugar. Nesse
caso o indivíduo será melhor aceito pelos conterrâneos e sua vida será
facilitada. Os microcomputadores, por sua vez, retornam informações ao
megacomputador para possíveis reformulações das regras ou exigindo
punições dos infratores das normas estabelecidas.

A coação cultural existente, ou seja, a força exercida pelo megacomputador,


é grande. Ela exige que cada habitante da cidade, sempre atento, combata
os em desacordo às normas ali em vigor; princípios estranhos devem
ser desconsiderados ou descartados. Desse modo, noções teóricas
orientadoras de conduta que não fazem parte da cultura do lugar, isto é,
do programa do megacomputador, não deverão ser aceitas, talvez, nem
imaginadas como possíveis de existirem naquela cidade mais pura de
contaminação. A sociedade de Lumeeira, como a de Londres ou Berlim,
com raríssimas exceções, é conservadora por excelência e, portanto,
procura a mesmice, pois através da repetição de normas conhecidas
haverá mais harmonia e paz para todos.

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Através das informações em voga, fazendo parte de um grupo cultural
semelhante, a pessoa se torna em Lumeeira, sem querer e sem raciocinar,
escrava das instruções e prescrições que devem ser seguidas para o bem
da ordem da comunidade onde reside. De outro modo, cada mente
individual é um terminal isolado; a soma de todas as interações possíveis,
dentro do permitido.

Por viverem numa cidade de certo modo fechada, os moradores de


Lumeeira possuem apenas assimiladores mentais capazes de processar
os fatos e eventos experimentados na sua comunidade. Treinados pelo
megacomputador do local, cada morador, automaticamente, tende a usar
determinadas estratégias para obter o conhecimento; busca, além disso,
uma vez alcançado o conhecimento desejado através de certa técnica,
compreendê-lo e explicá-lo de certa maneira conforme os ensinamentos
provincianos, isto é, os modelos do lugar.

Por tudo isso, os moradores daquela cidade pacata recusam, para manter
seu equilíbrio interno e externo, as informações que se mostram em
desarmonia (não-adequadas) às suas convicções. Todos ali criticam,
como errados, os métodos diferentes dos ali usados para obter uma
compreensão dos eventos.

O mundo real percebido e manipulado pelos habitantes de Lumeeira


foi automática e inconscientemente construído, em grande parte, pelos
padrões linguísticos do grupo, portanto, não só limitando a percepção
como, também, ditando o pensamento, a maneira de perceber a realidade,
de explicar os fatos e, também, de comunicar consigo mesmo ou aos
outros as noções sobre as coisas e as pessoas. O resultado final de tudo
isso é que os habitantes de Lumeeira se comportam de forma uniforme,
têm crenças semelhantes e descrevem ou explicam a realidade de forma
parecida.

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Organizando Conforme
a Cultura as Partes das
Informações Experimentadas
(Interpretação e Compreensão
dos Fatos

Em Lumeeira, cada cidadão está sempre, após focalizar, captar e organizar


o observado, buscando uma explicação para o evento conforme seu
“assimilador mental” particular. Os seres humanos parecem ser motivados
para tornar claro ou compreensível (inteligível) os acontecimentos
observados no meio ambiente ou internamente em seu próprio organismo.
Numa esquina de Lumeeira, José encontra Haroldo. Este está com a “cara
fechada”.
— Como vai Haroldo? Você sumiu.

— Mais ou menos. E você?

— Vou bem. Vejo que está com a cara ruim. Aconteceu alguma coisa?

— Nada. Ou melhor, minha mulher me largou.

— O quê? Marta te largou! Por quê?

— Ela descobriu que eu tinha outra.

— Mas também você! Foi pouco cuidadoso. Para que arrumar outra se você
já tinha uma?

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A conversa poderia continuar com José fazendo perguntas e mais
perguntas a Haroldo. julgamentos seriam feitos e, também, uma busca
para explicar o observado, a “cara fechada”, e o verbalizado, a procura de
outra mulher, etc. Em resumo: constantemente estamos informando ou
procurando informações para entender e explicar, conforme as normas
(padrões) implícitas (inconscientes) e explícitas (conscientes) do lugar,
isto é, porque tal fato aconteceu de um ou outro modo.

As religiões, ideologias e teorias científicas, todas elas, fazem o mesmo


que ocorreu entre Haroldo e José. Os dois procuraram, bem ou mal,
certo ou errado, de modo mais superficial ou profundo, mais concreto
ou abstrato, conhecer e explicar os acontecimentos e as relações entre
eventos diversos.

Uma das principais funções, as razões de ser ou o apelo da maioria ou


todas as religiões tem sido proporcionar explicações e significados para as
diversas ocorrências do drama do ser humano: as razões de seu nascimento,
da vida e da morte, dos sofrimentos e prazeres, etc. Do mesmo modo, as
ideologias procuram explicar condutas adequadas do homem na sua vida
social conforme conjuntos de convicções filosóficas, sociais, políticas, etc.
A ciência, por outro, busca explicar a natureza (biologia, física, química
etc.) através de um corpo de conhecimentos sistematizados adquiridos
via observação, identificação, pesquisa e interpretação de determinadas
categorias de fenômenos e fatos; posteriormente os conhecimentos são
formulados metódica e racionalmente.

Estudos mostraram enormes e significativas diferenças entre as diversas


explicações ou interpretações dos fatos conforme as diversas informações
religiosas, científicas, ideológicas e, também, míticas. O povo de
Lumeeira, bem como o de Porto Alegre, através de seu microcomputador,
recebe informações de todos esses aglomerados de conhecimento. Cada
conjunto de informações utiliza diferentes maneiras para captar, observar,
intuir, descrever, organizar e compor as mensagens selecionadas do lugar,
isto é, dos corpos físico-químicos, da conduta biológica, psicológica e
social do homem, do mundo espiritual e artístico, ou seja, dos diversos

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conhecimentos existentes no megacomputador do lugar.

Conforme focalizamos nossa atenção num ou noutro aspecto, numa


ou noutra área, observamos, conceituamos e selecionamos fenômenos
diversos e, também, usamos termos de forma diferente para representar
os aspectos (fatos) e as relações entre eles.

Muitas vezes nossa descrição verbal dos acontecimentos é contraditória,


ambígua e obscura. Vocábulos diferentes, usados para uma e outra área
do conhecimento, frequentemente, são usados para descrever o mesmo
comportamento e mesmas palavras são usadas para representar diferentes
comportamentos. Alguns termos são estreitos em seu foco, outros são
amplos e difíceis de se definir, principalmente quando a fala parte dos
“intelectuais”. Esses senhores, que se dizem sábios, fazem tantas e tantas
abstrações que perdem totalmente as ligações de seu discurso com a
realidade que parecia estar sendo explicada.

Experiências humanas e composição das


explicações
Quando os primeiros grupos humanos foram formados, em Lumeeira,
Atenas e Roma, bem com em outros locais, as experiêcias de uma
comunidade eram observadas, enfatizadas e organizadas através de
explicações, geralmente conforme os problemas particulares enfrentados
pelos habitantes: comida, segurança, criação de filhos, etc.

Sempre o homem procurou interpretar os fatos que ocorriam em um


mundo aparentemente anárquico através de um modelo coerente e
simples de narrativa. Parece que a base de sustentação desse modelo
inicial, muitas vezes, estava contaminada pelo sobrenatural (fantástico,
milagroso, mágico), por falta de outro grupo de conhecimento. Durante
séculos, as interpretações mágico/religiosas dominaram todas as outras
explanações. Muito mais tarde apareceram religiões mais livres do
sobrenatural (do fantástico). Mais tarde ainda, nasceram as ideologias
(democrática, socialista, marxista, totalitária e outras), essas, em parte
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e não totalmente, dividiram as explicações com as religiões. Ao mesmo
tempo, um novo modelo explicativo surgiu, o científico.

Portanto, o roteiro (enredo) sagrado e não-sagrado tem servido de pilar


(sustentação) para captar, selecionar, organizar e explicar as informações
caóticas do mundo onde vivemos. O senso comum (povão), ao assimilar,
mal ou bem, esses ingredientes diversos, usa, enfatizando, ora um ora
outro modelo (padrão) para explicar os fatos e eventos que ocorrem ao
seu redor.

Na realidade, a experiência que temos do mundo é um caos dentro do


qual nós nos vemos perdidos. O indivíduo suspeita disso, mas tem medo
de encarar essa verdade assustadora de frente. Diante desse quadro de
incerteza, o senso comum tende a ocultar, com cortina de fantasias, de
mitos e crenças variadas, a complexidade existente e ainda pouco revelada,
principalmente a respeito de nós mesmos, isto é, do homem.

O ser humano, através do tempo, explicou razoavelmente bem a


astronomia, física, biologia, química e outras áreas do conhecimento.
Entretanto, talvez amedrontado consigo mesmo, evitou explicar a si
próprio. Quando tentou tal proeza usou fantasias míticas (o modelo
religioso e mágico) e não observações, como as usadas para explicar as
outras áreas do conhecimento científico ou prático e técnico.

A explicação fantasiosa é mais excitante e mais fácil de aprender e de usar.


Escondido nessa teia de explicações, o indivíduo supõe ou finge que tudo
está claro. Afirma, para ele mesmo, que o mundo é compreensível e que
ele possui explicações convincentes e eficientes para lidar com a realidade,
por exemplo: “Graças a Deus, escapei do acidente; todos morreram, menos
eu. Foi um milagre”. Esse tipo de explicação é por nós ouvida sem parar.
A explicação mais científica (analista e observador) incluiria uma série
de “acasos” e de sorte, que, por sua vez, poderiam também ser explicados
de forma extremamente complexa. Esta última explicação não só daria
muito trabalho, como, também, seria enfadonha.

As explicações do senso comum (pré-conhecimento, pré-saber, intuitivo)


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geralmente são equivocadas e extremamente simples. Frequentemente,
um mito, uma metáfora ou comparação serve de base para o entendimento
(“Pedro é um cavalo. Só fala abobrinhas.”). O resultado disso é um
constante fracasso de lidar ou de prever os acontecimentos, pois o valor de
uma eficiente explicação é a sua capacidade de previsão mais aproximada
do desejado.

O uso dos modelos religiosos ou ideológicos não alcança o desejado


quanto ao campo físico, químico, biológico, etc. Enquanto a religião e a
ideologia prevaleceram não houve grande necessidade de outros enredos
para os papéis serem distribuídos e representados. Mas como tanto a
religião quanto o dogma ideológico perderam suas forças em razão do
fracasso em prever acontecimentos, houve o aparecimento das primeiras
idéias científicas (Descartes, Newton, Galileu, Copérnico). A partir das
explicações científicas, a pseudo-harmonia, antes existente, desabou a
construção e a explicação da vida e do Universo. O poeta John Donne, de
forma resumida, expressou seu sentimento diante desse “desastre”: “Foi-
se toda a coerência”.

As explicações simples e fáceis haviam se despedaçado e a antiga


coerência (explicações e descrições do vivenciado) não mais servia.
Ainda não foi construída uma outra teoria firme e capaz de resistir às
críticas bem assentadas, por isso ainda prevalecem as explicações míticas;
essas nos aliviam, e, por isso, talvez, sejam ainda mais utilizadas que as
mais assentadas na realidade.

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Comandos Conflitantes:
Biológico e Cultural

Todo organismo vivo (vegetais e animais) busca, antes de tudo, manter


sua vida e a da espécie. Nascemos para cumprir essa determinação. O
resto é um sonho, preocupações secundárias e derivadas do princípio
fundamental e único: não morrer e nem deixar a espécie desaparecer.

Nós, da espécie “Homo sapiens” (colocaram mais um “sapiens” e ele


virou “Homo sapiens sapiens”; um só era pouco), fazemos parte de um
grupo de seres semelhantes aos obedientes cupins, às ordeiras formigas,
às belas e simpáticas abelhas e aos teimosos salmões. Esses animais, bem
como todos os outros não citados, formam um batalhão de seres vivos
disciplinados, em marcha continuada, do nascimento à morte, na sua
busca frenética e incansável por metas imaginadas, somente imaginadas,
como sendo estabelecidas ou assentadas por eles próprios.

Somos assim também. A diferença está nos poderes que dominam uma
espécie e outra. Os outros animais estão aprisionados pelos seus instintos
e reflexos. Os homens, por outro lado, estão aprisionados, da mesma
forma, pelos instintos e reflexos e, também, talvez mais ainda, pelas regras,
deveres e princípios aprendidos pela cultura. Estamos encarcerados pelas
leis biológicas e pelas normas impostas pela nossa cultura: valores, modo
de perceber, fundamentos para raciocinar, etc.

Somos, de fato, dominados por inúmeras condutas irracionais (comandadas


por parte do cérebro subcortical que nascemos com ele) num momento.
Em outros instantes somos comandados pela “razão”, a parte do cérebro
ligada aos córtices cerebrais, ao aprendido no meio ambiente muito cedo,
isto é, quando éramos incapazes de julgar o aprendido. Conforme nossa

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estrutura biológica e as regras ou normas aprendidas na comunidade
onde vivemos, percebemos, prestamos atenção e explicamos as condutas
dos objetos e das pessoas.

Experiência sensorial e avaliações de


comportamento
Para nomear os objetos humanos e não-humanos (mulher, homem,
pedra, chuva, couve, pardal, Lua, temperatura, televisor, etc.) a tarefa é
relativamente fácil e semelhante para todos os homens, independente
da cultura onde nasceram e viveram. Entretanto, quando observamos e
explicamos o comportamento humano, este não é examinado e julgado
conforme nomeamos os objetos do meio ambiente. A conduta humana é
julgada e explicada, na maioria das vezes, intuitivamente, isto é, conforme
o desencadeamento de tipos diferentes de emoções em nosso organismo
produzidos pelas lentes (padrões, princípios) usadas para captar, observar
e valorizar o comportamento focalizado.

As regras morais aprendidas como certas numa determinada cultura não


fazem parte das ciências, isto é, não podem ser comprovadas, refutadas e
generalizadas. A maneira correta ou errada de se comportar varia de lugar
para lugar, de grupo para grupo. A maioria dos julgamentos é construída
conforme o momento, a cultura e nosso organismo particular (homem,
mulher, jovem, idoso, criança, sadio, louco, alegre, deprimido, doente,
etc.)

As pessoas em Lumeeira, estando sempre atentas às condutas alheias,


desperdiçam uma boa parte de suas vidas avaliando, geralmente
negativamente, a conduta do outro. Uma outra parte do tempo é gasta na
defesa das críticas recebidas dos vizinhos, companheiros e inimigos. Por
outro lado, quando lhes sobram alguns momentos de liberdade e de folga
para pensar, cada habitante da Cidade Luz, trancado em seu cantinho,
deitado no amigo travesseiro, através de sua maldita e severa consciência
inundada por exigências fora do possível para o homem, mergulha em

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meditações impiedosas. Eles questionam, sem clemência, se agiram ou
não conforme as regras impressas muito cedo em suas cabeças moldáveis.

As regras acerca de valores de conduta, uma vez tendo invadido nossa


mente altamente plástica – ela aceita quase tudo – nos força a acreditar
que nossas avaliações são mais lógicas e corretas que as elaboradas por
nossos vizinhos. Frases, como as que serão descritas abaixo, todos nós
já ouvimos: “Meu filho, eu sei o que é o melhor pra você. Vai tomar
seu banho e escove os dentes”, “Não coma tanto”, “Está frio. Ponha esse
agasalho”, “Você precisa levantar cedo”, etc. Tentamos, presos a esses
julgamentos tendenciosos e preconceituosos, impor às pessoas com as
quais convivemos, e também conosco, o que achamos justo, adequado,
viável ou certo. Será?

O biológico, o “eu ideal” e o “eu obrigação”


A intenção ou propósito (plano) não existe na natureza não-viva, mas
ela é universal nos organismos vivos. Para alguns teóricos, a intenção
ou propósito da pessoa inicia um comportamento para “ser” o que ela
imagina que quer ser (eu ideal) ou age para ser o que acha que deve ser
(eu obrigação). Em Lumeeira, cada indivíduo deseja ser alguma coisa
ou atingir alguma meta própria e, também, se comportar conforme as
prescrições da cidade: esses são os dois objetivos gerais. De outro modo,
agimos conforme nosso “eu idealizado” ou conforme nosso “eu dever”
(“eu obrigação”). Para isso o indivíduo assimila e adota alguns princípios
orientadores implícitos (velados) no que diz respeito aos dois “eus”: o que
ele aspira ou deseja ser, e outro conforme as pressões socioculturais que
o estimulam ou o obrigam a agir conforme o modo aceito pelos valores
culturais da comunidade da qual ele é parte.

Mas isso não é tudo: o comportamento dos habitantes de Lumeeira é


controlado, também, pelos atributos biológicos de cada organismo. As
características biológicas de cada um se entrelaçam aos princípios que
derivam dos aspectos mais abstratos do pensamento. O resultado final
visível ou observável dessa reunião de fatores é o que chamamos de
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comportamento.

Os diferentes eus: a memória e o controle


durante a ação
Sempre estamos oscilando conforme nossas emoções: ora explodindo
para o elogio e busca de aproximação, ora para a crítica azeda e para
o afastamento ou agressão. Partindo do princípio de que nós todos
somos comandados ou condicionados devido às nossas peculiaridades
biológicas e socioculturais, talvez fosse mais viável evitar toda atribuição
de responsabilidade ou todo julgamento moral, pois nossas escolhas são
muito mais idiotas que costumávamos supor, como diz o ditado popular:
“Em boca fechada não entra mosca” ou “Quem fala demais dá bom-dia a
cavalo”.

A neurociência atual mostra que muitos dos atos frequentemente


considerados sob controle do indivíduo na realidade não o são. O
homem é, como tudo, também um objeto da natureza (cientificamente
previsível). É isso que todos os cientistas, biólogos, psicólogos, sociólogos
e outros estão tentando fazer: descobrir leis associando o comportamento
estudado e desconhecido com outros já estudados e conhecidos. Com
o desenvolvimento das ciências sérias, os disparates acerca da conduta
devem diminuir: é o que todos esperam, caso tenhamos uma ajudazinha
de Deus.

Os hábitos, pensamentos, sentimentos e expressões – as condutas de


modo geral – podem ser, pelo menos em princípio, passíveis de serem
classificados e submetidos a hipóteses e leis sistemáticas, como acontece
com os comportamentos de outros objetos da natureza. Esse é o trabalho
conjunto da psicologia e de outras ciências relacionadas.

A multidão de idéias ao mesmo tempo; seu


controle
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A pessoa, durante suas ações, entre elas, conversas e leituras, age e, ao
mesmo tempo, limita ou impede o aparecimento de outras cognições
(idéias ou raciocínios) inúteis para a ação proposta naquele instante.
Se não existisse essa obstrução, em cada momento, nossa mente seria
invadida por uma multidão de idéias que de nada serviriam à conduta
que está sendo ativada e intencionada. Se nossa mente fosse inundada,
a cada instante, com as milhares de imagens armazenadas nela, todas ao
mesmo tempo, seria impossível qualquer raciocínio e conduta orientados
para um objetivo, ou seja, dirigidos para um ou uns poucos propósitos.

Imagine, meu caro leitor, você conversando com seu chefe com a intenção
de lhe pedir um aumento do salário. Entretanto, ao começar a conversa –
a pensar para expressar seu desejo – surge, de uma só vez, tudo, ou mesmo
parte do que você armazenou em sua memória, como, por exemplo: a
barriga do chefe está enorme; ele parece ter um caso com Divina; parece
ser burro; tem esse poder por causa do pai; anda mal vestido; está fedendo;
etc.

Se você soltasse tudo isso de uma vez ou, mais ainda, bilhões de outras
experiências armazenadas que nada tinham a ver com a conversa, como,
“Esse ano irei passar minha férias em Cabo Frio; não sei se o dinheiro vai
dar; acho que meu namoro não vai continuar; meu bairro está cada vez mais
barulhento; minha cachorrinha passou a ter convulsões; minha mãe tossiu
muito essa noite” e outras coisas mais, seria internado imediatamente.
Algumas hipóteses acerca do pensamento esquizofrênico afirmam que
esse paciente perde sua capacidade de “filtrar” estímulos, internos e
externos, dando origem a um pensamento e conduta desagregada e solta,
semelhante à acima descrita. Isso dificulta ou impossibilita a compreensão
de sua fala e comportamento.

Esse controle das ações pessoais parece ser coordenado por conjuntos de
auto-esquemas mentais – noções gerais acerca de si mesmo – levando ao
aparecimento de outras representações na consciência. Exemplo: “eu sou
honesto” ou, ainda, “sou religioso”. Falarei mais tarde sobre esse assunto.

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Cultura: Princípios, programas
e condutas

Princípios orientadores da conduta, como honestidade, responsabilidade,


habilidade, religiosidade e outros parecem existir em todas as culturas.
Quando se fala em princípios não se fala em atos (fatos) ou especificações
de atos, mas sim de qualidades gerais possíveis de se manifestarem em
determinados atos. Portanto, não percebemos os “princípios” através dos
órgãos dos sentidos (sensoriais), mas sim a partir de abstrações cognitivas.

Ao fazer as atividades concretas, como pegar uma caneta, partir um pão,


calçar os sapatos ou ir ao banco, a pessoa pode manifestar alguns ou vários
princípios, entretanto, jamais fará “honestidade” ou “responsabilidade”. As
atividades concretas (o possível de ser observado pelos órgãos sensoriais)
têm sido chamadas de programas ou, ainda, roteiros ou “scripts” na língua
inglesa. Por outro lado, os princípios que estão por detrás ou subjacentes
aos atos irão influenciar a qualidade dos programas a serem executados,
pois são esses princípios que agem como valores de referências potenciais,
direcionando as escolhas possíveis dentro de um programa.

Os programas de ação são as espécies de atividade que a maioria das


pessoas chama de comportamento: ir a um supermercado, escrever uma
carta ou fazer um café; esses são todos eles programas. Mas existe um
outro problema: os programas, por sua vez, são feitos de sequências
de movimentos. Eles envolvem pontos de escolhas, como “vou ao
supermercado, comprar feijão; depois, irei cozinhá-lo”. Portanto, os
programas incluem uma série de sequências que vão do trivial ao
importante.

Quando uma ação se torna suficientemente bem aprendida, isto é,

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promulgada, ela, uma vez começada, torna-se automatizada, isto é, passa
a ser comandada por outra região do cérebro.Não há mais necessidade de
ficarmos cogitando (pensando acerca dela) em como executá-la, como,
por exemplo, as vias que usarei para chegar ao serviço após um cansativo
aprendizado. Quando uma tarefa alcança esse nível – automatização –
pô-la em atividade quase não exige esforço da cognição, pois ela passa
a ser controlada pela região subcortical do cérebro e não pelos córtices
cerebrais. Nesse caso ela se torna uma sequência de movimentos (pegar
um copo com água, levá-lo até a boca, abrir a boca, virar o copo, engolir
a água). O mesmo acontece ao andar de bicicleta, dirigir o automóvel,
etc. Nota-se que quanto mais alto nossa mente estiver orientando e
dominando nossas ações, os aspectos mais baixos e menos importantes
serão desconsiderados para dar sentido ao eu, isto é, às suposições gerais
ou princípios que determinam as ações, como no exemplo: vou tomar um
banho. Nesse caso, os aspectos tirar os sapatos e as roupas, abrir a torneira
do chuveiro, pegar o sabonete, o xampu, ensaboar, fechar a torneira e
enxaguar serão controlados pela idéia geral “tomar um banho” e não cada
idéia em separado.

O poder da contaminação de um valor contido num princípio – irei


atuar com honestidade – no nível baixo da ação (tirar do bolso o talão
de cheques para fazer o pagamento exigido) dependerá do grau pelo qual
sua execução vai contribuir para o sucesso de outros níveis mais elevados
(honestidade, neste caso). A retirada do talão pouco ou nada tem a ver
com o princípio que está comandando a ação, como a compra de um
determinado objeto.

Sempre as ações do organismo tentam reduzir a discrepância (ou


desarmonia, desencontros) criada pelos níveis mais elevados diante de
um meio ambiente externo ou, também, interno: “estou sentindo uma
coceira no olho esquerdo”; “caiu o garfo”; “o carro já vem em disparada”;
“vou abrir o guarda-chuva, pois a chuva começou”; “estou com sono”.

Às vezes, a auto-regulação (esforço do organismo para se reequilibrar),


voltar à harmonia ou homeostase, como coçar a pálpebra, não exige

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um compromisso total com princípios mais elevados na hierarquia de
cima para baixo. Mesmo nos caso simples citados, o organismo pode
estar tentando eliminar um fato que está atrapalhando sua saúde, que
pode ser desconfortável ou ser um perigo maior para o organismo.
Qualquer que seja o nível que estiver temporariamente focalizado ele está
funcionalmente subordinado, no momento, à regulação de outro nível
mais elevado: saúde, aborrecimento, desviando o objetivo principal, etc.

Entretanto, não sei se por sorte ou azar, na prática, por preguiça ou


ignorância, quase todos os comportamentos humanos são auto-regulados
no nível de programa, com pouca ou nenhuma consideração (reflexão)
aos valores mais elevados. Assim, automaticamente coço meus olhos
diante do aborrecimento, sem pensar em minha saúde, possível cegueira
ou mesmo morte do meu organismo.

Essas concepções que as pessoas podem ter provavelmente são centrais


para a pessoa, mas são muito gerais e abstratas, sem relação direta com as
ações concretas. Entretanto, se faço um pagamento e devolvo o dinheiro
recebido a mais, estou realizando ações periféricas e concretas, possíveis
de serem observadas por outros e que se subordinam à ação central “sou
honesto”. Do mesmo modo, se vou à igreja e rezo à noite, por exemplo,
também mostrei uma conduta concreta e possível de ser percebida,
portanto, periférica e que se submete à idéia central: “sou religioso”. Esta
afirmação, abstrata e muito geral, faz parte do núcleo da pessoa e não
pode ser observada diretamente.

Pensando assim, podemos imaginar que para que haja uma conduta
coerente para o indivíduo, num dado momento, alguns desses auto-
esquemas (honestidade, religiosidade, culto, brincalhão, sério, submisso,
humilde, arrogante, espontâneo, criador de caso, pacífico e diversos
outros.) precisam estar sintonizados ou ativados pela consciência pessoal
no momento da ação. De outro modo, são esses princípios fundamentais
que passam a coordenar, no momento das ações, através de lembranças
recuperadas, modulando e orientando a maneira de pensar e de agir
nas atividades de níveis mais concretos ou periféricos, ou seja, as ações

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percebidas pelos órgãos dos sentidos como nos exemplos acima: devolver
o troco, ir à igreja, orar, etc.

A ativação de um auto-esquema provoca o aparecimento de “eus possíveis”,


como os eus sérios, cheios de fé, amedrontados, desejosos, esperançosos,
raivosos, alegres, pai, filho, amigo, amante e milhares de outros eus que
um indivíduo possa vir a ser.

Por outro lado, são esses eus possíveis ou virtuais que, num momento,
ao despertarem, formam o “autoconceito em ação”, o eu real (o outro
lado do eu virtual), que geralmente vai sendo mudado constantemente
e dinamicamente. Num momento focalizo minha honestidade: devolvo
o troco recebido a mais como modo de confirmar, para mim mesmo, o
princípio central acerca da honestidade. Depois, muda-se a conversa e
passo a discutir a fé das pessoas: nesse ponto estou transvestido no eu
religioso. Num outro instante, ainda, falo acerca do último clássico do
futebol e assim por diante, transformando-me num eu esportista. Em
todos os momentos da ação concreta – não central – os meus diferentes
eus se desnudam (se revelam), e se mostram para quem quiser observar
e julgar minhas ações concretas com respeito aos princípios defendidos.

A estabilidade e coerência da pessoa, formadas pelas idéias armazenadas no


seu sistema de memória autobiográfico, fornecem os auto-esquemas que
irão representar os diversos eus, como o religioso, honesto, futebolístico
e piadista, constantemente em ação em diferentes experiências da vida,
estimulado por fatores do meio ambiente externo e interno.

As metas do eu em ação são limitadas: agora estou escrevendo; agora você


lê o que escrevi, etc., todas as ações dirigidas pela memória autobiográfica
minha e sua. Não é difícil perceber que jamais irei pensar e agir de certa
maneira, se não possuir ou sem nunca terem sido armazenadas tais
orientações em minha memória autobiográfica: pensamentos, emoções
e motivações necessárias para organizar o modo de pensar exigido para
isso. Portanto, o conhecimento A e B limita as possibilidades e tipos de
metas que um indivíduo saudável pode realisticamente buscar alcançar

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ou não.

Do mesmo modo que a pessoa que não tem bons músculos não pode
praticar corridas profissionais, um analfabeto não poderá pensar como
um homem culto, um religioso budista não pensará como um cristão, se
estou cursando Medicina posso imaginar-me como futuro professor da
escola, um homem criado num mundo machista não pensará como uma
mulher mais livre, etc. Em resumo: somos (pensamos, compreendemos
e agimos) o que nossa memória biográfica estocou e é capaz de exibir
num certo momento; não há como escapar disso. Podemos fazer um
discurso diferente; não condutas diversas diferentes. Somos governados
totalmente por nossos princípios, ou, simplesmente, por reações diretas e
reflexas ao meio ambiente. Os princípios foram aprendidos naturalmente
– sem consciência ou esforço – na cultura onde vivemos (pais, vizinhança,
leituras, etc.).

Uma função geral da memória autobiográfica (MAB) é cultivar uma idéia


do eu diferente dos outros. As metas possíveis para uma pessoa, como
disse, não podem ser adotadas por pedido, requerimento ou, mesmo,
ser irrealistas, pois elas estão cravadas, enterradas na pessoa particular,
conforme seu auto-sistema de memória que possibilita representar, com
antecedência, seu eu agindo num determinado meio também imaginado.

Assim, uma pessoa não pode manter uma meta, ou estruturas de metas,
que contradiz o conhecimento autobiográfico que ela trás consigo.
Por exemplo: uma pessoa não pode imaginar-se como tendo tido no
passado uma realização acadêmica excelente – a não ser uma pessoa com
disfunção cerebral: um doente mental- quando suas memórias estocaram
uma péssima realização acadêmica. Portanto, as metas imaginadas pela
pessoa encontram-se delimitadas pelo conhecimento autobiográfico que,
de forma consciente, estabelece as possibilidades e limitações das metas a
serem alcançadas pelo eu ação, de curta ou longa duração.

Quando os atuais planos e metas, ou eus em ação possíveis, estão em


oposição ao conhecimento autobiográfico, há um transtorno na função

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normal do conhecimento autobiográfico, e, dependendo da severidade, o
sistema pode estar doente. Essa incompatibilidade entre o conhecimento
do auto-sistema de memória e as metas pode ser observada nos pacientes
com danos neurológicos dos lobos frontais e, também, nos pacientes
esquizofrênicos paranóides (“Eu sou Cristo”) .

Deve ser lembrando que, no início da vida, antes da formação das


primeiras memórias do sistema autobiográfico, a pessoa é estimulada
apenas pela memória da espécie, a inata, a única que ele tem nesse período;
ela promove principalmente as ações para manter vivo o organismo do
recém-nascido: busca de alimento, contato com os protetores, reflexos
inatos para escapar de dores, luzes, desconfortos físicos diversos, etc.

Portanto, as características dos objetivos do eu em ação e como elas


aparecem são considerações importantes. Elas parecem derivar do esforço
que o organismo faz ou busca diante dos desequilíbrios/desarmonias
corporais e cognitivas. Para alguns, existem três domínios principais
relacionados ao eu:
1. O eu atual (uma representação de si mesmo, a mais
acertada possível);

2. Um eu dever (nossa ética; o eu que a gente deveria ser


conforme foi especificado pelos princípios ditados por
nossos pais, companheiros, educadores e outros de
importância);

3. Um eu ideal (o que o eu aspiro ser; em harmonia ou


baseado nos valores sociais).

A desarmonia entre os três domínios conduz a formas características de


experiência emocional negativa. Esta pode começar muito cedo na vida
da criança, podendo trazer consequências sérias para a pessoa. Essas
memórias de experiências críticas são muitas vezes retidas e acessíveis,
especialmente quando certas pistas do meio ambiente estimulam as
informações importantes para a percepção da discrepância existente.

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Podemos dizer que o termo “eu em ação” procura chamar a atenção para
a conexão existente entre o “eu” da pessoa e sua memória de trabalho – a
que está funcionando no momento de uma atividade qualquer (conversa
com uma pessoa, leitura, etc.). Especificamente, acredita-se que a parte
central da memória de trabalho processa, coordena e modula outros
sistemas durante uma conversa, leitura ou reflexões.

O nome “memória de trabalho” tem sido usado para descrever as ações


do “eu” ou da memória envolvendo processamento de informações no
momento em que estas estão sendo percebidas, exibidas na consciência
e ou usadas. Durante nossas ações, ao mesmo tempo, comparamos as
informações recebidas com outras preexistentes na memória, as que
foram ativadas para ajudar a compreensão e a produção do pensamento e
da fala, ou externa ou interna.

O homem vive no presente, mas ele, através de sua memória de trabalho,


forma a conexão que liga seu passado ao seu futuro. Ele tenta construir
uma harmonia entre o eu anterior (passado), o eu presente e o eu
futuro (planejado). Daí pensar que o homem (amadurecido) antecipa
acontecimentos.

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Dificuldade para atingir o
objetivo desejado
Mas nem sempre as pessoas conseguem atingir as metas pretendidas
(intencionadas). Algumas vezes, devido aos obstáculos físicos ou
por incompetência, ficamos no meio do caminho e não chegamos
onde queríamos. Desse modo, muitas vezes, abandonamos nossas
metas, aspirações ou intenções. Quando uma pessoa encontra grandes
dificuldades em atingir suas metas, por mais esforço que tenha feito, ela
tende a abandonar a conduta antes existente que era dar uma solução
ao problema X e focaliza sua atenção em outras direções, entre essas, a
avaliação das probabilidades positivas ou negativas acerca da ocorrência
do resultado desejado: “Minha coceira nos olhos não deu em nada; meu
olho continua a coçar apesar do que tentei”. Pensando assim, devo partir
para examinar outras alternativas.

A interrupção da ação (coçar) e a avaliação (não adiantou nada me coçar)


podem ser iniciadas de diversos modos. Uma primeira avaliação e mais
simples é a frustração: “não consegui nada; ele continua ardendo, sou um
azarado”. Nesse caso houve um obstáculo que me impediu de atingir a
meta desejada; falhas ou restrições externas (cocei mal ou minha unha
está grande e irritou a pálpebra) ou internas, como as devidas ao déficit
na minha habilidade, falta de conhecimento das causas da minha coceira,
etc. Uma outra classe não rara de impedimentos para o êxito da ação é a
ansiedade. Esta é despertada, em certas pessoas, quando o acontecido é
percebido como mais ameaçador e as medidas tomadas como ineficazes
tornam a pessoa mais pessimista quanto ao resultado da ação.

O processo, ele mesmo, de avaliar o resultado de nossas ações durante


sua execução, pode despertar em nossa mente uma grande quantidade
de informação estocada pertencente não só à situação propriamente

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dita, como também às qualidades internas nossas (nossa capacidade
para solucionar aquele problema específico; nosso ânimo ou desânimo
diante das dificuldades e frustrações; a quantidade de esforço que serei
capaz de usar e as opções de respostas disponíveis), como, por exemplo:
“Tudo que faço dá errado” ou “Não desanimo fácil: vou continuar a
agir até a coceira acabar”. Como mostrado no exemplo, quase sempre a
avaliação das expectativas diante do obstáculo faz uso de lembranças de
experiências anteriores, que dará uma maior confiança ou dúvida com
respeito à atividade que está sendo executada (nunca fui um bom coçador
de olhos). As expectativas acerca do resultado da ação constituem um
determinante importante para que a pessoa responda às adversidades
através de um esforço contínuo para atingir a meta pretendida ou decida
pela desistência da tentativa.

A expectativa e o afeto durante a execução da


ação
Quando as expectativas quanto ao resultado são favoráveis, as
pessoas tendem a ter afetos positivos (humores, emoções). Estes são
experimentados como entusiasmo, esperança, excitação, alegria, sensação
de bem-estar e, além disso, nascimento de um pensamento mais rico e
continuado de modificações, isto é, não-fixo ou mais criativo. Por outro
lado, quando as pessoas têm expectativas desfavoráveis (“Não vai dar
certo”) quanto à atividade executada ou a executar (há produção de afetos
negativos), elas apresentam sentimentos negativos, tais como a ansiedade,
desesperança, sofrimento e um tipo de pensamento repetitivo e pobre em
conteúdo ou não-criativo e restrito.

As pessoas, ao agirem, constantemente monitoram suas ações verificando


se estão ou não se aproximando do objetivo pretendido e, também, se a
velocidade em atingir a meta está lenta, normal ou rápida. As emoções
sentidas, satisfação e bem-estar ou insatisfação e mal-estar, ocorrem
conforme a velocidade na qual a pessoa está caminhando para atingir
a meta pretendida ou se afastando da meta ameaçadora. Assim, se a

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velocidade imprimida, bem como o sucesso para atingir o objetivo, é boa,
ocorrem emoções positivas (“Estou feliz, fiz até agora tudo mais depressa
que pensei”); se a velocidade é baixa ou muito lenta, surgem emoções
negativas (“Hoje levantei com o pé errado. Nada dá certo; não conseguirei
fazer o que queria”).

Caracteriza-se a auto-regulação consciente do indivíduo como um


processo de monitorar sua ação presente e comparar as qualidades que
ele percebe nisso com os valores de referência que ele tem. Conforme a
avaliação elaborada, a pessoa faz adaptações necessárias para tornar as
desarmonias mínimas entre o desejado e o que está de fato acontecendo.
O monitoramento é fundamental para controlar a conduta intencional.
Em resumo, o monitoramento ou a avaliação do sucesso da ação utiliza-
se tanto da aproximação do objetivo, quanto da rapidez da aproximação
(rapidez com que a tensão produzida pela discrepância entre o esperado e
o real, está sendo reduzida); e não se ela está apenas sendo reduzida, isso
no caso de metas desejadas. Se ela está sendo reduzida rapidamente, a
percepção do progresso do término da tensão é alta. Se a discrepância está
sendo reduzida muito lentamente, a ação do progresso é baixa; se não há
nenhuma, a redução é zero, exemplificada em tarefas tais como: estudar
para uma prova (“Ainda não aprendi nada”); caminhar uma distância
determinada; realizar naquele dia vários compromissos como pagar uma
conta no banco (“Estou há meia hora na fila e ela não caminhou”).

Essa avaliação ou monitoramento se dá de duas formas: o primeiro sensor


é avaliativo, confuso ou enevoado e não-verbal, ou seja, é a expectativa
do resultado (“Tenho a impressão que já estudei mais da metade do
necessário”); o segundo sensor é puramente afetivo, uma qualidade de
sentimento, ou um sentido de positividade ou negatividade, ou seja,
qualidades que o organismo sente como mudanças emocionais ocorridas
durante uma ação qualquer (“Estou animado, pois tudo está indo bem”).

Quando não há mudança na discrepância, o afeto é neutro ou nulo;


quando a ação está se fazendo contínua e equilibradamente, progredindo
para a redução da desarmonia, mas a taxa de redução dessa desarmonia

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é mais lenta que o valor imaginado pela pessoa, haverá um grau de
dúvida e de afeto negativo, proporcional ao tamanho dessa discrepância.
Quando a taxa de redução de discrepância na ação é mais alta que o valor
de referência imaginado há uma desarmonia positiva – um excesso de
sucesso na execução da conduta, isso é refletido através da confiança e de
sentimentos positivos (“Tudo está correndo da melhor maneira possível”).

Algumas vezes um fracasso tem uma grande repercussão nos nossos


sentimentos, outras vezes nem tanto. Tais casos parecem depender do
nível de abstração no qual a pessoa está focalizando. Se o fracasso atingir
os níveis mais elevados, a percepção da consequência do fracasso será mais
intensa (“Cheguei um pouquinho atrasado ao dentista e não fui atendido”,
difere bastante de “Cheguei na hora marcada e ele não me atendeu”). Um
ponto interessante: se a pessoa se excedeu na taxa de progresso, isto é, se
está realizando sua atividade ou trabalho mais rapidamente que esperava,
ela tende a agir mais devagar em seus esforços posteriores e, como
resultado, o afeto positivo diminui.

A velocidade da aproximação da meta desejada


As pessoas estão continuadamente agindo para alcançar diversas metas
simultaneamente e vários níveis de esforços mais baixos contribuem para
minimizar as discrepâncias nos níveis altos. À medida que um movimento
dirigido a uma meta alcança esta mais rápido que o esperado numa certa
área, isso irá permitir à pessoa mudar sua atenção e esforço para uma
outra área. Quando uma pessoa pára e examina a situação em que ela
se encontra, ela, tipicamente, traz à mente uma série de possibilidades
com respeito às situações que são avaliadas quanto às suas consequências
para a ação desejada: “Se eu, em lugar de agir dessa maneira, agisse
dessa outra, talvez me saísse melhor”; “Isso é a única coisa que eu
posso ver, e se assim agir as coisas irão piorar”. A pessoa pode também
recuperar outras lembranças acerca de si mesma: “Eu nunca fui bom em
mecânica de automóvel”; “As pessoas nunca gostaram de mim”; “Vá em
frente: você é capaz de fazer isso, dê duro”, etc. Noutras vezes torna-se
necessário uma busca mais minuciosa de lembranças e de possibilidades.
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Presumivelmente essas lembranças são acumulações ou consolidações de
exemplos de julgamentos ou reflexões de ações anteriores existentes no
seu comportamento; o passado clareando e orientando o futuro.

Algumas vezes o valor de referência é imposto de fora, como as regras de


conduta determinadas pela sociedade. Outras vezes ele é auto-imposto,
como, por exemplo, seguir uma carreira e, em outras vezes, ainda, o
valor deriva de comparações sociais, como no caso das pessoas estarem
competindo umas com as outras: “Estou ficando cada dia pior que meus
colegas”. Às vezes as exigências são muito grandes, outras, pequenas, como
o caso de uma carreira médica como uma forma de exigência interna e
externa.

O padrão utilizado para comparações


A severidade do padrão que é usado pelo indivíduo ou por seu ambiente
tem implicações para a sua vida emocional. Assim, por exemplo, se os
degraus exigidos para o progresso idealizado usado como ponto de
referência são altos demais, eles raramente serão alcançados, mesmo
se, objetivamente, a produção da pessoa for muito alta. Nesse caso, o
indivíduo experimentará um afeto muitas vezes negativo e raramente
o positivo. Ao contrário, se os passos de progresso imaginados como
referência são baixos, fica fácil a pessoa reduzir a taxa idealizada para
redução da discrepância, de modo que, frequentemente, ela consegue
excedê-la. Nesse último caso a pessoa experimentará facilmente o afeto
positivo e raramente o negativo.

Entre os fatores que restringem o alcance do padrão posto está o tempo


gasto na execução para que a tarefa seja executada, como nos exemplos:
“tenho que entregar essa tarefa amanhã”, uma exigência mais preocupante
que outra, como, “Quando puder irei à China”.

Há ainda certas atividades que as pessoas desejam terminá-las e, ao


mesmo tempo, não têm nenhum desejo de realizá-las, como as atividades
penosas e ingratas. Nesse caso a pessoa deseja terminá-las o mais rápido

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possível (catar lixo, limpar privadas, lavar pilhas de pratos, fazer uma
mudança, preparar a declaração do imposto de renda, etc.). Nesses casos
ocorre que a taxa de progresso, por si só, não serve como padrão. O afeto
positivo pode aparecer caso a pessoa focalize, não a tarefa que está sendo
executada, mas seu término. Pensando assim, seu afeto positivo poderá ir
aumentando à medida que ela prevê seu término mais próximo. Acredito
que fazer exercício físico nas academias, bem como tomar banho frio
e ir a velório situam-se nesse caso discutido. O “prazer” não ocorre
com sua execução, mas sim com a percepção de seu término ou com a
aproximação desse. É uma alegria ficar livre dela e ter realizado uma tarefa
indesejável, mas que acredita-se fazer bem, semelhante a submeter-se a
uma cirurgia, tratar de dentes, etc. Em todos esses casos, ficamos felizes
pelo término do indesejado. Em função do tempo e da experiência, ao
nos acostumarmos com a tarefa, o prazer e o sofrimento dela decorrentes
podem ir diminuindo, devido ao costume ou adaptação do organismo.
Geralmente essas mudanças são graduais, havendo um momento de
espera e de possível modificação cognitiva: “Vou parar de ser tão exigente
com os outros e mais satisfeito com o que está ocorrendo”.

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Crenças (princípios) e modos
diferentes de assimilar a
realidade

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A Cultura destaca dois modos
para observar e representar
o Mundo: Percebido (mais
realista), e Imaginado (mais
livre e criativo)

A nossa visão do mundo é, quanto à causa, dependente tanto do modo


como o mundo é (a realidade externa) quanto do modo como nós somos
(criativos, simbólicos); da “lente” usada para decifrar as informações no
megacomputador . Todo o nosso conhecimento do mundo (o casamento
ou a diarréia) depende da nossa capacidade para construir modelos
(esquemas, moldes, os vários diagnósticos) dele e, como esta capacidade
é um produto da seleção natural, o nosso conhecimento, na verdade,
depende de nossa característica biológica de ser humano, como também
das coisas como elas mesmas são, incluindo a cultura onde fomos criados,
isto é, os vários aprendizados mágico/religiosos, ideológicos, científicos e
do valor atribuído a cada uma dessas “ferramentas” mentais.

Para entender e se adaptar ao meio externo (ambiente físico e social) e


interno (o próprio organismo), cada morador de Lumeeira (a cidade luz)
precisa conhecer razoavelmente esses dois universos, isto é, rudimentos
(noções, pré-saber) acerca da conduta humana, dos animais e vegetais, das
substâncias químicas e físicas, etc. Este aprendizado é adquirido através
de diversas informações: genoma humano, experiência própria (ensaio e
erro) e informações provenientes de relatos de experiências e explicações
de outras pessoas. A importância desse último aprendizado é enorme.

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Recebemos, a partir do nascimento, informações vindas dos nossos pais,
amigos, vizinhos, professores, imprensa, livros, etc.

O terceiro aprendizado, relatos de outros/abstrações, opera unicamente


com idéias ou associações de idéias e não com a realidade sensível, como
ocorre com a experiência própria do indivíduo. Portanto, o conhecimento
abstrato (teórico ou de idéias) é uma informação de “segunda mão”,
“leituras”, “traduções” ou opiniões de outras pessoas acerca de determinado
assunto: político, religioso, educacional, comportamental, etc. Portanto, a
maior fatia de informações (conhecimento) por nós adquirida e usada
origina-se das intuições (opiniões e idéias) de outras pessoas sobre
determinado tema.

Pois bem. É através desses instrumentos precários, nos quais apenas uma
pequena parte decorre da experiência do seu proprietário, que percebemos
e formamos o mapa do mundo onde estamos inseridos. Munidos dessa
representação, em parte alheia e de origem duvidosa, assimilamos os
dois universos (organismo e meio ambiente externo) que nos cercam.
Assentados nessas idéias espúrias bem aprendidas e memorizadas
resolvemos nossos problemas, isto é, escolhemos um ou outro caminho
e tomamos nossas decisões mais importantes, como, por exemplo, seguir
esta ou aquela profissão, escolher esse ou aquele cônjuge, morar num ou
noutro lugar. Portanto, agimos mais persuadidos (orientados) pelo que
ouvimos dos outros do que pela experiência por nós vivida.

O modo de representar o mundo simbólico (a linguagem), nos fornece


um meio de não só representar a nossa experiência como também
transformá-la em símbolos conforme nosso estado emocional, desejo
e apego a uma ou outra área de conhecimento. O homem, a cada dia
mais, usa a forma simbólica, bem modificada e afastada da realidade, para
representar seu mundo. Um modo de representar a realidade, como o uso
da forma simbólica, pressupõe o empobrecimento de uma outra forma,
como a motora e a sensorial (analítica e observacional).

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O sensorial, perceptual e o pensamento
(cognitivo)
Para alguns autores existem três formas básicas de representar o nosso
mundo interno: representação motora, sensorial e simbólica. Essa
última, a linguagem, nos fornece um meio de não só representar a nossa
experiência como também transformá-la em símbolos. O homem, a
cada dia mais, usa a forma simbólica, bem modificada, para representar
seu mundo. Um modo de representar a realidade, como o uso da forma
simbólica, pressupõe o empobrecimento de uma outra forma, como a
motora e a sensorial.

O módulo sensorial/perceptual é desencadeado (acessado) de forma


automática e limitado numa extensão de estímulos sensoriais, por
exemplo: “vejo a chuva”, “sinto o gosto do café”, “tenho uma diarréia”. Como
se vê, ele está geralmente associado pela limitação (coação, limitação)
da arquitetura neural. Seu processamento é rápido, sem necessidade de
conhecimento consciente (reconhecimento de face, da cor, identificação
de objetos, sabor, dor, etc.) .

Uma boa parte de nossos pensamentos e conceitos geralmente é evocada


por experiências sensoriais e têm significado com referência a elas. Por
outro lado, no entanto, outros pensamentos são produtos de atividade
espontânea de nossas mentes. Assim, esses últimos podem não manter
relação lógica criteriosa com os conteúdos dessas experiências sensoriais;
posso imaginar um anjo me visitando à noite.

O fenômeno chamado de percepção consiste na associação, pelo


observador, das regularidades de comportamentos distinguidos no
organismo observado com as condições do meio que é visto como
desencadeante dessas regularidades. Se alterarmos a estrutura do
organismo, por exemplo, a da rotação em 180 graus do olho do sapo,
ele, uma vez “deformado”, passa a errar seus botes em 180 graus, e,
consequentemente, não mais pega nenhum inseto, pois há um erro
dependente da estrutura do organismo.
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Os seres humanos, ao explicar os eventos, constantemente categorizam
objetos e acontecimentos. Para isso certas regras são usadas, mas essas,
muitas vezes, são difíceis ou impossíveis de serem descritas verbalmente,
como, por exemplo, a maneira feita pelo provador de vinho para
categorizar os sabores ou os artistas para categorizar as obras-de-arte que
estão sendo observadas. Por outro lado, certas categorizações são fáceis
de serem explicitadas, como um retângulo, um triângulo, a laranja ou o
limão.

Pois bem. Conforme o exposto acima, uma característica da utilização


cognitiva é sua evidente dificuldade de inibição ou crítica de sua atividade,
ao contrário do conhecimento perceptivo: “Isto é uma laranja”. Esta
afirmação, sendo sensorial/perceptiva dificulta a discordância. Torna-se
bem mais difícil categorizar o ET, a alma, a outra vida ou Deus, ou seja,
classes cognitivas e não perceptivas.

Nesse caso particular, uma vez possuidor da crença “Deus existe”, ou seu
contrário, “Deus não existe”, a pessoa é também possuída (controlada)
por uma ou outra crença (não uma realidade perceptível): a existência
ou a não-existência de Deus. Tais crenças auxiliam (o modo certo ou
errado não interessa aqui) seu possuidor a explorar, organizar, explicar
e a conhecer o mundo que o circunda, ou seja, olhar as regularidades e
irregularidades e buscar explicações das observações iniciais, conforme
uma ou outra premissa (imaginação).

Portanto, fazendo uso das crenças (teorias explicativas), diferente da


percepção (observação mais sensorial) da laranja, a pessoa poderá pôr
ordem nas circunstâncias ordinárias e não se tornar ordenada por elas
mesmas; isso facilita a sobrevivência do indivíduo. Por isso estamos
sempre “ordenando”, com nossas crenças, o ambiente, qualquer que seja
ele: um jogo de futebol ou a morte.

Mas, por outro lado, o uso de crenças (o conjunto de elos que reúne
fatos desconexos) tem uma possível grande desvantagem, pois dificulta
a apreensão da “verdade”, o que está por detrás do cosmo que está sendo

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explicado: a separação dos cônjuges. Por conseguinte, as crenças originais,
simples e fáceis de serem assimiladas ou adquiridas muito cedo, pouco ou
nada ajudarão para conhecer a realidade física mais complexa, enfrentada
por todos nós o dia inteiro: dormir mal, escovar os dentes, tomar o ônibus
lotado, etc. Ao contrário, diversas crenças podem dificultar ou impedir o
conhecimento mais exato do nosso meio ambiente, isto é, a entrada em
nossa mente de outras informações mais práticas e menos imaginativas;
mais adaptadas à realidade experimentada. É desse modo que as pessoas
(todos nós) aprendem.

O conhecimento popular é intuitivo (holístico, não analítico) e, como


se sabe, as noções intuitivas são produzidas naturalmente, sem que
haja nenhuma dificuldade para aprendê-las. Pesquisas mostram que
mesmo os estudantes, pesquisadores e filósofos acham difícil abandonar
totalmente as noções do senso comum aprendidas cedo. Essas crenças,
mesmo quando sabidamente inadequadas pelo seu possuidor, muitas
vezes, dominam a mente até mesmo dos mais sábios.

O domínio e ajuda dos princípios do


megacomputador: uma aquisição precoce
A cultura humana adquirida pelo povo (senso comum) favorece uma
rápida seleção das idéias que prontamente ajudam as pessoas a resolver,
de forma prática, problemas relevantes do meio ambiente (cuidados com
a alimentação, relações com pessoas, riscos de acidentes, etc.). Esses
conhecimentos são facilmente memorizados e processados pelo cérebro
humano e ainda facilitam (servem de base ou molde) a retenção e a
compreensão de idéias que são mais variáveis ou mais difíceis de aprender
(ciência, filosofia).

Com o tempo, diferentes culturas, estruturas taxonômicas (uso de


termos para isso ou aquilo) e conteúdo podem se tornar mais profundos
ou superficiais nas diferentes populações. Não obstante, os princípios
(modelos, esquemas, paradigmas) organizadores subjacentes ao

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organizado permanecem fortes e dominantes.

Em resumo: a espécie de informação cultural que é mais sujeita a ser


influenciada para compor o processamento das informações e a adquirida
na infância é a mais facilmente transmitida de indivíduo a indivíduo
(companheiros da escola ou da vizinhança mais experimentados), e
mais apta para sobreviver dentro de uma cultura determinada (os que
vivem do lado de lá e do lado de cá da ferrovia) através dos tempos. E essa
cultura particular irá fornecer a entrada adequada de apoio sociocultural,
como, por exemplo, o uso de uma roupa ou cabelo, o modo de falar, bem
como os termos usados, o gosto pelos líderes e heróis do grupo ao qual
pertence, uma boa ou má auto-estima.

As pessoas têm à sua disposição pelo menos dois sistemas de categorização


separados: um sistema verbal baseado num raciocínio explícito que está
sob controle consciente, aprendido mais tarde, e um sistema implícito
que usa a aprendizagem processual (escrever, construir frase, digitar, etc.)
e, também, os princípios implícitos, entre eles, a forma de avaliar ou de
julgar a conduta moral nossa e dos outros; esse aprendizado é adquirido
muito cedo.

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As Percepções e os Princípios

Os observadores e críticos da história e da moral perceberam mudanças


e diferenças entre um e outro grupo, entre um e outro indivíduo quanto
aos usos dos modelos morais. O que difere, entre um grupo e outro, o
de Lumeeira e o de Londres não é bem o conteúdo empírico percebido
(a percepção) quase sempre semelhante (“Está chovendo”, “Esta comida
parece estar estragada”), pois um e outro habitante de locais diferentes
percebe mais ou menos os mesmos fatos.

O que as sucessivas civilizações, as culturas diferentes (Moscou, Tóquio


e Manaus) e mesmo os diferentes indivíduos “percebem” ou pensam
de modo diverso são determinados pelos padrões básicos (princípios,
fundamentos), desejos, valores, forma de captar a informação. Mesmo
diante de uma informação percebida, pessoas diferentes poderão ter
pensamentos avaliativos contrários, como, por exemplo: “Graças a
Deus está chovendo; vai melhorar a colheita” e, “Diabo de chuva; vai
derrubar meu barraco” Segundo os exemplos acima, a chuva é “olhada”
ou interpretada como um bem vindo de benfeitor (Deus) ou como um
mal produzido por um malfeitor (Diabo). Portanto, o mesmo fenômeno
(chuva), percebido pelos dois grupos como um mesmo fato, foi causado,
conceituado e valorizado de modo diferente. Esses fundamentos, sempre
existentes subjacentes às nossas percepções, são utilizados para identificar
(esclarecer, tornar compreensível) ou julgar uma situação ou conduta.

Agora um outro exemplo mais complexo acerca de princípios diferentes.


No caso relatado abaixo não existem fatos possíveis de serem percebidos
por nossos órgãos sensoriais (não são factuais, nem mesmo, formais).
Imaginemos dois habitantes de Lumeeira, sendo que um conceitua o
mundo acreditando (não percebe diretamente) na existência de Deus
(informação metafísica), e que, a partir dessa idéia inicial, acredita ter

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nascido com um propósito específico e que é possuidor de uma alma
imortal e, portanto, sua alma continuará após sua morte física. Um outro
habitante de Lumeeira não acredita (também não percebe) em nada do
expresso pelo seu conterrâneo.

Forçosamente a maneira de pensar e de agir em vários aspectos da vida


desses dois indivíduos será radicalmente diferente comparados um com
o outro. O modo de compreender e explicar as ações, os códigos morais,
as crenças políticas, os gostos, as relações pessoais do primeiro vão ser
profunda e sistematicamente diferentes do outro.

Os fundamentos básicos, a partir dos quais desencadeiam nossos


pensamentos e percepções, nos dando motivos para agir e avaliar, têm sido
chamados de modelos, princípios, paradigmas, esquemas, referenciais
e outros nomes. Focalizamos, captamos, organizamos as informações
selecionadas, compreendemos e explicamos a realidade através de diversas
dessas lentes produtoras de pensamentos e comportamentos. Uma delas
servirá para focalizar certos aspectos e não outros do mundo percebido
e selecionado; uma outra lente será usada para captar e manter na mente
os fatos de interesse segundo as regras ou padrões da crença subjacente
(ao mesmo tempo impedir a entrada de informações que poderiam atuar
contra a crença) e, por fim, uma outra “lente” de formato também diverso
irá organizar (descobrir relações) o selecionado de um modo ou de outro
conforme os princípios, modelos, mapas ou paradigmas, etc. O produto
final do trabalho dessas diferentes lentes dará origem a nossa cognição e
raciocínio e, muitas vezes, a tomada de decisões de um modo ou outro.

Pensamos de modo diferente por possuirmos instrumentos diferentes


para focalizar, nos informar (captar) e organizar o mundo defrontado
segundo esquemas (modelos, princípios, etc.) diversos. O princípio
(modelo) aglutina certos fatos, descarta outros, tornando o explicado
coerente; lógico conforme o princípio subjacente aceito e adotado pelo
sujeito.

A crença em espíritos e feiticeiras, bem como a crença de que a Terra era o

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centro do Universo, não se baseiam em fatos observáveis e ou logicamente
inferidos (factuais ou formais). Essas crenças, como diversas outras (falsas
teorias), foram defendidas porque se apoiavam em modos diferentes
de captar e organizar a realidade mais generalizada conforme certos
modelos apenas conceituais (da cognição, pensamento, imaginação)
e, consequentemente, e ao mesmo tempo, consolidar ou solidificar os
fundamentos de como perceber e compreender o mundo de um modo e
não de outro, conforme teorias religiosas da época.

Há uma tendência humana de defender, custe o que custar, as idéias


possuídas e aceitas como verdadeiras. Assim como cada morador de
Lumeeira defende suas crenças não observáveis, os governantes – Estado
e Igreja – também se sentem obrigados a agir conforme as sujeições
impostas pela força dos princípios autoritários seguidos. Entre essas
“verdades reveladas” existia a de que a Terra era o centro do mundo, pois
Deus pôs o homem aqui e não em outro planeta.

Surgem alguns problemas: princípios


antagônicos
O mundo concreto e vivido por todos os homens e animais mostrou
também, além da bondade, que existe o seu oposto: a maldade. Para
harmonizar a explicação, de um lado, a “bondade de Deus” e, de outro,
a maldade do homem, houve necessidade de criar, também, um novo
esquema ou modelo (princípio) para explicar as duas situações opostas; a
maldade que escapava do poder de Deus, o coração da bondade, justiça e
perdão. Assim foram criados termos (categorizações) opostos do atribuído
a Deus; a maldade, a injustiça, a traição, etc., que foram percebidos a todo
o momento em todos os lugares. Para isso foi construído o outro lado
de Deus, isto é, a maldade ocorria devido a outros seres: os demônios
(capetas, belzebus, diabos, satanás, espíritos maus e parentes destes).

Esses entes, diferentes de Deus, foram criados para representar a


injustiça, o pecado, o ruim e criticado. Mas, por outro lado, eles eram

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também poderosos – quase-deuses – pois não puderam ser exterminados
pelo bom Deus (do contrário estaríamos vivendo no paraíso); todos eles
tinham o poder de desobedecer ou escapar – conforme seus desejos – ao
comando do Deus todo poderoso e bondoso, criador de tudo, portanto,
inclusive dos demônios. Essas minhas considerações são lembranças e
deduções de relatos míticos, ou seja, um modo de pensar de um grupo
religioso; não de outros.

Os demônios, para os possuídos por essas crenças (modos de conceituar),


podiam praticar o mal e se encarnar em algumas pessoas. A pessoa, uma
vez possuída pelo demônio, para retornar a sua normalidade, deveria ser
exorcizada, isto é, era preciso promover a saída do malfeitor do corpo da
pessoa, ou, em certos casos, matar o capeta e a pessoa ao mesmo tempo;
tudo para o bem dos santos e conforme os princípios que defendem a
idéia de Deus, com poder, criador do mundo e do homem, etc. Todos
esses “conhecimentos” (terorias) adquiridos através de intuições míticas –
não de observações sensoriais/perceptuais ou deduções formais e lógicas
– têm sido descritos, também, como “conhecimentos metafísicos”, ou
seja, significando afirmações impossíveis de serem provadas ou refutadas.
As informações metafísicas (filosóficas) fazem parte constante de nossas
conversas do dia-a-dia.

Princípios opostos em outras áreas do


conhecimento
Pois bem. Não é só a religião que carrega nas costas uma multidão de
incoerências; a política e sua e nossa adorada “democracia” seguem o
mesmo caminho, caso aprofundemos um pouco mais nossas observações
e deduções especulativas. A “teoria” explicitada acerca do que é
“democracia” difere bastante do que realmente ocorre (o percebido ou
concreto): o descrito num momento é negado na prática existente. Por
exemplo: a democracia é o governo do povo para e pelo povo. Entretanto,
o povo vota nos candidatos escolhidos por um grupinho dos partidos
mais poderosos e, além disso, não temos a liberdade de não votar, sob

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pena de sofrermos inúmeras punições. Também, uma vez eleitos, pouco
ou nada poderemos fazer para criticar o governo “democrático”. Em Cuba,
o “herói” Fidel Castro, junto aos companheiros, lutou contra o execrável
governo de Batista; entrou triunfante e não mais saiu. Getúlio Vargas, de
modo semelhante, governou por quinze anos o país sem eleições e, mais
tarde, Médici, Geisel, Costa e Silva, Figueiredo e outros agiram de modo
bondoso e democraticamente para “salvar o país”. Sempre na política,
como na religião, nas propagandas de sabões e chinelos, medicamentos
para emagrecer e para memória, o falado é muito diferente do observado;
a teoria difere integralmente da prática. A propaganda é feita como se o
objetivo desta fosse ajudar o distraído freguês, eleitor, religioso, cliente
em geral, mas, de fato, o que “leva vantagem em tudo” é o que diz estar
ajudando o seguidor da propaganda, pregação, etc.

Na Medicina, minha querida profissão, a cada dia mais nota-se a submissão


dos médicos ao poder de grupos. Estes últimos estão mais interessados na
saúde da empresa que dos clientes. Tratamentos e medicamentos, muitas
vezes desnecessários, são receitados; aparelhagem técnica complexa e
cara são usadas, muitas vezes, sem precisar.

De modo simples: a idéia (verborréia mentirosa) se alastrou em todas


as áreas deixando de lado os fatos observados. A informação conceitual
(abstrata, idealizada) ao dominar a mente da maioria da população,
seduziu o povo a “trabalhar” para o crescimento da riqueza e domínio dos
charlatões (os que gostam de “charlar”, conversar fiado iludindo a pessoa
com discursos e trejeitos espalhafatosos). Estamos cercados por todos os
lados desses profissionais da charlatanice. Em resumo, passamos a dar
muito valor ao falado e pouco ao observado ou deduzido logicamente.

Uma crença, uma vez assimilada e estabelecida, passa a dominar a mente


de seu possuidor e, consequentemente, prepara um excelente terreno para
o aparecimento, nascimento e crescimento de novas crenças do mesmo
tipo.

Aproveito a oportunidade para citar a idéia de Immanuel Kant: “Por

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mais que minhas palavras te espantem, não deves condenar-me por dizer
que cada homem cria o seu Deus. Do ponto de vista moral, é preciso
criar Deus para poder adorá-lo como nosso criador. Qualquer que seja a
forma…em que tomemos conhecimento da divindade; mesmo…se Deus
se revelasse diretamente a nós…precisaríamos decidir se nos é permitido
(pela nossa consciência) crer nele, e adorá-lo”.

Temos criado diversos deuses: artistas, jogadores, escritores, médicos,


mercadorias, igrejas, medicamentos e diversões; escolhemos crer neles e
adorá-los como afirmou Kant.

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Uma Diarréia e Sete explicações
(princípios e verdades)

Um homem pálido, magro e encurvado, de aproximadamente 25 anos


de idade, vestindo uma camisa amarela desbotada, olhando para o chão,
aproxima-se do balconista da única farmácia de Lumeeira.

Logo que o atendente da farmácia chegou à sua frente, o paciente, sem


cumprimentá-lo, bastante pálido, foi explicando o que sentia e o que
desejava com sua voz fina e baixa:
— Desde ontem estou passando mal. Acho que foi uma fruta estragada
que comi em casa. Estou enjoado, vomitei muito.

Falando mais baixo ainda, Arnaldo continuou:

— Defequei sem parar. Deve ser gastrenterite. Você não acha? Que
remédio bom você tem pra isso?

— Com certeza, você tem uma gastrenterite, disse o vendedor.

O atendente não precisou pensar muito, pois o diagnóstico já fora feito


pelo cliente. Ele buscou em sua memória os medicamentos indicados
para o som ouvido, “gastrenterite”, que o freguês lhe comunicou. Sem
questionar, retirou da prateleira um medicamento usado para o imaginado
pelos dois. Uma vez embrulhada a droga, o homem pálido agradeceu e
saiu apressado.

O que ocorreu entre eles? O diagnóstico rápido


A informação selecionada, observada e fornecida pelo freguês (homem
pálido), de modo superficial, descreve certos fatos percebidos: “enjoado”,
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“passei mal”, “disenteria”, etc. Após a descrição dos eventos, ele imaginou
um possível mecanismo/causa (uma fruta estragada) para o acontecido
e, por fim, o homem pálido classificou (nomeou) o conjunto de fatos e
eventos ocorridos separadamente num só conceito: “gastrenterite”, por
sinal um bonito nome, sério, usado também pelos médicos e, por isso
mesmo, digno de respeito e de crédito.

O atendente, do outro lado do balcão, distraído e cansado das queixas


e do calor do dia ensolarado, sem pestanejar, aceitou as informações
ouvidas do paciente não só com respeito aos sintomas mencionados
como também da categorização. Sem lhe fazer perguntas, vendeu-lhe
um determinado medicamento, aleatoriamente indicado para o nome
escutado: “gastrenterite”.

Não devemos nos espantar com essa maneira simples e prática de resolver
problemas; ela tem sido usada constantemente por nós. Os dois, freguês
e balconista, por viverem numa mesma sociedade, por participarem de
crenças, costumes e modos semelhantes de captar, selecionar, categorizar
e explicar os fatos e acontecimentos de seu meio, tendem a concordar em
diversos pontos nas suas inter-relações. Os dois também, sendo parecidos
na maneira de raciocinar (realismo ingênuo), concordam com a descrição
– diarréia, vômitos, etc. – e as suposições de causalidade – “talvez uma
manga estragada” – e, além disso, estão de acordo, também, quanto ao
“poder das drogas”, isto é, quanto aos medicamentos usados para debelar
o que estava funcionando anormalmente no organismo do freguês.
Por tudo isso, eles não pensaram duas vezes (não raciocinaram mais
profundamente) para decidir o que fariam para retornar o organismo ao
seu estado de saúde anterior.

Outros modos de explicar (diagnosticar


conforme modelos diferentes)
Mas os leitores poderão pensar, espantados: “Existe um outro modo
diferente deste?”.

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Estimulo sua mente para outras estratégias, muitas delas usadas por você.
Há sempre alguém que pensa diferente. O fato captado pelos órgãos
sensoriais, “diarréia”, caso ela tenha existido (visão de fezes líquidas,
cheiro, facilidade de deixar o intestino, etc.), não pode ser mudado e é
percebido mais ou menos do mesmo modo por todos. Entretanto, há
diversos modos de interpretar o percebido, isto é, a diarréia, ou qualquer
outro fato, conforme idéias ou princípios diferentes.

Um poderá imaginar que o mal-estar do homem pálido foi “colocado”


por vingança ou, muitas vezes, por inveja. Todos nós sabemos que certas
pessoas – ou seriam todas? – não gostam de ver as outras saudáveis e felizes
quando elas mesmas não estão bem. Para esses sofredores, se uma pessoa
está bem, amando e saudável, fatalmente ela estará atrapalhando outras
que concorrem, pois têm as mesmas opções. Portanto, muitos procuram
macumbeiros, videntes e outros profissionais semelhantes para “desfazer”
o bem-estar do indivíduo feliz – que podia ser o caso do homem pálido -,
através de técnicas diversas, como poções, rezas especiais, defumadores,
etc. Para esse grupo, o mal-estar sofrido pelo homem pálido não é uma
doença médica e sim um “encosto” provocado pelos inimigos, o conhecido
desmancha-prazer. Como o mal foi posto por alguém, o paciente deverá
submeter-se às ações executadas pelos “entendidos” para tirar ou eliminar
o “encosto”, o “mau-olhado”, como um requintado “banho de descarrego”
ou um banho santo para proteger o corpo; não de um medicamento
vendido nas farmácias. Esse tipo de ação – anular o que foi posto – tem
sido chamado de ritual mágico-religioso. Portanto, nesse caso, a “causa”
da doença foi outra – não foi a fruta estragada-, logo o “remédio” deverá
ser outro também; tudo conforme nosso raciocínio lógico ou formal
correto em virtude do princípio existente.

Mas podemos imaginar outros modos (terorias) de examinar e tratar as


doenças além do médico, do balconista e do mágico-religioso. Podemos,
por exemplo, pensar que a diarréia nada mais é do que um castigo colocado
por um deus doméstico sem o que fazer, e que, por isso, decidiu, para se
divertir nos seus dias de tédio, importunar o nosso amigo “cara pálida”.
Essa idéia é expressa, de forma resumida e simples, através de afirmações
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populares como: “O rapaz adoeceu porque Deus quis”.

A diarréia poderia ser causada, ainda, segundo outros sistemas de


pensamento, mais ou menos sofisticados, por outras forças poderosas. As
forças do além, sempre vigilantes, punem os seguidores de sua crença
quando esses praticam atos contrários aos desejos dos deuses poderosos
e vingadores. Para curar esse tipo de mal, precisamos rezar ou orar e fazer
penitências a fim de acalmar os irados seres melindrosos e caprichosos.
Nesse caso, o “cara pálida” adoeceu por não estar seguindo, de forma
adequada, os ordenamentos ou prescrições dos deuses da igreja vingadora.

Mas há outras interpretações: o homem pálido poderá ter adoecido


porque sua “natureza” nunca tolerou manga; todas as vezes que a ingere,
principalmente as primeiras que amadurecem, fazem com ele tenha
diarréia. Nesse caso o tratamento é evitar comer mangas no início da
safra.

Entretanto, o médico adepto da medicina psicossomática poderá pensar:


— Conheço esse cara. Sua namorada o deixou. Todas as vezes que ele
é abandonado por qualquer rabo-de-saia adoece: vomita, tem náuseas e
diarréia. É fácil curá-lo, basta sua “cara metade” retornar ou ele arrumar
outra mulher para preencher sua temível solidão. Esse médico, caso seja
um psicanalista, indicará para o rapaz, agora denominado de paciente,
uma longa e custosa terapia. O médico ganhará bastante dinheiro e
o agora cliente perderá parte de seus ganhos, tudo em nome de outros
princípios e de ações deles derivados, que, fatalmente, seguirão roteiros
ou estratégias diferentes.

Há ainda uma explicação mais filosófica para a diarréia do homem pálido,


típica dos médicos mais sisudos e especuladores:
— Este ser está vivendo uma crise existencial. Lançado num mundo
confuso, o coitado analisa sua existência vazia e caótica. Desesperado
e isolado, ele busca um significado para sua vida. O homem pálido
não conseguiu assimilar e digerir as misérias e injustiças dos homens,
a degradação dessa sociedade podre, imoral e hipócrita. Revoltado ele
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expele no mundo sua sujeira interna, agredindo os valores universais
através de metáforas. Perdido, evidencia através das fezes e dos vômitos
seu desprezo por tudo que aqui é cultivado com orgulho por um bando de
irracionais. Cria simbolicamente significados novos e singulares gritando
por socorro ao perceber a humanidade perdida. Defeca e vomita no nada,
no mundo inóspito e incompreensível, uma diarréia há muito espalhada
por todos os cantos do mundo.

Decidi parar, pois não mais consigo continuar a descrever outros modos
de examinar uma indigestão. Fiquei emocionado com as palavras do
existencialista ao lembrar-me de uma época de minha vida que li demais
acerca desse assunto e entrei feito idiota para um grupo de pensadores.
Mais burrinho que os outros, não consegui adaptar-me aos intelectuais da
época. De qualquer modo, aprendi muito sobre minhas diversas burrices
e, também, acerca da composição da inteligência dos intelectuais.

Mas, num último esforço, devo-lhe dizer, prezado leitor, que cada um
rotula e esquematiza suas ações e as dos outros conforme seus óculos (a
cabeça que dá suporte a eles). Consequentemente, há a proliferação de
diferentes diagnósticos e terapias, todas, por sinal, corretas quando são
analisadas por suas próprias terorias (lógica interna) e por seus ramos
diretos. Entretanto, essas mesmas teorias, adoradas pelos seus seguidores,
são incoerentes e absurdas quando são analisadas pelas teorias rivais
e diferentes. Comprei, há muitos anos, um livro sobre psicoterapia
que contém um pouco mais de mil diferentes teorias-técnicas dessa
especialidade.

Não presenciamos o mesmo no campo da Física, Química, Astronomia


ou Biologia. Essa proliferação de terorias (palpites) ocorre somente nas
chamadas “Áreas Humanas”, onde o desenvolvimento sendo precário
permite a intromissão dos mais variados palpiteiros e tranbiqueiros
(amadores, profissionais das mais diversas áreas, entre elas, a religiosa).
Cada um fala sobre o homem o que quiser e acredita, como ninguém, na
sua verdade particular.

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As várias maneiras de
interpretar: Esforço para
impedir divergências
As crenças escondidas por trás da fala: as
premissas básicas

Quando usamos as palavras para expressarmos qualquer coisa, como


estou fazendo nesse momento, estamos expressando, em parte, nossas
próprias construções dos acontecimentos, ou seja, as nossas “teorias”,
mas, por trás delas, nossos princípios ou crenças (“Nossa cidade é alegre”
x “Nossa cidade é triste”). Para compreendermos a comunicação ocorrida,
não devemos assumir a existência mágica de um mundo existente na
“realidade”, e então invocar o encantamento do mundo ou de Deus
para comprovar a nossa “verdade” como fez Descartes. Nem devemos
compreendê-lo após arrumá-lo numa pilha de fatos acumulados para ver
se, ajuntando muitos, eles ganham mais realidade.

Necessitamos, para entender a comunicação, examinar seu construtor


através da investigação de suas premissas básicas, suas idéias
fundamentais, isto é, os princípios que estão sendo utilizados, bem como
sua maneira de deduzir acontecimentos, isto é, sua lógica. O exame das
construções pessoais, dentro das quais as idéias ou as palavras brotaram,
e dentro das quais elas passaram a ter um significado íntimo para o
indivíduo que tentou comunicar, nos fornecerá, com alguma segurança,
um entendimento maior da informação.

Precisamos assim, após ouvir as palavras pronunciadas, não simplesmente


voltarmos nossa atenção para o que foi falado, mas, sim, examinarmos

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quem disse o quê, qual a intenção de quem pronunciou isso ou aquilo e,
por fim, como ele argumentou.

Quando uma mãe queixa de seu filho “preguiçoso”, não devemos aceitar
seu som “preguiçoso” e prepararmos uma terapia para sua preguiça.
Devemos, em primeiro lugar, verificar e aprofundar na queixa da mãe,
junto com o exame do seu filho. Só assim poderemos verificar o que deve
ser feito para ajudar os dois. A “preguiça” do menino pode não ser para
jogar “videogame”, sendo apenas para o estudo de matemática.

Geralmente, as queixas acerca das “motivações” das pessoas nos fornecem


mais dados acerca do queixoso que do acusado. Quase sempre são as
pessoas interessadas em manipular as outras em seu próprio benefício
que se queixam das “motivações” das outras, usando, muitas vezes,
verbalizações típicas como: “Ele é pão-duro. Não paga nada para mim”;
“Ele me trata mal; nada que quero ele faz”; “Ele me irrita sem nenhum
motivo”, etc.

Em cada cabeça uma sentença: princípios


diferentes
Um médico clínico geralmente “enxerga” (presta atenção ou focaliza) as
doenças como decorrentes de fatores físicos: traumatismos, infecções,
crescimentos tumorais, etc. O psicólogo “olha”/pressupõe que as “causas”
das doenças estão localizadas nos aspectos psicológicos, isto é, na história
de vida do cliente. Outros acreditam ser os problemas sociais os mais
importantes e os responsáveis por nossos sofrimentos. Os biólogos atuais
enfatizam o genoma humano como causador dos males e virtudes do
homem. Mas tem muitos e muitos outros modos diferentes: os políticos,
cada vez mais ricos, acreditam ser a miséria a causa de tudo; os crentes
pregam um mundo ideal e feliz, através das orações e do pagamento do
dízimo; diversos profetas vêem as doenças como castigos devido aos
pecados, outros como ações dos astros e outros, ainda, imaginam que as
doenças surgem após “desarmonias do cosmo”. Portanto, em cada cabeça

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uma sentença. Cada grupo ou pessoa focaliza e explica os acontecimentos
conforme suas análises particulares, que, por sua vez, são coordenadas por
suas crenças íntimas, pelos princípios subjacentes às suas interpretações;
estas, muitas vezes, são desconhecidas para o próprio explicador. As
explicações ocorrem como a diarréia do homem pálido.

Não é raro continuarmos a pensar da mesma maneira, apesar de que, à


nossa volta, tudo dá errado. Muitas vezes, culpamos Deus ou o Diabo, a
má sorte, o vizinho e nossos pais, mas, quase sempre, nunca os nossos
modelos limitados de enxergar o mundo. Não examinamos a tática usada
para resolver o aborrecido, isto é, nosso modo de assimilar, organizar,
sistematizar e interpretar os fatos selecionados para dar apoio ao nosso
pensamento. Geralmente as estratégias por nós usadas para executar esse
difícil e complicadíssimo trabalho não funcionam de modo eficiente para
compor o problema enfrentado, isto é, o produtor da nossa queixa.

O esforço dos governantes (pais e outros


governos) de limitar os modelos
A cultura, de certo modo, tende a incentivar a limitação de modelos.
Assim é que fomos educados para termos cuidados com certos livros, para
não conversarmos com certas pessoas perigosas por pensarem diferente,
não casarmos com os estranhos, mas sim com o parente ou vizinho da
mesma religião e cidade com os mesmos valores nossos, procurar sempre
as mesmas pessoas (médicos, advogados, religiosos) para opinar sobre
um ou outro problema e assim por diante. Pregamos e usamos a “verdade
única”, como se isso fosse possível e desejável.

Todas as prescrições são dirigidas para que a pessoa não mude suas
crenças básicas, suas “verdades eternas” e fundamentais. Há sempre o
medo de ser contaminado por outros modos de pensar diferentes, pois
esses poderiam nos corromper, levando-nos a “olhar” o mundo de um
modo inadequado e moralmente condenável. Todo esse trabalho para
tornar os homens semelhantes quanto ao modo de focalizar, enfatizar e

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interpretar a realidade visa a tornar os homens semelhantes (mesmice),
pois, desse modo, fica mais fácil para o pai, pastor ou padre e, também, para
o presidente governar as ovelhas obedientes, convergentes e “sensatas”.

A pessoa rígida, isto é, o convergente, que pensa como os outros e que


mantém o mesmo “ponto de vista”, focaliza um aspecto principal, usa um
tipo de ferramenta para examinar a realidade, organiza o percebido de um
só modo e usa um esquema interpretativo. Segundo a fala popular, esta (a
pessoa rígida) “tem muita personalidade” e não muda de opinião, mesmo
diante de fatos que mostram que o seu “mapa” mental não é adequado
para assimilar os diversos “territórios” existentes. Esses indivíduos têm
mais probabilidade de fracassar nos seus empreendimentos.

A maioria das pessoas possui um “modo de ver” os fatos e suas


consequências através de modelos não só pobres e limitantes do mundo,
mas, também, sem a presença de um “modo de ver” particular, que
supervisiona os outros minimodelos, ou seja, o modelo examinador dos
modelos. Em outras palavras, poucos têm uma representação ampla capaz
de englobar e criticar as representações menores. Isso leva as pessoas a
uma limitação na criatividade e “jogo de cintura”, mais fixidez e teimosia
nas ações e nas interpretações dos acontecimentos pela inexistência de
crítica.

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A verdade e os diferentes modos
de explicar

A conduta (a tomada de decisões) do homem é determinada pela maneira


como ele capta (apreende, obtém), percebe, emociona-se, pensa e prevê
os acontecimentos. Através do trabalho sensorial, perceptual, cognitivo,
emocional e imaginário o ser humano tenta construir (representar) para
si um mundo significativo (inteligível, compreensível) e emocionalmente
sentido como agradável ou desagradável, para aproximar ou escapar
dele. Para executar esse trabalho, o homem capta, classifica e ordena uma
multidão de estímulos focalizados e importantes para ele no momento e,
ao mesmo tempo, descarta as mensagens desnecessárias: fatos, objetos
e pessoas. Em seguida avalia o compreendido através do bem-estar
emocional produzido por sua crença, ou relaciona o concebido com outros
conhecimentos existentes. Diante desse encontro o homem usa modelos
para organizar o percebido ou conjeturado e, também, geralmente, sente
emoções diante da composição do caos disposto de forma ordenada. O
conhecimento é adquirido através do modelo (padrão, esquema) utilizado
e das emoções sentidas.

Os acontecimentos estão constantemente ocorrendo em torno de nós


e são ordenados conforme as diferentes concepções ou interpretações
que, uma vez armazenadas em nossa memória, são usadas automática e
implicitamente. Somos nós, conforme nosso próprio modelo mental, que
organizamos, em nosso pensamento, certos acontecimentos e não outros.
Enfatizamos alguns deles, valorizamos uns mais que os demais e criamos
assim sentido para fatos antes soltos e desorganizados no meio ambiente
e que, sem a participação de nossa mente única (diferente de todas as
outras), encontravam-se sem significado.

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Apesar de todo o esforço de nossa mente jamais iremos conseguir
alcançar a verdade “verdadeira”, pois a verdade captada é criada de acordo
com o momento que estamos vivendo, com o conhecimento captado e os
modelos usados no instante, adequado ou inadequado àquela situação
particular, isto é, ela varia de pessoa para pessoa e de momento para
momento.

Com frequência, acreditamos estar de posse da verdade ao percebermos


existir certa relação prática e funcional entre os nossos desejos e esperanças
e os resultados aparentes de nossas ações. Ao estabelecermos apenas uma
concepção da realidade caótica, eliminamos várias outras interpretações
possíveis, e ficamos convencidos de ser a nossa análise a única aceitável
ou correta. Vejamos alguns exemplos extremamente simples: um garoto
residindo na zona rural criou um modelo de diversão a partir de uma
bola, um cão e algumas brincadeiras existentes em sua cidade. Um dia
ele veio passear em Belo Horizonte e visitou um parque de diversões.
Provavelmente, ficou boquiaberto e confuso ao ver tanto brinquedo
desconhecido. Ora, o “deslumbramento” acerca da “verdadeira diversão”
será oposto caso o menino estivesse acostumado a visitar a Disneyworld.
Um segundo exemplo: uma adolescente de 15 anos conquista o seu
primeiro namorado, um imberbe de 16 anos. Fica encantada com suas
declarações de amor e com sua técnica eficiente de abraçá-la e beijá-
la. Posteriormente, conhece um rapaz treinado nessa arte com esmero.
A mocinha passa a ter um novo modelo, uma nova “verdade” do que
seria um “bom” ou “excitante” namorado e reformulará o seu julgamento
inicial.

O amigo leitor poderá lembrar-se de vários exemplos pessoais: suas


preferências culinárias antigas e as de hoje; suas escolhas passadas e
as atuais quanto à música, passeios, política, literatura, programas de
TV, futebol, etc. A sua concepção do mundo, com a idade, tornou-se
diferente; seu “mapa mental”, ainda que vivendo num “território” muito
semelhante ao antigo, não é mais o mesmo. Agora, possuindo novos
modos de “enxergar” a realidade, pois faz uso de novas “lentes”, descobrirá
novos valores. Você passa a perceber acontecimentos antes não notados,
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representa fatos ao seu redor de maneira diferente e visualiza o mundo de
outro modo.

Chamo a atenção do leitor que as nossas primeiras “lentes” usadas para


detectar as “verdades” da realidade não foram criadas por nós. Algumas,
como as emoções sentidas, fazem parte de nosso organismo biológico
(nascemos com elas), outras foram aprendidas através de nossos
educadores: pais, professores, companheiros e outros. Esses modos de
captar estímulos e “olhar o mundo” nos foram transmitidos, na maioria das
vezes, de maneira simples, ingênua e até mesmo tola. Uma vez inculcadas
essas “verdades”, elas nos darão uma representação do mundo semelhante
à existente na mentes dos nossos educadores. As novas informações que
nos chegam posteriormente, com frequência, vêm fortalecer as idéias
primitivas, pois o comum é convivermos com pessoas que pensam de
modo semelhante ao nosso, lermos livros previamente examinados e não
censurados e assim por diante. Temos a tendência de gostar de ler ou de
ouvir discursos ou pregações fáceis de serem assimiladas, ou seja, que
estão de acordo com o aprendido e valorizado por nós.

Psicologicamente é mais fácil manter as verdades iniciais, pois assim não


temos que repensar e jogar por terra crenças queridas e familiares, que
davam coerência ou sentido ao mundo experimentado. A entrada de
novos modos de pensar – de conhecer a realidade – nos perturba e nos faz
perder a harmonia antes existente diante da derrubada de nossas “sólidas”
crenças. Não é fácil trocar uma crença, como “Minha mãe sempre me
amou”, por outra, tal como “Minha mãe, de fato, me odiava”. Essa mudança
nos obrigaria a reformular nossa opinião, sentimento e conduta nos mais
diversos aspectos, pois a nova crença cria modos diferentes de organizar
nossos modelos mentais. Também, a troca da crença “Minha namorada
só se encontra comigo” pela “Minha namorada anda me traindo com
outro; talvez, outros”, também iria produzir sérias mudanças na maneira
de pensar, sentir e viver.

Muitas vezes, apesar de todas as evidências dos fatos, contrárias ao modelo


estabelecido, a pessoa continua a adotar a crença inicial. Quase sempre,

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só com algum sofrimento, até mesmo com algum sentimento de culpa,
é que conseguimos mudar as “verdades” gerais ou princípios iniciais,
principalmente quando as novas são totalmente diferentes das antigas.
Por outro lado, não é difícil mudar a percepção de fatos sensoriais, como
passar a gostar de espinafre ou de ovos após prová-los algumas vezes ou,
ainda, passar a escovar os dentes, pois, caso contrário, será criticado pelo
mau hálito.

O homem é um inventor de verdades, um conceitualizador de


acontecimentos, um representador de uma realidade que ele nem sabe
quanto de real ela tem. E como se dá essa invenção? Por capricho,
raciocínio, emoção ou pressão dos fatos? Ainda não possuo essa verdade,
mas gostaria muito de possuí-la.

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Sistema de pensamento:
Holístico versus Analítico

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Modelo Holístico (oriental) x
Analítico (ocidental)

Os asiáticos (orientais) usam o modelo holístico para explicar, isto é, eles


tendem a examinar o campo inteiro, atribuindo a ele a causalidade dos
eventos. Eles fazem pouco uso de categorias (do individual), bem como
da lógica formal. Para explicar os eventos eles confiam no raciocínio
dialético; examinam os dois lados da situação.

Os ocidentais (homens americanos, principalmente), por outro lado, são


mais analíticos, colocam mais atenção nos objetos isolados e nas categorias
às quais eles pertencem (“lápis”; objeto para escrever) e, além disso, usam
regras para incluir e deduzir, como a lógica formal para compreender a
conduta do objeto, incluindo o homem.

Portanto, há considerável diferença para captar, observar e,


consequentemente, explicar os eventos ou comportamentos e as várias
comunidades. Isso forçosamente irá afetar não somente suas crenças
acerca de aspectos específicos do mundo, mas também a natureza de seu
processo cognitivo, isto é, a maneira pela qual eles conhecem o mundo.
Mais especificamente, organizações sociais diferentes dirigem suas
atenções para alguns aspectos de um campo em detrimento de outro.
Assim, o que é examinado como importante numa cultura vai influenciar
suas crenças acerca da natureza do mundo e acerca das causalidades
desse. De outra forma: as crenças mais arraigadas e profundas populares
de culturas diferentes (ocidentais e orientais) diferem acerca do que é
importante para se conhecer e como o conhecimento dessas coisas poderá
ser obtido.

Por tudo isso, as diferentes crenças irão ditar tanto o desenvolvimento

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como a aplicação de somente alguns processos cognitivos em detrimento
de outros. A organização social e as práticas sociais podem diretamente
afetar a plausibilidade das afirmações, como, por exemplo, se a causalidade
seria olhada como residindo num campo versus a que afirma a causalidade
no objeto (“Bush está destruindo os Estados Unidos”.).

A Grécia antiga – Individualismo (Agência


Pessoal)
Uma das mais notáveis características da Grécia antiga (Iônicos e
Atenienses em particular) era a locação do poder no indivíduo. As
pessoas ordinárias desenvolviam um sentido de agência pessoal que não
havia acontecido em outras gerações anteriores. A definição de felicidade
para os gregos era “o exercício dos poderes vitais através das linhas de
excelência na vida…”. Para alcançar a “felicidade” os gregos acreditavam
na influência dos deuses (intervenção divina) e, também, numa ação
humana independente, isto é, para eles as duas trabalhavam juntas.

A vida diária dos gregos estava imbuída com um sentido de escolha do


indivíduo (“Eu quero…”), pois eles não contavam com a restrição social.
A idéia do estado Ateniense era a união de indivíduos livres capazes de
desenvolverem seus próprios poderes e viverem suas vidas conforme suas
próprias escolhas quanto à maneira de ser. Eles acreditavam obedecer
somente às leis criadas e promulgadas por eles mesmos, normas que
podiam ser criticadas e mudadas conforme seus desejos.

Homero enfatizava que, além de ser um guerreiro valioso, a mais


importante habilidade de um homem era ser um grande debatedor.
Mesmo as pessoas comuns participavam dos debates da praça do mercado
e das assembléias políticas e podiam até mesmo desafiar o rei.

Um aspecto da civilização grega importante para todos nós foi seu sentido
de curiosidade acerca do mundo e a pressuposição que esse podia ser
compreendido através da descoberta de regras que regessem os eventos.
De outro modo, podíamos criar normas capazes de englobar os eventos
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em categorias, bem como descobrir suas relações. Partindo desses
pressupostos, os gregos, especulando acerca da natureza dos objetos e
eventos que os circundavam, foram capazes de criar modelos a respeito
do meio ambiente onde viviam; uma pré-ciência.

A construção desses modelos foi elaborada a partir da categorização


de objetos e acontecimentos e, também, criando regras visando a
descrição sistemática, a predição e a explicação dos fatos. Foram essas
inovações com respeito à maneira de pensar ou de conhecer a realidade
que possibilitaram novas descobertas no campo da Física, Astronomia,
Matemática, Geometria, lógica formal, Filosofia Racional, História
Natural, História e Etnografia.

Ao mesmo tempo, ou antes, antigas civilizações, incluindo a Mesopotâmia


inicial e Egito, fizeram observações sistemáticas em muitos domínios
científicos, mas somente os Gregos tentaram criar um modelo (teoria do
observado) de tais observações em termos de causas presumíveis sob os
acontecimentos físicos.

A Antiga Civilização Chinesa – Harmonia


Contrastando com a civilização grega, a chinesa enfatizava o oposto do
“agente pessoal”. Ela focalizava mais a obrigação social recíproca (do
grupo) ou do “agente coletivo”. Os chineses sentiram que o individualismo
era parte de um ajuntamento da malha da coletividade, visto como
uma família ou um aglomerado de uma cidade, por isso, a conduta do
indivíduo deveria ser guiada não pela expectativa de um indivíduo, mas
sim pela expectativa do grupo.

O sistema moral chinês fundamental, o Confucionismo, foi essencialmente


uma elaboração das obrigações prescritas entre o imperador e o sujeito,
pais e filhos, amigo e amigo, marido e mulher, irmão e irmão, etc. A
sociedade chinesa fez o indivíduo se sentir parte de um grande e complexo
(geralmente benigno e acolhedor) organismo social. Neste nicho os papéis
prescritos relacionados à união eram os guias para a conduta ética. Os

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direitos dos indivíduos estavam presos ao compartilhamento dos direitos
da comunidade como um todo. A obediência ao sistema hierárquico (rei,
pais, mais velhos) tinha prioridade sobre a maioria das outras ações.

A ênfase no coletivo, o contrário do individualismo, resultou na


valorização chinesa da harmonia grupal. Esta harmonia ocorre quando
os ocupantes de um grupo social realizam suas funções sem transgredir
certos deveres, principalmente as expectativas grupais. Assim, num
grupo social, qualquer forma de confrontação, tal como o debate, era
desencorajado; o contrário do que era enfatizado entre os gregos.

A civilização chinesa foi tecnicamente mais avançada que a grega,


como, por exemplo, no sistema de irrigação, tinta, porcelana, compasso
magnético, estribos, roda do carrinho de mão, broca para furar, triângulo
de Pascal, barreiras para canais, barcos, compartimentos para água, leme
para barco, cartografia quantitativa, técnicas de imunização, técnicas
astronômicas de observação, sismógrafos, etc. Muitos desses ganhos
tecnológicos foram postos em funcionamento quando a Grécia ainda não
tinha nenhum. Entretanto, na China esse progresso tecnológico não foi
criado devido a investigações minuciosas ou a teorias científicas. Tudo
isso foi desenvolvido por meios artesanais, por tentativas de soluções
diante de problemas concretos e práticos encontrados, isto é, devido aos
fatos observados pelos órgãos dos sentidos. Não houve, entre os chineses,
preocupação de construírem modelos formais (lógicos) do mundo
natural vivido.

A Ciência Chinesa e Grega, Matemática e


Filosofia
As diferentes crenças e posturas dessas duas civilizações refletem
existências sociais diversas: holística versus analítica. O pensamento
holístico está envolvido numa orientação do contexto ou campo como
um todo, incluindo atenção às relações entre um objeto focalizado e seu
campo, e uma preferência por explicar e predizer acontecimentos baseados

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em tais relações. A abordagem holística prende-se no conhecimento
experiência/baseado (mais intuitivo) mais do que no da lógica abstrata,
sendo dialético, significando dar ênfase nas mudanças e, principalmente,
reconhecendo contradições entre uma e outra explicação, vantagens e
desvantagens numa mesma ação. Essa postura conduziu a olhar e explicar
o Universo através de óculos com perspectivas múltiplas e na procura
de um “caminho intermediário” entre proposições opostas (feio e bonito,
bom e mau).

O pensamento analítico está envolvido com o destaque (isolamento) de


um objeto do seu contexto, uma tendência a focalizar atributos do objeto
para colocá-lo numa categoria, e na preferência do uso de regras acerca
da categoria para explicar e predizer a conduta do objeto. As inferências
fazem parte nessa estrutura de descontextualização do conteúdo, o
uso da lógica formal e a fuga da contradição. O pensamento holístico
é associativo e sua computação reflete semelhança e contiguidade. O
pensamento analítico seleciona sistemas de símbolos representacionais e
sua computação reflete regras de estrutura.

Continuidade versus separação (intervalo)


entre a explicação holística e analítica
Uma diferença intelectual fundamental entre essas civilizações é a de
que a chinesa vê o mundo como uma coleção de encaixes (justaposições)
e de substâncias ou matérias. Isto contrasta com as idéias Platônicas
descrevendo os objetos como individuais ou particularidades que têm
propriedades que são elas mesmas universais, como “dureza” e “brancura”.
Os gregos estão inclinados a ver o mundo como uma coleção de objetos
separados os quais são categorizados em referência a algum subconjunto
de propriedades universais que caracterizam o objeto.

Campos versus Objeto


Para os chineses as partes (objetos) só existem dentro do todo, sendo

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inseparáveis. Para os gregos, o foco é o objeto central e seus atributos. Isto
contribui para a falta de compreensão dos gregos com respeito à natureza
fundamental no domínio da causalidade física. Aristóteles explicou que a
pedra cai porque tem a propriedade de “gravidade”, enquanto uma folha
tem a propriedade de “leveza”. Os chineses, ao contrário, reconheciam que
todos os acontecimentos são devidos às operações de campos de força,
pois eles, de modo prático, já conheciam o magnetismo e a ressonância
acústica. A idéia de cirurgia vem do Ocidente: tirar o órgão estragado
para consertar o mal. Entre os chineses essa idéia era herética, pois, para
eles, a saúde depende do equilíbrio e fluxo de forças naturais através do
corpo.

Dialética versus Princípios Fundamentais de


Lógica
Em lugar da lógica, os chineses desenvolveram a dialética, a qual envolve
reconciliação, transcendência ou mesmo aceitar contradições aparentes.
Para a tradição intelectual chinesa, não importa haver incompatibilidade
entre a crença A e a não A, pois ambas têm mérito. Na verdade, para o
espírito de Tao ou princípio yin-yang, “A” pode atualmente implicar “não
A” (branco e preto, feio e bonito). O estado oposto de problemas pode
existir simultaneamente com o estado de transtorno (querela, luta). Isso
indica encontrar o meio termo entre os extremos, aceitando que as duas
partes da disputa podem ter direito a sua parte ou que as duas proposições
opostas podem conter alguma verdade (nova, não percebida ainda).

Experiência/baseada (intuição)versus análise


abstrata
Os chineses procuravam intuitivamente o conhecimento instantâneo
através da percepção direta, ou seja, a intuição. Isto compreende focalizar
um momento particular do conhecimento assentado em casos concretos.

Os gregos enfatizavam o conhecimento fazendo uso da lógica e dos


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princípios abstratos. A experiência concreta e direta era vista como
não sendo de confiança e, além disso, incompleta. Nestes casos, eles, ao
mesmo tempo em que desprezavam a experiência imediata e concreta,
aceitavam e acreditavam no estado dos corpos que observavam,
focalizavam e pensavam de certo modo como verdade (realidade) que
tinham percebido, mas, também, acreditavam numa possível dedução
acerca dos fatos acontecidos para explicar o Universo.

Apesar de não apreciarem a observação, ironicamente, uma importante


descoberta dos gregos a partir da lógica formal foi o desenvolvimento
das ciências, uma atividade que foi impedida de se realizar por muitos
anos. Após o século VI do período Jônico (Iônico), a tradição empírica na
ciência grega foi grandemente enfraquecida. O empirismo foi combatido
pelos gregos assentados na convicção, por parte dos filósofos, que a
realidade podia ser compreendida fazendo uso apenas da razão, isto é,
sem a utilização dos órgãos sensoriais e, principalmente, sem as emoções.

Sistemas sócio-cognitivos: organização social,


atenção e metafísica ingênua
Se uma pessoa vive num mundo social complexo, fazendo uso de diferentes
papéis diante das diversas relações sociais, sua atenção será provavelmente
dirigida para fora de si mesma e para o campo social. Os chineses, por
hábito, ao atenderem mais ao meio social, focalizavam o meio ambiente
em geral. Esta postura permitia, por exemplo, fortalecer a importância do
campo no conhecimento dos eventos físicos. Se percebemos nós mesmos
como embutidos (misturados) dentro de um contexto mais abrangente,
no qual a pessoa é uma parte interdependente, é provável que outros
objetos e eventos no campo também sejam percebidos de modo similar.
A atenção ao campo deveria promover tentativas para compreender
relações entre objetos e eventos no campo e deveria encorajar explicações
de acontecimentos em termos de suas relações; objeto e campo. Do
mesmo modo dentro do campo social.

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Por outro lado, se vivemos num mundo com poucas relações sociais e
restrição de papéis, é possível atentar primariamente para o objeto e as
metas da pessoa com respeito a ele. As propriedades do objeto podem
assim ser salientes e a pessoa pode ser encorajada para usar aquelas
propriedades para desenvolver categorias e regras que presumivelmente
governam a conduta do objeto.

A crença (ilusória) de que a pessoa conhece as regras governadoras da


conduta do objeto (intenções, motivações, emoções, cognição) podia
encorajar o foco exclusivo nas explicações do objeto e a crença que o
mundo é um lugar que é controlável através de nossas próprias ações.
Entretanto, o mundo provavelmente será percebido como separado
da pessoa, descontínuo, por aqueles que olham a si mesmos como
entidades altamente distintas, autônomas, tendo conexões limitadas com
outros e possuindo a capacidade para agir com autonomia e não como
heteronômicos.

Os gregos e os chineses desenvolveram hábitos diferentes para explicar


eventos com referência ao campo ou ao objeto pertencente a uma
determinada categoria. Assim, para os gregos, torna-se importante
descobrir as propriedades e a categoria a que pertencem os objetos, tendo
como hábito ou padrão perceptual a descontextualização (a retirada do
campo ou contexto) dos objetos do campo a que eles pertencem, e também
os hábitos cognitivos para explicar a conduta em termos de categorias e
regras aplicadas a ele. Todo esse modo de perceber e conceber (conhecer)
de um grupo e outro são automáticos e inconscientes e contaminam toda
a estratégia epistemológica subjacente ao pensamento ingênuo.

Da Organização Social ao Processo Cognitivo


Os dois modos de uma e de outra cultura, grega e chinesa, de trabalhar
com o conhecido, a lógica e a dialética podem ser vistos como ferramentas
cognitivas desenvolvidas para lidar com conflitos com o mundo externo
e, também, interno.

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As pessoas, nas quais a existência está baseada na harmonia, não
deveriam esperar desenvolver uma confrontação ou debate. Ao contrário,
suas metas intelectuais, quando confrontadas com uma contradição,
podem ser orientadas para a solução da contradição, transcendendo ou
encontrando um “caminho intermediário”.

Ao contrário, as pessoas que estão livres para a contenda com seus


vizinhos podem esperar desenvolver regras para a condução do debate,
incluindo princípios da não-contradição e da lógica formal. Os gregos
deram nascimento às ciências apoiados em princípios da retórica que
governavam os debates em praça pública.

Os chineses estão presos à situação concreta, isto é, sensitivos ao meio


ambiente. Os gregos estão centrados neles mesmos, no indivíduo, e eles
esperam que o meio ambiente seja sensitivo a eles. Os chineses são mais
passivos e os americanos (principalmente o homem) ativos ao lidar com
o meio.

Atenção e Controle
A localização da atenção é altamente maleável e sujeita à aprendizagem
estratégica de adaptação e, como a percepção, pode ser melhorada. As
pessoas em algumas culturas prestam mais atenção a muito mais amplos
acontecimentos, ao mesmo tempo, que as pessoas de outras culturas.
Se os ocidentais prestam mais atenção aos objetos, e acreditam que
eles compreendem as regras que influenciam a conduta do objeto, eles
podiam ter uma crença maior na controlabilidade do objeto do que os
asiáticos. Em decorrência desse modo diferente de perceber e de prestar
atenção, podemos concluir que: a) os asiáticos vêem mais relações entre
os elementos; b) vêem mais o todo que as partes; c) encontram mais
dificuldades em diferenciar um objeto quando ele está embebido num
campo e d) suas percepções e condutas deveriam ser mais influenciadas
pelas crenças que eles têm sobre os objetos ou meio.

Diversas pesquisas têm sido descritas para identificar respostas de

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chineses e americanos com as respostas holísticas versus as analíticas.
Cenas de uma pescaria mostradas para chineses e americanos concordam
com o descrito acima: os ocidentais vêem o foco e os orientais o campo; o
americano supõe poder controlar o meio ambiente externo para atingir o
desejado, enquanto que o chinês se autocontrola para se adaptar ao meio
externo. O americano, mais otimista, supõe poder controlar o ambiente.

Explicação e Predição
Se os ocidentais atentam mais para os objetos, nós podemos esperar que
eles atribuam causalidade aos objetos. Os asiáticos, por outro lado, por
terem sua atenção voltada mais para o campo e relações entre os objetos
no campo, tornam-se mais inclinados a atribuir causalidade ao contexto
e à situação.

Entre os americanos, há uma tendência para ver a conduta como produto


das disposições do ator e ignorar outros importantes determinantes da
conduta. Uma pesquisa mostra que os americanos explicam a conduta de
uma outra pessoa predominantemente em termos de traços (descuidado,
bom, inteligente, preguiçoso), já os indianos explicam as condutas
comparando-as em termos de papéis sociais, obrigações, meio ambiente
físico e outros fatores contextuais.

Uma outra pesquisa acerca de assassinos em série relatou que os


americanos explicam as causas como uma presumida doença mental e
outras disposições negativas dos criminosos, enquanto os relatos dos
chineses do mesmo acontecimento tecem especulações usando a situação,
o contexto e mesmo fatores sociais que podiam estar relacionados. Num
e noutro caso, as pessoas usam termos, por perceberem e focalizarem
coisas diferentes, diversos para explicarem o mesmo evento.

Portanto, as regras e as categorias seriam esperadas como sendo as


principais bases para se fazer a organização dos eventos no ocidente. As
causalidades (regras) tidas como fazendo parte do objeto, por exemplo,
usadas pelos ocidentais, são valores que são aplicados num grande

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número de objetos, isto é, dando origem a uma categoria. Por outro lado,
se os orientais atribuem causalidade primariamente no campo, então a
causalidade toma forma da relação entre o objeto e o campo.

Diversos estudos indicam que a Ásia Oriental confia menos nas regras e
nas categorias e mais nas relações e semelhanças para organizar o mundo
que se tenta entender e explicar; o oposto acontece com os americanos.

Princípios da dialética
Princípio de mudança – a realidade não é um processo estático, mas
dinâmico e mutável. Uma coisa não necessita ser idêntica a ela mesma; há
uma fluidez constante.

Princípio da contradição – como a mudança é constante, a contradição


é constante. Assim, o velho e o novo, o bom e o mau existem no mesmo
objeto ou evento e na verdade dependem de um ou outro para sua
existência.

Princípio das relações ou do holismo – como há constante mudança e


contradição, nada na vida humana ou na natureza é isolado e independente.
Tudo está relacionado.

As origens dos sistemas sócio-cognitivos


A civilização chinesa foi baseada na agricultura. Nesta, obrigatoriamente,
havia uma constante cooperação de um indivíduo com seus companheiros
e ou vizinhança, forçando-os a viver em harmonia com a ordem social.
Nesta ordem social, o Rei, depois Imperador, ou a burocracia, controlava
as ações. Esse coletivismo ou interdependência é a orientação social dos
chineses.

A ecologia grega, por outro lado, conspirava contra a base agrária. Na


Grécia o trabalho consistia mais no uso da pesca ou do rebanho. Nestas
atividades a pessoa, mais isolada, podia trabalhar independente. Também,
a política grega era mais descentralizada. Cada cidade tinha seu controle

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próprio e, por isso, era mais livre nas suas ações.

Foi desses dois tipos de conduta que nasceu a crença de que laços sociais
mais fortes poderiam produzir uma orientação mais holística no mundo.
Os fazendeiros são mais dependentes que os caçadores, industriais ou
boiadeiros. Os campos/dependentes são mais interessados em lidar com
problemas sociais que os de orientação oposta. O esforço para melhorar as
condições de um povo “oriental” (campo) X “ocidental” (cidades grandes)
será muito diferente para um e outro grupo.

Os sistemas de pensamento para existir em homeostase (equilíbrio)


com as práticas sociais precisavam estar conforme as situações que as
circundavam: a interatividade de um lado e o afastamento de outro (asilos
e prisões, para isolamento). A lei, num lugar, tende a resolver conflitos
na base de negociação intermediária. Há possibilidade de um contrato
ser alterado e renegociado. Quanto à religião, sua filosofia subjacente
permite a interpenetração e mistura de qualidades de uma e de outra
incorporando aspectos de diversas delas. Em contraste, a religião Cristã
tende fortemente para insistir em sua pureza única, na não mistura. Como
consequência, há mais guerras religiosas no Ocidente (Grã-Bretanha) que
na Ásia. A linguagem é pictórica por excelência no oriente. No ocidente,
ela é analítica, com letras compondo palavras e, estas, frases, parágrafos,
etc.

Os processos cognitivos existem em sistema de pensamento dependente


e em reforço mútuo, de modo que um dado estímulo de uma situação
muitas vezes dispara processos bastante diferentes numa cultura e em
outra. Daí não ser possível uma distinção aguda entre processo e conteúdo
cognitivo.

Os sistemas ocidentais
A epistemologia tácita (implícita, subentendida) é que irá ditar os
procedimentos cognitivos que as pessoas usam para resolver problemas
particulares. O conteúdo imaginado são crenças acerca da natureza do

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mundo que determina a epistemologia oculta (não mostrada). A pessoa
que acredita que o conhecimento acerca de objetos é normalmente tanto
necessário e suficiente para compreender sua conduta acreditará na sua
importância para descobrir as categorias apropriadas que devem ser
aplicadas nos objetos e nas regras adequadas que irão ser aplicadas às
categorias.

Haverá uma procura por categorias e regras que irão ditar os modos
particulares de organizar o conhecimento bem como os modos de obter
novos conhecimentos acerca das regras. Estas práticas, por sua vez, são
ajudadas pela confiança na lógica formal, com especial atenção para o
fantasma (espectro) da contradição que subdetermina as crenças acerca
da validade das regras.

As abstrações serão as metas porque as categorias e regras serão usadas


justamente para indicar que elas têm uma ampla possibilidade e porque
pode ser mais fácil aplicá-las conforme a lógica formal para a abstração
do que os objetos concretos.

Os sistemas orientais
De modo similar podemos pensar acerca das pessoas que pensam que a
causalidade é uma função complexa de múltiplos fatores operando em
um objeto num campo. A complexidade indica uma mudança constante
e dinâmica. Uma crença numa mudança e instabilidade tende a criar
hábitos de categorização e busca por regras universais acerca de objetos
que parecem irrelevantes, ou melhor, uma tentativa para ver a inter-
relação de eventos como importantes. A contradição parece inevitável,
desde que a mudança é constante e fatores opostos sempre existem.
A preocupação com objetos concretos será vista como mais útil que a
procura por abstrações. A lógica não será admitida para prevalecer ou
dominar a experiência ou o senso comum.

Para finalizar
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Assim, cada povo – ou pessoa – possui sua mala carregada de utensílios
ou ferramentas diferentes para lidar com o mundo. Cada um usa seu
instrumento preferido ou disponível para o mesmo problema. Os
membros de diferentes culturas (ou pontos de vista, teorias) parecem
não ver o mesmo estímulo-situação como um problema que necessita ser
observado e notado. Uma aparente contradição num estímulo pode ser
um problema para os ocidentais, mas não para os orientais.

Um outro aspecto é que as culturas diferentes podem construir diferentes


ferramentas cognitivas para lidar com os problemas levando as pessoas
a tomar medidas diferentes ou nem tomá-las, conforme o caso, como
as estatísticas modernas, custo/benefício, que são ferramentas que não
existiam no século XVII. Do mesmo modo, houve uma transformação
da antiga noção chinesa de yin e yang para noções dialéticas acerca
de transformação, moderação, relativismo e a necessidade de pontos
de vistas diversos. As diversas “ferramentas” estão impregnadas de
“terorias” não percebidas que contaminam estes instrumentos sem que
seu possuidor perceba. Conforme a ferramenta usada, uma realidade
diferente é observada e, consequentemente, uma ação diversa é utilizada
para resolver o problema.

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A Auto-Estima e as Diferentes
Culturas
Para ilustrar modos variados da construção do mapa mental, descreverei
os estilos diferentes, americanos e japoneses, de conceber a auto-estima.

O conhecimento do estilo de enfatizar a auto-estima existente entre os


norte-americanos exige um entendimento compreensivo dos vínculos
com outros conceitos culturais centrais que as experiêcias e as instituições
alimentam e promovem (sustenta, encoraja, cria). Entre estes conceitos
incluem-se: independência, liberdade, escolha, capacidade, controle
e responsabilidade individual, expressão pessoal, sucesso e felicidade.
Todas essas categorizações espalham-se, difundem-se, tanto nos grandes
como nos pequenos momentos da vida social cotidiana. A natureza
fundamental da submissão e do envolvimento pessoal com os valores
incluídos nos conceitos se torna mais evidente se olharmos o mesmo fato
sob a perspectiva de uma rede cultural diferente como a oriental.

Autodireção Independente (A Orientação


Americana)
A suposição individualista, acerca do significado de uma pessoa, tem
sido admitida há tanto tempo que ela se tornou invisível. Não obstante,
ela é facilmente reconhecida. A suposição individualista é refletida e
encorajada pelas instituições controladoras, tais como as famílias, escolas
e a mídia. Todas essas agências incentivam, ordenam e instituem práticas
da vida diária, tais como aquelas relacionadas ao cuidado com as crianças
com essa suposição subjacente.

Conforme essa rede de afirmações ontológicas do individualismo, a


pessoa é afirmada ou aceita por ser um ser separado e, ligeiramente,
não-social, isto é, um indivíduo que existe independentemente das
outras pessoas: “Maria é meiga e João é bravo”. A conduta, conforme
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essa conceituação ou modelo, é definida como uma consequência de
propriedades ou de atributos próprios de cada indivíduo diferente e não
devido às suas relações com outros: “João ficou bravo devido às críticas de
Maria”. Nesse caso a ação da pessoa depende, em parte, da ação da outra,
ou seja, a pessoa e a sociedade; como organismo vivo, ele emerge devido
às interações de suas partes.

Descartes afirmou que o aspecto definidor da personalidade era uma mente


que estava separada do corpo material e de outras mentes. A Reforma,
a revolução industrial e científica, e a difusão do capitalismo e da ética
protestante, todos esses fatores contribuíram para o desenvolvimento
e distribuição de um modelo do eu como um agente que atua sobre o
mundo através de sua vontade-livre, isto é, do livre-arbítrio. Mas isso é
um modo aprendido de pensar e, naturalmente, existem outros modos de
conceber o Universo.

Dentro dessa rede de suposição individualista, a pessoa tem o direito e a


responsabilidade, de fato, e a obrigação moral, para tornar-se separada,
autônoma, eficaz e controlada. Muitas instituições formais sociais, tal
como o sistema legal, dão forma a essas idéias culturais e servem para
marcar e proteger os direitos de cada pessoa conforme esses princípios.
Portanto, essa maneira de viver tornou-se aceita como certa, isto é,
legalizada (amparada legalmente). Para exercer a realização dessa
conduta, uma porção de instituições democráticas e de práticas políticas
foi expressamente designada para dar voz aos direitos e preferências dos
auto-interesses individuais racionais.

A idéia do agente separado, do indivíduo único, é também profundamente


representada e reproduzida num vasto arranjo de representações sociais
significativas culturalmente, incluindo imagens, provérbios e histórias
de homens que eram senhores do seu destino e capitães de seus navios,
como o “cowboy”(e o filósofo) solitário. Este último geralmente atua
sozinho, não se casa e não mora fixo num local. Lembrei-me de um filme
que assisti há anos cujo nome, se a memória está boa, é “A man alone”,
com Kirk Douglas. Mas todos os filmes típicos acerca de “cowboys”

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seguem o mesmo padrão. O oposto ocorre quando se critica tais filmes,
como em um no qual o herói tinha filhos, criava porcos, cavalgava e caía
de sua égua, não bebia e não transava com a prostituta para preservar a
fidelidade com sua ex-esposa que tinha morrido.

A principal força da vida cultural americana atual (que reflete e cultiva esse
conjunto de valores e práticas) parece derivar, principalmente, da classe
média. As crianças americanas são encorajadas a serem independentes e a
ter seu próprio quarto e cama, ou seja, serem autônomos. O protestantismo
valoriza os que, antes de tudo, além de seguirem o rebanho, têm a
coragem de possuir sua convicção e de caminhar sozinho. Nas escolas e
em casa, os criadores (pais, mães e outros) e professores progressivamente
“individualizam” e descontextualizam as crianças.

A meta é transformar uma criança dependente em independente; uma


estrela, um ganhador, acima da média, e como repositório de qualidades
especiais; encontrar sua própria religiosidade, sua ideologia e seguir
seus sonhos. As propagandas, as TVs e os filmes reforçam e elaboram a
importância dos direitos individuais, da unicidade positiva, da liberdade
das imposições ou restrições impostas pelas regras, normas e outras
expectativas.

Autodireção interdependente (A orientação


oriental)
Contrastando com os norte-americanos, os orientais (japoneses, chineses
e outros) acreditam na interdependência: o eu não é considerado um ser
separado e autônomo, mas sim como fazendo parte de uma estrutura
ampliada de pessoas em relações sociais, papéis e deveres, respeito e
obediência. O eu interdependente ganha sentido e significado através das
inter-relações e não no seu isolamento.

Na cultura oriental há um desejo em pertencer ao respectivo grupo.


Esta motivação tem prioridade sobre descobrir, atualizar e confirmar
os atributos internos. Segundo essa norma, um esforço no sentido do
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individualismo poderia ameaçar a harmonia interpessoal. A pessoa age
dentro de uma grande coletividade e nessa deve procurar ajustar-se ao
meio para melhor adequar-se à relação.

Uma orientação autocrítica é muitas vezes descrita como uma característica


dos japoneses. Eles se vêem incompletos (ki ga sumanai) e sentem-se
insatisfeitos com sua atuação. Por isso mesmo é seu dever continuar se
esforçando para fazer frente aos seus déficits ou sua incompletude. A
orientação de interdependência é assimilada e encorajada cedo através
dos mecanismos de auto-reflexão (hansei). Nesses, a pessoa procura
olhar-se diante de um evento particular, focalizando o que não foi feito
corretamente e verificando em quais aspectos ela poderá melhorar. Para
eles, e dentro da idéia de incompletude, a pessoa melhora a atuação com a
idade, uma maior aproximação do ideal do padrão coletivo de ser melhor.
Os japoneses parecem mais preocupados com a jornada ou o processo da
ação do que com o alcance do destino.

Para os japoneses, a autodisciplina é mais efetiva quanto mais a pessoa


consegue se aproximar das expectativas dos outros, isto é, restringindo
(controlando) seus próprios atributos e desejos internos e particulares,
pois esses podem potencializar o individualismo – que é pernicioso – e
interferir com a coesão do grupo. A ênfase na autodisciplina é refletida
nas palavras “doryoku” (esforço), “gambari” (perseverança) e “gamam”
(tolerância, aceitação ou paciência).

Eles atribuem mais o sucesso ao esforço e não às suas habilidades. Deve


existir também a perseverança, ou seja, uma devoção continuada ao
esforço para manter a coesão do grupo e, por último, a tolerância, isto é,
a eliminação do prazer e a paciência diante do sofrimento. Estas são as
características da cultura japonesa. Exemplo: na cultura popular japonesa
prospera o sofrimento de seus heróis, contrastando com os heróis de
Hollywood, que derrotam o bandido, encontram seu amor, etc. Nas
histórias japonesas os heróis tendem a escapar do final feliz e focalizam as
dores e os sofrimentos que eles são capazes de suportar. Na universidade,
a seleção é feita observando a capacidade de tolerar o sofrimento, de

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trabalhar duro e por muito tempo.

A conduta dos japoneses é menos determinada pelo individualismo,


atributos pessoais, atitudes, desejos e motivos. Os japoneses enfatizam as
pistas do meio ambiente e, assim, são sensitivos à informação social que
indica modos apropriados de se comportar, levando-os a ter um grande
conhecimento de sua audiência, sensibilidade aos insultos e sanções
negativas dos outros. Cultuam regras de posturas, gestos, etc., diferentes
dos norte-americanos que agem determinados mais por seus atributos
internos, tentando impor sua influência.

As violações às regras são facilmente reconhecidas pelos japoneses por


serem bem definidas pelas normas culturais e modos corretos de agir. A
vergonha aparece quando eles são incapazes de agir conforme os padrões
necessários para manter a interação harmoniosa do grupo. As desculpas
refletem uma auto-avaliação crítica.

Quando os indivíduos são motivados para manter um senso de conexão e


relação com outros, a experiência emocional é potencialmente uma força
que atrapalha. Assim, entre os orientais, não há necessidade de deixar sair
a emoção para atingir a autonomia. O afeto é visto como algo que deve ser
controlado, diluído, subjugado, domesticado ou mesmo reprimido.

Do outro lado, ser feliz é um valor básico para os americanos. A Declaração


da Independência dos USA declara que a busca da felicidade é um dever
e um direito dos cidadãos. Fracassar em ser feliz é deixar de cumprir a
Constituição, daí porque 80% dos americanos afirmam, falando verdade
ou não, que são felizes. Todos eles, como muitos seguidores deles no
Brasil-colônia, são “otimistas”, pois para eles é vergonhoso ser pessimista.
Em contraste, no Japão, a perseguição da felicidade é uma doutrina imoral
desde que ela interfira em outras tarefas culturais mais importantes, tais
como cumprir obrigações para com os outros.

“Espero que você enjoy this trip Mr. Joseph”. Nos Estados Unidos tudo
está carregado de “enjoy”. Os japoneses hesitam em ser felizes, baseados
na tradição filosófica e espiritual de sua cultura: seu sentido de equilíbrio
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ou harmonia; o bom é contrabalançado com o ruim; a felicidade com a
tristeza. O Budismo enfatiza o transitório de todas as coisas, incluindo
os sentimentos de felicidade; esta termina sempre. Os japoneses tendem
a acreditar que suas experiências felizes logo irão se acabar e ficam
preocupados como irão pagar por esta felicidade. Nos USA enfatiza-se a
força, no Japão a fraqueza ou uma avaliação negativa de si mesmo.

A interdependência está fracamente relacionada à auto-estima, desde


que se busca as normas externas e não as internas. Se auto-estima fosse
universal, o orgulho de fazer algo bem feito, como na teoria da auto-eficácia
de autores americanos, segue-se que a auto-estima para os japoneses
deveria correlacionar-se positivamente com a interdependência, com
uma boa relação com os outros e não com a competição e a vitória.

A importância da maneira de se ver nos USA é alta, sendo que a


autopercepção entre eles tende para a visão otimista de si mesmo. Estudos
revelam que os americanos parecem relembrar suas ações passadas como
melhores do que realmente foram, como, por exemplo, os esposos falam
que foram melhores cônjuges do que realmente foram, etc. Esse é o modo
“normal” dos americanos se descreverem. Eles se protegem negando fatos
que iriam contra a sua autopercepção positiva. Também, há entre eles uma
tendência otimista irrealista, sempre esperando acontecimentos positivos
e pouco dos ruins. Os japoneses são irrealisticamente pessimistas. Vêem-
se como tendo sido piores no passado, ou seja, o oposto dos norte-
americanos.

Os japoneses são motivados para manterem uma autocrítica e um


automelhoramento das orientações como meios de perseguirem as metas
culturais associadas com a interdependência. A desarmonia interna entre
a conduta atual (real) e a ideal dos japoneses é muito diferente da que
ocorre entre os americanos. Assim, a discrepância entre o desejado e
o alcançado entre os japoneses levam estes a terem menos depressões.
Eles se percebem com naturalidade como sujeitos mais propensos aos
fracassos diante de seus ideais.

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Tipos de Conhecimentos
aprendidos: Factual
(sensorial), Dedutivo
(racional), Filosófico
(metafísico) e Mágico
(sobrenatural)

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O conhecimento: Factual e
Dedutivo
Em Lumeeira e Itabira, as pessoas estão sempre dando palpites
(explicações) sobre a tosse do Jacinto, acerca da derrota do Brasil na Copa
do Mundo, sobre o “Mensalão” e os “Sanguessugas”. A população gosta
de compreender e explicar os acontecimentos que defronta. Conforme a
maneira de focalizar, compreender e explicar os fatos, o indivíduo realiza
ações diferentes, pois usa processos e “terorias” explicativas diversas
(mágico/religiosas, filosófico/racionais, científico/lógicas, intuitivo/
ingênuas, etc.). Se concluirmos, através de uma teoria, que o carro
bateu porque o motorista estava embriagado, usaremos uma explicação
e teremos um tipo de emoção e conduta. Entretanto, se o mesmo fato
for compreendido como sendo devido ao motorista, como ter tido um
infarto antes da batida, a emoção sentida e a conduta a ser tomada serão
outras. Podemos afirmar ainda que tudo aconteceu por “vontade divina”,
ou que o motorista parece ser um “maluco”.

Fatos e deduções: escolhendo o tipo de pergunta


Uma característica fundamental do pensamento humano é que, através
de um questionamento (dúvida) esclarecedor qualquer (para a batida
do carro, etc.), o homem terá um conhecimento da direção que deve
ser tomada para tentar responder o perguntado, pois assim ele obterá
a resposta desejada. A história do pensamento é, em grande parte,
um esforço continuado para formular perguntas possíveis de serem
respondidas com respeito ao próprio homem e ao mundo que o circunda.

As perguntas encaixam-se, quase sempre, numa ou em outra área: uma


empírica (observável, perceptível), isto é, uma pergunta e resposta que
depende de dados obtidos por nossos órgãos sensoriais; uma segunda

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chamada formal (dedutiva), isto é, questões cujas respostas dependem de
puro cálculo, sem o uso do conhecimento factual. Essa divisão é, de fato,
uma grande simplificação, pois os conhecimentos empíricos e formais
(dedutivos) se acham interligados. O nome dado para um tipo e outro de
conhecimento varia com o autor, por exemplo: concreto e abstrato, real e
ideal, sensorial e cognitivo, etc.

Onde coloquei meus óculos? Porque Lula foi eleito presidente? Nota-
se que essas perguntas, imediatamente, levam o leitor, caso ele deseje
respondê-las, a caminhar numa ou noutra direção. Esse processo é
realizado sem nenhum esforço mental, ou seja, a questão, por si só, gera a
busca da resposta. Nos dois casos acima fica fácil procurar uma resposta
qualquer. A facilidade de procurá-la ocorre mesmo quando a resposta
não é encontrada, mas pelo menos sabemos como procurá-la. Assim,
diante da pergunta acerca da eleição de Lula como presidente não iremos
procurar uma resposta dentro da gaveta ou no cesto de lixo, isto é, uma
possível resposta diante da primeira pergunta: “Onde coloquei meus
óculos?”.

Essas duas perguntas são fáceis de serem compreendidas. Uma das


perguntas, a dos óculos, pode ser procurada por meio empírico, isto é, por
observações (uso do sensório/perceptual) ou experimentos ordenados,
como os do senso comum ou das ciências naturais. A outra classe de
perguntas, a da eleição de Lula, exige caminhos mais tortuosos e menos
seguros. Há necessidade de usarmos disciplinas formais, tais como a
matemática, estatística, lógica e mesmo os valores, entre outros meios.
Nesse caso as explicações podem ser as mais variadas.

Posso “explicar” a pergunta acerca de Lula por meios empíricos: “Ele


foi eleito por ter tido mais votos”. Entretanto, a resposta pode levantar
a segunda pergunta: “O que ocorreu que o levou a ter mais votos?”
Nesse último caso, os conhecimentos acerca da eleição de Lula, não
observáveis ou não empíricos, são de fato instrumentos para se obter
outros conhecimentos. Estes são definidos em termos de certos
princípios, axiomas fixos e certas regras de dedução. A resposta mais

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acertada diante dessa pergunta exige a aplicação de regras apropriadas ou
prescritas. Ninguém irá procurar respostas para problemas matemáticos,
por exemplo, examinado o interior do armário ou dentro do bolso. Em
resumo: cada tipo de pergunta – factual ou formal – possui sua técnica
especializada.

O conhecimento filosófico: uma terceira


questão, diferente da mítica, factual ou dedutiva
Para complicar, há inúmeras perguntas diferentes das classes discutidas.
Muitas delas são formuladas por nós sem parar, mas elas não cabem
nos escaninhos cômodos do factual, nem nas regras rígidas e lógicas
da orientação formal. Por exemplo: se pergunto “O que é o espaço?” ou
“Qual o significado de futuro?” ou, ainda, “A vida é boa?”, não temos como
usar a lanterna do factual ou do formal, pois essas questões são distintas
das anteriores. A pergunta em si, nesse último exemplo, não fornece
ou ilumina nossa mente para procurar uma resposta ou encontrar uma
solução. As outras questões, factual e formal, contêm essa indicação.

As questões sobre o tempo ou espaço deixam perplexo quem faz a


pergunta, exatamente porque não parece levar à resposta clara ou a um
conhecimento eficaz qualquer. Essas questões perturbadoras e impossíveis
de serem respondidas em sua totalidade têm sido chamadas de perguntas
(especulações) filosóficas. Elas têm sido desprezadas pela maioria do
povo, ou olhadas, por este, com desconfiança. Entretanto, são questões
frequentemente levantadas por todos nós.

O esforço do homem para encaixar todas as


perguntas no factual ou no dedutivo
Pois bem. A história do conhecimento humano tem sido uma tentativa
continuada de colocar todas as questões existentes (filosóficas ou ideais/
míticas) em uma das duas categorias: factual ou formal (dedutiva), isto é,
as estratégias que nos orientam quanto às possíveis obtenções de respostas
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capazes de serem encontradas. Assim, estamos sempre tentando, baseados
em nossas fantasias, responder as perguntas filosóficas usando a técnica
empírica (factual) ou formal (dedutiva).

As perguntas impossíveis de serem respondidas aparecem quando o


homem especula ou pergunta a outros, formulando questões não só
muito gerais, mas, também, envolvendo conflito de princípios e, ainda,
de pouca ou nenhuma utilidade prática.

Essas questões são de diversas naturezas. Algumas parecem (mas não


são) ser questões de fatos, outras parecem ser mais relacionadas ao
valor; muitas são questões sobre palavras. Outras, ainda, por sua vez,
são métodos buscados por aqueles que os usam, como, por exemplo, os
cientistas, artistas, críticos, o homem comum nas situações da vida. Há
ainda outras que são sobre as relações entre várias áreas do conhecimento,
algumas tratam das pressuposições do pensamento, algumas da natureza
e dos fins da ação moral, social e política: “Qual é a vida correta?”

A característica comum em todas essas questões é que elas não podem ser
respondidas pela observação nem pelo cálculo (inferência, dedução), por
métodos indutivos ou dedutivos. Os que as propõem são confrontados com
perplexidade desde o início da elaboração da pergunta, pois eles próprios
não sabem onde e como procurar a resposta. Apesar da frustração, os
problemas filosóficos estão aí, mais vivos que nunca. Eles jamais foram
eliminados mesmo em ciências “exatas”, como é o caso da Física, por
exemplo, quando se discute a estrutura de alguns de seus conceitos
fundamentais: força, massa, velocidade, etc. As hipóteses da Física devem
ser formuladas e as informações interpretadas conforme esses termos
filosóficos (construtos científicos). Pois, afinal, “O que é força?” e “O que
significa velocidade?”. Não sei se há algum meio empírico ou dedutivo
para responder o significado desses conceitos; somente através da filosofia.

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Procurando transformar o
filosófico em ciência
Tentativas para transformar as questões
filosóficas da mente em empíricas ou dedutivas

Tentou-se, durante muito tempo, usar a observação empírica ou o


procedimento dedutivo e formal também para as diversas áreas da
filosofia, acompanhando o sucesso sem precedentes das ciências e da
lógica. O tempo passou e, depois de muito esforço, percebeu-se que essas
estratégias não funcionavam para diversas questões filosóficas. Apesar
disso, o uso de um e outro método dominou a filosofia e fez progredir o
conhecimento. O uso da estratégia factual ou formal produziu sucessos
notáveis e fracassos igualmente enormes com a aplicação dessas técnicas.

Se o modelo que dominou o século XVII era o matemático, o modelo


mecânico, o newtoniano, principalmente, foi o mais imitado no século
seguinte numa tentativa de cientificar o filosófico. O século XVII foi talvez
o último período na história da Europa Ocidental em que a onisciência
humana era considerada uma meta atingível.

O progresso sem paralelo da Física e da Matemática no século anterior


transformou enormemente a visão que geralmente se tinha da natureza
do mundo material. Esse progresso gerou mais ainda a natureza do
verdadeiro conhecimento (o científico, observável) fazendo com que
as idéias da Idade Média e mesmo da Renascença parecessem remotas,
fantasiosas e, às vezes, ininteligíveis à aplicação de técnicas matemáticas
(ou da linguagem matemática) e das propriedades mensuráveis, reveladas
pelos órgãos sensoriais. Tudo isso deu origem a um único método de
descoberta e de compreensão. Descartes, Espinoza, Leibniz e Hobbes,
entre outros, procuraram dar a seu raciocínio uma estrutura do tipo
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matemático vigente.

A linguagem anterior, usada e defendida pelos sábios da antiguidade,


sendo menos precisa (semelhante à popular atual), geralmente ocultava
as falácias e obscuridades do discurso; utilizava, com naturalidade,
uma massa confusa de superstições e preconceitos que caracterizavam
prescrições teológicas e as doutrinas dogmáticas sobre o Universo
(semelhantes a muitos discursos e pregações). A nova ciência que nascia
começava a abolir as antigas crenças e implantava uma nova forma de
observar e compreender o mundo.

As antigas disciplinas da metafísica, lógica, ética e de todas aquelas


áreas relacionadas à vida social dos homens ainda eram (e são muitas
vezes) governadas pelas confusões de pensamento e da linguagem da
era anterior, como descrevi, sucintamente, mais acima. Inexistindo uma
imagem verdadeira e clara das principais “faculdades” e das operações da
mente humana, não se poderia dar crédito a vários tipos de pensamento
ou raciocínio usados. Também, não se poderia determinar, de forma
mais precisa, as fontes e os limites do conhecimento humano, nem as
relações entre as suas variedades. Faltando esse último conhecimento, as
afirmações ignorantes e dos charlatães não poderiam ser devidamente
desmascaradas, pois faltava um parâmetro para avaliá-las.

Em busca de uma teoria científica da mente


Uma ciência da natureza fora criada (Física); uma ciência da mente ainda
precisava ser feita. A meta em ambos os casos devia continuar a mesma:
formular leis gerais com base em observação (“interior” e “exterior”) e,
quando necessário, no experimento, e deduzir a partir dessas leis, quando
estabelecidas, conclusões específicas. Acreditava-se que para toda questão
genuína havia muitas respostas falsas e apenas uma verdadeira, bastava
possuir método confiável de descoberta, como o usado pelo Sir Newton.
Era essencial garantir a eficácia dos instrumentos de investigação antes
que se pudesse confiar em seus resultados.

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Essa nova tendência na forma de obter o conhecimento (de investigar
o investigador do conhecimento) caracterizou a filosofia européia desde
a formulação de Descartes de seu método da dúvida até boa parte do
século XIX. Os princípios que tentaram aplicar eram os novos cânones
científicos do século XVII. Não devia haver dedução a priori de princípios
“naturais” ou sagrados na Idade Média e nem “intuições” sem amparo da
observação minuciosa.

A evidência era obtida através da experiência, portanto, deveríamos


questionar a validade de certos princípios adotados, como o de que “todos
os corpos tendem ao repouso quando já não se encontram sob a influência
de uma força”, bem como o de que o “caminho natural perseguido pelos
corpos celestes, na busca da auto-realização, é necessariamente circular”.
As leis de Kepler e de Galileu contradiziam esses princípios “naturais”,
obtidos por “revelações” e aceitos até essa época. A nova ênfase era a
observação do fenômeno (dados e mais dados acumulados por Tycho
Brahe e outros experimentadores).

O uso da observação, antes renegada, e do experimento, ainda não


usado, acarretou a aplicação de métodos exatos de medição, e resultou
na associação de muitos fenômenos diversos sob leis de grande precisão,
formuladas, quase sempre, em termos matemáticos. Consequentemente,
a nova ordem estipulava que apenas os aspectos mensuráveis da realidade
deviam ser tratados como reais, isto é, aqueles suscetíveis a equações
que ligassem as variações de um aspecto do fenômeno com variações
mensuráveis em outros fenômenos diferentes e conhecidos.

A categoria aristotélica da causa final foi abandonada como não-científica


ou ininteligível, isto é, a explicação dos fenômenos em termos da tendência
“natural” de todo objeto a realizar o seu próprio fim ou propósito interior
foi criticada e abandonada. Era deixada de lado a questão de porque o
objeto existia e que função ele estava tentando cumprir, noções estas
para as quais não existia nenhuma evidência experimental ou do uso da
observação.

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O espaço, o tempo, a massa, a força, o momento e o repouso em termos
da mecânica deviam substituir as causas finais, as formas substanciais,
o propósito divino e outras noções metafísicas. Desabavam os últimos
pilares que sustentavam as idéias aristotélicas (assimiladas até hoje pela
população) da subdivisão fundamental da filosofia. Esta se caracterizava
pela investigação das realidades que transcendem a experiência sensível,
capazes de fornecer o fundamento a todas as ciências particulares,
adquiridas por meio da reflexão a respeito da natureza primacial do ser
(filosofia primeira).

O mundo da matéria, para Newton, Locke e outros devia ser descrito


em termos de partículas uniformes e as leis de seu comportamento eram
as leis da interação dessas partículas. Os filósofos empiristas britânicos
aplicavam essa concepção também à mente: “uma caixa contendo
equivalentes mentais das partículas newtonianas”.

Estas eram chamadas de “idéias” ou “partículas”, cada entidade distinta e


separada, “simples”, sem partes, que não podiam ser divididas, “atômicas”,
tendo a sua origem em algum lugar no mundo exterior, caindo dentro da
mente como muitos grãos de areia no interior de uma ampulheta. Ali elas
continuavam isoladas, mas também podiam se reunir dando origem a
compostos complexos, da maneira como os objetos materiais do mundo
exterior são compostos de complexos de moléculas de átomos. Assim,
uma “idéia” ou “átomo” era, por exemplo, “mulher”, uma outra “idéia”
seria “bonita”.

Para Locke, o pensamento, pelo menos o reflexivo, seria um tipo de olho


interno correspondente ao olho físico externo que apreende o mundo
externo. Quando Locke define o conhecimento como a “percepção da
conexão e concordância ou desacordo e repugnância de qualquer uma de
nossas idéias” (“mulher” e “bonita”), essa “percepção” é por ele concebida
como algo que inspeciona duas idéias como se fossem partículas
discrimináveis. O olho interno é então capaz de ver se elas concordam
ou não (a mulher é ou não bonita) e assim se a proposição que afirma
a sua conexão é ou não verdadeira, assim como o olho externo pode

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inspecionar dois objetos coloridos e ver se as cores combinam ou não.

A mente era concebida como um recipiente e as idéias circulavam


dentro dele como moedas formando padrões. O espaço newtoniano
tridimensional tem a sua contrapartida no “espaço” interior da mente
governada pelo olho interno da faculdade da reflexão.

A filosofia da psicologia, portanto, nessa época, precisava ser convertida


numa ciência natural. Os fatos deviam ser descobertos pela introspecção
(uma observação interior), devendo começar pela observação empírica.
Segundo Hume, “Assim, como a ciência do homem é o único fundamento
sólido para as outras ciências, o único fundamento sólido que podemos
dar a essa própria ciência deve ser assentado sobre a experiência e a
observação”. Idéia semelhante à de Hume foi resumida numa frase de
Piaget: “Ainda não conhecemos as mentes que trabalham com as ciências”.

Uma crítica à nova interpretação


O mundo sensorial foi, posteriormente, considerado por Galileu e
Descartes como vago, enganoso e nublado, cheio de fenômenos descritíveis
apenas em termos qualitativos. Para que o mundo seja científico, ele
precisa ser imaginado como quantitativo.

Para essa crítica, as qualidades “primárias” estudadas pelas ciências não


são elas próprias dadas diretamente aos nossos sentidos. Existem duas
esferas: a quantitativa, precisamente mensurável, de objetos no espaço que
possuem propriedades como movimento e repouso, forma determinada,
solidez, temperaturas específicas (que são movimentos das partículas)
e assim por diante. Essas propriedades são diferentes (contrastam) da
qualidade, como “esfera” das cores, cheiros e sabores, graus de calor e
sons altos e suaves. Todas essas informações foram classificadas como
subjetivas e, deste modo, não confiáveis e, portanto, não-científicas.

Locke, partindo do princípio de que não temos outro conhecimento senão


aquele que nos chega pelos órgãos sensoriais, achava difícil explicar porque

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a qualidade “primária” – para ele – se quiser ser coerente, devia depender
tanto da evidência dos sentidos quanto do processo “secundário”, e ainda
assim deveria receber o tipo de primazia e autoridade que a ciência física
parecia lhes dar.

Hume, em particular, foi claro sobre a diferença entre afirmações de


vinculação formal (indutivas, dedutivas), isto é, as da lógica, da matemática
ou da álgebra, e as de um tipo factual, isto é, as que asseveram a existência
conforme as observações (sensorial). Reconheceu que, uma vez que
as noções como necessidade e identidade, estritamente interpretadas,
pertencem ao mundo das disciplinas formais – o que os racionalistas
tinham chamado de “verdades da razão”, em oposição às “verdades de
fato” – que não podem ser testadas por nenhum processo puramente
formal, elas não têm lugar na esfera de afirmações sobre o mundo.

De outro modo, o conhecimento deve ser de dois tipos: ou ele afirma


ser “necessário”, e nesse caso baseia-se em critérios formais e não pode
dar nenhuma informação sobre o mundo, ou ele afirma dar informações
sobre o mundo, e nesse caso não pode ser mais do que provável, não sendo
jamais infalível; não pode ter certeza, se o que queremos dizer com isso é
o tipo de certeza alcançada apenas pela lógica ou pela matemática. Essa
distinção entre os dois tipos de afirmação, intimamente relacionada com
a distinção de “sintético” e “analítico”, “a posteriori” e “a priori”, é o início
de grande controvérsia que despertou Kant de seu cochilo dogmático e
transformou a história da filosofia moderna.

Kant sustentava que a dedução não pode aumentar o nosso conhecimento


das coisas ou das pessoas e não responde a essas questões, nem resolve
esses enigmas, que parecem caracteristicamente filosóficos. E foi mais
ainda: quanto aos tipos de julgamento e espécies de categorias implicadas
nas experiências normais, elas estão longe de serem idênticas às questões
sobre as “fontes” de nossos dados, crenças ou atitudes, como, por exemplos,
“todo acontecimento tem uma causa” e “ontem tive um dor de cabeça”.

Esses métodos de silenciar quem duvida são inúteis, porque o modo de

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convencer alguém da verdade dessas proposições é claramente muito
diferente do modo como demonstramos a verdade das proposições
factuais sobre o mundo, isto é, pela produção de evidência empírica de
algum tipo, como “isso é uma maçã”. Havia um sonho a realizar: tornar
o estudo da mente científico, como aconteceu na área da Física, uma
adequação e ordem no conhecimento nas relações sociais e políticas.

Kant deu uma resposta esclarecedora. Para ele, de um lado, situam-


se as questões de fato e, de outro, as questões sobre padrões (modelos,
esquemas) em que não eram eles próprios alterados, por mais que os
próprios fatos ou nosso conhecimento dos fatos pudessem se alterar (as
proposições). Para Kant, esses padrões, categorias, esquemas ou formas
de experiência não eram eles próprios o tema de nenhuma ciência
natural possível, pertencem a uma área diferente das ciências; elas estão
subjacentes aos fatos.

O uso de outro caminho: tornar a mente


científica
Os racionalistas acreditavam que o pensamento racional era um meio
de obter a verdade sobre o Universo, imensamente superior ao método
empírico. Para eles a verdade era um corpo harmonioso de conhecimento,
que todos os sistemas anteriores, como religiões, cosmologias e mitologias
não passavam de muitas estradas diferentes, algumas mais longas ou mais
largas, torcidas e sombrias para o mesmo objetivo comum.

Os racionalistas dos séculos XVIII e XIX não viam propósitos em nada


que o próprio homem não tivesse criado para servir a suas próprias
necessidades e consideravam todo o mais determinado pelas leis da
causa e efeito, de modo que as coisas, em sua maioria, não perseguiam
propósitos, mas eram como eram e se moviam e mudavam como faziam
como um fato “bruto” .

Muita coisa boa foi indubitavelmente feita: o sofrimento mitigado, a


injustiça evitada ou prevenida e a ignorância revelada, pela tentativa
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conscienciosa de aplicar os métodos científicos à regulação dos assuntos
humanos. Dogmas foram refutados e preconceitos e superstições foram
desconsiderados com sucesso. A convicção crescente de que os apelos
ao mistério, à escuridão e à autoridade para justificar o comportamento
arbitrário eram, muito frequentemente, um sem-número de álibis
indignos que ocultavam o interesse próprio, a indolência intelectual ou a
estupidez, foi, muitas vezes, triunfalmente vindicada.

Mas o sonho central, a demonstração de que tudo no mundo se movia por


meios mecânicos, de que todos os males podiam ser curados por passos
tecnológicos apropriados, de que era possível a existência de engenheiros
tanto das almas humanas como dos corpos humanos, provou ser ilusório.
Ainda assim, acabou se revelando menos desorientador que os ataques
recebidos no século XIX por meio de argumentos igualmente falaciosos,
mas com implicações que eram, tanto intelectual, como politicamente
mais sinistras e opressivas. O poder intelectual, a honestidade, a lucidez,
a coragem e o amor desinteressado pela verdade, apresentados pelos
pensadores mais talentosos do século XVIII, continuam sem paralelo até
nossos dias. A sua era é um dos melhores e mais promissores episódios
na vida da humanidade.

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Procedimentos usados para
captar (aprender) as
informações: Teorias
subjacentes (implícitas) e
automatismo

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Aquisição de instrumentos
(recursos) e estratégias (modos
de coordenar) para se informar
É claro que cada um dos diferentes organismos moradores de Lumeeira,
dentro dessa mesma cultura, sem esforço ou deliberação, acumulou
mecanismos variados e ferramentas (instrumentos, meios) cognitivas
diversas (observações sensoriais e intuições espontâneas e, também,
avaliações racionais, afetivas e sobrenaturais), para aplicar com eficiência
recursos que possui ou explorar condições favoráveis de que porventura
desfrute, visando a alcançar determinados objetivos: lidar com seus
problemas sociais, financeiros, religiosos, ideológicos, de lazer, etc.
Portanto, cada um selecionou apetrechos (lentes, instrumentos, meios),
técnicas e estratégias diferentes para solucionar seus problemas, tomar
uma medida ou outra, ou mesmo, conforme o caso, nem tomá-la.

Cada pessoa, pobre ou rica, culta ou inculta, possui sua mala carregada
de utensílios ou ferramentas diferentes para lidar com o mundo. Cada
uma faz uso das suas ferramentas preferidas ou disponíveis num certo
momento, para um tipo de problema particular.

Os meios usados e as teorias embutidas


(incrustadas)
Entretanto, as diversas “ferramentas” imaginadas ou usadas, elas próprias,
por outro lado, estão impregnadas (contaminadas) de “teorias” (idéias,
preconceitos e emoções), na maioria das vezes, não percebidas pelo
seu usuário. Todas as “terorias” (lentes usadas) contaminam os meios
utilizados pelo seu possuidor e, frequentemente, sem que ele perceba,

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orientam a percepção, a seleção do observado, a emoção e a conduta de
seu proprietário.

Ao fazer uso dos conjuntos de procedimentos para que determinada


função psicológica se realize, como, por exemplo, as relacionadas aos
sentimentos, representações e comportamentos, o indivíduo trabalha,
quase sempre, com ferramenta (instrumento, meio) não subordinada
à vontade consciente, ou seja, ele pensa e age inconscientemente. Essas
operações mentais que aparecem automaticamente quando a pessoa
percebe ou detecta um desequilíbrio qualquer no seu organismo buscam
fazê-lo retornar ao equilíbrio anterior, o pretendido pelo organismo, isto
é, acomodá-lo, de forma rápida, fácil e espontânea, sem necessariamente
tomar consciência do que está fazendo.

A sociedade de Lumeeira, como qualquer outra da Alemanha ou da


China, esperava que cada um dos habitantes da cidade se conformasse
e contribuísse para a manutenção e estabilidade dessa estrutura, bem
como das normas, já erguidas. Todos deveriam se moldar de acordo com
a organização já existente e, também, desenvolverem-se assentados nela.
Não há outro modo diferente desse.

O povo de Lumeeira, semelhante ao do Rio de Janeiro, enfrentava, mais


ou menos, os mesmos problemas inevitáveis de todos nós: segurança,
alimento, doenças, criação de filhos, morte, amor, cooperação e
inimizades. E, também, como todo grupo, em qualquer lugar, os nascidos
em Lumeeira criaram suas respostas particulares ou paroquiais, conforme
as tradições do lugar, para solucionar seus problemas básicos. Caso
houvesse uma invasão da cidade por forasteiros, possivelmente, o povo
de Lumeeira abandonaria parte de seu estoque de respostas conhecidas e
tradicionais e, talvez, passasse a adotar alguns novos padrões, os vindos
de fora, antes estranhos à estrutura mental já formada.

Cada morador de Lumeeira enxerga seu mundinho como pode, ou seja,


com as ferramentas existentes em sua mala/mente. Ele possui não só
modos diferentes de focalizar, coletar ou captar conhecimentos, como

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pode possuir seu decodificador de informações mais superficial ou mais
profundo, mais exato ou inexato, mais adequado ou inadequado às terorias
mais bem fundamentadas e menos sujeitas a falhar. Cada habitante acha-
se preso e fiel também às prescrições religiosas, idéias filosóficas diversas,
políticas, econômicas, éticas, artísticas e outras. Não escolhemos através
de nossa vontade um ou outro caminho (família, amigos, escola, isto é,
as informações captadas do megacomputador do lugar). Nosso meio
ambiente nos conduz a usar ou adotar uma determinada maneira de
pensar e viver, especialmente os “modismos” do momento. Assim é
erguida a ontologia (estudo mais geral do ser) e epistemologia (estudo
dos postulados, conclusões e métodos dos diferentes saberes) popular do
povo de Lumeeira.

Entretanto, os problemas acerca das inter-relações são bem mais


complexos que essas interpretações (palpites) simples do meio ambiente.
Para exemplificar os efeitos em cascata das “causas”, estimulo a mente do
leitor a imaginar um trabalho da Medicina em um grupo de favelados
de modo que a estratégia usada, devido a sua eficiência, faça cair
drasticamente a taxa de mortalidade infantil. Parece ótimo à primeira
vista, mas as consequências não são tão simples. A solução de um
problema, como esse, produz outros e outros. Assim, a diminuição da
mortalidade fará com que haja um crescimento da população infantil,
que, por sua vez, exigirá mais alimentos, e, naturalmente, mais empregos
e escolas e professores no futuro, mais despesas, etc. Tudo isso exigirá
mais produção ou importação de alimentos, criação de mais indústrias,
preparo de professores, etc.

Assim, nenhuma ação poderá ser considerada como tendo uma única
consequência confinada somente à coisa a qual ela foi dirigida. A ação
geralmente afeta e é afetada por muitas coisas numa cascata. De outro
modo, um valor é “bom” quando olhado sob um aspecto e “ruim”
quando examinado sob outro ângulo. Portanto, uma solução numa área
geralmente provoca problemas (disfunções) em outra, que terão que ser
debatidos ou solucionados e, por sua vez, trarão novos problemas. Logo,
um valor aceito quase sempre prejudica um outro valor também aceito.
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Por tudo isso, talvez, seja melhor deixar o povo de Lumeeira continuar
com sua vida pacata e não tentar “ajudá-los”, pois o remédio salvador
poderá matar o paciente.

Selecionando, processando,
organizando e explicando a
informação captada
O homem de Lumeeira e Buenos Aires, diante do mundo local, percebido
ou imaginado, dispõe, devido a fatores genéticos e culturais, de alguns
processos psicológicos (procedimentos, estratégias, instrumentos)
diferentes (sistemas de coordenadas) para compreender e explicar a
realidade da cidade: os fatos concretos, as condutas, a ética a ser seguida,
o estético, arte, saúde, doença, lazer, etc.

Cada indivíduo, devido a sua educação diferente, faz uso mais


frequentemente de um modo para captar, compreender e explicar os
fatos de toda espécie vivenciados. Cada morador de Lumeeira usa com
mais facilidade tipos de “lentes” para conviver com a realidade. Portanto,
e consequentemente, deixa de usar outros modos possíveis que dariam ao
observador dados, explicações e emoções diferentes. Ao assistir um jogo
de futebol, um indivíduo poderá observar a habilidade de alguns, outros
a grossura das coxas, outros, ainda, poderiam focalizar os uniformes,
a ruindade do jogo, o preço do ingresso, o jogo e o ser humano, o
aborrecimento ou alegria causada pelo jogo em seu organismo. Existem
várias outras maneiras de focalizar um fato como o jogo, bem como a

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missa, o casamento, nascimento de filhos, aquisição de posses, namoro,
sexo, doença, morte, máquinas, animais, vegetais, etc.

Para simplificar bastante os modos de captar cada um desses eventos,


aqui serão descritos uns poucos de uma forma bastante geral. Lembro
que todos nós temos o nosso gosto particular por um e outro processo,
que se torna o mais usado e dominante. Não há, cientificamente falando,
um certo e outro errado. Tais avaliações cabem a um modo de avaliar:
julgamento moral, utilitário e artístico, por exemplo.

Observando a população de Lumeeira e de Atenas, bem superficialmente,


cinco funções podem ser descritas como sendo as mais importantes e
mais utilizadas pelas pessoas da cidade: sensorial (sensação); dois tipos
de pensamento (cognição), um formal e outro mítico ou sobrenatural;
sentimento (emoção) e intuição (faculdade de perceber, discernir ou
pressentir coisas independentemente do raciocínio – cognição – ou da
análise -sensório).

Ninguém em Lumeeira usa rigidamente apenas um desses cinco modos


de focalizar o acontecido. Cada um usa mais frequentemente um que o
outro. Acontece que, muitas vezes, usa-se um tipo ou outro diante de
certos fatos, pois o próprio acontecimento pode provocar o uso de uma
lente em lugar de outra. Assim, ao assistirmos um culto, missa ou enterro,
podemos ser mais estimulados a usar o processo sobrenatural de outra
vida. Entretanto, se temos uma dor de barriga, podemos – nem sempre
isso acontece – usar nossa observação sensorial e, também, o pensamento
intuitivo sobre o possível pastel comido às pressas no boteco da cidade.

De modo mais específico e ao mesmo tempo abrangente, podemos


classificar os moradores de Lumeeira conforme o uso de grupos de
processos para captar o conhecimento focalizado do seguinte modo:
1- Os que usam predominantemente uma mistura do pensamento e do
sensorial. Estes são os que, ao procurarem conhecer o evento, o jogo
de futebol ou a missa, fazem mais uso do conhecimento frio, lento e
metódico, assentados em observações captadas pelos órgãos sensoriais

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(visão, audição, sabor, olfato, tato, dor, etc.) e explicadas por pensamentos
mais lógicos e menos emocionais.

2- Existem outros moradores da cidade que gostam mais – e são


muitos – de usar principalmente o pensamento apoiado na intuição.
Estes, diante do fato a ser conhecido, fazem mais uso do conhecimento
imediato, holístico, cru, direto e espontâneo. Por outro lado, não usam
as observações analíticas e, também, pensam de modo natural e simples,
isto é, sem recorrer ao raciocínio trabalhoso, formal ou lógico e mais
demorado. Esses, antes do Brasil iniciar seus jogos na Copa de Mundo,
afirmavam: “Tenho certeza que o Brasil vai ser o campeão; temos os
melhores jogadores do mundo. Vai ser um banho de bola”.

3- Um terceiro grupo usa predominantemente o sentimento (emoção)


e o sensorial (órgãos dos sentidos). Nesse caso, a pessoa diante de um
fato focaliza, enfatizando, os aspectos percebidos sensorialmente (visão,
audição, etc.) e, ao mesmo tempo, os avalia conforme as emoções sentidas
durante a percepção (sem usar a lógica ou razão): “A comida me agradou
muito”, “ O jogo foi divertido”, “Detestei a festa”.

4- Um quarto grupo usa fundamentalmente as intuições (idéias e


avaliações quentes, sem fazer uso do raciocínio lógico e nem do sensorial)
e, também, utiliza as emoções (sentimentos) para avaliar o bem ou mal-
estar sentido com o intuído. “Estou feliz! Vou abrir uma pastelaria e ficar
rico”, “Encontrei hoje a mulher dos meus sonhos. Estou animadíssimo.
Penso em me casar breve”.

5 – Há ainda um último grupo, mas diferenciado dos outros, que faz


uso apenas do pensamento mágico (mítico) ou sobrenatural. Nesse caso
certos problemas enfrentados são assimilados devido a crenças religiosas,
espirituais, etc.: “Maria não morreu; ela desencarnou e vai se encarnar em
outro ser humano”, “Tive uma dor de dente porque Deus quis”.

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As duas funções: sensorial e intuitiva
Conforme a idéia, alguns indivíduos, ao tentarem assimilar um fato ou
evento, se inclinam mais pesadamente para a função sensorial (sensações
psicofísicas), provocadas por estímulos físicos (luz, sons, sabores,
temperatura, pressão, dor, odor, tato, etc.). Há outros que, de modo
diferente, focalizam e processam a apreensão da realidade a partir da
função intuitiva (cognitiva quente), isto é, são dominados por uma opinião,
julgamento e conhecimento sem cogitar ou observar analiticamente os
dados da realidade.

Os mais propensos a seguir a primeira função (pensamento-sensorial


ou analíticos) examinam os dados do mundo externo através dos
órgãos sensoriais. Os seguidores do segundo caso (pensamento-intuição
ou teorista conceitual), os intuicionistas, trabalham ou extraem os
“conhecimentos ou dados” do próprio processo mental psicológico
interno, isto é, do existente em sua mente (palpite, pressentimento,
suspeita sem crítica) e não do que está ocorrendo no meio ambiente.

Não devemos nos assustar se uma pessoa favorece ou se apóia num


processo psicológico, enquanto uma outra assimila o evento através de
um outro modelo. Uma e outra tendem a não perceber a existência do
outro dispositivo (mecanismo, ferramenta, procedimento, estratégia)
durante a captação da informação (apreensão de algo intelectualmente,
utilizando a sua capacidade e técnica de compreensão, de entendimento
peculiar: sensorial ou intuitiva). Na verdade, o dominado por um desses
modos deixa de perceber a outra maneira ou mesmo a vê de um modo
hostil: “Idiota! Como não percebe que o real (verdade) é isso”.

O tipo intuitivo prioriza o cru ou o quente acima de tudo. O conhecimento


é obtido ou alcançado através da interocepção de sensações vagas
corporais, principalmente nas vísceras e nos músculos esqueléticos,
isto é, de origem interna, juntamente com sentimentos, aflição, angústia
e pressões internas. Eles “lêem” suas “disposições corporais” e, a partir
delas, conhecem e julgam as informações: “Eu sei que vou me casar com

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Maria”, “Meu filho é muito inteligente”, “Tenho um pressentimento de que
isso não vai dar certo”.

O tipo sensorial, do mesmo modo, pode criticar a visão imensa holística


que é utilizada pelo tipo intuitivo (não analítica) sem dados empíricos e
totalmente simplório ou imbecil. O tipo sensorial é mais realista e, baseado
nisso, adere aos fatos objetivos e firmes. Ele é prático e mais fortemente
orientado para o que é mais possível no presente imediato do que o que
se espera no futuro distante. O tipo sensorial, ao contrário do indivíduo
intuitivo, trabalha com os dados.

O tipo intuitivo focaliza as possibilidades hipotéticas, numa situação


melhor que nos fatos imediatos. Ele utiliza-se de uma ampla idéia, de
uma visão aberta do problema, concentrando-se no “que podia ser” mais
do que no “que é”: “Vou passar nesse exame”. Tem sido dito que o tipo
sensorial não consegue ver a floresta, pois só vê as árvores (específica).
Por outro lado, o tipo intuitivo (global) não pode ver as árvores, pois só
vê a floresta.

Apesar dessas diferenças, contudo, ambos os tipos, sensorial e intuitivo,


são denominados não-racionais, não porque eles são contrários à razão,
mas devido a operarem fora da competência da razão (não fazem uso da
lógica e da avaliação afetiva) e, portanto, não estão apoiados ou restritos
por ela.

As duas funções lógicas (razão): pensamento e


sentimento (decisões)
Deve ser lembrando que as funções razão e sentimento não são usadas
para captar o existente sensorial e ou intuitivo, conforme uma ou outra
tendência. As funções racionais e sentimentais são utilizadas para avaliar
e julgar a validade ou não de uma e outra postura (intuitiva e sensorial).
Por isso elas recebem o nome de racionais, uma tentativa de compreender
o observado sensorialmente ou o intuído pela suposição sem crítica.

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O tipo que utiliza o “Racional”, para o sensorial ou o intuitivo, faz esse
uso como processo para alcançar uma decisãoa ser tomada. Ele procura
explicar o fenômeno interno ou externo captado pela intuição ou sensação
com termos técnicos, lógicos ou teóricos, independente dos propósitos
humanos, necessidades ou preocupações. O tipo Racional classifica,
clarifica e categoriza. Ele é mais preocupado com o conteúdo que com
os valores éticos, estéticos ou morais existentes; ele busca o geral. O tipo
Racional pergunta se alguma coisa é lógica, consistente e em concordância
com decisões anteriores, outras teorias já aceitas, com regras ouvidas,
mitos, religiões, ideologias ou teorias científicas.

Já o tipo “Sentimento”, ao contrário, para alcançar uma decisão faz uso


de um processo baseado no julgamento de valor que pode ser único
para um indivíduo singular; ele busca o particular. O tipo “Sentimento”
promove seus julgamentos através de valores, tais como beleza, verdade,
compaixão, equilíbrio, prazer, desprazer, etc.

Tipos de personalidade: sensorial x intuição e


avaliação teórico-cognitivo geral x sentimento-
emocional e individual
As características quanto ao modo de coletar ou selecionar os dados
existentes (sensorial ou analítico de um lado e intuitivo e quente, por
outro) e de avaliar o apreendido e organizado no modelo utilizado dão
origem a tipos de personalidades diferentes. Ninguém escapa: cada um
de nós deve assimilar nossa experiência da realidade acerca do mundo
usando nossas funções sensoriais ou intuitivas (favorecendo uma ou
outra) e, também, caminhar para uma conclusão (avaliação) acerca delas
usando mais os nossos pensamentos formais ou sobrenaturais ou os
sentimentos (favorecendo um processo ou outro).

Em resumo: captamos (apreendemos, assimilamos) a “realidade” (o


mundo) através das sensações (sensorial) ou das intuições (palpite),
ambas irracionais, e não há outras saídas. Depois, tentamos compreender
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o “assimilado” através do pensamento lógico-racional e geral, pensamento
mágico ou sobrenatural, ou através dos sentimentos (valores, desejos)
individuais. Assim concluímos e agimos.

Em um indivíduo, cada uma dessas cinco funções tende a dominar as


outras. Assim, uma pessoa poderá ser chamada de “tipo sensorial”,
uma outra de “intuitiva”, enquanto outra poderá ser chamada de “tipo
sentimental”, “tipo racional-cognitivo” ou “tipo mítico ou sobrenatural”.
Deve ser lembrado que cada uma deve usar, no mínimo, uma função não-
racional (sensorial ou intuitiva) para compreender (captar ou conhecer)
o mundo e uma função racional (pensamento formal, mágico ou
sentimento) para explicar (entender e esclarecer) o apreendido e, assim,
tomar as decisões acerca do percebido. Entenderam?

Exemplos dos cinco tipos:


1- O Tipo Analítico (sensório-pensamento)

Para esse, o mundo é representado pelos dados objetivos da natureza. Sua


característica principal é a exatidão, precisão, fidedignidade, ceticismo e
objetividade. O modo preferido de inquérito é a pesquisa – a investigação
controlada embutida no conceito clássico de hipótese falsificável e do
experimento.

2 – O Teorista Conceitual (Intuição-Pensamento)

Enquanto o analítico trabalha melhor com o simples, com o bem


definido, com a explanação autoconsistente, o Teorista Conceitual prefere
(compor) construir pontes entre os dados, acreditando que a natureza
deve ser tratada holisticamente e conceitualmente. Este valoriza a criação
de possibilidades conceituais novas, esquemas e hipóteses que permitam
uma revisão e conceitualização que desafiam as afirmações defendidas.
O objetivo último da ciência, para esse modelo, é uma construção de
esquema conceitual o mais amplo possível.

3- Humanista Conceitual (Sentimento-Intuição)

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O conhecimento científico pode ser visto como uma atividade valor-
constituído. Seu objetivo último seria promover o desenvolvimento
humano na escala mais alta possível. Ele é mais interessado que
desinteressado, mais pessoal que impessoal, e pronto para admitir,
conscientemente, sua própria tendência.

4- Humanista Particular (Sentimento-Sensório)

Informado pela função dos sentimentos, mas orientado para os particulares,


como é característico dos tipos sensórios, o Humanista Particular insiste
que o objetivo último das ciências seria ajudar uma pessoa específica
a conhecer sua unicidade própria, alcançando a autodeterminação.
Dentro dessa idéia, a ciência não ocupa necessariamente uma posição
privilegiada. Ela pode ser subordinada à literatura, arte, música e
misticismo. O Humanista Particular pode ser descrito como subjetivo,
poético e comprometido para postular uma ação orientada na ciência. A
lógica usada é a do singular e única e o estudo de caso é o modo preferido.
Tendem a trabalhar sem uma teoria explícita usando os aspectos do
sensório-sentimento da personalidade. A filosofia usada é profundamente
humanística, acreditando que a vida é um processo de tornar-se, de
realizar o potencial inerente.

5 – O Mítico

Para esse o mundo pode ser processado, percebido, compreendido e


explicado conforme as prescrições ditadas pela história mítica adotada:
“O mundo foi criado por Deus; os homens estão aqui para cumprir uma
vontade divina. Portanto, o mal e o bem, a saúde e a doença, devem ser
entendidas como desígnios divinos”; “A fúria de Anselmo decorre de ele
ter sido possuído pelo demônio”.

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Formação e desenvolvimento
de mapa inadequado à
realidade (território)

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Introdução à assimilação de
mapas disfuncionais

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O aprendido não se ajusta à
realidade vivida
Conforme foi mostrado anteriormente, o habitante de Lumeeira e
de outras comunidades adquire informações (conhecimentos) para
possibilitar sua convivência – um contato frequente – com ele mesmo,
com outras pessoas e com o meio ambiente; muita coisa aprendida e
memorizada não se encontra ajustada à realidade vivida. A representação
(o mapa) assimilada quase sempre não fornece uma descrição objetiva,
sistemática e abrangente da estrutura (território) existente.

Ao nascer, quando ainda não temos consciência do valor e crítica das


informações, aprendemos quase tudo que nos é ensinado: ações práticas
(pegar num garfo, tomar banho) e muitas terorias (como o mundo foi
criado, como a cegonha trás o irmão, a morte como uma viagem ou
outra vida, a ação de espíritos ou fantasmas, que Deus castiga os meninos
desobedientes, etc.). Portanto, cedo, a criança forma em sua mente um
rudimento de sua cosmologia (pré-saber intuitivo; sem o uso da razão),
isto é, noções vagas e informações diversas acerca do universo onde ela
está inserida. O compreendido é armazenado na mente da criança sob a
forma de representações de fatos concretos, conceitos, dogmas, axiomas,
teorias, prescrições da conduta certa, regras e princípios ordenadores.

A informação sensorial adquirida quase sempre se encontra transformada


e interligada às ideologias intuitivas, aos mitos e às religiões seguidas,
também intuitivas, e às idéias científicas (transformadas por assimilações
populares) e pseudocientíficas existentes e em vigor na cultura; uma
mistura de informações diversas, confusas e contraditórias, chamada por
alguns de “pré-saber” ou “pré-conhecimento”. Em resumo, uma bagunça,
difícil ou impossível de ser organizada de modo lógico.

Aos poucos as informações vindas de fora se interiorizam e passam a


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fazer parte do arsenal mental do indivíduo particular. É apoiada nessas
informações que a pessoa assimila (vem a conhecer, aprende, compreende,
explica) outros fatos e eventos, raciocina, conclui e decide que caminho
tomará.

Como afirmei, inúmeras informações depositadas no fundo de nosso


cérebro não são realidades vivenciadas, são conhecimentos teóricos
transmitidos pela fala e leitura que podem ser criações lógicas ou
ilógicas, mágicas ou reais, com ou sem sentido, se analisadas através de
hipóteses formais que mantêm relações diretas ou indiretas com dados
empíricos, ou seja, podendo ser testáveis pelos fatos observados direta ou
indiretamente.

Portanto, todos nós nascemos e fomos criados num mundo altamente


complexo, confuso, injusto e imperfeito. Entretanto, geralmente, nos
ensinam, teoricamente, a vê-lo como ordenado, simples e fácil de ser
entendido por meio de explicações altamente superficiais e inadequadas.
Há, portanto, uma diferença gritante entre o realmente experimentado e
as explicações teóricas acerca do vivido. Por isso fazemos tantas bobagens.

Trabalhamos, geralmente, com um mapa mental que não corresponde


ao território experimentado. Erramos muito em nossas previsões, pois
usamos uma bússola (a teoria) defeituosa. Ficamos assustados a todo
instante diante do observado e vivenciado que difere do imaginado.
Imprimiram em nossa mente um “mapa” pouco ou nada proveitoso, isto
é, adquirimos, durante nosso desenvolvimento, um preparo para viver
nesse mundo, uma representação errônea acerca das coisas e das pessoas
(protótipo, exemplo); talvez nos ensinaram um modelo para viver no
paraíso e não nesse mundo.

Entretanto, é esse “modelo”, aprendido e armazenado como instrumento


de investigação, o utilizado, a todo instante, para obter informações
(avaliadoras) da realidade vivida (território existente). Através do mapa
desajustado que adquirimos e vamos formar uma concepção ideal e
pessoal de determinada coisa, acontecimento, pessoa, sociedade, natureza.

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De outro modo, tentamos captar, compreender e explicar o mundo
interno (nosso corpo) e externo (outras pessoas, coisas e grupos) através
do modelo (mapa) mal elaborado adquirido e impresso muito cedo.

O resultado é um desastre: a pessoa usa como instrumento (bússola)


para conhecer os eventos ferramentas inadequadas, como um serrote
para parafusar uma placa de ferro. O leitor irá deduzir que o resultado
desse trabalho deverá ser mal feito. Nesse caso a pessoa percebe e convive
com uma realidade que é irreal: escuridão, ignorância, traços, manchas,
sombras, riscos, fantasmas, espíritos e demônios, pois o mapa teórico
aceita tudo isso sem reclamar.

Concluindo essas idéias: é nesse terreno (nossa mente) contendo muitas


sementes de má qualidade, cipoais e ervas daninhas, que crescerá nossa
visão do mundo; descrições, interpretações, explicações e, também, planos
e avaliações de ações. Infelizmente, o nosso “processador de informações”
é, quase sempre, pobre para analisar os fatos do mundo e, além disso, é
também tendencioso e preconceituoso e, para piorar, nosso modelo, na
maior parte dos casos, não é capaz de detectar a sua própria ignorância;
não sabe que não sabe.

O que transmitimos quando falamos ou escrevemos, seja para nosso filho,


aluno ou leitor, bem como quando brigamos, defendemos ou atacamos
um ponto de vista, é o nosso porão mental, nossa maneira particular de
representar (captar, compreender e explicar) o mundo e o nosso sistema
de crenças, ou seja, o assimilador mental usado para compreender o que
estamos focalizando ou para dar uma explicação ao mesmo.

Uma vez formados e assentados, estes pressupostos ordenadores


funcionarão como órgãos sensoriais mentais, prontos para entrar em
ação, seja ignorando a maioria dos estímulos existentes, cujo assimilador
é incapaz de perceber, seja detectando informações inúteis e, em seguida,
dando-lhes um significado importante e inadequado. Podemos afirmar
que nossos pensamentos fatalmente serão erguidos nas pedras primitivas
(pré-conhecimento) e mal fincadas nos primeiros anos de vida. São esses

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alicerces precários, feitos de argila pastosa, que irão fabricar o sentido à
compreensão ou significado para explicar o que nos cerca, isto é, para
orientar nossas tomadas de decisões: casar ou não casar; frequentar esta
ou aquela religião, como criar os filhos; como agir com o patrão ou o
empregado; em quem votar; onde morar; que curso fazer, etc. O resultado
será o “da morte anunciada”.

O fato concreto isolado percebido pelo indivíduo, através de seu


“assimilador mental”, será transformado pelo processador de informações
em conceitos abstratos, permitindo, desse modo, a possibilidade da fala,
da linguagem interna ou externa, vaga e geral, fácil de ser deduzida,
geralmente errada, como. “Eu acho que o sexo…”, “Para mim, os
políticos…”, “Precisamos trabalhar mais, pois…”, “Os jovens são rebeldes;
não querem nada com …” e milhões de outros “achismos” ou intuitivismos
infantis de má qualidade.

O papel dos conhecimentos estocados; o


processador de informações.
Diante dos acontecimentos, no nosso dia-a-dia, os pressupostos estocados
e adormecidos na memória (princípios, paradigmas, modelos, esquemas)
podem ser despertados (estimulados) por certos estímulos externos ou
internos, por situações que, uma vez ativadas, iniciam o processamento
das informações recebidas, propiciando planos de ação para o problema:
ora é um carro que pode matar-me, como informação exterior, ora, num
outro momento, as informações vêm do interior: “Estou com sede. Onde
encontrarei água?” ou “Preciso de umas férias” ou, ainda, “Penso que
minha namorada está me traindo”.

Qualquer informação que é notada pelos órgãos sensoriais internos


e externos diante de um fato ou outro, bem como pela nossa cognição
ao tentar inferir uma conclusão de um pensamento, será decodificada,
isto é, traduzida ou processada por essa rede inconsciente de suposições
armazenadas. O papel desse processador, que geralmente cresce em

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complexidade com o tempo, será o de transformar as experiências
perceptíveis concretas em conceitos abstratos e relacionar a nova
informação com as antigas e armazenadas. Desse modo forma-se uma
teoria do eu individual, ou seja, um conjunto de suposições e afirmações
sobre o mundo interno e sobre o seu próprio organismo e modo de pensar.

De posse deste “instrumento” – também chamado de “óculos”; “base ou


rede de referência”; “modelo do mundo”; “intuição”; “referencial”, “lente”,
etc. – somos capazes de traduzir as experiências perceptivas, intelectuais
e emocionais para a linguagem. O modelo final, num momento, constitui
nossa maneira de decifrar um evento, selecionando e valorizando um
aspecto em detrimento de outro. Agindo assim, para um observador
atento e sagaz, o indivíduo se desnuda e mostra suas partes íntimas, as
que ele esconde dele mesmo, como os preconceitos, seus julgamentos
morais e seus pontos fracos.

Diante disso, podemos imaginar que caminhamos no escuro ao interpretar


não só a nossa conduta e das pessoas, como a Política, a Economia, a Física,
a Química, a Biologia, a Religião e tudo mais. Nós utilizamos, na maior
parte dos casos, pressupostos ou fundamentos pobres e confusos; uma
rede de conhecimentos básicos muito difíceis ou mesmo impossíveis de
serem investigados pela introspecção ou por nossa consciência. Só temos
consciência do produto final, do já fabricado e pronto, dos acontecimentos
contaminados e alterados pelos princípios subjacentes e não acessíveis à
consciência. Apesar de nossa cegueira, temos que navegar sem conhecer
as forças que nos impelem a isso e sem saber, ao certo, para onde estamos
sendo levados. De outro modo, essa dissociação entre o “ideal” (o mapa) e
o “real” (o território) leva-nos a avaliar incorretamente tanto nossas ações
e conhecimentos como dos outros.

Os males das teorias “corretas” e “únicas”


Quantos e quantos danos e sofrimentos foram e são causados,
desnecessariamente, devido a aplicação de atitudes bárbaras, derivadas
de crenças absurdas incorporadas pelas diversas autoridades: castigos
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e disciplinas rígidas ditadas pelos pais; professores ferozes incapazes
de ouvir o aluno; governantes sanguinários e arbitrários e “religiosos”
fanáticos e supersensíveis às críticas ou desobediências insignificantes?
A história relata isso constantemente; os abusos cometidos em nome de
uma teoria ou religião. A história de todo indivíduo, inclusive a minha
própria, está cheia de episódios de castigos e rejeições, por não fazer parte
do grupo que detém o modo de pensar “certo” e vigente. Já fui expulso do
Sesi por discordar da política assistencial dada aos segurados. Também
fui expulso do Instituto Raul Soares por criticar a ideologia da época e
a psicanálise. No grupo escolar onde estudei fui obrigado a retirar, sob
vaias, a imagem de Nossa Senhora porque, evitando mentir, falei que
não tinha ido à missa. Penso que bastam esses exemplos. Sei que você,
leitor, tem uma série de casos semelhantes; foi punido ou rejeitado por,
espontaneamente, talvez de modo inocente, transmitir para os grupos
de poder sua opinião sobre um acontecimento ou um palpite que não
comungava com o modo de pensar da maioria.

Os desencontros da teoria (mapa) e do real


(território)
Nos primeiros anos da infância, os desencontros entre o “mapa” do mundo
aprendido e a realidade são menos percebidos. A partir da adolescência,
cada vez mais, o fosso entre um e outro emerge. Caso comecemos a
perceber que a orientação existente em nossa memória não condiz com
a realidade encontrada, podemos desmistificar nossos pais e, mais tarde,
toda a família. Antes, ela era a melhor família desse planeta, mas torna-se,
muitas vezes, segundo a nova classificação, a pior, isto é, vista pelo novo
mapa adquirido, que, naturalmente, pode ser tão ruim ou pior ainda que
o antigo. Mas de qualquer modo, se uma pessoa conseguir deixar de lado
seu mapa inicial e adquirir outros mais modernos e eficientes, significa
que o aprendido anteriormente permitiu a mudança.

Voltaire, no seu livro “Cândido”, descreve o esforço e fracasso do


personagem, Cândido, para tentar harmonizar as idéias adquiridas de seu

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preceptor cristão com o mundo enfrentado, real e selvagem, onde passou
a viver. Todos nós temos dentro de nós um pouco do “Cândido”. Estamos,
como ele, tentando adequar o que observamos e vivenciamos com nossas
idéias básicas ou nossos princípios referenciais. Muitas vezes nós agimos
como Procusto (proprietário da pousada) fazia com os viajantes que iam
dormir na sua hospedaria; caso seus corpos não se adaptassem às camas,
suas pernas eram esticadas ou cortadas para que coubessem. Infelizmente,
com frequência, como não ocorre a harmonia sonhada, agimos como o
bondoso Cândido ou o tirano Procusto.

Certa vez um menino perguntou ao pai se “escargot” era gostoso. O pai


lhe respondeu: “Coma-o e veja”. A maioria sabe, sem comer, através do
modelo (esquema, teoria intuitiva) mental impresso na sua mente, que
“escargot” não é saboroso. Esses sabedores sem experiência conservam
o “mapa” do mundo obtido de segunda mão – por ouvir dizer – sem
experimentar e avaliar diretamente o fato concreto. Há uma separação
enorme entre a “realidade da mente” e a “das coisas e dos eventos”.

Alguns podem, pouco a pouco, com muito esforço, mudar suas


concepções acerca do mundo e da conduta dos outros. A maioria, por
outro lado, morre com a impressão inicial intacta, isto é, mantém bem
conservada a bússola estragada, presente dos pais, amigos e professores
queridos, conservando-a até a morte, com alegria e orgulho, mantendo o
mapa primitivo adquirido: “Penso e atuo como minha mãe, que, por sua
vez, seguiu minha avó”. Todos esses tradicionalistas de um só mapa do
mundo, quando suas ações dão errado – o que ocorre frequentemente –
culpam as outras pessoas por seus fracassos; geralmente jamais examinam
o próprio mapa “orientador” estragado e anacrônico que foi usado para
orientar a conduta.

Para melhorar a situação do indivíduo e da sociedade, o remédio reside


em trazer à luz esses modelos, sociais, morais, políticos, e, sobretudo, os
padrões metafísicos subjacentes em que estão enraizados, tendo em vista
examinar se são adequados ao seu mister. Essa é a tarefa da Filosofia:
examinar tudo que não parece suscetível aos métodos da ciência ou à

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observação cotidiana, como, por exemplo, categorias, conceitos, modelos,
modos de pensar ou agir e, particularmente, os modos como eles colidem
uns com os outros. O objetivo é construir outras metáforas, imagens,
símbolos e sistemas de categorias com menos contradição interna e
(embora isso nunca possa ser plenamente alcançado) menos suscetíveis
de perversão.

Uma das causas principais da confusão, da desgraça e do medo, quaisquer


que possam ser suas raízes psicológicas ou sociais, é uma adesão cega a
noções gastas e impróprias, uma ausência de qualquer forma de auto-
exame crítico, esforços furiosos para impedir qualquer grau de análise
racional daquilo pregado ou promulgado.

Seria interessante combater toda defesa de um único modo de pensar, do


uso de um mapa apenas para explicar o homem e suas condutas. Esse é
um trabalho perigoso e difícil, social e intelectualmente, frequentemente,
torturante e ingrato, mas sempre importante, pois poderá ajudar os
homens a compreenderem a si mesmos e assim operar na claridade e não
loucamente no escuro. Acho que vale a pena; estou aqui tentando fazer
isso.

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Intuições: Nascimento e
desenvolvimento de mapas
mentais defeituosos

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Introdução ao estudo das
intuições: O que é intuição?
Intuição, segundo o dicionário Houaiss: 1) é a faculdade de perceber,
discernir ou pressentir coisas, independentemente de raciocínio ou de
análise; 2) segundo a filosofia: forma de conhecimento direta, clara e
imediata, capaz de investigar objetos pertencentes ao âmbito intelectual,
a uma dimensão metafísica ou à realidade concreta.

As palavras, intuição e raciocínio, são usadas visando a capturar duas


espécies de conhecimentos contrastantes segundo dezenas de filósofos
e psicólogos. Uma importante distinção é a de que a intuição ocorre
rapidamente, sem esforço e automaticamente, sendo que o resultado final
não foi processado por uma consciência plena e acessível. Por outro lado,
o raciocínio ocorre mais lentamente, exige algum esforço e envolve, no
mínimo, alguns passos que são acessíveis à consciência. A intuição, o
raciocínio e as avaliações são processos cognitivos que encerram em si
emoções.

Conduta e princípios subjacentes: duas


intuições antagônicas
Você, leitor, deve ter percebido o desacordo entre dois princípios básicos
que você usa para compreender a conduta dos filhos, dos amigos e
inimigos. Dependendo do momento usa-se um princípio, num outro,
usa-se um diferente. Tudo bem caso fossem usados para o mesmo fim,
mas eles são antagônicos.

Num instante, xinga-se o filho de vagabundo, pois ele não fez os deveres
de casa e não estudou como se esperava. Subjacente ou ligado a esse
modo de pensar, encontra-se a suposição (um princípio) de que o filho,

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se quisesse, podia ser um bom aluno e, para isso, bastava ter “força de
vontade”. De outro modo: o filho, se desejasse, poderia “escolher” ser
um bom aluno e tirar boas notas. Imaginamos, quando classificamos
nosso filho de “preguiçoso” ou “vagabundo”, que nossos objetivos foram
determinados por nós ou por nossa suposição intuitiva da existência da
“livre vontade”.

Num momento diferente, no trabalho, no laboratório ou mesmo no


trânsito, você, que defendia anteriormente a “liberdade de escolha”
e a “força de vontade”, passa a usar um outro princípio orientador das
observações. Sem perceber e de modo natural, você usa o entrelaçamento
de um fato a outro (um princípio de causa e efeito), como nos exemplos:
“choveu devido à chegada de certa nuvens frias que se encontraram com
outras quentes”; “durante a chuva, sem lugar para me abrigar, molhei toda
minha roupa”.

Nessas afirmações você narrou algumas “razões” do aparecimento da


chuva e também de ter se molhado conforme causas anteriores. Mas os
exemplos acerca da ligação de um fato a outro são diversos. Pensamos
que a causa da pressão alta e da obesidade pode ser devido ao uso de
certos alimentos e de um tipo de vida. Também, ligamos o trânsito fácil
ou engarrafado segundo um feriado sem movimento ou devido a uma
batida. Relacionamos ainda a criminalidade que cresce a alguma coisa,
bem como o desemprego, a roubalheira e os acidentes nas estradas e até
mesmo a possibilidade do Brasil ganhar a Copa do Mundo ou, ainda, de
ganhar a sena.

A maioria das pessoas age assim. Apresentam um raciocínio lógico, tanto


no serviço, como nos aspectos de sua vida relacionados à sua área de
trabalho; eles pensam matemática e logicamente. Não há imprecisão, nem
idéias preconceituosas. Durante seu trabalho, de cada premissa elaborada,
sempre bem posta, elas deduzem conclusões com proposições que não
contêm nenhuma dúvida, exibindo clareza de pensamento produzido por
uma razão lúcida e expresso sem palavras ambíguas.

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Esse modo formal de raciocinar, entretanto, se transforma totalmente –
vira de perna pro ar – quando focaliza alguma conduta humana, fora do seu
domínio estrito; elas se perdem completamente. Muitos médicos clínicos,
capazes de pensar com precisão com respeito aos problemas orgânicos
do paciente, tornam-se “débeis mentais”, no bom sentido (figurado) da
palavra, quando navegam nos problemas emocionais e motivacionais do
cliente. Nesse caso, seu raciocínio, antes impecável, torna-se carregado de
crenças e intuições sem nenhum suporte sensorial, lógico e racional. Esse
modo de avaliar foi aprendido muito cedo.

Nesta virada de princípios sustentadores do raciocínio a ser elaborado,


os indivíduos deixam de lado a impecável lógica usada e partem para o
emocional: xingam o juiz do jogo de futebol, batem no filho que o desafiou
e agridem a empregada devido a sua “má vontade”. Essas pessoas podem
ser, na política, Bushistas, na religião acreditam em milagres e no poder
de comprar Deus com uma rezinha acanhada e fingida, para ganhar mais
dinheiro e não permitir que sua esposa descubra quem é sua amante e no
futebol sua paixão é o Atlético.

Ao discutirem cada um desses temas, essas pessoas se tornam, de repente,


perfeitos animais irracionais e idiotas. Nós todos agimos assim: alguns
mais, outros menos. Toda a bela lógica mental é transformada em palpites,
preconceitos, desejos, fé cega, superstições, incoerências umas após
outras, deduções apressadas e hipóteses duvidosas e não comprovadas;
nesses momentos a maneira de falar do indivíduo envergonharia qualquer
tratado elementar de lógica.

Durante essas discussões irracionais, os indivíduos se tornam outros seres,


mais animais que humanos, mais impulsivos e emocionais que racionais.
Incorporados por esses espíritos, esses indivíduos não mais sabem
argumentar nem ouvir argumentos de seus opositores. Levantam a voz,
se enfurecem, desafiam, e, às vezes, agridem fisicamente seus opositores,
isto é, tudo contra os princípios defendidos e usados no trabalho.

No primeiro caso, a pessoa é racional, no segundo, irracional. No

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primeiro caso a pessoa raciocina usando a lógica aprendida após seu
nascimento, um atributo próprio do homem; faz uso para raciocinar
de seus córtices cerebrais. No segundo caso, durante suas críticas e
motivações emocionais, o indivíduo faz uso de atributos já existentes ao
nascer (reações emocionais e motivacionais diante de frustrações); para
xingar e agredir, a pessoa utiliza-se de regiões do cérebro subcorticais, ou
seja, parte do cérebro que nós compartilhamos com boa parte dos outros
animais.

Ora, segundo o último princípio (crença) usado, você afirma o oposto do


primeiro princípio, isto é, conclui que o estado de espírito, o sentimento
e a vontade humana, bem como suas ações, relacionam-se ou dependem
de cadeias causais inquebrantáveis. Entretanto, no primeiro princípio
(regra, direção) declara seu oposto, ou seja, que o homem – seu filho ou
inimigo – é o responsável por seus atos, isto é, que nós poderíamos agir,
se quiséssemos, de forma diferente de como agimos. De onde nasceu esse
“querer”? Onde ele está apoiado? No ar? Não! Ele está presente em nossos
desejos e intuições; uma forma de pensar impossível de ser explicada por
razões lógicas.

Tipos de intuições
Que intuições são essas? Muitos cientistas cognitivos acreditam que o
raciocínio humano não é executado por um computador único e sim por
vários. Para essa idéia, nosso organismo é equipado com diferentes tipos
de intuições e de lógicas, da mesma forma que o mundo é heterogêneo.
Cada uma dessas é apropriada a uma área da realidade. Uma pessoa pode
ser precisa e realista em uma área, como, por exemplo: ser um excelente
físico ou químico e rigoroso e exato em suas pesquisas. Entretanto,
pode ser, também, em outra área, um seguidor de doutrina avessa à
experimentação exata, admirador de macumba e de rezas milagrosas,
quando alguém da família adoece. Esses diferentes modos de conhecer
e lidar com a “realidade” têm sido chamados de sistemas, módulos,
posturas, faculdades, órgãos mentais, modelos, inteligência múltipla,
dupla atitude e mecanismos de raciocínio.
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Nossos processos (assimiladores) mentais emergem no início da vida,
estão presentes em todas as pessoas normais e parecem estar localizados
em conjuntos de redes parcialmente distintas no cérebro. Podem ser
instalados por diferentes combinações de genes ou emergir quando o
tecido cerebral se auto-organiza em resposta a diferentes problemas
a serem resolvidos e a diferentes padrões de estímulos sensoriais (sua
plasticidade). Em resumo: nosso assimilador mental desenvolve devido
aos genes, à plasticidade cerebral e aos estímulos do meio ambiente. Esses
três fatores dão origem ao modo de captar informações e de lidar com
elas.

Por desejo próprio, mas principalmente devido ao acaso, o homem


comum aprende noções de ciências, como as de Psicologia (como pensam
e agem as pessoas) e de Física, para acompanhar como os objetos caem,
ricocheteiam e vergam. A intuição central é o conceito de objetos, que
ocupa um lugar, existe por um intervalo de tempo contínuo e obedece
a leis de movimento e força; o povo não se apóia na Lei de Newton, mas
sim nas ingênuas idéias de Aristóteles, descritas alguns séculos antes de
Cristo. O homem comum aprende, também, um pouco de Química (o
gosto do sal e do açúcar) e de Biologia (os animais amigos e inimigos,
as plantas venenosas e as comestíveis), entrelaçadas ao aprendizado
religioso, ideológico e outros conhecimentos.

Entre as informações aprendidas estão os diversos mitos (histórias


fantásticas) acerca do homem, de suas relações, da ordem social, da saúde
e da doença, da religião e de Deus, das leis e da ética, do bem-estar, do
poder, da afeição e amor, das habilidades excepcionais, bem como do
universo em geral.

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Intuição e Irracionalidade:
Princípios organizadores dos
julgamentos tendenciosos
Há certo respeito e orgulho por estar ligado ou pertencer a um grupo.
Falamos de boca cheia que somos “seres humanos”, “homens”, “animais
superiores” e outras bobagens semelhantes. Temos também o sentimento
de orgulho por pertencer à família dos “Silva”, dos “Souza” ou dos
“Alvarenga”, de morarmos no bairro X ou Y, na zona Z e não na N, na
Cidade de São Paulo e não em Santa Maria de Itabira e até mesmo num
certo país ou num continente determinado. Além disso, sentimos orgulho,
batemos a mão no peito e beijamos a camisa alvinegra do Atlético ou a
azul-celeste do Cruzeiro e gritamos: “Viva o Galo!” ou “Viva a Raposa!”.

Como consequência desse orgulho, também criticamos o diferente,


supondo que o imaginado por nós devia servir de modelo correto para
todos. Assim, achamos esquisito - ou errado - apresentar uma forma física
- que culturalmente é desvalorizada - diferente da nossa, pertencer a um
outro espaço geográfico, seguir uma outra religião, ideologia, profissão,
partido político, clube, etc. A mulher critica o homem, este critica a
mulher, o idoso critica o jovem, os comunistas criticam os anticomunistas,
muçulmanos e os budistas, estes criticam os cristãos e assim por diante.
Cada grupo critica e desvaloriza o outro. Em resumo: estamos sempre
julgando as pessoas e grupos como piores que o nosso usando os nossos
“óculos” defeituosos, que enxergam apenas um lado do objeto.

Se aprofundarmos mais, enxergaremos outros detalhes que determinam


nossos julgamentos acerca da diferença. Quase sempre são pequenas
características, quase despercebidas, que nos levam a categorizar as
pessoas de um ou outro modo, como: “ela é feia”; “ele é forte”; “ele é

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inteligente” e assim por diante.

Quando classifico minha amiga de feia, o faço em virtude de ela ter, por
exemplo, o cabelo espichado para os lados e para cima. Desse modo, ao
enxergar o cabelo de minha amiga, noto em meu organismo uma emoção
desagradável, uma coisa ruim conforme as minhas idiossincrasias (por
sinal um belo nome). É esse mal-estar que possivelmente me leva a
classificá-la de feia e, consequentemente, afastar-me dela. Se for obrigado
a ficar perto, por questões sociais ou outras, fico martirizado durante
todo o período do encontro pelas emoções negativas provocadas pela
minha construção singular. É possível, se perguntarmos o que estaria
acontecendo dentro do organismo, o julgador não saber. Poderá dizer,
para justificar o mal-estar existente, que não se sente bem por estar diante
da moça de cabelos levantados para os lados e possivelmente falará, por
exemplo: “Ela é muito feia”. Uma simples característica, como um tipo de
penteado, uma vez generalizada, transforma-se no conceito “feiúra”. Ao
encontrar-me com pessoas com a mesma característica, as classifico de
feias. Nesse exemplo, todos os outros aspectos da pessoa não são levados
em conta, isto é, eles não foram focalizados, examinados e interpretados.

Os pequenos sinais ou eventos observados nos levam a categorizar as


pessoas ou os fatos conforme nossas tendências biológicas e aprendidas.
Estudos mostram que uma pessoa ansiosa - por motivos genéticos ou
aprendidos - categoriza os fatos futuros e possíveis de modo muito mais
pessimista que os não-ansiosos. O ansioso, diante de uma prova que fez
ou irá fazer, tende a imaginar que se sairá ou se saiu mal, assim como,
ao sentir uma leve dor torácica, poderá imaginar que terá um infarto e,
por fim, ao fazer uma viagem irá supor que alguma coisa de ruim deverá
ocorrer.

Temos a tendência de classificar as laranjas, os cães, as flores, os jogadores


e tudo mais. Por outro lado, temos dificuldade de descrevermos os fatos
ou os acontecimentos que deram origem à nossa classificação. É difícil
descobrir que sou sensível a cabelos levantados para cima e que eles me
provocam um mal-estar que não sei por que. Do mesmo modo, podemos

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imaginar uma aversão aos negros, aos homossexuais, idosos, deficientes
físicos ou visuais (excluídos em geral), mulheres, homens, crianças,
doentes mentais e uma infinidade de outros grupos. Como a “razão” não
tem justificativa racional para nenhuma dessas emoções negativas (ou
positivas), torna-se mais fácil dizer, para justificar o sentimento surgido
sem razão plausível, que Tereza é feia, que velho é gagá ou chato, que
homossexual é um sem-vergonha, que negro é preguiçoso, que deficiente
físico é esquisito e outras explicações do mesmo gênero. Em resumo:
palpites idiotas. Agora, irritado, quem classificou fui eu. Ao criticar e
detestar os críticos de pessoas, fui envolvido e acabei por fazer o mesmo:
os critiquei asperamente.

A situação observada e sentida como ruim, uma vez classificada, não


mais nos dá trabalho, pois imaginamos que fizemos uma “interpretação”
correta e adequada e, portanto, tendo explicado o fato, posso e devo agir
conforme minhas explicações e “julgamentos”, com referência à coisa ou
pessoa classificada.Tudo isso é muito prático e fácil, entretanto, é uma
decisão impensada, irracional, louca e somente emotiva, aprendida, de
um modo ou de outro, conforme o nicho (companheiros admirados)
quando éramos ainda mais bobos que agora, ou seja, durante nossa
infância e puberdade.

Nossos julgamentos (conhecimentos teóricos), na maioria das vezes,


são feitos desse modo e, por serem práticos, facilitam nossa conduta.
Entretanto, como esses julgamentos, com frequência, não nos levam a agir
conforme parece ser o mundo “real” que enfrentamos, eles nos forçam
a nos comportar erroneamente em grande parte dos casos, pois nossas
ações, que se baseiam nesses julgamentos, estão assentadas conforme
nossa singularidade, manias ou pontos cegos.

Assim, nós, pobres seres humanos, classificamos as coisas e as pessoas


baseados nas nossas emoções sentidas no momento, detonadas por
estímulos aparentemente minúsculos e que, bem pensados e bem
julgados, não teriam a importância neles colocada: homossexual tem uma
orientação sexual diferente da dos heterossexuais; os negros têm apenas

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maior quantidade de melanina na superfície de sua pele; os velhos podem
ter mais ou menos sabedoria que os mais jovens; um esquizofrênico é uma
pessoa, semelhante às outras, que tem um aspecto diferente; os deficientes
físicos têm um problema físico visível numa ou noutra região do corpo e
nós, não “deficientes físicos”, podemos tê-lo em partes do organismo não
visíveis (estômago, coração, tireóide, próstata, útero, pulmão, etc.) e assim
por diante.

Como somos seres humanos, somos dominados por ações automáticas,


onde vários estímulos do meio ambiente externo nos levam a agir
aproximando-nos ou afastando-nos dos eventos. De outro modo, somos
geneticamente dotados de prontidões inatas para respondermos aos
estímulos tidos ou imaginados como “conhecidos e agradáveis” e “não-
conhecidos e desagradáveis”.

Possuímos duas grandes paixões: uma favorável a alguns fatos, que me


leva a me aproximar da situação e uma a outra, contra alguns deles, que
me afasta. Junto a essas duas tendências, uma nascida dos “sussurros”
emitidos por nossos genes coloridos e a outra pela nossa aprendizagem
estimulada por eventos do meio ambiente, apareceu a aprendizagem
semântica. Esta última simboliza alguma coisa, mais aproximada ou mais
afastada, acerca do que percebemos através dos órgãos dos sentidos junto
com as emoções sentidas, sempre de acordo com os “óculos” existentes
em cima do nariz de cada um. Diante de um fato, a mente reagirá,
inicialmente, com alguma emoção e ações não-verbais; logo em seguida,
classificamos o que sentimos e percebemos.

Leitor: faça um teste com você mesmo.


Ao classificarmos uma pessoa, nós a representamos mentalmente -
formamos uma imagem dela em nossa consciência conforme nossa criação
ou imaginação singular. Tente isso, meu caro leitor. Crie em sua própria
consciência uma imagem de uma pessoa que você goste. Após algum
tempo, represente uma outra que você não goste. Estando uma ou outra
pessoa representada em sua mente, tente sentir as emoções detonadas a
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partir das representações mentais que você construiu. Sentiu? Elas devem
ser agradáveis conforme a que gosta e desagradáveis com respeito à outra.

Dando um outro exemplo: numa certa manhã eu participava de um


programa de rádio. Durante sua realização os ouvintes podiam fazer
perguntas através do telefone. Um deles relatou que estava em dúvida
quanto à sua tendência sexual; não sabia se era ou não homossexual. Em
seguida, perguntou-me o que fazer para obter uma melhor resposta. Usei
o descrito abaixo conforme o dito acima:

— Imagine você entrando num quarto com outro homem. Depois, ambos
começam a se despir e, em seguida, deitam-se e começam a se abraçar e
se beijar. Forme uma imagem de cada uma dessas cenas e de outras que
você inventar quando estiver junto a esse homem imaginário. À medida
que elas vão se desenrolando procure ficar atento às emoções surgidas,
as que vão aparecendo em seu organismo diante de cada cena ou quadro
formado, isto é, durante cada envolvimento e cada contato físico: a visão
do corpo do parceiro, o abraço, o beijo e tudo mais.

Se você sentiu emoções agradáveis e calmas diante de cada cena exibida


em sua mente, isto é, durante a representação, acredito que sua tendência
é a de ser homossexual: suas intuições parecem ter lhe dado a resposta
para sua dúvida. Vá em frente. Entretanto, caso tiver sentido um asco,
um mal-estar diante das imagens evocadas, você, provavelmente, não é
homossexual. Pode sair e procurar alguma mulher.

A mesma tarefa poderá ser feita para saber que alimento gostaria de comer,
o que fazer hoje à noite, etc. Os indicadores serão as emoções exibidas e
sentidas pelo nosso corpo total: a positiva me agradou e a negativa não me
agradou; somos guiados, em grande parte dos casos, por nossas intuições.

Cuidado: suas intuições podem estar erradas


Nós categorizamos uma pessoa de modo rápido e simples, e, como tudo
que é simples e apressado, geralmente, é também errado. São certos fatos,

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atributos ou características simples exibidas pela pessoa: rugas, cor da
pele, modo de falar, vocabulário usado, gordura corporal, maneira de
andar, modos à mesa, etc., que estimulam nossos órgãos dos sentidos
(sensíveis às emoções) e estes, um pouquinho depois, o córtex cerebral
(classificador da emoção sentida), que, conforme nosso aprendizado
cultural, classificará o fato como bonito ou feio, agradável ou desagradável.
Comandada por essas ordens inconscientes - emoções sentidas boas ou
ruins - a pessoa é motivada a aproximar-se ou afastar-se do estímulo
provocador, focalizado e captado.

As emoções desencadeadas orientam a conduta para aliviar a tensão


criada: “preciso me ligar a essa pessoa, pois é simpática e bonita” ou
“preciso me afastar, pois ela é feia, chata e antipática”. Para que o leitor
pudesse entender, fui obrigado a escrever as idéias possíveis de virem
à mente do receptor dos estímulos. Mas deve ser lembrado que as
deduções, interpretações ou as categorizações, como “ela é bonita” ou
“ela é antipática”, só aparecem - podem não aparecer - após a emoção ter
surgido. Assim, nossas idéias, em grande parte dos casos, são fabricadas a
partir do aparecimento das emoções surgidas sem nossa vontade.

Somos, quase sempre, ou sempre, ainda não se sabe, comandados


pelas emoções detonadas num momento. Cada um é mais sensível ou
mais insensível a um ou outro estímulo; não há como escapar disso.
Podemos, sim, controlar a conduta detonada pela emoção surgida. A
essência de nossa educação ou domesticação encontra-se no controle
(externo) das emoções. Sintetizando: diante de um estímulo formamos
uma representação ou imagem na consciência e, junto dessa, nascem as
emoções. As nossas ações para aproximarmos ou fugirmos da pessoa ou
dos eventos serão determinadas pelas emoções sentidas - agradáveis ou
desagradáveis - diante do representado. Um fato insignificante pode dar
origem a uma representação determinada e esta, por sua vez, pode criar
uma categorização abrangente e, muitas vezes, defeituosa, que provocará
o nascimento de emoções boas ou ruins pelo erro da classificação, como,
por exemplo: “Ele é um bandido”; “Ela é um amor de mulher”. Em seguida,
podemos passar a acreditar e a agir orientados pelo construído por nossa
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mente diante do fato visto.

Vamos a outros exemplos: “Ele é maconheiro, logo é perigoso”. A partir da


categorização “ele é maconheiro” colocamos na sua garupa uma suposição
duvidosa: “logo é perigoso”. “Ele nasceu em Paris, deve ser culto”. Um fato
pode ter ou não ter nada com o outro; a ligação ter nascido em Paris e culto
são aleatórias. Nada foi examinado e observado, tudo deduzido, criado da
mente intuitiva, muitas vezes infectada de preconceitos, de generalizações
apressadas e mal feitas. Os relatos acima procuram mostrar o outro lado
do homem, seu irracionalismo. De um modo mais direto, mostra nossa
continuada “burrice” diante dos acontecimentos que nos rodeiam.

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A Intuição como Pré-
conhecimento
As intuições como um ninho (modelo) para a
colocação (entrada) de outras

As instituições educacionais ignoram (ou fingem ignorar) esse poderoso


e dominante “conhecimento”, um protótipo ou pré-conhecimento
(pré-saber), adquirido cedo pelo indivíduo. Este pode ser o único
conhecimento usado pela pessoa e, também, outras vezes, servirá de base
para a instalação de outros saberes mais complexos que exigem esforço e
determinação, como, por exemplo, o da ciência mais profunda, de uma
religião adulta e não infantil (pré-conhecimento).

As intuições primitivas, desenvolvidas visando a nos ensinar e facilitar


nossa compreensão e ação diante dos problemas enfrentados, podem,
ao contrário do desejado, nos impedir de agir eficientemente, pois o
ensinado, frequentemente, não é adequado e não tem a profundidade
necessária para o conhecimento eficiente, ou, muitas vezes, é falso, isto
é, pode não permitir o assentado de outros saberes mais eficientes. Um
exemplo simples: o conhecimento popular acerca da saúde e da doença.
O conhecimento intuitivo existente impede ou dificulta a entrada de um
conhecimento mais sofisticado.

A professora (bem como os pais) na escola, como qualquer ser vivo


vivendo numa certa cultura, transmite aos alunos, geralmente, o vivido
e pensado intuitivamente por ela, junto com outros fatos e eventos que
são discutidos: científicos, históricos, geográficos, etc. Ela, naturalmente,
de forma automática e espontânea, incute atitudes, valores, gêneros,
sexualidade de uma forma ou outra, bem como o direito de um grupo
de privilegiados a ter mais posses e de poder desperdiçar, enquanto
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outros passam fome, a superioridade dos homens sobre as mulheres, dos
brancos sobre os negros, dos descendentes de certas famílias sobre os
“sem-nome”, dos moradores de uma determinada zona da cidade e os
favelados. Tudo conforme o “catecismo” aprendido nos primeiros anos de
vida e, geralmente, de forma inconsciente.

Assim são aprendidos todos os nossos preconceitos (intuições deformadas),


ou seja, eles são impressos em nossa mente logo após nosso nascimento.
O preconceito nada mais é que uma “intuição” defeituosa, como outras,
aprendido muito cedo como um modo correto de avaliar pessoas ou
coisas. O preconceito é uma forma de conhecimento deturpado (um
mito ou fábula), por falta de um saber mais profundo e adequado. Não
aprendemos cedo o conhecimento mais exato e profundo, explicativo,
relacionado às razões para as nossas conclusões inexatas. Nosso cérebro
não é capaz desse complicado trabalho associativo nos primeiros anos de
vida.

Lamentavelmente, nossa sociedade, em todos os países, aprende noções,


não somente simples, mas, pior, tendenciosas e falsas. Muitas dessas
informações, que não mais nos largam, irão servir de base para outras
aprendizagens assentadas nesses conhecimentos inexatos transmitidos de
boca a boca.

Um dos aprendizados adquirido, produtor de muitos dissabores futuros,


é o desconhecimento de nossa ignorância com respeito aos nossos pilares,
podres e aleijados, base para a edificação de nossas outras conclusões e
decisões. Desconhecendo nossa ignorância, deixamos de prestar atenção
a outras formas de explicação e temos “certeza” que nossa crença nos
revela a verdade.

Deve ser lembrado que o aluno, ao começar seus estudos no pré-primário,


não é um receptáculo vazio. Está equipado com uma caixa de ferramentas
elementares ou noções rudimentares (pré-conhecimento) contendo
implementos, um ninho preparado (melhor ou pior) para captar as outras
informações que virão do meio, as técnicas de raciocinar e fazer uso, de

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modo pré-determinado e específico, para adquirir outros conhecimentos.

Esses implementos primários, diante de informações mais sofisticadas,


têm de ser recrutados com sagacidade para dominar problemas para
os quais não foram estruturados. Isto requer não só inserir novos fatos
e habilidades na mente das crianças, mas depurar e desativar fatos e
habilidades antigas inadequadas.

Isto não só é muito difícil, como algumas vezes impossível. Os estudantes


não podem aprender a Física newtoniana antes de desaprenderem a
física intuitiva baseada no ímpeto do objeto; daí os imensos prejuízos
do já aprendido. Não podem aprender Biologia moderna antes de
desaprenderem a biologia intuitiva dominadora da mente, que raciocina
com essências ou fluidos vitais, e não podem aprender evolução antes
de desaprenderem sua engenharia intuitiva, a que atribui a estrutura dos
seres às intenções não reveladas de um criador. O novo conhecimento não
consegue atravessar a barreira construída pelo antigo “conhecimento”.

Pré-saber, crenças e atitudes


Tudo o escrito acima nos leva a um ponto super importante. Para
entender uma determinada crença ou opinião é necessário conhecer sua
base cognitiva (impressa muito cedo em nossa mente, bem como a forma
usada para captar o aprendido), onde a idéia defendida está assentada: a
explicação da diarréia, do início do mundo, da permissão ou proibição do
aborto ou da venda de armas. Não tem sentido falar de atitudes diante da
educação ou do capitalismo a não ser que saibamos o que estas categorias
significam para o indivíduo. Também, não pode haver uma mudança de
atitude sem uma transformação correspondente no conhecimento, ou
melhor, na crença básica ou fundamento.

Condições semelhantes fornecem formas semelhantes de compreensão do


ambiente. Estas condições definem, de maneira mais ou menos específica
para os indivíduos, as propriedades das coisas, pessoas, grupos e ações.
Por outro lado, as opiniões diferentes, ou seja, as oposições, resultam

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das diferenças de conteúdo cognitivo ou do nível de conhecimento.
Se um indivíduo tem apenas um conhecimento parcial dos fatos, ele
estará enfrentando uma situação diferente da pessoa que tem uma visão
mais abrangente, uma potencialidade para examinar o fato de diversas
maneiras.

Nas esferas sociais e políticas (governo propriamente dito, cúpulas


religiosas, comerciais, profissionais) esse problema é de extraordinária
grandeza. Não é raro ouvirmos frases como esta: “Se neste Natal
aumentarmos em 5% nossas vendas, será um Natal muito bom”.O
comerciante, tão acostumado à crença de que um “bom Natal” ocorre
porque ele vende muito, ganha mais dinheiro e enriquece, não percebe que
esse seu prazer, provavelmente, decorre do gasto, prejuízo e sofrimento do
lado do comprador de bugigangas. Os de um lado geralmente empregam
todos os recursos para dar uma aparência de coisa razoável à sua linha
de ação. A censura – escrachada ou velada -, bem como certas formas
de propaganda, nada mais é que esforço para moldar a compreensão da
população conforme desejos dos donos da censura (de seus princípios ou
modelos), dos proprietários das casas comerciais, etc.

As crenças são mais que uma expressão do conhecimento; isso seria muito
pouco. Há muito mais coisas escondidas por trás do explicitado: sempre
há. Elas, quase sempre, escondem o mais importante e mais perigoso
para minar seu poder. As necessidades e os interesses particulares não
explicitados (não mostrados claramente), muitas vezes nem percebidos
ou conscientizados (poder, domínio), são pontos decisivos na elaboração
da crença e tornam-se responsáveis pelas semelhanças e diferenças entre
os grupos.

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Escondendo a crença básica:
Estratégias e suas derivações
Atitude: dificuldade de extinção de intuições
Todos nós na infância recebemos, de um modo melhor ou pior,
ensinamentos intuitivos simples. Entretanto, dada a importância e
potência desses primeiros conhecimentos (nosso B a BA inicial), eles
nunca mais nos abandonam, não mais desaparecem e dão origem a uma
rede complexa de padrões (modelos, paradigmas) para compreender a
realidade, que recebem o nome de “atitudes”.

Um segundo conhecimento pode ser adquirido (nem sempre isso


ocorre), sem que o primeiro seja totalmente destruído. Num instante ou
outro, o conhecimento primitivo ou pré-conhecimento pode emergir,
principalmente quando estamos de “cabeça quente”, isto é, quando
estamos dominados por nossas paixões, sejam quais forem elas (religiosa,
política, sexual, poder, etc.). Ninguém está livre desse conhecimento inicial
inadequado e simples: médico, cientista, político, físico ou qualquer outra
profissão mais intelectualizada. Nosso raciocínio pode ser completamente
dominado por esses conhecimentos iniciais não adequados à realidade.
As atitudes (intuições) iniciais, de modo automático e inconsciente,
se inserem – podendo dominar – em outros saberes mais sofisticados,
contaminando ou transformando até os raciocínios mais exatos exibidos.

Todos nós assimilamos e usamos intuições a partir da infância. Alguns


conhecimentos mais bem fundamentados, muitas vezes em oposição
à atitude, tomam o lugar dessas intuições iniciais (pré-conhecimento)
nas áreas nas quais aprofundamos nossos estudos. Nos outros campos,
na ausência de informações mais bem elaboradas (menos profundas),
continuamos a pensar conforme o aprendizado adquirido na infância, isto
é, nosso pensamento é dirigido por essas obsoletas intuições. Ninguém
escapa desse processo diabólico. Sem querer, ou seja, automaticamente,
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usamos essas intuições simples diante de emoções mais fortes ou quando
estamos apressados para solucionar um problema, mesmo quando
assimilamos outras suposições contrárias ao aprendido anteriormente. As
pessoas, todas elas, avaliam constantemente o seu meio; nenhuma pessoa
é imparcial para o que ela encontra. Seria estranho e singular uma pessoa
dizer: “Eu sou completamente neutra para minha família, meu trabalho
e meu cão. Não me emocionei ou julguei o café que acabei de tomar que
está açucarado e frio”.

A permanência continuada e sem crítica desse modo de conhecer, na


vida adulta, é observada e utilizada pelos indivíduos analfabetos ou semi-
analfabetos. Nesse grupo se incluem os que vivem da lavoura, de trabalhos
braçais, sobrevivendo graças ao seu engenho e força. Em parte, nós todos
fazemos, num momento ou noutro, o uso dessa forma de conhecer,
explicar e reagir à realidade.

O princípio inicial e o crescimento de princípios


dele derivados
Uma vez semeada, nascida e desenvolvida uma crença básica (idéia-
tronco), ela se transforma numa condição para a germinação de novas
crenças, pensamentos e ações dela derivadas. Por isso, a crença básica
tende a dar nascimento a vários outros galhos e brotos; um molde para
fabricar outras convicções profundas sem justificativas racionais, de
suposições não observáveis. De outro modo, a idéia-crença original
inexata – a obtida através de intuições e ou pensamentos mágicos –
passa a ser uma condição (o útero) para a fecundação (formação) de
novas idéias, logicamente falsas, pois derivam dela. Assim, para entender
uma determinada crença ou opinião torna-se necessário conhecer sua
base cognitiva não revelada, implícita (de que princípio ela foi gerada) e
inconsciente, inclusive para seu possuidor.

A falsa crença da inferioridade dos negros apoiou-se na manutenção do


poder político e exploração de mão-de-obra. Portanto, escondida atrás

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dessas afirmações existem outras crenças que dão suporte ao explicitado.
Os governos empregam inúmeros recursos para fornecer uma aparência
de uma linha política razoável. A censura e certas formas de propaganda
são esforços para moldar ou imprimir a compreensão e opinião da
população conforme o desejado pelos governantes.

Princípios e atitudes
Uma atitude contém em si uma ordenação mais ou menos coerente de
diferentes dados. Observações e raciocínios diversos utilizados pela
pessoa devem estar arrumados e unificados para facilitar a defesa dos
argumentos apresentados. O que a pessoa diz em certo ponto precisa
estar ligado, de maneira inteligível, com o que se afirmou antes ou se dirá
depois, assim como as partes de uma história precisam estar interligadas.

Uma determinada atitude encontrará resistência caso vá contra sistemas


que imperam: socioculturais e religiosos. Há uma tendência para buscar
a estabilidade, e, por outro lado, uma transformação numa parte muito
poderosa do sistema pode iniciar um processo até então inexistente e,
consequentemente, alterar o sistema amplo como um todo.

Podemos afirmar que: 1) uma atitude é uma organização de experiências


e dados referentes a um objeto; uma estrutura de ordem hierárquica,
cujas partes funcionam de acordo com sua posição no todo; 2) uma
determinada atitude é uma estrutura semi-aberta que funciona como
parte de um contexto mais amplo. Ela tem o caráter de um compromisso
com a orientação da cultura, sendo parte dependente do sistema mais
vasto.

Função da atitude
Uma função importante da atitude é providenciar resumos avaliadores
rápidos e simplificados do meio ambiente; elas atuam como indicadores
promovendo uma predisposição ou prontidão para a resposta. As
atitudes sinalizam para as pessoas se os objetos de seu meio ambiente

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são bons ou maus, e, consequentemente, se elas devem realizar uma ação
de aproximação ou de fuga. Para servir a esta função é necessário que a
atitude tenha uma valência simples, ir ou não ir. Quando surgem valências
de ida e volta, ficamos em dúvida (ambivalência – duas valências), como
frequentemente ocorre: “Comer o churrasco ou emagrecer”; “Sair para as
férias ou economizar para pagar as dívidas”.

As pessoas rapidamente decidem se um objeto é bom ou ruim para


elas, conforme a atitude seja a mais usada e a primeira a aparecer. A
maioria dos teóricos define a atitude como “um resumo unidimensional
de afirmações”. Decorrente dessa definição nasceu o uso de escalas
unidimensionais para medi-las. Por exemplo: pergunta-se à pessoa se ela
tem uma atitude (sentimentos) negativa ou positiva para diversas coisas
como situações sociais; consumo de produtos; candidatos políticos;
companheiro amoroso; administração participativa, etc. As pessoas
diante dessas perguntas exibem poucos problemas para responder ao
perguntado.

Mas nem sempre essas respostas são simples. Há casos, contudo,


variando com a mente do entrevistado e com sua “abertura mental” ou
seu “pluralismo”, que as pessoas têm mais de uma avaliação, ao mesmo
tempo, do mesmo objeto/atitude; uma pode ser mais acessível que a
outra. Retorno ao exemplo dado anteriormente de ser contra e, também,
a favor da pena de morte, ou, ainda, comprar o objeto sedutor ou guardar
o dinheiro; continuar ou acabar com o atraente e maldito namoro; ter ou
não ter filho; etc.

Os americanos não têm consciência com respeito às suas atitudes


implícitas para os afro-americanos. Os questionários largamente usados
e descritos pela mídia examinam apenas os motivos explícitos ou “auto-
atribuídos motivos”, isto é, medem a negação do preconceito implícito
existente e não as atitudes implícitas (escondidas).

Avaliações, baseadas nessas idéias, diferentes das perguntas feitas pelos


“Ibopes” da vida ou por “Você decide” mostram apenas nossa atitude

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explícita. Esse tipo de pergunta (pesquisa) não revela as atitudes mal vistas,
as que a pessoa sabe que geralmente ela será avaliada negativamente. Mas
as outras atitudes, as criticadas, podem emergir sem a pessoa, muitas
vezes, perceber, mesmo estando bem guardada.

Citarei alguns poucos exemplos da exibição da atitude primária mesmo


quando o entrevistado responda, explicitamente, que não tem preconceitos
contra o negro, a mulher ou o idoso.

Perguntou-se a pessoas, usando o teste simples, de uma só resposta, sim


ou não, se achavam os negros e brancos iguais ou desiguais. Depois foram
apresentados ao grupo que não mostrou preconceitos testes diferentes.
Num deles pedia-se aos sujeitos da pesquisa que completassem frases.
Uma delas dizia mais ou menos o seguinte: “Elizabeth, uma afro-
americana, brigou com sua mãe e depois com sua família. Furiosa, ela
deixou sua casa para nunca mais voltar, tornando-se uma…”. Foi pedido
ao entrevistado que completasse a frase. Uma grande parte dos sujeitos
da pesquisa completou a frase com palavras negativas, algumas pesadas,
entre elas “prostituta”.

Numa outra pesquisa pediu-se a meninos na escola que lessem uma


história contendo fatos e situações positivas e negativas para os afro-
americanos. Tempos depois foi pedido a esse mesmo grupo que escrevesse
o que eles lembravam da história lida há semanas. Os alunos suspeitos de
serem racistas lembraram quase que apenas os fatos narrados negativos
ao negro. Os outros lembravam situações diversas como haviam lido. Isso
mostra que retemos um fato ou outro conforme os princípios que nos
dominam.

Portanto, alguns poucos questionários, mais sutis e implícitos, podem


captar o preconceito existente, como no caso de completar a frase já
discutida: “Elizabeth, uma negra ….”.

Geralmente, diante de uma engenheira (médica, artista, etc.) afro-


brasileira temos a tendência de declarar, ao indicá-la para alguém: “Aquela
negra ali é formada em Engenharia”. Entretanto, caso a engenheira seja
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branca usamos uma indicação diferente: “Aquela mulher ali é engenheira”.
Usamos o mesmo modelo com respeito aos outros excluídos. Em lugar de
“sirva um café para aquele homem de terno cinza”, falamos “sirva um café
para um velhinho de terno cinza”. Também, “entregue esse embrulho para
aquela gorducha que está lá no fundo” e não “entregue esse embrulho para
a mulher que está lá no fundo”. Usamos o mesmo modelo para deficientes,
homossexual, altura baixa, ou seja, tudo aquilo que julgamos não ser
o usual e ou correto, segundo julgamentos aprendidos muito cedo. Os
certos são: brancos, jovens, heterossexuais, ótimo físico, sem problemas
físicos visíveis, bonitos e bem vestidos. Sob pressão e pressa é mais fácil
o aparecimento das atitudes AP(atitude primária) ou as motivações
implícitas – que são ativadas automaticamente. Nesses casos, torna-se
mais difícil a pessoa retirar a avaliação secundária, aprendida mais tarde,
menos automática ou explícita da mente.

Portanto, uma pessoa criada numa família racista com respeito aos
afro-brasileiros, ao estudar, quando adulta, Biologia, adota uma atitude
igualitária, pois percebe cientificamente de onde provém a cor negra da
pele, que nada tem a ver com as outras características que ela assimilou
em casa ou com os companheiros. Mas esta segunda crença não toma
totalmente o lugar da primeira, a racista. Ela passa a viver com as duas
atitudes; a negativa para os afro-brasileiros (uma avaliação negativa,
preconceituosa, obtida na infância) e uma atitude mais recentemente
construída alicerçada na observação e estudo da ciência. A atitude
mais recente, a secundária, é a explicitada em condições comuns de
tranquilidade. Assim, esse indivíduo repele, não considera ou, ainda,
domina, em certos momentos, a atitude primária e inicial aprendida.
Entretanto, a atitude primária, que habita a mente dessa pessoa, pode,
de modo automático e implícito, aparecer e dominar a cena. Os brancos
expressam mais atitudes positivas aos negros nas medidas explícitas
(conscientes e pensadas) que nas implícitas (inconscientes e impulsivas) e
a correlação entre uma medida e outra é bastante baixa.

Para muitos, as atitudes deformam as observações, a percepção e o


pensamento. Elas funcionam como fontes de enganos e nos tornam
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sugestionáveis para certas experiências. As crenças, por trás das atitudes,
são mais do que uma expressão do conhecimento. As necessidades e
os interesses são pontos decisivos na elaboração da crença e tornam-se
responsáveis pelas semelhanças e diferenças entre os grupos.

As atitudes têm objetos, ou seja, formam imagens mentais; seus conteúdos


nascem desses objetos, tão direta e inexoravelmente quanto uma emoção
específica surge de determinada visão de uma situação.

Quando me formei em Filosofia, o grupo total incluía formandos


em Letras, Geografia, História, Biologia, etc. Eram mais de duzentos
formandos. Entre eles haviam alguns afro-brasileiros e, também, três
deles portadores de pequenos problemas para caminhar. Pois bem. Os
dois grupos receberam uma quantidade de palmas muito maior da platéia
do que os outros. Essa conduta indica claramente a eclosão do preconceito
primário mal encoberto pelo aprendizado posterior.

Um outro teste para terminar. Pares de nomes, como “jovem” e


“velho” e “mãe” e “pai”, foram apresentados aos sujeitos da experiência.
Circunscrevendo cada palavra (jovem e velho; pai e mãe) apareciam várias
palavras indicadoras de atitudes positivas (bonito, simpático, alegre,
esperto, bom, acessível, etc.) e negativas (feio, lerdo, fechado, tapado,
enjoado, sujo, etc.). Era pedido aos jovens testados que ligassem, por
exemplo, o termo “jovem” e “velho” às palavras que mais identificassem
essas diferentes pessoas. Pois bem: a maioria dos termos positivos foi
ligada aos jovens e os negativos aos idosos.

Concluindo, a pesquisa que pergunta acerca de uma atitude, por exemplo,


“Você acha que os idosos são iguais aos jovens?”, mede uma postura
verbal explícita e é respondida pela maioria com um tranquilo “sim”,
“claro” ou “com certeza”. Entretanto, sua outra atitude diz o contrário:
“Que bonitinho!”; “Ele é engraçado”; “Está com a memória até boa”; “É
um velho esperto; não tem nada de bobo”, indicando a invasão de traços
dos preconceitos.

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Atitude: Preconceitos (atitudes
duais)
Geração da atitude primária e da secundária
(AP e AS)

Após termos aprendido uma atitude “AP” (atitude primária) nos primeiros
anos de vida (“o negro é preguiçoso”; “a mulher é mais fraca”; “o velho é
lerdo e confuso”), podemos aprender novas atitudes contrárias às acima
citadas: “a preguiça do negro, caso exista, ocorre não pela cor de sua
pele, da melanina mais superficial”; “a mulher foi fraca por ser dominada
pelas idéias masculinas de uma época, por não ter acesso aos postos e
estudos dos homens”; “o velho sadio e executando atividades cognitivas
e físicas pode ser muito mais lúcido e capacitado que o jovem de trinta
anos”. Nesses casos falamos que a atitude AP mudou-se para AS (atitude
secundária). Mas o que ocorre com a atitude AP, isto é, a primária, antiga
e inicial? Ela some, desaparece da mente?

A maioria dos teóricos, pelo menos implicitamente, afirma que a nova


atitude substitui a antiga. Mais recentemente essa afirmação foi modificada,
ou melhor, negada. Para autores mais modernos, a nova atitude (AS)
adquirida pode se sobrepor e dominar, em diversas situações, a primeira
atitude (AP). Entretanto, ela não irá substituir a antiga, fazendo com
que a primeira desapareça. Isto dá origem ao que se chama uma “atitude
dual”; a pessoa passa a conviver e a usar uma e outra atitude, conforme o
momento.

Definindo a atitude dual


Num programa de televisão que participei, onde o tema discutido era

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“Deve ou não haver pena de morte no Brasil para crimes hediondos”,
mostrei uma postura dual para a pergunta. De outro modo, defendi a pena
de morte caso pensasse de certa forma e se estivesse mais emocionado
contra o criminoso, mas, também, fui contra a pena de morte, se estivesse
mais calmo e com tempo para examinar a biografia do criminoso, bem
como sua educação, falta de oportunidades, estresses vividos, etc. Penso
que todos nós agiríamos desse modo, que chamei durante o programa de
“postura caolha”, isto é, capaz de opinar sobre dois lados do fato ao mesmo
tempo. Essa postura é comum entre os orientais (chineses, japoneses, etc.)
ao usar não a lógica formal e analítica, mas sim a dialética.

A atitude dual pode ser definida como avaliações diferentes de um


mesmo objeto: uma automática (cheia de emoção, quente, impulsiva ou
implícita) e uma outra mais cognitiva (fria, calma, mais explícita). Mesmo
quando uma atitude explícita (a segunda atitude) domina de modo geral
a maneira de julgar os fatos ou pessoas, o modo impulsivo e implícito
pode permanecer sem modificações, pronto para ser detonado, diante de
fortes emoções ou de ações ligadas ao imediatismo (soluções apressadas).

Estudos mostram que a pessoa constrói novas atitudes quando as anteriores


são fracas. A pessoa pode mudar a atitude de AP para AS (de primária
para secundária). Entretanto, apesar dessa última poder ser armazenada
na memória, a atitude original, AP, não é substituída. Quando a atitude
explicitada (AS) é recuperada da memória para agir (“os velhos devem
ser respeitados”), a outra, AP (implícita e primária), “Ele está acabado;
não mais é capaz de pensar”, ainda irá influenciar as outras respostas
implícitas possíveis de serem geradas, a saber, respostas incontroláveis
(condutas não-verbais) ou respostas que a pessoa não percebe como
expressões de sua atitude e assim nem tenta exercer controle sobre elas,
como “Coitadinho: ele é uma gracinha!”; “Os idosos é que são felizes,
fazem o que desejam”; “Eles agora estão vivendo a terceira liberdade” e
outras bobagens mais.

O uso de uma ou outra atitude: implícita ou


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explícita
A atitude que a pessoa apóia ou endossa, num certo momento (os idosos
são iguais aos jovens quanto à capacidade intelectual), depende da
capacidade cognitiva da pessoa para recuperar (reaver) a atitude explícita
(a que deve e precisa ser exibida) para que ela afaste (repila, desvie,
rechace) a atitude implícita que não deve ou não fica bem ser exposta.
As pessoas parecem inferir as atitudes que devem ser usadas a partir da
observação das consequências do seu próprio comportamento, diante do
uso de uma ou de outra.

Há momentos em que as avaliações das pessoas são bastante pensadas


fazendo uso da atenção concentrada e bem deliberadas (diante de calma
ou de domínio interno); noutras ocasiões as atitudes afloram de modo
rápido e imprevisível (pressa; desencadeamento de fortes emoções como
diante da paixão ou raiva; uso de álcool, anfetamina, cocaína; cansaço,
etc.)

As pessoas tendem a ajustar, elas mesmas, suas atitudes, confrontado-as


com a avaliação aprendida e armazenada do objeto-atitude (velho, mulher,
negro, pobre, obeso, com problemas físicos, etc.). A atitude preconceituosa
(AP- atitude primária), bem como a segunda atitude (AS), aprendida mais
tarde e que critica a primeira, vêm à mente automaticamente e lideram
a decisão de usar uma ou outra (outorgam, autorizam, justificam),
conforme a informação geral do que é atualmente acessível. Cada uma
dessas fontes de informação, a avaliação inicial recuperada pela memória
(AP) e a informação acessível posterior (AS), variam conforme a força de
cada uma (atitude forte e fraca).

A atitude AP é mais acessível e mais provável de ser ativada


automaticamente – mais rápida – quando o objeto-atitude é encontrado
(negro, idoso, mulher, homossexual, etc.); nesse instante ela tende a
providenciar o processo de relevantes informações tendenciosas. Desse
modo, as avaliações das pessoas estão baseadas mais em AP e menos nos
pensamentos atuais e mais bem fundamentados e criticados. De fato,

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quando AP está altamente acessível ela tenderá em orientar (dar direção)
aos pensamentos de modo a ficar congruente com os pensamentos. O
povo, de modo contrário, acredita que ele não tem preconceito; que suas
avaliações são livres de estigmas. Nesse caso a pessoa não reconhece que
tem o preconceito e, portanto, nada faz para combatê-lo.

Estudos sobre memória mostram que os fatos que são memorizados se


reúnem em torno de certa idéia/atitude mais marcante ou importante.
Pensando assim, podemos imaginar que, em torno da atitude negativa
para o negro, homossexual, velho, etc., são agrupadas uma série de outras
que ficam prontas para serem recuperadas e utilizadas diante de estímulos
diversos do meio. De outro modo, ao ouvirmos uma palavra como “negro”,
“gay”, “aleijado”, “idoso”, “mulher”, “mãe”, “pai” e a maioria das palavras,
imediatamente, nos vem à mente uma série de representações mentais,
todas elas carregadas de emoções positivas e negativas sobre o conceito
ouvido, lido ou o objeto percebido. Por exemplo: ao encontrarmos com
um velho (ou ler nos jornais, ouvir na televisão: “Um idoso…”), em
torno do termo ouvido ou figura observada, formamos diversas idéias
automaticamente, que variam conforme a cabeça de cada um. Um
poderá imaginar lendo acerca de: “Um idoso foi assaltado..”. Nesse caso
ele poderá, por conta própria, imaginar: cansado, mancando, lerdo,
abobado, mal cuidado, usando blusas de frio no calor, inocente, fraco,
cabeça branca, encurvado, falando pausadamente, custando a explicar ou
entender, olhando para o chão para andar, espantado, humilde, etc. Essas
e outras imagens ou representações, liberadas por nossa memória, fluem
naturalmente formando um todo que é avaliado positiva ou negativamente
conforme a representação nascida (o protótipo ou exemplar que lhe serve
de modelo comparativo) e não o caso concreto exibido.

Mesmo uma frase iniciada tão simplesmente pela palavra “A” faz surgir
em nossa mente que se trata de um feminino, portanto, poderá ser “rosa”,
“vizinha”, “porta”, mas não “menino”, “cravo”, “amigo”. Caso continue a
frase, e vou um pouco além, “a bicicleta”, nesse caso a minha mente espera
por um predicado que dirá algo acerca dela. Por exemplo: “foi roubada”;
“quebrou-se”; “está ótima”; “chegou pelo correio”. O que importa aqui é
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que todas essas representações surgem espontaneamente e sem nosso
esforço em nossa mente, conforme nossos conceitos e preconceitos, bem
como a riqueza ou pobreza de nossa memória armazenada.

A atitude AS (atitude secundária ou explícita):


a mais nova
Quando a atitude inicial (primária) da pessoa está relativamente inacessível
e quando a pessoa está motivada e tem a capacidade cognitiva para pensar
com calma e cuidado acerca de como ela se sentirá, sua avaliação resulta
de considerações mais elaboradas de seus pensamentos atuais. Também
quando a atitude inicial é fraca a pessoa pode vir a mudar sua avaliação
primária, baseando-se em novas informações acessíveis e mais lógicas.
Quando a capacidade (habilidade) e a motivação são relativamente altas,
as pessoas, cuidadosamente, rechaçam as novas informações recebidas
que são contrárias à motivação inicial.

Portanto, podemos afirmar que as atitudes explícitas ou secundárias


podem mudar com maior facilidade (como as novas teorias da Física,
Psicologia, etc., que aprendemos mais adultos), enquanto isso as atitudes
implícitas ou primárias, como os velhos hábitos, ou não mudam, ou
mudam muito vagarosamente.

A presença de atitudes duais não significa ambivalência no sentido de


conflito, pois elas dizem respeito mais à que é mais acessível. Uma analogia
diz respeito à conduta motora de um jogador de futebol. Ele inicia o treino
cheio de defeitos. Com os treinamentos ele vai adquirindo novas técnicas.
A nova habilidade, contudo, nunca toma o lugar da antiga, pois os hábitos
antigos são difíceis de serem vencidos. Quando a pessoa está cansada ou
absorvida no calor da partida, ela poderá retornar, automaticamente, aos
velhos hábitos, às antigas técnicas. Assistimos isso constantemente nos
diversos esportes. Talvez essa “involução” ocorre mais com jogadores de
vôlei diante do nervosismo, quando, transtornados, perdem uma partida
quase vencida, isto é, voltam a jogar como iniciantes.

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Tipos de Atitude Dual
Podemos descrever as atitudes implícitas como avaliações que têm uma
origem desconhecida (as pessoas não sabem como as adquiriram; talvez,
em torno dos dois anos de idade, antes da aquisição da linguagem).
Elas são ativadas automaticamente e influenciam respostas implícitas,
principalmente não-controláveis. A pessoa possuída pela atitude implícita,
geralmente, não percebe que sua maneira de pensar ou argumentar
decorre de sua obediência à sua atitude implícita; deste modo ela nada faz
para controlá-la.

Uma vez formada a atitude implícita ela é ativada automaticamente


quando a pessoa encontra um objeto-atitude (provocador da resposta
interna no indivíduo). Nesse caso, não há necessidade, para sua ativação,
nem da capacidade cognitiva e nem da motivação. Por outro lado, a atitude
explícita não tem chance de se tornar automática e assim exige – requer
– mais capacidade cognitiva e motivação para seu uso (recuperação,
retirada).

Os motivos implícitos são similares ao que chamamos de atitudes


implícitas; “automaticamente influenciam a conduta sem esforço da
consciência” e “são como regras que guiam a conduta que tem sido
adquirida através de experiências efetivas repetidas”. Já os motivos auto-
atribuídos são, como as atitudes explícitas, expressos quando as pessoas
são perguntadas diretamente como se sentem, por exemplo, as com
respeito a que tipo de conduta que elas preferem, estarem a sós ou com
alguém; fazer uma visita a um museu ou estar em companhia do marido,
etc.

Uma pessoa possui, como no caso das atitudes duais, simultaneamente


uma resposta automática, habitual como motivo (implícito) e uma resposta
explícita (motivo auto-atribuído). As pessoas não têm consciência de
seus motivos implícitos, não devido à repressão, mas sim devido a que
esses motivos cresceram a partir de experiências pré-linguais, muito
precoces e, por isso, são difíceis ou impossíveis de ser verbalizadas. Já os

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motivos auto-atribuídos, em contraste, desenvolvem após a aquisição da
linguagem e são construções mais conscientes.

Modelo de ligação e as atitudes implícitas


A ligação com nossos pais, com a mãe principalmente, é adquirida
antes do aparecimento da linguagem, por isso é estável e não consciente.
Estudos acerca dos tipos de ligações iniciais (com os criadores antes da
aquisição da linguagem) foram comparados com as ligações românticas
(adultas, pós-aquisição da linguagem). Nota-se que as ligações românticas
são determinadas, pelo menos em parte, pelo modelo interno que foi
aprendido na infância – antes da aquisição da fala – que é somado e
modificado por outros fatos da vida após aprendizado da fala. Assim, a
ligação romântica é um instrumento de auto-relato (explícito) assentado
nas ligações iniciais (implícito), mas carregada de outras recordações da
pessoa com seus parentes, amigos, inimigos e de outros comportamentos
sociais.

Conscientemente declaramos tudo aquilo que julgamos ou imaginamos


ser o adequado para uma ou outra ocasião; inconscientemente,
escorregamos e, sem o desejar, mostramos as nossas partes íntimas, as que
estavam cobertas com roupas descartáveis. Com a aculturação (educação
ou domesticação do ser humano) ocorre uma mudança do nível implícito
para o explícito.

As atitudes duais não ocorrem juntas, pois as pessoas não têm duas
avaliações ao mesmo tempo. As pessoas muitas vezes adotam uma nova
atitude explícita enquanto que a atitude implícita permanece inalterada.
Após algum tempo, a nova atitude pode desaparecer, devido ao não uso
e, nesse caso, a atitude implícita original reaparece ou emerge ocupando
seu poder original.

Preconceito e estereótipo
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Os estereótipos e os preconceitos contêm, quase sempre, atitudes duais. O
preconceito contra negros nos USA é criticado por todos, mas é adquirido
(aprendido) muito cedo, do mesmo modo que atitudes contra os gays,
as prostitutas, os deficientes físicos, os pacientes mentais, as mulheres
e velhos de modo geral nos países ocidentais. Todas essas intuições
deformadas da realidade, uma vez armazenadas, são ativadas diante do
objeto-estímulo (negro, velho, mulher, doente mental, etc.).

A única diferença básica entre um preconceituoso e um não preconceituoso


está no fato de que a pessoa que dizemos não ter preconceito, de fato,
tenta ou consegue controlar ou suprimir o estereótipo negativo por
ter aprendido, mais tarde, que não há razões plausíveis para seu uso.
Por outro lado, o indivíduo preconceituoso é aquele que nada faz para
controlar a postura culturalmente negativa. A cultura americana carrega
esses estereótipos.

Perguntas acerca de ofensores sexuais foram feitas para sujeitos da


experiência, usando pouco e muito tempo. Primeiro foi mostrado aos
pesquisados um retrato mostrando um ofensor e um perseguidor do
ofensor; nessa ocasião foi lida uma carta do ofensor para ser julgada. Um
pouco depois, o pesquisador retorna à sala e diz que os nomes foram
trocados; na verdade, o indivíduo chamado de perseguidor era o “ofensor
sexual”. Após esse “aviso mentiroso”, pede-se aos sujeitos para que eles
redijam uma nova avaliação da carta deixada por ele. Depois desse
aviso (falso), as avaliações mostraram julgamentos mais positivos para o
verdadeiro “ofensor sexual”.

A neurociência sugere que a informação captada pela região do cérebro


chamada de tálamo sensorial retransmite essa informação primeiramente
à amígdala (relacionada às emoções, preferencialmente as negativas:
medo e raiva), na forma mais bruta, permitindo à pessoa reagir mais
rapidamente para as informações acerca dos perigos potenciais. Essa
informação também vai, mais lentamente, ao córtex sensorial por um
outro caminho, de tal modo que a pessoa tem tempo de analisá-la com
mais cuidado, de modo mais deliberado e sem pressa quando isso é

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possível. Portanto, uma atitude AP seria a informação subcortical, a sem
o auxílio do córtex, rápida e pronta para tomar as primeiras ações ou
atitudes. Se a pessoa não possuir motivação ou habilidade para substituir
AP por AS, então, a informação da atitude primária alcança a consciência
(córtex) e determina as respostas a serem postas em ação e explicitadas,
isto é, as atitudes AP são verbalmente comunicadas puras.

As associações mais antigas são provavelmente


mais acessíveis
Com uma prática substancial, novas construções podem substituir as
atitudes implícitas, da mesma forma, um novo suprimento pode tornar-
se semi-automático para um jogador de futebol, vôlei ou outro esporte,
substituindo as técnicas primitivas e ou antigas. Sem prática extensa,
as atitudes explícitas podem predizer a desconsideração, mas não a
substituição das atitudes precoces automáticas; nesses casos elas exigem
um maior esforço e maior capacidade cognitiva para controlar a entrada
da atitude AP e ser capaz de expressar a AS.

De forma semelhante acontece com nós médicos que, antes de entrar


na escola, tínhamos um conhecimento popular das doenças (implícito,
intuitivo, deformado). Após a formatura, diante dos primeiros clientes,
o médico recém-formado é levado a pensar usando as idéias antigas
aprendidas com sua mãe, babá, imprensa leiga, “Globo Repórter”,
“Folha de São Paulo”, etc. Caso faça um grande esforço, e tendo sorte,
esse médico poderá se lembrar dos livros lidos, das aulas assistidas, da
perícia do professor fulano ou do colega mais bem preparado (o modelo
ou exemplar a ser imitado), usando tudo isso para cuidar do paciente, isto
é, fazendo uso das “novas atitudes”, das mais maduras e não intuitivas.

Estudos mostram que o reflexo psico-galvânico da pele pode estar


aumentado quando a pessoa tem uma atitude implícita que é, por querer,
controlada e responde com uma atitude explícita, contrária à primitiva
(dissonância cognitiva). Há momentos em que as atitudes explícitas são

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tão potentes que a pessoa ignora que suas atitudes implícitas são muito
diferentes das explícitas. A pessoa não nota que sua conduta é incoerente
com o que ela afirma (sua AS explícita).

Se AP é muito forte, fica difícil para a pessoa construir uma outra AS, que
vai contra a primeira, contradizendo-a. Portanto, para que a atitude dual
possa existir é preciso que a AP não seja muito poderosa, permitindo a
construção da AS, ou seja, de uma nova atitude.

Alguns autores têm uma visão pessimista da capacidade das pessoas para
controlar as reações estereotipadas dos outros, arguindo que:
1. os estereótipos são quase sempre ativados quando a pessoa
encontra um membro do grupo alvo, mesmo quando
a pessoa está tentando controlar suas reações (o velho,
gordo, negro, judeu, turco, etc.);

2. uma vez o estereótipo sendo ativado, torna-se difícil ele


ser controlado ou suprimido;

3. mesmo se a pessoa tiver sucesso em controlar seus


estereótipos em algum grau, o estereótipo ainda
influenciará respostas implícitas ou que a pessoa não pode
controlar (condutas não-verbais) ou que ela não pode
pensar em controlar (aquelas que ela não percebe como
expressões dos estereótipos).

Outros discordam disso: para esses as AP podem ser substituídas em


certas circunstâncias pelas AS.

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O fracasso da razão para
alcançar a verdade

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Estímulos, Regras, Axiomas e
Princípios
Frequentemente as emoções desencadeadas no indivíduo têm um
grande papel na elaboração de nossas opiniões e argumentos (avaliações
ou julgamentos). Nesses casos, quase sempre, começamos a opinar
introduzindo um “eu acho”, “na verdade”, “para mim”, “veja bem”, “aí”, “né”,
“entendeu”, “não é”, “quer dizer”, etc., principalmente nas discussões do
boteco, nos programas de discussões ou opiniões das TVs e nas Câmaras
de vereadores, deputados e senadores e, possivelmente, mas menos
frequente, nos julgamentos dos juízes e desembargadores.

Assim, de um lado temos certos estímulos como uma fala, a cor da pele,
um corte de cabelo e o tamanho de um busto; de outro, uma pessoa
que vai ser estimulada por esses fatos pouco ou nada significativos ou
representativos aos olhos da ciência, religião, política, economia, etc.

Acontece que os receptores para esses estímulos podem estar mais ou


menos sensibilizados para eles, prontos a reagir contra ou a favor do objeto.
Portanto, os diferentes estímulos que atingem nossos órgãos sensoriais
(uma chuva, a figura de uma mulher, o cheiro do gás, o gosto do escargot)
irão provocar reações diversas conforme a genética individual, a cultura
e a história particular de cada um dos observadores, além do momento
que ele está vivendo.

É diferente a visão da maconha para um viciado (louco para encontrar a


droga) comparada com a visão de um combatente de drogas. Da mesma
forma, é diferente a visão de uma arma para um ansioso que nunca
pegou nela e para um criminoso desejoso de assaltar alguém. Uma coxa
feminina pode excitar imensa e perdidamente um tipo de homem, causar
uma pequena emoção num outro e, ainda, uma aversão num terceiro.
Uma briga simples de trânsito pode ser fatal para um motorista altamente
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sensível às frustrações e provocar apenas um leve aborrecimento para um
outro acostumado a enfrentar esses problemas. Você, leitor, caso queira,
poderá lembrar de diversos outros exemplos quando vivenciou ou assistiu
ao nascimento de emoções fortes. Nessa ocasião você se sentiu atraído ou
com repulsa para um ou outro estímulo.

Axiomas subjacentes aos julgamentos


construídos
Os processos do raciocínio captam informações simbólicas (fazem uso
de símbolos, como as palavras) para produzir resultados simbólicos.
Para isso usamos de certas informações iniciais que damos o nome de
axioma (fórmula que se presume correta, embora não susceptível de
demonstração).

Portanto, os axiomas não derivam da lógica, mas simplesmente de


crenças, de induções inferidas (deduzidas) ou, mais simplesmente, de
pressupostos, premissas, suposições ou intuições.

Por trás de todos os nossos julgamentos acerca de condutas existem


sempre regras (normas, modelos, princípios) ou axiomas gerais –
afirmações aceitas como verdades evidentes, que não precisam e nem
podem ser comprovadas. De outro modo, os raciocínios usados para
fazer julgamentos (“Que mulher bonita!” , “Que homem mais antipático!”
, “Que comida detestável!”) acerca de condutas ou de formas como a
beleza, a bondade, a capacidade, a inteligência, a habilidade, etc., nascem
ou assentam-se em crenças não criticadas – estacas não examinadas
– pilares nos quais acreditamos, com muita fé, representar o ponto de
partida de outras verdades.

As partir dessas premissas (princípios) iniciais – algumas dessas crenças


não têm nenhum fundamento empírico ou lógico – inferimos ou criamos
suposições que irão guiar nosso raciocínio e conduta. Em resumo:
frequentemente raciocinamos sustentados por essas estacas frágeis e
tortas enterradas no terreno argiloso de nossamente. Geralmente não
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as examinamos, pois não temos acesso fácil a elas. A geração do nosso
raciocínio e da conduta é fabricada a partir dessas pilastras iniciais sem
solidez e lógica. A lógica interna, a que nasceu do axioma, pode estar
correta, mas, mesmo quando isso acontece, o raciocínio pode estar errado
por ter sido gerado por suportes (premissas, paradigmas) falsos.

Além disso, os processos mentais que transformam as afirmações iniciais


– axiomas cheios de fé em diversos resultados (galhos e ramos), são
impostos pelas chamadas regras de inferência (não observadas pelos
órgãos sensoriais) que aprendemos, geralmente na lógica usada pelos
ocidentais. Em resumo: o axioma não determina a razão do argumento.

Tanto os axiomas (afirmação inicial básica, postulado) como as regras


de inferência constituem, ambos, trabalhando em conjunto, a essência
ou sustentáculo onde se apóia a alavanca do raciocínio do ser humano,
chamado de racional. Entretanto, os métodos do raciocínio, eles mesmos,
não podem justificar os axiomas ou as regras de inferência. Esse elemento
arbitrário, impossível de ser examinado pela razão, nos leva a duas
consequências:
1. Afasta a idéia de certeza de qualquer julgamento (de
Margarida ou de Bush), pois não há um princípio irrefutável
de indução que nos permite, através do raciocínio, inferir
leis gerais infalíveis, sem margem de erro, a partir de fatos
específicos. Além disso, os fundamentos destas induções
iniciais – os fatos crus – assentam-se numa completa e por
vezes instável base de observação, percepção e inferência,
influenciada, frequentemente, pelas crenças subjacentes.

2. O princípio de que “não há conclusões sem premissas”


exclui definitivamente as afirmações de caráter normativo
(proposições que encerram um dever básico).

A razão funciona somente após ter recebido um conjunto adequado de


informações iniciais ou premissas. Se a razão for aplicada à descoberta
e à escolha de percursos de ação (qual a melhor ação), então, essas

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informações que recolhemos incluem um conjunto de proposições com
a partícula “deve” ou valores a serem alcançados, e um conjunto com a
partícula “é” (o que é isso?) ou fatos sobre o universo em que a ação vai
ser concretizada.

Portanto, a razão é totalmente instrumental. Não nos pode dizer para


onde vamos e quando muito pode nos indicar como chegar lá. É uma
arma mercenária que pode ser posta a serviço de qualquer dos nossos
objetivos, bons ou maus. Por tudo isso fica muito difícil criticarmos um
discurso de um charlatão que usa boa lógica a partir de falsas premissas;
muitos têm sucesso.

Geralmente, quando uma posição é defendida com calor e violência,


se torna necessário examinar com cuidado as suas premissas e suas
inferências. Daí a razão não pode e não foi a principal arma contra o
nazismo, fascismo, comunismo e religiões diversas, e também não será
uma boa arma contra o crime.

O tem de ser não pode derivar apenas do ser. Muitos dos “tem de ser”
(dever, obrigação) que proferimos não são normas de conduta definitivas,
mas apenas objetivos secundários, adotados como meios para outros fins,
durante certo tempo em uma cultura e outra.

As decisões não são escolhas com base em vastas áreas de vida, mas
somente em relação a aspectos específicos, considerados, corretamente
ou não, relativamente independentes de outras dimensões da vida
igualmente importantes. Para dar um exemplo: a compra de um carro terá
pouca relação com outros tipos de problemas, até mesmo com respeito
ao carro, poluição, trânsito ou o menu do jantar de hoje. A compra do
carro lembrará alguns aspectos da vida em detrimento de outros. Seu
novo possuidor talvez, ao comprar o carro, leia mais sobre estradas ou
viagens e deixará de pensar em comprar uma nova casa, etc. Tudo isso são
exemplos de racionalidade limitada ou intuições parceladas.

Vivemos num mundo onde existem milhões de variáveis que em princípio


poderiam afetar umas às outras, mas que não o fazem na maior parte
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das vezes. Nós só podemos detectar, quase sempre, apenas um reduzido
número de variáveis ou de considerações dominantes; nossa mente não
suporta trabalhar com muitos dados.

A irracionalidade (bobice) de nossas deduções e “certezas” que nos


servem de bússolas orientadoras, frequentemente, nascem dessas crenças
fundamentais (axiomas). Pensamos e agimos apoiados nesses princípios
e eles nos orientam a nos comportar de um modo ou de outro, de matar
ou defender, fazer uma guerra ou combatê-la, escolher um candidato
ou outro, fazer ou não o vestibular para isso ou aquilo, criar um tipo de
cabelo, “piercing”, tatuagem, etc. Essas poderosas molas propulsoras de
nossa cognição, emoção e conduta, muitas vezes tolas, que carregamos
no fundo de nossas almas, produzem nossas idéias gerais de onde fluem
nossos “sábios raciocínios” posteriores.

Além disso – e para piorar-, as crenças básicas, estacas para a construção


das demais idéias, são geralmente inconscientes. Nós não sabemos o
modo pelo qual edificamos nossos julgamentos orientadores, como nossa
escolha de ir ou não à festa, de casar com esta ou aquela mulher, de fazer
esse ou aquele curso.

Diante de tudo isso, tristemente, especulo a respeito da minha e da sua


liberdade: raciocinamos e julgamos de forma mais ou menos automática
e inconsciente. Onde estaria a minha e a sua liberdade de escolher?
Não somos o que pensávamos ser! Estamos perdendo toda nossa antiga
harmonia explicativa.

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Dois instrumentos diferentes:
Observações e esquemas
teóricos
A mente pode ser considerada como um sistema de abstrações capaz
de produzir certa ordem relacional nos acontecimentos. Os processos
implícitos nesta – não conscientes – os capazes de dar ordem aos
eventos, são vistos como ocupando um nível mais elevado, inconsciente
ou superconsciente. De fato, os processos implícitos governam ou
comandam o processo consciente sem aparecer claramente nele. Assim é
que os planos, as metas, os valores e as emoções não aparecem claramente
nas ações, apesar de dirigirem estas.

Os processos implícitos fornecem, portanto, os pilares que restringem


e dirigem o consciente, a atenção seletiva. O que chamamos de
conhecimento explícito, o que é falado, comentado ou escrito, como
a suposição e a crença exibida (desvelada), bem como os processos de
representação de pensamento derivam das transformações operadas
pelas regras ordenadoras profundas nos fatos observados do ambiente
externo ou interno do organismo.

Vejamos um exemplo: uma pessoa observa um jogo de futebol. O jogador


chuta a bola em direção ao gol e o goleiro a segura impedindo-a de
entrar. O torcedor grita agitado: “Ronaldinho chutou com pouca força”.
O observado nas nossas sensações foi a bola, indo de um lugar ao outro,
e o goleiro segurando-a. Mas a afirmação acerca das observações foi
deduzida dessa percepção, baseada em “terorias” que o torcedor tem em
sua mente acerca de movimentos dos corpos pesados, existência do ar e
resistência deste, força, velocidade, massa, tempo, gravidade, atrito, regras
de futebol, etc. O leitor poderá discordar do que afirmei acima, mas, se ele

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gritou como gritou, é porque ele conhece física, mesmo que não saiba que
conhece. Todos nós, para sobrevivermos mais ou menos adequadamente,
precisamos conhecer um pouco de física, economia, química, psicologia,
biologia, religião, etc., geralmente de forma intuitiva, isto é, aprendidas
através das experiências. Essas noções de física e de regras do que
ocorre no futebol foram aprendidas naturalmente, sem esforço, isto é,
intuitivamente. Raramente elas são estudadas com os esforços do falante,
isto é, através de estudos formais.

Assim, essas noções estão impregnadas de noções carregadas de


equívocos, apesar de serem práticas para pequenos problemas da vida,
como, por exemplo, xingar Ronaldinho. O leitor poderá lembrar de
outros exemplos, pois, como disse, todas as afirmações estão “amarradas”
em alguma “teoria”. Até uma afirmação supersimples, como “os fósforos
acabaram”, pressupõe um conhecimento teórico acerca de combustão,
oxigênio, calor, atrito, venda e comércio, pólvora, etc.

Portanto, para “observar” os fatos é necessário ter esquemas teóricos


ou “redes” para que estes possam ser organizados, entendidos ou
“vistos”. Assim, um bom médico é o que tem muitas e boas teorias em
sua mente. Através desses instrumentos – teorias – o médico agrupa os
fatos selecionados, captados e percebidos, e mesmo bem imaginados,
em diversos compartimentos da rede teórica. De posse desses pequenos
conjuntos – reunião de fatos e eventos – a pessoa procura compará-los,
fazendo uso da memória, com outras situações semelhantes já vivenciadas,
e poderá ainda fazer críticas das próprias avaliações utilizadas, usando,
para isso, a lógica intuitiva e as diversas teorias médicas conhecidas por
ela.

Por exemplo: um sinal (uma informação capaz de ser observada pelo


médico), como uma febre de 39 graus, para fornecer um significado
médico, deverá estar ligado a outros sinais e sintomas (queixas do paciente
que não podem ser observadas; são inferidas pelo paciente) por meio de
conceitos científicos (construtos) abstratos de alguma forma inteligíveis
e aceitos pela maioria dos médicos. Da mesma forma agirá um bom

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mecânico e qualquer outro profissional.

Nos meus primeiros anos como professor na Faculdade de Medicina


da UFMG, não entendia como os alunos diante de um paciente com
diversos “sinais visíveis” não os “enxergavam”; sinais visíveis para mim
não eram notados pelos alunos iniciantes. A resposta para isso é que
só “enxergamos” se temos conhecimentos para assimilar o fato, ou, de
outro modo, precisamos ter um “processador” adequado contendo o
assimilador, ou seja, boas terorias e conhecimentos, ligando aqueles sinais
entre si, senão estaremos cegos para os fatos. O leitor poderá lembrar de
outros exemplos, como um defeito no carro, para quem tem boas teorias
e para quem não as tem.

Para facilitar a compreensão, vamos a um outro exemplo: a palavra


“força” só adquire significado, digno do nome, na teoria física e
mecânica newtoniana. Na linguagem quotidiana, frases como “força das
circunstâncias”, “por motivo de força maior”, “a força do argumento” ou
“ela me dá muita força” são imprecisas exatamente porque as “terorias”
por trás das afirmativas, isto é, as correspondentes e existentes por trás
dessas frases são variadas e imprecisas, não preenchem o requisito básico
exigido para que se construam proposições de observações confiáveis
e precisas. Nos exemplos, o conceito “força”, que nasceu e possui um
sentido numa teoria científica, ou seja, num modo de descrever o
mundo, sai do seu nicho – física newtoniana – e se acomoda num ninho
estranho, “argumento”, “circunstâncias”, etc. Neste leito estranho à sua
origem, a “força” perde seu significado obtido na sua família de conceitos
semelhantes e interligados, perde a definição anterior e se prostitui como
no uso que fiz, neste momento, da metáfora “prostitui”.

Caso a teoria existente na mente da pessoa seja ingênua, mal formulada


ou inadequada, fatalmente assim também será sua observação, pois
esta estará organizada e será extraída a partir de teorias defeituosas e
impróprias da descrição do mundo. Assim, estes “fatos”, forçosamente,
acompanharão a inadequação de suas teorias.

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Infelizmente, as más teorias estão em todas as partes. Se colocarmos um
leigo diante de um paciente com diversos sintomas e sinais, este, como
não tem “boas teorias” acerca de doenças, nada irá “ver” ou observar de
“importante”. Poderá “notar” uma série de fatos, como o dia em que ele
nasceu, a sua cor, o mês de nascimento, que dia ele foi internado, quantas
letras tem seu nome, a sua cor preferida, a forma e o tamanho de sua
íris e outros indicadores, não de doenças, mas de outros acontecimentos
que nada têm a ver com doenças, e que até hoje não estão incluídos em
nenhuma teoria médica aceita e não fazem parte de matéria ensinada em
nenhuma escola de medicina séria do mundo. Assim, esse médico amador
não poderá concluir nada, a não ser retirar de seu sistema de crença um
conceito, que nada tem a ver com os sinais e sintomas fornecidos aos seus
sentidos e que poderiam ter sentido para diagnosticar doenças.

Como as afirmativas acerca das observações foram organizadas e


adquiriram significado de acordo com terorias, concluímos que as
proposições de observação, obrigatoriamente, serão feitas utilizando a
linguagem de alguma ou de várias teorias que servem como redes, esquema
ou fio invisível, necessário para ligar os fatos observados, assentadas em
premissas ou axiomas.

Lemos e ouvimos, frequentemente, a frase: “o sistema de saúde está falido”.


Essa afirmação precisa ser esclarecida ou explicitada dentro de conceitos
ligados a doença, como bactérias, traumatismos, tumores, genética, meio
ambiente, médicos, aparelhos, estatísticas e muitos outros conceitos.
Qualquer um que for usado deverá ser explicitado, ao usar tal afirmativa,
pois a frase só adquire sentido correto caso saibamos cada um dos fatores
implicados e suas ligações teóricas. Talvez, apenas alguns poucos, como
os médicos sanitaristas e secretários de saúde, por exemplo, poderiam
compreender essa informação extremamente complexa; para o povo,
nenhuma compreensão importante será possível.

Prezado leitor. Ao ouvir a frase de sua amada: “Você me deu uma força”, o
melhor é não perder o sono tentando entender o que foi dito, caso inicie
seu raciocínio a partir da fórmula da mecânica newtoniana, na qual o

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conceito “força” adquiriu significado – “força é a massa multiplicada pela
aceleração”. Em lugar disso pense que a frase é irrelevante, nada diz e
durma tranquilo.

Milhões de frases semelhantes a esta são ditas o dia inteiro, mas não
devemos nem defendê-las, nem combatê-las, pois elas nada significam.
Essas frases existem para encher o tempo do falante e para produzir sons,
como uma melodia criada ou assobiada por uma pessoa, como fazem as
crianças quando descobrem que podem produzir sons. A fala do político,
do grande pregador e do professor, comumente, apresenta uma melodia
inebriante e também vazia de conteúdo.

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Observações e preposições de
observações: O sensorial e o
pensamento
Quando um observador emite uma frase acerca de um acontecimento,
como “o brasileiro deixa tudo para última hora”, ele não está, ao emitir a
afirmação, observando fato algum. Ele está intuindo, isto é, deduzindo ou
concluindo sem levar em conta as observações ou o raciocínio.

Primeiro que os observados – se é que alguém foi observado – foram


“alguns brasileiros” entregando a declaração de renda no último dia
marcado. Sabemos que ninguém consegue observar tudo que se encontra
diante dele. As pessoas selecionam e captam certos fatos e deixam de
lado muitos outros durante as observações. Desse modo, quando elas
constroem a frase acerca da observação de um aspecto do mundo,
extraem apenas certos acontecimentos deste, os que lhes interessavam
para relacioná-los, ou seja, os selecionados por suas mentes. Estes fatores
foram enfatizados, entre diversos outros, para a elaboração da afirmativa
ou proposição. Desse modo elas criam o modelo (resumo, síntese) de um
detalhe do mundo.

Em qualquer afirmação de observação, como “o brasileiro gosta de


levar vantagem em tudo”, o mesmo processo ocorre. Nota-se que nesta
conclusão diversos fatos foram selecionados pelos órgãos dos sentidos, que
supostamente têm relação com o que está na afirmação. Nesse momento o
falante não mais faz uso dos órgãos sensoriais, mas, sim, de sua cognição,
ou melhor, de sua intuição. E, como sabemos, o pensamento não “vê” ou
nota o afirmado, ele, no máximo, relaciona algumas observações que são
selecionadas, servindo de modelos (ou protótipos), mantidas num certo
momento na consciência e, por fim, reunidas através de conceitos.

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A cognição não percebe os fatos do meio ambiente. Ela trabalha com
circuitos e estações, que captam os acontecimentos. Portanto, nosso
pensamento relaciona uns dados com os outros através de elos inventados
chamados pela ciência de “construtos” (conceitos científicos) para
desempenhar esse papel. Os construtos são, portanto, de nível mais elevado
de abstração que os fatos simples selecionados, pois servem de elementos
de ligação entre esses. Os construtos não são os fatos, eles mesmos.
Quando não os temos, descrevemos fatos isolados, não interligados;
parece que o homem primitivo (como as crianças que começam a falar)
apenas expressava fatos isolados.

Um outro aspecto importante é que na afirmação de observação existem


conceitos novos, diferentes dos que são usados para observar; a pessoa,
ao afirmar algo sobre o observado, constrói seu “modelo particular do
mundo”. O ponto crucial é o de que, ao construir, ao formar um todo
coerente, o construtor inclui certos conceitos relacionais, apenas alguns.
Mas estes conceitos já existiam em mente antes dele focalizar ou prestar
atenção aos fatos, portanto, eles não foram observados nos fatos; foram
usados para reunir alguns fatos selecionados, bem ligar alguns conceitos
com outros.

Este conhecimento preexistente, ou seja, os conceitos – elementos de


ligação – ou, ainda, ferramentas ou instrumentos que reúnem eventos,
servirão de direção, “guia” ou “rede” para as observações. Estas últimas são
escolhidas ou “recolhidas” para se enquadrarem na rede usada, podendo,
como já disse, serem as mais diversas. Ao formar uma ou outra, circuitos
cerebrais diferentes são postos para funcionar (estimulados).

Vamos a um exemplo: ao assistir a um jogo de futebol poderemos


afirmar: “No campo estão 22 jogadores”. Entretanto, poderemos, usando
outro esquema ou rede, dizer: “existem 8 negros e 14 brancos”; “10 vestem
camisas listradas, 10 azuis e dois de várias cores”; “todos são homens”; “4
são pequenos e 18 altos”; “todos são jovens”; “eles usam chuteiras”; “no
campo tem um homem que apita”, etc.

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Em cada uma dessas classificações foram utilizados conceitos diferentes
não observados, isto é, existentes apenas na cabeça do classificador e não
no campo. Estes conceitos isolaram certos fatos e apenas estes, deixando
de lado os diversos outros. Os conceitos utilizados propiciaram a seleção
das observações feitas no campo.

Em cada momento da seleção, a mente organizou as observações de um


modo diferente; o modelo organizador nos força a examinar um e outro
aspecto do sensorial. O “observador”, a partir desses modos, “inventa”
ou “constrói” uma descrição ou mesmo uma “história” acerca dos fatos.
E, naturalmente, esta construção é agora teórica, não mais sensorial.
Mas mesmo ao falar que 22 são jovens, é necessário que o observador
tenha uma idéia de “terorias” acerca de idades diferentes e de certos sinais
existentes nas pessoas que discriminaram jovens de velhos e de crianças.
Diversas outras suposições e pré-suposições a pessoa irá usar, sem querer,
de forma inconsciente, automaticamente, no instante que afirma o que
está sendo dito.

Para terminar: é claro que se o conhecimento prévio estiver pouco preciso,


o observador, ao reunir os fatos com certos conceitos, poderá estar muito
afastado do que realmente existe na realidade.

A proposição de observação, ao contrário das percepções, que como


vimos encontram-se “presas” ou fundamentadas nas sensações, são
entidades comuns, isto é, gerais e universais. Elas foram aprendidas
na cultura ou no estudo, ao passo que as observações são entidades
particulares de um só indivíduo, singulares, inatas (utilizando-se de
processo inato). Usamos as afirmações extraídas das observações, para
comunicação de algo, para “entender” o fato, isto é, relacioná-lo a outro
já entendido, que por sua vez está relacionado a outro, e assim por diante.
Esta comunicação pode ser do indivíduo para discutir consigo mesmo
ou para informar seus pensamentos a alguém. Nesse ponto a pessoa está
fazendo uso de pensamentos e não mais de percepções originadas nas
sensações. Nesse caso, foram abandonadas as sensações vistas, ouvidas,
sentidas, etc., internas ou particulares, e partiu-se para construções

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mentais ou pensamentos. Os símbolos agora usados são relações entre
acontecimentos e não mais do fato observado.

Pois bem. O novo acontecimento, “comunicação”, de nível mais elevado


que o anterior, abandona o fato observado – cada um dos brasileiros
vistos, fatos onde houve alguém que vendeu uma bicicleta velha por um
preço determinado ou outros fatos percebidos semelhantes. Passando
para um outro nível, agora linguístico, proposicional, o falante o formula
numa linguagem capaz de ser entendida por outro.

Para isso necessita-se construir com pilares ou princípios que já tinham


sido aprendidos, como as diversas afirmações acerca do mundo, de suas
causalidades, relações, etc. Jamais se poderia relacionar fatos observados
sem algo interno já conhecido que serve de rede ou ligação. Portanto,
as proposições de observação sempre envolvem organizações mentais
diversas, que servem de fundo onde se assentam os fatos, onde eles são
colocados para ter sentido.

Na maioria das vezes a pessoa não tem consciência das teorias –


paradigmas; conceitos gerais ordenadores – que habitam sua mente e que
organizam, compõem e dão sentidos aos fatos vistos. O fato observado
é “tecido” nas estruturas já existentes implicitamente, automaticamente,
sem esforço da pessoa, desde que ela tenha uma “teoria” capaz de
assimilar fato. Caso contrário, quando lhe falta a teoria assimiladora, ela
não “entende” o evento.

É sabido que a criança só fala após ter adquirido um estrutura mental


capaz de permitir o aprendizado ou a colocação dos fatos nos conceitos,
isto é, tem diversas representações sem palavras habitando sua mente.
Não se pode usar palavras sem dados e sem teorias por trás delas para
sustentá-las, a não ser no papagaio. Ocasionalmente encontramos pessoas
que usam palavras, por achá-las bonitas, fora do contexto onde elas
adquirem seu significado. Nesse caso, não “entendemos” ou assimilamos
o que é dito.

Este “fundo” servindo de base para os fatos é o que chamamos de


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“terorias”. Estas são de vários graus de generalidade e sofisticação, simples
ou complexas. Todos os indivíduos as têm, boas ou más, eficazes ou
ineficazes, orientadoras com respeito ao mundo ou desorientadoras. Elas
pré-existem na mente do indivíduo para que ele selecione e coloque os
fatos onde eles devem ficar, de acordo com as teorias seguidas.

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A dificuldade de (assimilar)
decifrar um vento
Assimilação das informações

Assisti na TV uma reportagem sobre um acidente com um ônibus numa


movimentada estrada. Foi entrevistada uma senhora que comentava a
morte de dois parentes. Neste desastre morreram mais de vinte pessoas.
A senhora, soluçando, declarou à repórter: “Não consigo entender… Não
dá mesmo prá entender. Por que morrer minha mãe e minha filha? Não
compreendo!”.

Muitas vezes, ao depararmos com um acontecimento, o conhecimento


por nós utilizado no dia-a-dia, que funcionava bem para fatos triviais
da vida, não mais nos serve e não nos permite entender um fato mais
complexo. Nesses casos, fica também difícil usar as explicações religiosas.
Ficamos perplexos diante deles: choramos, xingamos e gritamos diante
do evento inexplicável, para nós, desesperador.

Dois mundos: o real (sensorial) e o ideal


(imaginado)
Existem dois mundos na natureza: o mundo real, percebido pelos
órgãos sensoriais ou por deduções de hipóteses científicas, e o mundo
imaginado (intuitivo, fantástico). Mas o mundo real, sempre, ao ser
assimilado por uma mente pensante, será transformado de alguma forma
conforme o indivíduo. Duas pessoas não percebem do mesmo modo
uma obra musical. Além disso, a mesma pessoa não percebe do mesmo
modo a mesma música em momentos diferentes de sua vida. Primeiro, a
capacidade auditiva é ligeiramente diferente em cada individuo, não só

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pelo genoma como pelas diferenças ambientais. Segundo, o indivíduo
atravessa diferentes estados fisiológicos e psicológicos ao longo de um
dia ou de vários deles, que modificam as informações que os sentidos
veiculam, provocando percepções diferentes.

Formação de modelos diversos a partir de uma


mesma experiência
Um pesquisador pediu aos habitantes de uma aldeia que desenhassem
a disposição espacial das cabanas conforme a crença de grupos
antagônicos. O grupo dos “conservadores” desenhou as cabanas dispostas
simetricamente em torno de um círculo tendo no centro um templo
maior. Já o grupo dos “revolucionários” desenhou a aldeia como dois
aglomerados distintos separados por uma fronteira invisível. Infere-se que
a percepção do espaço social (divisão concreta) dependerá de constantes
oculta­s na mente do grupo de observadores e não da disposição objetiva
das construções.

Os homens, de fato, parecem expressar não a relação entre eles e suas


condições de existência, mas o modo como eles vivenciam a relação. Isso
pressupõe tanto uma relação real de duas ou mais pessoas, quanto uma
“imaginária”; os padrões ou regras que devem ser usadas. Na ideologia
ou na religião a relação real é inevitavelmente altamente influenciada
pela imaginária. É praticamente impossível isolar uma realidade cuja
coerência não seja mantida por mecanismos ideológicos. Se estes forem
eliminados, a coerência antes existente se desintegrará.

Um outro exemplo simples de linguagem e


explicação de um fato
Uma antiga história, de origem provavelmente hindu, conta que um cego
perguntou a um sábio o significado de “branco”.
— Branco é uma cor, como, por exemplo, a neve é branca. Disse-lhe o

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homem.

— Eu compreendo. Retrucou o cego. Ela é fria e úmida.

— Não! Não! Ela não tem que ser úmida e fria. Ela é semelhante à pele do
rato albino.

— Então é macia, uma cor coberta de penugens? Pergunta o cego.

— Não! Não necessita ser macia: porcelana é branca também.

— Talvez o branco seja uma cor dura e lisa, completou o cego.

O homem, nesse ponto, perdeu a paciência e desistiu de dar explicações.

Esta história ilustra a dificuldade ou impossibilidade de comunicação


entre duas pessoas que tiveram experiências diferentes, isto é, usaram
órgãos sensoriais diferentes para obter uma idéia do objeto discutido.
Talvez este seja um dos grandes problemas do nosso tempo.

Um terceiro exemplo assistido por mim


Assisti certa vez a uma mesa redonda, reunindo jornalistas e juízes,
quando se discutiu o Poder Judiciário visto pelos jornalistas. A discussão
era principalmente sobre a dificuldade existente entre as linguagens dos
juízes e dos jornalistas. Segundo deduzi, um grupo não compreende o
outro. De parte a parte surgiram argumentos acalorados, tudo dentro do
mais alto nível. Durante as discussões, um dos presentes argumentou:
“Não vejo necessidade de modificar a linguagem de ninguém, pois todos
nós falamos a mesma língua, ou seja, o português”.

Nada mais errado. Talvez seja mais fácil um juiz alemão entender um juiz
brasileiro, mesmo que um nunca tenha falado nossa língua, desde que
tenha à mão um bom dicionário, que um brasileiro comum entender a
linguagem dos magistrados. O exemplo pode ser estendido para todas
as áreas do conhecimento humano. O vocabulário de qualquer área é
especializado. Os fatos e acontecimentos são codificados dentro de cada
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área e organizados de certa maneira, onde cada signo tem uma enorme
riqueza de informações, conforme a experiência e o estudo dos peritos da
área. Os mesmos sons ou códigos nada significam para os não-versados.

O papel da experiência na formação do modelo


e de sua descrição
Todos nós sabemos ligar um aparelho de TV, entretanto, um técnico
em consertos saberá mais alguma coisa, já que seu modelo do aparelho
é mais rico, mais abrangente e melhor coordenado em sua mente. Mas
o engenheiro, projetor de aparelhos de TV, terá um mapa ainda mais
detalhado, organizado e rico sobre uma televisão que o técnico em
consertos. Nas outras atividades o mesmo ocorre.

As palavras têm um significado especial para nós, porque tivemos


experiências diferentes, mais ricas ou mais pobres, mais simples ou mais
complexas com elas. Ao olharmos o dicionário, vamos encontrar apenas
outras palavras que significam coisas semelhantes, mas jamais a vivência
ou experiência. Esta é crucial para o entendimento. Para obtermos
experiência precisamos de tempo, talvez a vida toda, além da posse de
algum talento na área onde investimos.

Pode-se, dessas reflexões, questionar, ao ler nos jornais, notícias de que


um senhor sisudo, um empresário, uma beata, uma criança e outros estão
recebendo mensagens de Nossa Senhora ou do ET. Como será que ela
ou ele se comunicou com os felizardos? Como o cego? Será que a Santa
aprendeu português e conseguiu captar nossas experiências culturais e
sociais deste final do século XX?

Imagino que ela ficará bastante confusa ao ouvir as mensagens carregadas


de problemas atuais do nosso mundo, diferentes das vividas por ela numa
época X ou Y de sua história e, além de tudo, formulada em outra língua.
Mas, de qualquer modo, sempre há leitores interessados nesse assunto
fantástico, extraordinário. Quem não é?

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Assimilação simbólica das
informações
Há uma recusa de encarar a realidade existente, principalmente quanto
às questões relacionadas ao ser humano. É mais suportável conhecer a
realidade física ou química: o copo caiu e se quebrou; a água sanitária
queimou minha mão. Está ocorrendo uma substituição da realidade
pelo mundo imaginário. Evita-se enxergar claramente as causas reais
da fome, dos despreparos, das doenças que atingem os mais humildes,
das responsabilidades do poder político e econômico, etc. Estas são
substituídas por uma responsabilidade imaginária dos Deuses bem
distantes de nós. Instaura-se uma espécie de fobia diante das leis da
natureza concebidas como susceptíveis de impedirem nossas liberdades
fundamentais, notadamente nossa liberdade espiritual, pois somos, quase
sempre, determinados pelos nossos genomas e pelas idéias culturais que
nos foram impostas.

Portanto, desde cedo, tem-se a impressão de que o homem revoltou-se


contra o mundo real. Ele sempre teve uma imensa atração por explicações
teóricas, principalmente pelos mitos, e tudo indica que quanto mais falsa
a narração mítica mais seguidores fanáticos ela terá. Desgostoso com a
realidade existente, o homem tem criado um fantástico mundo de idéias
(de si mesmo, de sua família, de seu povo, da natureza humana em geral,
de uma outra vida e dos meios para alcançá-la, do perfil dos heróis, dos
criminosos e de muito mais). O ser humano é um grande admirador da
descrição abstrata e simbólica dos fatos e situações e não é muito atraído
pela observação do concreto (este parece dar mais trabalho) e do possível
de ser focalizado e percebido pelos órgãos sensoriais.

O mundo foi dividido em concreto e abstrato; experimentado e teórico


ou imaginado. Percebe-se que a descrição popular (às vezes a científica)

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de uma área do mundo, muitas vezes, pouco ou nada tem a ver com o
mundo real ou bem observado, isto é, frequentemente o mundo teórico
não está relacionado ao mundo real ou sensível.

Inventamos símbolos e enchemos o mundo deles para descrever a


realidade e as nossas ações. Criamos símbolos, também, para descrever
as nossas descrições de nossas descrições e continuamos a descrever as
descrições das nossas descrições nos levando ao infinito. São os símbolos
que vão intermediar o real com nossa história. A tartaruga, a borboleta
e o mosquito, ao contrário dos homens, reagem ao meio existente num
certo momento. Não precisam dos símbolos para viver e parece que vivem
felizes em contato direto com a realidade. Nós, confusos com tantos
símbolos, ao que tudo indica, estamos infelizes. Construímos, sem parar,
outros e outros mundos simbólicos diferentes e sempre achamos que os
novos mundos por nós criados são mais certos que os antigos.

O ser humano, há cerca de 50.000 anos, ao adquirir a linguagem, tornou-


se um grande admirador da descrição abstrata e simbólica de fatos e
eventos, mostrando não ser muito atraído pelo concreto, pela análise, pelo
estudo profundo do real, isto é, do possível de ser observado, esmiuçado,
comprovado ou refutado, usando os órgãos sensoriais para assimilar a
realidade. Esses dados, possíveis de serem observados pelos nossos
órgãos sensoriais, posteriormente, devem ser interligados e sintetizados
a partir da lógica e de teorias científicas possíveis de serem refutadas ou
comprovadas. Mas isso dá trabalho e é cansativo. As histórias inventadas
são mais fáceis de serem construídas. Elas seguem o imaginário, seja qual
for, de qualquer modo e sem exigir disciplina e rigor.

O homem, como outros animais, procura a solução mais fácil diante


de um problema. Ele inventou, dependendo da época e do momento,
histórias espetaculares para explicar a conduta humana. Ora, se é
complicado examinar seriamente a vida, a morte, a injustiça, a doença, o
início do Universo e da vida, a atração sexual ou pelo alimento, por que
não inventar uma interpretação qualquer que sirva para tudo? E assim os
homens, mentindo para eles mesmos, afirmam, da boca pra fora, viver

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felizes imersos nesse caos.

Invenções de teorias: explicações da realidade


Os chineses antigos não reconheciam apenas quatro elementos
proclamados pelos gregos. Eles acrescentaram mais um: água, ar, terra,
fogo e, também, a madeira. Heráclito reduziu tudo a um só fator: o fogo.
Matematicamente a ordem tende para a desordem. Os antigos gregos
regularam certas medidas da terra e, a partir de dados, elaboraram suas
terorias. Eles certamente se valeram dos métodos de agrimensura egípcios,
desenvolvidos para observar as relações em constante transformação entre
o Nilo e a Terra. Verificaram que existiam, na origem de todas as mudanças,
certos princípios geométricos imutáveis, que foram aperfeiçoados pelos
gregos. Esta geometria ainda é ensinada mais ou menos mecanicamente.
Aprendemos princípios geométricos meramente como fatos, mas os
gregos os consideravam como eternos, puros e absolutos.

Apareceram os alquimistas que falharam por falta de rigor. Eles


multiplicavam seus problemas no laboratório como um cozinheiro
inexperiente que exagera nos temperos. Além disso, esses “pesquisadores”
sentiam uma relação mítica com seus ingredientes. Desse modo, em lugar
de observar, eles rezavam.

Os homens do clero consideram a verdade como coisa puramente


espiritual, uma questão de idéias à qual corresponda o mundo físico,
sem necessidade de observação. Mas se a correspondência é exata, onde
está a distinção entre eles? E se é inexata, a matéria é então falsa? Para
alguns sim, mas basta tomar uma picada de mosquito ou injeção para
provar o contrário. A idéia da dor e a dor de dente não são a mesma coisa;
pertencem a áreas diversas, isto é, o pensamento e o sensorial.

A ciência moderna baseia-se em experiêcias mais estritamente controladas.


A maior parte do equipamento foi idealizada com o propósito de eliminar
fatores estranhos ao observado. Distraidamente, esqueceu que o homem
é um estranho; daí falta conhecer o realizador da pesquisa. Agora a

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ciência está começando a demonstrar maior respeito pelo homem que
a faz, isto é, pelo que acontece dentro da mente do experimentador e
a experiência a ser realizada. Assim, só há pouco tempo começaram a
explicar o explicador das explicações.

O físico atual faz coisas mais valiosas que o alquimista que “fabricava”
o ouro dos trouxas e descobre fatos antes profetizados. Contudo, nem
mesmo a ciência pode penetrar muito na natureza; o observador “penetra”
apenas nas idéias ou representações que ele tem da natureza, jamais na
própria natureza.

As concepções do homem são limitadas ao que lhe é revelado pelos seus


sentidos. A verdade, se considerarmos de forma pragmática, é o que pode
provado. Atualmente, distante do Iluminismo, percebe-se que o homem é
limitado para elaborar uma teoria integral da realidade. Ele ainda pouco
sabe do conhecedor da realidade observada.

Os cientistas tendem a considerar a verdade como um conglomerado


de coisas, sobre as quais podemos ter idéias. Mas, se a verdade somente
existe no plano material, de onde vêm nossas idéias que examinam as
coisas? Do reino das ilusões? Precisamos explicar a gênese das idéias dos
homens e de cada um deles.

O poder das crenças e a realidade experimentada


A filosofia, bem como a religião e as ideologias, ainda fazem parte da
nossa maneira de pensar. Os filósofos sempre reconheceram dois tipos de
problemas. Um deles é o “o que são as coisas, o que é uma pessoa, e de que
espécie é o mundo”; estes são os problemas de ontologia. O segundo tipo
de problemas é “o de como nós podemos conhecer qualquer coisa”, ou
mais especificamente, “como nós (conhecemos) sabemos que espécie de
mundo que ele é, e que espécie de criaturas nós somos e como podemos
conhecer-nos”; estes são os problemas da epistemologia.

As concepções gerais do mundo, como as noções de causa e propósito,

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do bem e do mal, liberdade e escravidão, coisas e pessoas, deveres, leis e
justiça, verdade e falsidade, para tomar algumas idéias centrais, dependem
diretamente da estrutura geral dentro da qual elas se formam, por assim
dizer, seus pontos básicos (as diferentes epistemologias).

Embora os fatos classificados e arranjados sob essas diferentes noções


não sejam de forma alguma idênticos para todos os homens, em todos
os tempos, ainda assim, essas diferenças (com respeito aos fatos) – que
as ciências examinam – são muito menores que as diferenças profundas
surgidas quando se usa as lentes ou padrões desiguais.

A experiência focalizada foi concebida e classificada: o organismo


versus ajuntamentos formando um todo; o propósito (intenção) versus
a causalidade mecânica; os sistemas versus meras simultaneidades; o
dever versus o desejo; o valor versus o fato. Essas são categorias, modelos,
lentes focadas conforme os fatos e usadas diferentemente por um e outro
indivíduo.

Algumas dessas categorias são tão antigas quanto a própria experiência


humana, outras mais recentes e mesmo transitórias. Os diferentes modelos
e estruturas, com suas concomitantes obscuridades e dificuldades,
apareceram em diversas épocas. Na política, por exemplo, os homens
tentaram conceber a sua existência social por analogia com vários
modelos.

Numa certa época, Platão, talvez seguindo Pitágoras, tentou estruturar


o seu sistema da natureza humana, os seus atributos e metas, seguindo
um padrão geométrico, pois pensava que esse explicaria tudo que havia.
Seguiu-se o padrão biológico de Aristóteles; as muitas imagens cristãs,
que existem em abundância nos escritos dos Padres da Igreja, bem como
no Antigo e Novo Testamento como descrito anteriormente; a analogia
com a família, que lança luz sobre as relações humanas não contempladas
por um modelo mecânico; a noção de um exército em marcha com a
sua ênfase em virtudes como lealdade, dedicação e obediência necessárias
para surpreender e esmagar o inimigo; a noção de Estado como um

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guarda de trânsito e um guarda-noturno que impede as colisões e cuida
da propriedade, que está no fundo de muito pensamento individualista e
liberal, parte de um grande organismo, etc.

Uma visão geral mostra que esses modelos, muitas vezes, contêm atitudes
opostas, uma contra a outra. Além disso, diversos modelos se tornam
inadequados por deixarem de explicar muitos aspectos da experiência a
ser compreendida e, por fim, são, por sua vez, substituídos por outros
modelos que enfatizam o que esses últimos omitiram.

Uma tarefa importante da filosofia, frequentemente difícil, é desnudar,


desembaraçar e exibir as categorias e modelos ocultos subjacentes ao
raciocínio humano. Geralmente seu possuidor não percebe que está
usando este ou aquele princípio, isto é, que ele está “enxergando o
mundo com suas lentes particulares”. A tarefa da filosofia tenta descobrir,
verificando o uso de palavras, imagens e outros símbolos, e desvendar
o princípio subjacente; revelar o que é obscuro ou contraditório neles,
para discernir os conflitos existentes entre eles. Essa tarefa muito difícil
tenta impedir a desordem de nosso raciocínio e a construção de modos
mais adequados de organizar, descrever e explicar a experiência humana
quanto à realidade física e ao comportamento. É amplamente aceito que
toda descrição, assim como toda explicação, implica sempre em algum
modelo subjacente conforme o que se descreve e explica.

A Filosofia, depois, num nível ainda “mais elevado”, examina a natureza


dessa própria atividade (epistemologia, lógica filosófica, análise
linguística), isto é, há uma crítica do modelo usado, buscando sempre
trazer à luz os modelos ocultos que estão operando na própria atividade
filosófica.

As explicações acima podem dar a impressão de que tudo isso não só


é bastante abstrato, bem como distante da experiência diária. O leitor
poderá pensar que isso não lhe interessa, pois não diz respeito aos seus
interesses centrais, à sua felicidade ou infelicidade e ao destino supremo
do homem comum. Essa intuição popular é falsa. Usamos, sem parar,

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para pensar ou expressar nossos pensamentos, essas categorias filosóficas.

Não há como viver, a não ser um débil mental extremamente grave, sem
perceber o meio ambiente, seja lá qual for, e, posteriormente, procurar
descrever e explicar o universo para si mesmo, incluindo seu próprio
organismo. Mais uma vez chamo a atenção do leitor: os tipos diferentes
de modelos empregados para descrever e explicar afetam profundamente
a maneira de perceber, sentir, pensar e se comportar de cada pessoa,
principalmente quando (geralmente são) esses pilares sustentadores das
explicações são inconscientes. Grande parte da desgraça e frustrações
dos homens se deve à aplicação mecânica ou não consciente, bem como
deliberada de modelos inadequados à realidade vivida. Por isso, nada
mais prejudicial (funesto) para o indivíduo que o uso de modelos em
desacordo (incompatíveis, inconciliáveis) com a realidade.

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Aquisição de princípios
(crenças imaginadas como
verdades) no ambiente
familiar (parentes e
vizinhanças)

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Absorvendo o “ERRADO” e o
“CERTO” na família
Os pais em Lumeeira, como todos os pais do mundo, muito cedo, percebem
os filhos como possuidores de certas características mais chamativas que
outras e, naturalmente, as nomeiam com um ou outro termo; a partir
desse momento passam a tratar os filhos conforme os rótulos aplicados.
Desse modo, um deles é o bonito, o outro o inteligente e um terceiro pode
ser qualificado de preguiçoso e pirracento. Essas categorias estabelecidas,
criadas sem nenhum cuidado, uma vez usadas e estabilizadas na memória
dos pais, levam estes a ter um determinado tipo de resposta padrão diante
da conduta ou da simples presença do filho. Assim agimos com todas as
pessoas, conforme os modelos que desenvolvemos a respeito delas.

Por outro lado, os filhos que recebem um determinado rótulo e tratamento


dos pais moradores em Lumeeira tendem a se comportar conforme os
procedimentos que foram se tornando padronizados. Explicando melhor:
a expectativa do filho com relação à maneira como ele é visto e tratado
pelos pais (companheiro, colega) leva-o a agir de modo a se adequar
(confirmar) ao esperado pelas outras pessoas, isto é, pais e outros. Os
pais têm crenças intuitivas (elaboradas sem precisão) e, a partir delas,
eles concluem que o filho, independente do julgamento estabelecido,
possui a suposta característica autônoma (bonito, inteligente, preguiçoso,
tímido, falante). Essa característica nomeada pelos pais é percebida por
eles como se existisse um atributo real no filho, uma existência própria,
livre da avaliação e de outros fatores do meio ambiente que poderiam
ter importância para a conduta imaginada. Por exemplo: o menino
“preguiçoso” pode ser “preguiçoso” para estudar matemática, mas
“não-preguiçoso” para jogar futebol, isto é, depende do estímulo e do
momento. Do mesmo modo, o menino “falante e engraçado” pode agir
assim somente na presença dos familiares que o classificaram desse modo,

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sendo ou oposto, ou seja, calado e tímido, diante da colega que deseja
se aproximar para namorar. Não é difícil perceber um comportamento
diferente de cônjuges nos momentos em que estão juntos e quando estão
separados um do outro.

Com o passar dos anos as hipóteses construídas vão sendo geralmente


confirmadas em função das respostas obtidas. Quando suposições acerca
do filho se tornam cristalizadas, seus pais também cristalizam seus modos
de responder à criança e assim passam a ter condutas fixas para estes
conforme o imaginado, reforçando a crença quanto à atitude dele.

Decorrente das rotulações hipotéticas, os pais gastam mais ou menos


tempo com o filho conforme o rotulou de “bom ou mau ouvinte”.
Também, irão se apoiar emocionalmente mais nos filhos “bons”. Por
exemplo: os pais fazem, sem perceber, mais esforços para ajudar os “bons”
e lhes dão mais oportunidades para aprender, sair, perguntar e brincar. O
filho “mau”, por outro lado, tende a receber atenção apenas devido ao seu
comportamento negativo, isto é, sendo criticado, punido, etc.

Vários fatores constroem a crença positiva ou negativa acerca do filho.


Praticamente toda crença se relaciona com emoções sentidas, agradáveis
ou desagradáveis, pelo julgador diante de fatos presenciados e imaginados
no filho. Entre as características provocadoras de julgamentos negativos
estão, por exemplo, ele não ter sido desejado, ser feio segundo os padrões
dos pais, magro ou gordo demais, ter dado muito trabalho antes, durante
e após o nascimento, ter piorado a vida dos pais, ser dependente ou
independente demais, etc.

Uma vez criadas estas idéias elas se tornam não só difíceis de serem extintas,
mas, também, dão origem a uma “teoria” positiva ou negativa acerca do
filho, também, muitas vezes, pelos amigos, vizinhos ou pela população da
cidade. A manutenção da característica imaginada é construída através
do uso de conceitos abstratos, isto é, não possíveis de serem observados,
comprovados ou refutados; por outro lado, um conceito concreto, como,
por exemplo, “José é baixinho”, sendo um conceito concreto, poderá ser

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comprovado ou negado.

A partir da construção da “teoria”, “Mário é um menino obediente


e amoroso”, “Lúcio é preguiçoso; além disso, é mentiroso”, torna-se
muito difícil mudar a opinião já formada. Uma vez sendo elaborada e
cristalizada a avaliação, a presença do menino “ruim” diante dos pais irá
provocar emoções negativas (raiva, mal-estar, desprezo, desanimado) e, o
contrário, o menino rotulado como “bom” provocará emoções positivas
(relaxamento, alegria, prezar, ânimo).

Mesmo quando os pais observam (percebem, visualizam) a conduta


do filho frontalmente contra as “terorias” existentes, estes, apesar do
observado, mantêm as crenças originais. Os motivos são diversos.
Normalmente as pessoas observam no filho “bom” apenas as condutas
“boas”, fazendo “vista grossa”, automaticamente, às negativas. Quando o
filho “bom” falha, esta falha é atribuída a fatores ambientais ou externos;
não a ele próprio. Por outro lado, o fracasso do filho “mau” é imputado à
sua burrice, preguiça e mau-caráter, ou seja, é fruto de sua incapacidade
pessoal (fatores internos e impossíveis de serem modificados) e de suas
características negativas (devidas a “traços” ou “estados”) e personalidade,
que “não mudam”; uma nova crença intuitiva que leva a pessoa a aceitar
a desgraça desse filho ruim como um fardo que terá que carregar. As
boas condutas do “mau” filho são atribuídas ao acaso ou a outros fatores
externos a ele; nunca devido a sua habilidade e capacidade.

Pobre do mau filho! Se ele age acertadamente seus pais se sentem mal
e confusos, pois esperavam o contrário e, nesse caso, não se sentindo
bem, eles tendem a arrumar argumentos para justificar suas crenças e
não suas observações: “Ele está fingindo”; “Foi por acaso, daqui a pouco
estará fazendo tudo errado de novo”. Muitas das crenças que os pais
formam acerca do filho “bom” permanecem por ser o filho obediente ou
semelhante aos pais. Os pais dão mais liberdade para os “bons” filhos e
impõem atividades mais rígidas para os “maus”, numa tentativa de manter
o controle sobre este que se crê perdido.

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Os pais percebem e armazenam os fatos que vão ocorrendo de acordo
com as teorias compostas a respeito deles. Portanto, se temos “teorias
negativas” a respeito de um filho, “Paulo é vagabundo”, temos tendência de
observarmos e lembrarmos apenas dos fatos “ruins”, os que confirmam a
hipótese. O mesmo ocorrerá com o filho “bom”. Temos grande dificuldade
para processarmos informações diferentes das esperadas, pois caso isto
ocorresse, seríamos forçados a mudar o ponto de vista já fixado; essa
conduta não é a comum. Como se sabe, poucos são os que conseguem
mudar suas opiniões com respeito aos julgamentos feitos. Entretanto, não
é difícil mudar um conhecimento concreto, como, por exemplo, imaginar
que a capital da França é Madrid e aprender que é Paris; chamar taioba
de inhame; achar que São Jorge mora na Lua e, depois, aprender que ele
parece morar em outro lugar.

Esses novos conhecimentos – os perceptuais ou sensoriais – são aprendidos


facilmente. Mas reaprender que o presidente que adorei não merecia
minha adoração não é fácil. De modo semelhante: se não me simpatizo
com o nosso presidente, torna-me difícil admirar seus “belos” cabelos
ondulados. Assim, se um fato diferente do esperado fosse aceito com
facilidade, como no exemplo “Paulo, que é um filho denominado de ‘mau
filho’, fez uma grande ação”, seríamos capazes de observar dois aspectos ao
mesmo tempo numa mesma pessoa: “Paulo, que é ‘mau’, teve uma conduta
elogiável”, isto é, Paulo também é “bom”. Isso é possível (recebe o nome de
atitude dual), mas não é fácil. Se isso ocorresse frequentemente, a conduta
elogiável não seria mais incoerente com a possível conduta indigna (má),
que seria prevista como possível e normal (Paulo, como todos nós, pode,
devido às circunstâncias internas e externas, agir bem ou mal.)

Em resumo, uma suposição inicial, criada pelos mais diversos e


transitórios motivos, muitas vezes, pode perdurar e nos forçar a lembrar e
procurar as informações adaptadas para confirmar as crenças construídas
e possivelmente fabricadas por emoções detonadas num certo momento.
As informações, não confirmatórias, são rejeitadas – não são assimiláveis
– pelas crenças preexistentes.

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A pessoa que tem auto-estima baixa está sempre procurando e
selecionando os fatos que possam confirmar a crença original: “Eu não
tenho nada de bom”. Uma moça com estas características, ainda que
não goste, pensará que seu amigo censurador a conhece melhor que o
elogiador. Por isso, para estar junto do conhecido, ela tende a se aproximar
mais do recriminador, pois este a “conhece melhor” ou é “mais honesto e
espontâneo”. Segundo minha especulação, caso uma pessoa, por exemplo,
Pedro, que apresenta uma auto-estima baixa e namore uma outra que
a elogie, possivelmente ela tende a não gostar de sua admiradora. Isso
ocorre porque Pedro pensará mais ou menos assim: “Como pode alguém
gostar de mim; eu não tenho nada que agrade alguém. Se ela gostou de
mim é sinal que ela também não tem nada de valor, pois do contrário
ela arrumaria alguém melhor”. Acredito ainda que uma grande parte das
pessoas age da maneira de Pedro de Lumeeira: aprecia a pessoa que a
despreza, pois essa, sendo “importante” e possuindo “muitas qualidades”,
não irá gastar tempo como alguém insignificante como ele. Mas essa
opinião (palpite) nada mais é que uma intuição minha.

Existem pais rígidos, isto é, os que têm certeza acerca de suas suposições.
Os rígidos, também chamados de autoritários ou dogmáticos, são mais
insensíveis às mudanças de comportamento dos filhos que poderiam
contradizer suas hipóteses originais. Esses pais confiam mais nas suas
crenças intuitivas (sem fundamentos empíricos) existentes em sua mente
que em suas observações; eles julgam e agem conforme o seu rótulo e não
de acordo com o percebido e mais real. Os pais de suposições flexíveis
são capazes de reverem e mudarem suas hipóteses conforme os fatos
observados.

Se o filho acreditar que para atingir seus objetivos ele dependerá mais
de si próprio, mesmo sendo visto como mau, ele poderá ter sucesso.
Entretanto, se sua crença for a de que seu futuro depende dos pais, ele
pensará que não há nada a fazer. Assim, o conceito (a teoria dele mesmo)
que o filho forma de si próprio, após ter sido rotulado ainda criança, terá
uma importância crucial para a melhor adaptação na futura vida.

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Histórias Infantis
Contaminadas com Princípios
Discutíveis
Logo após o nascimento, os pais, os avós, tios e outros criadores de
Lumeeira contam belas histórias e cantam canções melodiosas e ternas
para as ainda inocentes e puras crianças. Muitas e muitas histórias, bem
como letras de músicas, nunca mais abandonam a cabeça da criança:
“A Gata Borralheira”; “Branca de Neve e os Sete Anões”; “Pinocchio”;
“As aventuras de Gúliver”; “Alice no País das Maravilhas”; “Peter Pan”;
“Cinderela”; “O sítio do Pica-Pau Amarelo”; “Boi da Cara Preta”; “Dorme
que estou ao seu lado” e dezenas de outras. Todas elas são lindas,
emocionantes e contêm pessoas boas e más, vivendo em lugares pobres e
ricos e um grupo poderoso e outro submisso, geralmente feliz por agradar
o importante, rico e bonito. Sempre há os “maus”, que pensam e agem
contra o estabelecido e são punidos: presos, expulsos ou mortos. Mas há,
também, o outro lado da maldade, os heróis, ricos e belos, quase sempre
homens. Esses são agraciados, após uma vida cheia de lutas e vitórias,
com uma “vida feliz para sempre”.

Escondidos nessas belas e, aparentemente, inocentes letras e histórias


habitam princípios ou regras injustas, fruto de nossa maneira implícita
de pensar quando havia uma aceitação pacífica e geral das desigualdades
sociais, culturais e educacionais, pois essas faziam parte dos “desígnios de
Deus”; sem dúvida nenhuma, diga-se de passagem, de um “Deus” parcial
e favorável à escravidão e outras atitudes que hoje repelimos.

Para dar ao leitor um bom exemplo do dito acima, narro um trecho


de uma canção inglesa muito cantada, segundo minha cansada e triste
lembrança: “Os ricos em seus castelos, os pobres em seus porões, Deus

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os fez assim, diferentes uns dos outros…”. A idéia prescrita, em diversos
relatos de séculos passados, era a aceitação sem revoltas do existente, pois
este fazia parte de aspirações divinas. Por isso não devíamos ir contra o que
acontecia, ou seja, contra a realidade, pois, do contrário, como contavam
as histórias, nós seríamos castigados por Deus, já que Ele não gostava
de questionamentos, mudanças e desobediências. O hino nacional inglês,
que escutei durante a Copa de Mundo, é, sem parar, uma louvação ou
exaltação à rainha; uma outra “Deusa”. Estou aqui criticando uma falsa
idéia do senso comum acerca de Deus.

As histórias existem e, talvez, sempre existiram, em todos os lugares desde


que o homem adquiriu a fala. Recentemente, houve um aumento das
histórias e dos escritores de histórias infantis; salvam-se pouquíssimos que
não cochilaram repetindo e mantendo os preconceitos nelas existentes; as
discriminações comuns e mostradas nessas histórias.

O núcleo das histórias infantis, de mãos dadas aos preconceitos não


percebidos dos pais e professores inocentes, dá origem, prepara e facilita
a criação, sem revoltas, do respeito e aplausos pelas prerrogativas de
alguns em detrimento da maioria; postos e honrarias, onde uns poucos
têm acesso adequado ao crescimento. O resto da população é lixo. Uns
vivem para aplaudir, rezar, orar, votar, bajular e servir aos importantes
senhores do mundinho da comunidade; os outros, para serem aplaudidos,
louvados, adulados. O grupo privilegiado se serve dos humildes para que
esses realizem os trabalhos penosos e “não apropriados aos importantes”.
A mídia (novela), frequentemente, mostra tudo o descrito acima.

Os princípios implícitos nas histórias


aparentemente ingênuas
Tendo a cabeça já preparada pela família, desde o nascimento, para aceitar
e contribuir para o processo de domesticação orientado para o “certo” e o
“errado”, conforme os ditames fabricados por alguns poucos interessados
na manutenção do existente, a frágil e inocente criança entra para a escola

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e, lá, escuta outras histórias, geralmente seguindo os mesmos roteiros:
alguns homens poderosos (não me lembro de mulheres poderosas nas
lendas, apenas as bruxas, as más), bonitos, inteligentes e ricos gozam a
vida; outros, sem poder, feios, desdentados, pobres e idiotas vivem na
miséria, sofrem, lutam e morrem, como soldados rasos, para agradar e
defender o bem-estar dos poderosos.

As professoras de Lumeeira, como toda a população, ouviram e gravaram


as mesmas histórias, contendo as mesmas informações e, portanto, não
criticam suas prescrições veladas. Encobertos nas histórias habitam
princípios inconfessáveis: o povo deve trabalhar e morrer para a felicidade
de alguns poucos, os escolhidos por Deus e pela rainha, como fala a
canção. Mais tarde, após ultrapassar o período da infância, os adolescentes
e adultos jovens começam a trabalhar. Nessa época, a cabeça “já está feita”,
prontinha para ser obediente e ordeira, que nada mais é que aceitar sua
vida miserável, sem conhecimentos e oportunidades.

Na adolescência todos os princípios acerca dos valores de uma cultura


já foram aprendidos e já se fixaram na mente dos jovens, pois, segundo
os estudos, aprendemos esses valores entre os 9 e 16 anos, geralmente
dos companheiros (e não dos pais como se acreditava) um pouco
mais experimentados e que compartilham experiências semelhantes
(locais onde residem, colégios onde estudam, tipos de lazer e condições
econômicas semelhantes).

Uns estudam onde se ensina que sua família faz parte dos possuidores de
maior poder e, nesse caso, poderão ser políticos, médicos, economistas,
empresários, etc. Outros frequentam escolas onde o aprendido é o oposto
e, nessa caso, eles poderão ser serventes de pedreiro, lavradores, lixeiros
ou pequenos ladrões. Quando procura o primeiro emprego ou o primeiro
vestibular, a cabeça do jovem já foi preparada para perceber, avaliar, pensar
e viver do modo como foi determinada pelo seu grupo de referência, isto
é, seus modelos. Um vai mandar e poderá ganhar fortunas e o outro vai
obedecer e receber o salário mínimo.

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A partir desse período, o jovem caminha aceitando tudo que ocorre
conforme o modelo aprendido como natural e correto; uma obra do
destino; um mandado de Deus. Em resumo, regras que devemos obedecer,
pois só assim seremos aceitos como fazendo parte da “sociedade correta”,
“honesta” e ordeira. Cada jovem, imaginando ser um bom cristão, vive
conforme os desejos de Deus (um falso Deus impresso em sua mente para
dar ordem e sentido ao absurdo). Desta forma, sente-se bem adaptado, um
bom cidadão, pois vota e vive conforme as regras ensinadas nas escolas,
nos livros, no interior das famílias e nas prescrições da Igreja e do Estado.
Não devemos ir contra as regras atribuídas à Deus, à Justiça, à família e
aos desejos da maioria, pois, nesses casos, seremos desordeiros ou loucos.

Essas regras impiedosas e desumanas passam a dominar todos os


habitantes de Lumeeira. Uma vez impressas, assimiladas e armazenadas
nas memórias de todos, elas permanecem e fazem parte do conhecimento
ou saber popular. A partir de então, possuidor e possuído por essas crenças,
o indivíduo defende, briga, mata ou morre em defesa dos princípios que o
escravizam e o discriminam.

A Igreja, o Estado, o Papa, a escola e a família exortaram (persuadiram) ao


obediente cidadão/cristão que ele deve, não só aceitar a vida miserável que
leva, como, também, agradecer ao Presidente e ao falso Deus (inventado
para isso: manter as diferenças) por ter nascido e que “a vida é bela”. Esta
é uma das prescrições: temos que gostar da vida, das crianças e aceitar as
desgraças como um presente divino. Alguns, mais agradecidos, imaginam
ser a vida miserável que levam ainda pouco. Esses, visando a ganhar mais
simpatia e amor da família, companheiros, guias espirituais, professores
e do seu esquisito Deus, se autocastigam com chicotadas, penitências,
jejuns, trabalhos forçados e outras condutas semelhantes, pois, desse
modo, mostram aos seus diversos Senhores, irados e orgulhosos, sua
submissão e aceitação.

De modo semelhante, um chimpanzé macho, bem como outros mamíferos


machos, após perder uma briga com outro macho mais forte, encurva-se
ou deita-se no chão (semelhante às fêmeas), sem mais esboçar reações

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agressivas. Essa conduta de derrotado expressa a aceitação do domínio do
inimigo mais forte que ele e o desânimo em continuar a luta, pois, sendo
mais fraco e impotente para esboçar qualquer reação contra o vencedor,
ele está pronto para aceitar as exigências ou desejos do mais poderoso.

Histórias sobre uma conduta bárbara ou cruel do homem, do Estado e


de “Deus” têm sido divulgadas através dos tempos. O humilde escravo
desse aprendizado de submissão, aceitação e obediência às regras e aos
superiores, disciplinado, sorri feliz por tolerar, sem reclamar, a crueldade
e injustiça do “chimpanzé” vencedor. De tempos em tempos, alguns
escolhidos, dóceis e servis, são agraciados com medalhas pelos chefes,
numa noite escura e chuvosa, através de uma cerimônia hipócrita e
insossa. Nesse seu dia amargo de rei de cuecas, ele recebe palmas de um
auditório cansado e desconfiando da farsa que ali está sendo encenada.

A multidão solitária caminha feliz abraçada à hipocrisia da vida, dominada


por uma ética leonina. Uma vez adulto o pobre cidadão, a argila mole
de sua mente já endureceu e encontra-se moldada para se adaptar e se
submeter a qualquer roteiro inventado pelos artistas do poder e cada peça.
Uma vez terminada a tragicomédia, o homem solitário segue seu destino,
um caminho jamais determinado por ele próprio, mas sim pela cabeça e
mão do artista admirado como grande escultor: um grande político ou
religioso. Seus senhores lá em cima, aclamados e endeusados, e o povo
lá em baixo, ignorado, humilhado e desconsiderado. Tudo “como Deus
os fez” e desejou, segundo a letra do famoso hino cantado na Inglaterra.

Dessa maneira o aprendiz a cidadão, após alguns anos na escola, vai se


instruindo a julgar o certo e o errado em função dos elogios ou das críticas
recebidas diante de uma ou outra conduta, conforme os princípios ou
regras implícitas imorais, quase sempre não percebidas pelo pacato e
domesticado cidadão.

Pouco a pouco, o operário, o lavrador, o jornalista, o médico, o engenheiro


e o professor – todos homens comuns e desprivilegiados, sem assento
entre os deuses – vão assimilando intuitivamente os modos simples,

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fáceis e práticos de avaliar o comportamento conforme os ditames do
meio ambiente onde foram criados. Os “Deuses” de barro, os chimpanzés
vencedores, os donos do poder, não ensinam os perdedores a realizarem
análises críticas da vida que levam, ou seja, a razão da obediência a
uma ou de outra regra e a razão de transformar cérebros possíveis de
serem criativos e críticos em cérebros iguais, submissos e estéreis, como
obedientes ovelhas clonadas pelos princípios falsos e injustos.

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Imprimindo Intuições
preconceituosas (atitudes
falsas) sobre a masculinidade e
feminilidade

“2.2 Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor;

2.3 Porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a


cabeça da igreja; (…)

2.4 De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também
as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos”.

São Paulo: Efésios, 5: 22 – 24

Infelizmente, o apóstolo Paulo continua tendo muitos seguidores.


Discursos, como os de Paulo, encontram-se disseminados nas famílias,
escolas, mídias, religiões, artes e leis. Por isso, aprende-se cedo a discutível
crença da inferioridade da mulher; uma afirmação sem apoio empírico.
Esse tipo de julgamento desvaloriza os papéis, as condutas e o próprio
gênero feminino e, uma vez ensinado e aprendido, domina a mente de
todos. A separação dos seres humanos em dois grupos, masculino e
feminino, por ser um fenômeno complexo, uma vez utilizado, contagia
inúmeros aspectos da vida diária. A história do homem tem sido
governada por falsas idéias; as ideologias transformam as pessoas em
vítimas ou escravas das crenças difundidas.

O aprendizado da submissão
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A criança em Lumeeira, como em qualquer lugar, após o nascimento, é
domesticada pelos sistemas de crenças existentes na cultura onde vive.
São os pais que, por sua vez, aprenderam dos seus pais, os transmissores
das idéias. Como depositários e difusores dos fundamentos do modo de
pensar, entre eles, os não-igualitários acerca do sexo, os pais tendem a
escolher, para suas filhas “meigas”, nomes suaves como Dulce, Cândida ou
Felicidade; para os meninos “rudes”, nomes de sábios, atletas ou artistas:
Homero, Romário, Ronaldo, Fernando ou Luiz.

Embora na fase pré-verbal a criança ainda não seja capaz de nomear


o próprio sexo, bem como o dos outros, ela aprende a diferenciá-lo
observando as reações e as comunicações afetivas expressadas pelos
pais, parentes, colegas, amigos e outros. Ora eles sorriem, ora fazem
comentários de aprovação quando os filhos entram em atividades julgadas
adequadas; ao contrário, exibem emoções indicativas de rejeição, quando
as atividades são julgadas impróprias. A atitude dos pais diante dos filhos,
sancionando ou reprovando uma e outra conduta, indica e prescreve
as condutas desejadas e, junto com o comportamento, as emoções a ele
ligadas, agradáveis ou desagradáveis, conforme executam uma ou outra
ação. Frases como: “Oh! Há um menino no quarto”, dita por um pai vendo
a filha chutar bola, serve como uma crítica para a menina, indicando-lhe
não ser aquele um brinquedo adequado.

Outras atividades vão sendo executadas e testadas, gratificadas ou


punidas, conforme a categorização cultural e as emoções expressas
durante sua realização. Iluminados pelo mesmo simbolismo, os quartos
são decorados de forma diversa para um e outro sexo, o menino usa
calça azul e a menina vestido rosa e os cabelos têm estilos e tamanhos
capazes de distinguir um do outro. Aos poucos, o estereótipo (abstrato)
é materializado através de ações: brinquedos e materiais educacionais
diferenciados. Para os meninos, máquinas, veículos e equipamento de
esporte e para as meninas, bonecas, mamadeiras, itens domésticos e flores.
Os presentes “masculinos” devem orientá-los para futuras profissões, já
os “femininos” destinam-se ao aprendizado de atividades domésticas.
Também a agressão fica bem para meninos, não para meninas, assim
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como milhares de outras orientações.

Mas a construção da mulher não é fabricada apenas por diferenças


inocentes. A rotulação usada para separar o masculino do feminino
carrega, disfarçadamente, significados mais profundos com respeito aos
papéis, profissões e habilidades gerais. Cedo, a criança nota que pertencer
a um gênero criará grandes diferenças e, para piorar, intimamente
enraizado ao conceito do permitido e do proibido, a cultura quase sempre
enaltece as condutas masculinas e menospreza as femininas.

A construção da submissão
De todos os lados, sem percebermos, somos bombardeados por condutas/
modelos – nítidas e frequentes demais – indicativas da maneira “correta”
de se comportar conforme nosso gênero. Esse aprendizado, assimilado
sem digerir, ao modelar a personalidade infantil, carrega internamente
inúmeros e imperceptíveis apelos à ordem masculino-feminina:
hipóteses, afirmações e modos de agir. Nas novelas e nas propagandas
de TV, no colégio ou vizinhança, os estereótipos existentes afloram
a todo o momento, quase sempre engrandecendo, sem preocupação
pedagógica, os papéis e valores tradicionais existentes na cultura do dia-
a-dia. Os homens são mostrados como dirigentes sérios e importantes,
bem ajustados, enérgicos, habilidosos e ambiciosos. Já as mulheres
são “usadas”, muitas vezes, para embelezar o ambiente, como anfitriãs,
apresentadoras e animadoras, sempre sedutoras e emotivas e cuidando de
alguém, ocupando posições desvalorizadas socialmente: babás, donas de
casa e outras.

Junto aos amigos, os estilos de conduta continuam sendo modelados e


confirmados; cada companheiro elogia ou critica o outro ao escolher a
atividade apropriada ou inapropriada segundo o credo. Deve ser lembrado
que esse grupo não forma um conjunto isolado; encontra-se preso aos
pais, à Igreja, professores e, principalmente, aos companheiros, isto é, ao
grupo de referência.

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As pregações da Igreja têm sido tradicionalmente marcadas por
afirmações indicando uma “enorme diferença entre homens e mulheres”.
Além da postura antifeminista explícita – condenação de mulheres por
falhas à decência, sobretudo em matéria de trajes – a Igreja tem mantido
e divulgado, do alto de sua sabedoria e poder, uma visão negativa acerca
das mulheres, da feminilidade e, através dos séculos, tem inculcado,
explicitamente, uma moral dominada por valores patriarcais.

Um último problema: se, por um lado, algumas ações desempenhadas


pelas mulheres são aparentemente aplaudidas e elogiadas, como o
trabalho de cozinha, a costura, a limpeza, a maternidade, o ensino ou
a secretária, por outro, mais implicitamente, as mesmas atividades são
depreciadas pela voz popular em geral. Nota-se que, nas entrelinhas,
aparece um sentimento velado, inconsciente, sugerindo “a menor
importância” dessas atividades, que são “trabalhos simples e fáceis” e
“pouco significativos.” Entretanto, boa parte das atividades “masculinas”
são explicitamente elogiadas, valorizadas e cobiçadas pelo povo em geral:
executivos, jogadores, pilotos, banqueiros, gerentes, etc.

Processador cognitivo e categorização


O processador cognitivo de informações da criança vai sendo construído
através do armazenamento de idéias e emoções ligadas aos acontecimentos:
não só as experiências diretas vividas, mas, também, as sensações e
observações sentidas acerca das condutas dos pais, amigos, professores,
artistas da TV, etc. A criança vai aprendendo a categorizar tanto ela
própria, como também outros meninos ou meninas, retendo informações
substanciais acerca das peculiaridades e papéis próprios de cada sexo. A
partir dessas informações gerais, básicas, ela extrai orientações concretas
para sua própria conduta e crítica dos outros.

Aos poucos a criança torna-se apta para deduzir e sentir, através de


suas auto-observações e autocríticas, sentimentos de prazer e orgulho,
ou de sofrimento e humilhação, por possuir ou não esta ou aquela
característica. Inexoravelmente ela descobre que os papéis importantes
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na sociedade estão reservados para os homens, pois é fácil notar que
eles são os principais dirigentes políticos, espirituais e financeiros. Além
disso, na sua própria casa, quem manda e quem decide, além de ser mais
respeitado, inclusive por sua mãe, é seu pai.

Grupos ideológicos
Os principais grupos ideológicos de nossa sociedade, começando com os
familiares, cooperam para o mesmo fim: a pregação, explícita e implícita,
da inferioridade da mulher. Em todos os lugares, diariamente, as crianças
são educadas, treinadas e ajustadas para assimilarem essas crenças
delirantes. Os grupos inoculadores de crenças, unidos pelo discurso
pró-masculino, fazem parte de uma forte e poderosa rede, avaliando
e aprovando as regras da conduta. A obediência à palavra, através dos
tempos, tem sido uma tendência natural do homem, tomando o mapa
pelo território, a palavra pela coisa e a idéia pela realidade. As ideologias,
além de doutrinárias, de explicarem dogmaticamente tudo, também
assimilam os fatos observados e mesmo experimentados, fazendo-os
desaparecer quando eles poderiam ser úteis para contestar e destruir a
fala utilizada. De outro modo, as ideologias, para sobreviverem, precisam
rejeitar certos fatos.

As falsas suposições, ao invadirem a mente humana, contaminam


como vírus todo o modo de pensar e de sentir. Do mesmo modo que
para respirarmos precisamos do oxigênio fornecido pelas plantas, para
compreender o ambiente externo e nosso próprio eu, bem como para
prescrever ações e imaginar seus resultados, precisamos de símbolos,
idéias e mitos, todos construídos pela cultura. Essa sopa complexa de
conceitos tanto pode fornecer o oxigênio para criarmos idéias adequadas,
como, também, gases tóxicos, nos tornando incapazes de pensar
adequadamente. Nosso espírito acha-se mergulhado nesse caldo espesso;
selecionamos e extraímos dele os significados para avaliar os “fatos do
mundo” e, entre outros saberes, as conjeturas do que é e do que não é
correto e valorizado para as mulheres e homens. Como consequência,
nossas interpretações do meio ambiente, nossas decisões do que fazer,
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querendo ou não, bem ou mal, estão assentadas nas crenças semeadas,
aprendidas e cultivadas, com muita fé, pela cultura onde vivemos. Como
muito bem alguém se expressou, segundo minha memória: “É impossível
compreender algo que seja exterior ou contrário à rede de interpretação
utilizada”.

As noções transmitidas, reguladoras dos fatos vivenciados, uma vez


impressas e estruturadas, passam a controlar o modo de focalizar e
processar as informações no momento por cada pessoa. É através dessas
hipóteses intuitivas aprendidas, nem comprovadas e nem refutadas, que
a mente da mulher julga a si própria, as outras mulheres, os homens
e as relações entre esses dois grupos. Muitas vezes, privadas de outros
“programas mentais”, diferentes do imprimido, para decifrar o observado,
a mulher de Lumeeira irá se avaliar – e não podia ser diferente – conforme
regras rígidas e simples armazenadas em sua memória, prontas para
desencadear o que é certo e errado para ela.

A submissão da mulher torna-se, pela educação e treinamento continuado,


não um ato de escolha consciente e livre, mas, sim, uma obediência às
pressões exercidas através de uma “camisa de força” interna e invisível;
por um poder inscrito duradouramente sob forma de esquemas de
percepções, de disposições, de como admirar, respeitar, amar, etc. Em
consequência, automaticamente, a pessoa torna-se sensível e reativa ou
insensível e não-reativa a certos eventos; ela reage prontamente a um ou
outro estímulo e não responde a outros.

Em qualquer lugar, em qualquer tempo, a mulher – como também o


homem – pensa e age comandada pela sua memória autobiográfica – ou,
para alguns, sua consciência – que nada mais é do que o aprendido, na
maioria das vezes, sem o desejar; trilhões de experiências armazenadas e
disponíveis para serem usadas no momento da avaliação e da ação. É mais
fácil reagir ou escapar de uma ordem externa, que libertar-se da “prisão
perpétua”, de uma compulsão que atua como se fosse uma escolha livre
da pessoa.

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Apesar de não existirem escolhas livres, pois só podemos pensar com o que
possuímos internamente, muitos imaginam que agem de uma maneira ou
de outra devido a sua “liberdade” de escolha. Nada mais enganador. As
bases do raciocínio foram semeadas por mãos alheias, apesar de serem
percebidas como pressões para agir de um determinado modo. Isso torna
extremamente difícil ou impossível lutar contra essas idéias espúrias, que,
uma vez assimiladas e incorporadas em nossa mente, passam a fazer parte
da estrutura mental do infectado, levando seu portador a não mais saber
qual parte pertence ao vírus e qual pertence a ele próprio.

O indivíduo contaminado e dominado pelas idéias alheias passa a


defendê-las, identificando-se com a crença do invasor, mesmo quando
os princípios assimilados atuam contra o desenvolvimento de suas
potencialidades. De um modo geral, as mulheres acostumadas, desde
cedo, a conviver com esse sistema assimilador defeituoso e prejudicial,
com esse possante processo assimilador de informações, tendem a rejeitar
possíveis contestações às crenças que habitam e controlam sua mente. Em
resumo: o seu aparelho mental que deveria ser usado para libertá-las, ao
contrário, as escraviza, impedindo-as de examinar adequadamente os
fatos e eventos empírico-lógicos existentes externamente.

Entretanto, as mulheres não são totalmente fechadas ao mundo exterior,


pois têm necessidade de alimentarem-se de verificações e confirmações
das crenças adquiridas, selecionando somente os elementos ou
acontecimentos que as confirmam. Para isso, os eventos são filtrados pelo
assimilador mental e, cuidadosamente, submetidos a uma peneirada,
retendo apenas os resíduos possíveis de serem assimilados pelo mapa
defeituoso, isto é, os fatos que confirmam a sua inferioridade construída
pela cultura.

Em consequência, o eu da pessoa que executa as atividades percebidas


pelo sistema de pressupostos da cultura como “inferiores” – funções
pouco desejadas e de menor importância social – fatalmente irá se
classificar como membro do grupo dos menos capazes, dos rejeitados
e sem regalias. A maioria das mulheres, sem nem mesmo atinar para

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esse aprisionamento claro e visível demais, vasto e duradouro demais,
imaginam tudo naturalmente como fazendo parte do gênero feminino
biológico, como a sua altura em centímetros, o tamanho dos músculos,
a distribuição de pêlos, o tipo de mamas, etc., características físicas sem
possibilidade de serem mudadas.

Imersa nesse cipoal de conceitos restritivos, a mulher ficou impedida


de tentar ou mesmo imaginar investir em atividades consideradas
apropriadas para os homens. Derrotadas e submissas, muitas vezes,
acreditando pouco na sua própria capacidade, assim vive a maioria das
mulheres desse planeta. Muitas, apesar de degradadas pelas afirmações
tendenciosas, continuam defendendo e lutando, até à morte, em grupos,
pelas prerrogativas masculinas que as dominam e as massacram.

A ilusão do privilégio masculino


O privilégio masculino não deixa de ser, em parte, enganoso. Os homens,
como as mulheres, também estão dominados pelas crenças culturais a
respeito do próprio sexo e do das mulheres. As regras de como se comportar
pressionam o homem a confirmar, em toda e qualquer circunstância, as
prescrições embutidas nas normas existentes a respeito do seu gênero,
isto é, de sua virilidade. O “homem verdadeiro”, o macho, é aquele que se
comporta procurando, a todo custo, honrar a masculinidade idealizada
pelo grupo de referência, pois só assim ele alcançará a glória, a distinção
entre seus pares e ouvirá o elogio esperado com ansiedade: “este sim é que
é um homem.” A maioria não se apercebe da representação dominante na
qual está inserido: ser homem implica uma maneira de andar – como se
isso fosse natural – aprumar o corpo, erguer a cabeça, pisar duro, mostrar
uma atitude e uma maneira de pensar e agir, bem como possuir uma ética
e crença adequada ao seu sexo masculino.

A “estrutura masculina” assimilada funciona como uma pressão que


impele o homem viril para um destino que ele não escolheu. Este impulso
invisível e astuto, sentido como inevitável, obriga seu possuidor a agir,
desde muito cedo, sem raciocinar, conforme os cânones impostos. Uma
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vez acomodado no ninho propício, o homem transforma-se num ente
superior incorporado ao seu organismo biológico. A idéia mãe, dando
crias, ou seja, formando novas opiniões correlacionadas, funciona como
um destino, uma inclinação que deve ser cumprida a qualquer preço. A
identidade desejada, inscrita em sua alma, só será alcançada por aquele
que obedecer, cega e fielmente, a ordem superior. A submissão à doutrina
transforma-se no ideal supremo; o sistema de exigências torna-se um
hábito, comandando a forma de viver da pessoa.

Para provar a “masculinidade”, exibir e exercitar o comando interno da


virilidade, inúmeros ritos foram instituídos pela sua “religião” e pelo
seu sistema de crenças, convertendo-se em atos e criando corpo, como,
por exemplo: calouradas, bem como outras festividades existentes entre
escolares e militares; estupros coletivos – variante da visita, quase sempre
grupal, às casas de prostituição, comuns antigamente, pois havia medo não
revelado de ir sozinho; brigas de torcidas; quebra-quebras; pichações em
lugares perigosos; esportes de alto risco só para homens; assassinatos em
defesa da honra e muito mais. A demonstração de “coragem”, sinalizadora
da virilidade, é exigida em diversos grupos masculinos: policiais e forças
armadas, principalmente as corporações de elite; bandos de delinquentes;
trabalhadores em diversos grupos; etc. Em todos eles, incentiva-se o
enfrentamento do perigo e critica-se o uso da prudência. Nesses casos,
a grandiosidade, a bravura e a nobreza somente são admiradas caso a
pessoa enfrente a possibilidade de sofrer acidentes que todos, de bom
senso, tendem a evitar.

O que mais chama a atenção em todas essas condutas próprias dos


verdadeiros “machos” é que elas se nutrem do apoio e aplausos dos
outros; paradoxalmente, no medo de perder a auto-estima e a estima dos
outros, caso não consiga ou não seja capaz de se comportar conforme as
normas impostas. O ato de “coragem” manifesta-se provocado pelo medo
de ser tachado de covarde, mulherzinha, efeminado ou veado; tudo gera
insegurança e apavora a frágil mente do “corajoso” macho.

Portanto, diversas condutas masculinas promovidas para demonstrar

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“valentia” assentam-se no receio de ir contra a opinião generalizada do
grupo, ter que agir da forma estabelecida pelo domínio simbólico, pois
só assim provará para os outros e será proclamado valentão. Caso aja de
forma diferente, poderá ser excluído do mundo dos homens viris, sem
fraquezas, dos chamados de “duros”, como certos assassinos, torturadores,
governadores e, também, alguns patrões, professores e pais.

Ardil para estabilizar a sociedade: os papéis


Para que haja harmonia social, é preciso nivelar, isto é, conduzir para
um ponto comum a forma de pensar das pessoas, torná-las semelhantes.
Para que haja a reprodução da força de trabalho há necessidade, não
apenas da reprodução da qualificação profissional, mas, também, e ao
mesmo tempo, que haja a reprodução da submissão às regras da ordem
estabelecida. Não haveria ordem e harmonia nas ações caso não houvesse
um entendimento e acordo com respeito à ideologia dominante: é
preciso que todos assimilem, compreendam, expliquem e aceitem, com
naturalidade, as informações culturais simples, entre elas: quem deve e
pode mandar; quem deve e precisa obedecer.

Da mesma forma, para que haja “harmonia social” entre os sexos


“superiores” e o “inferiores”, torna-se necessário que os símbolos usados
pelos “superiores” – manipuladores do domínio e da repressão (Estado,
Direito e Polícia) possam ser entendidos pelos “inferiores” dominados –
povo em geral – se possível, com simplicidade e orgulho. É preciso que
o discurso não-igualitário, instituído de cima para baixo, por um grupo,
seja assimilado e entendido pelo outro grupo, sem restrições, como o
adequado e correto, pois a crença popular é a de que “o poder vem de
cima”.

Somente se a maioria da população for contaminada pela ideologia


dominante, adotando-a como fazendo parte do seu ser, haverá paz e,
só assim, será possível a convivência pacífica entre os grupos de cima e
os de baixo e vice-versa, fazendo com que cada classe cumpra as tarefas
sociais a ela destinadas, “livre e conscientemente”; de um lado, o grupo
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dos dominados, de outro, o dos dominadores e auxiliares do domínio
como os administradores, os sacerdotes da ideologia dominante, os
promulgadores, como os funcionários encarregados da propaganda, etc.
Para existir a paz perfeita, todos devem usar, com prazer e naturalidade,
a mesma linguagem e concordar com os pontos básicos, para “o bem
da pessoa, família, povo, nação e tradição”. Além disso, os pontos
contraditórios ou injustos devem ser encobertos e idealizados como
benéficos e justos, pois só assim o governo alcançará sua principal e mais
cobiçada meta: manter a ordem social.

A ordem social não poderia ser mantida apenas com a divisão simples
de um grupo superior e outro inferior. Haveria sublevação da ordem
pública caso existisse apenas a afirmação da inferioridade da mulher.
Era preciso criar, além dessa “ordem”, um outro sistema de crença,
circundando (dominando) o primeiro, para que as mulheres, e outros
estigmatizados, pudessem, não só aceitar pacificamente seu papel, mas,
também, “valorizar” a inferioridade.

Com esmero e sabedoria, astutamente, foram inventados sistemas de


crenças de níveis logicamente mais elevados – que englobam outros –
estabelecendo a paz entre “superiores” e “inferiores”. Para isso a sociedade
dominante construiu a valorização espectral, fictícia, de atributos e papéis
dos dois sexos. Maquiavelicamente, para que certas profissões ou ações
pudessem ser seguidas sem revolta, até mesmo com certo orgulho e prazer
e, logicamente, não surgisse a baderna, criou-se uma idéia chave: um
novo mito, um novo domínio simbólico, uma poderosa crença, ramo do
sistema geral, enfatizando, com muita fé, a valorização de todo e qualquer
trabalho, seja lá qual for. Essa idéia, inicialmente absurda, foi sendo
divulgada e defendida pelos dirigentes e ouvida com certa incredulidade
por todos. Entretanto, devagar, o indecente mito foi se transformando em
“verdade” simbólica, evidentemente, não real. Aos poucos, esta idéia foi
contaminando todas as cabeças.

Os órgãos superiores unidos, Estado, Igreja, Lei e Escola, defenderam


e exaltaram a “verdade” nascida da ficção voltada para apaziguar os

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possíveis divergentes: “todo trabalho é nobre”. O engodo foi crescendo,
passando a ter vida própria, dando troncos, ramos e folhas. Bem firme,
o mito foi se tornando, aos poucos, mais verdadeiro. Todo trabalho
passou a ser elevado e glorificado. Todos trabalhadores passaram a ser
abençoados por Deus e, como consequência, seus executores passaram
a sentir orgulho de realizar, para o próprio bem e, principalmente, dos
Senhores, todo e qualquer trabalho.

Não faz muito tempo, o trabalho era visto como penoso e até degradante,
principalmente os chamados “trabalhos braçais”; agora, os tempos
mudaram. O trabalho submisso, as profissões penosas e tidas como
inferiores e as atividades cansativas e sujas adquiriram status de majestosas
e ilustres, quase divinas para as classes “humildes” e, desse modo, aceitas
com grande orgulho por seus executores. Para atiçar a mente do leitor,
repito, aqui, frases frequentemente ouvidas: “O trabalho enobrece o
espírito”; “Todo trabalho é nobre e digno”; “Não há diferença entre a
atividade do lixeiro e do senador” e diversos outros slogans do mesmo
gênero que hipnotizaram os distraídos.

Uma vez inventado, imposto e aceito o novo valor supremo, foi possível
a criação de diversas outras afirmações derivadas da premissa inicial, tais
como: “ser um bom escravo é vantajoso”; “é glorioso servir a um homem
importante como o Dr. X”. Ficou fácil, para a maioria das mulheres,
ansiosamente, buscar, com orgulho, ser uma ótima funcionária de
qualquer expoente, carregar às costas uma série de atividades cansativas,
trabalhar 30 horas por dia para o bem da empresa em atividades pouco ou
nada valorizadas e, também, casar-se com um “importante”.

A mente do povo, uma vez invadida por esses conceitos, magicamente,


por encanto, aquietou-se. A paz reinou nesse mundo de Deus, onde cada
um trabalha em louvor à idéia dominante: ajudar os poderosos a viver
em paz, pois os menos favorecidos trabalham para arrumar, em parte, as
desordens existentes. O “eu” individual de cada um misturou-se ao social;
a pessoa humilde não pode mais trabalhar em beneficio próprio e para
seu bem-estar.

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Para ser visto como bom cidadão ele deve se esquecer dele próprio e
doar sangue para os outros (pois o governo não tomou providências para
sanar os problemas); os médicos – alguns com salários de fome – devem
trabalhar incessantemente para acalmar doentes e revoltados contra o
estabelecido, mesmo sem aparelhagem e medicamento e boa formação
médica; todos devem pagar seus impostos de maneira correta, mesmo
que o dinheiro arrecadado possa ser gasto em festas, aviões e acúmulo de
riqueza de uma minoria; devemos denunciar os bandidos comuns, pois
estes atrapalham a vida dos bandidos do escalão superior; não devemos
comprar DVDs piratas, pois dá prejuízo às grandes empresas e ao governo
que arrecada menos. Os exemplos são inúmeros nos exortando a ser anjos
para servir aos demônios.

Retornando, para finalizar, às mulheres. Dominadas por essa auréola


ofuscante, incapazes de refutá-la, com orgulho repetimos: “Ela largou os
estudos e o emprego para poder amamentar o filho”. Cada frase desse tipo
não só tranquiliza o agente e executor como também lhe fornece, muitas
vezes, uma alegria e orgulho em realizar tarefas quase penosas; acalma o
dominado, adoça a boca do servidor servil, massageia seu ego simples.

Por outro lado, o dominador, como o pai agressivo, o mau patrão, o


professor intolerante, o governo injusto e o ditador assassino, todos esses,
em lugar de serem agredidos pelos subordinados, recebem obediência,
honrarias, medalhas e gratidão dos servos, prontos para servir e servir.
Contaminado por essas idéias, começo a acreditar que alguns nasceram
para mandar e outros para obedecer. Alguns nasceram para aplaudir,
outros para serem aplaudidos, tudo conforme os desejos de um misterioso
“Deus”. Será? Meu Deus!

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Produção de intuições
enganosas durante estresse
familiar
Em Lumeeira, seguindo os costumes do lugar, não é raro entre familiares,
após a morte de um dos pais, o cônjuge que sobreviveu fornecer idéias
para os filhos acerca do morto bastante diferentes (falsa) da percebida
pela criança. Problemas emocionais futuros do indivíduo adulto têm
sido estudados como produzidos, em parte, por experiências precoces
ocorridas na infância: morte de um dos pais, doenças, etc.

Em Lumeeira, certas cenas e experiências vividas (observadas) pela


criança são proibidas pelos familiares de serem lembradas e comentadas.
Mas apesar dessa proibição essas “cenas e experiências” continuam a
ter uma influência extrema sobre os pensamentos, sentimentos e , ou,
de outro modo, na formação dos modelos mentais. Entre essas cenas
podemos citar:
1. Fatos que os pais desejam que o filho não conheça;

2. Fatos nos quais os pais levam a criança a sentir-se


incomodada com sua presença, sendo insuportável pensar
acerca deles;

3. Fatos que a criança efetuou ou apenas imaginou, que a


leva a sentir-se culpada ou envergonhada.

Por exemplo: a criança presenciou um dos pais se suicidar. A família, por


outro lado, afirma para a criança que a morte do pai foi natural. Nesse
caso, a mãe, por exemplo, força o menino a acreditar na versão dela e não
na realidade ocorrida e presenciada. Pressionado, ele “tem” que acreditar

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não no que viu, mas, sim, no que ouviu. Num outro caso, a criança viu um
dos pais, ou outra pessoa importante para ela, tendo uma relação sexual
proibida, ou, ainda, no caso de incesto, quando, durante o dia, o pai é uma
pessoa normal e correta, tornando-se à noite um “doente agressor” que
abusa sexualmente da filha ou do filho.Nesses casos, não é raro existir uma
pressão da família para que a criança “esqueça” ou elimine a percepção
ocorrida e invente um relato diferente da presenciada e real. Tudo para
tentar manter uma idéia desejada da pessoa e não sua verdadeira conduta,
isto é, uma narrativa fabricada para confirmar uma falsa teoria acerca da
família. .

Como consequência de presenciar um fato e ser levado a acreditar que


suas percepções não são confiáveis, que a verdade é a mentira vista ou
escutada, a criança de Lumeeira pode adquirir uma desconfiança crônica
acerca das afirmações das pessoas, inibir sua curiosidade e, além disso,
pode passar a duvidar de suas próprias sensações, ou, ainda, acreditar
com facilidade em algo irreal.

Lá também, o pai que sobreviveu, muitas vezes, sugere à criança adotar


um comportamento não compatível com o acontecimento vivido. Por
exemplo: após a morte do pai, a mãe diz ao filho: “Não chore, vá para
seu quarto e durma”. Exige-se que os sentimentos e as emoções sejam
abolidos através de uma ordem.

Um outro fato não raro em Lumeeira é o da mãe (ou pai) que, privada
de amor do cônjuge, exige da filha (filho) o amor desta para ela, em vez
de dar amor à filha. Nesse caso a filha (filho) pode imaginar a mãe como
amorosa e generosa, mas ela é, de fato, uma mãe exigente e egoísta. O
que se deseja é que a percepção correta seja descartada da consciência
para permitir somente a imaginação errônea, a mais agradável de ser
conscientizada: “Minha mãe me adora; está sempre atrás de mim. Não
pode me ver longe dela”.

Os pais tendem a exigir da criança uma demonstração de continuada


alegria com o propósito de animar um pai ou uma mãe deprimida.

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Os filhos, nesse caso, esforçam-se para “conservar as idéias positivas”
eliminando as experiências negativas diante do parente deprimido.

Mas, apesar da eliminação das representações conscientes, explícitas e


claras de algum fato específico doloroso, as experiências vividas e impressas
no subsolo dos envolvidos continuam influenciando implicitamente
outras representações, emoções e ações deles sem que estes percebam
com nitidez a ação dessas influências.

Quando o fato percebido e perturbador começa a penetrar na consciência


do menino e extravasar para a fala ou ações, os pais, prontamente, tratam
de impedir que o foco e atenção da consciência se voltem para o fato,
tentando fazer com que o filho sinta culpa e ache insuportável pensar
acerca dele. Exemplos disso são as rejeições repetidas de um dos pais
ou dos dois, com agressões físicas ou exploração sexual. Entretanto, ao
mesmo tempo, a criança utiliza o “mapa” falso que ela tem dela e não o
“território” experimentado e real.

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Infundindo intuições de
causalidade em uma só via
Os moradores de Lumeeira, ou de outro lugar, não são teóricos ingênuos.
Tratam a natureza à maneira Aristotélica, imaginando uma hierarquia
como causa, em uma única via. Na visão popular, a cadeia causal é
esmagadora e opressivamente linear, isto é, um fator age no outro que
sofre a ação. Portanto, o fator que sofre a ação não exerce ação na “causa”
(no que provoca a ação), como nos exemplos: “João agrediu Maria”;
“Maria não me cumprimentou”; “O culpado pela derrota do Brasil foi
Parreira”; “Zidane jogou esplendidamente”. Em todos esses exemplos, o
que sofreu a ação nada fez. É como se não existisse ou estivesse morto e,
por isso, não teve efeito da ação do outro.

Nesses exemplos um fator agiu sobre o outro que nada fez, apenas sofreu
a ação passivamente. Isto, geralmente, não ocorre. Segundo essa postura
popular, a influência causal é disseminada de cima para baixo, ou seja,
uma causa é mais “poderosa” que outras, de um modo antropomórfico,
envolvendo a ação do poder das coisas, ou seja, de um poder delas, saindo
destas. O poder de Parreira foi tão grande que dominou a conduta de
todos os jogadores brasileiros, inclusive a dos franceses; Zidane jogou
bem independente da ruindade dos brasileiros.

Os habitantes de Lumeeira aprenderam, erroneamente, que o que ocorre


no mundo exterior pode ser compreendido facilmente sob a forma
de sequências causais simples, por exemplo: X causou Y e em seguida
Y causou Z e assim por diante. Nota-se que a queixa dos pacientes
no ambulatório de Lumeeira se baseia em intuições, deduções ou
interpretações de acontecimentos, fundados em causalidade linear
simples, como, por exemplo, “estou nervoso porque minha chefa me
persegue”, “estou deprimido porque perdi o emprego”, “tive uma diarréia

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devido a uma manga estragada que comi”.

O povo de Lumeeira, mantendo a antiga interpretação causal fortemente


linear, imagina que uma causa age sobre um corpo que é, essencialmente,
passivo, inerte, sem alma e estático, tudo numa cadeia altamente
determinada, sem nenhuma ação, poder ou liberdade do que sofre a ação.
Este aspecto é comum mesmo nas relações sociais. Uma pessoa afirma:
“meu marido nunca me deixou trabalhar fora de casa”. Nesse caso, a
afirmante coloca um total poder no marido e uma ausência deste nela
própria, o que é falso.

Esse tipo de raciocínio, de uma só via, não mostra que a ação se faz
também de B (do queixoso ou interpretado) sobre A e não somente de A
sobre B. Por trás da declaração encontra-se um organismo humano com
inúmeras características. Não foi somente Parreira o culpado da derrota
do Brasil na Copa do Mundo. Podemos também pensar que Alberto só
poderá ser “machista” caso Antônia facilite essa conduta, isto é, lhe sirva
de nicho adequado às necessidades dele. Não se pode pensar em líder
sem liderados para segui-lo. Só existe “mandão” se existir alguém para
submeter-se a ele; só existe doce ou azedo se existir papilas gustativas de
um corpo determinado para detectar esses sabores. Precisamos conhecer
melhor o cérebro do que sofre a ação, suas dificuldades, medos, fraqueza
física, falta de apoio familiar e social, etc. Este é o campo da neurociência
ainda pouco conhecido em Lumeeira.

As intuições/dedutivas dos moradores da cidade são explicitadas


facilmente, pois não se assentam em cadeias de raciocínios lógicos,
também não se baseiam em observações obtidas pelos órgãos dos sentidos
organizadas conforme teorias bem construídas. As conclusões obedecem
mais às emoções sentidas que fazem nascer crenças aprendidas muito
cedo.

Nas discussões em “mesas-redondas” nas TVs, acerca de problemas


feministas, sexualidade, educação, religião, política ou qualquer outro
assunto, quase sempre, os debatedores de Lumeeira estão, não só

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carregados de “achismos” (nada mais que intuições momentâneas), como
também de explicações sustentadas por princípios causais simples: “Ele
matou por amor”, “É pivete porque não teve oportunidade”, um tipo de
explicação ingênua e simples, armazenada há anos pelo megacomputador
do local.

A linguagem vulgar de Lumeeira, como também, em parte, a da Medicina


dessa cidade, e muito mais a da Psicologia do local, utiliza, em larga escala,
o raciocínio desta ordem: “Júlia é carente porque foi criada sem os pais”,
“Pedro teve um enfarte após discutir com seu filho”, “Marly tem complexo
de inferioridade porque é baixinha”. Para explicar os exemplos acima
foram escolhidas situações externas à pessoa (Júlia criada sem os pais,
etc.) e, também, deduções devido a um aspecto do biológico (baixinha).
No primeiro exemplo há a crença implícita que o melhor é ser criado com
os pais. No último exemplo, existe a suposição de que o “baixinho” não é
bem aceito.

O conhecimento intuitivo, como o usado como exemplo (sem teorias


válidas e sem dados metodicamente observados), produz conclusões
(inferências) simples e apressadas e, sem se aprofundar, não procura
descobrir outras possibilidades possíveis. Todos esses princípios fazem
parte e dirigem as explicações e os entendimentos da realidade dos
ingênuos moradores de Lumeeira; aprenderam a conhecer e explicar os
fatos desse modo e eles não possuem outro meio de conhecer.

Ao mesmo tempo em que as pessoas de Lumeeira estão presas, em parte,


ao mecanicismo filosófico ingênuo, elas endossam ou têm uma visão
da existência de um mundo como se ele fosse uma máquina grande e
complexa; uma estrutura dotada de propriedades de propósito – causa
final de Aristóteles – que caminha para formas mais maduras, para um
ideal a ser construído e, finalmente, para uma justiça natural, que sempre
virá: “o criminoso sempre é castigado”, “o cumpridor dos deveres alcançará
uma boa vida”. Tudo o que acontece é controlado por forças mágicas ou
sobrenaturais que emanam do alto.

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O senso comum de Lumeeira assimilou, entre outras coisas, um vasto
reservatório de crenças acerca de pessoas tanto específicas como gerais,
dos processos naturais ou propriedade das coisas, das situações sociais e,
por fim, de outros tempos e lugares. Em resumo, o povo aprendeu o que
chamamos de psicologia popular, de ciências naturais (física, química e
biologia popular) e, ainda, de sociologia e antropologia, todas populares
(do senso comum, pré-saberes, intuitivas), ou seja, com todos os defeitos
próprios desse conhecimento simples, natural e aprendido sem esforço.

Interligando as diversas noções rudimentares de cada área, a pessoa


comum de Lumeeira tenta dar uma coerência aos seus pensamentos,
bem como uma estrutura que dá origem ou forma uma grande coleção
de crenças. Assim, a pessoa tece uma visão do mundo interligada, que
nada mais é do que a sua representação de um conjunto de afirmações
acerca desse e de tudo que existe nele, tendendo para o universal e o
fundamental.

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Incutindo intuição de
causalidade sobrenatural
Entre as explicações atuais acerca das causas dos acontecimentos
encontram-se duas interpretações: as científicas e as míticas (mágica,
sobrenatural). O povo de Lumeeira, em geral, ao interpretar um
fato, faz uso, frequentemente, das relações míticas (“Graças a Deus,
Mimosa, minha vaca malhada, deu um cria belíssima!”). Esse tipo de
interpretação, também chamada de mágico-religiosa, composto de “alma
do outro mundo”, “mula sem cabeça”, “fantasma”, “capeta”, etc. serve, de
modo superficial e inadequado, para compreender e explicar as causas e
consequências de um evento. Mas o meio ambiente da cidade propicia,
ao mesmo tempo, o aprendizado de noções superficiais de ciências,
geralmente idéias acerca do mundo visto como uma máquina que possui
um mecanismo exato.

Para atribuir causas aos acontecimentos, há uma tendência das pessoas


para formular e testar suas predições procurando certas informações que
são prováveis de confirmar as expectativas ou crenças existentes e desejadas
e muito pouco se usa para coletar dados para negar ou desconfirmar o
esperado. Esta tendência tem sido chamada de “tendência confirmatória
do raciocínio”. Se desejo escolher um bom vendedor, procuro um que
confirme a minha crença de que os “bons vendedores são extrovertidos”,
por exemplo. Seleciono este e continuo a manter minha crença de que
para vender bem é necessário ser extrovertido e jamais tento fazer uma
hipótese contrária a esta.

A inferência causal, na sua forma mais simples, consiste meramente


na aplicação de determinada crença no acontecimento focalizado e ou
percebido, inclusive crenças acerca da maneira de conhecê-lo (sensorial,
intuitivo, teórico, emocional). O acontecimento, ele mesmo, serve para

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indicar o tipo de poder que podia ter operado para acontecer o fato
identificado pela pessoa. O observador acredita que alguma coisa na
proximidade do efeito tem, em sua crença, o poder para produzir o efeito
visto.

Um céu avermelhado não é causa de um bonito dia seguinte. É meramente


um sinal de um bom dia que pode vir. Esta interpretação inadequada é
comum. Também a seta de um carro indicando que este irá virar à direita
não é causa desse movimento, mas um sinal do que poderá ocorrer. Do
mesmo modo, muitos fenômenos sociais exibem regularidade por serem
fixados por um conjunto de regras processuais. Assim, uma regularidade
nessas associações não pode ser interpretada como causa, como, por
exemplo, o que acontece num ritual na igreja.

As causas dos fenômenos sociais são complexas e difíceis de serem


conhecidas. Muitos fenômenos sociais exibem regularidade, não porque
um causou o outro, mas, sim, porque eles estão ordenados de certo modo
de acordo com certas regras ou ritos. Quando uma pessoa bate palmas,
uma palma não é a causa da próxima, pois a sequência é devida a um
estado interno da pessoa, do mesmo modo quando damos um passo
quando caminhamos.

As pessoas, uma vez presas às crenças contidas em alguns mitos antigos,


imaginam, no universo, um poder controlador de tudo. Este grande
poder estaria colocado no topo de uma hierarquia. Sua influência
procede para baixo e não para cima, semelhante ao poder patriarcal
numa família, que tem o poder de gerar a vida, impor um padrão de
conduta e de ordem na casa, tudo isso sem perder nada de sua força
dominante. No topo da hierarquia encontra-se Deus ou a natureza. Logo
abaixo está o tempo (estações do tempo), particularmente mudança de
temperatura e a atividade dos seres humanos. Na base, mas sem poder,
estão os animais e os vegetais. Esse modo de perceber a natureza leva as
pessoas a supervalorizarem os efeitos do homem e a menosprezarem as
reações da “base”. Para o povo, as coisas que estão no alto da hierarquia
são vistas como grandes fontes ou origens do poder e domínio (causas

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e explicações de tudo) e este poder passa para baixo, ficando mais fraco
com respeito à quantidade de efeitos capazes de produzir, até dissipar nos
níveis inferiores da hierarquia.

Aristóteles visualizava as causas como poderes produzindo e gerando


efeitos, de uma maneira antropomórfica de pai. A causa superior está
sempre exercendo seu poder sem ser atingida pela de baixo, não tendo
antecedente além dela. Daí talvez a frase popular: “O que vem de baixo
não me atinge”, ou seja, só somos atingidos pelo que vem do alto. O nível
do cume controla o que está nos níveis mais baixos no sentido que ele é
a causa original e não tem causa além dele. Este poder não é afetado por
outras causas ou pelo que está abaixo. O povo, como defendia Aristóteles,
atribuía causas finais aos espíritos e ações vitais. De acordo com essa
crença, os espíritos agiriam para ajudar ou prejudicar uma determinada
pessoa, isto é, suas ações visam a um fim. Há ainda uma tendência popular
para interpretar os acontecimentos naturais animisticamente. Muitas
interpretações populares são carregadas de animismo e antropomorfismo:
“A bola de bilhar deu um coice na outra e mandou-a voar”.

Teorias explicativas diferentes dessas têm mudado a visão popular acima


descrita. Mostrou o conceito de organização, onde diversas relações de
interdependência existem no mundo natural. Por exemplo, o indivíduo
Pedro interage com sua família, seu grupo social, com seu coração, suas
células, seus prótons e nêutrons. Cada um desses sistemas tem seus
limites e suas peculiaridades de relacionar. Os sistemas podem exibir
circularidade, criando assim ciclos e respostas tanto negativas, como no
termostato, onde as ações são diminuídas, como positivas, onde as ações
são acentuadas.

O povo também vê o mundo ou universo como um todo, como uma larga


e complexa máquina, a qual opera suavemente e nunca falha ou deixa de
seguir o que devia ser (essencialismo?). Nesse ponto de vista o universo
é dotado de qualidades antropomórficas de propósito, direção e justiça
social para formas mais maduras e construtividade. Há na máquina um
espírito que a controla e dirige.

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A origem do mundo do senso comum está de acordo com essa maneira
de pensar: “As pessoas necessitam acreditar que elas vivem num mundo
onde as pessoas geralmente obtêm o que elas merecem”. O termo
“necessitam” mostra que a hipótese do povo é construída de acordo com
essas necessidades de “um mundo justo”.

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Aprendendo princípios
(verdades, pré-saberes) fora do
ambiente familiar

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Intuições populares
adquiridas: cultura de massa e
domínio da mídia
Em Lumeeira, a cultura de massa utiliza a imaginação como sendo
a realidade. Por outro lado, a própria realidade sensorial é modificada
pela imaginação. A informação transmitida de boca em boca e através
da imprensa se mistura com a ilusão e com o fantástico. Geralmente,
junto à realidade captada pelos órgãos sensoriais os habitantes da cidade
inoculam, emocionados, o sensacionalismo, o incerto, o inesperado
e o esquisito nas histórias trocadas: “uma mulher procurou o Pronto
Socorro sentindo dores na vagina após copular com um cão e cortar o
pênis dele que não queria sair”. A informação é o homicídio, o acidente
extraordinário, o “chifre” sofrido por alguma figura conhecida e notável
da cidade.

Além disso, para compor os personagens interessantes do roteiro, astros


bem ou mal conhecidos, da comunidade ou das novelas e esportes,
adorados ou odiados, são recrutados.

Os deuses atuais em Lumeeira – como acontece também com os relatos


do Deus primeiro e único – são descritos como vivendo fora da realidade
cotidiana, de forma diferente de todos nós. O que parece um sonho e que
tem pouco a ver com a realidade de todo o dia é privilegiado: os encontros
e desencontros dos artistas, as brigas e namoros dos grandes jogadores, as
princesas ricas e as paupérrimas fantasiadas como poderosas por um dia.
As conversas, discussões e os assuntos em geral versam sobre as intrigas
entre os deusinhos, seres esses que fingem se assemelhar à realidade, mas
exibem, nas entrelinhas, o excitante: sua diferença do banal, do feijão com
arroz, do cotidiano.

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A cultura fabricada pela mídia para uma população cansada, impotente
diante da realidade e sem emoções próprias, transforma o percebido pelos
órgãos dos sentidos em ilusões divertidas e excitantes, mas sem riscos,
pois são experiências de outros. A população, com raríssimas exceções,
está sempre pronta para aplaudir e agredir os ídolos; o grande sonho é
ser um deles, mesmo descrevendo as misérias de sua vida íntima. Para
se obter o sensacionalismo tudo vale: pegar em baratas, comer fezes ou
comer quilos de comida em poucos minutos, imobilizar os músculos por
horas, dançar até desmaiar, tirar a roupa no gelo, contar abusos e incestos
na família. Tudo isso excita o “voyeur” por minutos, o telespectador que,
carente de emoções próprias, só possui emoções vicariantes (sentidas
pelo outro). O homem comum de Lumeeira não é descrito na imprensa
local. Mas as “autoridades”, geralmente descritas como “uma das maiores
autoridades do país”, nisso ou naquilo, ordenam de maneira formal como
agir diante dos fatores possíveis de provocar as doenças orgânicas gerais.
Pouco é falado da maneira particular de pensar e agir. As “autoridades”,
médicos e psicólogos, como sempre, prescrevem, como sábios, deusinhos
intocáveis, modos de agir para todas as pessoas e em todos os lugares;
todos sabem o que o outro deve fazer.

Nos jornais da cidade e nos debates nas televisões e rádios, os termos


mais pronunciados por esses pequenos ditadores são: “é preciso”;
“os pais têm que”; “as pessoas devem agir”; “é preciso fazer exames da
mama periodicamente, usar camisinhas, tirar a pressão arterial, praticar
exercícios físicos, fazer exame de próstata, evitar bebidas alcoólicas, etc.”.
Quase sempre as prescrições terminam assim: “Conforme o caso deve ser
procurado um profissional competente”.

As ordens são diversas e divertidas. Pouco se ouve acerca da conduta


humana normal, comum, a diversificada. Podem também surgir relatos
de “doentes”: deprimidos, esquizofrênicos, obsessivos, ansiosos e outros,
mas não do sadio e concreto. Não se discute a conduta, bem como a
emoção, motivação e cognição normal, a não ser esporadicamente, e,
geralmente, tal assunto mostra um pequeno interesse do público.

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Ignorando a maioria da população de Lumeeira – o homem comum
e peculiar – incentivada pela “informação” da mídia superficial e
geralmente incorreta – o cidadão de Lumeeira torna-se cada vez mais
infantil e tolo. Mais e mais jornais, revistas, livros e TVs, continuando o
desensino iniciado em casa e na escola, divulgam temas infantis (história
em quadrinhos, imagens, desenhos e fotos e mais fotos).

Assim encontra-se o povo de Lumeeira: a criança finge de adulto; sem


saber, representa um tolo dando opiniões sem respaldo; o adulto, por
sua vez, tenta representar o que seria segundo a teoria, o homem adulto
padrão; para isso imita o que já é há muito: um imbecil como os outros.
Os jovens, por sua vez, cospem regras e normas, mensagens sem carne
e osso; deduções retiradas de princípios intuitivos infantis, usados
por toda a população, informações que não se baseiam em nenhuma
experiência vivida e nem em teoria científica digna desse nome, isto é,
bem fundamentada e experimentada.

O velho de Lumeeira, coitado, se aposentou, geralmente muito cedo,


realizando o seu grande sonho desde que adquiriu a fala: não ter nenhuma
obrigação a cumprir. O idoso se tornou “caduco”, “incapaz”, “velhinho”,
“coroa”, “lindinho” e “engraçadinho”. O antigo pai deixou de ser o
orientador de pessoas. Assimilado e sorvido pelos roteiros das novelas
ou dos filmes, renasceu sob a forma de “amigão bobo”: dança sem graça,
faz piadas contra si mesmo e mente, sem graça e sem ânimo, que vive a
“melhor época da vida”. Os idosos de Lumeeira, seguindo a afirmação de
que “fomos feitos à imagem e semelhança de Deus”, procuram ser eternos
e famosos como Ele e os Anjos e, assim, não morrer e nem envelhecer.

O pai, tendo morrido antes da hora, passou a viver desprovido de


emoções próprias (entediado), e, para emocionar-se, adotou as emoções
representadas pelo filho, personagens de novelas ou netos: “Nada mais
gratificante que ter um neto para criar”.

Da mãe, a mulher antiga envolvente e serena do passado, nasceu a nova


mãe: agitada, pisando duro, de terninho, trabalhando sem parar, trinta

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horas diárias. Todas elas, para serem bem julgadas pelo júri popular,
para o qual elas representam, são forçadas, pela sua obediente mente,
a declarar publicamente (para se convencer) que são felizes, pois estão
sempre prontas para amar e amar, depois de trabalhar e trabalhar sem
saber para que e porque fazem uma e outra coisa.

Os antigos modelos de identificação antes existentes em Lumeeira, bons


e maus, estão cada vez mais escassos; não mais se fabricam os antigos
e poderosos heróis/endeusados pela população. Seres imaginados pela
cultura de massa, não seres reais, tomaram o poder tradicionalmente
ocupado pelos expoentes da família, da escola ou vizinhança. Todos
querem ser parecidos com essa “forma” divulgada: o grande cantor, ator,
jogador ou, até mesmo, bandido.

Um novo modelo de vida é a busca frenética, desenfreada e maluca da


auto-realização, custe o que custar. Seu objetivo fundamental é ser o
“maior”, “principal”, “importante”, “melhor” e conseguir entrar no livro
dos recordes ou dos excepcionais. Há uma luta constante para ser o
melhor do mundo no futebol, na beleza, ter o melhor corpo, ser o cientista
mais famoso, maior assassino, maior idiota ou ter mais casos familiares
ou sexuais esquisitos, etc. Todos precisam aparecer, representar algo que
chame a atenção, mesmo que seja para transmitir um ato deplorável:
matar a mãe e o pai a porretadas e depois, para comemorar, comer lagosta
ou caviar e beber champanhe francês. Por fim, transar no motel de luxo,
pois, uma vez a notícia sendo divulgada, o desconhecido indivíduo torna-
se o comentado em todos os lugares, isto é, se transforma de ignorado a
famoso.

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Assimilando pré-saberes
(informações intuitivas) na
escola
Enquanto a história das ciências nos mostra que o progresso do saber é
devido ao questionamento dos princípios reconhecidos, o aluno nas escolas
de Lumeeira aprende seu oposto, ou seja, que os princípios são corretos
e imutáveis; um modelo das religiões mal ensinadas e das prescrições
dos pais. O ensino tem sido frequentemente uma submissão aos dogmas;
deve-se acreditar neles. O professor, como os pais de Lumeeira, reforça
essa crença errada evitando discussões e, quando essas são permitidas,
a palavra final é sempre a do professor. As exceções são poucas. Não se
ensina a pensar e a duvidar. É proibido e feio duvidar do ensinado. Ensina-
se o oposto, ou seja, encontrar a “verdade” única e última, um objetivo
jamais alcançado, pois há várias verdades como há vários instrumentos
e focos diferentes para alcançá-las. O engano, que constitui a expressão
natural do ser vivo e das ciências, torna-se vergonhoso e tenta-se não
errar jamais ou esconder o erro.

As palavras utilizadas pela criança quando ela inicia seu estudo de


matemática (conjunto, relações, raízes quadradas, etc.) já tinham
adquirido um sentido dado pela linguagem natural, nem sempre
adequado. Os alunos precisam saber que na matemática elas adquirem
um novo significado, bem diferente do anterior.

Nas escolas o currículo continua a ser o das ciências: Física, Biologia,


Química e a língua materna. Não se estuda o homem. Nada se aprende das
formas diferentes (sensoriais, intuitivas, teóricas e afetivas) de alcançar o
conhecimento e não se estuda a estrutura da cognição ou da conduta.
Nada aprendemos acerca dos processos usados pelo construtor da ciência

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para construí-la, isto é, há uma completa ignorância a respeito daquele
que descreveu as informações que estão sendo estudadas. De outro
modo, o ser humano (cérebro, emoção, cognição e comportamento)
não faz parte do currículo. O homem continua a ser um desconhecido
e os comentários acerca dele apóiam-se em informações intuitivas,
preconceituosas, simplórias, elementares e, às vezes, idiotas, muitas delas
usadas, sem críticas, há mais de vinte séculos.

Através dos anos, modernas descobertas teóricas e técnicas apareceram


no campo da Física, Química, Astronomia e Biologia, por exemplo.
Enquanto isso o estudo do homem era afirmado, até há pouco tempo,
não ser possível, pois o “ser humano não era um produto da natureza”,
mas divino, e por isso não podia ser estudado. Assim afirmou Descartes
e, lamentavelmente, suas idéias, durante séculos, foram seguidas pelos
sábios de então.

Equipamentos sofisticados têm sido produzidos para trazer à tona


novos conhecimentos nas diversas áreas do conhecimento proveniente
do nosso exterior: Astronomia, Física, Química e Biologia. Entretanto,
só recentemente, em torno de vinte anos, iniciou-se um movimento
sério para estudar o homem utilizando-se de aparelhagens modernas;
técnicas mais bem elaboradas para que possamos compreender como o
homem adquire informações, pensa e resolve problemas. Muito pouco
do descoberto tem sido divulgado e discutido na imprensa popular e,
também, nos ensinamentos nas escolas e igrejas.

Ainda predomina, na maior parte das vezes, um ensino (ou discussões


na imprensa) sobre o homem que utiliza como ferramenta explicativa
conceitos metafísico-filosóficos do tempo das cavernas (alma, id, ego,
superego, faculdades mentais, etc.). Somente há poucos anos começou
a emergir o novo homem, até então totalmente submerso na rede de
informações defeituosas; o homem estava encoberto sob as explicações
religiosas e ideológicas.

Parece-me lógico que antes de conhecermos as ciências estudadas pelo

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homem, precisamos conhecer, pelo menos em parte, quem foi o produtor
do conhecimento ou da descoberta, pois essa incógnita é que nos distingue
dos outros animais. De outro modo, não adianta ter boas e eficientes
ferramentas para estudar a Astronomia e a Física, se não sabemos como
e por que o homem estudioso dessas áreas chegou a esse conhecimento.

Portanto, com pouco ou nenhum conhecimento adequado de si próprio,


uma grande parte do povo ainda continua a conceber a natureza e o
próprio homem à maneira antiga. O homem tem sido descrito através de
histórias fantásticas dele e do mundo que o cerca, de modo semelhante
aos relatos de alguns mil anos atrás; uma explicação intuitiva, isto é, sem
o uso do raciocínio e nem de observações do que está sendo discutido.

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Assimilando idéias (pré-
saberes intuitivos) religiosas
distorcidas
O aprendizado de Deus e de religião

Lumeeira é um povoado muito antigo, existe há centenas, ou melhor,


milhares de anos; a antiga idéia deles, antes do aparecimento da ciência,
simplificava, ao máximo, as explicações dos acontecimentos. Há séculos,
o povo de Lumeeira, sem outro saber para usar ou criticar, usava somente
uma explicação ultra-simples para descrever as causas. Segundo essa
crença ou princípio muitíssimo antigo, “tudo ocorria por vontade divina”.

Mas que vontade divina seria essa aceita e incorporada sistematicamente


pela comunidade da cidade? A atual? A do Deus do Novo Testamento? Ou
seria o Deus do Velho Testamento? Seria Jesus Cristo? Ou Maomé, Buda,
Lao-Tsé, Confúcio ou outros? Qualquer uma dessas posturas poderia ser
adotada ou assumida.

O homem comum de Lumeeira (inicialmente todos eram analfabetos,


pois ainda não havia escrita), sem tempo, dinheiro e entusiasmo para ler
livros mais sofisticados, vivia e muitos ainda vivem submetidos a uma
“teoria” de Deus, altamente estranha e inadequada para os dias atuais.
Deve ser notado que, em muitos casos, o homem de Lumeeira apresenta
um razoável conhecimento prático relacionado às suas atividades diárias
e um péssimo conhecimento teórico ou explicativo.

O ser humano em Lumeeira, geralmente usando apenas seu pré-saber,


parece sempre ter gostado de explicar e de ouvir explicações acerca dos
acontecimentos, desde que essas explicações se harmonizem e se encaixem

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com as anteriores e, de preferência, não desencadeiem dúvidas, isto é,
ajustem-se aos desejos e preceitos (ou preconceitos) da antiga crença
existente. Caso adotássemos um novo fundamento (alicerce), o antigo
edifício correria o risco de desabar. A história do pensamento humano
mostra alguns desabamentos de prédios antes muito e muito firmes. Mas,
muitas vezes, construções já destroçadas, devido a sua pouca relação com
a realidade, renascem e crescem, ocupando um lugar importante em
muitas mentes ávidas por idéias fantásticas e inverossímeis.

Lamentavelmente, parece que uma das desgraças do homem de Lumeeira


não é sua falta de saber (ignorância), mas o uso de um suposto e falso
conhecimento (primeiras intuições ou pré-conhecimento), um saber
altamente protegido por poderosas couraças impedindo a penetração de
toda e qualquer possibilidade de intromissão sensorial e crítica, possível
de colocar em dúvida o estabelecido cedo. Nesse bangalô, construído de
pedra-sabão e areia, só são permitidas as entradas de pensamentos ou
idéias dos associados, dos que pensam igual aos obsoletos moradores, isto
é, não se permite a intromissão de idéias estranhas às existentes. Somos
atraídos, mas, ao mesmo tempo, temos pavor de, no mínimo, examinar
as novidades.

Todo indivíduo em Lumeeira conhece e explica os fatos ou eventos


observados ou escutados da mesma forma: através de conhecimentos
anteriores; todos esses assentados em princípios (fundamentos,
paradigmas) implantados no seu cérebro ainda sem críticas.

São esses fundamentos assentados logo após o nascimento que irão atuar
como bússola orientadora para o cidadão de Lumeeira, inicialmente,
focalizar e, posteriormente, assimilar e entender o observado, para depois
tomar as decisões necessárias. Pensando assim, a pessoa poderá, caso
tenha uma bússola eficiente, compreender melhor e, consequentemente,
agir mais acertadamente, mas o assimilador mental de uma comunidade
tende a adquirir um modo de raciocinar e explicar suas experiêcias.
A população de Lumeeira tem um conhecimento restrito e inexato da
realidade; ela acredita mais no falso mapa aprendido intuitivamente, que

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no território onde vive. O resultado é uma cascata de erros explicados
pela falta de sorte e não pela ignorância.

Comemos gato por lebre: como o povo adquiriu


o modelo distorcido de Deus
A idéia popular de Deus do povo de Lumeeira, do senso comum, nasce
e se desenvolve a partir do modelo aprendido e vivido em casa; o padrão
de comportamento que a criança tem com seus pais, talvez mais do
próprio pai que da mãe, pois este, segundo minhas leituras e observações,
frequentemente é punitivo, injusto, incapaz de perdoar e, ao mesmo
tempo, restringe a liberdade de seus subordinados (companheira e filhos),
mas ele, pai, tem direito de fazer o que desejar.

Não é para se estranhar. Assimilamos novos conhecimentos (criamos novas


intuições de outras) através de outros já adquiridos através de experiêcias,
geralmente físicas, vividas por nós. Como tivemos experiências diretas
com nosso pai, ou outro criador, e, por outro lado, adquirimos um
conhecimento teórico a respeito do outro Deus (recebemos informações
verbais, mas não sensoriais), nós construímos nossa representação do
Deus particular a partir da experiência concreta e real do formato que
tivemos com este tipo de pai (ou, às vezes, com a mãe).

O Deus de Lumeeira, adorado e temido, é estranho. De acordo com as


suposições populares em Lumeeira, somos governados por um Deus
que faz o que lhe vem à cabeça (como muitos, talvez a maioria, dos pais)
sem quê nem pra quê: um Deus (pai) perturbado e perturbador. O Deus
imaginado pelo povo é um ser malvado, indiferente ao sofrimento dos
homens (do filho), arrogante, chato, orgulhoso e cheio de melindres,
como observamos nos pais antiquados.

Por outro lado, o Deus teorizado pelos sábios da Igreja, descrito nas
pregações inteligentes dos padres ou pastores, é um ser justo, racional,
protetor, bom, calmo, tolerante, capaz de perdoar, não perseguidor e
outras virtudes, todas elas apreciadas e respeitadas por todos nós; um
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ser totalmente diferente do pai-deus citado acima e outros modelos
vivenciados mais tarde: tutor, governo, professor, certos religiosos, certos
policias, etc., com os quais convivemos. O “Deus” falso, reflexo do pai ou
governo tirano, é um ser malvado, indiferente ao sofrimento dos menos
favorecidos, perseguidor, intolerante e fácil de ser corrompido.

De um lado, o “Deus” construído pela mente sofredora do povo, lá no


alto, muito e muito distante de nós, ataca e pune os homens submissos; de
outro, os pobres, pequenos, pecadores e impotentes oram e oram, adoram
e temem e, além disso, precisam, sob pena de serem mais castigados
ainda, agradecer ao Senhor Todo Poderoso as desgraças ganhas e as
graças obtidas pelos seus senhores.

No conhecimento simplório do povo, o seu Deus, que nunca mostra


na prática suas verdadeiras intenções, já faz muito em mantê-los vivos
(como o pai perverso fornece “o pão que o diabo amassou.”). O Deus
intuído pelo pré-conhecimento popular alerta-os que eles estão sujeitos,
se se insurgirem contra o determinado pelo poder central, fora do alcance
deles, a serem castigados e passar a ter uma vida mais difícil e pior ainda
que a péssima já existente.

Quem de fato nos ameaça desse modo e usa de uma teoria explicativa
de “bondade”? O “leão” do imposto de renda, os chefetes e aduladores
dos governantes, os policiais desajustados, os professores carrascos e,
frequentemente, os familiares possuidores do maior poder e isentos de
amor. Este “Deus” temido tem tudo a ver com a triste realidade vivida
em casa com o pai severo, injusto, abusador e pronto para punir seu
filho diante de qualquer deslize, com a professora brava e injusta, com
os colegas mais velhos e mais fortes, com o governo e com o religioso
intolerante e incapaz de ajudar de fato. A história é cheia de casos dessa
natureza.

Acredito que a mente popular criou um Deus à semelhança do pai ou de


outras autoridades institucionais distantes, prontas para castigar, expulsar
e prender o indivíduo que discordar do determinado. O pai antigo, bem

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como alguns modernos, possui e é possuído por uma maneira de pensar
rígida e antiquada. O poder total encontra-se em suas mãos; ele tem o dever
e direito de julgar o comportamento dos filhos, netos e da esposa, como e
quando desejar. Entretanto, ele não pode ser julgado por ninguém. O pai,
bem como outros governos, todo-poderoso, como o “Deus” descrito pelo
povo, decide a hora que quer intervir na vida dos familiares, mas nenhum
dos membros da família pode questioná-lo.

O pai, e outros governos, todo-poderoso, como o “Deus” descrito pelo


povo, decide a hora que quer intervir na vida dos familiares, mas nenhum
dos membros da família pode questioná-lo. O poder emana, com toda
força, e, muitas vezes, ignorância, de cima para baixo, dele para o resto
da família. Só ele pode proibir, castigar e, mesmo, agredir fisicamente o
filho, às vezes, conforme a conduta tem o poder de expulsá-lo do grupo
familiar.

Por outro lado, este pai, e outras instituições, detentor de todos os poderes,
ditador das normas, pode fazer o que quiser: explorar o trabalho gratuito
dos filhos; criticá-los seja onde for; arrumar amantes e filhos fora do lar;
fazer gastos desnecessários com jogos, farras e bebidas; agredi-los quando
desejar e, também, abandonar, caso sinta vontade, a família ou o emprego.
Tudo isso sem consultar ou ouvir a família ou a população. Esse pai é tido
como um conhecedor de tudo, e, por outro lado, os familiares são vistos
e tratados como ignorantes, por isso todos devem obediência a ele. O
Deus da população de Lumeeira foi gerado pelos diversos governantes
perversos que tiveram na família, escola, igreja e política.

Uma palavra em defesa desse pai e governo tirano. Eles assim agem por
ter assimilado intuições (pré-conhecimentos) com esse formato; também
foram escravizados por esses saberes esquisitos.

O povo, uma vez tendo convivido e assimilado essa conduta paternal de


histórias, inclusive da Bíblia, vestiu, transformando, o Deus verdadeiro
com as roupas dos pais e dos governantes tiranos. Assim, o Deus justo e
bondoso, capaz de perdoar e ajudar, se transformou em um ser que nos

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provoca pavor, que persegue e vinga o ato ou o pensamento que difere do
imaginado, intuitivamente, como certo.

O homem humilde e submisso aprendeu, desde cedo, vacinado pelas idéias


inoculadas, que o impediram de receber outros vírus para confrontar, que
deve aceitar qualquer fato ruim como um “desejo de Deus”, por alguma
razão escondida que só Ele sabe e “escreve certo através de linhas tortas.”

Uma explicação estranha.


Nossa educação familiar e religiosa, como é, busca domesticar o ingênuo
indivíduo, impedindo-o de raciocinar e protestar de modo inteligente
contra inúmeras incoerências e injustiças existentes, pois, caso todos
pensássemos do mesmo modo, a governabilidade se tornaria mais fácil.
O formato do “Deus” tirano e ilegítimo não só se assemelha aos pais
autoritários, poderosos e adorados, bem como, também, aos ditadores
da política, da empresa e da religião, geralmente adorados pela maioria;
todos eles protegem e punem caso pensem ou ajam contra os princípios
impostos sem discussão. Adoramos nossos perversos proprietários e, ao
mesmo tempo, acreditamos em nossa liberdade de escolha, uma conduta
que os “adorados tiranos” não permitem.

Assistimos, continuamente, a queda e a vitória de um grupo político ou


religioso sobre o outro após disputas sujas e traiçoeiras de foice e martelo
no escuro. Entretanto, tristemente, observamos que o grupo vencedor,
geralmente, aplica o mesmo modelo, o mesmo paradigma para governar
o que afirmava combater. Em resumo, o autoritarismo do homem, ávido
pelo poder, indiferente ao sofrimento e à impotência popular, apenas
muda de mãos e, para dar mais força e “credibilidade” ao imposto, invoca
para isso a participação e o desejo de um falso Deus.

Do mesmo modo que há um imenso fosso entre as idéias científicas


verdadeiras e o modo de pensar popular, uma separação espantosa
também existe entre as idéias religiosas sérias, verdadeiras e honestas e o
esquisito “Deus” defeituoso e vingador assimilado pela sofredora mente

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popular. O Deus da verdadeira doutrina religiosa pregada pelos sábios da
Igreja, na sua essência, concentra-se na compreensão, no perdão, na luta
contra as injustiças e no esforço para compreender o homem e seu papel
aqui na Terra; não a ida continuada e obrigatória às igrejas e a adoração
de homens que se vestem de deuses.

Tem sido inculcado na mente impotente e ingênua do explorado um


poderoso e terrível sentimento de culpa e de vergonha caso ele imagine
(ou tente) ir contra o estabelecido. Por outro lado, o explorado é ensinado
e incentivado, muitas vezes forçado, a agir, “voluntariamente”, de forma
humilde, bem como a submeter, com orgulho, ser um “Cristão”, filho ou
aluno exemplar e aceitar o abuso dos poderosos, entre eles o abuso sexual
e pecuniário. Cabe ao explorado bajular, alegremente, seus colonizadores.

Esse homem domesticado como o cãozinho de estimação aprende,


conforme as regras impressas em sua mente, a aceitar as privações e os
sofrimentos como um fato normal; este é o seu dever, o escolhido pelo
falso Deus, inventado pelas mentes dos homens provisoriamente donos
do poder.

Precisamos fornecer ao humilde servo de Deus algo mais que um barracão


para morar, emprego e comida. É preciso lhe fornecer informações
capazes de criticar seus controladores e, muitas vezes, enganadores,
isto é, o que lhe dá esmola e lhe cospe na face. Somente assim, através
da instrução profunda e crítica, o povo submisso e dominado poderia,
uma vez enterrado o pré-saber, diminuir as desigualdades e aumentar as
oportunidades para todos.

Duas naturezas: uma divina e outra humana


Há uma confusão com respeito à maneira de pensar. De um lado exige-
se do indivíduo um modo ético (moral) de se comportar com respeito
à possível vontade divina; uma vontade divina expressada por homens
possuídos por pensamentos e crenças diferentes, geralmente pelos que
lutam por manter o poder das instituições das quais fazem parte. De

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outro lado há uma natureza (a de cada homem, José, Maria e Sílvia)
diferente do pensamento divino, que, como tudo o mais (o sabor do
sal, o cheiro do podre, a visão da chuva, o barulho da música chata),
precisa de alguém, de algum ser humano para ser estimulado. Para captar
Deus, precisa-se também de um homem para assimilá-lo, compreendê-
lo e explicá-lo, como ocorre com os conhecimentos físicos, químicos,
biológicos, astronômicos, etc. Esse segundo nível de conhecimento, o da
natureza divina, tem suas leis próprias, independentes das leis que regem
as características da natureza humana. Como somos também natureza,
estamos presos a leis naturais semelhantes, não iguais, a de outros campos
do conhecimento, entre eles o Divino que é conhecido ou, para alguns,
construído pelo homem.

O nível ético ou moral foi construído pelo homem, por isso, existindo
homens diferentes experimentando ambientes e fatos diversos, isto é,
variando de grupo para grupo e de época para época, consequentemente,
a ética será também diferente.

Existem duas éticas: há uma ética humana conforme o grupo e legalizada


pela justiça do local: pena de morte; anos de prisão e tipo de punição,
etc. Há, por outro lado, uma ética divina. Esta última agradaria, segundo
cada religião e época, o “Deus” preferido e adorado pelos pertencentes a
determinadas culturas.

Tudo muito certo caso não misturemos uma ética à outra. Assim, a
atrapalhada se dá quando ligamos uma à outra: as regras da ética divina
e da natureza. A ética jurídica, a legalizada, se for violada, recorre-se à
lei, com possibilidade de defesa e acusação. No caso da divina, para o
cristianismo atual – diferente de outras religiões – a Igreja não tem o
poder de punir o indivíduo por não ter cumprido suas ordens, decisões,
rituais, etc. As punições podem vir depois (após a morte), conforme a
vontade divina, podendo, muitas vezes, ser perdoada.

Portanto, na justiça divina, com seu “Direito canônico” ou regras da igreja,


diante da ausência do poder semelhante ao da justiça humana (jurídica),

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ficamos ou imaginamos que a pessoa seja punida por Deus, já que não há
prerrogativas e sentenças claras e objetivas para punir o infrator da ética
divina. Há apenas algumas punições vagas e singelas: rezas, penitências,
etc., conforme as transgressões. Quanto ao castigo final, imagina-se uma
punição metafísica (não possível de ser provada ou refutada), como a ida
para o inferno, purgatório ou céu, equivalente à prisão perpétua (inferno);
uma pequena punição (purgatório) e liberdade ou ausência de punição
(céu).

Espera-se, por exemplo, fazendo uso do pensamento mágico, que a


natureza, que, como disse, funciona segundo suas próprias leis, peça
licença a estas e, por momentos, siga as ordens divinas, como, por exemplo,
crie uma doença para o pecador ou, ao contrário, cure o cumpridor fiel e
obediente da religião. A intervenção na natureza biológica do indivíduo,
consequente (posterior, em seguida) às suas ações no campo religioso
(ética divina) é difícil de ser aceita, pois são áreas diferentes, que obedecem
a leis também diversas. Parece-me estranho usar uma forma para explicar
a ação na outra; explicar a ética divina através da ciência (observação e
teoria lógica). Isso é absurdo. Do mesmo modo, será incompreensível
explicar a física, biologia ou química através de conceitos e pensamentos
de origem religiosa. Um não casa com o outro.

A ética divina (um nível) criada pelo homem não atua funcionalmente
na natureza (outro nível), pois a natureza não obedece a ninguém (muito
menos a um tipo de ética); ela obedece apenas a ela mesma, como ocorre
com o homem; se passo uma lâmina na minha pele fina, ela deve ser cortada
e o sangue sairá. Não adiantaria, caso tivesse esse desejo, orar, rezar, fazer
uma penitência, etc., para impedir o corte, a dor e o sangramento. Do
mesmo modo, não adianta eu fazer uma promessa para não envelhecer;
minha natureza não “escuta” ou não “decodifica” este tipo de informação.

A natureza não trabalha com milagres. Algumas crenças, sim! O poder


divino não tem meios compreensíveis de intervir no meio natural, de
“desviver” minha vida para em lugar de ter nascido em Itabira ter nascido
em Londres, por exemplo. De forma semelhante, a lei divina não segue

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os mandamentos da lei da natureza científica; são dois saberes diferentes
quanto ao foco, à aquisição do conhecimento, ao modelo, terorias e
tudo o mais. Uma, a religião, é controlada pela fé, a outra, a ciência, pela
observação cuidadosa e crítica. As duas existem em nossas mentes, mas
arquivadas em gavetas diferentes, que, acredito, não se misturam.

O que escrevi pode parecer risível, mas é a mesma coisa que relacionar
minha “sorte” com a vida por ter sido eu um bom cristão ou, ao contrário,
ser um azarado porque não fui bom cristão. Repetindo: o nível verbal do
desejo, criado por uma cultura, não pode interferir no nível da natureza;
esta se prende somente a ela própria, não obedece às palavras; inventamos
palavras para elas apenas para facilitar a informação, não para mudar seu
mecanismo: “a bomba explodiu e matou oito pessoas”. Em resumo: cada
nível pertence a campos diferentes e são regidos por leis também diversas;
elas são como água e óleo.

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A aquisição do pré-saber
religioso (informação
intuitiva)
Um pouco de razão para temperar essa
discussão

Muitos políticos explicitamente defendem a teoria religiosa dominante.


Eu, pessoalmente, não me lembro de ter presenciado nos comícios, na
televisão, rádio ou jornais declarações de algum dos mais influentes e
bem votados políticos contradizendo a crença popular religiosa vigente;
geralmente simples e inadequada. Entretanto, a ciência moderna da
cosmologia, geologia, física, química, biologia e arqueologia tornou
impossível para uma pessoa com conhecimentos científicos elementares
– entre esses a maioria dos padres e pastores mais inteligentes e cultos,
alguns meus conhecidos e amigos – acreditar que a história bíblica da
criação aconteceu de fato. Precisamos separar a religião da ciência; não
podemos explicar uma pela outra. Não dá em nada essa tentativa. Deve-
se respeitar uma e outra maneira de explicar e cada pessoa tem o direito
de escolher a explicação mais adequada a sua mente.

A teoria judaico-cristã da natureza humana não é mais explicitamente


sustentada pela maioria dos acadêmicos, jornalistas, analistas sociais e
outros integrantes da chamada “intelectualidade”, mas ainda é ensinada,
inclusive pelos que não a aceitam, por receio de ir contra a idéia popular.

Querendo ou não, sabendo ou não, todo indivíduo participante de


qualquer sociedade precisa agir e tomar decisões utilizando-se de alguma
teoria da “natureza humana”. Todas as pessoas têm noções do que é o

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homem, de onde veio, como vive, para que vive e como será depois de
sua morte.

Nossa corrente intelectual dominante está comprometida com uma ou


outra idéia acerca do homem que somos. A teoria adotada, na maioria
das vezes, sem esforço pelo seu possuidor, é raramente enunciada ou
abertamente defendida. Nem o seu possuidor, às vezes, sabe que ele
raciocina, avalia e julga isso ou aquilo através de seu processador de
informações formado por esses paradigmas, crenças implícitas, idéias
básicas ou qualquer outro nome que desejar, pois agimos conforme o que
está no cerne de numerosas crenças e políticas.

Criticando a teoria da natureza humana ditada


pela religião: a mente surgiu do nada
Assim como a religião contém uma teoria da natureza humana, também
as teorias da natureza humana assumem algumas das funções na
religião. Uma das teorias religiosas ainda aceita sem muitas críticas tem
sido a de que a mente humana surge do nada; uma idéia estranha que
ainda sobrevive. Durante o século passado, essa doutrina orientou em
parte grande parte dos trabalhos das ciências sociais e humanidades.
Assim, a psicologia procurou explicar todo pensamento, sentimentos e
comportamentos como mecanismos simples de aprendizado, com pouca
ou nenhuma alusão ao organismo, principalmente ao cérebro da criança,
do adulto e do idoso, isto é, do sistema nervoso central e autônomo. Tudo
nascia do “espírito”.

Segundo essa crença, hoje criticada, toda diferença que vemos entre
raças, grupos étnicos, sexos e indivíduos provém não de diferenças de
sua constituição inata, mas de diferenças em suas experiêcias, somente
isso. Mudando as experiências – reformando o modo de criar os filhos, a
educação, a mídia e as recompensas sociais – podemos mudar as pessoas.
Ainda conforme essa crença, para curar um criminoso basta lhe dar
amor. Por mais que isso tem falhado, a fé, arraigada e escondida no núcleo

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da crença, cercada por todos os lados de cinturões poderosos, continua
a ser usada. Notas baixas, pobreza e comportamento anti-social podem
ser melhorados de fato com amor, com um meio social bom, honesto,
etc. Não fazê-lo é uma irresponsabilidade. Assim, a crença afirma: toda
discriminação com base em características ditas inatas de um sexo ou
grupo étnico é absolutamente irracional. É proibido falar sobre isso, pois,
segundo a crença, “nascemos iguais”, o que é uma mentira usada para
adoçar a boca dos incautos.

A doutrina, inspirada em Rousseau, assenta-se na idéia falsa de que os


seres humanos no seu estado natural são altruístas, pacíficos e serenos, e
que os males como a ganância, a ansiedade e a violência são produtos da
civilização corrompida, deformada pelo mal, estando cada vez pior. Não
é bem assim.

A doutrina do selvagem pacífico influenciou a maneira de pensar


contemporânea. Ela contaminou com seu modelo outras e outras áreas
de nossa ação, avaliando positivamente tudo que é natural (alimentos
naturais, remédios naturais, parto natural) e, por outro lado, desconfiando
doentiamente do que é fabricado pelo homem: alimentos geneticamente
modificados, desuso dos estilos autoritários de criação e educação de
filhos e visão da origem dos problemas sociais como sendo proveniente
de defeitos em nossas instituições e que podia ser de outro modo.

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Outras intuições populares
aprendidas cedo: Pré-
conhecimentos de biologia
(seres vivos) e psicologia
(comportamentos)
A Biologia intuitiva

Todos nós temos nossa visão intuitiva e simples da Biologia (História


Natural). Desde muito cedo a usamos para lidar e compreender o mundo
vivo. Uma intuição central do senso comum é a de que os seres vivos
contêm uma essência oculta que lhes dá forma, movimento e poderes,
provocando seu crescimento e funções corporais.

O “sistema de biologia” popular, por exemplo, não existe e não


pode se desenvolver isoladamente. Ele cresce de forma intrincada e
interdependente como um subsistema de outras estruturas; um atua sobre
o outro. Portanto, cada grupo ou sistema particular de conhecimento acha-
se interligado a outros; não há autonomia de um sistema. A organização
do conhecimento deve combinar ou adaptar-se às condições do local e
com sua história cultural, pois só irá exercer ações no meio ambiente
onde o indivíduo vive.

Os seres humanos e seus ancestrais, sem dúvida, foram obrigados, para


sobreviverem, a interagir com as plantas e os animais, pois eles viviam
no meio dessas duas vidas. Para conviver harmoniosamente nesse meio,
o homem precisou aprender algo sobre esse ambiente, principalmente,

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adquirir um conhecimento antecipatório do que poderia ocorrer diante
desse ou daquele animal e ou planta, isto é, uma compreensão, no mínimo,
de algumas plantas e de algumas espécies de animais, pois, do contrário,
morreria.

Isto provavelmente produziu no homem (não necessariamente) uma


adaptação para lidar de modo especial com as plantas e os animais e,
principalmente, com outros seres humanos. A habilidade para lidar com
plantas e outros animais que não o homem evoluiu de uma maneira
ligeiramente independente da adaptação para lidar com as pessoas. Por
exemplo: a identificação e a categorização dos outros animais e plantas
diferem da identificação e categorização usada para os humanos. Para
os homens nós damos um nome próprio (Ela se chama Maria); para
os animais, o nome da espécie a qual pertence (É um felino). Há um
mecanismo cognitivo primariamente dedicado a tratar os homens como
indivíduos, tal como o reconhecimento de suas faces como sendo de uma
pessoa particular.

Para os animais e plantas, o modelo de estratégias de reconhecimento


provavelmente se focaliza no coletivo, nível da espécie. As possíveis
exceções, como a individualização do cãozinho querido de nome
Toby ou Lady, envolvem, possivelmente, uma estratégia de extensão
antropomórfica de identificação de pessoas, isto é, aplica-se o modelo
usado para homens nos animais de estimação, mas isso é uma exceção.

Há também uma afirmação na biologia popular que cada espécie tem


uma natureza subjacente típica, ou uma essência interna, como também
uma preferência ecológica, ou seja, viver no Amazonas ou no Alaska. As
pessoas, em diversas culturas, consideram o responsável pela identidade
do organismo de cada espécie como uma entidade governada por
processos dinâmicos internos que legislam, mesmo quando escondidos.
Essa essência mantém a integridade do organismo desde o nascimento e
durante seu crescimento, transmitindo o mesmo ciclo causal através das
gerações.

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A Psicologia intuitiva
Usamos uma psicologia intuitiva para compreender as pessoas. Afirmamos
como intuição central que as pessoas não são objetos ou máquinas; elas
são animadas por entidades invisíveis. Essas recebem o nome de mente
ou alma. No interior da mente alojam-se crenças, desejos e emoções,
todas essas participando do comportamento.

A psicologia intuitiva do leigo, como a “teoria da mente” (saber ler a mente


do nosso interlocutor), é uma das mais espantosas habilidades do cérebro.
Não tratamos as outras pessoas como se fossem bonecos, pois pensamos
nelas como sendo animadas pela mente; uma entidade não-física que não
podemos nem tocar, mas que é tão real para nós quanto os corpos e os
objetos. O fantasma, que nos larga, seja da máquina ou do inferno, está
profundamente arraigado em nosso modo de pensar sobre as pessoas.

A crença da alma, por sua vez, se entrelaça, não se sabe bem porque, às
nossas convicções morais. O cerne da moralidade é o reconhecimento de
que os outros têm interesses tanto quanto nós temos – “que eles sentem
necessidade, experimentam o pesar, precisam de amigos”, nas palavras
Shakespeare – e, portanto, que têm direito à vida, liberdade e busca de
seus interesses.

Quem são esses outros? Precisamos de uma fronteira. Até recentemente


o conceito intuitivo de alma nos serviu muito bem. As pessoas vivas têm
uma alma, que passa a existir no momento da concepção e deixa o corpo
quando elas morrem. Assim ditaram algumas religiões. Animais, plantas
e objetos inanimados não têm alma. Agora vemos que o que chamamos de
“alma” é o chamado “encéfalo”, governado por leis da Biologia, ou seja, por
princípios bastante diferentes dos antigos. A pesquisa sobre reprodução
humana mostra que o “momento da concepção” não é absolutamente
um momento. Às vezes, vários espermatozóides penetram na membrana
externa do óvulo e leva tempo para que o óvulo expulse os cromossomos
extras. Onde estará a alma durante esse intervalo? Na sala de espera?

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Mesmo quando um único espermatozóide penetra, seus genes
permanecem separados dos que existem no óvulo por um dia ou mais,
e é preciso mais um dia aproximadamente para que o genoma recém-
fundido controle a célula. Portanto, o “momento” da concepção é, de fato,
um intervalo de 24 a 48 horas. Tampouco o concebido está destinado a
tornar-se um bebê, pois entre dois terços e três quartos deles nunca se
implantam no útero e são abortados espontaneamente, alguns por serem
geneticamente defeituosos, outros por nenhuma razão conhecida.

A alma pode ser identificada, segundo esse raciocínio, com o genoma.


Mas esse pode se subdividir em dois, três ou mais, dando origem a
gêmeos, trigêmeos, etc. Nesse caso, a alma estará em qual? Ou eles terão
uma só alma? Ocasionalmente, dois óvulos fertilizados, que normalmente
se desenvolveriam formando gêmeos fraternos, se fundem em um único
embrião, que se desenvolve formando uma pessoa que é uma quimera
genética; algumas de suas células têm um genoma e outras têm outro
genoma. O corpo dessa pessoa abrigaria duas almas?

As idéias da alma, de outra vida, de espírito santo e outras são usadas,


como eu já as usei, para encobrir a falta de conhecimento explicativo
mais atualizado e mais bem explicado. Parece não haver solução para
esse e outros problemas, pois elas dominam ainda muito cedo as idéias
das pessoas. A eliminação do aprendido errado gasta tempo, dinheiro e
muito esforço e, muitas vezes, sofrimento enorme do seu possuidor. Caso
a pessoa aceite a crítica e não arrume outra forma de explicar o evento
anterior, ela ficará perdida por não mais possuir um modelo explicador,
fácil e cômodo, uma ferramenta para todas as discussões. Sem as
explicações fáceis e intuitivas explodirá toda coerência antes erguida que
dá ao indivíduo uma falsa segurança, mas, apesar disso, a falsa explicação
é a sua segurança.

Nós, frequentemente, gostamos ou não gostamos de alguém, amamos ou


odiamos algo. Essas atitudes – puras reações motivacionais e emocionais
– geram emoções positivas ou negativas quase sempre sem o uso da razão,
inteligência ou vontade. O bem-estar da simpatia, bem como o mal-estar

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da antipatia, é desencadeado repentinamente e domina nossa consciência
e ações. Na maioria das vezes não descobrimos porque sentimos uma
paixão violenta ou um ódio destruidor. O homem sempre admirou outros
homens, desprezou e injuriou alguns outros e permaneceu indiferente
à maioria. O julgamento produzido no momento, favorável ou contra
determinada pessoa, possivelmente, se assemelha à avaliação efetuada
diante de uma mulher: “Margarida me deixa maluco!” ou de um inimigo:
“Tenho vontade de matar aquele verme!”.

Intuição acerca do cérebro


O estudo do cérebro encontra-se dentro desse erro, ou seja, da falsa
aprendizagem, da “verdade mentirosa”. O cérebro humano foi descrito
pelos sábios de uma época, das grandes lideranças das culturas européias
e asiáticas, de um modo ridículo para o conhecimento atual. Apesar
do avanço nesse campo, tudo indica que ainda continuamos utilizando
as explicações das condutas humanas nos baseando em premissas,
paradigmas e crenças falsas e estranhas passadas de cabeça em cabeça
acerca da conduta humana, principalmente da função do cérebro e
sua relação com a conduta. Presos ainda às idéias muito antigas, nós
permanecemos dando explicações mágicas, superficiais, falsas e simples
acerca da função do encéfalo.

Ao depararmos com um viciado em drogas, nosso filho, irmão, pai,


amigo, sempre nos vem à cabeça a pergunta: “Por que e para que essa
conduta?” Que explicação se tem para isso? As respostas são muitas, a
maioria baseada em deduções – pouco lógicas – de princípios estranhos
à realidade. Ora, o resultado é uma lástima: como são os fundamentos
iniciais que irão dirigir a aquisição dos conhecimentos posteriores e
como a maioria dos iniciais acerca do funcionamento do cérebro são
equivocados, os posteriores, neles plantados, serão também falsos. Há
muitos e muitos anos, Kant afirmou o que repetimos constantemente:
“Pau que nasce torto, torto crescerá”. Consequentemente, iremos obter
uma conclusão tola, se esta estiver assentada num princípio equivocado e
for tratada com uma lógica defeituosa.
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Explicações psicológicas intuitivas
No caso do viciado, podemos começar a imaginar o que o levou a usar
drogas usando uma biografia simplificada dele. Este rapaz inteligente
foi criado numa família que parece que lhe deu apoio e carinho. Ele
“escolheu” um caminho de destruição de sua saúde física, de sua forma
de pensar e do modo natural de experimentar emoções prazerosas. Pouco
a pouco, ele começou a se comportar de modo estranho aos padrões para
sua idade, cultura e conhecimento. Esse jovem vai se destruindo por mais
que se tente salvá-lo. Poucos são os que escapam dessa prisão. Diante
dessa história resumida, explicamos, para nós mesmos, ou para os outros,
a razão dessa conduta esquisita, desde que consideramos a lógica dos
não-viciados em droga.

A minha e a sua explicação se assentam em minhas ou em suas crenças


do momento (elas podem ser outras em outro instante). Para isso
escolho alguns conceitos para caracterizar esse indivíduo, entre esses:
drogadependente e viciado, mas temos também outros nomes para ele
mais carregados de nossos valores morais e de idéias pseudo-religiosas,
como vagabundo, mau filho, desobediente, idiota, doente mental,
pilantra, insubordinado, desajustado, pecador e diversos outros termos
quase todos pejorativos e fazendo uso do modo de pensar ocidental (o
fator se encontra no indivíduo).

Temos a tendência, ao produzirmos os nossos julgamentos, de usar muito


as deduções intuitivas e, para isso, imaginamos alguma “essência” geral
que poderia estar espalhada por diversos organismos e, assim, poderia nos
servir como exemplo para o caso a ser explicado ou em questão. Dentre
essas “explicações” que fazem uso dessas “essências” explicativas estão,
por exemplo: “A juventude está corrompida, perdida”; “Falta religiosidade
e educação”; “Antigamente era tudo diferente; os pais impunham ordem”;
“São as más companhias; esse bairro onde moro não presta, todos são
desajustados”; “Isso ocorre devido aos programas de televisão, livres
demais”; “É fruto da internet”. Inúmeros outros princípios geradores de
explicações poderiam ser pensados. Estamos viciados em explicar dessa
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maneira.

Adianto ao leitor que nenhuma das afirmações descritas acima poderá


ser comprovada ou refutada, pois se trata de uma premissa incapaz,
ou melhor, não apropriada para observações empíricas. As explicações
anteriores diferem de observações como: “Está chovendo”; “Hoje está
quente”; “A luz apagou-se”. Em todos os casos citados como exemplo,
é possível e fácil verificar se é ou não verdade a afirmação. Mas note a
diferença entre “a chuva parou” e “a juventude está corrompida”.

Há ainda um outro tipo de conhecimento possível de ser refutado


ou comprovado. Trata-se de questões dedutivas a partir de fatos bem
estabelecidos, por exemplo: “Devo gastar cerca de duas horas indo de Belo
Horizonte a Santa Maria de Itabira; são 136 quilômetros e o movimento
na estrada está regular”. Ora, nesse caso, espera-se, com tranquilidade,
percorrer 136 km em duas horas.

Mas quanto tempo gasto para ir de Belo Horizonte à Santa Maria de Itabira
ou, ainda, saber se está ou não chovendo é muito diferente de saber quem
é o homem ou mesmo saber por que Pedro usa cocaína.

Apesar de nossa ignorância acerca do “homem”, todos nós temos


alguma explicação acerca da natureza humana. Esta poderá ser uma
teoria adequada e convincente ou não. Toda pessoa precisa prever o
comportamento dos outros para orientar sua própria conduta. É através
de uma eficiente e realista teoria da natureza humana que obtemos
mais prazer e menos sofrimento na nossa relação com as pessoas. Nós
consultamos, sem querer, a nossa teoria (os princípios subjacentes a ela)
da natureza humana quando queremos persuadir ou ameaçar, informar
ou enganar alguém.

É essa teoria, inculcada e escondida em nosso cérebro, que nos aconselha


sobre o modo de manter ou acabar nosso casamento, criar nossos filhos e
controlar nosso comportamento. Suas suposições (inferidas das terorias
utilizadas) sobre o aprendizado geram nossa política educacional; suas
suposições sobre a motivação geram nossas políticas para a economia, o
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direito, o crime, o lazer e o amor. Ela afeta nossos valores e os objetivos
que julgamos racionalmente possíveis de atingir como indivíduos e como
sociedade. Em resumo: nossa teoria sobre o ser humano nos orienta a
viver e, naturalmente, a conviver.

Devido a nossa diversidade de genomas e de experiência pós-nascimento,


não existe apenas uma teoria acerca da natureza humana, existem várias;
quase tão variada, na sua superfície e pormenores, como nossa impressão
digital, mas com essências semelhantes. Teorias rivais sobre natureza
humana se entrelaçam em diferentes modos de vida e em diferentes
sistemas políticos e têm sido fonte de muito conflito ao longo da história.
Essas disputas vão desde a briga de vizinhos, até a de países, pior, de
enormes grupos religiosos, uns contra os outros. Cada um, assentado
apenas nos seus princípios – cego para os outros – acreditando unicamente
que seu modo de pensar é o certo e que “Deus” deve ser o único a ser
adorado. Entretanto, muitas vezes, se aprofundarmos nos princípios dos
princípios, todos desejam mais ou menos as mesmas coisas, isto é, há uma
harmonia nas profundezas dos raciocínios.

Intuições populares acerca da cor da pele


As pessoas frequentemente usam percepções diferentes acerca de
categorias raciais (branca, negra), gêneros (macho e fêmea) e étnicas
(africano, europeu, oriental) para inferir essências biológicas subjacentes.
Estas, por sua vez, são usadas para explicar uma variedade de atributos
adicionais possíveis de existirem em cada grupo selecionado. A pesquisa
sócio-cognitiva tem mostrado que a inferência dos indivíduos acerca deles
mesmos e de outros varia de acordo com seu nível de abstração, onde
os traços da personalidade são geralmente compreendidos (divisados,
entendidos, captados) como mais abstratos que as condutas específicas
(crenças, motivos e intenções), que são captadas como mais concretas.

Por exemplo: as construções mentais de níveis mais elevados geralmente


representam episódios comportamentais de um modo geral, como
no exemplo “João é agressivo”, e não em termos mais concretos e
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contextualizados, como no caso da afirmação “João bateu na cabeça de
Júlia e tentou empurrar Marisa no quadro-negro da sala de aula”.

Da mesma forma, nós dividimos grosseira e burramente as pessoas pela


cor da pele em brancas, pretas e morenas. Entretanto, ao categorizá-
las de negras, de pardas, etc., as próprias palavras já nasceram com um
componente emocional positivo ou negativo, carregando em torno de si
inúmeras outras idéias cheias de emoções. Sabemos que a cor da pele se
deve à melanina que temos na superfície da pele ou mais profundamente
e não aparecendo. Sabemos, também, que a pele com melanina interna
e escondida ou exposta e visível, nada mais é do que um arranjo do
organismo às condições climáticas durante milhares de anos. Explicando
melhor, residindo num lugar de pouco e fraco Sol, o organismo precisaria
aproveitar o máximo possível a luz solar para sobreviver, e, por isso,
mandava a melanina para as profundezas da pele, escondendo-a. Ao
contrário, nos locais de Sol intenso e continuado, para evitar morrer, era
preciso ser feita uma capa para impedir bastante sua penetração e, assim,
a pele foi se adaptando com a cor escura, isso é, com a melanina à mostra,
e filtrando o Sol violento daquele lugar.

Um fato interessante, para falar do Brasil, é que tudo indica, segundo


estudos sérios, que o brasileiro tem como ascendentes maternos índias e
negras e como ascendentes paternos homens brancos de origem européia,
como portugueses, espanhóis, holandeses, ingleses, alemães, etc. Não é
difícil aceitar isso, primeiro por já ter sido realizada uma pesquisa sobre
o genoma do brasileiro e segundo porque os invasores europeus que aqui
vieram e dizimaram os antigos moradores eram homens brancos que não
trouxeram mulheres e usaram para transas as que aqui moravam, índias
ou escravas (negras). Em resumo, somos descendentes de índias e negras,
pelo lado materno, e de brancos e europeus, pelo lado paterno. Que raça
seria a nossa?

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Assimilação (compreensão) do
evento através do mito

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A busca por explicações:
Aquisição de modos de
explicar os fatos
Adquirimos, como todos os moradores de Lumeeira, um modo de
interpretar e avaliar a realidade externa, bem como a interna, conforme
a maneira como fomos educados (instruídos), que se harmoniza à
cultura de certo local e à época vivida, bem como ao nosso organismo.
Examinando a história do pensamento humano, percebemos que, através
dos séculos, existiram muitas e estranhas maneiras de focalizar a atenção,
compreender, explicar e julgar o comportamento, mas devemos prever
que a nossa maneira atual de descrever a realidade deverá ser também
criticada daqui a poucos anos pelos cientistas que irão nos suceder.

Doutrinas morais e as neurociências:


explicações diferentes para o comportamento
Os que acreditam, na cidade, em uma alma imaterial (não natural,
sobrenatural), também não devem acreditar que o pensamento e o
sentimento consistem em processamentos de informações nos tecidos
do cérebro (neurônios, neurotransmissores e outros). Esses indivíduos
já estão acostumados a pensar, com naturalidade, de outra forma, da
maneira antiga.

Mas, de qualquer forma, mesmo sendo Lumeeira uma cidade


conservadora, algumas explicações da conduta assentadas na ciência
do cérebro já começam a diluir as interpretações fundamentadas nas
doutrinas morais-religiosas. Entre as explicações postas em dúvida estão:
a de que toda pessoa tem uma alma, tem um poder de exercer o livre-

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arbítrio e é responsável por suas escolhas. Segundo a neurociência, o
comportamento é controlado por circuitos cerebrais que obedecem às
leis da química e física, a escolha e o valor seriam mitos e a possibilidade
da responsabilidade moral evaporaria, pois a conduta final dependeria
de milhares de fatores: a biologia geral do organismo, possível transtorno
mental ou neurológico, ingestão de drogas ou medicamentos, ambiente
no qual a pessoa foi criada e, também, fatores desencadeantes da conduta
num certo momento.

Uma outra doutrina moral (encontrada em algumas vertentes cristãs,


não em todas) é que a alma entra no corpo na concepção e o deixa na
morte, definindo assim quem é uma pessoa com direito à vida. Esta idéia
faz com que o aborto, a eutanásia e mesmo a extração de células-tronco
de blastócitos sejam equivalentes a assassinatos. Os defensores da alma
imortal, diferenciando fundamentalmente os seres humanos dos animais,
acreditam ser a clonagem humana uma violação à ordem divina. Toda
essa maneira de conceber a conduta (o cérebro) ameaça o crescimento
da ciência, e, consequentemente, a tentativa de diminuir o sofrimento
humano e mesmo, evitar mortes estúpidas e desnecessárias.

Nascimento e explicações: o mito


A Astronomia, na Idade Média, dava respostas acerca dos corpos celestes,
seguindo a crença aristotélica, como corpos perfeitos determinados a
seguir caminhos circulares por suas metas ou essências interiores, com as
quais eram dotados por Deus ou pela harmonia da natureza, mesmo que
isso se mostrasse improvável pela observação empírica. A Astronomia,
aos poucos, foi se desligando das compreensões e explicações filosófico-
religiosas, tornando-se uma ciência (decorrente de observações
sistematizadas) separada das outras.

Em nosso tempo, de modo semelhante, devagar, disciplinas como a


economia, psicologia, semântica e a própria lógica estão aos poucos
se livrando das explicações metafísicas (que não usam observações
e teorias formais ou lógicas). Para isso, o que não pode ser observado
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nem formalizado (efetuado de acordo com fórmulas, regras, praxes;
oficializado) é descartado como não fazendo parte dos campos científicos.
As disciplinas acima ainda não alcançaram o status pleno de “ciências”,
pois continuam contaminadas por conceitos filosóficos (alma, mente)
e não construtos (conceitos científicos: força, energia, etc.). Espera-se,
quando cada um desses campos do conhecimento tiver alcançado sua
maturidade, apoiando-se nas observações e teorias científicas, que serão
finalmente lançados em carreiras próprias independentes como ciências
naturais ou formais, após terem percorrido um rico passado filosófico que
se torna somente história e não um modo de compreender e explicar os
fenômenos observados. A Psicologia (bem como seu ramo, a Psiquiatria)
caminha para se tornar uma ciência, isto é, independente e livre da
contaminação popular/filosófica.

A história do pensamento tem sido assim: uma longa série de parricídios.


Uma nova disciplina, gerada da matriz filosófica, uma vez fortalecida,
procura alcançar a sua liberdade. Para alcançar o lugar cobiçado de
“ciência”, torna-se necessário matar alguns temas dos progenitores e
erradicar, dentro de si, vestígios possíveis de ainda existir, os relacionados
aos problemas “filosóficos”, isto é, um tipo de questionamento que não
carrega, dentro de sua própria estrutura, indicação clara de técnicas para
obter sua solução.

Se os homens e as coisas tinham sido criados por Deus ou pela natureza


para cumprir um propósito, como afirmava a teoria anteriormente
descrita, nesse caso, permanece a pergunta: qual seria esse propósito? Os
homens tinham a liberdade de escolher entre alternativas ou, ao contrário,
eram rigorosamente determinados pelas leis causais que regiam a natureza
inanimada? Muitas outras questões como essas atormentaram o homem
desde a antiguidade. A filosofia se nutria das confusões e obscuridades da
linguagem da época, isto é, de conceitos populares.

As idéias pré-científicas e a conduta do homem


As primeiras explicações acerca do comportamento humano foram
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construídas a partir de idéias denominadas pré-científicas, usando,
conforme o costume da época, interpretações, quase sempre, mágicas e
míticas. Apesar dos milhares de anos que se passaram, muitas daquelas
antigas idéias continuam habitando nossas mentes. Esses modelos ainda
ajudam a explicar os fatos e eventos para boa parte da população de todos
os países do mundo. Portanto, as explanações fundamentais da magia
antiga, desmanteladas em parte pela ciência atual, continuam a determinar
(dominar) a mente dos homens: mau-olhado, feitiço, obra do demônio,
espíritos bons e maus e, também, de um modo mais velado: “Esse remédio
é bom para o fígado”; “Esse outro faz dormir”; “A comida que comi fez
mal para minha cabeça”; “Lavar a cabeça durante as menstruações faz a
pessoa ficar doida, pois o sangue sobe para a cabeça”; “Dá azar vestir a
roupa de uma pessoa que morreu”. O leitor pode, a partir dessa amostra,
caso deseje, lembrar de centenas de explicações semelhantes que mostram
algum fator misterioso (não-natural, antropomórfico) agindo como causa
da consequência.

As interpretações não-científicas ou de pseudociências pretendem explicar


um fato (ou um evento) natural através de explicações religiosas e mágicas,
isto é, um relato fantástico de tradição oral, onde, geralmente, o papel
principal é interpretado por seres que dominam, sob forma simbólica, o
espírito de alguém, as forças da natureza e os aspectos gerais da condição
humana. Os mitos são lendas, fábulas e relatos simbólicos, passados de
geração em geração dentro de um grupo, que narram e explicam a origem
de determinado fenômeno, ser vivo, acidente geográfico, instituição e
costume social, como, por exemplo, o mito da criação do mundo.

Portanto, o mito representa fatos e/ou personagens históricos,


frequentemente deformados, amplificados através do imaginário coletivo
e de longas tradições literárias orais ou escritas, como as acerca de Cabral,
Anchieta,Tiradentes, Filipe dos Santos, Santos Dumont, Guimarães
Rosaou os primeiros colonizadores no Brasil, para citar apenas alguns de
nossos mitos.

Não se pode explicar a natureza humana ou física através de uma construção

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mental idealizada e sem comprovação prática, como se “explica” o bom
selvagem, o natural. Entre os mitos estão os valores sociais ou morais,
muitos deles questionáveis, porém decisivos para o comportamento dos
grupos humanos de Lumeeira em determinada época, e ou afirmações
fantasiosas e inverídicas que são disseminadas com fins de dominação,
propaganda ou ideologia, como o “mito da virgindade”, “o mito da
inferioridade mental do negro” e “o mito do comunista como comedor
de criancinhas”, etc.

Uma boa parte das explicações em Lumeeira é feita tomando por base
conceitos duvidosos e as transformam em dogmas mais ou menos
absolutos. Tudo isso mantém um grupo (instituição) dominando outro
(o grupo dos impedidos de aprender a criticar) como um fato natural e
adequado à comunidade de Lumeeira e de Madrid.

Um mito, imaginado como sendo uma ciência, na sua história, não


apresenta progresso real e significativo. Assim a astrologia, ainda hoje
admirada por muitos, já estava constituída na Babilônia, há milhares
de anos, pretendendo explicar tudo: “Hoje à tarde terei um problema
complicado, mas, como Netuno está na sexta casa, tudo acabará bem”.

As explicações míticas, as mais aceitas e usadas em Lumeeira, são usadas


pelos indivíduos de menor saber intelectual e de menor rigor lógico e
científico, isto é, os ensinados pelos promotores de opinião (políticos,
religiosos e semelhantes) a aceitarem seus papéis de inferiores e
submissos. A ausência de um conhecimento mais profundo e de mais alta
complexidade impede o grupo explorado de fazer críticas inteligentes e
eficientes. Para esse grupo, os donos do poder de Lumeeira selecionaram
e ofereceram explicações simples, tolas e erradas, mas fáceis de aprender,
“adaptadas ao povo”. As explicações da astrologia, fáceis de serem
“entendidas”, como “Os astros hoje estão a seu favor, mas cuidado com
os negócios”, fazem parte desses ensinamentos para o homem pobre e
sem estudo profundo. Inúmeras idéias religiosas, não mais aceitas pelos
religiosos estudiosos, também são as explicações mais difundidas.

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O uso da astrologia para alguns críticos, por exemplo, compensaria o
enfraquecimento do sentido religioso atual e, assim, facilitaria um modo
de pensar e compreender a realidade semelhante, o que facilitaria o
controle dos indivíduos de Lumeeira e de outras cidades e países. Em
resumo, o entendimento e a compreensão do mundo (as pseudociências ou
explicações míticas) trabalham com as idéias intuitivas (fáceis e simples),
não com observações físico-químicas e interpretações sofisticadas das
ciências (difíceis e chatas de aprender). As “escórias” usadas para explicar
a realidade são ensinadas em Lumeeira ainda muito cedo; algumas jamais
são abandonadas.

O número de pessoas que aceitam sem contestação as explicações míticas


é enorme: 60% dos franceses consultam regularmente ou ocasionalmente
as direções astrológicas vindas nos jornais, sendo 70% mulheres e 50%
homens; os mais aficionados estão entre os 18 e 25 anos. Os empregados
vêm na dianteira (63%), estando os “superiores” um pouco atrás (44%).
O advogado atua diferente conforme o juiz é touro ou libra. As mídias, de
modo geral, divulgam a cultura, mas, lamentavelmente, dão mais ênfase
ao misticismo, a parte mais desprezível e inútil da informação, pois esse
atrai mais leitores, e, consequentemente, há mais vendas.

De um modo muito simples e direto, podemos afirmar que a magia


não é nada mais que o conhecimento fácil e simples do complexo.
Essas explicações permitem ao homem de Lumeeira atuar para fazer
com que as coisas sigam o sentido que ele deseja, isto é, independente
da indiferente natureza, da crua e, muitas vezes, dura e desagradável
realidade experimentada. A magia, entre elas, a astrologia, a cartomante e
o pai-de-santo, forneceria os instrumentos de intervenções sobre o curso
dos acontecimentos. Ela pode funcionar para mudar as coisas que estão
escritas no céu lidas nos astros e nas pessoas. É claro que a intervenção
sobre o curso dos acontecimentos pressupõe o conhecimento desse curso
e de um poder mental sobre a natureza que jamais existiu a não ser como
nossos sonhos ou desejos. Os astrólogos e companheiros afirmam saber o
futuro, menos o deles próprio.

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Homem: anjo ou demônio
Os habitantes de Lumeeira, de um lado com seus problemas, e de outro
com sua linguagem particular, são inclinados a enfatizar e categorizar a
realidade conforme suas experiências limitadas e as suas predisposições
particulares. Essas características pessoais levam os habitantes a reagir,
comentar e explicar os fatos conforme o já conhecido e descartar os
eventos estranhos ao já sabido, isto é, os acontecimentos não assimiláveis
pelos trituradores mentais dos moradores da cidade. Os seus assimiladores
mentais rejeitam alimentos mais sofisticados e críticos.

O povo de Lumeeira, assentado na crença (premissa, princípio) da natureza


humana ser permanentemente violenta, assume duas formas opostas: a
primeira é um medo que conduz à crença de que a reforma social seja
perda de tempo porque a natureza humana é imutável; a segunda postura
é uma preocupação mais profunda, nascida da crença romântica de que
o que é natural é bom (outro princípio). Para estar de acordo com esse
segundo ponto de vista, os habitantes da cidade fingem não enxergar ou
evitam comentar o adultério natural ali frequente, assim como a violência
continuada de alguns, o etnocentrismo e a conduta egoísta e burra de
muitos que prejudicam os próprios autores desta.

Por outro lado, a maioria das atividades que os guardiões da moral da


cidade exaltam nas pregações religiosas, como ser fiel ao cônjuge, oferecer
a outra face, tratar toda criança como algo precioso, amar o próximo
como a si mesmo, decorre de possíveis “erros biológicos” nesses que assim
agem, pois as condutas acima descridas são condutas espontaneamente
raras. Espontaneamente, pois muitos são os que controlam seus impulsos.
Portanto, o pregado em Lumeeira como sendo virtudes normais, se
comparadas com outros seres vivos, são geralmente condutas raras e não-
naturais; comportamentos usados através do esforço e do controle.

Em Lumeeira, a mais duradoura e continuada oposição à verdadeira


ciência da natureza humana (estudo científico do homem) provém dos
setores religiosos conservadores, em especial de alguns fanáticos. A

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oposição religiosa à evolução da espécie humana na cidade foi inspirada
em vários medos morais. O mais óbvio é o fato de que a evolução contesta
a verdade literal da história da criação encontrada na Bíblia (um dos
poucos livros lidos ou, talvez, o único soletrado) e, portanto, a autoridade
que dela extrai a religião. Muitos habitantes criticam a Bíblia e mostram
constantes incoerências entre um e outro texto, mas continuam a acreditar
que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Como comparar
e descrever a semelhança e imagem de Deus e do homem?

Em Lumeeira, os seguidores da idéia acima acreditam, também, que o


homem foi lançado na Terra para um propósito maior: viver uma vida
moral obedecendo aos mandamentos de Deus. Não é difícil concluir que
os moradores de Lumeeira que não acreditam na evolução da espécie
não acreditarão também na evolução da mente deles e dos outros, pois
nascemos com um objetivo estabelecido, não por um tecido cerebral e
um determinado meio ambiente, mas sim controlados por um ser muito
superior e distante do homem; uma vontade que desconhecemos.

Se os defensores dessa última idéia aceitassem que o homem é


produto acidental da mutação e seleção de replicadores químicos, eles
suspeitariam que moralidade não poderia ter o fundamento apregoado;
eles concluiriam que todos nós somos levados a obedecer, muitas vezes,
de forma irracional, aos impulsos biológicos; que não vivemos apenas da
racionalidade.

Enquanto o povo de Lumeeira mantém sua tendência conservadora


de assimilar e explicar o homem, especulações assentadas na biologia
da natureza humana parecem admitir cada vez mais pessoas no grupo
dos inculpáveis. Um assassino pode não ser exatamente um lunático
desenfreado, um mau-caráter ou um imoral ateu. As nossas novas
ferramentas de observação podem encontrar nesse indivíduo uma
amígdala defeituosa, um hipometabolismo, uma lesão (tumor, AVC,
traumatismo, etc.) em parte de seus lobos frontais (no septo), um gene
deficiente relacionado aos neurotransmissores serotonina, dopamina
ou outros. A lista não pára aí. Um adesivo usado por um grupo de

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defensores do uso de armas afirma: “Armas não matam; pessoas matam”.
Os nossos cérebros, como os cérebros dos moradores de Lumeeira, foram
moldados (plastificados) por um modo de pensar ou outro, formando
os fundamentos para futuras ilações (deduções a partir de premissas
determinadas), conforme o meio ambiente da cidade. Os intolerantes
defensores do criacionismo, ao combaterem a evolução, impedem o
desenvolvimento da educação científica.

Nos Estados Unidos, os diversos Estados, até uma decisão da Suprema


Corte em 1968, podiam proibir totalmente o ensino da evolução. Os
religiosos agitados exigiam que a teoria da evolução fosse examinada
apenas como uma “teoria”, uma teoria como qualquer outra; um esforço
enorme para que os alunos não dessem crédito a ela.

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A Função mágica, fácil e
calmante do mito
Uma das funções do mito é a de ajudar os homens a suportar a angústia,
o desconhecimento, a impotência e o absurdo da condição presente. Ela
se propõe a fornecer um sentido à visão desconcertante que os indivíduos
extraem de suas experiências ligadas à vida cotidiana e solitária, bem
como as emoções geradas desse confronto.

O que diferencia o pensamento racional do pensamento mítico é que o


primeiro sabe que a palavra pronunciada ou imaginada é um símbolo
para designar o real. Entretanto, no pensamento mítico, o malabarista,
utilizando-se de seus poderes mágicos, faz o conceito se transformar em
coisa. No mito, a palavra pode não ter a menor ligação com a realidade,
pois para esse modo de conhecer basta pensar ou falar para acontecer
o imaginado: “Tenho certeza que ele gosta de mim”; “Minha alma irá,
quando morrer, habitar o paraíso”.

Parece haver um movimento para erguer um mundo onde não haverá mais
distância entre o discurso e o real e onde se unificará o saber e os objetos
desse saber. Não podemos nos esquecer de que nosso mundo faz parte de
nossa visão do mundo. Por outro lado, nossa visão do mundo faz parte de
nosso mundo. Explicando: o conhecimento de um objeto qualquer não
pode ser pensado sem a presença de um sujeito (homem) cognoscitivo
para pensá-lo, enraizado numa cultura e numa história determinada,
como ocorre em Lumeeira. Portanto, é necessário considerar o ambiente
sociocultural de qualquer conhecimento (físico, filosófico, científico etc.)
e, também, os aspectos físico-orgânicos do sujeito conhecedor.

As interpretações fantásticas ou irracionais têm ajudado os homens, na


sua maioria, a imaginar conhecer através das fantasias uma realidade (um
mundo: paraíso, inferno, o amor da amada, o plano real do candidato a
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um cargo, etc.) que de fato não conhecem. Na maioria das vezes, nossas
explicações são meras suposições (intuições, palpites, opiniões mal
assentadas) sem testes sérios para comprová-las ou refutá-las. Nossas
explicações, na maior parte das vezes, não derivam ou não se apóiam em
observações sistematizadas, mas, sim, em aspirações do nosso querer, de
crenças e ilusões, da má seleção da amostragem, ou, ainda, elas foram
formuladas para defender uma teoria sem base empírica ou teórico-lógica.
Muitos são os que acreditam poder ficar livre das desgraças, da angústia
e da incerteza através dos meios mágicos, milagrosos e não-empíricos.
Nenhum estudo comprovou essa louvável ambição.

A crença, mesmo muito afastada da realidade, é inerente à natureza


humana: “Acredito que minha viagem será boa”; “Deus vai me ajudar;
o meu grande amor voltará”. A crença alivia a ansiedade e traz conforto
momentâneo. Projeta significados num futuro, muito além de nossa
possível experiência imediata. Preservando, estimulando e criando
símbolos, mitos, crenças e instituindo atos solenes, como concentrações
cívicas, juramentos, hinos nacionais e continências à bandeira, os regimes
políticos permitem aos homens identificar-se com valores maiores e
experimentar, em suas vidas, aquilo a que se referem. Cada regime, como
o da comunidade de Lumeeira, cria os princípios e preceitos que supõe
serem universais e verdadeiros para todos; por tudo isso o homem afirma
ser feliz.

O otimismo popular para compreender a


realidade
Através de um aprendizado apoiado em princípios aprendidos cedo pelas
informações propagadas pela fé religiosa e ideológica, pelos diversos
mitos, da má e até, muitas vezes, da chamada boa ciência interessada
no ganho monetário, da fama e poder, o povo em geral supõe ter
conseguido um conhecimento válido capaz de entender a natureza das
coisas. As informações sobre o mundo no qual vivemos incluem um
pouco de física, química e biologia e, por que não, um conhecimento

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folclórico de economia, arte, religião, política, (todos sabem escolher
o “bom candidato”: o mais charmoso, mais inteligente, honesto, etc.).
Mas, fica a pergunta: como chegaram a essas conclusões? Como ocorreu
a comparação de um candidato e outro para desenvolver o papel que
desconhecemos no futuro? Como examinei meus critérios e a lógica de
meu raciocínio para chegar à conclusão?

Minha resposta, para minha tristeza, é a de que minha escolha foi feita
intuitivamente, ou seja, um simples palpite apressado do momento,
como várias escolhas erradas que fiz; algumas foram desastrosas. Assim
avaliamos as pessoas, ora endeusando-as, ora destruindo-as, sempre sem
informações sérias e lógicas. Somos mais irracionais que racionais. Não
há outro modo. Usamos a bela e adorada razão raramente, pois o seu
uso não só exige muito trabalho, como, também, utiliza conhecimentos
oferecidos a poucos e muito difíceis de ser assimilados.

Para piorar a validade e fidedignidade de nosso faro ou pressentimento,


quase todos os habitantes de Lumeeira se julgam craques em psicologia
popular. Eles imaginam conhecer, explicar e julgar, com facilidade e
segurança, toda e qualquer conduta. Eles supõem que basta “lançar” em
cima do indivíduo ou fato focalizado uma enxurrada de crenças simples,
superficiais e ingênuas, as mesmas usadas e aprendidas sem esforço e
estudo pelos nossos pais, avós e, mesmo, tataravôs, bem como alguns
outros animais. Além dessa avaliação fácil de condutas, somos peritos,
também, em prever os comportamentos futuros e as “causas” da conduta
atual: “Esse menino é homossexual porque foi muito apegado à sua mãe”;
“Se arrumarmos trabalho para as pessoas não teremos mais ladrões”;
“As mulheres são mais intuitivas que os homens”; “Tudo depende do
meio ambiente: dê-me um recém-nascido e construirei, caso queira,
um assassino, um político, um padre, um médico ou um efeminado”. A
realidade nada tem a ver com esses disparates simplórios. O fato concreto
é muito mais complexo que essas generalizações apressadas; ainda não foi
entendido pelos mais esforçados estudiosos.

O pessimismo dos cientistas para descrever a


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realidade
Enquanto isso, os cientistas sérios – isso nem sempre acontece – que
estudam as funções cerebrais, usando as mais modernas técnicas de
imagens funcionais computadorizadas, em laboratórios sofisticados,
dedicando sua vida a esse trabalho, chegam à conclusão que sabemos
pouquíssimo como funciona a mente humana, isto é, como a mente
focaliza, percebe, organiza e compreende os eventos, ou seja, como
funciona a mente dos moradores de Lumeeira para compreender e
explicar o vivenciado ou idealizado.

Problemas diversos da conduta continuam sem respostas definitivas:


como tomamos decisões, ou seja, se é melhor estudar ou não estudar;
a complicada escolha para resolver onde irei passar as próximas férias;
por que alguns jovens usam drogas; por que outros são “preguiçosos”;
o que leva o jovem, diferente do adulto ou idoso, a ser tão atraído por
condutas perigosas, como os “esportes radicais”; por que algumas
pessoas, principalmente os mais idosos, são tão ingênuas com respeito
aos trapaceiros; o que leva uma pessoa a buscar, com imenso vigor, o
poder político ou o dinheiro.

O estudo está começando a trazer alguns ensinamentos. Iniciado há


mais ou menos quinze anos, através de nova aparelhagem não invasiva
(não causadora de lesão na pessoa), os cientistas começaram a examinar,
durante determinada tarefa pedida aos sujeitos da experiência, as
mudanças numa e noutra região cerebral. Essa aparelhagem possibilitou,
também, durante uma determinada tarefa, verificar a conduta de um
indivíduo que apresenta uma lesão numa ou noutra área cerebral. Além
disso, pesquisas diversas têm sido feitas em mamíferos e, também, em
outros animais. Como se sabe, diversos setores de nosso cérebro, como
as regiões chamadas subcorticais, são extremamente semelhantes aos
de outros mamíferos, principalmente de outros primatas (macacos e
lêmures, por exemplo).

Esses trabalhos e milhares de outros têm destruído crenças e mais crenças.

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Ainda é muito cedo para ficarmos alegres com os fatos explicados. Os
estudiosos dessas áreas, cautelosos, buscam respeitar a veracidade do fato,
daquilo que pode ser experimentado, verificado, repetido, feito por um ou
por todos os interessados no assunto. A ciência, ao contrário dos mitos, é
continuadamente transformada. Uma idéia aceita é, após novos estudos,
modificada. Geralmente, um outro estudioso de uma idéia já consagrada
tenta mostrar que ocorreram falhas nas pesquisas (observações, técnicas,
conclusões, etc.) e, logicamente, nos resultados que foram divulgados.
A ciência é, por definição, mutável; o mito é, geralmente, imutável; a
astrologia antiga é semelhante à atual; a explicação da acupuntura chinesa
antiga, há seis mil anos atrás, quando ainda não se conhecia a anatomia
humana, é semelhante à explicação atual.

A certeza da incerteza na ciência x a certeza da


certeza no mito
Sabemos que a segurança obtida com uma maneira de pensar aumenta
e, com o tempo, se transforma numa certeza absoluta. Nesse estágio da
“doença contagiante”, fica mais difícil ela ser erradicada e muito mais difícil
ainda quando as ilusões imaginadas como realidade são compartilhadas
por grande parte ou por todos os membros de determinado grupo
sociocultural, como tem acontecido em Lumeeira.

Assistimos isso constantemente. Um imenso grupo acredita, sem jamais


ter algo para questionar, nas mais estranhas e absurdas interpretações de
eventos físicos, sociais e psicológicos. As crenças se tornam mais difíceis
de serem extirpadas quando toda uma cultura adota e aceita o mito,
confessando publicamente a crença mágica, como alguns “milagres”,
levando uma romaria ao local; tempos depois nada fica provado. Meios
milagrosos têm sido usados para influenciar uma falsa observação do curso
de acontecimentos: explicações de eventos físicos e dos comportamentos
das pessoas e dos povos de maneira geral.

Apoiadas nas suposições mágicas assentadas em princípios duvidosos, as

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pessoas acreditam poder produzir efeitos não-naturais na realidade, isto é,
mágicos e irreais através da influência de seres fantásticos e sobrenaturais,
impossíveis de serem observados pelos órgãos sensoriais.

Segundo muitas dessas idéias tranquilizadoras, mas falsas, alcançaremos


o prometido e imaginado através da manipulação de princípios
controladores ocultos, supostamente presentes na natureza, por meio de
rituais, orações ou rezas estranhas e de ações simbólicas metodicamente
efetuadas. Os possuídos dessas crenças, os mais fanáticos, já não têm
em suas mentes espaços livres nos seus “softs” para permitir a entrada
de pensamentos mais realistas acerca do mundo real, pois a inundação
promovida pelas crenças já alagou todas as áreas.

Alguns mitos aprendidos intuitivamente pelo


povo em geral
O mito (inclusive as ideologias e contra-ideologias) de qualquer
comunidade estável é especializado segundo os componentes da
instituição de valores do processo social. Por exemplo: o mito do poder
inclui a filosofia política, os códigos de leis e as lendas políticas populares.
O mito da riqueza inclui as doutrinas do capitalismo, socialismo,
cooperação, prescrições de condutas apropriadas aos participantes
na estrutura do mercado e as lendas econômicas populares. O mito
ético inclui doutrinas teológicas e éticas das organizações eclesiásticas,
prescrições do direito canônico e os costumes populares. O mito da
afeição ou amizade inclui a filosofia do amor e amizade, a determinação
da vida familiar e fraternal e conceitos populares de tais questões. O mito
do esclarecimento pode agrupar as doutrinas científicas sobre a natureza
e sociedade, as prescrições sobre a conduta de pesquisas científicas e
históricas e as suposições populares sobre a estrutura prática do mundo.
O mito sobre a habilidade compreende doutrinas acerca da excelência nas
artes, artesanatos e profissões, determinações sobre os códigos de conduta
e histórias populares sobre o assunto. O mito do bem-estar compreende as
doutrinas sobre a integridade e desvio psicossomático, prescrições sobre

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a conduta dos que se empenham no cuidado, tratamento ou prevenção e
histórias populares sobre saúde, segurança e conforto. O mito do respeito
compreende as doutrinas de classe e castas sociais, prescrições que
articulam os modos de conduta de classe, imagens e padrões populares.

Há ainda outros e outros conhecimentos populares intuitivos: uma


engenharia intuitiva, um conhecimento espacial, numérico, da
probabilidade, uma lógica e um banco de dados mentais que é usado para
representar idéias e inferir novas idéias a partir de idéias antigas.

Esse arsenal de conhecimento popular baseia-se em afirmações sobre o


que as coisas são, onde as coisas estão ou quem fez o que a quem, quando,
onde e por que. As afirmações estão ligadas a uma rede por toda a mente
e podem ser recombinadas com operadores lógicos e causais. Há outros
componentes aprendidos.

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Nascimentos dos mitos e da
figura mítica: Modelando
heróis e deuses domésticos
O nascimento, o crescimento e a divulgação de alguns novos termos que
são lançados no mercado da fala diária, muitas vezes, se espalham ao sabor
do vento: “Com certeza”; “Aí”; “Virgem Maria”; “Bumbum”; “Nossa!”;
“Então”; “Na verdade”; “De fato”; “De repente”; “Quer dizer”; “Né”;
“Ficou”; “Ficando”. Estes são apenas alguns exemplos. Uma grande parte
dessas expressões denota exclamações e emoções; outras são ligações ou
pausas desnecessárias; outras, ainda, são apenas ruídos inofensivos sem
utilidade informativa.

Do mesmo modo, de tempos em tempos, todos nós anotamos em nossa


memória, no computador ou agendas, novos nomes e endereços de um
ou outro indivíduo que, temporariamente, foi batizado como “excelente
mecânico”, “grande conquistador”, “canalha”, “ótimo médico”, “melhor
craque”, “língua ferina”, “perigoso bandido”, “próspero fazendeiro”,
“comerciante esperto” e “linda mulher”. Essas classificações, geralmente,
têm vida curta.

Não se conhece bem o processo da produção de novas palavras, bem


como a “descoberta” ou julgamento das características excepcionais
de determinada pessoa, isto é, da criação desses mitos. Portanto, não
sabemos como nasce, nem porque isso acontece e, também, a maneira
como o sucesso ou desprestígio do indivíduo se espalha nas mentes dos
seus admiradores ou críticos ferinos.

Num caso ou noutro, o indivíduo se transforma num exemplar (protótipo)


que será elogiado ou criticado, uma amostra ou modelo que facilitará a

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comparação de um indivíduo ao outro, seja semelhante, seja frontalmente
oposto. Cada um de nós defende e briga em defesa de nossos argumentos:
um afirma ser Edgard o melhor e mais honesto mecânico já encontrado
e, ao mesmo tempo, criticamos, emocionados, o profissional defendido
pelo amigo. Todos acham que têm razão, que só um está certo.

Nota-se que certos estereótipos (rótulos, denominações ou lugares-


comuns fixos) encaixam-se bem em torno de um determinado indivíduo,
mas não em outro e, muitas vezes, esse encaixe tem o apoio de grupos
maiores, de uma comunidade, de um país ou de quase toda a população
mundial: “Madre Teresa de Calcutá foi uma santa”; “Bush é um
demônio!”. Soaria estranho e mesmo intolerável para nossa mente pensar
ou imaginar o oposto: “Madre Teresa foi um demônio” ou “Bush é um
santo”. Essas últimas afirmações nos provocam um arrepio. As primeiras
fluem bem, são facilmente assimiláveis e intuitivas; elas penetram sem
trabalho de nossa mente, sem raciocinar, pois a avaliação é automática.
Também intuitivamente sentimos mal diante da frase “Madre Teresa foi
um demônio”.

Conforme o ambiente sociocultural existente e vigorando numa época,


certos conceitos e modelos ficam mais fáceis de serem atribuídos a alguém,
classificando o indivíduo de certo modo e não de outro. Essas suposições,
intuições ou palpites podem permitir o desenvolvimento, crescimento
e reprodução das atribuições das pessoas rotuladas, ou seja, elas ficam
encarceradas nos conceitos emitidos a respeito delas; tudo dependendo
do ninho social onde os conceitos foram plantados ou lançados. Para que
ocorra o crescimento de um conceito torna-se necessária a existência
de fertilizantes adequados; um terreno propício para o conceito pegar e
decolar.

O lançamento, instalação, fixação e propagação de uma idéia para


classificar a conduta de determinada pessoa, boa ou má, às vezes, é lenta,
outras, rápida. O rótulo “João é muito inteligente”, uma vez aceito, torna-
se, para seus usuários, uma verdade insofismável, auto-evidente e “acima
de qualquer suspeita”, jamais imaginada no seu oposto.

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A partir da rotulação, os homens e as mulheres classificados passam a
ser tratados pelos conhecidos, amigos ou inimigos conforme o rótulo
recebido. Se o indivíduo é denominado “engraçado”, “palhaço”, “grande
contador de anedotas” e mesmo “filho da mãe”, uma vez acreditando na
rotulação, aprisionado à categorização, ele irá se esforçar, como pode,
para desempenhar, no carnaval ou no velório, o personagem designado
pelo roteiro. Já assisti, muitas vezes, colegas de sala de aula rotulados de
“engraçados” representarem, de tempos em tempos, conforme os fatos
existentes, o papel exigido pela turma, inventando sempre que possível
uma “graça” qualquer, mesmo uma graça sem graça, pois, do contrário,
frustrariam a platéia e poderiam perder o conceito recebido, passando
a ser um qualquer, um joão-ninguém, semelhantes aos colegas não
classificados de alguma coisa. Da mesma forma, se o indivíduo recebe
a classificação e os comentários necessários dos observadores de que é
“bonito”, “elegante”, “inteligente”, “bom de cama”, “burro”, etc., ele deverá
desempenhar esse papel nas ocasiões esperadas. Assim, ele não poderá ser
“bom de cama” durante a discussão filosófica na qual deveria representar
o papel de “inteligente”.

Uma vez rotulado, forçado a agir como tal, devido a pressões externas
e internas, o antigo cidadão, Carlos ou Diva, desaparece. Assim vai se
formando o novo ator, o transformado no rótulo, passando a agir de
acordo com o novo conceito ou mito criado em torno dele: “Aninha é
bonita”; “Dirce é inteligente”; “Pedro é um crápula”.

Criando o verdadeiro mito: os “sortudos”


Alguns sujeitos têm mais sorte que outros: são percebidos pela população
como possuidores de características muito “superiores” às normais, por
isso são chamados de “gênios”, “santos”, “heróis”, artistas excepcionais,
craques tipo Pelé ou Ronaldinho ou “grandes bandidos” como o
“Fernandinho”; estamos longe desses felizardos. Alguns indivíduos não
se transformaram apenas em bons médicos, excelentes atletas ou artistas,
eles se transformaram em mitos. Chamo a atenção do leitor, pois uma
coisa é diferente da outra.
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Alguns indivíduos abandonaram sua “humanidade”, isto é, as mazelas e
singularidades positivas e negativas próprias dos homens; sofreram uma
metamorfose. Deixaram a pele humana e passaram a usar vestimentas
gloriosas dos maiorais, tornando-se “heróis”, “santos” ou “malfeitores”
extraordinários.

Faço uma pergunta para mim mesmo: O que faz com que um determinado
indivíduo, aos poucos, deixe de ser homem e torne-se um mito? O que
leva uma pessoa (ou um fato ou história) a receber dos outros seres
humanos uma categorização de tão alto nível? Não estou falando de uma
habilidade comum, como “ter um bom ouvido”, uma “bela voz” ou uma
boa memória. É muito mais.

Discuto por que o processo de cristalização dessas honrarias ou acusações


se deu em torno daquele determinado indivíduo e não de outro qualquer?
De modo concreto: por que Santo Antônio tornou-se santo numa certa
época e não antes ou depois e, além disso, santo casamenteiro? Por que São
Judas Tadeu metamorfoseou-se em santo protetor das “causas perdidas” e
Fernandinho Beira-Mar virou um perigosíssimo bandido?

Frustro o leitor. Não tenho resposta lógica ou racional, apenas especulações,


ou melhor, intuições, que tanto critico. Talvez certos indivíduos sejam
possuidores de determinados aspectos físicos, intelectuais ou morais que
se adaptam melhor a uma história mítica preexistente, bem conhecida,
contada repetidamente, como certo modo de ser, olhar, andar e usar
roupas que facilitariam uma melhor assimilação conforme o modelo
de “Cinderela”, enquanto outros se assemelham mais ao estereótipo de
“demônio”.

Todos nós ouvimos, muito cedo, histórias míticas ou lendas, contadas


pelos nossos pais, avós e professoras. Entre essas se encontram a da Gata
Borralheira, Chapeuzinho Vermelho, Robin Hood, Gúliver, Pinóquio,
Os Três Mosqueteiros, Branca de Neve e muitas outras. Elas arrumaram
espaço muito cedo em nossa mente ainda vazia. Por outro lado, também
os jornais, os filmes e as TVs nos informaram acerca de bandidos

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espetaculares, craques fora de série e homens geniais. Mais tarde, ao
observamos certas condutas, determinamos e selecionamos certos
aspectos da pessoa e de sua conduta e, após enfatizá-los, identificamos
os atributos com as características armazenadas em nossa mente do
mito: “Oh! É a própria Gata Borralheira!”; “Esse é outro Pelé!”; “É outro
bandido da mala”.

Com as pistas e as noções memorizadas da lenda aprendida, associamos


alguns fatos percebidos do indivíduo alvo, isto é, do protótipo ou exemplar.
Os fatos selecionados e enfatizados, muitas vezes, são características quase
ou nada significativas, seja no aspecto físico, seja na conduta do indivíduo
observado para que seja dado o rótulo final de gênio ou de santo. De posse
das idéias da lenda armazenada em nossa memória, assimilamos (muitas
vezes de modo forçado) o cidadão focalizado e passamos a classificá-lo
disso ou daquilo. Não sei se essa explicação tem algo de verdadeiro, mas é
um palpite meu nesse momento.

Mas vamos um pouco além dessa idéia, pois já penso ser ela simples
demais, até um pouco boba. Talvez ganhe mais sua atenção com as novas
suposições que acabei de ter. Na maioria das vezes, o rótulo colocado é
percebido pelo “rotulador” como tal, ou seja, como rótulo. Nesse caso,
o “rotulador” reconhece claramente que o rotulado não é o personagem
do mito. Exemplificando: a pessoa sabe que o símbolo por ela usado ao
chamar determinada mulher de “Gata Borralheira” não representa a
realidade, pois ela é, de fato, a lavadeira Teresa.

Entretanto, algumas vezes ficamos maravilhados e podemos confundir


as idéias estocadas em nossa mente com respeito ao mito com a pessoa
identificada e, posteriormente, rotulada. Nesse caso, passamos a acreditar
que Teresa é a “Gata Borralheira” e não a lavadeira.

Não se assustem, pois isso não é tão raro assim. Por ser bastante comum,
essa explicação torna a conduta complicada. Passamos a denominar e,
logicamente, a enxergar ou tratar a pessoa rotulada conforme o rótulo
usado: gênio, herói, santo, milagreiro, etc. Assim, passamos a acreditar

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totalmente na nossa categorização e no rótulo usado, deixando de lado o
exame sensorial realístico ou as observações possíveis de serem realizadas.

Imaginemos, por exemplo, a afirmativa: “Minha mãe foi uma santa”. Se


repetimos tal rotulação por diversas vezes, contando para os outros e
para nós mesmos, aos poucos, para nós, ela se torna “santa”. Entretanto,
ela jamais agiu conforme as determinações dos candidatos a santos, mas
passamos a acreditar nas nossas idéias, que eram inicialmente meras
suposições e, numa época, sabíamos que estávamos conjeturando.

Aos poucos, com segurança e sem dúvida, passamos a acreditar na


nossa idéia delirante, ou seja, que nossa mãe, sem dúvida alguma, foi
mesmo uma santa, não a do pau oco. Nesse caso, falamos que houve uma
transformação do real para o ideal. Como afirmou o “gênio” Pascal: “Aja
como se acreditasse; reze, ajoelhe-se e você acreditará, a fé chegará por
si”. Você poderá lembrar de outros rótulos: burro, bonito, inteligente,
esperto, molenga, educado. Um outro exemplo: por mais que a pessoa
demonstre que ela é gente como a gente, como aconteceu com Maria da
Silva, que tem diarréia, menstruações dolorosas, alimenta e defeca e age,
muitas vezes, burramente, como todos nós, passamos a imaginá-la como
santa, gênio ou uma perigosa bandida, isso não importa; ela passa a ser
classificada como muito diferente de nós.

Num grau semelhante e bastante frequente, a rotulação inadequada ocorre


quando amamos ou odiamos alguém. Embevecido, arrebatado pelo desejo
e paixão avassaladora, Amadeu visualiza e categoriza sua amada não como
ela é de fato, com suas pernas finas e as coxas grossas, um ombro mais alto
que outro e a testa cheia de rugas. Amadeu enxerga Clara conforme os
mitos que possui acerca da beleza e elegância e, inconscientemente, como
afirmou Pascal, passa a enquadrá-la: “um corpo esbelto, uma testa lisa e
sedosa, olhos brilhantes e sedutores e uma sagacidade de espantar, um
amor de mulher”. A “sabedoria” popular tem um provérbio para resumir
tudo isso de forma mais simples e mais exata do que escrevi: “Quem ama
o feio, bonito lhe parece”.

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Portanto, algumas pessoas se transformam em mito para um indivíduo –
como exemplifiquei acima – outros, para um grupo, país ou para grande
parte da população mundial, como ocorreu com Madre Teresa de Calcutá,
Fidel Castro, Getúlio Vargas, Hitler, Stalin, Einstein e, para uns, até Lula.

A Irmã Teresa de Calcutá, como consta em sua história, viveu parte


de sua vida como uma santa, mas não toda a vida. Sei que é difícil ir
contra esse estereótipo para os seguidores do catolicismo. Alguns leitores
não gostaram e, provavelmente, franziram a testa reprovando minhas
especulações, mas essa afirmação encaixa-se no exemplo geral do que
estou descrevendo: uma transformação ou um estereótipo mítico de uma
pessoa que viveu, até uma época de sua vida, como todos nós.

Podemos dizer, de uma outra maneira, que a população absorveu a pessoa


indicada e que ela se encaixou no assimilador mítico preexistente (mito do
herói, do rei justo, do fora-da-lei, do nobre, do santo, do sábio, do terrível
ditador, etc.), como pessoa mítica, isto é, possuidora de características
excepcionais anteriormente já descritas para outras figuras mitológicas.
Essa adaptação do indivíduo ao mito do herói, santo ou demônio apareceu
muito cedo na imaginação dos homens.

Uma vez iniciada a construção do mito, ou seja, a transformação de um


homem normal num mítico excepcional, esta edificação continua através
de sua vida. A partir do seu reconhecimento como homem extraordinário,
seus novos feitos ou condutas, geralmente semelhantes às de todos nós,
passam a ser vistas de forma deformada pelo estereótipo existente (novas
lentes). A conduta do ser mítico é observada e julgada com os novos
óculos usados, o novo prisma deformador da realidade, e, como qualquer
mito, abandona a realidade para se enquadrar na idealidade (conforme
nossas paixões ou desejos) de acordo com o rótulo recebido: santo, herói,
malfeitor, um amor de mulher, super-honesto ou outro qualquer.

Nomeado herói, santo, craque ou grande artista, os esforços são feitos


para que ex-candidato à figura mitológica, uma vez empossado no
cargo, se estabilize, ou seja, não retorne à sua normalidade anterior, de

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um homem qualquer, medíocre, como todo mundo é. Dessa forma, os
fatos ocorridos anteriormente, isto é, antes da pessoa ter se tornado uma
“figura mítica”, a “santa” ou o “herói”, passam a ser examinados de maneira
deformada. Procuramos dar a eles uma conotação “santificada”, “heróica”
ou “malfeitora” para se adaptar ao novo status atingido mais tarde. Ele não
é mais um homem qualquer, logo, não mais pode ser examinado como tal.
Ele agora é Chico Xavier, um santo, um homem extraordinário, boníssimo.
Não poderemos mais enxergar nele as características humanas que todos
nós possuímos, pois ele é um ser diferente. Só pode ser examinado,
observado e avaliado conforme o molde mítico existente na mente dos
observadores. Sentimos mal e asco se usarmos nosso assimilador mental
normal para examinar Moisés, Chico Xavier, Madre Teresa, Freud, nosso
pai, mãe e, logicamente, nossa querida e amada namorada.

Temos a tendência de manter inalterável um determinado modelo


que construímos acerca das pessoas com as quais lidamos. Assim, por
exemplo, se gosto de uma pessoa, procuro focalizar comportamentos seus
que comprovem minha hipótese, inclusive os fatos que aconteceram antes
de conhecê-la. Por outro lado, não percebo, não aceito ou não acredito
nos eventos que negam as crenças existentes em minha mente. Se odiar,
utilizo o raciocínio oposto.

Muitas vezes, após aceitarmos por muito tempo algum indivíduo como
super-homem (herói, bandido, etc.), damos uma rasteira no seu prestígio,
destruímos sua santidade ou heroísmo e o transformamos num homem
normal e irracional. Isso tem ocorrido entre os grandes estadistas e mesmo
entre os santos, já que alguns foram destituídos do status que gozavam.
Recentemente até Plutão foi desclassificado como planeta.

O candidato a covarde ou a herói, demônio ou santo, dando tudo certo,


não surgindo nenhum acidente de percurso, se transforma em mito e passa
a ser admirado como tal. Mas não devemos nos esquecer do essencial:
fomos nós, os “rotuladores”, que o construímos, e para isso usamos mais
os símbolos de histórias míticas anteriores e menos a realidade observada.

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Fórmulas comuns usadas para construir as
figuras míticas
Nossa cultura tem poucas fórmulas para usar como receitas para fabricar
os nossos atuais super-homens: heróis, santos e outros fora de série. A
mente humana, esgotada, interrompeu sua fábrica criativa de novos
padrões capazes de transformar um homem comum num mítico, como
Bush, Hussein, Hitler e, também, Einstein, Madre Teresa, Leonardo da
Vinci ou o nosso Tiradentes.

Sem outra alternativa, só nos resta aplicarmos o modelo antigo existente


num ou noutro candidato a esse posto tão cobiçado. Para que os candidatos
possam se adequar aos modelos e símbolos preexistentes dos antigos
mitos é preciso que eles exibam modos de agir e de pensar sugerindo
figuras míticas conhecidas.

Quais seriam as características necessárias para que um indivíduo, na


infância ou mesmo mais tarde – até certa época quando era igual a todos
os outros homens -, comece a ser percebido, observado e, finalmente,
rotulado de gênio, herói ou santo?

Sabemos que, segundo as histórias míticas, numa visão retrospectiva, o


fantástico continuadamente esteve presente na vida do candidato a mito
sempre após ele ter alcançado o trono. Muitas histórias descrevem que o
incrível sempre dominou a vida dos santos, do nascimento à morte. Seu
azar e, ao mesmo tempo, a capacidade de suportar provações terríveis
dominaram sua vida, sem que eles jamais abandonassem seus objetivos.
São inúmeros os relatos dos super-homens que realizaram façanhas
sobre-humanas na política, religião e esporte, proezas jamais realizadas
por nós pobres mortais de segunda ou terceira classe.

Um fator necessário à fabricação de um homem mítico tem sido seu


nascimento e sua morte diferentes dos outros homens. Os grandes santos
ou heróis não nascem como nós. Histórias incríveis têm sido contadas
para descrever o nascimento da figura mítica, enquanto outros relatos

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associam a morte do mito às grandes catástrofes. Uma associação da
morte do herói com as desgraças sociais leva a população a imaginar uma
ligação de causalidade entre os dois fatos. Na mente de seus adoradores,
a morte do herói passa a ser “causa” dos sofrimentos do povo, gerando o
raciocínio de que, caso ele estivesse vivo, os acontecimentos tomariam
um rumo diferente: “A partir da morte de minha amada não fui mais o
mesmo homem. Ela era tudo para mim”.

Os heróis ou santos também não morrem como nós. As histórias nos


mostram que a maioria dos super-homens teve morte trágica. Não fica bem
para um ser excepcional ter uma morte devido a um nó nas tripas ou a um
engasgo com um naco de carne. A morte desastrosa sempre estimulou a
mente popular para lembrar e venerar mais e mais seu herói predileto por
algum tempo. Para ficar com os exemplos nossos, brasileiros, figuras que
os mais velhos ainda se lembram, como, por exemplo, os mitos brasileiros
e suas mortes: João Pessoa, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e outros.

O processo de cristalização de personagens míticos não se restringe aos


governantes. Como exemplo de mitos não-governantes podemos citar
Padre Eustáquio e Ayrton Senna. Mas, além desses heróis, o molde mítico
pode adaptar-se também a outros tipos, os chamados heróis-marginais ou
vilões populares: Hobin Hood, Escadinha, Mariel Mariscot, Fernandinho
Beira-Mar, Lúcio Flávio, Saddam Hussein, Bush e outros.

A sabedoria também é um fator importante na feitura do mito. Não se


pode conceber um santo ou um herói burro. Um Ulisses da Odisséia, ou
o Guimarães, Einstein, Churchill ou Lenine, foram considerados, todos,
muito inteligentes. Incorporado à sabedoria, o homem-mito necessita
ser sagaz e esperto, além de possuir a bravura e audácia, como tem
sido descrita pelos admiradores de Hitler, Stalin e Fidel Castro. Precisa
ainda ter uma força extraordinária, como Hércules, Atlas e, também, se
possível, poderes imensos que possibilitam ligações com outros deuses
excepcionais ou mesmo sobrenaturais: Lao-Tsé, Buda, Confúcio e
Maomé, entre outros.

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Alguns homens que foram transformados em mitos assimilaram, ao
mesmo tempo, diversos estereótipos míticos. Eles se encaixaram entre
os “plurimitos” ou “supermitos”. Esses felizardos, inicialmente, tiveram
um nascimento fantástico, depois, uma sabedoria superior ao homem
comum, além disso, possuíam a esperteza dos foras de série e ligações
poderosas com forças do bem ou do mal. Tinham, ainda, para esnobar,
uma força física extraordinária e, também, ações impossíveis de serem
realizadas pelos normais. Um exemplo desse supermito é o de Ulisses,
o da Odisséia de Homero, retratado há mais de 2.000 anos. Este mito
encarna as peripécias sensacionais de um herói capaz de causar inveja a
qualquer candidato a aprendiz a semideus ou a deus.

Lamentavelmente, muitos supermitos e mitos, da mesma forma que


se tornaram homens percebidos como superiores, rapidamente, se
transformaram em antimitos. O povo ora elege um homem a santo ou
guerreiro, ora o destrói, tão rapidamente como o construiu, e o mito
anterior torna-se um covarde, demônio ou idiota. A história nos mostra
a ascensão e queda de diversos ídolos mundiais, eles tiveram duração
efêmera: Hitler, Stalin, Mussolini, Getúlio Vargas e Collor são alguns
exemplos.

Alguns, nem todos, anos depois de atingirem o status de mitos, passaram


a ter dores de barriga, câncer, Doença de Alzheimer ou de Parkinson,
isto é, adoeceram e morreram confusos, esqueléticos, fracos e submissos,
como, possivelmente, acontecerá com todos nós.

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Um ninho para o mito: Nossa
predisposição a ser enganado
Nossa família, colegas e companheiros nos ensinaram uma série de
afirmações verdadeiras – viáveis ou práticas – reunidas com outras míticas,
falsas ou não efetivas. Inúmeros ensinamentos irracionais continuam
dominando nossas mentes na vida adulta.

Uma forte predisposição a ser enganado pode ser chamada de infantil,


porque é comum e defensável entre as crianças. A sua persistência no
adulto surge e se mantém subjacente a um desejo de segurança, na
realidade impossível de existir, isto é, viver conforme alguns princípios
ou modelos aprendidos durante a infância, como “casaram e viveram
felizes para sempre”, “Um dia serei feliz junto aos seios de Duília ”, bem
como do suposto conforto e proteção imaginados na infância: “A família
nos ampara nos momentos difíceis”. O crescimento indica um cultivo
saudável de dúvidas e incertezas, mais ou menos o oposto do vivenciado
na infância, onde tudo parece ir bem.

Uma das minhas crenças atuais – não comprovada – é a de que a nossa


mente trabalha mais com afirmações de origem mítica que com afirmações
próximas da realidade ou mais viáveis. Parece que o ser humano prefere
“viver feliz” conforme um modelo do mundo falso, mas bonito e bom,
que abrir os olhos para a realidade do mundo e, principalmente, para as
pessoas que nos cercam. Gostamos de afirmar que somos otimistas. Vejo
isso como natural, ou seja, uma escolha. Nesse caso a pessoa prefere ter
emoções agradáveis e confortáveis que conhecer e viver com a “verdade” –
um termo que ninguém sabe bem o que significa – mas, em compensação,
viver chateado.

A percepção da realidade, bem como a sensação de bem-estar (ou mal-


estar) são indicadores usados por todos nós para indicar e avaliar a
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conduta a ser tomada.

Apesar dos fatos mostrarem que muitos seres humanos, com os quais
convivemos, são agressivos, injustos, traiçoeiros, infiéis, egoístas e
trapaceiros, muitos continuam a imaginar, pensar e conviver com os
homens como se eles fossem bons, pacíficos, solidários, justos, etc., isto
é, convivem com o homem idealizado e não com o real, o que habita sua
mente e não o mundo externo a esta.

Assim, parece-me que preferimos ser ludibriados (não detectar a


realidade) e vivermos aparentemente felizes (tranquilos e otimistas)
que perceber melhor a realidade real que nos cerca e, assim, nos tornar
infelizes. São muitas as pessoas que não suportam um filme ou livro
realístico, pois preferem a descrição claramente falsa e o final feliz, como
ocorre com grande parte das novelas das televisões e dos livros mais
lidos, nos quais tudo dá certo. Muitas vezes, saímos de uma infelicidade e,
apressadamente, vamos à procura de uma nova ilusão, imaginada como
capaz de nos dar uma tranquilidade provisória: “A nova seleção será
muito melhor que esta”; “Essa cidade será mais fácil para se viver.”

As falsas crenças dominaram o pensamento de homens altamente


inteligentes e cultos: Aristóteles acreditava que o sangue que corria
nas veias das mulheres era mais ralo que o dos homens, pois elas são,
segundo ele, mais fracas; Platão acreditava na existência de um “mundo
das idéias”; Descartes imaginou poder criar um sistema de pensamento
do nada. Numa certa época os europeus acreditaram que a Terra era o
centro do Universo; que as doenças eram punições divinas devido aos
nossos pecados; que o mundo foi criado com um fim que só Ele, o Deus,
sabe; que nossos pensamentos eram gerados no coração. De outro modo,
todas essas crenças evitavam examinar a realidade existente na natureza
(organismo humano, físico, químico, etc.) e, em seu lugar, criaram
crenças e pensamentos que, diferente da natureza, podem ser inventados
conforme nosso desejo do momento.

Além do prejuízo de trabalhar para resolver problemas com uma crença

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mítica, que, fatalmente, como disse acima, não pode ser utilizada – pois
não funciona – no mundo físico, irá provocar um mau resultado no
mundo chamado de “real”. A idéia inadequada e rígida de explicar e usar
as idéias religiosas nos fatos observáveis e ou científicos dificultará ou
impedirá uma ação eficiente para dar solução ao problema físico-orgânico
existente, e, além disso, irá dificultar a entrada de uma outra estratégia e
crença mais viável para solucionar aquele tipo de problema particular.
Também, é uma idiotice tentar solucionar um problema religioso usando
teorias científicas e pesquisas desse tipo. A vinda de Colombo à América
só foi possível após ter sido despedaçada a crença de que somente existia
a Europa e mais nada.

Uma grande parte da população aceita e acredita na maioria das coisas que
escuta ou lê. Muitos acreditam em alma de outro mundo, nos benefícios
da posição da “quarta casa da era do Aquário” ou de “Netuno ter entrado
em Sagitário”. Outros crêem na sorte do número 24, nas “descobertas”
da cartomante, vidente, gnomo, duende, espíritos maus e bons, ET, pai-
de-santo, anjo da guarda, mandinga, banho de descarrego, transmissão
e leitura de pensamentos, búzios, paranormais, benzeções e técnicas
médicas milagrosas. Alguns acreditam em possessão de demônios e,
logicamente, na sua expulsão (exorcismos). Outros acreditam que é
possível a pessoa recordar fatos acontecidos antes de ter nascido, ou seja,
memórias ainda da vida intra-uterina. O que não falta é alguma coisa
para acreditar. Todos os exemplos relacionados acima fazem parte do
mundo imaginário, ou seja, de uma “realidade” que é alcançada através
da imaginação (cognição mítica) e não do mundo chamado físico, que
é adquirido ou captado através de observações sensoriais e organizado
através de teorias científicas, que diferem muito das míticas.

Pesquisas mostram que as pessoas acreditam ter vivido ou presenciado


fatos que, de fato, jamais observaram; elas não perceberam, simplesmente
“enxergaram”, ou melhor, tiveram uma representação mental, devido à
sugestão, como ocorre nas hipnoses, formando imaginações.

Muitos trambiqueiros – possivelmente possuídos pelo capeta – exorcizam

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incautos fazendo-os lembrar de terríveis demônios que haviam penetrado
no corpo da ingênua vítima. A televisão transmite esses espetáculos
diariamente. O “pastor” promove a saída do demônio através de alianças
feitas com esse. Interessante é notar que os capetas não só compreendem
a língua falada pelo exorcista, como, após alguma resistência fajuta,
acabam por obedecer ao imposto ou ao pedido, geralmente xingamentos
destinados ao demônio enfurecido. Durante o expurgo do satanás invasor
do corpo do pecador (em que parte ele estaria para ouvir e expressar
sons?), o pastor não só percebe (fantasia ou imagina) sua presença como,
também, conversa (supõe) e ameaça os pobres e medrosos capetas,
usando, para isso, a língua portuguesa falada aqui no Brasil, por exemplo,
e o inglês quando o paciente é americano. Mas, sempre, um ou outro
capeta entende e obedece, amedrontado, às ordens do exorcista; sem
dúvida nenhuma trata-se de um “demônio pé-de-chinelo”.

Para que o exorcismo dê certo é necessário que as ordens dadas pelo pastor
pregador sejam obedecidas pelo capeta, mas, principalmente, que haja
uma ingênua mocinha histérica (são mais raros os mocinhos) do outro
lado da cena (a que acredita em forças sobrenaturais), pois, do contrário,
não haveria o resultado esperado.

Após algumas bênçãos e orações, o medroso e frágil satanás abandona


o corpo da pessoa, possivelmente saindo com o rabo entre as pernas e,
talvez, procurando uma outra moradia mais confortável que aquela, para
lá se aninhar. Assistindo na televisão algumas cenas, senti dó de todos,
inclusive do capeta que largou o corpo da moça. Ele se mostrou fraco e
incapaz de fazer o mal, pois facilmente fugiu de onde estava. Acho que
os capetas antigos precisam fazer reciclagens com os bandidos de nossa
época.

Não gostei dos “verdadeiros capetas”, isto é, dos donos do espetáculo


teatral montado. Os sorridentes atores gabam suas habilidades e poderes,
bem maiores que do demônio. No final de tudo, como não podia faltar,
ocorre a coleta do dinheiro – muito ligada ao capeta vestido de gente.
Sempre há ainda uma venda de livros sobre o assunto, de CDs capazes

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de auxiliar os que não podem assistir aos espetáculos e, ainda, de DVDs,
fitas, etc., tudo, tudo para angariar dinheiro para o empresário principal
do teatro que é encenado à custa de personagens santos/tolos.

Toda essa sopa conceitual, essa mistura confusa de crenças diversas para
todos os gostos e funções milagrosas tem criado um contexto, um nicho,
forma ou clima propício ao cultivo do falso, do não-verdadeiro, do apenas
imaginado e não possível de ser detectado pelos nossos únicos meios de
entrar em contato com o meio exterior, que são nossos órgãos sensoriais.

O poderoso megacomputador sociocultural de Lumeeira e de outras


comunidades, contendo inúmeras informações desse tipo, ao ligar-se
aos bilhões de microcomputadores individuais, os invade e contamina
com todo um mundo mágico, onde, muitas vezes, quem lucra é o autor
da cena. Por outro lado, cada microcomputador individual envia ao
megacomputador central suas informações particulares, ou seja, há uma
realimentação constante entre a cultura traiçoeira e o indivíduo formado
para assimilar a trapaça, facilitando a sobrevivência do inescrupuloso.

A cultura do mágico (do falso quanto ao real), diferente da científica,


afirma sempre poder prever ou controlar o futuro com total segurança.
Ela trabalha com as fraquezas pessoais do indivíduo, de seus amigos e
inimigos; exorciza demônios, faz milagres, opina, bem como dá conselhos
profissionais acerca de decisões importantíssimas. Nesse caldo cultural
amplo nadam de braçadas os embusteiros profissionais. Eles infiltraram-
se na política, na imprensa, na medicina, na religião, na educação e
escolas, no esporte e na arte: há milagres e milagreiros de todos os tipos e
em todos os lugares desse planeta.

Por ser bastante ingênuo, fiquei boquiaberto ao passar os olhos num


catalogo telefônico na primeira viagem que fiz aos Estados Unidos. Não
imaginava ver a grande quantidade de pessoas oferecendo leituras da
mente ou das mãos, o uso de cartas e outras técnicas milagrosas para
ajudar e prejudicar alguém à distância. Depois, li sobre isso em países
como a China e o Japão. Conclui, não sei se estou certo, que todos os

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povos são adeptos fanáticos do ilusório.

Tentando sintetizar
Prezado leitor. Observadas de fora, há um ponto comum em todas essas
crenças. Todas elas – ou quase todas – buscam acionar ou disparar a
esperança quase perdida ou profundamente inexistente por um mundo
melhor; a busca de uma vida menos miserável ou de um futuro possível de
se viver. Por outro lado, os embusteiros de toda espécie, impossibilitados
de mudarem concretamente a vida mal vivida de cada cliente ingênuo,
utilizam-se, como isca posta no anzol para fisgá-los, de crenças antigas
disseminadas, cristalizadas e aceitas sem restrições, nunca examinadas
em sua profundidade e de modos neutros e, também, impossíveis de
serem negadas ou provadas.

Os trapaceiros plantam as novas crenças que vão surgindo nesse terreno já


previamente estercado pelas explicações dos pais e educadores religiosos
e não-religiosos. De um lado situam-se as esperanças mágico/milagrosas
de seres humanos desesperançados, de outro, embusteiros de todos os
tipos, vendendo as eternas ilusões de sempre, as mágicas, os cremes que
rejuvenescem e as preces que fazem curas milagrosas.

Esses dois pólos, aparentemente opostos, permitem a formação de uma


estrutura social harmônica e única; a fome pela segurança e controle de
um lado e a falsa solução de outro. Para que haja complementaridade,
ou seja, para formar um sistema sem problemas, necessita-se um esforço
continuado de ambas as partes; uma necessidade de um lado, uma sedução
de outro (um vende ilusão no tratamento maravilhoso para emagrecer ou
ficar bonito, o outro compra a ilusão, a usa e, por algum tempo, acha que
emagreceu e ficou bonito). Não existem mandingueiros sem crentes na
mandinga; não há médicos sem doentes e nem rei sem súditos; nem doce
sem papilas gustativas para prová-lo; precisamos de religiosos para ouvir
e seguir os pastores e padres, um precisa do outro. Tente imaginar, caro
leitor, um mundo sem doenças. O que seria dos médicos?. Também um
mundo sem demônios e suas maldades e injustiças. Nesse caso, qual seria
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o papel de Deus?

Assim, a mente poluída pelas falsas idéias, habitada por mulas-sem-


cabeça, demônios e anjos, aprendidas desde cedo, facilitou e permitiu
o nascimento e a proliferação de outras e outras crenças que têm
sido disseminadas pelos charlatões de todas as classes e em todos os
tempos. Nesse terreno fértil e plástico, bem preparado muito cedo pela
família, escola e companheiros, foram inoculadas multidões de seres
fantasmagóricos; seres jamais observados pelos órgãos dos sentidos,
existentes e muito bem guardados apenas nas mentes de seus criadores e
seguidores. Nesse terreno propício eles proliferam e, partes deles, como
os vírus da gripe, infestam e multiplicam-se no organismo de quem estava
por perto durante o espirro.

Uma palavra e conselho final


Acionamos a Justiça e a Polícia caso o fabricante de pílulas anticoncepcionais
tenha vendido farinha de trigo em lugar do medicamento apregoado,
assim como acionamos a firma que vendeu uma excursão não existente,
etc. Por que não acionamos a mesma Justiça ou o Procron para defender
os enganados pelas falsas propagandas dos horóscopos, videntes,
astrólogos, macumbeiros, moradias em lugares inexistentes e cia. ltda.?
Os profissionais desses ramos não são presos pela fraude praticada, como
por incitamento à discriminação entre pessoas nascidas num ou noutro
mês ou dia; o meu horóscopo sempre é pior que os nascidos em escorpião.

Não deveríamos reclamar os presságios errados acerca do meu e do seu


futuro no Ano Novo feitos pelos videntes, bem como os horóscopos de
todo dia? Eu que acreditei e segui confiante o previsto. Tudo deu errado!
Procurei mandinga para prejudicar minha ex-amada, mas deu em nada.
Ela melhorou de vida. Por que não reclamar ao Procon o tratamento
médico garantido e extraordinário para emagrecer que nenhum efeito
fez? Por que não? O cliente ludibriado, em todos esses casos, não deveria
exigir a devolução do dinheiro gasto além de receber também pelo tempo
perdido, pelos danos morais e pelas custas do processo?
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Quando escrevia o acima me assustei. Pensei bastante. Agora estou um
pouco arrependido com o que escrevi. Fiquei em dúvida. Quem sabe
se não seria melhor eu ser internado no “Galba Veloso” (hospital para
doentes mentais) por ter uma crença tão absurda como essa? Acreditar em
não acreditar nos milagreiros e imaginar poder punir os enganadores e
charlatões. Acreditar que capeta não entra no corpo de ninguém e que não
há como conversar com vidas passadas. Talvez, o melhor seria eu receber
um tratamento psiquiátrico, talvez com um “pai-de-santo”, para passar
a ser como os outros: acreditar em qualquer bobagem falada ou escrita
por um homem que a história tem chamado de charlatão, trambiqueiro,
tapeador, anti-social, bandido e outros nomes semelhantes.

Quem ganha uma eleição é a maioria; se usarmos o mesmo processo


para o acima discutido, acredito que, para a maioria da população, esses
senhores e senhoras são santos, pessoas carregadas de poder sobrenatural,
milagreiros, seres humanos acima de qualquer suspeita e, possivelmente,
ligados aos deuses poderosos. Deus me livre de ir contra eles. Peço-lhes
desculpas pela minha verborréia absurda e incompreensível.

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Investigando princípios
(intuições) históricos e
fantásticos

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O Intuicionismo bizarro dos
sábios
Um pouco depois de Lumeeira ser fundada como um povoado,
Empédocles, em 500 AC, descreveu a alma como aquilo que pensa, sente
prazer e dor e confere ao corpo seu calor e, segundo esse grande pensador,
após a morte a alma abandona o corpo em busca de outro abrigo: talvez
um peixe, um pássaro ou mesmo um arbusto. Para Empédocles, durante
o tempo que a alma habita o corpo ela reside no sangue em torno do
coração.

Alcmaeon, tão sábio como seu antecessor, mais ou menos na mesma época,
afirmou que canais recheados de espíritos (ou pneuma) atravessavam o
corpo e, para ele, os espíritos, que entravam pelo nariz, eram feitos de
ar, ou seja, um dos quatro elementos do cosmo (segundo os sábios da
época), junto com fogo, terra e água; essa bela teoria ainda é seguida por
muitos em nossa época.

Aristóteles pensava que as coisas tinham um propósito embutido nelas


pela natureza; os fins ou as metas de cada objeto tinham que realizar
o propósito nele existente. Da mesma forma, os cristãos medievais
concebiam o mundo como uma hierarquia, onde cada pessoa e objeto,
intimados pelo Divino Criador, realizavam uma função específica.
Cabia a Deus o comando geral de todas as ações dos objetos, animais
e pessoas, sendo que somente Ele determinava e compreendia o
propósito existente no padrão estabelecido. O cumprimento ou o
não-cumprimento dos diferentes propósitos estabelecidos por esses
mandamentos levaria os objetos e animais a conquistarem a felicidade
ou a desgraça, respectivamente; quanto maior o grau de aproximação da
conduta com o exigido por Deus, mais próximo da perfeição estaria o
objeto ou a pessoa. Os diferentes propósitos determinados por Deus, caso

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fossem cumpridos, produziriam a harmonia universal, o padrão supremo
desejado. Essa totalidade idealizada não era acessível às diversas criaturas
existentes no Universo, pois era compreendida apenas pelo Criador de
tudo, isto é, por Deus. Aristóteles, ao defender a escravidão, baseou-se,
razoável e adequadamente, nas idéias (modelos, paradigmas) da época
acerca de possíveis diferenças individuais, isto é, alguns “inferiores”
deviam obedecer aos “superiores”.

Aristóteles enfatizava que as crianças deviam ser concebidas no inverno,


quando os ventos se achavam no norte, e, também, que se as pessoas se
casassem cedo, todos os filhos seriam do sexo feminino. Aristóteles, cuja
sabedoria ainda faz parte de nossa maneira de pensar, rejeitou o cérebro
como o centro, pois esse não combinava com a concepção da alma.
Para ele, alma é uma forma das coisas vivas, como uma casa que surge
quando as pedras são amontoadas de certa maneira, sendo que um dos
aspectos isolados não constitui a “casa” como nós a concebemos. Assim,
a alma é uma forma viva abrangendo tudo o que um ser vivo faz para
permanecer vivo. Como os organismos diferentes têm estilos de vida
diferentes, do mesmo modo, as almas são distintas, cada qual com seus
próprios conjuntos de faculdades ou poderes. Desse modo, ele construiu
uma hierarquia: no patamar de baixo ele colocou as plantas; um pouco
acima os animais, com exceção do homem; acima dos animais os seres
humanos, pois só esses possuíam uma alma racional, onde se inclui o
raciocínio e a vontade e, bem no alto, acima de tudo, no céu, Deus; um
modelo até hoje seguido por muitos.

Para diversos sábios gregos, a carne do corpo era composta por uma
combinação de elementos conhecidos como humores: a bile amarela
(homens violentos, invejosos, cruéis e desafortunados); a bile negra
(melancólicos, meditativos e indiferentes); os sanguinolentos (sangue)
(francos, corajosos, lúbricos, venturosos, crédulos) e a fleuma (frios,
indolentes, apáticos).

Para o genial Platão, o cérebro era o centro da alma principal, onde foi
plantada a semente da vida para aqui efetuar a missão divina reproduzindo

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a harmonia e a beleza do cosmo. No restante do corpo os deuses colocaram
almas de outra natureza: nas entranhas habitava “a porção da alma que
deseja carne e bebidas e as outras coisas de que necessita em razão de sua
natureza corpórea”. Essa era chamada de alma vegetativa, responsável pelo
crescimento e nutrição do corpo, mas também por suas paixões inferiores
– luxúria, desejos e ganâncias. Para aprisionar essa besta selvagem, os
deuses erigiram um muro – o diafragma – separando-a da alma superior
que Platão situou no coração. A alma vital, dotada de coragem, paixão e
afeita às disputas, flutua do coração juntamente com o sangue, impelindo
o corpo à ação. Para impedir que as almas inferiores poluíssem a alma
imortal na cabeça, os deuses levantaram uma outra barreira: o pescoço.
Platão construiu uma verdadeira “anatomia espiritual”.

Platão recomendou a morte de crianças, Segundo li, a perseguição


à criança para matá-la não se restringia ao filho de Maria e José. Era,
na antiguidade, uma regra, usada de tempos em tempos, para todas as
crianças de certa época, conforme a escassez de alimentos. Era preciso
impedir a superpopulação. Nada mais simples para as idéias da época
matar os recém-nascidos. Em outras épocas, algumas mulheres, negros
e judeus também foram condenados a morrer por motivos os mais
esquisitos. Já houve épocas que as “bruxas” (o que seria isso?) foram
enviadas às fogueiras públicas.

Mais e mais teorias diferentes da observação


sensorial e prática
Vamos a mais “teorias” explicativas das causas das condutas. O cristianismo
primitivo condenava o riso. Tertuliano, Ciprião e São João Crisóstomo
foram contra espetáculos nos quais o riso imperava, afirmando que este
não provinha de Deus, mas sim do Diabo.

O cristão deveria conservar uma seriedade constante. Entretanto,


segundo as mesmas idéias, fora da igreja era preciso legalizar o riso, a
burla e a alegria, o que deu origem às formas puramente cômicas ao

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lado das canônicas. Existem outras pérolas. Um bispo devia ter apenas
uma esposa. Uma mulher podia ser possuída por vários homens devido
à pobreza de cada um desses para manter, cada um deles, uma mulher
diferente.

O terceiro decreto do Concílio da Igreja de 358 anatematizava


(excomungava, amaldiçoava) aqueles que pleiteavam a abolição da
escravatura: “Se qualquer pessoa sob pretexto de devoção, incita um
escravo a desprezar o seu senhor e a recusar-se a servi-lo em vez de
permanecer um fiel servidor, que ele seja excomungado”. Santo Agostinho,
da mesma forma, disse em termos bastante claros: “A escravidão é vontade
de Deus e constitui oposição à sua vontade desejar suprimi-la”.

Todos os eventos existentes e já consagrados deviam ser obedecidos, pois


“decorriam da vontade de Deus”. Coitado de Deus; todas as desgraças e
desumanidades, segundo essa crença da época e ainda usada, partiam
Dele. Ele era o responsável por todos os acontecimentos funestos.

Continuando: a servidão era plenamente sancionada e apoiada pela Igreja.


“Foi vontade de Deus”, diz o preâmbulo de um Ato Eclesiástico, “que entre
os homens alguns sejam destinados a ser senhores e, outros, escravos, de
maneira que constitui o dever dos senhores amar a Deus e, dos servos,
amar e venerar seus senhores”. Do mesmo modo, a igreja destinava à
mulher um lugar diferente e inferior ao do homem: “2.2 Vós, mulheres,
sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor; 2.3 Porque o marido é a
cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja; (…)”. São
Paulo: Efésios, 5: 22 – 24

Quando Benjamin Franklin inventou o pára-raios, o clero protestou.


Segundo a maneira de pensar (as teorias aceitas) do chefe religioso da
época, o raio era enviado por vontade divina, como tudo o mais, a fim
de punir a impiedade ou algum pecado grave. Portanto, a invenção de
Benjamin Franklin estava indo contra a vontade de Deus, pois este, irado,
por motivos não conhecidos pelos homens, queria enviar um castigo
para alguns. De forma semelhante, os tratamentos médicos deviam ser

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impedidos de serem realizados, pois a doença era uma vontade de Deus e,
portanto, devia ser respeitada. O pastor Price foi mais longe. Ele afirmou
que os terremotos acontecidos em Boston na época dos primeiros pára-
raios instalados eram formas indiretas de Deus contornar o obstáculo
criado pela colocação do pára-raios. Com o terremoto, o Deus sagaz
driblava e punia os pecadores que ousaram ir contra sua vontade.

Mahatma Gandhi, companheiro de idéia do pastor Price, também afirmava


que os terremotos tinham razão de ser como punição aos pecadores. Um
clérigo, em 1916, na Inglaterra, afirmou que o fracasso militar na guerra
era obra divina para punir os pecadores que, com a permissão do governo,
plantaram batatas aos sábados, um dia proibido pela Igreja. Em diversos
conventos, as freiras só podiam tomar banho cobertas por camisolas, pois
não era respeitoso para com Ele, o Senhor, enxergar as mulheres peladas.

A rejeição da lei acerca da eutanásia na Inglaterra apoiava-se no seguinte


raciocínio: se havia o consentimento do paciente, seria um suicídio deste,
pois, como se sabe, é pecado suicidar-se. Portanto, a eutanásia não podia
ser permitida. Por outro lado, é permitido maltratar os animais, pois estes
não têm alma. A cremação deve ser proibida, pois, uma vez cremados os
cadáveres, ficaria difícil ajuntar suas partes para conduzi-los até o céu.

A Igreja proibiu durante séculos a dissecação de cadáveres. Vesalius, que


era médico da corte de Carlos V, protegido desse, conseguiu permissão
para dissecar o primeiro cadáver da história. A partir dessa primeira
experiência, ele dissecou outros cadáveres. Mas, com a morte do
imperador, Vesalius se viu em maus lençóis: foi acusado de assassinato por
inimigos que afirmaram que um cadáver dissecado por ele demonstrara
sinais de vida. Ainda protegido pelo Rei Filipe II, teve sua pena diminuída.
Em lugar de prisão e morte, a pena foi reduzida: Vesalius foi obrigado
a ir numa peregrinação à Terra Santa. O infeliz médico morreu após o
navio, no qual viajava, ter se afundado. Durante séculos as cirurgias para
ensinar os estudantes de Medicina foram realizadas em manequins. Estes,
semelhantes aos anjos, não tinham nem vagina, nem pênis; eram lisos nas
partes pudentes.

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O sexo tem sido um dos pontos mais difundidos do pecado: “É melhor
ser celibatário, mas aqueles que não possuem o dom da continência
devem se casar”. Esta foi uma orientação da Igreja Católica. Mas tem mais:
as relações sexuais no casamento não constituem pecado, contanto que
sejam motivadas pelo desejo de ter descendentes. Toda relação sexual fora
do casamento constitui pecado, o mesmo acontecendo com tais relações
no casamento se forem adotadas quaisquer medidas tendentes a impedir
a concepção.

Jamais consegui esclarecer para mim mesmo as razões desses princípios.


Seria proibição de prazeres? Mas como ficaria o prazer da comida, de
dormir e de vestir um agasalho durante o frio?

A interrupção da gravidez é pecado, mesmo que, segundo a opinião


médica, seja a única maneira de salvar a vida da mãe. A teoria especula:
como a opinião médica é falível e, como se sabe, Deus sempre pode salvar
uma vida por meio do milagre, assim devemos esperar as determinações
divinas, isto é, esperar Deus decidir tirar a vida da pessoa. Mas quem fez
o indivíduo ficar doente?

A doença venérea, dentro dos conceitos religiosos, como outras doenças,


era uma maneira de Deus castigar o pecado da relação sexual proibida,
segundos as teorias do passado. O casamento é indissolúvel. Se se casarem
de novo, os envolvidos estarão cometendo adultério perante Deus. Tolstói,
na velhice, achava o fumo tão negativo para o homem quanto é o sexo.

A obediência às teorias intuitivas e míticas não pára aí. Elas eram idéias
tidas como corretas numa época, isto é, aceitas pela maioria da população,
uma opinião fabricada pelos lideres políticos e religiosos. Antes de relatar
mais exemplos, lanço uma pergunta crucial: Quais atitudes assentadas em
teorias sem suporte científico ou ético nós ainda estamos aceitando com
naturalidade e sem reservas? Possivelmente, daqui a algumas dezenas de
anos, nós, nossos filhos ou netos, todos irão se arrepender e se envergonhar
de tê-las adotado como verdades.

Mais recentemente, em 1931, uma série de Encíclicas Papais, imitando


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modelos bem antigos, assentou o trabalho industrial no seu lugar: “Os
trabalhadores devem aceitar sem ressentimento o lugar que lhes foi
assinalado pela Divina Providência” (Quadragésimo Ano 1931). Estamos
conversados.

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O trágico e cômico pré-saber
médico da antiguidade
(O longo reinado de Galeno na Medicina)

No ano 150 da era cristã, um jovem médico chamado Galeno, por ser
médico de gladiadores, ganhou enorme experiência examinando e
tratando das feridas desses indivíduos. Deve ser lembrado que nessa
época e centenas de anos depois, a dissecação humana era proibida.
Galeno, munido de seus pensamentos, era tido como um grande curador
de pessoas, isto é, um prático competente; morreu em torno de 199 de
nossa Era.

Meu xará Galeno, aos trinta anos, munido de algumas idéias de Platão e de
Aristóteles, usando alguns ensinamentos da medicina de Hipócrates, teceu
suas próprias observações. Sua medicina se apoiava na transformação
da comida e da respiração em carne e espírito. Suas teorias diversas e
mal costuradas dominaram as mentes da Medicina até um pouco depois
do surgimento do Renascimento. Raros eram os médicos que ousavam
combater as idéias de Galeno. Essas eram tidas como dogmas indiscutíveis,
apesar de que ele, como todos os outros médicos dessa época, baseava
as teorias em intuições ou especulações e não em observações sensoriais
e teorias logicamente construídas. Para ele os órgãos sensoriais eram
ferramentas (instrumentos) de terceira categoria, pois só as intuições
especulativas – que não eram raciocínios – tinham prestígio e deviam ser
usadas pelos chamados “sábios”. A chamada “ciência” só apareceu séculos
depois, ou seja, após o Renascimento.

Medicina e Cristianismo: o trivial da época


A partir da morte de Galeno, a Medicina foi absorvida pelas doutrinas do
Cristianismo. Os primeiros líderes da Igreja voltaram-se para a Medicina
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por precisarem de novas idéias sobre o cérebro e a alma. Segundo o
Velho Testamento, a alma era, simplesmente, a própria vida, residindo
no sangue e desaparecendo na ocasião da morte, ou seja, a alma também
perecia com a morte do corpo.

O Cristianismo, porém, por outro lado, precisava de outros argumentos,


pois ele se ancorava em outro tipo de alma, uma alma imortal – não a
mortal do velho testamento – que podia enfrentar tanto a salvação como
a condenação eterna. Os pais da Igreja encontraram em Galeno uma
solução para essa contradição entre uma alma que desaparecia com a
morte e a imortal.

A equação foi sabiamente solucionada: a alma do velho testamento passou


a corresponder às almas inferiores, como, por exemplo, a do fígado e do
coração de Platão e de outros, pois a alma imortal não possuía dimensão
física. Sem outro lugar para colocá-la, os pais da Igreja decidiram alojar
as faculdades da alma nos ventrículos vazios da cabeça (dois laterais e um
central), onde elas não correriam os riscos de serem corrompidas pela
fraca carne mortal que reside nas partes mais baixas do organismo.

Mas eles foram além de Galeno: responsabilizaram um ventrículo pela


sensação, um outro pelo entendimento e um terceiro pela memória.
Entretanto, dentro da visão da Igreja, o cérebro em si não passava de uma
mera bomba que expulsava os espíritos dos ventrículos para os nervos.
Assim foram construídas as noções acerca de nosso organismo. Repito:
ainda carregamos no nosso saber popular muito dessas antiguíssimas
crenças.

Mas a sabedoria acerca da natureza ia mais além do organismo do homem.


Segundo a teoria formulada na época medieval, a esfera da Lua dividia o
Universo em uma perfeição imutável lá em cima no céu e uma degeneração
corrupta cá embaixo na Terra. Ao redor da Lua localizavam esferas para
os planetas internos, o Sol, os planetas externos e as estrelas fixas, cada
qual movida por um anjo superior. E, ao redor de tudo isso estava o céu,
o lar de Deus. Isso mesmo. Deus morava (tinha sua residência), segundo

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essas idéias, lá em cima, juntos aos astros intocáveis pelos homens vivos e
maculados pelos erros, apesar de sermos crias Dele.

Contidas no interior ou nas periferias da Lua, e, portanto, um pouco


abaixo dos anjos, estavam as almas humanas, e, a seguir, em ordem
descendente, corpos humanos, animais (mamíferos, aves, peixes e insetos,
nesta ordem), depois os vegetais, os minerais, os elementos inanimados,
nove camadas de demônios e, finalmente, no centro da Terra, Lúcifer no
inferno e, no Limbo, as criancinhas que morreram, coitadas, sem serem
batizadas. Portanto, o Universo era disposto nessa hierarquia, Uma
Grande Cadeia do Ser.

Galeno e outras teorias: uma salada difícil de


digerir atualmente
Vamos retornar ao meu xará. A anatomia de Galeno não foi o único
conceito grego a influenciar o Cristianismo. Vários médicos romanos
preferiram as terorias acerca do coração defendida por Aristóteles,
recusando a especulação do cérebro de Galeno, pois, para eles, como
a nossa fala nascia no peito, podíamos deduzir, com bastante certeza,
que as idéias nasciam no coração. Vejam, leitores, que as deduções ou
conclusões se assentavam em intuições a partir de algumas observações
grosseiras e sem critérios lógicos.

A partir dessa “descoberta”, o coração cristão tornou-se, não apenas a


sede das paixões, mas também o lar da consciência moral, ou seja, um
órgão com poderes de percepção além dos sentidos. Não é por mera
coincidência que Jesus é constantemente representado com o coração
aberto exibindo sua “mente”, “bondade”, etc.; nunca com o cérebro aberto.

Séculos mais tarde outras idéias originárias da Grécia antiga, ainda


do tempo de Platão e Aristóteles, renasceram: idéias que desafiam os
ensinamentos da Igreja acerca da alma. A mais herética de todas as noções
considerava o mundo vazio habitado por átomos, ou seja, minúsculas
partículas indestrutíveis de diversos formatos e tamanhos. Os antigos
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atomistas, defensores dessa teoria, afirmavam que o cérebro, em si e por
si só, não era frio e, por outro lado, que o sangue, em si e por si só, não era
quente. Essas características decorrem, como as outras, da interação dos
átomos que lhes dão origem. Deslocando-se do cosmo sem supervisão
ou finalidade, os átomos se agruparam de inúmeras maneiras distintas,
produzindo uma infinidade de mundos.

Epicuro, o maior filósofo atomista da Grécia helenística, acreditava que


os deuses eram indiferentes aos assuntos humanos e que o mundo seguia
adiante graças à colisão e à mescla de partículas invisíveis. Para Epicuro,
a alma, como o restante do cosmo, era feita de átomos concentrados no
peito e que quando vazavam do corpo eram repostos a cada inalação. A
morte sobrevinha quando os átomos da alma deixavam repentinamente
o corpo, levando com eles a vida. Essa idéia, como se nota, encontra-se
próxima da idéia explicativa atual acerca dos quarks (partículas muito
menores que os átomos).

Teólogos cristãos diversos se indignaram diante da idéia de um mundo


sem propósito ou independente da Providência. Mais tarde, Tomás de
Aquino, no séc. XIII, incorporou a filosofia de Aristóteles ao Cristianismo.
Para ele tudo no cosmo tem um propósito. A Terra se encontra no centro
do cosmo cercada de órbitas celestes. Essas giravam com perfeição em
torno da Terra. Portanto, sendo a morada de Deus, a órbita celeste é um
lugar onde vigora a perfeição. A Terra, ao contrário, seria um lugar de
mudanças, de decadência, refletindo a imperfeição do nosso mundo
inferior; o homem era degradado.

Através da razão, Tomás de Aquino e seus colegas chegaram à conclusão


que existe um único Deus; na Grécia antiga existiam vários deuses. Este
Deus, sozinho, criara o mundo e Sua bondade suprema se evidenciava no
funcionamento do mundo. Nessa época os anatomistas ainda não tinham
permissão para observar e estudar o corpo humano. Os teóricos, mais
deslumbrados pelas suas intuições “reveladas” que pelas observações,
admiravam o “magnífico corpo humano” intuído com seus três centros:
fígado, coração e cabeça.

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Criticando minhas críticas
Bacon notou que seus pensamentos podiam ser influenciados pelos “ídolos
da tribo” (próprios da sociedade), pelos “ídolos da caverna” (próprios da
educação), pelos “ídolos do fórum” (nascidos da ilusão da linguagem) e
pelos “ídolos do teatro” (nascidos das tradições). Efetivamente, tradição,
educação e linguagem são os componentes nucleares da cultura e
formam, em conjunto, os ídolos da sociedade (“tribo”). Bacon queria que
o conhecimento se emancipasse, para tornar-se ciência, mas a própria
ciência, inconscientemente, obedecia aos ídolos.

Eu, como Bacon, não estou fazendo nenhuma crítica contra excepcionais
seres humanos, pois a nossa maneira de pensar, que tanto valorizamos,
nasceu deles e de centenas de outros gênios. Devemos muito e muito a
todos eles. Apenas critico, ou melhor, tento compreender o que sou, um
ser humano, o que todos nós somos agora e antes: nós, pois os grandes
homens também erraram muito; isso só foi percebido anos depois por
outras grandes mentes. Retorno à minha pessimista pergunta: O que os
grandes homens de amanhã, daqui a um século – talvez não precise de
tanto tempo – pensarão acerca de nossa atual descrição do homem e da
natureza? Afirmo que irão rir de “nossa ignorância” como rimos deles
atualmente, isto é, nada é definitivo, pois os mais sábios e inteligentes
descrevem suas idéias segundo uma época, não pode ser diferente. Com
os novos conhecimentos criticamos os antigos. Foi e será sempre assim;
não há nenhuma afirmação científica que tenha um valor eterno. A
oposição feita a Galileu era principalmente devido a uma ordem social
que atuava e que tinha pontos de vista formados acerca da criação do
mundo, da natureza das coisas, e, com isso, impediu de ver a realidade.
A imaginada “inferioridade do negro”, para os que discordam desta idéia,
nada mais é do que uma função da força, uma manutenção do poder
político ou para explorar uma mão-de-obra barata ou, ainda, fortalecer a
auto-estima abalada do branco.

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A queda das intuições de
Galeno: Nascem novos pré-
conhecimentos
Retornemos ao Renascimento. A revolução das teorias começou em
1537 com André Vesalius, ao perceber que Galeno não era um médico
perfeito; ele havia cometido inúmeros erros. Entretanto, de qualquer
modo, a intromissão da religião com a medicina, que existia, continuou e
continua até hoje. Naqueles tempos, Richard Napier, um clérigo e também
médico, que vivia atormentado pela depressão melancólica, escreveu
sessenta volumes de notas sobre seus pacientes. Esse senhor-curandeiro,
possuído por teorias esquisitas para os dias de hoje, tratava seus pacientes
elaborando diagnósticos e tratamentos através de horóscopos; sempre
verificando os planetas e as estrelas (os astros como agora) que afetavam
os humores dos seres humanos. Por inúmeras vezes descobria que seus
pacientes estavam possuídos por demônios. Nesses casos, Napier, visando
a expulsar entidades maléficas, sangrava seus queridos pacientes com
sanguessugas e lhes dava laxativos (aloé) e tabaco para que eles vomitassem
e, desse modo, eliminassem os maus espíritos que tinham invadidos seus
organismos indefesos. As explicações assentadas em teorias míticas ou
sobrenaturais que existem ditavam as maneiras de tratar ou curar os
pacientes.

Na Antiguidade, as ciências, magias e adivinhação formavam um todo


indissolúvel. Não era raro os médicos estudarem os efeitos da lua sobre
a vida. Tycho Brahe acreditava na astrologia, Newton no poder e no
risco das bruxas. No ano de 1662, Henry More afirmou: “O cérebro é
uma substância úmida e desestruturada, incapaz de abrigar o complexo
funcionamento da alma”.

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Os teólogos reagiram contra a idéia do poder dos astros. Como entender
a onipotência divina se os astros determinavam o futuro, segundo as
crenças de Napier e Tycho Brahe? Mas surgiram opiniões quanto ao
poder isolado de Deus. Para muitos, o Deus pode utilizar os astros para
dirigir o mundo. A astrologia rebelou-se contra o estabelecido, afirmando
que o futuro da vida humana não pode ficar cegamente submetido a
decisões imprevisíveis de um Deus também imprevisível. Para a astrologia
ocorreria certo determinismo, segundo o governo dos astros.

Mas as ameaças cresciam contra as idéias médico-religiosas desse tipo.


Copérnico, indo contra as idéias estabelecidas, iniciou a revolução, ao
afirmar que a Terra se movia junto com os outros planetas, em círculos
ao redor do Sol. Foi um desastre para as outras idéias que defendiam o
oposto: a Terra como o centro do Universo; seu astro preferido e principal.
Em seguida, já no final do séc. XVI, Galileu Galilei colocou mais fogo na
fogueira que iria queimar as intuições antigas. Ele começou a desvendar
uma nova física governando a Terra e os Céus e, para comprovar suas
teorias, montou um telescópio. A coerência explicativa assentada nas idéias
mágico-religiosas foi desabando. As explicações já impressas nas mentes
das pessoas, apesar dos esforços dos “donos da verdade”, se desfaziam e
partiam-se em frações nada aproveitáveis, prestes a se tornarem histórias
passadas.

Entretanto, se por um lado alguns combatiam as idéias da medicina-


religiosa e da física-religiosa, outros teóricos surgiram buscando ligar as
idéias da Igreja com as novas descobertas da Medicina, isto é, tentavam
harmonizar o pensamento cristão as descobertas da nova ciência que
começava a nascer. Era uma última tentativa de salvar alguma coisa da
carcomida teoria interpretativa da medicina, do cérebro, da doença, da
física, isto é, do mundo e da vida.

Um padre chamado Pierre Gassendi, através de revelações intuitivas,


chegou à conclusão que os átomos foram criados por Deus no início
dos tempos e que o próprio Deus, através de sua sabedoria e poder,
lhes atribuiu determinadas qualidades que os fariam tomar a direção

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necessária à realização de seus desígnios maiores.

Esse padre posteriormente foi procurado por René Descartes, que tinha,
por um lado, uma forte fé católica e, por outro, uma dúvida constante
sobre tudo o mais. Ele estava convencido que os animais não passavam
de máquinas complexamente elaboradas, feitas de partículas passivas. Os
homens se diferenciavam deles unicamente por conterem uma substância
totalmente divorciada da matéria: a alma racional, sendo que esse atributo,
único do homem, não estava sujeito às leis mecânicas; dissociada da lei
dos outros animais, nossa alma seguia somente as leis divinas. Éramos
comandados por Deus e não pelo nosso corpo. A alma humana era capaz
de produzir coisas que nenhuma máquina podia realizar: consciência,
vontade e a glândula pineal (local onde, segundo as especulações, se
uniam os vasos da rede maravilhosa), um órgão cerebral que já tinha sido
uma suposição de Galeno.

Descartes, com sua sabedoria, afirmou que nossa mente trabalhava livre
e independente da função do cérebro, se é que isso existia, e, portanto,
não podia ser estudada como o resto do organismo. Para René Descartes,
com seu “corpo e alma”, o homem seria uma máquina dirigida por um
espectro, pois a alma não podia ser estudada e largava o corpo após a
morte. Sendo assim, o comportamento, principalmente a fala, não era
causado por nada, este era livremente produzido e escolhido segundo
nossa vontade livre. Mas o que dá origem à vontade livre?

A revolução continua
Mas, querendo ou não, a revolução que começara continuava e, aos poucos,
foi abalando, devagar e sempre, os alicerces da explicação antiga. A partir
de conhecimentos cada vez mais apoiados por observações feitas por
nossos órgãos sensoriais (que não eram usados, talvez até proibidos), sem
ou com aparelhagens, o pensamento religioso, aceito pela comunidade
pensante, acerca do cérebro e da mente, foi se tornando cada vez mais
debilitado. Havia sido desfechado um golpe mortal nas almas ditas
inferiores do corpo. Essas morriam com a morte do indivíduo e a Igreja
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perdia seu poder de explicar tudo, inclusive a Biologia e a Astronomia.

A partir daquele instante, as “almas inferiores”, como o estômago, rins,


pernas, etc., sofrendo ainda violentas críticas e ações dos proprietários
das teorias “certas” acerca da realidade, agora foram liberadas, podiam
ser estudadas e possuíam uma engrenagem semelhante às máquinas.
Descartes quase foi preso e morto pelas suas idéias que prejudicavam
os detentores do poder sociocultural, mas a brecha estava se abrindo e
outros, com idéias totalmente diferentes, lutavam por um lugar. Descartes,
perseguido e rejeitado, foi obrigado a fugir para a Suécia onde passou a
dar aulas para a rainha Cristina. Nessa época, quase todas ou todas as
tentativas de apresentar alguma observação que ia contra as crenças eram,
junto com seu relator, combatidas com sérios prejuízos para o autor, às
vezes até com prisões e morte, ou, muitas vezes, abandonado por toda a
inteligência do país.

Retornando às idéias antigas, em processo de agonia, Thomas Willis,


um pouco depois de Descartes, ao estudar Medicina em Oxford na
Grã-Bretanha, aprendeu, segundo um livro antigo lido, que o corpo
era feito dos quatro humores descritos pelos gregos. Para Willis, a rede
maravilhosa do organismo gerava os espíritos animais e os conduzia aos
ventrículos e, além disso, o cérebro funcionava como um fole pulsando e
fazendo os espíritos penetrarem nos nervos. Era difícil impor essas idéias
já criticadas.

Para ele, a moral era uma questão simples e fácil de ser entendida:
Deus proveu o homem de uma alma racional, que determina o certo
e o errado por meio da razão, portanto, o instrumento humano para o
conhecimento não era o uso dos órgãos sensoriais, mas, sim, a razão
(intuições; sem observações ou teorias lógicas), ou seja, bastava pensar
ou, mais acertadamente, intuir. Willis construiu sua neurologia sobre
essa crença, convencido de que somente com um cérebro sadio a alma
racional poderia exercitar o raciocínio correto. Os delírios de uma febre
e as vociferações de uma falsa religião também representavam ameaças
perigosas aos julgamentos morais de alguém. Em resumo: um cérebro

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nebuloso poderia privar a alma de salvação.

A sobrevivência das tradições mágico-religiosas


na medicina e outras áreas
Após o domínio das tradições assentadas nas teorias gregas por milênios,
as principais teorias da natureza humana vieram das tradições oriundas
do pensamento mágico-religioso. A tradição judaico-cristã, por exemplo,
até hoje oferece explicações para boa parte dos assuntos estudados pela
biologia e psicologia. Para essa crença, os seres humanos são feitos
à imagem e semelhança de Deus e não têm parentesco algum com os
animais (Criacionismo). As mulheres derivam (nasceram) dos homens
e destinam-se a serem governadas por eles. A mente é uma substância
imaterial (algum tipo de gás) e tem poderes que nenhuma outra estrutura
puramente física possui, como, por exemplo, o poder de continuar a
existir quando o resto do corpo morre.

A mente, constituída por diversos componentes, incluindo o senso


moral, capacidade para amar e capacidade de raciocínio, reconhece se
um ato condiz com ideais de bondade, mas, por outro lado, a faculdade de
decisão é a que escolhe o modo de se comportar. Embora a faculdade de
decisão não seja limitada pelas leis de causa e efeito, para essa especulação,
o homem possui uma tendência inata para escolher o pecado. Nossas
faculdades cognitivas e perceptivas, segundo essas crenças, funcionam
com precisão porque Deus implantou nelas ideais que correspondem
à realidade e porque ele coordena seu funcionamento com o mundo
exterior.

A teoria judaico-cristã baseia-se em eventos narrados pela Bíblia; ela nos


ensina e nos orienta com especulações de algumas pessoas, um relato
escrito sem critérios científicos e sim religiosos, numa época em que se
usava esse tipo de narrativa. Sabemos, segundo esse ensinamento, que a
mente humana nada tem a ver com a dos animais, porque a Bíblia afirma
que os humanos foram criados separadamente.

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Sabemos que a constituição da mulher baseia-se na do homem porque,
no brevíssimo relato da criação da mulher, Eva foi moldada a partir de
uma costela de Adão. As decisões humanas não podem ter os efeitos
inevitáveis de alguma causa, podemos inferir, pois Deus responsabilizou
Adão e Eva por comerem a árvore do conhecimento e isso implica que
eles poderiam ter escolhido não fazê-lo. As mulheres são dominadas pelos
homens como castigo pela desobediência de Eva, e homens e mulheres
herdaram o pecado do primeiro casal.

A concepção judaico-cristã continua a dominar a maior parte das


populações de todo o mundo. Nos Estados Unidos ela ainda é a mais
popular teoria da natureza humana. Segundo levantamentos recentes,
76% dos americanos acreditam no relato bíblico da criação, 79%
acreditam que os milagres descritos na Bíblia realmente aconteceram,
76% acreditam em anjos, no diabo e em outras almas imateriais, 67%
acreditam que existirão sob alguma forma depois de morrer e apenas
15% acreditam que a teoria da evolução de Darwin é a melhor explicação
para a origem da vida humana na Terra. Aqui no Brasil, segundo uma
“pesquisa” feita pelo telefone, durante o programa “Fantástico”, a maioria
da amostragem acredita que estamos aqui por vontade divina, isto é,
devido ao “Criacionismo” e não devido à evolução.

Pausa para uma historinha: a ênfase na crença


imaginada e o desprezo pela observação
Como não havia ciência na Idade Média, a natureza humana e outros
conhecimentos eram gerados não pela observação, mas sim pela intuição
ou imaginação. Essa postura continua atualmente traduzida pelas frases
“Eu acho que..”, “Na minha opinião…” e muitas outras.

Vamos à historinha. Na Idade Média, mais de duas dezenas de frades


iniciaram, logo após o Sol ter nascido, uma acirrada discussão acerca de
quantos dentes tinha um burro. Palpites de um lado, palpites de outro,
e a discussão não terminava, pois não havia concordância entre os

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participantes.

A hora do almoço se aproximava e a discussão prosseguia acalorada; ao


mesmo tempo, a fome dos frades crescia. Um deles, assentado no pior
lugar, já que não tinha nenhum prestígio no grupo dos sábios, pois fazia
parte da turma do baixo clero, faminto, em torno do meio-dia, muito
envergonhado, pediu a palavra. Depois de muito insistir, mais devido à
fome que à busca da verdade, o irmão maior lhe permitiu falar, antevendo
que daquele infeliz e pouco dotado nada sairia de valor.

— Por que, em lugar de continuarmos a discussão, nós não vamos, após o


almoço, é claro, até o burro e contamos quantos dentes ele tem?

Houve um mal-estar geral. Todos ficaram indignados com tamanho


atrevimento. Esperaram que o irmão superior lhe desse uma lição. Este,
após pigarrear, tremendo de raiva, limpou o suor, levantou a voz e disse
ao pobre irmão inferior:

— Seu idiota! Você acha que há mais sabedoria na boca de um burro que
em nossas cabeças? A sessão terminou em seguida…

Eu ouvi esta história quando era aluno ou professor na Faculdade de


Filosofia; penso ser ela dessa maneira como relatei. Não tenho certeza.
Resolvi contá-la, pois, para mim, ilustra a Idade Média. Nessa época, e
mesmo depois, no Racionalismo e Iluminismo, acreditava-se que nosso
conhecimento provinha de nossos pensamentos, teorias adquiridas de
forma intuitiva. Os órgãos sensoriais atrapalhariam o raciocínio puro,
como, com razão, falou o irmão superior admoestando o ousado irmão
que imaginou poder conhecer algo através da observação da boca de um
burro.

O poder e queda da razão


Durante anos acreditou-se exageradamente na “razão”. Inventou-se, e nós
assimilamos a crença que nosso pensamento funciona automaticamente,
conforme leis divinas e eternas (a mente não podia, nem devia ser
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estudada, apenas especulada). Em função desse desejo, o indivíduo
poderia, em todas as ocasiões e situações sociais, desde que estivesse
livre dos “transtornos psiquiátricos” – mesmo nesses casos -, usando sua
“razão” livre, escolher ter sua maldição expulsa de sua mente. Isso é um
desejo, uma ambição, mas não uma realidade. Deve ser enfatizado que
essa crença insere-se uma prescrição, uma aspiração moral, transformada
como uma forma de realidade que, de fato, não existe.

Milagrosamente, foram surgindo, apesar dos pesares, outras e outras


teorias. O homem tem, talvez por natureza, um impulso a combater o
afirmado pelos outros. Um desses contestadores foi o notável filósofo
do iluminismo Immanuel Kant; um outro gênio foi David Hume. O
iluminismo foi um movimento intelectual do século XVIII, caracterizado
pela centralidade da ciência e da racionalidade crítica no questionamento
filosófico, o que implica recusa a toda forma de dogmatismo,
especialmente o das doutrinas políticas e religiosas tradicionais. David
Hume foi o primeiro a declarar que aprovamos as boas ações não porque
racionalmente as reconhecemos como boas, mas porque sentimos (temos
emoções favoráveis) que são boas. Para Hume, “a razão é escrava das
emoções”; consideramos errada alguma coisa porque ela nos provoca
uma sensação de aversão. O conhecimento moral, escreveu Hume, deriva
de “uma sensação imediata e um aguçado sentido interior”.

Inspirando em Hume, Darwin criou uma nova teoria do juízo moral. Esse
grupo chamou a si mesmo de Intuicionistas sociais. Eles defendiam a
idéia de que quando um indivíduo decide o que é certo, ou errado, o papel
do raciocínio é irrelevante; foi um tiro de misericórdia na tão querida e
orgulhosa “razão”.

Nós somos capazes de, rapidamente, perceber se uma pessoa está com
medo, raiva, triste, amistosa ou feliz. É claro que podemos errar em
nossos julgamentos. Nossas intuições variam como as línguas e conforme
as culturas; entretanto, todos os seres humanos aprendem conforme as
predisposições existentes em cada organismo, influenciando a forma
como conduzimos nossas vidas. Assim é que, se o circuito cerebral estiver

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danificado em algum ponto de sua rede, as intuições produzidas pelo
circuito danificado poderão não tomar forma desejada; nesse caso, a
criança de ontem pode não ser adulto moral esperado de hoje.

Usamos a razão para resolver um dilema complicado, mas essa é uma


operação lenta, um processo espinhoso, se comparado às nossas intuições
imediatas. O mais comum é que o raciocínio venha depois da intuição,
dando origem às justificativas após o uso do nosso juízo ou conhecimento
instantâneo.

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Um elogio final para as idéias
passadas
As antigas idéias intuitivas da antiguidade, esquisitas sob a visão atual,
têm seus méritos indiscutíveis. Foi através delas, do seu exame e crítica,
que brotaram as terorias e explicações modernas e mais bem elaboradas
e menos protetoras de alguns poucos grupos detentores de poder. As
descrições e explicações antigas não mais servem; elas ultrapassaram o
limite de nossa burrice. É preciso nascer na mente popular, para melhorar
sua vida, uma nova idéia do Deus bondoso, um novo Cristo que lutou
contra os opressores, de Maomé, Confúcio, Buda, Lao-Tsé, novos modos
de entender as ciências, a política, o homem, o cérebro e tudo o mais.

Adquirindo conhecimentos um pouco mais próximos da realidade, o


homem simples seria capaz de fazer críticas ao existente, às injustiças e às
trapaças frequentes. Um maior e melhor conhecimento crítico (um saber
profundo e crítico), tornaria o homem humilde menos submisso e menos
dependente dos que o exploram, isto é, mais capaz de se livrar de seus
dominadores encapuzados de santos tipo satanás.

Não sairemos dessa possível estagnação ou involução que se encontram


as diversas culturas (aumento da criminalidade, guerras continuadas,
crescimento do uso de álcool e drogas, terrorismo, domínio e exploração
comercial de uns poucos, globalização, etc.). Se não mudarmos a mente
atrasada e infantil existente na maioria das cabeças que ocupa todos
os espaços da sociedade (lavradores, operários, professoras primárias,
profissionais liberais, políticos, governadores, presidentes e reis), vamos,
pouco a pouco, nos afundar nesse lamaçal de corrupção e ladroagem,
onde o mais importante é o mais hábil embusteiro, isto é, o que confirma
as crenças mais estapafúrdias (ilógica).

Por ignorância ou maldade, muitos dirigentes e formadores de opiniões


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mantêm e estimulam a continuada enxurrada de preconceitos, princípios
inadequados ou falsos nas mentes moles dos assimiladores mentais,
ingênuos e semi-analfabetos. Ninguém ainda conhece o homem e suas
tendências às trapaças.

O prejuízo de usar as antigas “idéias esclarecedoras” (as falsas crenças


nascidas de intuições ingênuas) acerca do universo e do homem domina
a mente dos menos capazes, dos excluídos diante do conhecimento
profundo e crítico. Continuamos, até hoje, a usar descrições dominadas
por dogmas e aceitas como se fossem “verdades eternas”. Tais explicações
(acerca de uma só verdade) partem de um princípio que vai contra
o crescimento intelectual do indivíduo: a afirmação de que as idéias
apresentadas como verdadeiras não podem ser questionadas e nem
mesmo discutidas, pois partiram de uma “autoridade” no assunto ou
foram obtidas através de “revelações”. Devemos desconfiar das intenções
dos que defendem uma idéia única e dos que, cinicamente, fazem elogios
à “inteligência” e “sabedoria” do povo. A vida de cada um pertence a ele
próprio e não a outros indivíduos.

Saberes diversos, usando argumentos e dados bem fundamentados, têm


criticado inúmeras explicações populares aceitas sem crítica pelos mais
humildes; há proibições e mesmo punições para quem discordar. Um
enorme esforço, bem como bastante coragem, tem sido realizado por um
pequeno grupo de homens mais lúcidos, corajosos, esclarecidos e mais
livres que os demais.

Enquanto nenhuma descrição acerca do universo externo ou interno, isto


é, relativo às ciências Físicas, Biológicas e Psicológicas, tem característica
de imutabilidade, ensina-se, de maneira geral, o contrário disso. Tudo
muda, pois a realidade é um tipo de explicação do homem acerca de uma
área focalizada. As interpretações, como sabemos, estão sempre mudando.

Apesar dessa “verdade” (uma “meta-verdade”, que diz algo acerca de


outra “verdade”) acima descrita (não há verdade alguma que possa durar
uma eternidade), muitos modelos do mundo que foram construídos

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inicialmente e plantados em nossa mente, de forma fácil e simples,
continuam a ser ensinados pelos pais aos filhos ou, até mesmo nas
escolas, aos alunos como dogmas que obrigatoriamente devem ser
aceitos. Estes modelos são transmitidos aos filhos e alunos, entrelaçados
às idéias “científicas”, nos fornecendo uma falsa idéia de que as ciências
são estáticas e dogmáticas, como algumas religiões e ideologias políticas
anacrônicas.

Os modelos científicos modernos vão, muitas vezes, totalmente contra


as idéias contidas nas primeiras teorias do mundo, ou seja, nas histórias
contadas e passadas, de geração em geração, pelos mitos. O prejuízo desses
ensinamentos, onde o mito não é mostrado como tal, mas ensinado como
relato científico do universo (injeta-se uma coisa como se fosse outra), é
que produz, desce cedo, uma considerável confusão na mente da criança
e, pior que isso, impede a possível germinação de interpretações mais
fecundas, mais justas, críticas, funcionais e bem feitas da natureza e dela
própria.

Algumas das crenças narradas pelos mitos são imaginadas como


provenientes de divindades, entretanto, não devemos nos esquecer que
as próprias divindades, os diversos deuses, nasceram, cresceram e são
alimentados pelas construções cognitivas humanas diferentes e, também,
constantemente mudando. O Deus descrito na época de Cristo não é o
descrito por nossas idéias atuais e, também, não será o descrito mais tarde.
Não tem sentido para nós humanos pensarmos num Deus sem ninguém
para venerá-lo. Do mesmo modo, não podemos falar que o açúcar é
doce se não temos ninguém para prová-lo. Para manter sua existência,
Deus precisa do homem, como o homem precisa de Deus. Entretanto,
os relatos míticos, numa só via, são ensinados às crianças como fatos “do
além”, nascidos do nada, o que é impensável de acordo com a idéia de
dupla “causalidade” (duas vias) usada pelas ciências; ou aceitamos uma
ou outra, pois elas são antagônicas.

Nós só podemos pensar com nossa mente, não com outra cabeça, e,
assim, consequentemente, todas as idéias do universo foram construídas

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e descritas por mentes humanas, contadas na linguagem do homem e não
na linguagem da barata, do besouro ou do hipopótamo. Tudo isso não
poderia ser diferente.

Alguns homens organizaram e contaram certos fatos de um modo


peculiar, em certo momento da história. Eles foram chamados por nós, ou
por eles próprios, de “filósofos”, outros “sábios”, “alquimistas”, “cientistas”,
“religiosos”, “ideólogos” e outros. Alguns deles, para adquirir ou manter
o poder e o domínio, se denominaram de seres superiores e intocáveis.
Segundo esses importantes senhores, eles tinham conhecimentos
superiores, revelados, sobrenaturais ou outras origens; isso não importa.
As histórias míticas cresceram e cresceram; tornaram-se, para nós, dignas
de fé e impossíveis de serem questionadas.

Para seus fundadores, alguns narcisistas fanáticos, estas descrições


propostas teriam tido uma origem diferente da de todos nós. Fica a
pergunta: Por que interessaria a um Deus genuíno e verdadeiro uma certa
história a respeito do Universo e não uma outra? Por que somente uma
explicação é a certa? Seria para mostrar que quem manda é ele? Nesse caso,
e sob esse prisma, Deus seria, no mínimo, ridículo, orgulhoso e tirano.
Esse é o falso Deus, o Deus semelhante ao pai orgulhoso e bobo, pois o
verdadeiro não deveria ter ligações com essas tolices, pois essa atitude,
caso o Deus verdadeiro a tivesse, iria contra sua definição de bondade,
amor, tolerância, perdão e, principalmente, de imensa sabedoria.

Mas tem mais: em que linguagem essas pequenas e ridículas mensagens


foram construídas? Como elas foram entendidas por um ou outro homem
vivendo numa ou noutra cultura e numa ou noutra época? Como ela foi
decifrada e qual a validade dessa tradução? Eu não tenho respostas.

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Julgamento moral e valores;
papel da intuição e razão

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Desejos, dúvidas e valores do
homem

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Desejos, dúvidas e valores do
homem
Muitos lumeeirenses, seguindo os valores culturais, desejam não serem
obesos, nem cheirar mal, ter filhos lindos e saudáveis, ter boa saúde, belos
dentes e um sorriso bonito, ter dinheiro, boas roupas, um carro possante,
uma casa sem barulho, segura e confortável, estar cercados de amigos e
familiares, não serem feios, amar e serem amados, possuir coisas valiosas,
ter sucesso na profissão e no casamento, ter uma auto-estima e auto-
eficácia alta, não ser passado para trás, fazer viagens maravilhosas e, por
fim, ter uma boa velhice e uma morte digna e sem sofrimentos.

Pois bem: eles não se preocupam se seus desejos, uma vez realizados,
serão bons ou ruins para eles. Nossos desejos estão presos a valores e estes
são transmitidos, segundo explicações mais recentes, no final da infância
e na puberdade, principalmente dos companheiros mais admirados
e imitados, isto é, o famoso diálogo dos pais parece não ter grande
importância na assimilação de valores. As crenças, desejos e os valores
são passados, ou melhor, incorporados através da imitação automática e
geralmente inconsciente de uma pessoa a outra através do contato e ações
físicas.

Tipos diferentes de valores


Cada pessoa, dependendo do seu sistema de valores, de suas premissas
básicas, defende com ardor seus desejos. O “hedonista” valoriza e quer
“levar vantagem em tudo”. Busca o prazer e foge do sofrimento; o prático,
adepto da ética utilitária, dá prioridade ao útil; os seguidores da ética
social afirmarão seguros: “tudo que melhore as condições sociais dos
homens deve ser procurado em primeiro lugar”; os fiéis da ética religiosa
evitam os pecados e procuram a conduta virtuosa revelada e prescrita

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pela religião seguida e pelo seu Deus; para os “naturalistas”, adeptos da
ética do organismo, o bom é ter uma mente sã junto ao corpo forte,
bonito e saudável e, assim, devemos fazer exercícios físicos, comer frutas
e legumes, evitar bebidas alcoólicas, drogas e o fumo; os relativistas, em
dúvida, pensam: “o critério do que é bom e mau depende do indivíduo e
da situação onde se dá o fato; tudo é relativo”; os artistas, seguidores dos
valores estéticos, exaltam o belo e o sublime e rejeitam o feio e o ridículo; o
justiceiro, defensor incansável dos valores do que é certo, luta, com as leis
ou as armas, pela justiça e punição dos “culpados”; os adeptos da política
discursam em defesa do poder e do governo e, por fim, os lógicos lutam
pela verdade e certeza e abominam o raciocínio incongruente ou falso.

Existem outros valores defendidos com “unhas e dentes” pelos seus


partidários. Todo homem valoriza alguma coisa mais que outra e pensa
que os valores do outro, quando diferentes dos seus, são mesquinhos,
idiotas e absurdos.

Não existem valores objetivos. Não se pode falar que isto é melhor que
aquilo, como, por exemplo, que é melhor comer chuchu que dançar ou
ser pai. Não se pode comparar uma coisa com outra quando não há
parâmetro para isso. Não há nada que é bom para todos e mau para
todos. Os governantes sofrem por isso. Os moradores da Rua Maria de
Souza acham que a prefeitura deveria, prioritariamente, calçá-la, mas a
comunidade do Bairro Esperança pensa ser “absurdo” não existir uma
linha de ônibus para servir a região. Um grupo acha que as árvores
devem ser cortadas para a construção de uma fábrica, pois esta gerará
mais empregos em Santana da Misericórdia. Outros fazem um abaixo-
assinado contra o corte, pois este irá perturbar o equilíbrio ecológico. As
nossas instituições sociais não possuem uma maneira fácil ou mágica de
tratar os valores antagônicos e múltiplos como se descreveu acima. Talvez
algum leitor saiba.

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Dúvida do lumeeirense:
Conflitos de valores
Em Lumeeira, como no resto do país, houve um referendo para julgar
se devíamos ser a favor ou contra o uso de armas. O povo de Lumeeira,
confuso, gastou um bom tempo para decidir acerca da escolha. Eles
perceberam que, muitas vezes, eles têm, ao mesmo tempo, duas opiniões
contrárias, ou melhor, podem ser a favor de duas coisas vistas como
contraditórias. Assim, diante das questões: “Devemos ser a favor ou
contra o uso de armas?” ou “A favor ou contra a pena de morte?”, eles
ficaram indecisos e confusos, pois são a favor e contra, dependendo da
maneira de focalizar a situação concreta. Eles, quando pensam conforme
um tipo de mapa (princípio), têm uma resposta favorável à questão, mas
quando usam um outro modelo (padrão) ficam contra o perguntado.

Os Lumeeirenses ficam perplexos diante de outras questões além dessas


duas acima citadas, como, por exemplo: “Devemos lutar a favor ou contra
a permissão do aborto?”; “Devemos internar o paciente psiquiátrico?”;
“Devo acabar com o maldito casamento?”. Eis alguns exemplos de dúvidas
que perseguem a população de Lumeeira quanto à escolha de um valor
ou outro, pois eles sempre descobrem argumentos a favor e contra as
questões. Para muitos, esse modo de pensar é caótico.

Um anarquista meio-maluco de Lumeeira, sem o que fazer, defendia a


igualdade dos seres humanos. Esta idéia era a sua bandeira, o seu valor
máximo. Para conseguir o desejado ele defendia o fechamento de todas as
escolas, principalmente das universidades do país. Para o anarquista, os
estudiosos se tornam pessoas desiguais; homens superiores se comparados
aos não-estudiosos. Ele tem toda razão se apoiarmos no “princípio de
igualdade” entre as pessoas; um princípio defendido por todos.

Havia na cidade uma discussão entre os magistrados e os religiosos acerca


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da justiça e do perdão. Os debates argumentavam que um mundo de
perfeita justiça não é compatível com a misericórdia. O Direito, de um
lado, diante de um delito qualquer, exige a pena prescrita no código. A ética
religiosa, por outro lado, defende o perdão, independente da transgressão
realizada. A defesa de um valor nos leva a ir contra um outro, geralmente,
também defendido. O que fazer? Os lumeeirenses andam tontos acerca da
decisão a ser tomada.

Mas as dúvidas continuavam: a liberdade procurada por todos não


convive bem com a igualdade. Se José é livre para fazer o desejado,
durante uma briga, ele, sendo mais forte que Gervásio, poderá, usando sua
liberdade, agredir seu desafeto. Se defendermos a igualdade, não devemos
ultrapassar outras pessoas quanto aos bens materiais (propriedade,
dinheiro), nem com respeito aos bens intelectuais, espirituais e artísticos
(conhecimento, perícia, governo, arte), pois, se ultrapassarmos os outros,
seremos desiguais.

A felicidade e o conhecimento podem ser ou não compatíveis. Alguns


pensavam que o conhecimento sempre liberava e salvava o homem e
aprisionava o ignorante. Nem sempre ele libera: se fico sabendo que sou
portador de um câncer incurável – um conhecimento – não me torno
mais feliz e mais livre.

Admiramos a criatividade, o nascimento livre das idéias e obras-de-


arte. Entretanto, essa liberdade não é compatível com a capacidade de
planejamento cuidadoso e eficaz, sem o qual não pode ser criada nenhuma
vida organizada e segura.

Ter uma companhia amiga é uma meta cobiçada por todos. Mas essa
companhia, rotulada de agradável conforme o princípio, pode ser a fonte
principal de futuro sofrimento, da perda da querida liberdade e do sossego.
Os cônjuges brigam entre si, batem e exploram um ao outro; os amigos
matam, traem e mentem; os colegas podem ser egoístas, competitivos e
agressivos, portanto, nem sempre é bom estarmos ligados. Mas se ficamos
livres dos sofrimentos das relações, nós não gozamos os prazeres do amor

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ou da amizade.

Armado e desarmado, liberdade e igualdade, criatividade e segurança,


felicidade e conhecimento, misericórdia e justiça, solidão e amizade: esses
são valores procurados por todos em Lumeeira, mas são incompatíveis
entre si. Quando somos obrigados a escolher um deles temos que deixar
de lado um outro valor de importância.Sempre iremos sofrer perdas, às
vezes, trágicas. Esse outro lado da escolha deve ser aceito com naturalidade,
pois, no momento, escolhemos um valor que parece ser mais importante.
Estudar Medicina ou Direito?

A idéia do mundo perfeito, onde só as boas coisas podem ser realizadas,


não existe. A escolha de certo valor impedirá gozar o prazer possuído
pelo valor descartado. Há sempre ganho de um lado e perda de outro. Não
existe projeto de vida ideal pelo qual deveríamos sacrificar nossa vida; não
há “vida perfeita”. Essa quimera jamais será atingida; não podemos nem
imaginá-la, pois, se observo o lado bom, também vejo o ruim. Sempre são
dois lados da mesma moeda.

Mas tem um modo de resolver essa dicotomia de valores: jogar fora a


maneira de pensar ocidental e adotar a oriental. O modo dialético dos
orientais admite a existência da contradição (dois valores ao mesmo
tempo), ou seja, a presença continuada do “bom” e do “ruim” em todas
as nossas ações. Para esse modo de compreender e explicar a realidade,
tudo é, ao mesmo tempo, bom e ruim; precisamos trabalhar com os dois
lados ao mesmo tempo, por exemplo, pode ser bom viver e, também,
bom morrer. Outro exemplo: a comida deliciosa engorda; a namorada
altamente atraente me impede de ler meus adorados livros e ouvir minhas
deliciosas músicas, etc.

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Solucionando o emaranhado
de valores: Dogmatismo
Há uma grande variedade de intenções e valores; há diversas culturas
e temperamentos. Cada um de nós busca valores diferentes e, alguns,
semelhantes. Todos nós detestamos ser obrigados a conviver com pessoas
que defendem determinado valor; caso isso ocorra tendemos a atacar
os valores indesejáveis. Se um homem possuir uma educação bastante
extravagante, falsa e ilusória, ele acreditará num e noutro valor diferentes
dos usuais e aceitos, correndo o risco de cometer crimes absurdos.

Para tranquilizar os indecisos, de tempos em tempos, aparecem ideólogos


que defendem (não sei se acreditam) a vigência de uma única forma de
verdade. Conforme essa crença, algumas pessoas especiais (religiosos,
estadistas, juristas e curandeiros famosos e carismáticos) sabem as
respostas certas para os grandes problemas da humanidade, como se deve
ou não casar; quantos filhos ter; sempre usar camisinha; ir ao dentista e
médico; não fumar; onde morar; que profissão deve escolher, etc.

Por isso, elas, as dotadas de clarividência, devem comandar os que


desconhecem os maravilhosos caminhos que só elas tiveram e têm acesso.
Portanto, esses líderes (chefes, ditadores, intelectuais e muitos médicos)
para essa crença devem ser obedecidos, pois somente eles sabem como a
sociedade deve ser organizada, como a vida de Maria ou de José deve ser
vivida e como a cultura deve ser desenvolvida.

Essa é a antiga crença platônica dos reis-filósofos que tinham o direito


de dar ordens aos outros. Sempre apareceram pensadores dispostos
a defender que, se os cientistas – ou pessoas cientificamente treinadas
– pudessem ser encarregados das coisas, o mundo seria imensamente
melhorado; esses faziam ou fazem parte do grupo escolhido. No mínimo
melhorado para eles. Essa suposição tem falhado.
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Os “ismos” e os modelos perigosos do
dogmatismo
Antigamente alguns homens e algumas mulheres foram entregues ao
sacrifício a uma variedade de deuses. Mais recentemente, no lugar de
sacrifícios semelhantes, a era moderna gerou novos ídolos, pelos quais
podemos sacrificar pessoas: os deuses “ismos”.

Todos nós, atualmente, criticamos os indivíduos que causam dor, matam


ou torturam outros. Essas condutas têm sido, em geral, condenadas.
Estranhamente, esses mesmos atos, se não são feitos para meu ou seu
beneficio pessoal, mas sim por um “ismo” qualquer, como o socialismo,
nacionalismo, fascismo, comunismo, racismo, heroísmo, brasileirismo,
sanismo, catolicismo, protestantismo, heroísmo, mensalismo, banditismo
ou uma crença qualquer fanaticamente adotada, então, todos esses
atos, antes condenados, tornam-se aceitos, adequados, naturais, reais e
corretos, sendo, por isso, incentivados.

A maioria dos revolucionários ou o político fanático que apenas vê um lado


do problema acredita, secreta ou abertamente, que para criar o mundo
ideal imaginado pelo grupo, ele pode e, talvez, precise sacrificar todos os
que impedem a passagem do caminho imaginado e perfeito. Para esses
videntes, alguns precisam ser extirpados para o sucesso do plano salvador
(da Instituição da qual ele faz parte e, talvez, chefie). Lamentavelmente,
a história mostra que muitos foram mortos, outros aprisionados, mas a
comunidade perfeita nunca ficou pronta. A outra geração iria aproveitá-
la, segundo os revolucionários, mas passa uma, duas e três gerações e
outros homens que pensam diferente são ignorados ou destruídos sem
que haja a realização do milagre apregoado.

Essa é uma das afirmações do dogmatismo ou monismo desenfreado


(uma só idéia), que alguns chamam de fanatismo. O monismo está na
raiz de todo o extremismo; só uma idéia defendida é a certa e devemos
combater com vigor a diferente da defendida. Muitos médicos adotam esse
dogma. Eles conhecem apenas um modo de melhorar a vida do cliente:
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receitando-lhe remédios ou fazendo cirurgias. Nada mais é preciso. Os
religiosos e os políticos fanáticos pregam idéias semelhantes. A vida
agradável pode ser obtida obedecendo a esses princípios simples, mas a
vida de cada homem é muito mais complicada que reduzir o colesterol,
frequentar a Igreja, orar, torcer pelo Brasil na Copa, votar no Lula, dormir
bem, não fumar e transar somente fazendo uso de camisinha.

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Qual objetivo deve ser
alcançado?
Ao examinarmos as estratégias e táticas usadas pelo nosso interlocutor
para atingir uma ou outra meta notamos que, poucas vezes, ele nos
descreve o que pretende ao usar esse ou aquele caminho. Frequentemente,
ele mesmo não sabe com segurança onde quer chegar. Geralmente uma
resposta dada desperta e estimula a possibilidade de se fazer uma outra
pergunta e esta exige uma outra e assim sucessivamente. Nesse caso as
dúvidas continuam. Por exemplo: encontro um amigo que me comunica
que vai se casar. É um caminho para atingir algum objetivo. Curioso,
posso lhe perguntar:
— Para quê?

Ele poderá responder-me:

— Para ter uma companhia, é claro!

Posso continuar fazendo outras perguntas:

— Por que você precisa de uma companhia agora? Por que morar junto com
essa determinada companhia e não com uma outra diferente dela?

Perguntas semelhantes poderiam ser feitas para tentar esclarecer os


objetivos ou fins pretendidos pelo meu amigo e as estratégias que estão
sendo planejadas.

Cenas parecidas com as contadas acima são presenciadas a todo o


momento. Mas alguns vão além, pois, após obterem uma resposta,
criticam esta e dão sua opinião pessoal. Vamos aos exemplos desses
“pseudoterapeutas”:

Maria conta à amiga Fernanda que largou o namorado por ter este
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lhe dado um “bolo”. Fernanda comenta: “Você fez isso?” O seu tom de
voz, ligado à frase, e mais sua expressão facial denotam claramente um
julgamento questionador e de reprovação para o relatado por Maria;
essa é a informação transmitida. Maria, não muito segura de suas ações
– como ocorre com todos nós – vai para casa apreensiva após ter sido
inoculada pelas críticas da amiga. Fica em dúvida: “Será que agi certo?”
Mais tarde telefona para Fernanda pedindo a ela mais conselhos acerca
do caso contado.

Rosângela relata a Fátima que nas próximas férias irá a Cabo Frio. Esta,
julgando sua pretensão e discordando do desejado, lhe diz: “Cabo Frio?
Lá é lugar de farofeiros, fui lá uma vez só. Detestei!” Rosângela, confusa,
começou a imaginar vários inconvenientes em ir a Cabo Frio. Depois,
desistiu do passeio.

Mário conta animado a Anselmo, seu colega de trabalho, sua decisão de


ficar noivo de Marta, informando ao amigo que o casamento tem data
marcada. Anselmo lhe passa uma descompostura dizendo-lhe: “Como
você tem a coragem de casar-se com uma mulher desta, ainda mais numa
situação de crise. Você pode perder o emprego a qualquer momento. E,
cá para nós, todo mundo anda falando, por estas bandas, que ela não é
santinha não. Cuidado!” Mário fica possesso, discute, defende a honra
de sua noiva e briga com o amigo. Vai para casa em dúvida: “Será que ele
tem razão?”.

Alfredo prepara-se para o vestibular sem contar para os pais. Deseja fazer
Pedagogia. Sai o resultado e Alfredo é classificado; ele corre para casa
para contar sua proeza ao pai. Este, sem mudar o semblante, olha para o
filho sem demonstrar alegria, pois, ao contrário, estava decepcionado e
irritado. Nesse momento desabafa: “Curso de Pedagogia? Uma porcaria
dessas. Pra quê? Seria melhor não ter passado!” Alfredo larga o curso e a
casa dos pais.

Eis alguns exemplos de situações nas quais um dos personagens relata


uma escolha, normal, semelhante a milhares de outras. Entretanto, o seu

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interlocutor, naquele momento, resolve, sem maiores reflexões, muitas
vezes de cabeça quente, julgá-lo e, em seguida, opinar de modo enfático
contra a pretensão do falante. É comum a “vítima” ficar perturbada e
abandonar o pretendido. Mesmo quando isso não ocorre geralmente
aumenta a dúvida com respeito à escolha feita, principalmente se o
conselheiro é percebido como superior ao aconselhado.

O que leva a maioria das pessoas, com pouco ou nenhum conhecimento


acerca das minúcias do problema apresentado, a dar os mais variados e
intrometidos palpites (julgamentos intuitivos) na vida do amigo, familiar
ou colega de trabalho? Eu não sei. Tenho minhas hipóteses.

Uma delas é que damos um valor extraordinário às nossas crenças,


suposições, princípios e julgamentos, apesar de que, quase sempre, o
mapa que temos do território apresentado é paupérrimo em detalhes.
Um segundo palpite meu, já que citei vários julgamentos, é o seguinte:
todos nós temos dúvidas e mais dúvidas acerca do que é certo ou errado,
pois há várias maneiras de avaliar um mesmo evento. Pensando assim,
não é difícil prever que a incerteza irá aumentar quando alguém de certa
importância para o aconselhado critica o imaginado por ele e lhe mostra
outras possibilidades ou alternativas. Nesse caso, é possível que algumas
dessas suposições já tivessem sido pensadas “de raspão” pelo próprio
consulente. Também é possível pensar que uma grande parte das pessoas
parece estar sempre pronta para ouvir a outra, esperando que esta saiba,
melhor que ela própria, o caminho certo a seguir diante de qualquer
problema. Esses têm sido chamados pela psiquiatria como possuidores
do Transtorno da Personalidade Dependente. Essas pessoas precisam
ouvir uma outra para comprar uma meia, um lenço ou mesmo escolher o
sorvete que é mais gostoso.

O que é certo ou adequado para um pode ser o errado para o outro; o que
é liberdade para um é sofrimento ou aprisionamento para outro; o que é
solução para um é a formação de um problema para o outro. A conduta
certa para um lobo é comer o coelho, já a conduta certa para o coelho
é fugir do lobo. A conduta certa – ou liberdade – de um proprietário

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de escravos é extrair deles o maior rendimento possível; para um
trombadinha o correto é ser esperto, isto é, saber retirar rapidamente o
colar valioso, se possível de uma idosa, pois nesse caso o risco será menor;
já para o aposentado o correto é não ser assaltado ao receber o magro
salário; para um louco o certo é ele escapar dos sãos. Em resumo: não
há valores universais, isto é, certos para todos, em todos os lugares e em
todos os tempos.

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Haveria uma escolha livre?
Nós homens, gerados pelos genes, alguns iguais, outros modificados
de animais que nos antecederam, somos parecidos com a abelha que se
acha amarrada e obediente aos processos ordenadores automáticos que
coordenam ou organizam sua vida. Assim também o homem é ejetado
para o que chamamos, eufemisticamente, de nosso caminho futuro, de
nossa liberdade de ação e da nossa tomada de decisão.

Empurrados, sem tomar conhecimento dessas forças, subjacente à


conduta visível, somos levados a pensar, emocionar e agir conforme a
estrutura do nosso organismo e dos estímulos que atuaram num certo
momento. Há, sempre, forçando certa conduta final, um organismo
humano total, biológico (instintivo) e racional/cultural, por sinal, uma
aprendizagem que também nos domina e que não temos acesso direto
a ela, pois ela se automatiza, como o nosso modo de escrever, dirigir o
automóvel, falar ou tirar a roupa. A consciência, a que decide “escolher
livremente” o desejado, está subordinada, presa, dominada e fixada pela
totalidade do organismo; ela é parte dele e dele depende. Não existe a
liberdade preconizada e defendida com orgulho. Usamos os mais belos
nomes para designar nossa “escolha livre”, como se nosso “espírito” ou
mente estivesse livre das diversas forças da natureza, isto é, nascesse do
nada.

Somos, querendo ou não, natureza; uma natureza física e química,


arrumada de uma forma peculiar que se auto-reproduz e, por isso, muda
de nome e se torna “biológica”. Essa nova e terceira natureza formada às
custas da química e da física fez nascer o que chamamos de “Biologia”
ou “natureza viva”, que nada mais é que uma composição especial das
“naturezas” existentes antes do aparecimento dos seres vivos, ou seja, dos
vegetais e animais.

Segundo os métodos científicos, não os intuitivos, a ciência comprovou

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que a consciência é instalada ou produzida, automaticamente, devido
a ações bioquímicas e biofísicas ocorridas dentro do organismo diante
dos estímulos do meio ambiente interno e externo, quase sempre,
aleatoriamente e sem nosso conhecimento. Sendo assim, a totalidade
do organismo não é dirigida por nós; é comandada por outras forças
independentes do nosso poder ou querer. Essas forças são orientadas por
princípios ou paradigmas inconscientes, trabalhando em conjunto com os
mais diversos fatores biológicos, além, é claro, dos estímulos do momento
desencadeadores da conduta. Os dois processos, princípios implícitos e
totalidade do organismo biológico, excitados por estimulações diversas,
nos comandam.

A ciência mostra que é a totalidade do organismo, não apenas um simples


e pequeno atributo, como o nariz, a audição, a amígdala, o lobo frontal, o
estômago ou a consciência, que leva, arrasta, empurra e conduz a pessoa
a fazer uma ou outra coisa. O poder da consciência é ínfimo diante da
potência extraordinária do restante do organismo, ou seja, do biológico e
dos princípios (normas, leis) que cada indivíduo obedece geralmente sem
notar. Tudo isso é executado de forma automática.

As intenções verdadeiras – as que se realizam e se tornam atos – nascem de


programas não exibidos em nossa consciência. Temos acesso ao resultado
final, à conduta possível de ser observada pelos órgãos sensoriais, por nós
ou por um observador. Agimos por intermédio de nosso corpo devido às
pressões externas e internas.

O “querer amplo” é cumprido ou alcançado através de várias ações


biológicas: neurotransmissores, peptídeos, elementos sanguíneos,
hormônios, etc., provocadoras das emoções, às vezes, não notadas e, por
outro lado, se acha influenciado ou dominado pelos modelos teóricos,
princípios, ideologias, paradigmas, deveres, etc., que se manifestam,
automaticamente, durante as interações do indivíduo com acontecimentos
fortuitos do meio ambiente. Não possuímos meios ou aptidões para
resistir a essas poderosas forças, ora agindo logicamente, ora atuando
irracionalmente. O homem é uma construção da evolução: ora dançamos

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a melodia demoníaca (odiamos e matamos injustamente), ora a dos anjos
(amamos e perdoamos), na maioria das vezes, da burrice: ficamos em
dúvida se agredimos ou amamos.

Estamos aprisionados às forças que nos obrigam a preservar a nossa vida


e a da espécie. Confusos, sem saber para que estamos aqui e qual será
nosso destino (questões fundamentais das religiões), sem coisa melhor
para fazer, nosso hemisfério esquerdo inventa explicações mágicas ou
semimágicas para descrever a conduta humana. Entre essas interpretações
está a de que somos animais superiores, racionais e livres. Incrível!

O organismo total não é dirigido por nós. Ele é comandado por


outras forças, com pouco, e, às vezes, nenhum poder nosso. Não basta
desejarmos ter uma boa disposição, uma inteligência elevada ou possuir
uma habilidade futebolística ou artística; tudo isso não acontece apenas
em virtude do nosso desejo e esforço, pois participam outros fatores
altamente poderosos.

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A responsabilidade humana é
uma ficção?
Nada é universal e absoluto. Tudo muda conforme o momento, o local
e as idéias dos “donos da verdade”. As regras morais, como tudo o mais,
variam diretamente com a distribuição do poder, a época e a moralidade
predominante. Sabemos, por exemplo, que a ética dominante nunca foi a
dos perdedores ou submissos.

Para exibir para a população uma impressão superficial de justiça, fingimos


e mostramos nossas mentiras uns para os outros de maneira hipócrita.
Através das palavras mentirosas mantemos um suposto equilíbrio, uma
pseudo-harmonia da justiça dos fortes e dos fracos, dos “escolhidos” e dos
“rejeitados”, dos dominadores e dos dominados.

Sem exceção, nós mesmos, julgadores não-julgados num momento,


querendo ou não, fazemos parte de um ou outro grupo e, nesse caso,
tendenciosamente, enxergamos e avaliamos o mundo segundo o ponto
de observação provisoriamente ocupado por nós, conforme as lentes
que estamos usando no momento. Ora pertencemos à classe médica,
ora à política, mas também podemos fazer parte do grupo dos pacientes,
representar e pensar como o eleitor, lixeiro, pai, cliente, filho, irmão,
católico, ateu, ocidental, oriental, latino, mineiro e, até, como itabirano.

Sempre usamos, durante nossos julgamentos, a tela (óculos) do momento


– pai ou filho, médico ou cliente – que nos cega, dificultando-nos a
enxergar o lado de lá, muitas vezes oposto, o que está sendo acusado
ou elogiado. Creio ser impossível julgar um povo sob a tela visual
despreocupada, otimista e folgazã do político e examinar o lixeiro através
dos “olhos” indiferentes do produtor do lixo.

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A descrição da realidade de outros animais
Engraçado. Os humanos descrevem a realidade acerca da conduta dos
outros animais com bastante precisão através do nosso hemisfério direito.
Somos, portanto, muito realistas quanto ao comportamento e inteligência
dos animais ditos inferiores. Na descrição dos outros animais, somos
compreensíveis, bondosos e amorosos para com eles. Mas, quando
descrevemos o homem, o esclarecimento acerca de quem é o homem é
abandonado. Na descrição do homem, que é uma lástima, inventamos e
inventamos histórias e mais histórias nunca observadas, isto é, que nada
têm a ver com a realidade existente, vivida e percebida. Deformamos o
que é o homem de verdade. Essas histórias mentirosas e espetaculares do
homem atraem a nossa bobice, espalham-se com incrível facilidade e, como
passam a ser posse da maioria, se tornam “verdades quase universais”. As
invenções espetaculares, diferentes dos fatos crus e sem graça, estimulam
e atraem os homens e dominam suas mentes, impedindo a entrada de
outras explicações mais simples, sem graça, revelando que não somos o
apregoado. Até quando vamos ser enganados por essas explicações que
não retratam o que somos?

Correntes de pensamentos que nos dominam:


existe liberdade? E responsabilidade?
Se não estudarmos como possíveis as grandes e poderosas correntes do
pensamento que nos dominam, o jogo complexo acerca da conduta humana
jamais será decifrado. No lugar de uma eficiente e produtiva definição
do comportamento humano existirão vultos desconectados, perdidos e
assentados na argila mole dos cérebros plásticos capazes de assimilarem
qualquer idiotice relatada. Somente há cerca de aproximadamente duas
décadas foram iniciadas pesquisas sérias e bem fundamentadas nessa
área.

A bela e admirada responsabilidade moral é uma ficção que começa a


desabar e a ficar fora de moda após estudos mais responsáveis e menos

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especulativos. A responsabilidade moral cada dia mais se assemelha a
um dinossauro, uma criação pré-científica que deverá morrer quase sem
deixar vestígios; sem foguetes e sem luar. Espera-se, com o aumento do
conhecimento, o desaparecimento da antiga explicação ou, no mínimo,
sua reformulação quanto aos princípios básicos. Usamos, constantemente,
expressões “carregadas de valor” e, também, falsas noções de democracia e
de liberdade humana, na qual se fundamenta a idéia de responsabilidade.
Espera-se que essa idéia acabe para os homens esclarecidos e se alastre
para toda a população restante.

Há uma maneira rápida, mas complexa, para entender a conduta negativa


ou positiva de alguém. Para isso basta tomar, imaginando, o seu lugar
e representar seu papel provisoriamente, e, se possível, identificar os
aspectos biológicos da pessoa que estamos julgando e, também, as
condições como o “clima” intelectual, religioso e social da época e do
lugar onde ela cresceu e se desenvolveu até chegar no ambiente onde agiu.
Desse modo pode se conseguir uma visão mais clara e aproximada dos
motivos e ações que estamos criticando negativamente ou exaltando.

Caso conseguíssemos isso – sei que é impossível – todo o vocabulário


das relações humanas sofreria um abalo radical. Expressões como “Não
devia ter feito isso”, “Como é que você pôde escolher X?”, além de toda
a linguagem pejorativa e enaltecedora usada por nossa consciência para
avaliarmos nós e os outros passaria por uma transformação total. As
expressões linguísticas seriam muito diferentes das atualmente usadas.

Se os progressos existentes nas neurociências e na psicologia continuarem,


caso não haja censuras constrangedoras para manter as mentes nas
trevas da ignorância, seremos obrigados a usar novos modos de pensar,
de avaliar e de conceituar os eventos acerca da responsabilidade, do
crime, do engrandecimento ou glorificação de pessoas. Isso marcaria
uma revolução no modo de raciocinar e de julgar, maior que a ocorrida
durante o Renascimento.

Tudo o que pensamos está impregnado por essas categorias de uma forma

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tão arraigada, tão difundida e universal que afastá-las e pensarmos de outro
modo é quase, senão totalmente, impraticável. É fácil, intuitivamente,
esculachar alguém: “É um tarado; merece ser morto!” ou seu oposto “É
um homem excepcional, extremamente inteligente e bondoso; merece
toda nossa consideração!”.

O peso da responsabilidade de toda ação humana deve deixar de ser


posto no indivíduo, João ou Maria, e transferir-se para outros aspectos ou
forças diferentes das comumente chamadas pessoais: circuitos cerebrais,
hormônios, neurotransmissores, lesões, drogas, educação, cultura, época,
idade, doenças, pressões diversas, profissão e um pouquinho do que
chamamos “vontade”. Todas essas estruturas, biológicas, bioquímicas,
psicológicas, culturais e religiosas possuem um maior potencial explicativo
que a que habita o fraco e isolado João Ninguém ou Bush o Grande Irmão.

Aplaudir ou acusar alguém nada mais é que interpretar superficialmente


uma pessoa, ou melhor, se prender apenas à tinta externa, à casca facilmente
visível orientada por um princípio determinante. Denominar alguém de
responsável ou irresponsável, culpado ou criminoso, é um modo simples
de escapar do penoso e longo esforço, sutil, chato e carregado de dúvidas
visando a desembaraçar os intrincados e desconhecidos laços que dão
nascimento às intenções humanas. Você escolherá um ou outro caminho,
e, sem dúvida alguma, será o rápido, quente e intuitivo, pois é mais fácil:
“Viva X!” ou “Assassino!”.

Por tudo isso, ora batemos palmas para o homem, ora queremos sua
morte ou prisão. O homem oscila de Deus (amamos e perdoamos) ao
Demônio (odiamos e matamos injustamente), e, às vezes, se aproxima da
burrice. Como somos um produto da evolução, estamos aprisionados às
forças que nos obrigam a preservar a nossa vida e a da espécie.

Fica difícil, talvez esteja além de nossos poderes normais, conceber qual
seria nossa imagem do mundo se acreditássemos e empregássemos
seriamente as idéias aqui defendidas: procurar entender o mecanismo
biológico, o meio cultural e as oportunidades que levaram João a ser

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ladrão e Bush a ser presidente dos Estados Unidos. Segundo essas idéias,
nós não pensaríamos em penalizar João e nem em aplaudir Bush, pois,
entendendo uma e outra conduta, não estaríamos espantados com o
realizado por um e outro personagem.

O melhor é desistir de mudar a forma de pensar


As mudanças envolvidas, segundo as críticas acima descritas, são radicais.
Por tudo isso, talvez seja melhor continuarmos iludidos. Estou em dúvida
se a verdade deve ser sempre exibida para todos. Até agora, todos, mesmo
os que defendem a verdade, escondem os casos em que ela põe em perigo
a ordem pública, o grande temor de nossos dirigentes. Por absoluta falta
de resposta, uma indecisão atroz, aceito a possibilidade que seria melhor
deixar tudo como sempre foi, todos nas trevas, como tem acontecido
através dos séculos.

Talvez não valha a pena pensar do modo como defendi acima, pois
experimentaríamos consequências terríveis caso mudássemos nossa
maneira de avaliar as pessoas. Por isso, vocês decidem se é melhor
continuar a exclamar: “Viva Bush!”, “Enforque Saddam!”, “Mata
o estuprador!”, “Suzane, assassina!”. Cada uma dessas expressões
impulsivas, emocionais e não cognitivas e racionais são fáceis e práticas.
Além disso, a sua expressão não nos causa nenhum trabalho mental e,
também, não teríamos que repensar diante da nova realidade. Assim é
melhor: continuarmos aninhados na nossa acolhedora e santa ignorância.
Também para que usar um raciocínio mais exato e cansativo? Talvez o
homem não mereça tanto!

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Intuição, razão e julgamento
moral

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Intuição, razão e julgamento
moral
A Psicologia, principalmente a Psicologia Moral, foi dominada pelos
modelos racionalistas com respeito aos julgamentos morais. Esta acentuou
em demasia o poder da razão, isto é, a pessoa podia compreender ou
interpretar as condutas, entre estas o comportamento moral, sem usar
as emoções. Segundo os defensores do “racionalismo”, o conhecimento
e o julgamento moral seriam alcançados fundamentalmente através do
processo do raciocínio e da reflexão. Para esses pensadores, a pessoa agiria,
antes de julgar alguém ou algum evento, como se fosse um magistrado,
pesando cuidadosamente (com esmero) os aspectos do dano, direito,
justiça e imparcialidade.

Entretanto, apareceu um outro modo de pensar: a intuição, geralmente


acompanhada das emoções. De acordo com a Filosofia Intuitivista, quando
uma pessoa alcança as verdades morais ela não está sendo orientada por
um processo de raciocínio ou reflexão, mas sim por um mecanismo mais
parecido com uma percepção rotineira. A pessoa sente ou nota o fato sem
argumentar se ele é, pode ou deve ser verdadeiro.

No século XVIII, alguns filósofos, entre eles David Hume, começaram a


discutir alternativas contrárias ao pensamento racional. Argumentaram
que as pessoas apresentam sentimentos de prazer diante dos fatos morais
aprovados e de desprazer aos eventos não aprovados como os pecados e os
vícios. David Hume afirmou que os julgamentos morais são semelhantes,
quanto ao seu formato, aos julgamentos estéticos. Segundo ele, esses
julgamentos são gerados pelos sentimentos desencadeados e não através
do trabalho sensorial meticuloso e ou do uso da razão.

A partir dessa idéia passou a ser aceita a existência de dois processos


cognitivos bem diferentes, mas que trabalham juntos: o raciocínio e a
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intuição ou, de outro modo, a razão (que é mais cortical) e a emoção
(mais ligada à região subcortical do cérebro). Chamo a atenção do leitor
que essa não é uma verdade verdadeira, mas sim um modo mais simples
de explicar e facilitar o entendimento do complexo (um conjunto de fatos,
às vezes, simples). O leitor deve ficar alerta que nenhum desses termos,
subcortical e cortical, estão corretos, pois a emoção faz uso também de
regiões localizadas no córtex cerebral e, por outro lado, a “razão” utiliza-
se de setores subcorticais. Uma vez feitas essas advertências, vamos
continuar.

As revelações intuitivas
Para alguns o processo não-racional representaria o conhecimento de
“verdades auto-evidentes”, repentinas, sem esforço. A intuição moral,
que é aceita como uma espécie de cognição (conhecimento), não é
aceita como um tipo de raciocínio. Segundo o modelo intuitivo (não-
racional), o indivíduo, diante de um evento provocador de emoções e
julgamentos, sente um lampejo instantâneo frente ao acontecimento,
como, por exemplo, um mal-estar diante do relato de um incesto e, nesse
caso, informado pelo seu mal-estar corporal (asco, aversão de todo o
organismo), ele “sabe”, intuitivamente, que o evento não deve ser apoiado.

Nesse caso, somente após a “revelação” intuitiva, que “afirma internamente”


e sem raciocinar que “Isso não é certo!”, a pessoa explicará para si ou
para os outros as “razões” pelas quais ela crê ser o incesto errado. Diante
da intuição, a percepção sentida internamente pelo organismo, no caso
do incesto uma repulsa, o nosso intelecto pede uma verbalização da
expressão emocional ocorrida automaticamente. A explicação, sempre
posterior aos sinais percebidos pelo corpo, irá justificar a expressão de
asco diante do evento e não o contrário. Nesse caso, o explicador faz o
papel de um argumentador (não de julgador/magistrado) que tenta
construir justificativas para seu estado corporal (sua “opinião” anterior
orgânica), ou seja, uma aversão ou mal-estar sentido. A emoção ruim,
nesse caso, apareceu instantaneamente, entretanto, o percebedor não
sabe bem como e porque surgiu sua repugnância. As explicações, repito,
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aparecem depois das emoções. De fato, o julgamento moral aparece na
consciência automaticamente, sem esforço, como resultado de intuições
morais, enquanto que o raciocínio moral é um processo realizado com
esforço, iniciado após já ter sido feito o julgamento moral. Na intuição a
pessoa procura arranjar (pescar) argumentos para apoiar o julgamento já
sacramentado.

Todo raciocínio construído pós-julgamento é fabricado e dirigido pela


tendência (preconceito, paradigma, princípio) – subjacente e inconsciente.
Nesse caso o raciocínio costuma ser chamado de “racionalização” ou,
também, para outros, de “racionalidade”, ou seja, formado para comprovar
o já fundamentado e indiscutível (“a melodia está horrível”), onde são
selecionadas somente as “razões” ou “argumentos” que irão dar apoio aos
sentimentos detonados e percebidos.

Por tudo isso, como já dizia minha mãe: “Futebol, religião e política não se
discute”. Essa idéia popular retrata a percepção da quase impossibilidade
de argumentadores diferentes persuadirem um ao outro. São raras as
ocasiões, se é que elas existem, nas quais alguém consegue modificar as
opiniões e condutas de outras pessoas com respeito às discussões morais,
pois as posições morais sempre têm um componente afetivo poderoso,
disparado automaticamente e encapsulado, isto é, geralmente não
alcançado pela cognição pura e introspectiva.

A discussão de uma intuição ativando outra


diferente
Pode-se levantar a hipótese de que o raciocínio persuasivo trabalha não
para providenciar argumentos lógicos que levariam a pessoa a repensar
e mudar de opinião, mas sim para desencadear outras possíveis intuições
(emoções internas) com valências afetivas no ouvinte. Nesse caso seria
possível uma mudança de opinião que estaria assentada em outra intuição
diferente da inicial.

No curso de um pensamento acerca de uma determinada situação


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uma pessoa pode ativar, sem querer, uma outra intuição, diferente da
anteriormente defendida e que contradiz o julgamento inicial intuitivo.
Uma das formas usadas para “pescar” ou sondar uma outra possível
intuição é nos colocar no lugar da outra pessoa. Essa postura, uma vez
representada mentalmente, poderá nos causar dor, simpatia ou outras
respostas emocionais vicariantes. Este é um dos principais modos de
explicação das reflexões morais, pois, nesse caso, a pessoa será capaz
de ver um problema ou dilema através de diversos prismas e, portanto,
poderá experimentar intuições conflituosas, o que a obrigará a repensar
acerca da defesa de uma idéia original. O julgamento final pode ser
determinado ou conforme a intuição mais forte ou permitindo raciocinar
escolhendo entre as alternativas se baseando na aplicação consciente de
uma regra ou princípio. A avaliação intuitivo-afetiva (“quente”) ocorre
tão rapidamente, de forma automática e penetrante que ela geralmente é
pensada como sendo parte integral da percepção.

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A teoria moral e a intuição
A teoria da moral, antes de qualquer outra consideração, pode ser
definida como uma rede de suprimentos (provisões, dados) para criticar
e, principalmente, julgar a conduta das pessoas. A teoria, a princípio,
forneceria razões aceitáveis para elogiar ou desapreciar alguém de acordo
com o modelo que prescreve que “as pessoas deveriam se esforçar para
viver conforme os mandamentos de Deus”, por exemplo, ou conforme o
Código Penal ou qualquer outra regra usada ou aceita.

Os pesquisadores mais antigos afirmaram, com convicção, que foram


“as razões justificadoras que deram origem aos julgamentos”. O reverso
disso é mais plausível, pois as pessoas não têm acesso aos seus processos
automáticos de julgamento, geralmente, já que não há como acessá-los.
Estudos demonstram que as crianças de muitas culturas defendem a
teoria da moral afirmando que “os atos que são punidos são os errados
e os atos que são recompensados são bons”. Tais afirmações são as regras
que geralmente as crianças usam para avaliar ações: “as ações não punidas
não são más ações”.

Muitas pessoas usam a teoria de que elas agem e devem agir, primariamente,
sem ser para seu próprio interesse (egoísmo), isto é, para o interesse do
outro (altruísmo). Entretanto, ser egoísta é uma tendência natural de
todo ser vivo. Para sair dessa armadilha-afirmação errônea, elas precisam
fabricar explicações para seus atos egoístas, os de auto-interesses para
harmonizar a conduta real com o princípio de ser altruísta. Isso ocorre,
por exemplo, nas ações de caridade e na assistência aos necessitados,
quando tudo dá a impressão de que a pessoa está agindo contra seus auto-
interesses. Ouvi uma apresentadora de programa de televisão falando a
respeito de um trabalho que ela estava fazendo para ajudar os outros: “O
bom de nosso trabalho é que ele melhora agente mesmo. Eu estou muito
melhor depois que comecei essa atividade”. Parabenizo essa simpática
apresentadora. Ela percebeu e externou publicamente que estava, também,
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ajudando a si própria ao ajudar os outros. Muitos falam o oposto: “Apesar
do sacrifício, sempre procurei ajudar as pessoas. Cuido mais delas que de
mim…”. Uma afirmação como esta é mentirosa; este indivíduo gosta e se
sente bem com sua atividade.

A construção do raciocínio moral, feito após o julgamento, visa a justificar


automaticamente as intuições (sem o uso de observações cuidadosas e
sem o uso da razão) morais. Nossa vida moral está dominada por duas
ilusões. A primeira é que acreditamos que nosso julgamento moral é
impulsionado ou ativado pelo nosso raciocínio. Isso não é verdadeiro. A
segunda ilusão é que nós esperamos refutar com sucesso os argumentos
do nosso oponente, com o intuito de mudar o modo de pensar dele. Isto
não acontece nas discussões. Usamos muito a frase: “Precisamos dialogar
mais com nossos filhos, alunos, etc.”. Na maioria das vezes, quando o
conhecimento é intuitivo, como quase sempre é, nenhum muda seu
“ponto de vista”.

A pessoa acha que ela própria percebe o mundo como ele é, mas seu
oponente teimoso não o enxerga ou não quer enxergá-lo da maneira
correta. Imaginamos que o nosso chato oponente pensa erradamente
por ser tendencioso, pois tem sua mente infiltrada por ideologias e auto-
interesses mesquinhos. Nós todos somos assim. Criticamos o outro e
não percebemos a venda existente em nossos olhos impedindo-nos de
perceber que existem outros modos de avaliar e, também, da inutilidade
da discussão. Cada um de nós discute usando a própria teoria, isto é,
assimilamos a realidade com o modelo que possuímos e não entendemos
ou nos identificamos com a outra maneira, a estranha para nós: “Deus
existe e criou o mundo” para um, mas, para o outro, “Deus não existe,
portanto não criou o mundo”. Jamais um vai convencer o outro de que sua
“verdade” é a verdadeira e certa.

Dando um outro exemplo: num debate acerca do aborto ou política


ambos os lados acreditam que suas posições são baseadas no raciocínio
acerca dos fatos e problemas envolvidos. Ambos acreditam que o que eles
pensam e apresentam durante as discussões são excelentes argumentos

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para apoiar suas posições e crenças. Cada lado espera que o outro lado
seja sensível a tais brilhantes e sagazes razões. Quando o outro lado
fracassa para ser afetado por tais “boas” razões, cada um conclui que o
outro deve ter uma mente fechada, insincera ou outro nome pejorativo:
“Ele é um idiota”.

A pessoa não concebe que ela está agindo de modo parecido ao do seu
contendor e que seu raciocínio não é raciocínio e seu julgamento se
baseia em crenças e emoções intuitivas e não numa lógica pura e imune
ao irracional. Desse modo, a pessoa é incapaz de perceber suas ilusões
quanto à lógica. Pensando assim, poderíamos, caso estivéssemos com
raiva, chamá-lo de “idiota”.

Os argumentos morais são, portanto, como combater sombras numa


luta. Cada contestador acerta ou lança golpes nas sombras do oponente.
A pessoa fica surpresa ao ver a sombra intacta, não derrubada, por mais
que ela seja atacada. Da mesma forma do fracasso de agredir sombras, o
ataque do raciocínio moral atinge pouco o adversário, ou seja, tem pouco
efeito persuasivo nas brigas conflituosas.

Um estimulante para o leitor já meio desanimado diante do pessimismo


das discussões. Em algumas raras vezes o raciocínio moral pode ser efetivo
para influenciar as pessoas antes de o conflito surgir. Palavras e idéias
afetam amigos, aliados e mesmo estranhos por meio dos elos racional-
persuasivos que possam existir e serem detonados. Adianto que isso não
é nada fácil.

A estratégia a ser usada deve tentar conseguir que a outra pessoa veja
o problema discutido de um novo modo, sob um novo ângulo, de uma
maneira diferente da anterior, para que assim haja a produção de outras
emoções e intuições diferentes, de preferência opostas à anterior. Tudo
isso, portanto, visa a impedir que o problema ventilado desencadeie outras
intuições contrárias ao nosso objetivo. Nesse caso, a geração de outras
intuições, semelhantes à original, irá reforçar a defesa da intuição inicial
incitando mais a defesa contra nosso argumento. Então, se tivermos sorte,

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poderemos influenciar os outros com nossas palavras. A famosa frase de
Martin Luther King Jr., “I have a dream”, foi efetiva. Luther King usou
uma metáfora e uma imagem visual em lugar de um raciocínio lógico
proposicional para obter dos Americanos brancos uma nova visão da
segregação racial, das injustiças, etc.

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Julgamento moral e motivos
defensivos
Durante os julgamentos morais, seja lá qual for, as pessoas têm uma forte
tendência a procurar “anedotas” – relatos únicos – bem como outras
evidências exclusivamente para “comprovar” o ponto de vista defendido,
o lado preferido do problema. Quando uma pessoa está discutindo um
assunto e imagina ter descoberto uma “evidência” ou “comprovação”,
mesmo quando esta é uma pequena ou má prova, ela tende a parar e não
mais procurar outros exemplos, menos ainda os fatos que poderiam ir
contra a hipótese/afirmação defendida. Geralmente, as pessoas relatam
apenas uma “prova” para dar sentido a sua epistemologia particular. A
meta desses argumentadores amadores não é alcançar uma conclusão
mais exata, mais próxima da verdade ou do real, eles desejam encontrar
o primeiro fundamento (conclusão) possível de “proteger” ou se encaixar
na crença existente e defendida. São comuns exemplos dessas discussões
onde um caso serve de suporte à verdade defendida com ardor.

Esse tipo de raciocínio, que melhor seria chamado de pseudo-raciocínio,


motiva a pessoa a alcançar uma “conclusão pré-arrumada”; a conclusão
já existe antes do processo do raciocínio. De outro modo, o esforço não é
dirigido para esclarecer um problema surgido. Procura-se internamente,
isto é, na memória, e não externamente, o apoio para a tendência
confirmatória defendida.

O processo do raciocínio no julgamento moral pode existir e ser capaz


de trabalhar objetivamente apenas sob pouquíssimas situações: quando a
pessoa tem tempo adequado e capacidade de ser precisa e exata; quando
nenhuma decisão do julgamento é necessária para ser defendida ou
justificada e, finalmente, quando não há qualquer relacionamento ou
motivação para que alguma coerência seja exigida. Tudo isso é muito

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difícil de ser alcançado.

Explicações populares das razões do julgamento


Quando as pessoas são perguntadas acerca das causas/mecanismo de seu
julgamento, elas frequentemente citam fatores que geralmente não têm
importância e, ainda, não conseguem reconhecer o significado desses
fatores. Entretanto, elas imaginam que estão raciocinando e construindo
justificações corretas acerca do evento julgado e tendo a ilusão de
possuírem um raciocínio objetivo. Assim, por exemplo, se a pessoa é
perguntada acerca de seu comportamento, ela não consegue examiná-lo,
apenas faz um esforço procurando expressar o que ela sentiu; uma espécie
de introspecção. Entretanto, o que a pessoa não consegue procurar é a
lembrança do processo cognitivo utilizado (dos paradigmas, modelos
ou princípios) e subjacente ao raciocínio desenvolvido, que sustentou a
conclusão e ou o comportamento atual. Acontece que esses processos
mentais não são acessíveis à consciência.

As pessoas, de fato, esforçam-se para encontrar teorias plausíveis para


explicar porque elas fizeram o que fizeram ou pensaram desse ou
daquele modo. Elas, inicialmente, utilizam um “pool” (rede, conjunto) de
suprimentos explanatórios culturais para a conduta. Assim, por exemplo,
ao ser perguntada por que gostou da festa, a pessoa não relata a festa
comparecida e concreta, mas inicia o relato descrevendo o conhecimento
cultural (abstrato e dedutivo) acerca de porque as pessoas gostam de festa,
escolhendo uma e outra dessas razões que poderiam ser aplicadas no seu
caso particular: “As festas são boas e divertidas. Encontramos pessoas
conhecidas e ficamos conhecendo outras interessantes. Além disso, tem
bebidas e comidas…”.

A hipnose nos fornece outros exemplos. Uma pessoa, ao ser hipnotizada,


recebe, por exemplo, uma ordem subliminar para realizar certa ação
posteriormente, isto é, após sair da hipnose. Uma vez tendo a pessoa
realizado a ação ordenada pelo desejo do hipnotizador – não dela própria
– ela é perguntada por quais razões agiu daquela forma. A pessoa antes
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hipnotizada prontamente constrói “motivos” que parecem plausíveis
para a ação executada. As razões explicitadas, de fato, são falsas, pois elas
foram impressas por desejo do hipnotizador.

Às vezes chego a imaginar que quase todo o nosso comportamento é


assim. Conforme minha especulação, agimos de um modo pelos mais
diversos motivos, quase nenhum deles plenamente consciente. Depois
de executado, explicamos para nós mesmos ou para os outros as razões
de nossa conduta. Durante as explicações usamos raciocínios lógicos e
conforme as crenças existentes e aceitas.

A engraçada memória da vida passada pode ser inoculada na mente de


alguns ingênuos indivíduos; cerca de um terço dos entrevistados, segundo
estudos. Numa experiência, rapazes e moças que nunca tiveram uma
determinada experiência foram entrevistados para tentar lembrar do fato
jamais vivido. O entrevistador, após conversar com a mãe do entrevistado,
lhe dizia que sua mãe disse que certa vez ele havia se perdido num
supermercado, por exemplo; um fato, segundo o relato feito pela mãe,
jamais ocorrido. Pois bem. Através dessa pergunta e outras semelhantes,
um terço dos sujeitos relatou memórias desse período que nunca existiu.

Tudo faz crer que mecanismo semelhante ocorre com as pessoas que
“lembram” de memórias de vida passada. A “lembrança” deve ocorrer,
num e noutro lugar, conforme as insinuações propositais ou não do leitor
desses fatos. O escritor de ficções age de modo semelhante. Ele, por conta
própria, cria imagens de um evento determinado pela sua imaginação. A
partir dessas imagens ele vai seguindo o que “lê” nas suas representações
à medida que elas vão sendo exibidas para ele próprio. Depois de escrevê-
las, faz a limpeza necessária.

Alguns pacientes, portadores de lesões neurológicas, não têm comunicação


entre o lado esquerdo e direito do cérebro. Esta lesão, que recebe o nome
na língua inglesa de “Split-brain” (cérebro fendido, partido), mostra os
efeitos acima descritos de forma dramática. Quando a mão esquerda,
guiada pelo lado direito do cérebro, pratica uma ação (lembrar que um

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lado do cérebro não está se comunicando com o outro), o centro verbal
do lado esquerdo do cérebro prontamente cria uma história qualquer,
inventada, para explicar o que foi realizado. O centro da linguagem está tão
capacitado para fazer uma explicação causal pós-fato que certos autores
denominam o lado esquerdo do cérebro de “módulo interpretador”; eu
prefiro o nome de “cérebro ficcionista”. Para um pesquisador, a conduta é
usualmente produzida por módulos mentais onde a consciência não tem
acesso. Entretanto, o módulo interpretador faz comentários acerca da
conduta, buscando hipóteses para explicar porque o eu da pessoa efetuou
tal conduta.

Nossos julgamentos: Intuições


(opiniões ou palpites)
O homem ainda é pouco e mal conhecido, mas as fábulas descritas acerca
dele são inúmeras. Persisto em mostrar que somos dominados pelo nosso
organismo biológico e pela aprendizagem de idéias culturais, portanto, não
somos livres como tem sido apregoado. Nós, frequentemente, gostamos
ou não gostamos de alguém, amamos ou odiamos algo, isto é, estamos
sempre julgando as pessoas conforme nossos gostos. Essas atitudes –
puras reações motivacionais e emocionais – geram emoções positivas ou
negativas, quase sempre sem o uso da razão ou da inteligência. O bem-
estar da simpatia e o mal-estar da antipatia, uma vez desencadeados,
intuitiva e repentinamente, dominam nosso julgamento e nossas ações.
Na maioria das vezes não descobrimos porque sentimos uma paixão
violenta ou um ódio destruidor.

O homem sempre admirou outros homens, desprezou e injuriou alguns


outros e permaneceu indiferente à maioria. O julgamento produzido no
momento, favorável ou contra determinada pessoa, possivelmente, se
assemelha à avaliação efetuada diante de um quadro, de uma música e,
principalmente, de uma mulher: “Margarida me deixa maluco!” ou de um
inimigo: “Tenho vontade de matar aquele verme!”.

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As avaliações dos comportamentos
As avaliações das condutas como as citadas acima são fáceis, simples e
automáticas de se fazer. Elas não nos dão trabalho mental. Para se chegar
à conclusão que “Margarida é uma mulher atraente” não precisamos
fazer nenhum esforço e nem usar o raciocínio ou a lógica para produzir a
afirmação, exortando-a. O sentimento de amor, atração, ódio, compaixão,
vergonha, orgulho ou satisfação – um tipo de julgamento intuitivo
emocional (conhecimento de algo) – brota fácil na totalidade do corpo e
mente do homem. Margarida me atrai porque sinto que ela me atrai; tudo
realizado pela leitura que faço num certo momento no interior do meu
organismo, do meu bem-estar e, por fim, da tradução que fiz do estado
corporal para palavras.

Ninguém fica cansado ou exausto ao avaliar a beleza ou a feiúra de


Margarida, as ações, os tipos de pessoas ou coisas. O julgamento
explode de modo simples, sem estudo e sem razão plausível. Ele emerge
automaticamente, independente do nosso desejo.

É impossível ou extremamente difícil arrumar e organizar argumentos


bem colocados, válidos e racionais, para culpar ou justificar as ações
de Pilatos, Átila, Jesus, Maomé, Buda, Moisés, Hitler, Bush e Saddam
Hussein. Os homens citados nos agradam ou desagradam.

Caso gaste meu tempo explicando porque Margarida me atrai ou porque


não gosto de Bush, irei pescar em minha memória argumentos para
comprovar o que já tinha sido decidido pelo meu organismo: Margarida
me atraiu profundamente e, por outro lado, quando vejo Bush sinto náusea
e repulsa. No caso exemplificado, irei agir como o advogado contratado
para a defesa do indiciado (Margarida) e de acusação do outro (Bush).

Entretanto, diante de um e outro – Margarida e Bush – não irei agir como


se espera de um juiz, isto é, que se esforça para ser imparcial, racional e
lógico. O magistrado, diferente do advogado contratado, constrói uma
sentença após examinar minuciosamente os fatos e fazer uso da lógica

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assentada na lei. O advogado, diferente do juiz, defende ou ataca o já
estabelecido: detesto Bush ou adoro Margarida. O meu organismo, em
virtude da eclosão de certos sentimentos, arrumará argumentos a favor
ou contra, para justificar minha avaliação espontânea desencadeada
para Margarida e Bush. Se me perguntarem por que eu não saberia;
possivelmente minhas explicações não iriam convencer nem mesmo a
mim, pois seriam “argumentos” arranjados após os sentimentos.

Portanto, os “argumentos” inventados por nós para justificar a simpatia


ou antipatia são somente fabricados a partir do aparecimento da emoção
agradável ou desagradável. Essas emoções nascem em todos nós diante
de um ou outro estímulo. As emoções, uma vez detonadas, coordenam e
colorem as “razões” produzidas posteriormente, conforme um ou outro
sentimento; usamos ou um discurso (elogiar Margarida) ou outro (xingar
Bush).

As emoções são ruídos passageiros. A nossa admiração por Margarida,


numa ocasião, pode se transformar em agressão num outro instante.
Além disso, uma vez estabelecida a produção da crença, a favor ou
contra, e o sentimento de bem-estar (Margarida) e de mal-estar (Bush),
uma vez traduzidos para palavras, como “Ela é maravilhosa” ou “Ele é
nojento”, tendem, diferente da emoção que deu origem às verbalizações,
a permanecer por muito tempo, às vezes, por toda a vida: “Quando vi
Margarida, me apeguei a ela. Nunca mais me saiu da cabeça. Mas que
mulherão! Não encontro outra igual!”.

Temos a tendência de manter uma opinião emitida num certo momento


devido às razões mais diferentes. Por exemplo: numa conversa ou discussão
passamos a negligenciar a ação nefasta de nosso parente (primo, sobrinho
ou outro). Nessas ocasiões procuramos “razões” plausíveis para sustentar
a defesa anteriormente já feita. Posteriormente, os fatos vão ficando mais
claros. O nosso sobrinho Pedro, cada vez mais, mostra que é um “mau-
caráter”. Entretanto, o seu defensor emocionado continua a desculpá-lo
e a manter outros e outros argumentos visando a encobrir sua conduta
anti-social ou desonesta. O oposto ocorre quando estamos atacando um

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possível inocente.

Lembro ao leitor que não podemos generalizar essas afirmações; elas nem
sempre acontecem. Muitos são capazes de rever suas opiniões a favor ou
contra alguém, mas essa não é a tendência geral.

Enquanto escrevia esses dados lembrei-me, não de Margarida, mas de


“Duília”. Li, anos atrás, um conto escrito com o título de “Viagem aos
seios de Duília”, acho que escrito por Aníbal Machado. Não tenho certeza.
A lembrança desse conto ajuda-me a explicar a idéia acima. De modo
muito resumido, o conto relata um aposentado que nunca esquecera os
seios mais lindos do mundo, vistos de relance, quando ele, ainda jovem,
morando no interior, foi até a sua casa por motivos que não me lembro.
Logo depois esse rapaz foi trabalhar no Rio de Janeiro e lá ficou. Tomava
o bonde todos os dias, no mesmo horário, para ir até a Secretaria onde
trabalhava. Um dia ele se aposentou. Estando ainda solteiro, lembrou-
se de Duília, sempre imaginando seus belíssimos seios que haviam lhe
provocado, no momento da descoberta, uma emoção superagradável
que nunca mais foi esquecida. O aposentado decidiu ir atrás dos seios de
Duília, talvez não dela mesma.

Pois bem. O fim vocês já imaginaram. Depois de uma grande procura ele
a encontrou: estava mais velha que ele. Os seios atuais e envelhecidos de
Duília ele não conseguiu ver; mal-escondidos debaixo de um vestido velho,
sujo e amarrotado, estavam dois ovos fritos achatados. O aposentado,
desiludido, retornou à pensão onde se hospedou na pequena cidade e lá
permaneceu à espera da próxima “jardineira” que o levaria de volta ao
Rio de Janeiro. Seu sonho terminou: os seios de Duília desapareceram no
tempo. Agora, enterravam as lembranças do aposentado. Era o fim de um
sonho, de um julgamento feito anos e anos atrás.

Os estudos atuais mostram que quando certas pessoas julgam as condutas


relacionadas ao aborto, homossexualismo, pornografia ou incesto como
violações morais, geralmente elas discutem esses problemas focalizando
e enfatizando suas possíveis consequências danosas. Por outro lado, as

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pessoas que expressam não serem tais ações erradas, geralmente não
citam nenhuma consequência danosa. Também, uma pessoa que pensa
que a vida começa na concepção geralmente se opõe ao aborto, enquanto
que a que pensa que a vida começa mais tarde, quase sempre, não se
opõe ao aborto. Para muitos pesquisadores, o simples julgamento (um
sentimento de asco ao aborto) produz uma representação mental que
inclui o aparecimento da vida começando na concepção, ou seja, uma
explicação arrumada automaticamente é gerada após o sentimento de
asco diante da imaginação do evento.

Alguns autores examinaram respostas de americanos e de brasileiros para


ações não aceitas culturalmente, mas, por outro lado, não ofensivas à moral
vigente. Entre essas esquisitas condutas para serem avaliadas estavam:
comer o nosso cãozinho de estimação que morreu; limpar nossas partes
íntimas com a bandeira nacional e outras semelhantes. As histórias foram
cuidadosamente construídas de modo a não trazer danos plausíveis,
pois ninguém seria vitimado pelas ações perguntadas. Mesmo assim os
participantes da pesquisa disseram que as ações eram universalmente
erradas. Eles, com frequência, afirmaram: “é errado comer o cãozinho de
estimação…”.

Suas reações afetivas para opinarem sobre as histórias contadas foram


ótimos indicadores para antever o julgamento moral que os sujeitos
fariam em seguida. A maioria dos julgamentos são causados por intuições
morais vagas, podendo ou não ser seguidas por raciocínios construídos
após a intuição moral.

O homem ainda é pouco e mal conhecido, mas as fábulas descritas acerca


dele são inúmeras. Persisto em mostrar que somos dominados pelo nosso
organismo biológico e pela aprendizagem de idéias culturais; portanto, não
somos livres como tem sido apregoado. Nós, frequentemente, gostamos
ou não gostamos de alguém, amamos ou odiamos algo, isto é, estamos
sempre julgando as pessoas conforme nossos gostos. Essas atitudes –
puras reações motivacionais e emocionais – geram emoções positivas ou
negativas, quase sempre sem o uso da razão ou da inteligência. O bem-

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estar da simpatia e o mal-estar da antipatia, uma vez desencadeados,
intuitiva e repentinamente, dominam nosso julgamento e ações. Na
maioria das vezes não descobrimos porque sentimos uma paixão violenta
ou um ódio destruidor.

O homem sempre admirou outros homens, desprezou e injuriou alguns


outros e permaneceu indiferente à maioria. O julgamento produzido no
momento, favorável ou contra determinada pessoa, possivelmente, se
assemelhe à avaliação efetuada diante de um quadro, de uma música e,
principalmente, de uma mulher: “Margarida me deixa maluco!” ou de um
inimigo: “Tenho vontade de matar aquele verme!”.

As avaliações dos comportamentos


As avaliações das condutas como as citadas acima são fáceis, simples e
automáticas de se fazer; elas não nos dão trabalho mental. Para se chegar
à conclusão que “Margarida é uma mulher atraente” não precisamos
fazer nenhum esforço e nem usar o raciocínio ou a lógica para produzir a
afirmação, exortando-a. O sentimento de amor, atração, ódio, compaixão,
vergonha, orgulho ou satisfação – um tipo de julgamento intuitivo
emocional (conhecimento de algo) – brota fácil na totalidade do corpo e
mente do homem. Margarida me atrai porque sinto que ela me atrai; tudo
realizado pela leitura que faço num certo momento no interior do meu
organismo, do meu bem-estar e, por fim, da tradução que fiz do estado
corporal para palavras.

Ninguém fica cansado ou exausto ao avaliar a beleza ou a feiúra


de Margarida, as ações, os tipos de pessoa ou coisas. O julgamento
explode de modo simples, sem estudo e sem razão plausível; ele emerge
automaticamente, independente do nosso desejo.

É impossível, ou extremamente difícil, arrumar e organizar argumentos


bem colocados, válidos, racionais, para culpar ou justificar as ações
de Pilatos, Átila, Jesus, Maomé, Buda, Moisés, Hitler, Bush e Saddam
Hussein. Os homens citados ou nos agradam ou desagradam. 

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Caso gaste meu tempo explicando porque Margarida me atrai ou porque
não gosto de Bush, irei pescar em minha memória argumentos para
comprovar o que já tinha sido decidido pelo meu organismo: Margarida
me atraiu profundamente e, por outro lado, quando vejo Bush sinto náusea
e repulsa. No caso exemplificado, irei agir como o advogado contratado
para a defesa do indiciado (Margarida) e de acusação do outro (Bush).

Entretanto, diante de um e outro – Margarida e Bush – não irei agir como


se espera de um juiz, isto é, que se esforça para ser imparcial, racional e
lógico. O magistrado, diferente do advogado contratado, constrói uma
sentença após examinar minuciosamente os fatos e fazer uso da lógica
assentada na lei. O advogado, diferente do juiz, defende ou ataca o já
estabelecido: detesto Bush, adoro Margarida. O meu organismo, em
virtude da eclosão de certos sentimentos, arrumará argumentos a favor
ou contra, para justificar minha avaliação espontânea desencadeada
para Margarida e Bush. Se me perguntarem porque eu não saberia;
possivelmente minhas explicações não iriam convencer nem mesmo a
mim, pois seriam “argumentos” arranjados após os sentimentos.

Portanto, os “argumentos” inventados por nós para justificar a simpatia


ou antipatia são somente fabricados a partir do aparecimento da emoção
agradável ou desagradável. Essas emoções nascem em todos nós diante
de um ou outro estímulo. As emoções, uma vez detonadas, coordenam e
colorem as “razões” produzidas posteriormente, conforme um ou outro
sentimento; usamos ou um discurso (elogiar Margarida) ou outro (xingar
Bush).

As emoções são ruídos passageiros. A nossa admiração por Margarida,


numa ocasião, pode se transformar em agressão num outro instante.
Além disso, uma vez estabelecida a produção da crença, a favor ou
contra, e o sentimento de bem-estar (Margarida) e de mal-estar (Bush),
uma vez traduzidos para palavras, como, “Ela é maravilhosa” ou “Ele é
nojento”, tendem, diferente da emoção que deu origem às verbalizações,
a permanecer por muito tempo, às vezes, por toda a vida: “Quando vi
Margarida, me apeguei a ela. Nunca mais me saiu da cabeça. Mas que

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mulherão! Não encontro outra igual!”.

Temos a tendência de manter uma opinião emitida num certo momento


devido às razões mais diferentes. Por exemplo: numa conversa ou discussão
passamos a negligenciar a ação nefasta de nosso parente (primo, sobrinho
ou outro). Nessas ocasiões procuramos “razões” plausíveis para sustentar
a defesa anteriormente já feita. Posteriormente, os fatos vão ficando mais
claros. O nosso sobrinho Pedro, cada vez mais, mostra que é um “mau-
caráter”. Entretanto, o seu defensor emocionado continua a desculpá-lo
e manter outros e outros argumentos visando a encobrir sua conduta
anti-social ou desonesta. O oposto ocorre quando estamos atacando um
possível inocente.

Lembro ao leitor que não podemos generalizar essas afirmações; elas nem
sempre acontecem. Muitos são capazes de rever suas opiniões a favor ou
contra alguém. Mas essa não é a tendência geral.

Enquanto escrevia esses dados lembrei-me, não de Margarida, mas de


“Duíla”. Li, anos atrás, um conto escrito com o título de “Os seios de Duíla”,
acho que escrito por Mário de Andrade. Não tenho certeza. A lembrança
desse conto ajuda-me a explicar a idéia acima. De modo muito resumido,
o conto relata um aposentado que nunca esquecera os seios mais lindos
do mundo, vistos de relance, quando ele, ainda jovem, morando no
interior, foi até a sua casa por motivos que não me lembro. Logo depois
esse rapaz foi trabalhar no Rio de Janeiro e lá ficou. Tomava o bonde
todos os dias, no mesmo horário, para ir até a Secretaria onde trabalhava.
Um dia ele se aposentou. Estando ainda solteiro, lembrou-se de Duíla.
Sempre imaginando seus belíssimos seios que haviam lhe provocado, no
momento da descoberta, uma emoção superagradável que nunca mais
foi esquecida. O aposentado decide ir atrás dos seios de Duíla, talvez não
dela mesma.

Pois bem. O fim vocês já imaginaram. Depois de uma grande procura ele
a encontrou: estava mais velha que ele. Os seios atuais e envelhecidos de
Duíla ele não conseguiu ver; mal-escondidos debaixo de um vestido velho,

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sujo e amarrotado, estavam dois ovos fritos achatados. O aposentado,
desiludido, retornou à pensão onde se hospedou na pequena cidade e lá
permaneceu à espera da próxima “jardineira” que o levaria de volta ao
Rio de Janeiro. Seu sonho terminou: os seios de Duíla desapareceram no
tempo; agora, enterravam as lembranças do aposentado. Era o fim de um
sonho, de um julgamento feito anos e anos atrás.

Os estudos atuais mostram que quando certas pessoas julgam as condutas


relacionadas ao aborto, homossexualismo, pornografia ou incesto como
violações morais, geralmente elas discutem esses problemas focalizando
e enfatizando suas possíveis consequências danosas. Por outro lado, as
pessoas que expressam não serem tais ações erradas, geralmente não
citam nenhuma consequência danosa. Também, uma pessoa que pensa
que a vida começa na concepção geralmente se opõe ao aborto; enquanto
que a que pensa que a vida começa mais tarde, quase sempre, não se opõe
ao aborto. Para muitos pesquisadores, o simples julgamento antiaborto
(um sentimento de asco ao aborto) produz uma representação mental
que inclui o aparecimento da vida começando na concepção, ou seja,
uma explicação arrumada automaticamente é gerada após o sentimento
de asco diante da imaginação do evento.

Alguns autores examinaram respostas de americanos e de brasileiros para


ações não aceitas culturalmente, mas, por outro lado, não ofensivas à moral
vigente. Entre essas esquisitas condutas para serem avaliadas estavam:
comer o nosso cãozinho de estimação que morreu; limpar nossas partes
íntimas com a bandeira nacional e outras semelhantes. As histórias foram
cuidadosamente construídas de modo a não trazer danos plausíveis,
pois ninguém seria vitimado pelas ações perguntadas. Mesmo assim os
participantes da pesquisa afirmaram que as ações eram universalmente
erradas. Eles, com frequência, afirmaram: “é errado comer o cãozinho de
estimação…”. 

Suas reações afetivas para opinarem sobre as histórias contadas foram


ótimos indicadores para antever o julgamento moral que os sujeitos
fariam em seguida. A maioria dos julgamentos são causados por intuições

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morais vagas, podendo ou não ser seguidas por raciocínios construídos
após a intuição moral.

O desenvolvimento das
intuições morais
Talvez, em virtude das normas morais variarem de cultura, classe e até
épocas históricas, os psicólogos têm afirmado frequentemente que a
moralidade é aprendida na infância. Eles têm tentado demonstrar como a
moralidade exterior atinge o interior da criança. Mas a resposta pode ser
dada de outra forma. Há suposições que a moralidade, como a linguagem,
é uma adaptação evolucionária principal para espécies intensamente
socializadas, construída em diversas regiões do cérebro e do corpo, sendo
descrita mais como emergente (desponta, começa a aparecer, brota), que
aprendida. A moralidade, para emergir (manifestar-se, expressar-se) com
naturalidade, na certa exigirá estímulos e modelos (formatos) adequados
fornecidos por uma cultura particular. Para essas idéias, as intuições
morais são, portanto, inatas e aculturadas.Alguns argumentos em defesa
dessa idéia.

Pré-moralidade dos primatas


Inúmeras ou talvez todas as espécies seguem certas regras descritivas
para a conduta entre os da mesma espécie, mas são primeiramente os
primatas que mostram sinais de regras mais evidentes, onde os indivíduos
aprendem a respeitar os outros em virtude do reforço explícito e ativo dos
companheiros. O grupo de chimpanzés, durante seu desenvolvimento,
exige normas para o acasalamento, para as brincadeiras de uns com os
outros e com os mais novos, bem como diversas outras formas de interação.
Quando um chimpanzé viola essas normas, outros companheiros, muitas
vezes, não só prestam atenção ao que foi violado, mas, ainda, agem para
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punir o transgressor.

Segundo observações, as normas para as condutas prescritivas podem


emergir, ser compreendidas e utilizadas pelos chimpanzés sem o uso da
linguagem ou do raciocínio assentado na linguagem.

Agora diversos cientistas afirmam que a maior parte do tempo o


nosso juízo moral se dá no obscuro universo das intuições emocionais
inconscientes. Essa intuição tem uma longa história evolutiva nos nossos
ancestrais primatas. Por exemplo: um tratador do zoológico decidiu dar
alimentos aos chimpanzés do parque num único local, pois, assim, o
trabalho seria menor. Para isso, ele os alimentava apenas quando todos
os chimpanzés estivessem no local determinado. O tratador observou
que quando alguns chimpanzés mais jovens demoravam a chegar e, desse
modo, atrasavam a refeição que todos esperavam receber, os de maior
poder e velhos do grupo agrediam os retardatários, talvez lhes dizendo:
“Respeitem a fome dos outros”.

A linguagem, nos seres humanos, pode aumentar grandemente o uso das


normas, mas a maquinaria emocional e cognitiva inclinada à criação e à
coação para usar certas normas já estava disponível e foi utilizada muito
antes da linguagem aparecer no homem.

Quatro modelos de cognição social existentes


Foram identificados quatro modelos de cognição social subjacentes
a todas as culturas. O primeiro modelo, a “Divisão Comunal”, adapta-
se, aproximadamente, ao já descrito para outros primatas. Essa forma
de relacionar-se com o grupo envolve vínculos de bondade, tolerância,
parentesco e empatia relativos aos mais próximos. O segundo modelo, a
“Posição de Autoridade”, descreve os modos pelos quais o possuidor de
maior poder (casal de lobos alfa, chimpanzé macho dominante, etc.) regula
as maneiras de se ter acesso aos recursos (alimento, fêmeas, acasalamento),
mas também obriga os superiores a proteger seus subordinados. O terceiro
modelo, a “Igualdade de Trocas”, envolve o altruísmo, a reciprocidade, o

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dar e receber; a maioria dos macacos (morcegos, etc.) reparte e divide
favores e desprezos. O único modelo que parecer ser mais do homem
que dos primatas é o do “Preço do Mercado”. Neste os valores, serviços
e mercadorias devem ser computados e reunidos conforme transações.

A moral humana existia antes do aparecimento


do homem
Conforme o descrito acima, não houve uma interrupção da continuidade,
pois a moral humana não nasceu do nada. Ela se desenvolveu a partir de
outras morais anteriores (existente em outros animais). A moral humana
cresceu devido a nossa maior habilidade, principalmente da linguagem
verbal (falar principalmente) e, consequentemente, de raciocinar. As
normas dos chimpanzés estudadas mostram que elas são mais “dente por
dente, olho por olho”; elas atuam no nível de relações privadas. Aquele
que foi lesado procura ações punitivas.

Entre os humanos há uma constante discussão acerca das normas e dos


violadores de normas e uma disposição para se utilizar os recursos do
indivíduo e da comunidade para infligir punições, mesmo pelos que não
foram violados pelo violador.

Externando a intuição
Se muitas intuições morais (simpatia, reciprocidade e lealdade) foram
parcialmente construídas pela evolução, então a mais importante questão
acerca desse desenvolvimento não é “como elas entram na mente da
criança, mas sim como saem”. Para alguns autores, o desenvolvimento
social deve ser pensado como um processo de externação, onde os modelos
cognitivos inatos manifestam-se ou emergem por eles mesmos, como
parte de uma maturação normal. Na vida em comunidades, o modelo de
“Divisão Comunal” começa mais cedo; o de “Posição da Autoridade” aos
3 anos; a “Troca Igualitária” em torno dos 4 anos e o “Preço do Mercado”
mais tarde ainda. Esse desenvolvimento segue a mesma sequência

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existente na filogênese nas linhagens de outros mamíferos e dos primatas.

Parece que as crianças das culturas ocidentais, apesar de serem ensinadas


a partilhar da “divisão” e da “conduta equitativa” nos jogos e nas
brincadeiras, não incorporam essa postura a não ser quando alcançam
certa idade; ela não se desponta nos meninos com menos de 4 anos, pois
antes desse limite tudo indica que a criança, até esta idade, é insensível
aos problemas de reciprocidade; um respeito que se aprende somente
mais tarde. Tudo isso nos leva a pensar que é uma questão de maturação
(uma capacidade endógena) e não uma simples aprendizagem do que foi
ensinado acerca de um conjunto de normas sociais.

É possível que o processo de “maturação moral” ocorre como acontece


no aprendizado da linguagem ou da escrita. É sabido que caso a fala, ou
a escrita, não seja estimulada num certo período da vida, fica difícil o
ensinado posteriormente, fora do período propício, penetrar e fazer parte
da vida da pessoa. Pensando assim, se a pessoa não for preparada, no
momento certo, para aprender normas morais (como a escrita e a fala),
esses padrões de conduta social poderão nunca mais ser adequadamente
aprendidos e a pessoa irá se tornar um “anti-social” ou “associal” qualquer
(bandido, pária, excluído). Por outro lado, estudos mostram que há
pessoas mais propensas (mais sensíveis) à estimulação externa que outras
e, além disso, é preciso que elas sejam estimuladas no momento adequado;
talvez até os 16 anos.

O desenvolvimento e perda das intuições


Mesmo sendo as intuições morais parcialmente inatas, as crianças,
de qualquer maneira, amadurecem com uma moralidade que é única
para sua cultura e grupo. Há pelo menos três processos diferentes com
os quais a cultura modifica, aumenta ou suprime as emergências das
intuições morais para criar uma moralidade específica: através de perda
seletiva; numa imersão nos costumes complexos e na socialização com
os companheiros. Explicando melhor: a aquisição da fonologia fornece
uma útil analogia para a aquisição da moralidade. As crianças nascem
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com a capacidade para distinguir centenas de fonemas diferentes. Depois
de uns tantos anos expostas a uma linguagem específica, elas perdem
a capacidade para perceber a diferença entre alguns sons possíveis da
fala, simplesmente por não terem exercitado determinados sons, e,
consequentemente, não mais notam as diferenças entre eles.

Seria impensável a existência de uma cultura capaz de estimular todos


os aspectos imagináveis do funcionamento da fala humana (diferentes
sons, por exemplo). Similarmente, uma cultura que enfatizasse todas
as intuições morais que a mente humana acha-se preparada para
experimentar correria o risco de tornar esse “aluno” incapaz de decidir qual
conduta deveria ser seguida, como ocorre em qualquer ação estimulada
por múltiplas intuições conflitantes. As culturas parecem, em lugar disso,
especializarem-se em subconjuntos de potenciais morais humanos.

Seguindo esse modelo, autores propõem que as “mercadorias” morais


(crenças culturais diversas acerca do que é moralmente admirável e de
valor e o que não é) geralmente se encontram reunidas em três complexos
(ou grupos) de éticas, as quais todas as culturas aceitam; a variação existe
apenas com respeito ao grau.

Uma primeira forma de ética diz respeito à “Autonomia”. Esta ética focaliza
as maneiras de viver que protegem a autonomia individual, tais como os
direitos, liberdade de escolha e o bem-estar pessoal.

O segundo tipo é a ética da “Comunidade”. Este preceito moral focaliza as


formas de viver que protegem a família, a comunidade, a nação e outras
coletividades, tais como a lealdade, dever, honrarias, respeito, modéstia e
autocontrole.

O terceiro tipo é a ética da “Divindade”, que focaliza as ações que visam


proteger o eu espiritual, tais como a piedade e a pureza física e mental.

Diferentes culturas: diferentes ênfases num ou


noutro aspecto
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Dentro desses conceitos, uma criança nasce preparada para desenvolver
as intuições morais existentes em todas as três áreas éticas. Mas o seu
meio ambiente local/cultural geralmente enfatiza ou prioriza mais uma
ou duas dessas éticas que outras.

As intuições éticas que fazem parte do que é culturalmente apoiado ou


encorajado tornam-se mais agudas, mais penetrantes à atenção e mais
cronicamente acessíveis às mentes do local. Enquanto isso as intuições
éticas com menor apoio e menos estimuladas tornam-se mais fracas e
menos acessíveis ou, até mesmo, menosprezadas. Há, portanto, graus
diferentes de importância para um ou outro aspecto do aprendizado e da
conduta moral.

Esses modelos de “perdas da preservação” têm sido documentados


em outras áreas mais elevadas da cognição humana. Parece existir um
desenho no cérebro humano relacionado ao desenvolvimento adequado,
num tempo certo para a “experiência esperada”. De outro modo: haveria
um desenvolvimento num certo período de tempo quando ocorre uma
plasticidade neural alta, como se o cérebro esperasse certos tipos de
experiêcias para serem apresentadas durante certo tempo para guiar um
caminho final continuado.

Esses períodos sensitivos estão bem documentados no desenvolvimento


dos sistemas sensoriais e da linguagem. A maioria da seleção e eliminação
de sinapses no córtex cerebral humano ocorre nos primeiros anos, mas
no córtex pré-frontal o período de plasticidade ocorre posteriormente. A
seleção das sinapses no córtex pré-frontal para a linguagem, por exemplo,
se acelera no fim da infância e, então, termina na adolescência. Como
os córtices pré-frontais seriam as áreas do cérebro mais implicadas no
julgamento moral da conduta, autores sugerem que, se existe um período
sensitivo (crítico) para o aprendizado moral, este seria provavelmente
mais tarde, no fim da infância, diferente do que a psicanálise afirmou,
bem como os educadores ainda afirmam.

Épocas de vida diferentes levam ao aparecimento de um sistema “quente”

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(maior desenvolvimento das áreas cerebrais subcorticais no início da vida)
ou “frio” (aumento do desenvolvimento das áreas corticais; do aprendido
após o nascimento). Assim, quando o sistema frio (cortical) ainda não
está bem desenvolvido, como no caso de crianças, estas não têm como
ativá-lo adequadamente, pois ele ainda não está funcionando na sua
plenitude (não possui circuitos cerebrais capazes de realizar essa função).
Nesses casos, a exposição ao estímulo saliente quente, dominando o
foco da atenção do indivíduo, produzirá uma resposta automática que
sobressai, como aconteceu com os pré-escolares diante do marshmallow.
(ver a seguir)

Imersão nos costumes complexos


Os “costumes complexos” têm sido definidos como “a prática costumeira
e as crenças e valores, sanções, regras, motivos e satisfações associadas
a eles”. O costume complexo captura a idéia de que o conhecimento
cultural está longe de ser apenas um simples conjunto de crenças acerca
dos caminhos para fazer as coisas certas ou erradas. O conhecimento
cultural é uma trama complexa de conhecimentos explícitos e implícitos,
proposicionais e sensoriais, afetivos, cognitivos e motores; esses fatores
trabalham juntos.

Os costumes complexos (atos, rituais, práticas) são facilmente encontrados


na socialização moral das crianças. Na Índia, por exemplo, muitos espaços
e objetos são estruturados por regras de pureza e de poluição. Os seres
vivos (homens ou outros animais) estranhos à seita, são admitidos apenas
perto da entrada do templo. Por outro lado, os adoradores, que foram
adequadamente banhados, são permitidos entrar no pátio central. No
santuário interno, onde as divindades se assentam, somente o sacerdote
Bramam é permitido entrar.

As residências privadas imitam esse modelo, ou seja, têm uma organização


similar. Nas residências há zonas de pureza extrema (a cozinha e o quarto
onde as “divindades” da casa ficam) e zonas de menor pureza, como a sala
usada para os visitantes.
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O corpo humano é imaginado como tendo uma estrutura similar. A cabeça
é vista como sendo a zona de maior pureza e os pés, por sua vez, a área
de maior poluição (contato com as impurezas do chão desconhecido). As
crianças da Índia constantemente encontram estruturas no espaço e no
corpo para a pureza e elas aprendem a respeitar as linhas de divindade,
como, por exemplo, remover seus sapatos ao entrar nos lugares “limpos”
e usar a cabeça e os pés de modo diverso; tocar nossa cabeça (nossa parte
superior) nos pés de outro (a parte inferior do sacerdote) em sinal de
grande respeito. Assistimos cenas semelhantes em alguns ritos da Igreja
Católica.

Muito cedo as crianças começam a desenvolver um senso intuitivo de que


a pureza e a impureza devem ser mantidas afastadas uma da outra: “Afaste-
se desse menino. Ele não presta! É perigoso!”. Quando uma criança, mais
tarde, encontra o conteúdo intelectual da ética da divindade, as idéias
de sagrado, controle do corpo e espírito, transcendência (perfeição,
superior ao sensível, etc.), sua mente e o corpo já estão preparados para
aceitar essas idéias e a verdade sentida torna-se, automaticamente, auto-
evidente, pois o terreno tinha sido preparado desde cedo para aceitar
esses ensinamentos.

Na cultura brasileira, ao contrário da indiana, a criança está imersa num


conjunto de práticas com respeito ao espaço e ao corpo, apoiado por uma
ideologia muito diferente. Quando uma criança, mais tarde, encontra o
conteúdo intelectual da ética da divindade, as idéias de sagrado, controle
do corpo e espírito, transcendência (perfeição, superior ao sensível, etc.),
sua mente e seu corpo já estão preparados para aceitar essas idéias e a
verdade sentida torna-se, automaticamente, auto-evidente, pois o terreno
tinha sido preparado desde cedo para aceitar esses ensinamentos.

A falsa crença da antropologia no aprendizado


da fala
Descreveram-se algumas suposições, assentadas na antropologia, que

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as crianças aprendem, na maioria das culturas, através da fala ou de
conselhos dos pais. Surpreendentemente, apesar de termos assimilado
essa crença, não parece ser assim. As crianças adquirem grande parte dos
seus conhecimentos culturais e periciais observando e, posteriormente,
imitando as práticas não somente dos adultos, mas, principalmente, de
outras crianças, as mais velhas e admiradas. São estas que geralmente
servem de modelos a serem reproduzidos (plagiados). Foi constatado
que os antropólogos subestimaram a importância dos esquemas motores
(rituais) e do conhecimento implícito e, ao contrário, enfatizaram
informações baseadas em relatos verbais (explícitos) como fonte principal
dos dados etnográficos. Há, portanto, uma assimetria entre de que modo
origina-se o conhecimento ocorrido nas crianças e como ele é assimilado
e, posteriormente, descrito pelos antropólogos.

Em resumo: o conhecimento cultural penetra (invade, introduz) nos


organismos das crianças, principalmente, através de meios não-verbais e
não-conscientes. Por outro lado, esse conhecimento assimilado da maneira
acima descrita é exteriorizado principalmente através da comunicação
verbal, explícita ou consciente. Por exemplo: a descrição de Deus
mostrada verbalmente é de um ser bom, justo, etc., mas a representação
não-verbal de Deus é outra (perseguidor, vingativo, melindroso, não-
compreensivo). Desse modo, nós, informantes do nosso comportamento,
pressionados a explicar as práticas que nós mesmos aprendemos através
da observação, imitação e participação, ficamos geralmente obrigados a
construir, descrever ou compor um relato acerca do aprendido com os
conceitos disponíveis e usados.

Geralmente fazemos pouco uso da mímica (do modo como aprendemos)


e somente em certas peças teatrais, bem como nos esportes em geral, há
uma ênfase nos gestos. As palavras usadas para descrever o conhecimento
cultural têm relações sutis e, muitas vezes, fantasmagóricas ou imaginárias
com a maneira pela qual o informante adquiriu ou gerou as ações em
questão; a entrada do conhecimento é diferente de sua saída. Do mesmo
modo, o “sentido” corporalmente devido a uma emoção que domina
nosso corpo difere muito das expressões verbais (nossa fala) acerca do
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sentido pelo organismo.

Estudos mais recentes mostram que a aprendizagem social usa alguns


dos mesmos circuitos nos gânglios basais, circuitos neurais estes que
são usados na aprendizagem motora. Isso faz com que uma grande
parte das habilidades sociais se torne rápida e automática, como uma
sequência motora bem aprendida. Deve ser enfatizado que os processos
das habilidades sociais e dos julgamentos são aprendidos gradualmente e
implicitamente (sem consciência do aprendido).

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Julgamento moral: socialização
e janela sensitiva
As implicações de tudo isso é que as intuições morais – motores que
acionam nosso julgamento verbalizado – são desenvolvidas e formadas
(modeladas) enquanto a criança comporta-se imitando e participando
das práticas e costumes complexos de sua cultura, ou seja, dos rituais da
tribo. Tal processo recebeu o nome de “cognição incorporada” e, mesmo
se as pessoas de todas as culturas tivessem mais ou menos os mesmos
corpos, elas teriam diferentes “incorporações” e, portanto, o produto final
em cada indivíduo seria a construção de mentes diferentes.

Socialização com companheiros


O modelo social intuicionista descreve as pessoas como criaturas
intensamente sociais, cujos julgamentos morais são fortemente modelados
pelos julgamentos existentes ao seu redor. Os estudos mostram que as
crianças não se tornam parecidas com seus pais – como geralmente tem
sido descrito – mas com seu grupo de amigos/companheiros, pois é
com eles que elas formam alianças e o prestígio é ganho. Foi proposto
que as crianças adquirem sua cultura – incluindo os valores morais – de
seus amigos, do mesmo modo que elas adquirem sua fonologia. Tem
sido verificado que os filhos de emigrantes copiam os acentos de seus
companheiros e não de seus pais (seria tudo inconsciente, de modo que
a pessoa não saberia como aprendeu, da mesma forma como aprendeu a
pegar uma bola, andar de bicicleta, etc.)

Enquanto um pesquisador focalizou o papel do sistema nervoso


autônomo no pensamento, outros autores enfatizaram a extensão total
das experiências físicas e emocionais que subjazem em nossa cognição
incorporada. Analisando como as pessoas pensam e falam acerca

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do amor, política e moralidade, eles mostraram que quase todos os
pensamentos complexos presos às metáforas desenhadas estão ligados,
o máximo possível, com nossas experiêcias como criaturas físicas na
vida que levamos. Por exemplo: como todos nós temos experiências com
alimentos que são fáceis de serem contaminados, podemos procurar
atingir uma pureza igual (bondade) no domínio físico, usando um
modelo já aprendido.

Aprendemos, através de nossas experiêcias, que as substâncias puras


podem ser rapidamente contaminadas (mofo, poeira, insetos) quando
não conservadas ou acondicionadas adequadamente e que, uma
vez contaminadas, dificilmente atingem a pureza anterior. São essas
vivências do mundo físico (“alto”, “longe”, “perto” antes de aprender
essas de palavras) que dão origem à formação (em muitas culturas) dos
esquemas e dos conceitos de pureza e de inocência humana. Por exemplo:
acreditamos que as crianças iniciam a vida em um estado de pureza e
inocência, mas que elas podem ser contaminadas ou corrompidas pela
simples exposição a certas pessoas e eventos (infecções, males), como o
sexo, a violência, as drogas, roubos, etc. Alguns perdem a pureza mas
podem ser recuperados, quase sempre com grande dificuldade, através dos
exorcismos, penitências de várias origens e outros rituais. Alguns outros
jamais podem ser recuperados, como ocorre com a perda da virgindade
para certas culturas. Conforme essas idéias, a intuição moral seria uma
produção cognitiva automática subjacente, um conjunto de regras e de
conceitos morais interligados altamente inconscientes, desenvolvidos
numa certa cultura.

Alguns desses conceitos podem ter uma base inata e nascem de metáforas
decorrentes de experiências físicas. As metáforas existentes em muitos
argumentos e persuasões morais, com suas vinculações a diversos
acontecimentos, envolvem tentativa de fazer o uso do implicado na
metáfora certa. Assim, se Saddam Housein é Hitler, segue-se que ele deve
ser combatido a todo custo. Entretanto, se o Iraque é o Vietnam, segue-se
que os USA não deviam se envolver, pois perderam a guerra contra eles.
Tais argumentos são utilizados aparentemente para induzir um raciocínio
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no ouvinte, mas são de fato designados para detonar intuições neste e,
assim, inculcar a opinião.

Janela sensitiva
Parece que há um período sensitivo, dos 9 aos 15 anos, para a aquisição dos
julgamentos intuitivos dos companheiros e ou da comunidade onde vive
a criança, bem como da acentuação da linguagem do lugar. Se a criança
viver num país estrangeiro nesse período, ela aprenderá e irá incorporar a
maneira de enxergar o mundo dos nativos do lugar; se for antes dos 9 anos,
o aprendizado será pequeno; se for anos depois, ela terá consciência do
choque cultural, mas não mais aprenderá como aprenderia se fosse mais
cedo e, nesse caso, as normas jamais serão automáticas e inconscientes
ou, de outro modo, incorporadas e auto-evidentes como ocorre com o
conhecimento intuitivo assimilado no período sensitivo.

As pessoas que vão para a comunidade mais tarde, acima dos 15 anos,
podem adquirir conhecimento proposicional explícito (conhecimento
memorizado ou cognitivo) acerca do certo e do errado, talvez
conscientemente, mas não espontâneo ou automático como ocorre com
o aprendizado da criança. Nesse caso, o adulto que aprendeu obteve um
conhecimento como adquire qualquer outro, como um fato científico
verbalizado. De modo semelhante, o mesmo fato ocorre com alguns
clientes. Estes aprendem a verbalizar a conduta mais sadia a ser adotada,
entretanto, continuam a agir da forma anterior, isto é, da maneira
disfuncional.

Para alguns, o segundo aprendizado (cognitivo), sendo usado


constantemente diante de fatos experimentados ou vividos frequentemente
e em diversas circunstâncias, poderá se tornar parte do organismo geral,
do modo de viver automático e espontâneo, como a criança aprendeu, e
não mais com idéias decoradas e repetidas num e noutro momento. Nesse
caso, o conhecimento que foi, anteriormente, cortical e mais demorado,
passa a ser subcortical e rápido. Ainda faltam estudos para confirmar essa
hipótese.
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Integrando racionalismo e intuicionismo
Algumas doutrinas filosóficas conferem grande importância à intuição
ou a consideram como um instrumento privilegiado no processo do
conhecimento. Entre essas doutrinas encontra-se a teoria do filósofo
francês Henri Bergson (1859-1941), segundo a qual a intuição nos permite
o contato com a realidade absoluta, em contraste com o caráter meramente
instrumental da inteligência conceitual ou científica (bergsonismo).

O elo do julgamento reflexivo permite que a pessoa, algumas vezes, engaje


em raciocínios morais privados para ela mesma, particularmente quando
há conflitos entre suas intuições iniciais. O aborto pode ser sentido como
errado para muitas pessoas quando elas pensam acerca do feto, mas se
torna adequado se a pessoa pensa ou focaliza o problema da mãe e não
do feto. Poucas pessoas conseguem, às vezes, focalizar o problema através
de vários ângulos diferentes, sem preconceitos, sem elos obrigando-os a
ser fiéis.

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Como compreender e julgar a
ação de uma pessoa
Compreender uma pessoa – ou uma cultura – é apreender o significado
das experiências e das ações do outro, isto é, seus valores e princípios
ordenadores dos modelos formados: o que Margarida gosta, faz, procura,
odeia, etc., e o que o aposentado viu em Duília, qual sua idade na época,
etc. De outro modo, para conhecer Geraldo preciso reconhecer como as
experiêcias e ações dele se referem a outra experiência e ação possível
vivida por ele. Por exemplo: Geraldo gastou parte de seu salário comprando
uma camisa do alvinegro. Agasalhado do frio, alegre e animado por esse
ícone milagroso, ele irá assistir, de perto, seu glorioso time jogar, vencer
e perder.

Quando percebo as ações de Geraldo (comprar a camisa) e as relaciono


com sua ida ao campo, seu prazer de ver seu time jogar, de participar
dessa magnífica festa onde ele encontra seus fiéis amigos atleticanos e
combate os inimigos cruzeirenses, sei que conheço um pouco dele. Assim
iremos interpretar porque gastar seu suado dinheiro com a camisa do
Atlético. Caso fosse interpretar sua ação com outra afirmação ou gosto
(princípio, modelo), como, por exemplo, “Detesto futebol” ou “Como
pode um pessoa gostar do Atlético?”, não iria compreender a conduta de
Geraldo.

Portanto, para compreender e julgar adequadamente uma pessoa nós


precisamos de dados a respeito dela. De modo muito simples e popular:
para compreender Geraldo preciso estar no seu lugar, imaginar viver sua
vida e valores. Na falta disso, damos simples palpites sem fundamentos,
mostrando mais o que somos do que Geraldo é. Uma melhor
compreensão e julgamento somente virão se adquirimos ou tomamos
posse do significado das experiências e comportamentos que queremos

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compreender. Qualquer ação só pode se tornar compreensível quando
ela é relacionada a outras ações e experiêcias da mesma pessoa e, nesse
caso, a parte examinada – comprar a camisa do Atlético – passa a ganhar
sentido sob o “olhar” do conjunto total.

Cada pessoa e sociedade enfrentam mais ou menos os mesmos problemas.


Cada uma dá suas respostas singulares. Por isso, o mundo real, construído
inconscientemente pelos padrões perceptivos e linguísticos de cada grupo
(ou sociedade), impede a percepção de outros mundos tão reais quanto
o outro; cada língua tende a pontuar e categorizar a realidade de maneira
própria. Desse modo fica difícil, às vezes, impossível, perceber, entender e
classificar os outros grupos através dos instrumentos de outro.

As explicações antigas afirmavam que a ordem social tinha seu fundamento


na vontade divina. Desse modo, tudo era explicado e entendido, sem
discussões e de modo simples, como desígnio de Deus. Apoiado no
discurso religioso e coerente com ele, o discurso político repetiu e
reproduziu a desigualdade entre as pessoas e a inferioridade da mulher
em relação ao homem, aceita como a verdade da ordem divina. Baseada
na mesma crença, segundo as religiões da época, no Brasil, a mulher foi
considerada incapaz de votar, de tomar decisões, etc., isto é, foi colocada
no mesmo plano dos índios, menores de idade e doentes mentais, se não
me engano isso consta na Constituição de 1922. Por causa da luta de uma
“louca”, a percepção mudou em 1930, quando as mulheres puderam dar
opiniões acerca da política, pois antes elas não podiam nem votar.

Se até 1930 era aceito não permitir às mulheres votar, era porque se
aceitava como normal, correto ou outra coisa qualquer que elas não
deviam ter os direitos dos homens, possivelmente, apoiados em alguma
regra implícita (modelo, princípio) de que os homens são superiores às
mulheres. E, como se sabe, os superiores têm direitos que os inferiores
não têm. Por isso escrevi a palavra “louca” entre aspas. De fato, era preciso
ser “louca” para pensar contra a correnteza, isto é, ter coragem e ousadia e
usar outras “lentes” para gritar contra o aceito, contra a correnteza. Assim,
aplausos para esses loucos, cada vez mais raros, os que enxergam diferente

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da maioria, pois graças a eles o mundo tem mudado para melhor.

Apesar de usarmos frequentemente nossos valores para compreender


ou explicar a conduta do outro, sem dúvida, é arriscado examinar uma
pessoa ou um povo a partir das experiências de outro povo ou cultura,
examinar as mulheres com os “olhos” dos homens; os clientes com os
olhos dos médicos; os homossexuais com os modelos dos heterossexuais;
os negros com os valores dos brancos; os idosos com as lentes dos jovens,
etc. Usar um tipo de linguagem para examinar uma outra não é o ideal,
entretanto, algumas vezes, produz uma melhor compreensão de uma ou
de outra parte, tanto da examinada como da que serviu como critério
para o exame.

O ser humano adapta-se a qualquer ambiente, de liberdade e de escravidão.


Podemos colocar um recém-nascido em qualquer cultura que ele se
comportará razoavelmente nela apesar de possíveis limitações genéticas:
um índio numa cultura negra, um esquimó numa cultura equatoriana,
etc. Os seres humanos não foram geneticamente programados para serem
membros desta ou daquela ordem social.

Uma palavra final: a diferença genética aceita com naturalidade não é


permitida pelas diferentes culturas ou sociedades. Nenhuma sociedade
tolera uma diversidade exagerada no modo de viver e de expressar o
pensamento. Todas as comunidades ou países, todas as religiões, ideologias
e mesmos teorias científicas se esforçam para impedir excentricidades
que se afastam de um padrão permitido ou tolerável. Todos os poderes,
Estado, leis e outros se esforçam, como podem, para manter uma harmonia
ou ordem social determinada pelos costumes convergentes adotados.Há
intolerância e antipatia com respeito ao divergente; o que vai contra a
correnteza.

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Fatores que alteram o
julgamento

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Julgamento: Sistemas “frio” e
“quente”
Eu acabara de assistir uma briga no trânsito. Um motorista – acredito que
distraidamente – fechara alguém. Em seguida, a discussão começou. Cada
um xingava mais que o outro. Nas entrelinhas percebia-se que ambos
tinham medo, mas era preciso obedecer aos imperativos do conhecimento
teórico do “machismo”. Eles precisavam mostrar para eles mesmos, bem
como para a pequena platéia pouco interessada existente, que eram
machos e que o homem verdadeiro não deve ou não pode ter medo. Por
isso a discussão continuava. Era uma briga falsa, pois, se pudessem se
livrar das regras dos homens “corajosos” e “valentes” impressas nos seus
cérebros quando ainda eram crianças de cabeça mole, eles estariam longe
dali e, além disso, teriam resolvido o problema ocorrido de forma mais
inteligente; uma característica que os dois, possivelmente, possuíam, mas,
naquele momento, emocionados e mais sujeitos às regras idiotas que nos
impõem, somente conseguiam esbravejar.

Como é estranho o homem: basta uma pequena batida para transformá-


lo em um idiota completo. Segundos depois da ligeira e insignificante
batida, o seu aprendizado foi rapidamente descartado. Nesse momento
ele se torna um pardal enfurecido ou, talvez, uma cascavel.

O que leva a pessoa a entrar tão facilmente numa disputa? Por que
uns pensam tanto nas consequências futuras de uma conduta e outros
não? Andando pelas ruas, fui à procura de respostas para as minhas
próprias perguntas. Minha mente estava ligeiramente agitada devido à
briga; fui contaminado pela doença. Por que certas pessoas brigam tão
repentinamente e discutem raivosamente por qualquer coisa? Por que
essas exigem uma solução imediata para suas vontades ou desejos? Por
que alguns usam menos a razão diante de um problema? Que mecanismos

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levam certos indivíduos a controlar suas ações e sentimentos, dominando
ou vencendo o poder do estímulo do meio ambiente?

São esses controladores de emoções que fazem um melhor uso do “livre-


arbítrio”? Este conceito permanece, até hoje, não entendido e, por isso
mesmo, altamente debatido. Para alguns há uma regulação fraca ou baixa
quando o livre-arbítrio falha. Para os defensores dessa idéia existem
situações enfrentadas que facilitam o aumento ou a diminuição dessa
força para controlar as ações durante as emoções mais fortes.

O não uso da “força reguladora” trás para o agente executor um custo


evidente: tornar-se, por motivos simples, um criminoso ou um ex-
homem, diante de uma atração física momentânea; por estar aborrecido,
ou mesmo alegre, beber mais que o devido e praticar atos que depois
serão motivo de vergonha; liberar o prazer rápido e perigoso de falar ou
de fazer o desejado diante de um pequeno estímulo do momento; atraído
por fatores sem importância, deixar de estudar e perder o ano que é
altamente importante; ter uma relação sexual pouco programada e ficar
grávida ou adquirir AIDS. Estes foram alguns poucos exemplos que me
lembrei enquanto andava acerca dos prejuízos que uma falta de controle
de uma provocação pode nos levar.

O livre-arbítrio tem sido definido por alguns como “a capacidade para inibir
uma resposta impulsiva que desfaz ou anula nosso comprometimento
com outras ações de maior valor para nós mesmos de longa duração”.
Vamos a um exemplo simples: passo (poderia ser você) por uma rua e um
rapaz forte esbarra em mim sem razão alguma, segundo meu raciocínio.
Eu poderia, mesmo achando ruim, continuar minha caminhada, mas,
sem pensar, impulsivamente, agrido-o com um murro na face. O rapaz,
mais forte que eu, me agride com violência. Resultado final: em troca do
meu pequeno murro, o grandalhão me devolveu vinte poderosos socos;
dei um e levei vinte. Evidentemente, não foi uma boa estratégia para me
proteger. Um outro exemplo é comer uma sobremesa exageradamente
e depois ficar empanzinado ou, também, fumar vinte cigarros por dia
apesar de tossir e escarrar constantemente.

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Sistema afetivo e pensamento
Uma postura da ciência dominante por vários séculos – idéia ainda
não destruída completamente – tem sido a de que os sentimentos e os
pensamentos são sistemas separados, com bases biológicas diversas,
isolados um do outro. A idéia atual não é essa, os dois trabalham juntos
e não podem ser isolados no homem. Entretanto, os estudos atuais, ao
contrário da crença antiga, afirmam que o sistema afetivo tem primazia
ou dominância em todos os sentidos:
1) o sistema afetivo apareceu primeiro filogeneticamente;

2) ele emergiu primeiro ontogeneticamente;

3) ele é acionado mais rapidamente quanto ao tempo real nos julgamentos;

4) ele é mais poderoso e irrevogável quando os dois sistemas avaliam


situações conflituosas.

Pesquisas sobre avaliação automática confirmam que as palavras com


valências afetivas, expressões faciais, fotos de animais e de pessoas,
apresentadas num curto espaço de tempo, mesmo subliminares,
produzem emoções nos observadores indicando que o processamento
afetivo trabalha com um quarto de segundo após a apresentação do
estímulo.

Dois sistemas: quente e frio


Dois sistemas separados, mas integrados, governam o pensamento e a
conduta humana diante dos desejos ou das tentações. O sistema “quente”
é especializado para processar de forma rápida as emoções – tentar fugir
de um automóvel em disparada – e suscita pesadamente a memória
baseada na sensibilidade maior ou menor da amígdala (região do cérebro
ativada durante, principalmente, o medo e a raiva) para eventos diversos
sem o uso do córtex. Esta ativação é inata e está pronta para funcionar
logo ao nascer, apesar de ir se desenvolvendo com a aprendizagem. O

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sistema “frio”, por outro lado, utiliza representações complexas espaço/
temporais e episódicas, como casar ou não casar com Maria. O sistema
“frio” está ligado à memória do hipocampo e do planejamento do lobo
frontal e de áreas de inibição, portanto, regiões cerebrais diferentes em
parte das do sistema quente. O sistema frio pode, conforme os eventos,
bloquear (autocontrole) impulsos do sistema “quente” e é desenvolvido
mais tarde na vida. Estudos mostraram que crianças de 3 a 4 anos foram
incapazes de adiar o tempo para comer a sobremesa quando, se adiassem,
ganhariam o dobro dela. Com o desenvolvimento do córtex frontal e do
hipocampo as crianças tornam-se mais capazes de inibir suas tentações
para conseguir ganhos avaliados como mais gratificadores.

Dois extremos: impulsivos (quentes) e calmos


(frios)
Para alguns autores existem dois tipos extremos de força reguladora
para a solução de problemas; sabe-se que quase ninguém se situa nesses
extremos. Um primeiro grupo tem sido classificado de “sistema dos
estourados” ou de “cabeça quente”. O indivíduo é “quente”, “impulsivo”,
“fogoso”, “irascível”, “afetuoso”, “animado”, “ardente”, “cálido”, “caloroso”,
“entusiasmado”, “fervente”, “alegre”, “intuitivo”, “irracional”, etc.

No segundo grupo situa-se o chamado de “frio”. O que faz parte desse


sistema recebe ainda o nome de “calmo”, “lento”, “sereno”, “lerdo”,
“fleumático”, “insensível”, “reservado”, “seco”, “duro”, “indiferente”, “lógico”,
“racional”, “sistemático”, “não-intuitivo” e outros nomes. Escolha sua
gaveta.

Um exemplo clássico de “quentes”


Há uma experiência, citada por diversos autores, que elucida melhor o
descrito acima. As pesquisas foram realizadas com crianças pré-escolares.
Elas foram colocadas diante de uma sobremesa que todas gostavam muito
(marshmallow). A pesquisa analisava a capacidade das crianças para

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adiarem a ingestão da sobremesa. Foi dada a seguinte orientação: as que
fossem capazes de adiar a ingestão da sobremesa por certo tempo, ou seja,
não comê-la imediatamente – diante do primeiro desejo – ganhariam,
um pouco depois, duas porções em lugar de uma. O que se queria medir
– a variável – era o número de segundos que os meninos aguentavam
ficar diante dos saborosos e atraentes “marshmallows” sem comê-los, isto
é, apenas observando-os. O experimentador se afastava para deixá-los à
vontade, sendo chamado através de um sino para lhes dar uma ou duas
sobremesas. Os pesquisadores sabiam que todas essas crianças gostavam
muito de “marshmallow” e que todas também gostariam de esperar e
comer duas sobremesas em lugar de uma.

O resultado foi interessante: nenhuma das crianças conseguiu ganhar


duas sobremesas, ou seja, esperar 15 minutos ou mais – tempo limite para
ganhar o prêmio – diante da tentação.

Variáveis que influenciam a conduta de


adiamento
Uma grande variedade de fatores pode influenciar esse adiamento ou a
consumação rápida diante das tentações e dos obstáculos, entre eles: a
percepção pessoal de si de exercer controle, de auto-eficácia, orientação
otimista e treino em automonitoramento.

Os sujeitos que se enquadram no Sistema Cognitivo Frio – racional;


lento; calmo – utilizam-se de uma representação mental espaço/temporal
mais sofisticada ou complexa, ou seja, raciocinam utilizando-se de
mais dados, mais escolhas, buscando a satisfação de desejos de longa
duração e, também, estimulando mais áreas cerebrais, principalmente os
córtices cerebrais. De modo simplificado, podemos chamar os usuários
desse sistema de mais bem informados, ou melhor, conhecedores mais
amplos, por possuírem um grande número de neurônios associativos
prontos para serem usados. Os “frios” que inibem a satisfação imediata
produzem decisões ou deliberações mais cognitivas (uso do raciocínio)

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que emocionais. Suas decisões e ações são mais lentas e seu conhecimento
é mais abrangente, complexo e reflexivo.

Por fim, o sistema frio, racional ou calmo é um sistema de solução de


problemas que só se desenvolve mais tarde – não ocorre nos primeiros
anos de vida, como no exemplo dos marshmallows (três anos), e, ainda,
diminui ou desaparece quando a pessoa se encontra sob forte estresse. Os
diversos componentes do sistema frio estão altamente interligados entre si
(neurônios associativos), mostrando relações complexas entre cada setor
ou áreas dele. As respostas nascidas desse sistema geralmente não são
imediatas ou diretas, mas, tipicamente, descrições verbais ou não-verbais,
afirmações, asserções, comentários e reflexões; nunca ações reflexas, tipo
rápidas.

O Sistema Emocional Quente (impulsivo, apaixonado, rápido) faz


parte do mecanismo especializado de qualquer animal, inclusive do
homem. Esse sistema é utilizado para processar ações/emoções que
exigem uma resposta rápida, muitas vezes fazendo parte do chamado
“reflexo incondicionado”, uma prontidão para reagir a certos estímulos
do meio, existente já ao nascer, próprio da espécie, não sendo, portanto,
aprendido. Mas esse mecanismo pode, também, ser de ações rápidas
condicionadas (aprendidas, mas extremamente ligadas ao reflexo inato
ou incondicionado).

O sistema quente, chamado de sistema de ação (energia, animação), é


muito mais ativado ou dirigido pela emoção que pela razão. Uma vez
ele sendo ativado, diante de determinado problema, a pessoa age rápido,
de modo simples e reflexo (estopim curto). Além disso, esse processo é
muito mais acionado diante de problemas quando a pessoa não encontra
resposta mais adaptada (estresse). Mais especificamente, a pessoa é
controlada pelos estímulos do meio ambiente (controle exterior) e
não pela mente pensante (autocontrole). Por último, o sistema quente
aparece muito cedo na vida do indivíduo e o frio se desenvolve com o
amadurecimento da pessoa, quando amadurece.

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Portanto, durante as fases iniciais da vida há um domínio quase total do
sistema quente na conduta da criança. A estrutura cerebral dominante
para acioná-lo parece ser a amígdala (do cérebro, não a da garganta). Essa
estrutura, funcionando desde o nascimento, acha-se ligada às funções
do organismo com relação à agradabilidade ou desagradabilidade do
estímulo e pode provocar o possível desencadeamento de respostas
rápidas, tanto de aproximar como de afastar-se.

Três autores e três modos de interpretar


(concepções)
Freud, de um lado, e Skinner, de outro, dividem a convicção de que o
“livre-arbítrio” ou o “agente pessoal” não passava de uma ficção. Para
Freud o grande poder gerador de ações encontrava-se no determinismo
do inconsciente reprimido. Skinner, por outro lado, acreditava no
determinismo do meio ambiente – idéias próximas do falado para o
sistema quente ou impulsivo.

Com o surgimento das idéias de George Kelly, nasceu a revolução


cognitivista. Para ele as pessoas não agem simplesmente pela motivação ou
por impulsos do organismo, mas, sim, como percebedoras e construtoras
do comportamento delas mesmas. Para Kelly, nós não podemos mudar
a possibilidade dos acontecimentos, mas podemos conceituá-los de
modo diferente em nossa mente, isto é, examinando-os através de uma
nova maneira e, nesse caso, possibilitando aumentar nossa liberdade de
escolha e nossa vontade. Essas idéias de Kelly aproximam-se mais das
idéias contidas no sistema “frio” ou racional, significando um retorno
da vontade na psicologia, isto é, dois sistemas separados, apesar de
relacionados, o cognitivo (racional) e o emocional (quente).

Em resumo: diante do perigo é acionado o sistema quente (impulsivo,


motivacional e emotivo), pois necessita-se pôr em ação condutas rápidas.
É sabido que durante o estresse crônico há uma diminuição do hipocampo
(região associada à memória episódica de fatos ou eventos). Esse transtorno

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pode levar a uma preponderância passageira ou continuada do sistema
quente devido a uma menor ativação do “frio” (lesão do hipocampo).
Por outro lado, sabe-se que certas drogas ativam ou inibem um ou outro
sistema. Por exemplo: a adrenalina ativa o quente, já o propranol, um
medicamento usado para combater a hipertensão arterial, ativa o sistema
frio, ou seja, torna a pessoa mais calma e menos propensa a agir muito
rápido.

Estímulo quente: sua diminuição


O poder provocador do estímulo quente irá diminuir em diversas
circunstâncias:
1- Quando ele se encontra presente, mas não salientemente exposto,
como, por exemplo, quando a pessoa tenta inibir a resposta a ela, isto é,
a pessoa se esforça para não pensar no fator que a seduz, provocador da
resposta quente. A pessoa pode estar diante de uma comida e focaliza o
seu peso corporal – não o alimento tentador – que está alto e, portanto,
ela não deve comer o cobiçado;

2 – Quando a recompensa é colocada fora da visão do indivíduo, como,


por exemplo, ao remover o chocolate, a cocaína e o cigarro da vista da
pessoa, fica mais fácil fugir da tentação;

3- Durante a presença de coisas ou eventos que distraem o indivíduo


durante a presença do estímulo quente. A pessoa está atraída pela iguaria,
mas a bela morena ao seu lado a distrai. Entretanto, às vezes, acontece que
a tentativa de distrair-se do estímulo sedutor leva a pessoa a uma maior
focalização deste. Esse processo tem sido chamado de “efeito irônico”;

4 – No caso da pessoa pensar mais acerca das propriedades e aspectos


“frios” do estímulo que de suas propriedades quentes, o efeito de
adiamento é aumentado. Um exemplo é pensar diante do chocolate como
ele foi preparado, comercializado, seus efeitos nocivos e nutritivos, sua
bela embalagem, etc.;

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5- Os mais idosos tendem a ser menos provocados pelas seduções dos
estímulos quentes.

Estímulo quente: seu aumento


Durante o estresse há uma mudança do sistema frio para o quente,
fazendo com que o adiamento da gratificação fique mais difícil. As
pessoas, quando estão mais emocionadas e irritadas, apresentam maiores
dificuldades em parar de fumar, de beber ou fazer dietas. Nesse caso, elas
se tornam propensas a engajar em outros sistemas quentes, como, por
exemplo, ficar mais apaixonadas, politicamente defender idéias radicais,
pertencer a religiões mais rígidas e agressivas, etc.

Para piorar a vida do “cabeça quente”, estudos mostram uma tendência


para este entrar em vários sistemas quentes de uma só vez (reunião de
várias condutas “quentes” ao mesmo tempo): mais bebida, gravidez
precoce, roubos, uso de drogas, agressões, abandono do emprego, briga
com os amigos mais chegados, etc., formando uma espiral que vai levando
o indivíduo a ficar mais sensível aos estímulos quentes.

O risco de ser “quente”


Os estudos mostram que algumas pessoas têm o sistema “frio” melhor
desenvolvido e, nesse caso, há possibilidade de seu sistema de julgamento
moral ser mais regulado e com maior habilidade para produzir o
raciocínio moral. Não se trata de um triunfo de um sistema sobre o outro,
mas sim de um desenvolvimento com maior sucesso e a integração do
sistema frio que é um fator essencial da inteligência emocional. Para os
criminologistas, há uma relação inversa entre esse tipo de QI e os crimes:
quanto mais frio, menos crimes.

Um estudioso dos Transtornos de Personalidade Anti-Social afirmou


que quase todos os anti-sociais são criminosos. Há nesses pacientes um
raciocínio dissociado das emoções morais. Os psicopatas conhecem, no
sentido de memorizar (sem se emocionar; não vivenciam), as regras da

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conduta social e compreendem as consequências danosas de suas ações
para os outros (uso normal da cognição). Entretanto, eles simplesmente
não têm os cuidados necessários acerca das consequências de suas ações,
mostrando uma pobreza geral das reações afetivas, particularmente as
que poderiam provocar o sofrimento dos outros (remorso, simpatia;
ausência de emoção vicariante).

Um outro pesquisador da mesma área afirma que os psicopatas podem


roubar de seus amigos e matar os próprios pais para receber seguro sem
mostrar traços de remorsos ou vergonha quando presos. Seu córtex
frontal funciona de modo diferente das outras pessoas. Foi notado que o
metabolismo das áreas pré-frontais acha-se diminuído comparado com
os controles. Outros estudos mostraram uma redução das habilidades
para raciocinar dos anti-sociais ou psicopatas ao lidarem com situações
reais para decidir; seu julgamento é pobre junto a uma conduta irracional.

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Julgamento estressante:
Incerteza e imediatismo
O povo constantemente afirma que a única certeza que temos é a de que
vamos morrer. Esta evidentemente não é a única, pois, além dessa, sabemos
que vamos envelhecer e muitas outras certezas. Um grande sábio, Ilya
Prigogine, prêmio Nobel de Física, recentemente falecido, escreveu um
livro, lido por mim com alguma dificuldade, que recebeu o título “O fim
das certezas”. Nesse livro este autor descreve que não temos mais certeza de
que existe certeza na Física. Não fica difícil generalizar essa afirmação para
outras áreas científicas; imagine a Psicologia, uma área do conhecimento
que, ainda, para alguns, não pode ser considerada uma ciência séria. O
que esse autor enfatiza, entre outras coisas, é que não conhecemos o autor
da ciência e, portanto, para entender a obra do cientista, do filósofo ou do
pastor, precisamos esclarecer primeiramente quem é o homem; isso ainda
está encoberto por noções absolutamente erradas. Concordo totalmente
com ele. Vou me adiantar antes de ser criticado. Essas certezas que afirmei
são de segundo grau, isto é, afirmações acerca de afirmações ou metas-
afirmações. Nessas a verdade ou certeza é outra, ela é uma verdade lógica
e não sensorial ou perceptível.

Diante das incertezas, sem saber o que escolher ou decidir, muitas pessoas
tornam-se presas ao presente. Quanto mais desorientada e ou emocionada
estiver a pessoa, mais confusa ela ficará e, também, mais presa aos aspectos
imediatos da situação. Indeciso, sem rumo, o indivíduo se torna incapaz
de examinar ou de considerar as relações mais amplas e importantes entre
os fatos e os objetivos.

Quando os indivíduos são jogados, de um lado ao outro, pelos acontecimentos


não esperados, eles se tornam confusos e, consequentemente, tendem
a seguir as correntes predominantes existentes, não os imperativos de

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sua mente que investiga o futuro, mas sim pelo mais rápido e prático,
conforme a situação do momento. De outro modo, estas pessoas se
mostram incapazes de conservar a direção ditada internamente pelo
autocontrole, a que independe dos acontecimentos atuais.

Desorientação e sugestão
O desorientado é um sugestionável pelos acontecimentos do momento,
isto é, aceita o símbolo – palavras, figuras ou algum outro elemento
semelhante – sem que se manifeste, ao mesmo tempo, uma evidência
ou um fundamento lógico desta aceitação. Uma pessoa concorda ou
discorda de uma afirmação ou um estímulo em função da ação conjunta
do estímulo e das condições internas dela mesma, ou seja, seu modo de
pensar ou modelo da realidade. Durante as incertezas, a análise lógica
possível de existir na mente do indivíduo é diminuída ou eliminada, pois
há inibição das possíveis restrições críticas.

As crenças dependem dos dados armazenados e disponíveis na mente


para serem usados. Portanto, as diferenças quanto a ser mais ou menos
sugestionável podem estar ligadas, pelo menos em parte, à diferença de
informações e de conhecimentos.

Um pouco mais claro e exemplificando, somente se existir o conhecimento


de que existem germens, bactérias, etc., que produzem doenças, terá
sentido ter uma atitude a respeito do direito do Estado forçar as crianças
a serem vacinadas contra varíola, tétano e outras doenças, sem levar em
consideração a vontade dos pais.

Se, em vez disso, os dados disponíveis descrevem a presença de demônios


e de espíritos como produtores de doenças, os problemas médicos serão
resolvidos pelo curandeiro, feiticeiro e, logicamente, haverá atitudes
diferentes com respeito à vacinação ou higiene. Para ter sentido queimar
bruxas é necessário ter, como parte do ambiente intelectual, as afirmações
de que há demônios e de que as pessoas podem aliar-se a estes e, sempre,
que se deve culpar alguém por qualquer fato indesejável.

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No século XIV, durante a peste bubônica (negra) que matou cerca de
um terço da população européia (Alemanha, França, Itália, Inglaterra,
entre outros), as autoridades da época, perdidas, sem noção do que se
tratava, apelaram para suas explicações costumeiras: “Isso é um castigo
divino por alguma coisa feita erradamente; Deus exige vingança”. Nessa
época, parece que não havia outra explicação disponível nos cérebros dos
habitantes da culta Europa.

Usando esse paradigma, grupos católicos matavam os judeus que


encontravam, pois eles eram, segundo seus inimigos, os culpados, pois
foram os judeus que inventaram e disseminaram a peste para eliminar
os diferentes deles. Esses terríveis justiceiros mataram, queimaram,
deceparam membros, estupraram mulheres e saquearam moradias, tudo
muito adequado a esses esquisitos princípios de combate às doenças.

Mas essa estranha estratégia de combate à doença falhou; a febre continuou


a matar. Os justiceiros então perceberam que a epidemia atacava e
matava também os judeus. Entretanto, assentados em outros princípios,
“verdades” semelhantes aos seus paradigmas anteriores perseguiram
outros grupos de excluídos. Alguns fanáticos não só agrediam os
estranhos, mas, também, se autoflagelavam na esperança de aplacar a
ira divina e, consequentemente, a epidemia enviada por Deus, segundo
suas crenças. Para esse grupo, o sofrimento neles próprios e nos outros
devia ser usado, não só para agradar Cristo, que sofreu e morreu para nos
salvar, segundo teorias religiosas da época, mas também para diminuir
o possível ódio do Senhor que usou a epidemia para punir os rebeldes.
Entretanto, como seus sacrifícios, matanças e profecias foram inúteis para
acabar com a peste negra, grupos de desesperados e irados começaram
a matar, indiscriminadamente, qualquer pessoa encontrada desde que o
conjunto de pessoas não simpatizasse com ela, isto é, surgia uma raiva
intuitiva. Conforme a regra usada, os fanáticos da religião tinham o direito,
talvez a obrigação, de pilhar, abusar e matar as pessoas que, segundo suas
estranhas e limitadas classificações e teorias, pertenciam ao lado ruim do
mundo, dos contaminados pela maldade. Naturalmente os “justiceiros”,
segundo eles próprios, pertenciam ao grupo dos puros, santos e enviados
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por Deus para remover a sujeira e purificar o mundo sujo.

Mas a situação, apesar do uso dessas falsas teorias, foi piorando; tudo
continuou na mesma. A epidemia foi se espalhando e matando: crianças,
mulheres, homens, ricos e pobres de todas as crenças e origens, pois o
princípio de que certas doenças podem ser causadas por microrganismos
(vírus, bactérias, fungos, etc.), que eram passados de pessoa para pessoa,
ainda não existia.

A peste negra trouxe também vantagens, segundo outras explicações.


Conforme os relatos, após o fim da peste negra, iniciou-se uma
transformação da maneira de pensar usada anteriormente (do modelo,
paradigma) de que tudo que acontecia era fruto de desejos divinos,
mesmos as catástrofes mais terríveis e, consequentemente, ainda presos
a essa “verdade”, havia necessidade de fazer algo para aplacar o ódio de
Deus. Mas, felizmente, a peste negra ajudou a mudar esses fundamentos
até então usados como verdades absolutas.

A partir dessa época, num continuado crescente até o Renascimento, a


ciência, que já caminhava entre gregos e chineses há centenas de anos,
renasceu, ou seja, algumas pessoas passaram a dar importância aos fatos
observados e menos importância ao imaginado puro. Assim iniciou-se
uma mudança do modo de pensar: o milagroso foi sendo deixado de lado
pouco a pouco, bem como o mágico.

Portanto, somente assim, isto é, com o enfraquecimento (fracasso total


diante da realidade vivida) de um modo de pensar, foi possível nascer uma
outra maneira de interpretar os acontecimentos. Entretanto, ainda há, em
todo o mundo, pessoas que interpretam e ou entendem a realidade através
de princípios montados em magias, superstições e outras especulações
semelhantes.

Uma experiência de menino


Eu, pessoalmente, quando criança, presenciei, em Belo Horizonte, grupos

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irados e superagressivos destruindo lojas comerciais (de ferragens,
padarias, etc.), semelhantes aos “justiceiros” da peste. Assisti destruições
e incêndios e, como sempre, roubos das sobras do que tinha algum
valor e era possível levar para casa. Eu era um menino curioso e livre,
por isso caminhava pelas ruas sozinho, fazendo o que desejava. Nessa
ocasião segui, e, sem entender, observei alguns desses grupos de irados
histéricos (ninguém os agrediu) que se formaram em diversos pontos da
cidade. O objetivo, que eu mal compreendia naquela época, era agredir,
destruir ou matar os “italianos” e “alemães” (na realidade, descendentes
desses indivíduos ou alguns que tinham nomes possíveis de ser de origem
italiana ou alemã). A explicação dos justiceiros furiosos era que eles eram
nossos inimigos (fascistas, nazistas) e, consequentemente, segundo sua
lógica irracional, culpados por nossos sofrimentos e desilusões vivendo
na ditadura imposta por Getúlio Vargas e companheiros.

Lá, bem longe, na Europa, Hitler e Mussoliniestavam unidos contra os


chamados pela imprensa da época de “aliados”, segundo o entendido pela
criança que habitava meu corpo ingênuo. O Brasil fazia parte do grupo
de santos bonzinhos, dos puros, e lutava contra os demônios do outro
lado que só desejavam o mal. Não entendia porque o amigo da padaria,
o trabalhador da loja de ferragens e da casa de perfumes, que todos
gostavam e eram, até o dia da revolta, bem tratados, se tornavam, da
noite para o dia, inimigos perigosos. Nós, os não italianos e não alemães
podíamos invadir suas lojas e destruir e incendiar tudo que desejássemos.
Não precisávamos ter dó, nem preocuparmos com seus futuros, pois eles
eram inimigos perigosos e, por isso, precisavam ser exterminados.

Até hoje, bem mais velho que o menino daquele tempo, tento entender
essa guerra. Por que os Estados Unidos, a Inglaterra e a França eram os
nossos “aliados” e a Itália e Alemanha nossos inimigos? Nunca tive acesso
aos pormenores, às filigranas dessa e de outras guerras.

Desolado e pouco crente em política e partidos, fui escolhendo meu lugar


em cima do muro à medida que fiquei mais adulto. Sei que essa posição
não é bem aceita. A regra, ou melhor, o princípio ou modelo opressor

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(já que estou discutindo princípios e modelos) é: temos que ir a favor
ou contra os eventos, somos obrigados a votar num ou noutro nome
(é proibido anular o voto); jamais podemos afirmar nossa ignorância,
repito, ignorância, capacidade e ou condições de saber o melhor para as
ocupações do que não conheço. De outro modo, não devemos mostrar
nossa falta de conhecimento. Devemos sim, fingir que conhecemos
a realidade encoberta por palavras. Somos obrigados a fingir possuir
conhecimentos e opções que realmente não temos.

Confesso, pedindo desculpas ao leitor que pensa diferente, ajudado pela


minha burrice e ou ignorância, não sei qual predomina, que eu jamais
soube em quem votar. Certa vez votei no Lula quando ele concorreu
e perdeu para Fernando Collor. Antes de assistir ao resultado final, eu
pedi a Deus, que não me ouviu, que derrotasse Lula, Fernando Collor,
bem como todos os outros candidatos inscritos. Lá, bem no fundo do
meu organismo, eu era contra todos. Perdoe-me, caro leitor, tudo isso
ocorre devido à minha maldita cabeça; sei que a sua não é assim. Ainda
bem que existem cabeças mais puras, mais normais e semelhantes à da
maioria; elas, diferentes da minha maldita e confusa cabeça, sabem votar
no melhor e prever o que vai acontecer. Estaríamos perdidos caso o povo
todo pensasse como eu: não gosto de cerveja, política, carnaval, Natal,
praias, aglomeração, de comemorar o aniversário e, ainda, não aprecio
muitas e muitas outras atividades que quase todas as outras pessoas
adoram.

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Julgamento e distância
psicológica: Tempo, lugar e
proximidade
A distância psicológica temporal

Do mesmo modo como o julgamento de pessoas é alterado conforme


estamos “quentes” ou “frios”, as diversas avaliações também podem ser
mudadas se estamos psicologicamente mais ou menos distantes da pessoa,
fato ou situação a ser avaliada. O julgamento será mais “quente” (afetivo)
quando estivermos mais perto da situação e mais “frio” (cognitivo)
quando estivermos mais distante.

A pessoa pode fazer planos para, num tempo distante, talvez daqui a três,
quatro ou cinco anos, se casar, ter filhos, netos, viajar feliz com a família,
etc. Tudo isso é muito fácil de ser imaginado conforme um plano muito
distante a ser realizado. Quando imaginamos um futuro muito distante,
como o relatado acima (fazer um vestibular e formar numa faculdade),
visualizamos o futuro de modo ultra-simplificado, e, portanto, deformado,
pois dispomos somente de idéias abstratas (cognições, pensamentos) e
muito gerais, com poucos, caso tenha, dados concretos e ou específicos.

Geralmente as pessoas têm menos informações de um futuro distante do


que de um mais próximo. As construções de níveis altos contêm menos
aspectos incidentais (imprevisíveis) e contextuais (o fato no seu todo) e,
consequentemente, as abstrações (a generalidade) comumente escondem
(encobrem) a realidade a ser enfrentada e alteram as predições. Por isso,
por não percebermos a realidade futura, quanto mais distante mais difícil
será nossa objetividade. Temos uma maior confiança no futuro distante
que no mais próximo; avaliamos um e outro de modo diferente.

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As pessoas adiam; podem e deixam, muitas vezes, para depois, as ações
relacionadas ao futuro distante esperando uma maior informação que
estiver mais perto do tempo/fato. Algumas pessoas são mais capazes que
outras, mais bem treinadas a examinar uma situação de futuro-distante
com os olhos de um futuro próximo, focalizando os detalhes, o concreto
e os aspectos práticos.

Possuidoras de avaliações otimistas, mas intuitivamente com medo


de encarar o fato presente, as pessoas podem, muitas vezes, adiar suas
decisões até que cheguem muito perto da situação futura a ser enfrentada.
Elas podem, portanto, começar pensando acerca da situação futura em
termos de seu conhecimento geral e ou abstrato, deixando para mais
tarde as metas e os pensamentos adiados – deixar para depois – acerca do
mais específico, do concreto, dos aspectos secundários e desagradáveis
da situação: “Estou engordando; vou fazer um regime e ginástica, pois
isso irá me ajudar”. Uma idéia como essa você já deve ter dito para você
mesmo muitas vezes. Entretanto, poucos iniciam a atividade concreta e
específica descrita de forma abstrata e agradável no plano.

As predições de todo o dia, os julgamentos e as escolhas pertencem a


acontecimentos que ocorrem em algum ponto de um futuro mais próximo
ou mais distante. Podemos decidir, nesses casos, num curto ou num longo
tempo, em avançar e progredir, como no caso de avaliar a aceitação de um
emprego, de tirar umas férias numa certa época e lugar ou iniciar uma
dieta. O ponto aqui enfatizado é o julgamento, e a decisão é muito diferente
quando estamos mais perto do momento da decisão a ser tomada do que
quando ela é apenas desenhada (imaginada) mentalmente. Construímos
planos mais abstratos para os eventos imaginados de ocorrer num futuro
distante (Que curso farei?) e planos mais concretos e específicos para
os eventos que devem ocorrer num futuro próximo (O que farei hoje à
noite?)

Os planos que fazemos muito distantes quanto ao tempo tendem a ser


imaginados mais positivamente, isto é, julgamos os fatos futuros de
maneira favorável e agradável, pois nessas especulações quase nunca

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trabalhamos com a incômoda presença dos fatos reais e possíveis de serem
observados, muitos deles indesejáveis, mas sempre presentes durante a
realização concreta da ação. É muito diferente imaginar “Irei um dia à
Índia” do que realmente, daqui a dois dias, viajar para esse país.

Portanto, os fatos chatos e concretos somente aparecem em nossa mente,


com extrema nitidez, quando planejamos uma ação que deverá ser
executada num futuro muito próximo, como, por exemplo, ir hoje à tarde
ao dentista. Esse último caso é bem diferente do plano de um dia ir à
Índia, pois ir daqui a pouco ao dentista obriga a pessoa a trabalhar com
fatos concretos: a roupa a vestir, a hora de sair, o preço do tratamento,
se a anestesia irá atrapalhar falar ou engolir os alimentos, o trânsito, os
“trombadinhas”, etc., etc.

Nós todos, presumivelmente, planejamos ou concebemos nossas


idéias usando níveis mais elevados de informação (abstrações) quando
pensamos acerca de eventos que ocorrerão num futuro mais remoto, em
localizações geográficas mais distantes, em objetivos sociais longínquos
e no caso de eventos hipotéticos e ou incertos, bem diferentes dos níveis
usados (mais concretos) em casos opostos: fatos com pessoas, lugares e
épocas mais próximas e com mais probabilidade de acontecer.

Tudo isso tem recebido o nome de “distância psicológica”, um processo


que tem muito a ver com o valor “afetivo ou quente”, caso o fato esteja
mais próximo e, de forma diferente, um valor “cognitivo ou frio” (calmo),
se o fato estiver distante.

Quanto maior for a distância temporal, mais provavelmente serão


os eventos representados em termos simplificados, contendo poucos
aspectos do imaginado: “Acho que tem um lugar para mim no céu.
Acredito que a vida lá deva ser agradável” ou “Tenho vontade de ir à
Lua”. Esse mapa supersimplificado tem sido chamado de construção de
alto nível, diferente da construção de baixo nível criada para os fatos
imaginados mais próximos relacionados a detalhes mais concretos e
relações incidentais.

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Pensando assim, percebemos que as construções de alto nível (mais
abstratas e afastadas), comparadas com as de baixo nível (as concretas e
próximas), têm impactos diferentes tanto em nossos julgamentos como
nos comportamentos.

A desejabilidade refere-se ao valor de um estado final de uma ação,


enquanto que a possibilidade refere-se à facilidade ou dificuldade de
alcançar o estado final. Exemplo de desejabilidade refere-se ao valor de
conseguir um emprego oferecido, enquanto a possibilidade diz respeito
à quantidade de tempo e de esforço que vamos investir para obter o
emprego imaginado. A desejabilidade refere-se ao “porque” dos aspectos
da ação, enquanto a possibilidade reflete o “como” dos aspectos da ação.
A desejabilidade constitui a construção do alto nível da ação, enquanto as
considerações de possibilidade constituem as construções de baixo nível
da ação. Certos planos são primariamente guiados pela desejabilidade
da atividade. Ao fazer planos para um futuro distante, o indivíduo
parece considerar cada atividade isoladamente e falha para tomar em
consideração que cada atividade que ele planeja surge às expensas de
alguma outra atividade que ele pode querer engajar ao mesmo tempo.

Tipos diferentes de abstrações nas construções


relatadas e avaliadas
As ações dirigidas a uma meta podem ser construídas em termos de
metas com diferentes níveis de abstrações. As construções de níveis altos
são provavelmente criadas para incluir identificações de ações do nível
“meta/porque” e não do nível “meios/como”, ou seja, no nível mais baixo.
As propriedades dos objetivos últimos do Estado (governo, nação), bem
como as propagandas enganosas, usam e abusam do “meta/porque”,
pois são provavelmente parte das construções de níveis mais elevados,
enquanto as propriedades dos “meios/como” para se alcançar os fins são
para os níveis mais baixos de construção. Um exemplo: a afirmação “Farei
uma tese” apresenta um nível mais elevado que a proposição “Testarei
hipóteses da tese”, pois esta apresenta um nível mais baixo.

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Nota-se que os aspectos da ação que estão relacionados à meta “Farei uma
tese” são mais centrais para o significado da ação que os não relacionados
à meta durante o “Testar hipóteses”.

Os eventos imaginados como fazendo parte de um futuro distante, como


os relatados nos exemplos citados anteriormente, podem ser classificados
através de poucas, ao mesmo tempo, categorias mais abrangentes ou
gerais. Por outro lado, os eventos imaginados como fazendo parte de um
futuro próximo são classificados num número relativamente grande de
categorias, mas estas são mais específicas e restritas. De forma semelhante:
é diferente a visão da pessoa diante de um quadro contendo uma grande
pintura e diante do mesmo quadro olhando-o numa perspectiva mais
próxima. Nesse último caso, os detalhes são observados com esmero e
mais nomes são dados aos detalhes observados.

Emoções ligadas às construções abstratas e


concretas (geral e específica)
Vamos supor, por exemplo, uma construção abstrata, bastante geral,
vaga e distante: “Ajude sua comunidade”. Esta idéia geralmente produz
mais emoções (intuições) positivas ou agradáveis que uma construção
mais concreta e específica, como, por exemplo: “À noite, dê um prato de
comida para um sem-teto”. Podemos predizer que a construção inicial e
mais geral é provável de ser adotada mentalmente, apenas mentalmente,
para, se possível, num dia qualquer, ser usada num futuro distante. Para
a segunda e mais concreta construção (dar um prato de comida ao sem-
teto), o inverso seria observado. A ação imaginada num futuro distante
é sentida como mais agradável que a outra; ela é a construção preferida e
mais usada pelos políticos e governo em geral, isto é, discursos sobre as
metas e não sobre os meios de alcançá-las.

Distância psicológica: cognição e emoção


Uma outra hipótese afirma que o efeito da distância temporal variará

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conforme a valência do efeito seja positiva ou negativa. Para essa idéia o
valor de todo efeito diminui (cai, enfraquece) conforme a menor distância
temporal. Por exemplo: o valor prazeroso de receber um hóspede deverá
aumentar durante um “futuro distante”. Nesse caso, a pessoa, bem antes da
visita chegar, pode imaginar: “Que bom! Daqui a um mês minha querida
amiga M. virá passar uns dias comigo!”. Entretanto, ao se aproximar o dia
da chegada do hóspede, a pessoa tende a pensar de outra forma: “Meu
Deus! Amanhã terei que mudar toda minha rotina, pois M. vai chegar.
Por que fui convidá-la para vir agora?”.

Portanto, algumas vezes a pessoa “saboreia” o prazeroso evento ao antecipar


a consumação de um evento positivo. Por outro lado, a antecipação da
consumação de um evento potencialmente negativo provocará uma
sensação desagradável diante da possibilidade de sua obrigação (o dia de
pagar uma dívida feita há um ano ou de se hospitalizar para submeter-se
a uma cirurgia, etc.).

Muitas vezes, os desconfortos e gratificações momentâneas podem


impedir a pessoa de atingir seus interesses a longo prazo: uma pequena
dor física pode desencorajar o paciente a se submeter a um teste médico,
um bolo de chocolate pode levar a pessoa a quebrar a dieta, um leve
desacordo pode provocar um agressão incontrolável.

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Outros fatores que alteram os
julgamentos
Duas classes principais de motivos têm sido descritas como influenciadoras
da formação do nosso julgamento e, posteriormente, do raciocínio que
será produzido:

1)Agradar aos amigos e desagradar aos


inimigos
Um primeiro motivo inclui preocupações acerca da estratégia usada
para dar “boa impressão” e ser polido na interação com outras pessoas.
Seria estranho o contrário, ou seja, se nossa estrutura para produzir
um julgamento moral fosse orientada fundamentalmente pela acurácia
(exatidão) onde não existisse nenhuma preocupação para com os outros
efeitos concordantes com os nossos inimigos e discordantes com respeito
aos amigos.

Os estudos acerca das atitudes e da persuasão mostram que o desejo à


harmonia e à concordância têm, de fato, enorme peso na influência do
julgamento. O termo “motivação para a boa impressão” descreve o desejo
de apresentar atitudes e crenças que satisfazem as atuais metas sociais.

Seguindo essa afirmação, nota-se que as pessoas que aguardavam discutir


um problema com um companheiro, cujas perspectivas passaram a ser
conhecidas e expressas nas atitudes iniciais antes da interação começar,
provavelmente mudavam suas opiniões conforme as informações
antecipadas pelo companheiro de discussão. A existência da motivação
para concordar com nossos amigos e aliados significa que nós podemos
ser diretamente afetados pelos julgamentos dos outros. O mero fato de
que nosso amigo expressa um julgamento de moral contra X é muitas

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vezes suficiente para causar no companheiro também uma atitude crítica
para X. Tal influência direta impede a formação de um raciocínio que
possa ter esse nome, levando a pessoa ao chamado “efeito camaleão”.
A pessoa, sem perceber mimetiza as idéias e até mesmo as posturas, o
maneirismo e a expressão facial do companheiro de interação, tudo
automaticamente. Essa imitação inconsciente é socialmente adaptativa e
permite a manutenção de grupos e de sintonização de uma pessoa com a
outra.

O julgamento e o fator posição ou amizade


Como foi citado acima, numa discussão, basta que os amigos, os aliados
e os conhecidos tenham feito um julgamento moral determinado para
que este exerça uma influência direta nos outros ouvintes companheiros,
mesmo quando nenhuma persuasão tenha sido utilizada. Essas forças
sociais do grupo de amigos (efeito halo) podem trazer à tona somente uma
conformidade exterior, mas, em muitos casos, as pessoas isoladamente
têm consciência que essas opiniões são julgamentos formados por outras
pessoas.

Isoladamente é sabido que as pessoas são capazes de engajar num


raciocínio moral privado; muitas delas podem lembrar com nitidez
períodos anteriores quando elas mudaram de opiniões acerca de
problemas morais através de ponderações e de reflexões sem ajuda de
outras pessoas. Entretanto, alguns desses casos podem ser ilusões, outros,
reais, particularmente entre os filósofos ou pessoas capazes de penetrar
com mais facilidade nos subterrâneos de seus porões.

As pessoas podem, às vezes, desviar e forçar a lógica, ultrapassando sua


intuição inicial. Esse tipo de raciocínio é causal (racional) e não pode ser
dito como “escravo das paixões”, mas ele é raro e ocorre nos casos onde a
intuição inicial é fraca e a capacidade de processamento do indivíduo é
alta.

Nos casos onde há conflito entre o julgamento raciocinado e o julgamento


intuitivo potente, a pessoa geralmente passa a ter uma postura chamada de
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“atitude dual”. Nesse caso, o julgamento lógico e assentado na razão será o
expresso verbalmente, ou durante as conversas entre amigos e familiares.
Entretanto, o outro julgamento, o intuitivo, continuará existindo sob a
superfície e poderá ser detonado nos momentos de distração, cansaço ou
de muita emoção; um tipo de julgamento comum durante a raiva. Esta
intuição, que muitos chamam de raciocínio da “cabeça quente”, diferencia
do realizado com calma e que recebe o nome de “cabeça fria”, no qual
tende a dominar a lógica e o raciocínio. Descreverei, detalhadamente,
esse tema abaixo.

2) Coerência interna das explicações


O segundo fator inclui uma variedade de mecanismos defensivos ativados
para fornecer coerência, ou, de outro modo, evitar a “dissonância
cognitiva”. O motivo de coerência indica que a pessoa tende a construir
uma apreciação ou concepção de si mesma, bem como do mundo mais
ou menos constante. Quando essa construção orientadora é ameaçada a
pessoa experimenta ansiedade e mal-estar.Essa característica humana foi
chamada de dissonância cognitiva há dezenas de anos. Cada um de nós
procura manter as atitudes e crenças que são congruentes ou harmônicas
com as expressas anteriormente. Dentre essas atitudes e crenças estão as
chamadas autodefinidoras, que incluem valores e compromissos morais.
Quando os motivos de coerência são ativados ou estimulados, tanto o
pensamento espontâneo como o sistemático trabalham para preservar as
atitudes autodefinidoras existentes e conhecidas.

Por exemplo: os estudantes com opiniões favoráveis à pena de morte,


quando expostos a pesquisa evidenciando ambos os lados do problema,
aceitam a evidência conscientemente apoiando-se na crença anterior sem
críticas, mas subjetivamente opõem-se às evidências fundamentadas em
hipóteses populares, como a do “mundo justo”, que afirma que vivemos
num mundo onde as pessoas geralmente obtêm aquilo que merecem.
Algumas pessoas, que sofrem sem nenhuma razão, fundamentadas na
crença do “mundo justo”, buscam racionalizações para seu julgamento
moral acusando ou responsabilizando outras pessoas, grupos de pessoas,
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demônios ou “conspiradores maus”. Os estudos mostram ainda que pessoas
desejosas de usar informações importantes para elas aceitavam ou não as
informações novas caso essas não fossem contra ou não ameaçassem seus
valores sagrados.

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Palavras Finais

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As várias faces da verdade:
A verdade, o cientista e o
embusteiro
Às vezes filosofando, às vezes não, vivemos também observando fatos e
deduzindo pensamentos derivados de princípios que foram impressos
cedo em nossa mente. Cercando cada indivíduo, encontra-se uma
sociedade que caminha “ao compasso da verdade”, ou seja, que produz
e faz circular discursos que são defendidos e, muitas vezes, servem de
fundamento para a verdade, apesar de serem, quase sempre, mentirosos.
Por isso, possuir, ou estar possuída pela verdade, as afirmações adquirem
poderes determinados. Na nossa sociedade exortamos a produção de
discursos “verdadeiros” que, por sinal, estão sempre mudando. Quais
seriam os discursos verdadeiros? Quais seriam os produzidos pelos
charlatães? Que diferença essencial existe entre o discurso verdadeiro e
o falso?

A história tem mostrado que muitas e muitas verdades desapareçam com


a crítica da crença que lhe deu origem. Ao mesmo tempo, surgiram novas
afirmações “verdadeiras”, que, geralmente, envelhecem e morrem, como
aconteceu com suas antecessoras.

O poder cobiçado acha-se incrustado na “verdade” prescrita pelo médico


ao dar o diagnóstico e durante a pregação religiosa e a campanha eleitoral
do político. Cada sociedade, cada grupo científico, político, religioso,
comunitário, esportivo, artístico, bem como cada cidadão, tem seu regime
de verdade, sua “política geral” da verdade (donos da verdade).

Em cada época surge uma nova teoria científica plausível, verdadeira e em


moda. Surge um novo fato, descoberto através dos possantes telescópios
ou da ressonância magnética, que, por vez, foram construídos numa certa

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época. Cada grupo ou indivíduo detentor do poder produz sua “verdade”
verdadeira, usando, para isso, um tipo e estilo de discurso determinado
segundo as regras que o aloja (ampara, protege) e, nesse nicho, o faz
aparentar ou simular ser o verdadeiro (o certo).

O novo discurso (o novo verdadeiro) utiliza-se de mecanismos e fatores,


funções ou valores para induzi-lo a ser percebido e catalogado como
“verdadeiro”. Muitas são as trapaças empregadas por trás dessas verdades
de toda hora. A nova teoria, discurso político ou religioso, ensino, moda,
habitação, aparelho de TV, tratamento médico, o melhor restaurante,
etc., tenta motivar o simpatizante a enxergá-lo como diferente do “falso”,
isto é, do anterior, do ultrapassado, do velho e sem valor. A maneira
de sancionar uma e outra, as técnicas e os procedimentos, usados para
valorizar a verdade defendida, buscam apoderar-se do cobiçado poder
escondido detrás da verdade inventada. O discurso usado tem como
papel dizer o que funciona como verdade. A verdade é estratégica, uma
luta pelo controle, pela vitória e, consequentemente, por seus ganhos, que
geralmente são o poder e o dinheiro.

Formação do pensamento mágico: o nicho


acolhedor
Uma grande parte da população ainda é atraída – alguns devotam ou dão
suas vidas – pelas explicações (verdades) pouco ou nada objetivas e pelas
que se utilizam não de argumentos lógicos e bem assentados, mas sim da
geração interna de emoções e crenças e fé nisso ou naquilo. A busca é na
crença que mais permite a proteção ilusória e irracional da pessoa, que
produz uma segurança aparente, não na percepção da realidade, mas sim
nas fantasias e desejos mágicos. Cada cidadão escolhe o caminho mais
atraente.

Geralmente a população se orienta, sem nada melhor para se prender,


nos suportes frágeis e mal construídos por homens que dizem ser
magos poderosos, um “Deus” terrestre. É, muitas vezes, provido desses

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fundamentos pouco sustentáveis que o povo analisa, compreende e toma
decisões diante dos problemas fáceis ou difíceis de serem resolvidos: a
profissão, a escolha do cônjuge, a compra do apartamento, etc. A mente
popular, desde cedo, foi moldada para permitir a entrada de quimeras e
de aninhar crenças fantásticas, como anjos e demônios.

Muito cedo, logo após o nascimento, em casa, na escola e na igreja,


instruções mágicas e fantásticas invadem e ocupam os espaços centrais da
mente ingênua e plástica da criança. A maioria das mensagens enviadas
pelos responsáveis pelo cuidado e criação é uma informação prescritiva
(regras do que fazer) e histórias que buscam encobrir parte da realidade
do mundo real, principalmente da conduta humana (os líderes: chefes de
Estado, religiosos poderosos, ministros, etc.). Ensina-se o que pode ser
aprendido, encobre-se o que não deve ser aprendido, tudo conforme a
ideologia dominante pregada pela religião e o governo da sociedade.

Logicamente, os pais e professores, cultivados com os mesmos


ensinamentos, seguem a mesma linha ilusória desse caldo que nos
circunda. Ao “instruir”, evita-se explicar para as crianças, filhos e alunos,
a incoerência entre o discurso religioso e governamental e a injustiça e
a desigualdade econômica, física e intelectual. Há um esforço através
do discurso familiar, governamental e religioso, de braços dados, para
esconder o vivenciado por todos, como, por exemplo, a total falta de
oportunidade da maioria da população. A fala, aparentemente usada para
esclarecer o escondido, encobre o vivido e experimentado.

Convivendo e sendo explorados pela trapaça, a partir do nascimento,


os mais humildes e simples são os que mais imploram e buscam esses
remédios encantados, milagrosos e falsificados. Os enganadores,
ironicamente, oferecem aos crédulos os remédios capazes de curar suas
misérias e, assim, os conservam desgraçados para sempre.

Ensinamentos repetitivos: debates na imprensa


A psicologia sempre esteve carregada de explicações misteriosas nascidas

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há milhares de anos. Essas interpretações da conduta humana alastraram-
se mesmo entre os profissionais. Para comprovar minhas afirmações, basta
o leitor ouvir a fala dos debatedores na imprensa (TVs e rádio) quando são
discutidos os comportamentos. As explicações dos psicólogos, bem como
dos psiquiatras e psicanalistas, geralmente, não se baseiam em nenhum
dado empírico, dados de pesquisas ou de teorias sérias. Muito raramente
aparece um ou outro que cita informações aceitas e comprovadas através
de pesquisas. A maioria dos debatedores, claramente, não informa
nada, implicitamente mostra que não lê ou estuda e apenas emite uma
opinião intuitiva (palpite) do momento e, para isso, faz uso, copiando, do
“conhecimento” superficial e popular.

Opiniões singelas são escutadas, a todo o momento, nesses “debates”,


como acontece em qualquer conversa entre amigos numa mesa do bar. Os
palpites, lembrados no momento do debate, são expressos como fazendo
parte de um conhecimento digno de crédito (verdadeiro). Pouco depois,
fala-se o oposto, pois outras lembranças mal sistematizadas invadiram a
distraída consciência do debatedor: “Eu acho que…”; “Na minha opinião”;
“Penso que”; “Na verdade…”; “É como eu digo frequentemente…”.

O povo em casa, encantado, escuta as sábias idéias do inteligente e culto


profissional. Para o julgamento popular, a boa opinião, a inteligente
mensagem, a informação valorizada é a que ele já conhece, a que ele tem
a respeito do assunto ventilado, a que concorda com sua própria opinião.
De outro modo, popularmente, a boa “informação” é a não-informação,
pois informação pressupõe alguma mensagem ainda não conhecida.

Para comprovar suas brilhantes idéias, às vezes, orgulhosos, os teoristas


ingênuos citam um caso clínico, chamado entre os cientistas de “caso
anedótico”, isto é, um simples exemplo, geralmente mal estudado e que
não serve para apoiar generalizações aplicadas no ser humano como um
todo.

Frequentemente, em vez de tentar explicar um fato, o palestrante prega


geralmente uma ética religiosa ou ideológica, quase sempre uma ética

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infantil: “Temos que ser honestos; não se pode mentir para o cliente”. O
debatedor enfatiza uma maneira de agir e ataca o modo oposto como se
houvesse, por trás da explicação, alguma “verdade” ou uma “realidade”
válida para todos: crianças, adolescentes, adultos e idosos, de todos os
tempos e de todas as crenças: “Nós temos que agir…”; “Se os pais não
cuidarem disso ou daquilo, os filhos terão problemas”; “Nós devemos”;
“Precisamos tomar cuidado, do contrário…”.

Todos eles se transvestiram de deuses e ditam normas de conduta. As


exceções são poucas, isto é, os que mostram dúvida e ignorância na área
comportamental, um modo que todos os grandes pesquisadores exibem,
ou seja, dúvida, dúvida e dúvida, acerca de tudo.

Já fui numa centena desses debates. Num deles, discutíamos acerca do


tema: “A mulher e o casamento”. Um dos debatedores defendia a mulher:
“A mulher é uma jóia que deve ser preservada e bem cuidada. Ela não
deve trabalhar e sim cuidar dos filhos e da família, para, à noite, esperar
sorridente pelo marido…”. Pois bem. Eu conhecia a esposa “jóia” desse
professor; ela era minha cliente. Segundo suas confidências, seu marido,
um professor universitário, a agredia constantemente, inclusive com tapas
e socos.

Os médicos tendem a defender uma saúde imaginária conforme cada


um deles pensa ou, talvez, idealiza. Para isso, assentado no pressuposto
da “saúde ideal” (sanismo), o médico tende a prescrever para todos nós
o uso de camisinhas, fazer exercícios físicos constantemente, não comer
gorduras, usar anti-hipertensivo para diminuir uma suposta hipertensão,
um anticolesterol, um antidepressivo, um antiepilético, anti-histamínico,
etc., etc.

Entretanto, a vida, os valores e a história do indivíduo concreto, Paulo ou


Teresa, não têm importância para ele. O que deve ser considerado não
é uma pessoa determinada e sim a regra prescrita. Esta precisa, deve e
é obrigatória para ser cumprida por toda a população, tudo conforme
o catecismo (idealismo) do médico entusiasmado com sua religião

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monoteísta, isto é, o homem de uma idéia só. Ao escrever esse trecho,
lembrei-me do meu saudoso e querido professor de Filosofia, Arthur
Versiani Velloso, quando disse: “Nada mais perigoso que o homem de
um livro só”.

Examinando as declarações médicas, à primeira vista instrutivas, nota-


se, por trás dessas pseudo-informações, antigos princípios escondidos:
ético-religiosos, políticos, da supremacia masculina (machismo) e outros.
Na fala do médico defensor da saúde perfeita despontam esboços de
temores, superstições, do céu e do inferno, culpa, pecado, vergonha e de
Deus. Essas prescrições do “modo correto de viver” foram assimiladas
muito cedo através das historinhas, aparentemente inocentes, contadas
por nossas avós há muitos e muitos anos atrás. As prescrições buscam nos
conduzir para “modos certos” de pensar e agir segundo alguma ideologia
ou religião.

Os mestres e os seguidores são muitos. A maioria fala o que todos já


ouviram. Repetem o que o povo quer ouvir, o já conhecido. A verdade
passa então a ser uma questão da voz do povo, da opinião da multidão e
não de observações e de pesquisas. Os alunos ouvintes, boquiabertos com
tanta “sabedoria” e “certeza”, talvez não percebam que o escutado foi dito
também pela sua querida babá, mãe, professora, amigos e pelo povo em
geral. Assim, alegre e feliz, o ouvinte percebe que todos concordam; ele
está ligado ao mundo, por ter uma crença comum; todos acreditam nas
superstições e magias, apesar delas serem, concretamente, diferentes. Ele
fica feliz e tranquilo, pois faz parte de um grande grupo.

Todo o edifício pensante popular está assentado no mesmo fator geral,


crenças sobrenaturais. Esses alicerces frágeis permitem tudo, entre eles
a construção de edifícios irreais onde moram bons e maus fantasmas,
capazes de, magicamente, nos ajudar ou nos atrapalhar. São esses
princípios implícitos, não conscientes, que unem a maioria dos indivíduos,
formando um grupo coeso de irmãos ou companheiros. Unidos pelos
mesmos princípios, pelas mesmas crenças, os diferentes membros da
classe passam a ter a sensação de companheirismo, de uma unidade

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poderosa. Além disso, todos eles têm o mesmo inimigo; os críticos de
tudo isso.

Para minha tristeza, lamentavelmente, tudo faz crer que, geralmente,


exercemos pouco ou nenhum controle sobre o mundo que nos cerca.
Nosso poder sobre a nossa natureza e a externa é muito pequeno e, na
maioria das vezes, o controle que temos diz respeito a coisas secundárias
e não essenciais. Mas, como tudo, posso estar errado.

Aprisionados às teorias: desenvolvimento do


pensamento mágico
O que se vê, lamentavelmente, são as pessoas de algumas áreas chamadas
“científicas” aprisionadas nas suas teorias, num círculo vicioso. Elas evitam
o confronto com a realidade ou com outras teorias mais bem formuladas.
Em lugar disso, repetem e repetem os ditames do introduzido pela
autoridade venerada, discutem os textos do “mestre-deus Freud, Lacan
ou outro semelhante” intocável e superior; o que se tornou, sem querer,
um guru, pois, tudo indica, recebeu revelações divinas para construir seus
pensamentos: “Freud, no seu livro X , afirmou isso e aquilo; no seu livro Y,
ele repetiu e deu alguns exemplos dessa maravilhosa verdade universal…”.
Logo, isso é assim e pronto!

Quem vai contra, fatalmente, corre o risco de ser denominado de


“neurótico”, “perverso” ou, no mínimo, ser um masoquista ou sádico,
ou ter problemas sérios na área sexual. Precisa ser “analisado” para se
converter aos ditames do catecismo freudiano ou lacaniano.

Uma vez perdidos na teia de aranha da vida, percebendo que suas falsas
crenças estão ameaçadas, os adeptos das pseudociências tendem a buscar
outros e outros meios mágicos para dar uma solução aos seus problemas.
Ora é o pai-de-santo, o milagre, o sobrenatural, ora a terapia estranha e
não-científica, onde todos falam, enfaticamente, a mesma linguagem: a
da superstição.

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As explicações não-científicas (metafísicas e
ou mágicas)
Os envolvidos com as explicações não-científicas, ao explanarem os fatos,
geralmente, fundamentam-se na própria teoria que se tenta explicar.
De outro modo, a explicação do que se deseja explicar pelo trapaceiro
faz uso de dados ou princípios daquilo que precisa ser explicado. Não
é nada mais que “chover no molhado”, pois se trata de uma explicação
circular; ela fica no mesmo lugar. Esses explicadores ingênuos jamais
falham, pois “provam” tudo o que desejam. Eles defendem uma teoria
que foi construída, não como teoria científica, mas sim como teoria
metafísica, ou seja, uma declaração que não se pode provar ou refutar,
pois ela não se liga ao empírico (único critério final e real para comprovar
ou negar o afirmado). Somente o possível de ser observável, direta ou
indiretamente, isto é, o verificável ou refutável, poderá ser examinado.
Inúmeras afirmações se ligam apenas às palavras, não aos fatos, e essas
aceitam tudo, como o ditado popular afirma: “papel aceita tudo”.

Existem dezenas, centenas ou milhares dessas terorias. Uma afirma


o oposto da outra, possibilitando defender ou atacar qualquer idéia.
Segundo os lógicos, constitui um erro lógico grave (teorema de Gödel
e de outros) explicar uma situação ou um fato através da própria teoria
que está sendo questionada. Assim sempre agiram e agem os defensores
da Psicanálise. Eles explicam a teoria que querem explicar através dela
mesma. A psicanálise, como toda explicação desse tipo, prova tudo que
desejar e, no final, tudo se encaixa certinho, pois “Freudexplica tudo”..

Para os peritos, todo argumento precisa ser explicado através de outro,


e essa nova explicação precisa de outra para ser explicada, e assim por
diante. Não há uma explicação final totalmente aceita, pois nenhuma
pode ser compreendida como correta, pois ela sempre precisará de outra
para se apoiar. Num certo ponto, temos que interromper a explicação,
como, por exemplo, num axioma; este é aceito (aceito, não comprovado)
como verdade.

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Portanto, as explicações científicas (não as religiosas ou ideológicas que se
baseiam na fé) precisam sempre fazer uso de uma outra teoria, já aceita,
para servir de apoio ao que se deseja esclarecer. Por isso mesmo a ciência
se desenvolve. O antes aceito provisoriamente como correto se torna
errado; a nova explicação, uma vez bem criticada e uma vez refutada, dá
nascimento a uma outra e assim de modo infinito.

Exemplificando de modo muito simples: explico um acidente de carro a


partir da velocidade exagerada (uma teoria explicativa); de o motorista
estar bêbado (outra explicação teórica); da estrada estar ruim; da neblina
existente naquela tarde; de um defeito no automóvel, etc. (outras e outras
teorias explicativas). Não vale como explicação científica afirmar que o
desastre ocorreu porque os desastres acontecem.

Criticando as explicações e o explicador


Conhecendo melhor o explicador talvez fiquemos mais atentos às suas
explicações. Antes de acreditar nas explicações precisamos entender o
explicador e descobrir, entre outras coisas, os desejos, valores e emoções
por trás do raciocínio usado para explicar. Mas como o homem, bem como
sua cognição e emoção, não foi bem estudado e muito menos explicado,
podemos deduzir que as idéias defendidas por todos aprendidas dos
pais, professores, pastores, padres, papas, ministros, presidentes, cultos
ou incultos acham-se carregadas, naturalmente, de falsas crenças. Cada
período e cada sociedade carregam suas mazelas.

Não se constrói uma teoria científica, uma pregação religiosa, um


discurso político, uma declaração de amor carnal ou filial, nada, nada
mesmo, livre da intromissão de erros de conhecimento, de lógica e das
emoções que nos dominam. Portanto, toda e qualquer explicação final
dependerá, em grande parte, das características da sociedade humana
(nossa espécie) onde as idéias foram plantadas e disseminadas. Todos nós,
num grau maior ou menor, tivemos nossa mente invadida por milhares
de idéias errôneas, todas assentadas em alguns princípios incutidos em
nossa mente logo após o nascimento e, por fim, canalizadas para dar uma
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resposta orientada pela emoção do momento. É bem conhecido que a
maioria das decisões é comandada por princípios inconscientes e não
devido a uma escolha voluntária nossa.

De tempos em tempos, assistimos uma antiga teoria, defendida com vigor


e muita fé por todos durante muitos anos ou séculos, ser derrubada por
alguma concepção nova que chega. A nova suposição, como as anteriores,
também sofrerá desgaste, ficará velha e, portanto, não mais aceita para a
época. Mas muitos conservadores rígidos nascem e morrem com as idéias
defendidas por seus pais, avós, bisavós e outros ascendentes, tudo com
muita honra e orgulho.

O bom e crítico cientista sabe que o conhecimento da realidade descrita


por ele é realizado através de suas representações e das terorias que ele
aprendeu, logo, é passível de erros e de não ser verdadeiro. Ao contrário,
há um grupo que mantém uma absoluta “certeza” acerca do Universo,
do início deste e do homem, da natureza humana, etc., tudo baseado nas
explicações do vidente, mítico, religioso, ideólogo, profeta, pai, professor
e dos milagreiros de sempre.

Poder, ciência, religião e verdade


Primeiro surgiu a religião. Esta tem sido concebida por alguns como a
expressão transfigurada (deturpada, falsa) da sociedade natural (ou
biológica), assumindo a forma de um sistema de crenças que solidariza
o indivíduo com a coletividade da qual faz parte. As crenças religiosas
derivariam sua força moral pelo fato de exprimirem – de forma não
explícita – os fundamentos de uma determinada ordem social, um esforço
para produzir homens semelhantes, obedientes e ordeiros. A ruptura da
ordem cognitiva (impossibilidade de pensar diferente do proposto), que
se expressa nas sociedades primitivas pela religião, representaria a própria
dissolução da vida coletiva, dependente para sua reprodução de consenso
quanto à legitimidade de seus fundamentos.

Bem mais tarde surgiu a ciência. Alguns têm sugerido que a ciência

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desempenharia nas sociedades modernas um papel semelhante ao das
religiões. Ela também constituiria uma representação coletiva do mundo
em que vivemos, e, por este motivo, também tenderia a ser protegida
por uma aura do sagrado. Daí as resistências tão comuns à investigação
sociológica do conhecimento científico.

A ciência e a verdade
O cientista, para alguns, é um investidor de credibilidade, confiança,
influência, reputação na capacidade de responder no futuro às expectativas
e investimento do presente. O cientista avaliará a qualidade de suas
informações, os seus receptores, as profundidades de convencimento e sua
estratégia de carreira; ele buscará, permanentemente, a conversão de uma
forma de credibilidade em outra. Mas a cobiçada credibilidade poderá ser
convertida em dinheiro, equipamento laboratorial, informação, prestígio,
credencial, área de estudo, argumento, textos publicados, livros e prêmios.
A falta de credibilidade leva o cientista ao oposto do descrito acima; é o
desastre.

O cientista é um gerador de ordem, de organização em face do caos. Como


tal, ordenador, esse cientista tem o mesmo objetivo da comunidade/
paradigma, ou seja, criar condições estáveis para o experimento. As
diversas ciências exibidas como verdades não têm muito em comum entre
elas. Se compararmos a botânica e a astrofísica, veremos que a primeira
utiliza uma terminologia qualitativa e a segunda uma quantitativa.

O mundo, inclusive o das ciências, é uma entidade complexa e dispersa


que não pode ser capturado por terorias e regras simples. Mas não há
o senso comum? Há vários sensos comuns. Do mesmo modo, não há
somente uma forma de conhecimento como a científica (há várias teorias
científicas em cada campo); há muitas outras. Apesar da supremacia da
ciência, antes, ainda sem ela ter nascido, apenas o modo de conhecer do
senso comum dava conta do recado, isto é, suas formulações, verdadeiras
para a época e cultura, eram eficazes no sentido em que mantinham as
pessoas vivas e tornavam compreensíveis suas existências.
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As instituições científicas não são “objetivas”. Nem elas, nem seus produtos
estão diante das pessoas como uma rocha ou uma laranja. Percebe-se, com
alguma clareza, que as instituições científicas absorvem (incorporam,
tomam corpo) outras tradições já existentes e poderosas (políticas,
religiosas, econômicas). Assim, as ciências são afetadas e afetam outros
conhecimentos (verdades) antes existentes e que circulam ou habitam
as cabeças de todos, inclusive, é claro, dos cientistas. A história relata
movimentos científicos decisivos que foram inspirados em sentimentos
filosóficos e ou religiosos (teológicos).

Os benefícios materiais das ciências não são óbvios. Há grandes benefícios,


é verdade. O campo científico é um campo de luta no qual está em jogo o
monopólio da autoridade científica, como a capacidade técnica e o poder
social. Há uma luta entre dominantes e dominados.

Socialização e doutrinação do cientista


Acredita-se que os cientistas que pertencem a diferentes grupos passam
por um longo processo de socialização no estilo de pensamento de sua
comunidade. Este processo inclui a assimilação das normas e dos valores
da comunidade e a aquisição de habilidades específicas (que inclui a
capacidade de perceber fenômenos específicos). Por exemplo: a sífilis já
foi explicada como uma tara; a epilepsia como um mal dos comícios (daí
o nome de “mal comicial”); depois as explicações se tornaram outras.

Quando um fato científico produzido por um grupo de pensadores é


adotado por outro grupo, ele é traduzido para o estilo de pensamento
deste último. Esta “tradução”, contudo, tem tudo para ser dessemelhante
ao original, pois o estilo de pensamento do grupo de pensadores que
assimilou o fato é diferente do estilo do grupo que produziu o “fato”. Isto
pode, ao mesmo tempo, ser e não ser uma vantagem. A tradução do novo
fato modifica a idéia original, mas pode enriquecê-la com o estilo do
pensamento assimilador. Além disso, a idéia modificada pelo novo estilo
pode ser aperfeiçoada, transformada, reforçada ou atenuada e, por sua
vez, influenciar outras descobertas e formar novos conceitos, opiniões e
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hábitos de pensamentos.

Devemos ter cuidado com as “traduções” de problemas médicos para o


estilo de pensamento de laboratório ou da indústria de medicamentos,
bem como a transformação do conhecimento e dos fatos produzidos no
laboratório pelas clínicas ou pela indústria. Uma “tradução” perigosa
pode ser a feita pelo povo dos conhecimentos científicos.

A Ideologia de Medicina Científica durante anos dificultou e impediu a


visão do mundo social da Medicina. Tanto os médicos como as enfermeiras,
administradores da saúde e os pacientes não percebiam o possível fator
sociocultural da disseminação das doenças e de seus tratamentos. Os
grupos profissionais, que se esforçam para manter sua autonomia e seu
prestígio, precisam ter o controle do acesso ao conhecimento padronizado
e transmissível (acesso às pesquisas, às leituras de artigos, congressos,
etc.), permitindo-lhes conhecer e competir com a incerteza. Mas, ao
mesmo tempo, precisam assegurar-se de que seus métodos e habilidades
não sejam reduzidos a rotinas que qualquer pessoa pode se apoderar e
competir com o médico. Eles tentam encontrar um ponto intermediário.

As publicações científicas
Tem ocorrido um exagero de publicações científicas. Alguns cunharam
o termo “cemitério de textos” para a imensa quantidade de artigos
publicados. Imagina-se que a maioria dos trabalhos científicos não é lida
por ninguém, a não ser por seu autor. Isto deu origem à ciência de refugo.
No mundo das publicações científicas proliferam campos imaturos ou
ineficazes de pesquisas, mostrando claramente que a quantidade de
publicações nada vale em termos de mensuração de progresso, pois têm
inúmeros dados incorretos e em muitas não há nada de substancial, assim
como interpretações incongruentes e conclusões vazias.

Muitas dessas “espetaculares pesquisas” são divulgadas pela imprensa


leiga. Essa divulgação modificada “traduz” e “assimila” erroneamente
as informações originais, que, muitas vezes, são confusas ou

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incompreensíveis. Dessa maneira, o leitor final, o povo, é “informado”
através de uma salada composta de mistura dos fatos, aspectos religioso/
moral/econômico, desejos e fantasias, isto é, um conjunto de opiniões
desconectadas, nunca explicitadas. A divulgação da pesquisa científica
nos jornais leigos apresenta, além do declarado acima, juízos acerca
do progresso presente e futuro de uma e outra ciência particular. Esses
juízos, por si mesmos, podem influenciar o futuro através do papel que
desempenham no processo de tomada de decisões que são elaboradas em
conformidade com um estilo mais “político” que científico.

Tudo isso dito acima, e muito mais não descrito, vai contra a tese aceita
segundo a qual a “ciência” oferece à ação humana um modelo que se
diferencia fundamentalmente da “política” e apresenta um maior grau de
certeza. É difícil ou impossível separar a área da ciência para que essa se
mantenha “pura” como se fala, ou melhor, se aspira. O desenvolvimento
das ciências está intrinsecamente ligado e influenciado por considerações
políticas, sociais, mídia, industriais e militares. Ninguém desconhece a
existência de programas militares de defesa ou ataque, cuja influência
sobre a ciência e a alta tecnologia é geral e de proporção apreciável; elas
poderiam ser chamadas de “ciências sujas”, com o sentido que estão sendo
feitas no interesse de um determinado país ou grupo. Mas há outros
interesses que incentivam a ciência a “crescer”, segundo os eufemismos
usados, como o poder da religião e do laboratório A ou B, para se adaptar
à ideologia que vigora e, por fim, ao mercado comprador.

Justifica-se a ciência em beneficio das pessoas ou da comunidade,


entretanto, os indivíduos pouco ou nada interferem diretamente no
trabalho da ciência. Pode existir uma autonomia do progresso científico?
Qualquer exame crítico desse gênero esbarrará, provavelmente, no debate
acerca de instituições sociais estabelecidas e as ciências. Há uma relação
clara entre o pesquisador e a agência financiadora (ligada a grupos sociais)
com pesquisas direcionadas, algumas vezes, para tentar solucionar um e
outro problema da própria agencia financiadora.

Um outro campo onde a palavra mágica “desenvolvimento” ou “progresso”

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parece desfigurada é o da tecnologia. Como avaliar os benefícios e os
malefícios humanos da tecnologia? Do mesmo modo, não avaliamos
os lucros e prejuízos produzidos pelas grandes indústrias e a poluição,
o “custo” das diversões da TV e da internet (contatos virtuais) para os
usuários dessas.

Como a ciência é parte integrante de nossa civilização, ela retira valores


dessa totalidade. Os valores predominantes em certa fase formam uma
família, sempre algo mutável e de elementos não inteiramente coerentes
entre si, entretanto certos valores parecem ser essenciais.

A crença e a percepção do mundo


A posse de uma crença determina, em grande parte, a percepção que
teremos do fato observado. O torcedor do time “A” sempre “observa que o
juiz roubou contra seu time”, os cônjuges “observam” que a briga começou
pelo outro, etc. O poder de uma crença sobre a percepção (visual, auditiva,
gustativa, etc.) diminui bastante, ou seja, é menos mítica, quando há
sinais visíveis do mundo exterior e, principalmente, após inúmeros testes.
Mas se temos uma crença não de origem perceptiva, mas, sim, conceitual
(cognitiva), torna-se difícil não apenas eliminá-la, como, também,
introduzir uma outra, diferente da primeira e que vai contra ela. De outro
modo, as crenças altamente arraigadas não permitem a penetração ou a
entrada das contrárias.

As ciências como a física, química e biologia geralmente influenciam as


pessoas sobre os eventos naturais devido, em parte, ao sucesso prático
de suas aplicações aos problemas técnicos. Entretanto, outras ciências,
como a psicologia, sociologia, antropologia, economia, etc., continuam
a ser altamente influenciadas em suas idéias básicas, bem como em seus
procedimentos, pelas explicações pré-científicas e pelo excessivo uso de
termos populares, isto é, mal definidos, levando à confusão.

A psicologia, sociologia, antropologia, economia e outras ciências, em


conjunto chamadas de “humanas”, continuam a ser altamente influenciadas

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pelas idéias populares, tanto no que diz respeito aos seus fundamentos,
como em seus procedimentos de estudo. Elas ainda não elaboraram
construtos (conceitos científicos) e nem paradigmas dignos de crédito e
de avaliações empíricas. Uma teoria respeitada pela comunidade científica
precisa de paradigmas capazes de serem refutados e de construtos. Os
termos na psicologia, por exemplo, são mal-definidos, aproximando, em
parte, aos da linguagem popular, ou seja, dos que descrevem o homem a
partir de construções carregadas de desejos e sonhos. Tudo isso produz
confusão para os desejosos de entender a realidade comportamental.

Para piorar nossa pobre ciência do comportamento, os cientistas, para


tristeza deles e nossa, não nasceram e não se desenvolvem num vazio
(talvez num paraíso). Todos os cientistas nasceram e viveram num meio
ambiente vasto onde vivem o analfabeto, o religioso, o político, o poeta, o
pai de santo, o louco e outros tipos diversos. Além disso, os cientistas de
qualquer área do conhecimento, como todos nós, têm sexo, idade, doenças,
sonhos de poder, problemas familiares, esperança e desesperança, dores,
etc.; tudo aquilo que todos os homens enfrentam.

De outro modo, os cientistas nasceram, viveram e se misturaram num


cesto cultural existente num certo local e em certa época. Eles, também,
possuem (ou são possuídos) uma biologia que compartilham com todos
os animais ditos selvagens (somos selvagens e, também, domesticáveis).
Os cientistas foram dominados por todas essas forças. De um lado, a
cultura imprimiu idéias e os mais variados desejos nascidos dos diversos
grupos sociais, de outro lado, eles possuem um corpo biológico que
compartilham, em parte, com nossos ancestrais: macacos, ratos, répteis,
peixes, bactérias.

Além de tudo isso, o cientista, como você, a terra e as pedras, faz parte
também da natureza físico-química do Universo. O cientista foi fabricado
com um pouco de cálcio, carbono, hidrogênio, nitrogênio, cloro, oxigênio,
ferro e outros elementos químicos que compõem nosso Universo geral.
Naturalmente, o cientista, como qualquer homem, sofre os impactos das
reações químicas desses elementos e de seus compostos, como a proteína,

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e se submete às disfunções diversas.

A humanidade, como o cientista, assim nasceu e cresceu. O homem, no


início de seu aparecimento, há quatro ou seis milhões de anos, possuía
apenas emoções, instintos e reflexos. Mais tarde, bem mais tarde, com a
evolução dos córtices cerebrais e do aparecimento da fala, talvez cerca de
50.000 anos, ele se transformou em um animal capaz de ser domesticado
(civilizado). Foi então que ele passou a ter, além das emoções, antes
existentes (que continuaram), também, aspirações, abstrações e cognições
diversas, entre essas, idéias práticas, científicas, religiosas (Deuses e
Salvadores), artísticas e ideológicas.

As variáveis, evolução (biologia), de um lado, e cultura (meio ambiente), de


outro, construíram o ninho onde o ser humano cresceu e se desenvolveu.
Esses ingredientes bem diversos, uma vez misturados e assados, deram
origem a um “bolo” complexo, muito complexo. Não é para espantarmos.
Foi dessa mistura confusa e esquisita que nasceu o homem atual.

Consequentemente, desejando ou não, em grau maior ou menor, sempre


persistirá no produto final a nossa característica de animal selvagem e,
também, do chamado ser humano; um pouco de anjo e um pouco do
diabo. Assim, nosso querido cientista foi fabricado de maneira semelhante
ao assassino ou santo e, como todos nós, abriga ódios mortais, perdões
elevados, ciúmes, vergonhas, aceitação, bondade e simpatia. O cientista
terá virtudes e defeitos como todos os seres humanos desse planeta em
todos os tempos.

Pois bem. Essas características que os cientistas têm, como não podia
ser de outro modo, contaminarão as explicações que eles produzem e
produzirão ao longo de sua vida, pois todas as suas cognições são geradas
por suas frágeis e plásticas mentes.

Não há como fugir disso. Nem o Rei mais poderoso, nem o Papa e nem
mesmo o Lula, com todo seu poder e malabarismo, escapam dessas
nódoas. Todos esses personagens, semelhantes a qualquer cientista vivo,
bem como aos homens da rua (todos comem e defecam), jamais poderão
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raciocinar livres dessas mazelas, das manchas e feridas que impregnaram
no corpo desses ilustres representantes da raça “hominis”.

Eles, como nós, batem-se e opõem-se, muitas vezes com violência e


determinação, para impor sua supremacia, suas idéias, sua vontade, para
fazer prevalecer seus interesses e conquistar seu espaço nesse mundo de
Deus, do Demônio, das bactérias, baratas, sapos, lagartos, ratos, gatos e
nossos queridos irmãos de sangue, os chimpanzés.

Carregamos, até a morte, esses sinais que não se desprendem de nosso


organismo tão enaltecido. Assim caminhamos. Idealizamos, escondemos
e fingimos não possuir esses malditos traços. Evitamos discutir sobre eles
e obstruímos as escavações que podem mostrar a realidade. Utilizando
fantasias de anjos, tentamos disfarçar as diversas marcas que se infiltraram
em nosso corpo de ser vivo como os outros: animais e vegetais. Somos
animais homens, ao contrário do que se descreve, cheios de feridas
trazidas da evolução e das ideologias; todas em busca do poder.

Esses fatores que nos possuíram, e que evitamos enxergar, são os


responsáveis por grande parte de nossas condutas. As sujeiras, escondidas
debaixo do tapete, ditam a maioria de nossas condutas, não explicitamente
mostradas. Estamos todos aprisionados ao material usado na construção
do nosso corpo: educadores (pais e professores), políticos, governantes,
Poder Judiciário, chefes religiosos, associações médicas, Ordem dos
Advogados, Federação do Comércio; em resumo, todas as direções de
classe e, naturalmente, os subordinados a todos esses poderes.

Não se mostra, desde o jardim de infância até a morte, o homem nu, o


homem verdadeiro. Por isso, espantamos, a todo o momento, com as
notícias da imprensa. Caso tivéssemos uma idéia correta, adequada ou
viável do homem, não ficaríamos espantados com sua conduta. Não
iríamos estranhar o filho que assassinou os pais, os pais que abandonaram
o filho recém-nascido, o enforcamento de Saddam Hussein e o uso do
“mensalão” ou do “sanguessuga” para enriquecimento. Tudo isso seria
natural e esperado; muito natural. Assim ocorre porque não temos um

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modelo mental conforme o real, com o homem verdadeiro, meio santo e
meio demônio. Você vive e é, como todos os outros homens, bom e mau;
calmo e nervoso; vingativo e capaz de perdoar. Tudo depende do estímulo
e de sua predisposição do momento, isto é, de que parte da cabeça você
está usando no instante, cortical ou subcortical, pensando sozinho ou
cercado por um grupo de fanáticos impulsivos e inconscientes.

Se você, leitor, adquirir essa visão mais realista do homem, não mais
perderá tempo criticando os políticos e bandidos. Você se espanta por
usar uma idéia falsa (padrão, modelo) do homem real. Caso você construa
outro modelo do homem, sem dúvida, irá concordar com uma frase, que
suponho foi atribuída a Terêncio, não sei bem, peço-lhe desculpa por isso:
“Eu sou homem e nada do que é humano me é estranho”.

Assimilando essa idéia, os pecados serão vistos como fazendo parte do


homem. O que denominamos de “erro” nada mais é que uma conduta
natural e esperada do homem; está inserida na natureza humana. Em vez
de criticar o pecador ou ficar espantado com sua ação, você, se desejar,
e para o seu próprio bem, poderá tentar entendê-lo e não julgá-lo, e até,
talvez, ajudá-lo. Assim você ficará mais calmo e, possivelmente, dormirá
melhor e não terá acidez estomacal nem diarréia.

Estamos enganados acerca do homem real e não sabemos; pensamos


e agimos conforme o mapa falso do homem que nos ensinaram muito
cedo. Este livro tenta mostrar um pouco da verdade existente por trás
da conduta aparente do cientista, padre, médico, bailarino, governador,
assassino do pai e da mãe, da querida Madre Teresa, afinal, de todos nós.
Em resumo: o livro tenta realizar um “striptease” do homem, desnudá-lo.

As ciências não se desenvolvem num vazio, mas sim mescladas a uma


cultura, num certo local e em certa época. Elas são sempre construídas
por seres humanos, e esses têm emoções, aspiraçõesidéias religiosas e
ideologias. Esses fatores, formando um conjunto, sempre, em grau maior
ou menor, contaminam as explicações produzidas. Ninguém escapa
disso. Portanto, não se constrói uma teoria científica (qualquer opinião ou

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julgamento) livre dessas intromissões e impurezas. As explicações finais
dependerão, em parte, das características da sociedade humana nas quais
as idéias são plantadas e disseminadas, do estímulo atual e um pouco do
indivíduo que as formulou, sempre aprisionado às idéias da cultura e de
ser homem e não um rato ou abelha.

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