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Texto jurídico
O ensino acadêmico, por melhor que seja, não se mostra capaz de
preparar adequadamente o futuro profissional da área jurídica a
realizar suas tarefas com perfeição em relação à linguagem. Os
professores acadêmicos, heroicamente em alguns casos, transmitem ao
universitário o conhecimento universal e particular adquirido e
contribuem grandemente para a formação do estudante. No entanto, na
prática forense que o profissional encontrará os instrumentos
necessários para realizar tudo que lhe foi ensinado em anos teóricos.
A boa redação de textos jurídicos torna-se fundamental como
ferramenta para a realização de atividade que tanto depende da
linguagem. Saber escrever corretamente, com clareza, coesão, boa
argumentação e objetividade torna-se essencial para o exercício
profissional. Qualquer decisão jurídica depende de um texto para ser
interpretado. Não se é possível imaginar o Direito sem texto. E é
justamente na capacidade de produzir e entender textos que o
advogado se depara com obstáculos que lhe prejudicam o trabalho.

5.1 Escolha da palavra


Não tenhas medo das palavras grandes, pois se referem a pequenas coisas.
Para o que é grande os nomes são pequenos:
assim a vida e a morte, a paz e a guerra, a noite, o dia, a fé, o amor e o lar.
Aprende a usar, com grandeza, as palavras pequenas.
Verás como é difícil fazê-lo, mas conseguirás dizer o que queres dizer.
Entretanto, quando não souberes o que queres dizer,
usa palavras grandes, que geralmente servem para enganar os pequenos.
Arthur Kudner.

A palavra é o início de nossa técnica. Não queira escrever textos


longos de forma adequada sem antes observar o uso dos termos em
seu texto. A escolha da palavra é o início de um bom texto.
O termo exato a ser empregado deve levar em conta o leitor.
Imagine o seu leitor. Trata-se de um desconhecedor do assunto a ser
escrito, um especialista, uma pessoa com conhecimentos limitados de
vocabulário, etc. A palavra adequada depende da capacidade de
compreensão do leitor.
O primeiro passo para expressar uma ideia é a escolha do termo
adequado. Dê sempre preferência ao termo menor e mais fácil de ser
compreendido pelo leitor. Evite expressões como a seguir.

a) A peroração do discurso do advogado foi clara ao pedir a


absolvição por legítima defesa.
b) Procura o réu escoimar-se da Jurisdição Penal, por suas pueris
alegações.
c) Todas essas ações e querelas judiciais só têm por consequência
mangrar o desenvolvimento da sociedade.

5.2 Sentido denotativo e conotativo

Saiba bem a diferença entre sentido denotativo e conotativo. Evite


de toda forma o segundo caso em seu texto jurídico. Principalmente,
no Brasil, temos o hábito de recorrer à linguagem figurada em nossas
construções. Em Portugal, isso não é tão comum.

Sentido denotativo: é o uso de um termo em seu sentido primeiro,


real, do dicionário. Ao pensarmos em “joia”, logo nos vem ao
pensamento uma pedra preciosa ou algo semelhante.

Sentido conotativo: é o uso de um termo em seu sentido figurado.


Ao caracterizar alguém como uma pessoa "joia", houve uma
transferência de sentido facilmente compreensível, mas inadequada
para nossa atividade.

Evite também palavras que possam apresentar polissemia (vários


sentidos no contexto), neologismos (criações artísticas ou inovadoras),
arcaísmos (palavras em desuso) ou gírias. Nossa preocupação é
apresentar uma ideia de forma clara e não produzir um texto literário.

5.3 Período adequado

Frases curtas é o segredo para o texto adequado. Procure sempre


frases curtas. Uma, duas ou, no máximo, três orações por período
sintático. As vantagens são muitas. A primeira é diminuir o número de
erros, principalmente em pontuação. A segunda é tornar o texto mais
claro. A terceira é apresentar a ideia de forma mais objetiva. Vinícius
de Morais afirmava que "uma frase longa não é mais que duas curtas".
Períodos longos geralmente estão associados a ideias incertas e
facilitam falhas na compreensão.

5.4 Ordem direta


A ordem direta facilita o entendimento (sujeito-verbo-
complemento). Certamente, você não a usará em todos os períodos.
Em alguns momentos, é importante intercalar uma observação ou
antecipar um adjunto adverbial, por exemplo. No entanto, procure
escrever em ordem direta, principalmente no início do parágrafo.

5.5 Voz ativa

As construções em voz ativa demonstram que o sujeito é o agente


da ação e dão firmeza ao pensamento.

Adequado: O governo adotou a medida.


Inadequado: A medida foi adotada pelo governo.

Você deve usar voz passiva quando o sujeito paciente é mais


importante do que o agente da passiva.

Adequado: O Supremo foi criticado pelos vândalos.


Inadequado: Os vândalos criticaram o Supremo.

5.6 Evite gerúndio

O gerúndio é um recurso oral muito presente em nosso idioma. No


entanto, o exagero compromete o texto. A linguagem jurídica no
Brasil faz muito uso de gerúndio de forma inadequada (no capítulo
sobre vocabulário, abordaremos em detalhes o assunto). Você
consegue substituir o gerúndio em quase todas as situações. Observe o
exemplo a seguir:

Funcionários contratados pela empresa poderão cursar


universidade no segundo semestre, podendo, se forem estudiosos,
concluir o curso em quatro anos, fazendo em seguida um curso de
pós-graduação.

Observe como fica melhor:

A empresa contratou funcionários que poderão cursar


universidade no segundo semestre do ano. Se forem estudiosos,
concluirão o curso em quatro anos e, em seguida, farão uma pós-
graduação.

Embora o gerúndio seja correto em diversas situações, procure


evitar seu uso em textos formais. A tendência é o uso incorreto. O
publicitário Ricardo Freire escreveu um manifesto "antigerundista".
Este artigo foi feito especialmente para que você possa estar
recortando, estar imprimindo e estar fazendo diversas cópias, para
estar deixando discretamente sobre a mesa de alguém que não
consiga estar falando sem estar espalhando essa praga terrível da
comunicação moderna, o gerundismo.

5.7 Até três verbos para formar o período

O período longo e o vocabulário inadequado são os principais erros


em um texto formal. Em cursos nos tribunais, dedico muito tempo ao
assunto. Criou-se o hábito de escrever com períodos longos na
atividade jurídica. Não é um problema só brasileiro. Diversos países
europeus organizam campanhas nos órgãos públicos para melhorar o
texto jurídico e torná-lo mais objetivo. Eu tenho presenciado o esforço
para isso.
Se você tiver a curiosidade para pesquisar textos jurídicos de países
anglos, nórdicos e mesmo dos Estados Unidos e Canadá, ficará
surpreso com o tamanho dos períodos e dos parágrafos. Eles são
exageradamente concisos. Podemos encontrar um meio-termo.
Observe o exemplo a seguir, retirado de uma reportagem:

Mesmo fervidas diariamente, as lentes de contato gelatinosas ficam


impregnadas de sujeira, o que pode até causar conjuntivite, mas,
desde o começo do ano, os míopes da Califórnia podem resolver o
problema jogando as lentes no lixo pois lá acabam de ser lançadas
lentes descartáveis que custam apenas 2,5 dólares cada, que só em
julho estarão disponíveis no Brasil.

Veja como fica melhor:

Mesmo fervidas diariamente, as lentes de contato gelatinosas ficam


impregnadas de sujeira, o que pode causar conjuntivite. Desde
começo do ano, porém, os míopes da Califórnia podem resolver o
problema. Acabam de ser lançadas lentes descartáveis que custam
apenas 2,5 dólares cada. Em julho, elas estarão disponíveis também
no Brasil.

Quase sempre o período longo mistura pensamentos. Sem perceber,


o autor acaba por tratar de diversos assuntos diferentes e sem
continuidade. Observe exemplo de uma redação para concurso público
com essa falha:

Quando paramos para pensar sobre quem foi o responsável por


todas as mazelas que sofremos nos últimos anos no Brasil, gerando
desordem na área da saúde e da educação principalmente e poucos
resultados eficientes na área do crescimento, aquele que permitiu que
toda esperança se perdesse e fosse por água abaixo, deixando
escapar uma oportunidade para o Brasil ocupar um assento
permanente na ONU e em diversas representações internacionais
importantes e não dando prosseguimento ao projeto de exportação de
nossos produtos agropecuários, perdendo o foco do que realmente
interessa para o povo brasileiro.

Texto bom é objetivo e claro. O período curto facilita o


entendimento rápido por parte do leitor. O texto a seguir foi editorial
do jornal Correio Braziliense. Observe a separação das ideias nos
períodos.

A União Europeia completa 50 anos hoje como a mais bem-


sucedida experiência de integração regional do planeta. Quando a
Guerra Fria começava a mergulhar Estados Unidos e União
Soviética numa era de auto-suficiência e competição, os europeus
concretizavam sua aposta na cooperação como diferencial para
enfrentar desafios do século 21. Os problemas do bloco são vários,
mas os benefícios inegáveis dão a outros países importantes lições
sobre desenvolvimento.

5.8 Vícios de linguagem

Dentre as principais qualidades de um texto bem redigido, destaca-


se a clareza, que, na redação oficial, tem especial relevo devido à
finalidade dos atos e comunicações no serviço público.
Geralmente o texto fica prejudicado quanto à clareza em
decorrência dos vícios de linguagem, entre os quais se observam os
erros de concordância, regência, paralelismo e comparação, bem como
ambiguidade e eco.

Erros de concordância

Há dois tipos de erros de concordância: nominal e verbal. O


primeiro ocorre quando os nomes (substantivos, adjetivos, pronomes)
não se ajustam em número e gênero; o segundo, quando os verbos não
se ajustam ao sujeito em número e pessoa.

Errado:
Considerou o mandado de segurança intempestiva.
O adjetivo intempestivo modifica o substantivo mandado e com este
deve concordar.
Certo:
Considerou o mandado de segurança intempestivo.

Errado:
Estas são as normas cooperativas vigente.
O adjetivo vigente modifica o substantivo normas e com este deve
concordar.
Certo:
Estas são as normas cooperativas vigentes.

Errado:
Foi atendido, ao que se colhe do acórdão impugnado, os partidos que
se expressaram pela maioria.
A forma verbal foi atendido deve concordar com o sujeito os partidos.
Certo:
Foram atendidos, ao que se colhe do acórdão impugnado, os partidos
que se expressaram pela maioria.

Errado:
Eram pareceres dissonantes que, após a discussão exaustiva da
matéria, serviu de base para o relatório final da comissão.
O pronome relativo que tem por antecedente a palavra pareceres e
tem função de sujeito do verbo servir. Este deve ir para o plural,
concordando com o antecedente.
Certo:
Eram pareceres dissonantes que, após a discussão exaustiva da
matéria, serviram de base para o relatório final da comissão.

Erros de regência

Ocorre erro de regência (nominal ou verbal) quando a relação de


dependência entre nomes ou entre verbos e seus complementos não se
estabelece corretamente.

Errado:
A decisão do julgamento provocou um clima adverso com a Justiça.
Nesse exemplo, há erro de regência nominal porque adverso rege a
preposição a ou (mais raro) de, e não com.
Certo:
A decisão do julgamento provocou um clima adverso à Justiça.

Errado:
A Justiça exigia a presença de peritos de legislação trabalhista no
processo.
No exemplo, há erro de regência nominal porque a palavra perito rege
a preposição em, e não de.
Certo:
A Justiça exigia a presença de peritos em legislação trabalhista no
processo.

Errado:
– Vocês não aspiram altos cargos neste governo?
– Sim, aspiramos-lhes.
Em ambas as frases, há erros de regência verbal porque, no sentido de
almejar ardentemente, pretender, o correto é aspirar a alguma coisa,
pois este verbo é transitivo indireto e pede a preposição a. Neste
sentido, não se admite o pronome lhe(s); apenas a ele(s), a ela(s).
Certo:
– Vocês não aspiram a altos cargos neste governo?
– Sim, aspiramos a eles.

Errado:
Analisou ao recurso.
Nesse exemplo, há erro de regência verbal porque, no sentido de
observar, examinar com minúcias ou criticamente, o verbo analisar é
transitivo direto e não admite preposição.

Certo:
Analisou o recurso.

Erros de paralelismo

Paralelismo é o recurso linguístico que possibilita a expressão de


ideias similares por meio de formas gramaticais idênticas. Portanto,
constitui erro dar forma gramatical diferente a ideias similares, como
nos seguintes casos:

1. Duas orações subordinadas estruturadas de formas diferentes


para ideias equivalentes.

Errado:
Pediu aos concorrentes agilizar os pedidos de inscrição e que, em
caso de dúvida, recorressem aos tribunais regionais.
Esse período apresenta uma oração subordinada reduzida de infinitivo
(agilizar os pedidos de inscrição) e outra desenvolvida (que (...)
recorressem aos tribunais regionais). O correto seria utilizar duas
reduzidas ou duas desenvolvidas, como a seguir.

Certo:
Pediu aos concorrentes agilizar os pedidos de inscrição e, em caso de
dúvida, recorrer aos tribunais regionais.
ou
Pediu aos concorrentes que agilizassem os pedidos de inscrição e, em
caso de dúvida, recorressem aos tribunais regionais.

2. Substantivos coordenados com orações reduzidas de infinitivo.

Errado:
Em seu voto, o relator demonstrou conhecimento, não ser inseguro e
parcial, ter bom senso.
Nesse exemplo, o erro está em não haver coordenação de palavras da
mesma classe gramatical (conhecimento, não ser seguro e parcial, ter
bom senso). A solução está em usar apenas substantivos ou formas
oracionais reduzidas, como a seguir.

Certo:
Em seu voto, o relator demonstrou conhecimento, segurança,
imparcialidade e bom senso.
ou
Em seu voto, o relator demonstrou ser seguro e imparcial, ter
conhecimento e bom senso.

3. Emprego errado das expressões correlativas não só... mas (como)


também,
tanto... quanto, nem... nem, ou... ou, quer... quer, ora... ora, seja... seja,
etc.

Errado:
Ao final, ou o presidente votava, ou pedia vista, ou encerrava a
sessão.
O erro está na posição inadequada da primeira conjunção ou. O certo é
deslocá-la de forma a estabelecer a relação entre os elementos
coordenados (votar, pedir, encerrar).
Certo:
Ao final, o presidente ou votava, ou pedia vista, ou encerrava a
sessão.

4. Cidade e estado, cidade e pessoa colocados no mesmo nível.

Errado:
Por ocasião das eleições, o candidato visitou Manaus, Curitiba e
Mato Grosso.
O erro está em nivelar as capitais Manaus e Curitiba com o Estado de
Mato Grosso. O certo é substituir o estado por sua capital ou
mencionar que o candidato visitou o Estado de Mato Grosso.
Certo:
Por ocasião das eleições, o candidato visitou Manaus, Curitiba e
Cuiabá.
ou
Por ocasião das eleições, o candidato visitou Manaus, Curitiba e
cidades de Mato Grosso.

5. Emprego inadequado do e que, sem que tenha sido parte de


construção anterior.

Errado:
Devem-se tomar medidas enérgicas e que proíbam o uso do dinheiro
público em benefício de poucos.
Com o emprego do e que criou-se a ideia de paralelismo, inexistente
anteriormente. O certo é eliminar o e ou substituir o adjetivo enérgicas
por oração adjetiva equivalente.
Certo:
Devem-se tomar medidas enérgicas que proíbam o uso do dinheiro
público em benefício de poucos.
ou
Devem-se tomar medidas que sejam enérgicas e (que) proíbam o uso
do dinheiro público em benefício de poucos.

Erros de comparação

Deve-se evitar a omissão de certos termos nas comparações, sob pena


de comprometer a clareza, como nos exemplos:

Errado:
Obteve um total de votos maior do que o adversário.
Nessa construção, estabeleceu-se uma comparação entre o total de
votos e o adversário, quando o certo é comparar apenas o total de
votos de cada um.
Certo:
Obteve um total de votos maior do que o total do adversário.
ou
Obteve um total de votos maior do que o do adversário.

Ambiguidade

Ambiguidade é o duplo sentido provocado pela má construção da


frase. Ocorre geralmente quando há dificuldades de identificação do
sujeito ou do objeto numa oração e dos termos a que se refere um
pronome pessoal, possessivo ou relativo, como nos seguintes casos.

1. Dificuldade de identificação do sujeito e do objeto da oração.

Ambíguo:
Convenceu o diretor o chefe sobre a necessidade de mudanças.
Quem convenceu quem, o diretor ou o chefe? Se o chefe convenceu o
diretor, o período ganha clareza com uma destas opções:
a) Convenceu ao diretor o chefe sobre a necessidade de mudanças.
b) O chefe convenceu o diretor sobre a necessidade de mudanças.
Se o diretor convenceu o chefe, o período tornar-se-á mais claro com
uma destas opções:
c) Convenceu o diretor ao chefe sobre a necessidade de mudanças.
d) O diretor convenceu o chefe sobre a necessidade de mudanças.
2. Dificuldade de identificação do termo a que se refere o pronome
pessoal.

Ambíguo:
O diretor comunicou ao chefe que ele seria exonerado.
Quem seria exonerado, o diretor ou o chefe? A ambiguidade da frase
poderá
ser eliminada com uma das opções:
a) O diretor comunicou a exoneração dele ao chefe – se a exoneração
é do diretor;
b) O diretor comunicou ao chefe a exoneração deste – se a
exoneração é do chefe.

3. Dificuldade de identificação do termo a que se refere o pronome


possessivo.

Ambíguo:
O governador e o prefeito se desentenderam por causa de sua má
gestão.
De quem é a má gestão, do governador ou do prefeito? A ambiguidade
da frase poderá ser eliminada com uma das opções:
a) O governador e o prefeito se desentenderam por causa da má
gestão do prefeito (ou deste último) – se a má gestão é do prefeito;
b) O governador e o prefeito se desentenderam por causa da má
gestão do governador (ou do primeiro) – se a má gestão é do
governador.

4. Dificuldade de identificação do termo a que se refere o pronome


relativo.

Ambíguo:
O senador quis conhecer o projeto do deputado do qual o secretário
falava.
O secretário falava do deputado ou do projeto do deputado? A
ambiguidade da frase poderá ser eliminada com uma das opções:

a) O senador quis conhecer o projeto do deputado de cujo projeto o


secretário falava;

b) O senador quis conhecer o projeto do deputado de quem o


secretário falava.

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