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Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: DOENÇAS PULMONARES

31: 216-228, abr./jun. 1998 Capítulo IV

PNEUMONIAS EM ADULTOS, ADQUIRIDAS NA


COMUNIDADE E NO HOSPITAL

COMMUNITY ACQUIRED AND HOSPITAL - ACQUIRED PNEUMONIAS IN ADULTS

Conceição Maria da Costa Santos e Fonseca

Médica Assistente da Divisão de Pneumologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP.
Bolsista da Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do HCFMRP-USP.
CORRESPONDÊNCIA: Conceição Maria da Costa Santos e Fonseca – Divisão de Pneumologia, Hospital das Clínicas, FMRP-USP
CEP 14048-900, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil – Fone: (016) 602-2631 - FAX: (016) 633-6695 – E-mail: cmsantos@usp.br

SANTOS e FONSECA CMC. Pneumonias em adultos, adquiridas na comunidade e no hospital. Medicina,


Ribeirão Preto 31: 216-228, abr./jun. 1998.

RESUMO: Neste artigo de revisão, discutem-se fisiopatologia, evolução clínica e aspectos


radiográficos de pneumonias comunitárias e hospitalares, em adultos. São abordadas as propos-
tas terapêuticas dos últimos consensos internacionais.

UNITERMOS: Pneumonia. Evolução Clínica. fisiopatologia. radiografia.

I. PNEUMONIAS EM ADULTOS, ADQUI- 2. FISIOPATOLOGIA


RIDAS NA COMUNIDADE A infecção pulmonar ocorre após um microor-
ganismo ter vencido as barreiras de defesa do hospe-
1. CONCEITO E EPIDEMIOLOGIA
deiro (Tabela I). A primeira barreira, a filtração aero-
Conceitualmente, pneumonia é uma inflamação dinâmica, é promovida pelas mudanças no regime de
do trato respiratório inferior. Nesta revisão, abordare- fluxo das vias aéreas (turbilhoramento). A segunda
mos a pneumonia de origem infecciosa. Trata-se de barreira é constituída pela mucosa e epitélio da naso e
uma doença bastante freqüente, embora sua real pre- orofaringe. Em conjunto, as duas barreiras favorecem,
valência seja desconhecida, em virtude de não ser de fazendo com que os microorganismos sejam precipi-
notificação compulsória. Estima-se que ocorram de tados, deglutidos, ou eliminados na expiração. Entre-
doze (12) a quarenta (40) casos por mil (1000) habi- tanto, se houver aderência do agente ao epitélio, pode
tantes, por ano e, destes, cerca de 80% são tratados haver colonização da via aérea, isto é, a presença do
em casa (1). microorganismo no epitélio/mucosa, sem evidências de
A maior freqüência de acometimento por pneu- efeitos adversos ou de reações do hospedeiro, fato
monia é observada nos extremos de idade, sendo a que predispõe à infecção. A depuração mucociliar, ter-
distribuição relativamente homogênea, no intervalo ceira barreira, promove o aprisionamento do agente
de cinco (5) a sessenta (60) anos de idade, em indi- no muco e a sua eliminação através da vibração ciliar.
víduos previamente hígidos. A mortalidade por pneu- Quando a depuração mucociliar é insuficiente para eli-
monia se relaciona com a faixa etária e com a pre- minar o agente, desenvolve-se a tosse, que é a quarta
sença de co-morbidade, sendo maior nos extremos barreira. Os componentes celulares (macrófagos e neu-
de idade, atingindo cerca de 20% nos que necessitam trófilos) e os componentes funcionais do ambiente al-
internação e 46% nos idosos com mais de oitenta veolar (imunoglobulinas, complemento e surfactante)
(80) anos(2,3). constituem a quinta barreira ao agente infeccioso.

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Pneumonias em adultos, adquiridas na comunidade e no hospital

como micobactérias, micoplasma sp, fungos e vírus.


Tabela I - Sistemas de defesa do aparelho respi- Através da corrente sangüínea, via hematogênica, o
ratório
agente se dissemina para o pulmão, a partir de um foco
– Anatomia das vias aéreas: filtração aerodinâmica
distante, em qualquer outro tecido; o agente mais fre-
– Muco qüente, nessa via de infecção, é o Staphilococcus sp.
– Depuração mucociliar A infecção pulmonar por via de contigüidade ocorre
– Reflexo da tosse devido à presença de foco infeccioso em órgão próxi-
– Macrófagos alveolares mo ao pulmão. A infecção, via translocação, ocorre
– Neutrófilos quando há passagem de agentes a partir da luz do
– Imunoglobulinas tubo digestivo, esta via de infecção pode ser observa-
– Complemento da em indivíduos com co-morbidades, como hemorra-
– Surfactante gia digestiva, choque ou sepse (4,5,6).
4. PATOLOGIA
A pneumonia pode se desenvolver por dimi- A invasão bacteriana do parênquima pulmonar
nuição da eficiência dos mecanismos de defesa ou promove solidificação exsudativa do tecido pulmonar
quando a quantidade do agente infectante satura os (consolidação), caracterizando a pneumonia bacteria-
mecanismos de defesa (Tabela II). na. A apresentação desta forma de pneumonia de-
pende de variáveis, como o agente causal e a reação
do hospedeiro, de forma que pode ser classificada de
Tabela II - Condições para desenvolvimento da acordo com o agente etiológico (ex.: pneumonia pneu-
pneumonia
mocócica), com a natureza da resposta do hospedeiro
Fonte do agente Vias de contaminação (ex.: pneumonia supurativa) ou ainda de acordo com
⇓ sua distribuição macroscópica (ex.: broncopneumonia
Pulmão - redução dos mecanismos de ou pneumonia lobar).
defesa transitório / definitivo A consolidação focal é a característica funda-
⇓ mental da broncopneumonia e, geralmente, represen-
Pneumonia ta a extensão de um processo de bronquite ou bron-
quiolite. A consolidação lobar, pneumonia lobar, cons-
titui-se na infecção bacteriana aguda, que comprome-
3. VIAS DE INFECÇÃO te todo um lobo ou grande parte dele. O comprometi-
Os agentes microbianos podem atingir o parên- mento focal (lobular), ou extenso (lobar), do parênqui-
quima por diferentes vias de acesso ao pulmão (Tabe- ma pulmonar depende das condições de defesa do hos-
la III). A aspiração de secreções das vias aéreas supe- pedeiro, da presença de doenças crônicas, deficiências
riores é a via mais freqüente, e os agentes mais comu- imunológicas, uso de agentes imunossupressores, leu-
mente envolvidos são o Diplococcus pneumoniae e o copenias e, mais raramente, da virulência do agente.
Haemophilus influenzae. A via inalatória permite a Morfologicamente, as pneumonias podem com-
instalação de pneumonias por agentes, que ultrapas- prometer, predominantemente, a luz alveolar, as vias
sam a filtração aerodinâmica; são agentes filtráveis, aéreas e os alvéolos, e o interstício.
Nas formas de comprometimento predomi-
nantemente alveolar, na pneumonia lobar, são des-
Tabela III - Vias de acesso do agente ao pulmão critos quatro estágios.
– Aspiração de secreções das vias aéreas superiores a) Congestão: o lobo apresenta-se pesado, úmido e
– Inalação avermelhado, com ingurgitamento vascular, nume-
– Hematogênica rosas bactérias, líquido e neutrófilos na luz alveolar.
– Contigüidade b) Hepatização vermelha: o lobo apresenta-se aver-
– Aspiração de conteúdo gástrico melhado, firme e desprovido de ar, devido à exsu-
– Translocação dação maciça e à presença de hemácias, neutrófi-
– Inoculação nas vias por procedimentos los e fibrina na luz alveolar. Esses elementos de-
(ex intubação) terminam a consistência endurecida do lobo, de onde
provem o termo hepatização vermelha.

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c) Hepatização cinzenta: nesse estágio, ocorre desin- 6. CLÍNICA


tegração progressiva das hemácias e persistência
do exsudato fibrinossupurativo dentro da luz A pneumonia, geralmente, se manifesta por tos-
alveolar, o que dá ao lobo a aparência macroscópica, se, seca ou produtiva, aumento da freqüência respi-
cinza acastanhada e ressecada. ratória, dispnéia e dor torácica. A febre é manifesta-
d) Resolução: estágio final, o exsudado consolidado ção comum, porém pode estar ausente nos indivíduos
(10)
na luz alveolar sofre digestão enzimática progres- idosos .
siva, e os restos granulares semilíqüidos,
reabsorvíveis são eliminados pelos macró-
Tabela IV - Etiologia das pneumonias adquiridas na comuni-
fagos ou pela tosse. dade
Nas formas em que há comprometi- Grupo I - Em indivíduo de até sessenta (60) anos de idade sem
mento predominantemente das vias aéreas e co-morbidade
luz alveolar, broncopneumonia, ocorre in- – Streptococcus pneumoniae
flamação supurativa, que pode ser focal e – Mycoplasma pneumoniae
restrita a um lobo ou, mais freqüentemente, – Vírus respiratórios (influenzae, para-influenzae)
multilobar, bilateral e basal, devido à tendên- – Chlamydia pneumoniae
cia de as secreções se acumularem nas ba- – Haemophilus influenzae
ses. Os focos atingem diâmetros de 3 a 4 cm,
– Legionella sp, Staphylococcus aureus, Mycobacterium
são de limites pouco precisos, coloração vari- tuberculosis
ando de cinza-avermelhada a amarelada, de – Fungos (endêmicos); bacilos aeróbios gram-negativos
aspecto granular, seco, e elevam a superfície
da área comprometida. Tais focos são ricos Grupo II - Em indivíduos com co-morbidade e/ou com mais de
em neutrófilos que preenchem brônquios, sessenta (60) anos de idade
bronquíolos e espaços alveolares. – Streptococcus pneumoniae
Nas formas em que predomina o en- – Vírus respiratórios
volvimento intersticial, pneumonia intersti- – Haemophilus influenzae
cial, podem ser atingidos lobos inteiros, de um – Bacilos aeróbios gram-negativos
ou ambos os pulmões. As áreas afetadas têm – Staphylococcus aureus
aspecto endurecido, de coloração vermelho- – Branhamella catarrhalis, Legionella sp. Mycobacterium
azulada. A reação inflamatória se localiza nas tuberculosis, Fungos
paredes alveolares, os septos alveolares tornam-
se alargados e infiltrados com células mono- Grupo III - Em indivíduos que necessitam de hospitalização
nucleares (linfócitos, histiócitos e, ocasional- – Streptococcus pneumoniae
mente, plasmócitos). Em casos agudos, os – Haemophilus influenzae
infiltrados inflamatórios podem conter também – Flora mista (incluindo bactérias anaeróbias)
neutrófilos. A luz alveolar é livre, entretanto, – Bacilos aeróbios gram-negativos
pode haver comprometimento da luz alveolar – Staphylococcus aureus
por material hemorrágico com restos celula- – Chlamydia pneumoniae
res, fato que reflete a lesão alveolar(7). – Vírus
– Mycoplasma pneumoniae, Branhamella catarrhalis e fungos
5. ETIOLOGIA
Grupo IV - Em indivíduos hospitalizados com pneumonia grave
Inúmeros trabalhos epidemiológicos (que necessitem de CTI)
descrevem as possíveis etiologias para pneu- – Streptococcus pneumoniae
monias adquiridas na comunidade(3,6,8,9). A
– Legionella sp
etiologia das pneumonias é uma variável que
– Bacilos aeróbios gram-negativos
sofre influência da faixa etária, da presença
– Mycoplasma pneumoniae
de co-morbidades e do grau de comprometi-
– Vírus
mento clínico. O padrão de distribuição dos
agentes etiológicos é subdividido em quatro – Haemophilus influenzae, Mycobacteria tuberculosis e fungos
(4) grandes grupos, como mostra a Tabela IV.

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Pneumonias em adultos, adquiridas na comunidade e no hospital

Em geral, quando a evolução da pneumonia é derrames pleurais. A radiografia de tórax também é


inferior a dez (10) dias, a etiologia bacteriana é a mais utilizada, na pneumonia, como critério de gravidade: o
provável. Quando a história indica evolução de dura- número de segmentos ou lobos comprometidos se
ção maior do que dez (10) dias, os agentes etiológicos correlaciona com a gravidade da doença, ou seja, quan-
mais prováveis são Micoplasma pneumoniae, vírus, to maior o velamento pulmonar, maior a intensidade
micobactérias e fungos. do acometimento clínico. Na Tabela VIII, descreve-
A pneumonia promove consolidação pulmonar, mos o envolvimento pulmonar, a imagem radiográfica,
que se manifesta, semiologicamente, por diminuição e são sugeridas correlações etiológicas(5). Vale a pena
da expansibilidade torácica, aumento do frêmito tóraco- lembrar que não existe aspecto radiográfico que seja
vocal, macicez à percussão, redução do som vesicular, exclusivo patognomônico de um único agente, contu-
presença de sopro brônquico (som bronquial), esterto- do, este é de grande valor, quando associado à clínica.
res finos, inspiratórios, e aumento da condução da voz
(broncofonia/pectorilóquia). Em 20% dos casos, pode • Microbiologia da pneumonia
haver sinais clínicos de derrame pleural, ou seja, sín- A detecção do agente causal da pneumonia
drome de barreira(6,10,11). O diagnóstico de pneumonia pode ser feita através de exame das secreções ou do
é feito com base em critérios principais (anamnese e próprio tecido pulmonar (Tabela IX). O exame do
exame físico) e secundários (exames complementa- escarro é útil na avaliação inicial. A amostra é consi-
res) (Tabela V). As pneumonias são classificadas, cli- derada adequada, se contiver mais de vinte e cinco
nicamente, de acordo com o local de aquisição con-
forme apresentamos na Tabela VI. Na Tabela VII,
sugerimos os exames complementares para pacientes Tabela VI - Classificação das pneumonias
que possam ser acompanhados em ambulatórios e para • Pneumonias adquiridas na comunidade
os que necessitam de internação, com o diagnóstico – Forma típica
de pneumonia. – Forma atípica
– Forma aspirativa
• Pneumonias em idosos
Tabela V - Critérios para o diagnóstico de pneu-
monia – De comunidade
– De comunidades fechadas (asilos, casas de
• Critérios principais
repouso, etc.)
– Tosse
• Pneumonias em pacientes imunocomprometidos
– Expectoração
– Febre (Temperatura axilar ≥ 37,8oC) • Pneumonias adquiridas no Hospital ou pneumo-
nias nosocomiais
• Critérios secundários
– Dor torácica
– Dispnéia
– Síndrome de condensação
– Alteração do estado mental Tabela VII - Exames que devem ser recomenda-
dos no quadro de pneumonia
• Exames complementares
• Para Pacientes de Ambulatório
– Leucometria > 15.000 células / mm3
1. Radiografia de tórax, incidências póstero-anteri-
– Radiografia de tórax com velamento pulmonar
or (PA) e lateral (P - perfil)
2. Hemograma completo
• Para pacientes que necessitem de internação
7. EXAMES COMPLEMENTARES NOS PACIENTES
1.Radiografias e Hemograma e mais:
COM SUSPEITA DE PNEUMONIA (Tabela VII) 2. Hemocultura
• Radiografia de tórax 4. Bacterioscopia do escarro direto ou aspirado
transtraqueal
A radiografia de tórax, em incidência póstero-
5. Broncofibroscopia com lavado brônquico, esco-
anterior e lateral deve ser realizada em todo indivíduo vado brônquico (com escova protegida) e biópsia
com suspeita clínica de pneumonia. Através da radio- transbrônquica
grafia, é possível diferenciar condições que se asse- 6. Punção biópsia aspiratória transtoracico
melhem à pneumonia, como as infecções traqueobrôn- 7. Gasometria arterial
quicas, e evidenciar outras causas, como abscessos 8. Bioquímica de função renal: uréia/creatinina
pulmonares, lesões cavitárias, obstrução brônquica ou

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CM da C Santos e Fonseca

Tabela VIII - Aspectos radiográficos na pneumonia


O comprometimento pulmonar
pode ser: associado ou predomi-
Apresentação da pneumonia nantemente de brônquios, alvéolos Aspectos radiológicos
e interstícios. Comprometimento:
Pneumonia alveoloductal Alveolar Consolidação homogênea.
Agentes mais freqüentes Broncograma aéreo.
- Pneumococcus sp Distribuição assegmentar.
- M. tuberculosis Ausência de atelectasia.
- Klebsiella sp Pode haver comprometimento pleural.
- Legionella sp

Pneumonia intersticial Intersticial Consolidação heterogênea lobular ou


Agente mais freqüente: multilobular, confluente, bilateral e simé-
- Pneumocystis carinii. trica, sem comprometimento brônquico,
de vasos linfáticos e, em geral, sem com-
prometimento pleural.

Broncopneumonia primária Acinar / lobular Consolidação heterogênea multifocal,


Agentes mais freqüentes: acinar (5 a 6 mm de diâmetro) ou lobular
- Pneumococcus sp (> 10 mm de diâmetro). Pode haver con-
- Haemophilus sp. fluência. Localização em segmentos
basais.

Broncopneumonia intersticial De todos os elementos do parên- Consolidação heterogênea com com-


quima prometimento e vias aéreas, alveolos e
Agentes mais prováveis: interstício.
- Mycoplasma pneumoniae, Predomínio na metade inferior dos pul-
- vírus (adenovírus, influenza, para mões.
influenza, sincicial respiratório),
- Clamídia pneumoniae
- Coxiella sp

Broncopneumonia intersticial Difuso (vias aéreas, alvéolos e Consolidação heterogênea.


supurativa interstícios). Distribuição segmentar, confluente ou
Agentes mais prováveis: não.
- Staphylococcus Ausência de broncograma.
- Bacilos gram-negativos. Formação de abscessos.
Insuflação de diminutos abscessos
peribrônquicos: pneumatoceles. A rup-
tura do pneumatocele pode determinar
o aparecimento de pneumotórax.

(25) neutrófilos e menos do que dez (10), cinco (5)


Tabela IX - Técnicas para obtenção de amostras
células epiteliais pavimentosas por campo de baixo
poder (2,5,6,8). No escarro, realiza-se exame direto e – Escarro (espontâneo ou induzido)
com colorações, como o Gram, para bactérias – Aspirado transtraqueal
inespecíficas, o Ziehl-Nielsen, para bacilos alcoolaci- – Broncoscopia:
dorresistentes (baar), a tinta da China ou a prata para • Aspiração da secreção brônquica
detecção de fungos e outros mais específicos. A cul-
• Lavado / escovado brônquico
tura do escarro tem baixa especificidade, a menos que
• Lavado broncoalveolar
sejam utilizados meios específicos, como para baar,
Legionella sp e fungos. O emprego de meios de cul- – Punção biópsia, aspirativa, transtorácica
tura para vírus não é utilizado rotineiramente(1,2,8).

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Pneumonias em adultos, adquiridas na comunidade e no hospital

Quando a obtenção do espécime é mandatória, b) Qual a intensidade do comprometimento clínico se-


técnicas invasivas são utilizadas e consistem de: aspi- cundário a pneumonia? (1,6,8,12,13).
ração transtraqueal, broncoscopia com cateter de co- Leve → Indivíduo sem co-morbidade, em regular
leta protegido, lavado broncoalveolar e o padrão ouro estado geral, e com idade inferior a sessenta (60)
para diagnóstico, a punção biópsia, aspirativa, trans- anos.
torácica.
Moderada → Indivíduo de sessenta (60) anos ou
A hemocultura deve ser realizada em todo indi-
mais, apresentando co-morbidade, com envolvimen-
víduo que necessite de internação por pneumonia.
to radiológico único e sem desaturação arterial.
Devem ser coletadas, pelo menos, duas séries de três
amostras(8,10), colhidas de diferentes locais. Grave → Indivíduo de qualquer idade, com envol-
Derrames pleurais devem ser submetidos à vimento pulmonar múltiplo e/ou extenso, com hipo-
toracocentese diagnóstica. Para que o derrame pleu- xemia.
ral possa ser puncionado, deve haver mais que 500 ml Muito Grave → Indivíduo de qualquer idade, com
de líquido, na cavidade pleural. A radiografia de tórax, ou sem co-morbidade e com, pelo menos, um dos
em decúbito lateral do lado comprometido, com raios critérios apresentados na Tabela X.
horizontais, é muito útil, e se evidenciar uma linha de
derrame de espessura maior do que 10 mm, sugere
Tabela X - Critérios para diagnóstico de pneumonia
que a punção pode ser realizada com segurança. No
muito grave. A presença de um único critério é
líquido pleural, determina-se o pH, número de células diagnóstica
brancas com contagem diferencial, a concentração de – FR > 35/min
proteínas, glicose e desidrogenase lática (DHL). A
– Hipoxemia grave PaO2 / FiO2 < 250
proteinemia sérica, a glicemia e a DHL plasmática
– Necessidade de assistência ventilatória mecânica
também devem ser medidas para a verificação da re-
lação entre os respectivos valores no líquido pleural e – Aumento da área de velamento pulmonar na radio-
grafia ≥ 50% em 48h
no plasma. Além disso, deve-se proceder à análise
citológica e microbiológica do líquido pleural(11). – Choque circulatório (PA sistólico < 90 mm Hg;
PAdiastolico < 60 mmHg
Mesmo com o auxílio das técnicas atualmen-
– Débito urinário ≤ 20 ml/h ou ≤ 80 ml/4 h (sem
te disponíveis, a identificação do agente etiológico
doença renal prévia)
das pneumonias só ocorre em menos de 50% dos
– Leucometria > 30.000 células ou < 4.000 células /
casos (5,6,10) . mm 3

8. ABORDAGEM DO PACIENTE COM SUSPEITA


DE PNEUMONIA
c) Este paciente pode ser tratado através do ambula-
Para abordagem inicial de um indivíduo, aco- tório ou necessita de internação hospitalar? Crité-
metido com pneumonia adquirida na comunidade, su- rios para sugerir internação:
gere-se o seguinte algoritmo: Idade > sessenta e cinco (65) anos
a) É pneumonia a doença respiratória desse paciente? Frequência respiratória > 35/minuto
História: tosse, dispnéia, dor torácica e febre (cri- PA sistólica ≤ 90 mmHg ou PA diastólica ≤ 60 mmHg.
térios principais) ( ) SIM Temperatura axilar ≥ 38°C, mantida por quaren-
3
Hemograma: leucometria > 15.000 mm ( ) SIM* ta e oito (48) horas ou mais; ou temperatura axi-
Radiografia tórax: velamento pulmonar ( ) SIM lar ≤ 34º C.
Três (3) afirmativas (SIM) = Pneumonia. Envolvimento pulmonar múltiplo, ou extenso na ra-
Para pacientes com idade entre quinze (15) e diografia de tórax.
cinquenta e cinco (55) anos, sorologia para HIV Hemograma: hematócrito < 30% ou hemoglobina
(com consentimento do indivíduo). < 9 g%.
Leucometria: ≥ 30.000 células mm3 ou < 4.000 cé-
* Em algumas condições, pode haver leucopenia de va- lulas mm3.
lores, inferiores a 4000 /mm3, com desvio escalonado. Bioquímica: uréia > 40 mg% ou creatinina > 1,2 mg%.

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CM da C Santos e Fonseca

Gasometria arterial PaO2 < 60 mmHg e/ou PaCO2 Formas: Leve → Moderada
≥ 50 mmHg , em respiração de ar ambiente. 1ª sugestão: cefalosporina de 2ª geração.
Existência de doença crônica associada (co- 2ª sugestão: sulfametoxazol + trimetoprima
morbidade). (SMX/TMP).
Hospitalização no intervalo de um ano, anterior ao 3ª sugestão: betalactâmico + inibidor de β
quadro atual de pneumonia lactamase. Podem-se associar macrolídeos.
Paciente sem condições sociais para tratamento Grupo III: Indivíduos de qualquer idade com
ambulatorial(13). ou sem co-morbidades. Necessidade de Internação
A presença de três (3) desses critérios sugere que (vide critérios para internação). Taxa de mortalidade:
o paciente deva ser internado. 5 a 25%. A maioria dos óbitos ocorreram nos primei-
d) Há indicação de terapia intensiva? ros sete dias de internação.
A presença de pneumonia grave (5 a 25% de óbi- Formas: Moderada → Grave
tos) nos primeiros sete dias de internação ou muito 1ª sugestão: cefalosporina de 2ª geração ou de
grave (50% de óbitos) constitui indicação para in- 3ª geração (sem atividade antipseudomônica).
ternação em Centro de Terapia Intensiva (14,15). 2ª sugestão: betalactâmico + inibidor de beta-
lactamase. Podem-se associar macrolídeos na sus-
9. TRATAMENTO COM ANTIMICROBIANOS peita de agente atípico ou rifampicina, se legionella
for considerada.
A terapêutica empírica, para pneumonias ad- Observação: As cefalosporinas de 3ª geração com
quiridas na comunidade, é orientada segundo a faixa atividade antipseudomônica podem ser empregadas
etária, a presença de co-morbidade e o grau do com- quando há lesão estrutural pulmonar.
prometimento clínico(1,2,8,16,17). A duração do trata-
mento é de dez (10) dias, nas formas leve à modera- Grupo IV: Indivíduos com pneumonia muito
da, podendo atingir os vinte e um (21) dias, nas for- grave. Taxa de mortalidade: 50%.
mas moderada à grave e muito grave. Nos indivíduos 1ª sugestão: macrolídeo + rifampicina, se
que necessitam de internação, a terapêutica deve ser Legionella for confirmada, associados à: cefalospo-
instituída por via parenteral. Nesses casos, após qua- rina de 3ª geração, com atividade antipseudomonas,
tro (4) dias, havendo evidência de melhora clínica e (está a princípio, somente para pacientes com lesão
hematológica, podemos fazer a troca da via parente- estrutural pulmonar ou quando for confirmada a pre-
ral para a via oral (8,12,18,19). sença de pseudomonas) e aminoglicosideo.
2ª sugestão: imipenem - cilastatina
Grupo I: indivíduos sem co-morbidade com até
sessenta (60) anos de idade, excluídas as imunodefi- 3ª sugestão: Fluorquinolonas: levofloxacina,
ciências, tratamento ambulatorial taxa de mortalida- esparfloxacina, ciprofloxacina.
de: 1 a 5% (8).
Formas: Leve → Moderada 10. EVOLUÇÃO
1ªsugestão: Macrolídeos: eritromicina, claritro- A pneumonia, quando adequadamente tratada,
micina, roxitromicina e azitromicina. geralmente, evolui para cura. Entretanto, a presença
2ª sugestão: tetraciclina ou doxiciclina. de fatores de risco alerta o clínico para a possibilida-
3ª sugestão: amoxacilina + clavulanato, cefa- de de desenvolvimento de complicações e infecções
losporina 2ª geração (cefuroxima, cefpodoxime ou metastáticas, que ocorrem em cerca de 10% dos pa-
cefprozil). Não agem contra micoplasmas, chlamydia cientes com pneumonia pneumocócica e bacteremia.
e legionella. Tais pacientes, podem apresentar meningite, artrite,
endocardite, pericardite, peritonite e empiema. Além
Fatores modificantes: suspeita de agente resis- das infecções metastáticas, podem ocorrer insufici-
tente. fluorquinolonas: (levofloxacin, sparfloxacin, ência renal, insuficiência cardíaca, embolia pulmonar,
ciprofloxacin) com ou sem infarto, e até mesmo infarto agudo do
Grupo II: indivíduos com co-morbidade e ou miocárdio. A detecção precoce dos fatores de risco
com mais de sessenta (60) anos. Tratamento ambula- (Tabela XI) para o desenvolvimento de complicações,
torial. Taxa de mortalidade: 5%, porém 20% podem nas pneumonias, é uma forma de evitar a elevação
necessitar de internação durante a evolução. das taxas de mortalidade(13,14,15,20).

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Pneumonias em adultos, adquiridas na comunidade e no hospital

clínica, e apenas 50% de “limpeza” radiográfica,


Tabela XI - Fatores de risco para evolução desfa- após duas (2) semanas de evolução com terapêutica
vorável na pneumonia
adequada. A resolução radiográfica ocorre após qua-
– Idade > 65 anos tro (4) semanas. Em conclusão, trata-se de resolução
– Presença de co-morbidade (cardiopatias, nefro- radiológica lenta. É encontrada em indivíduos idosos
patias, pneumopatia, hepatopatia, diabetes e em portadores de co-morbidades como insuficiên-
mellitus, doenças cerebrovasculares, esplenecto- cia cardíaca ou renal.
mias, desnutrição, alcoolismo)
– Sinais clínicos: FR > 35/min, FC > 120, PA sistó- 11.2 Pneumonia recorrente
lico ≤ 90, temperatura axilar ≥ 38°C por ≥ 48 h, pre-
É aquela que acomete o indivíduo com freqüên-
sença de foco extrapulmonar (infecção metastática),
deteriorização do estado de consciência. cia maior do que duas (2) vezes por ano, com interva-
lo maior do que trinta (30) dias entre os episódios, na
– Exames complementares: leucometria ≥ 30.000
ausência de diagnóstico de micobacteriose, doença
células /mm3 ou 4.000 células / mm3 ou neutropenia
< 1000 células / mm3) fúngica ou neoplásica. A doença mais comumente
associada à pneumonia recorrente é a DPOC, segui-
– Hipoxemia refratária
da, em ordem de freqüência, por bronquiectasias, fi-
– Necessidade de assistência ventilatória brose cística, síndrome de cílio imóvel e seqüestro pul-
– Disfunção renal monar. Das doenças extratorácicas, as que mais se
– Evidência radiográfica de comprometimento pul-
correlacionam com pneumonia recorrente são alcoo-
monar múltiplo, presença de modificação radiográ- lismo (agudo e crônico) e a diabetes mellitus.
fica rápida (< 48 horas) e derrame pleural.
11.3 Pneumonia crônica
– Anemia (Hematocrito < 30%; hemoglobina
> 9g %) É aquela que acomete indivíduo imunocompen-
– Evidência de manifestações por acidose meta- te e que evolui com evidências clínicas e radiográficas
bólica, aumento do tempo de protrombina, tempo de doença em atividade por mais de um (1) mês, na
parcial de tromboplastina, redução do número de ausência de tumores, bronquiectasias, bronquite crô-
plaquetas ou produtos de degradação do fibrino- nica, corpo estranho nas vias aéreas ou imunodefici-
gênio > 1:40 ência. Após dois (2) meses, em geral, ocorre resolu-
FR = Frequencia respiratória; FC = Frequencia cardiaca
ção do quadro e o indivíduo evolui de forma assinto-
mática. A investigação de outra doença está autori-
zada após oito (8) semanas de acompanhamento e, só
então, as técnicas invasivas para diagnóstico etiológi-
11. PNEUMONIAS DE EVOLUÇÃO ATÍPICA co da lesão pulmonar devem ser empregadas. Contu-
do, confirmada a patologia de pneumonia, esse paci-
A pneumonia é uma doença aguda e, em geral,
ente deve ser acompanhado por, pelo menos, seis (6)
está resolvida dentro do intervalo de quinze (15) dias
meses, período em que não haverá diagnóstico adici-
de tratamento, em média. Entretanto, existem formas
onal, o que confirmaria a hipótese de pneumonia crô-
de comportamento atípico(21,22), que costumam pro-
nica. As doenças que estão mais freqüentemente as-
vocar erros no diagnóstico e, algumas vezes, podem
sociadas ao desenvolvimento da pneumonia crônica
determinar a realização de procedimentos invasivos
são: DPOC, cardiopatia, nefropatia, diabetes mellitus,
precocemente. As pneumonias de evolução atípica são
alcoolismo, acidente vascular encefálico e refluxo gas-
conceitualmente classificadas de acordo com a sua
troesofágico(21).
evolução temporal:
• Pneumonia de resolução lenta
12. PNEUMONIAS ATÍPICAS
• Pneumonia crônica
• Pneumonia recorrente Originalmente, o termo foi usado para descre-
ver quadros de pneumonia adquirida na comunidade,
11.1. Pneumonia de resolução lenta cujo comportamento diferia do padrão comumente
É a pneumonia adquirida na comunidade por observado. Em comum, nessas pneumonias, não se
indivíduo imunocompetente, em que há melhora conseguia detectar o agente pelos meios de cultura

223
CM da C Santos e Fonseca

habitualmente empregados, a intensidade do acometi- setenta e duas (72) horas da internação hospitalar, em
mento clínico variava de leve a moderado e se arras- indivíduo previamente livre de infecção respiratória,
tava por até quatro semanas, com persistência do qua- ou da súbita piora clínica e radiográfica em um quadro
dro de tosse, em geral, seca e, por vezes, produtiva, de pneumonia que evoluía favoravelmente (23).
febre, geralmente sem sintomas pleurais, e, notada- A mortalidade na pneumonia hospitalar é esti-
mente, ausência de resposta a agentes betalactâmi- mada em 70% dos casos, contudo, essa mortalidade,
cos(22). Finalmente, um agente foi isolado: Mycoplas- dependendo do agente, pode ser maior, como ocorre
ma pneumoniae e, portanto, pneumonia atípica tor- nos casos de pneumonia hospitalar por Pseudomonas
nou-se sinônimo de pneumonia por Mycoplasma aeruginosa ou Acinetobacter sp (9).
pneumoniae. Posteriormente, quadros de pneumoni- A pneumonia hospitalar é classificada, evoluti-
as atípicas foram descritos com outras espécies, como vamente, em precoce e tardia. Tal divisão tem o obje-
a Legionella sp ou Clamídia pneumoniae cepa Twar tivo de identificar os agentes etiológicos de acordo com
e, historicamente, o termo pneumonia atípica passou o local aquisição. Pneumonias hospitalares, diagnosti-
a ser referência para infecção pulmonar provocada cadas nos cinco (5) primeiros dias após a internação,
por um desses agentes. Contudo, o termo vem sendo são classificadas como precoces, e os agentes são,
utilizado, também, para descrever quadros de pneu- em geral, os mesmos da pneumonia adquirida na co-
monia cuja evolução se desvie do padrão comum e munidade. Após cinco (5) dias de internação, a pneu-
que não são necessariamente provocados por esses monia hospitalar é classificada como tardia e os agen-
agentes( 21,22). tes são, com maior freqüência, de origem hospitalar.
A pneumonia hospitalar é pouco diagnosticada,
13. DURAÇÃO DO TRATAMENTO por ser confundida com outras doenças e porque pode
se manifestar somente após a alta hospitalar (9).
A duração da antibioticoterapia depende da
presença de co-morbidades, de bacteremia, da gra-
2. ETIOLOGIA
vidade do acometimento provocado pela pneumonia
e da evolução clínica. Em geral, pneumonias bac- Os agentes etiológicos nas pneumonias hospi-
terianas devem ser tratadas por dez (10) dias em talares podem diferir nos diversos ambientes e embo-
média. Formas atípicas devem ser tratadas por quin- ra agentes bacterianos sejam os mais freqüentemen-
ze (15) dias em média (2,8,14).
te isolados, outros possíveis agentes como vírus,
A troca da via parenteral para a via oral para
Legionella sp., anaeróbios e fungos, não são pesqui-
administração da antibioticoterapia depende de fato-
sados de rotina.
res do paciente (se já pode deglutir, e se a absorção
As fontes de infecção se encontram no ambi-
intestinal está preservada) e do antimicrobiano (equi-
ente (hospital, os aparelhos), em outros pacientes e
potência parenteraloral ou não haver mais necessida-
na equipe de funcionários (médicos, enfermeiros, es-
de de níveis elevados. Contudo, após esterilização clí-
tudantes). Na Tabela XII, apresentamos os agentes
nica, com melhora e ausência de febre por mais de
etiológicos mais freqüentes, de acordo com a possível
24h, a troca pode ser feita do terceiro ao sexto dia de
fonte (9,23). Na Tabela XIII, apresentamos os fatores
antibioticoterapia (8).
de risco associados ao desenvolvimento de pneumo-
nias hospitalares.
Na suspeita da pneumonia hospitalar, devemos
II. PNEUMONIAS EM ADULTOS, ADQUI-
proceder à investigação de forma semelhante à de
RIDAS NO HOSPITAL
pneumonia comunitária, com radiografia de tórax nas
incidências póstero-anterior e perfil, hemograma,
1. CONCEITO E EPIDEMIOLOGIA
hemocultura e coleta de material pulmonar (escarro
As pneumonias adquiridas no ambiente hospi- espontâneo ou induzido, aspirado transtraqueal ou
talar representam a segunda principal causa de infec- brônquico, lavado brônquico e biópsia). Na suspeita
ção hospitalar nos Estados Unidos, e estão associadas de pneumonia hospitalar, essa bateria de exames para
a altas taxas de morbidade e mortalidade (4,9,23). E o a confirmação diagnóstica deve ser prontamente
que é pneumonia hospitalar? Por conceito, trata-se de realizada, pois a demora predispõe a evolução des-
infecção do trato respiratório inferior, que ocorre após favorável.

224
Pneumonias em adultos, adquiridas na comunidade e no hospital

3. CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA
Tabela XII - Fontes de infecção na pneumonia ad-
quirida no hospital e possíveis agentes A pneumonia adquirida no hospital é também
classificada em leve, moderada, grave, muito grave e
1) Ambiente
subdividida em grupos, de acordo com a presença de
– Ar = Aspergillus sp, Staphylococcus aureus, fatores de risco, o período de instalação, se precoce
vírus sincicial respiratório
ou tardio, o comprometimento físico do paciente e a
– Água = Legionella sp causa da internação, notadamente internação por mo-
– Alimentos = Bacilos entéricos gram-negativos tivos cirúrgicos e o seu porte (8,12,13,23,24).
– Aerossóis = M. tuberculosis Grupo I: São alocados os casos de pneumonia
2) Aparelhos hospitalar classificada de leve a moderada, em indiví-
– Tubos endotraqueais duos sem fatores de risco específicos. A instalação
– Cateteres de aspiração
da pneumonia pode ser precoce ou tardia. Também
fazem parte deste grupo os casos de pneumonia hos-
– Broncoscópios
pitalar muito grave, de instalação precoce. Os fatores
– Equipamentos de fisioterapia respiratória de risco são inespecíficos, entretanto, o tempo de in-
– Sondas nasogástricas ternação e a idade do indivíduo contribuem para o de-
3) Outros Pacientes senvolvimento do quadro. Os agentes de maior preva-
lência são: bacilos anaeróbios, enterobactérias
– Vírus: influenzae, Sincicial respiratório
(Escherichia coli, Klebsiella sp, Proteus sp,
– Haemophilus influenzae
Serratia marcescens, Enterobacter), Haemophilus
– Staphilococcus aureus (meticilinorresistentes) influenza, Staphylococcus aureus (meticilinorresis-
– Pseudomonas aeruginosa tente), Streptococcus pneumoniae, Pseudomonas
4) Corpo Clínico
aeruginosa, Acinetobacter.
– Vírus: Influenzae, Sincicial respiratório Grupo II: Estão classificados os casos de pneu-
– Haemophilus influenzae monia hospitalar classificada de leve a moderada, em
– Staphylococcus aureus (cepas resistentes) indivíduos com fatores de risco específicos, indepen-
dente do período da instalação (precoce ou tardia).
– Pseudomonas aeruginosa
Os agentes de maior prevalência são os anaeróbios,
quando os fatores de risco são cirurgia abdominal re-
cente ou aspiração do conteúdo gástrico. O
Staphylococcus aureus é o agente etiológico, quando
os fatores de risco são coma, traumatismo craniano, di-
Tabela XIII - Fatores de risco para desenvolvi-
mento da pneumonia hospitalar abetes mellitus e insuficiência renal. Quando o fator de
– Fatores do hospedeiro
risco é o uso de imunossupressores: Legionella sp.
Quando os fatores de risco são doença estrutural do
– Idade ≥ sessenta (60) anos,
pulmão (exemplo: bronquiectasia, cistos), uso de imu-
– Co-morbidade, DPOC/insuficiência respiratória/
alcoolismo/rinosinusopatias, nefropatias, cardio-
nossupressores, antibióticos por tempo prolongado e
patias, sinusopatia) longas internações nas unidades de terapia intensiva:
– Distúrbios da função consciente. Pseudomonas aeruginosa.
– Uso prévio de antibiótico(s)/corticosteroides/qui- Grupo III: Estão alocados os casos de pneu-
mioterápicos monia hospitalar muito grave, de instalação precoce
– Uso de bloqueadores H2/antiácidos em indivíduos nos quais os fatores de risco são lesões
– Colonização gástrica estruturais do pulmão, uso de antibióticos, imunossu-
– Choque pressores e longos períodos de assistência ventilatória.
– Cirurgias recentes (notadamente as abdomi- Também estão nesse grupo os casos de pneumonia
nais) hospitalar grave de instalação tardia. Os agentes de
– Assistência ventilatória por mais de quarenta e maior freqüência são a Pseudomonas aeruginosa, o
oito (48) horas Acinetobacter e o Staphylococcus aureus meticili-
norresistente.

225
CM da C Santos e Fonseca

Quando se confirma o diagnóstico de pneumo- monia(8). Considerando-se o tempo de publicação do


nia hospitalar, a decisão terapêutica deve ser guiada consenso, atualmente, é possível fazer discussões, in-
pela classificação dos grupos, conforme mostrado na cluindo as discordâncias a seu respeito (13,17,18,19,26).
Tabela XIV. A terapia inicial pode ser modificada, de- A revisão dessa literatura médica, em conclusão, su-
pendendo dos resultados dos exames complementa- gere que a terapêutica proposta possa não ser tão efi-
res, como a bacterioscopia da secreção pulmonar, das ciente quanto se espera, exceto no Grupo I, onde pa-
hemoculturas e cultura das secreções, ou, ainda, após rece haver uma tendência ao acordo. Nesses indiví-
tempo mínimo de quatro (4) dias, com evidente piora duos do Grupo I (idade inferior a sessenta e cinco
clínica, descartadas outras possibilidades para descom- (65) anos, sem co-morbidades, e estadiamento clínico
pensação do indivíduo (9,20,23,24,25). leve a moderado), o tratamento das pneumonias ad-
quiridas na comunidade com eritromicina foi o de mais
III. COMENTÁRIOS baixo custo e o de melhor resposta (19). O grande in-
conveniente do seu uso, o efeito irritante do tubo di-
A pneumonia é um problema de saúde pública. gestivo, pode, atualmente, ser contornado pelo uso de
De alta incidência, principalmente nos meses de in- outro macrolídeo de segunda geração (azitromicina,
verno, ocorre durante todo o ano e detém alta morbi- claritromicina ou roxitromicina).
dade e mortalidade. Sua importância epidemiológica Para os outros grupos, o tratamento ainda po-
tem aumentado progressivamente. Esse fato se cor- deria seguir as orientações anteriores, uma vez que o
relaciona com o aumento da longevidade, o emprego sugerido pelo consenso aumenta o custo, sem reduzir
de técnicas terapêuticas imunossupressoras e a epi- a mortalidade(19,26). Tradicionalmente, o esquema para
demia de infecção pelo vírus HIV. tratamento empírico das pneumonias adquiridas na co-
Apesar de as diferentes formas de apresenta- munidade em indivíduos imunocompetentes utiliza an-
ção das pneumonias serem amplamente reconheci- tibióticos β lactâmicos. Na primeira abordagem, isso
das, a distinção entre pneumonia adquirida na comu- ocorre porque, na grande maioria dos levantamentos
nidade, pneumonia hospitalar e as síndromes de pneu- epidemiológicos, o Diplococcus pneumoniae é res-
monia atípicas, baseada em critérios clínicos, radioló- ponsável por mais de 60% dos casos (1,2,3,8,13,14,16,17,19),
gicos e mesmo microbiológicos, é imprecisa, pois ain- e a diminuição da sensibilidade ou resistência do mi-
da não existem critérios de significativa especificida- croorganismo ao agente só começou a surgir nos últi-
de. Portanto, a história da moléstia atual é de grande mos anos.
auxílio na interpretação e valorização dos resultados Com tal consideração, a Sociedade Americana
obtidos. de Doenças Infecciosas(13) sugere, em seu consenso
Quanto à abordagem terapêutica, o consenso de 1998, que se tente a detecção do agente infeccio-
da “American Thoracic Society”, de 1993, sugere a so, realizem-se testes de sensibilidade, que sejam uti-
classificação da pneumonia adquirida na comunidade lizados os β lactâmicos segundo a concentração inibi-
em grupos e a partir daí o tratamento. Esse consenso tória mínima. Quando a concentração inibitória míni-
sugere a mudança na abordagem terapêutica da pneu- ma for menor que 0,1 µg/ml (CIM < 0,1 µg/ml), a cepa

Tabela XIV - Sugestão terapêutica na pneumonia hospitalar


Grupo I Grupo II Grupo III

– Cefalosporina 2a geração (g) – Clindamicina ou betalactâmi- – Aminoglicosídeos ou flu-


cos + inibidor de betalactamase orquinolonas acrescido de
ou 3a g sem ação antipseudo-
associado um dos seguintes antimi-
monas ou Betalactâmicos + ini-
Pode-se usar: crobianos: betalactâmico +
bidor da betalactamase
(com ou sem) Vancomicina ou inibidor de betalactamase;
– Para alérgicos à penicilina: teicoplamina (até que seja des- imipenem-cilastatina cefta-
fluorquinolona ou clindamicina + cartada presença de estafilo- zidima ou cefoperazone;
aztreonam. coco resistente). aztreonam (no caso de ba-
cilo entérico gram negati-
– Eritromicina ou Rifampicina.
vos); com ou sem vanco-
Pode ser usada associada na
micina ou teicoplamina.
suspeita forte de Legionella

226
Pneumonias em adultos, adquiridas na comunidade e no hospital

apresenta alta sensibilidade à droga e a de escolha Em nosso meio, como em outros centros, o tra-
deverá ser a penicilina G ou amoxicilina. Para cepas tamento de pneumonias comunitárias e hospitalares
de sensibilidade intermediária (CIM > 0,1/ < 1 µg/ml), também tem sido norteado pelos consensos, embora
penicilina G ou amoxicilina associada a drogas de com- muitos médicos ainda prefiram esquemas terapêuti-
provada resistência às β lactamases (ácido clavulâni- cos tradicionais(3,16,23,25).
co/ticarcilina). Para cepas resistentes (CIM ≥ 2 µg/ml),
vancomicina, fluoroquinolona ou outros agentes de sen- AGRADECIMENTOS : Aos Professores Doutores João
sibilidade comprovada. Carlos da Costa (Divisão de Moléstias Infecciosas) e José
O tratamento de pneumonia hospitalar, proposto Carlos Manço (Divisão de Pneumologia), pela revisão des-
pela ATS (9), necessita ser validado para que se possa te artigo, e às senhoras Rosa Maria Pereira Coquely e Ednéia
realmente avaliar a sua eficácia(9,20,23,25). Fabbris Verceze, pela digitação.

SANTOS e FONSECA CMC. Community acquired and hospital - acquired pneumonias in adults. Medicina,
Ribeirão Preto 31: 216-228, apr./june 1998.

ABSTRACT: In this review, we discuss pathophysiology, clinical and radiological aspects of


community - acquired and hospital – acquired pneumonias. Therapeutic trials are presented as
proposed by international consenses.

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