Professional Documents
Culture Documents
Teresa Almodôvar
mteresaasa@gmail.com
Serviço de Pneumologia. Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil de Lisboa
41
Revista GECP 2011; 1: 41-48
42
Revista GECP 2011; 1: 41-48
tes aspectos da sua vida, em relação ao seu morte. As consequências físicas e psicológicas
estado de saúde”; segundo Cleary et al. referen- do cancro são uma séria ameaça ao sentido de
te aos vários aspectos da vida de uma pessoa bem-estar e qualidade de vida do doente. O trau-
que são afectados por mudanças no seu estado ma pode ser englobado em duas vertentes prin-
de saúde, e que são significativos para a sua cipais: o conhecimento de ter uma doença mortal,
qualidade de vida”e segundo Patrick & Erickson que lhe vai provocar sofrimento e o medo dos
(1993) “é o valor atribuído à duração da vida, tratamentos necessários e dos seus efeitos se-
modificado pelos prejuízos, estados funcionais e cundários (Slevin, 1992).
oportunidades sociais que são influenciados por O social engloba as relações familiares e sociais,
doença, dano, tratamento ou políticas de saúde.” o trabalho, o lazer e os problemas económicos.
Nestas tentativas de definição há, no entanto, O espiritual coloca questões como o sentido
sempre uma referência ao impacto que a doença da vida e a religião.
ou o dano têm na qualidade de vida. O estudo de questões específicas podem jus-
No entanto hoje em dia há um consenso ge- tificar um estreitamento de focagem, mas a ava-
neralizado do que é a qualidade de vida no con- liação de apenas uma variável ou um domínio
texto da saúde ao qual está associado também não reflecte adequadamente a qualidade de vida
a terminologia mais usada de Qualidade de Vida do doente.
Relacionada com a Saúde (QVRS) (Gotay, Korn, Outro ponto de consenso é de que a ênfase
McCabe, Moore, & Cheson, 1992). É um con- deve ser colocada em avaliar a experiência sub-
ceito multidimensional que considera o impacto jectiva da pessoa cuja qualidade de vida está em
dos sintomas físicos e dos efeitos do tratamen- questão. Finalmente a qualidade de vida é uma
to no funcionamento e bem-estar físico e psicos- variável contínua, uma resposta permanente aos
social do indivíduo. Incorpora de uma forma acontecimentos da vida.
geral os seguintes domínios: físico, funcional, A monitorização dos sintomas e da QVRS têm
psicológico, social e espiritual que doravante contribuído para o reconhecimento precoce de
trataremos na sua aplicação a doentes com can- problemas, a identificação de mudanças nos sin-
cro do pulmão. tomas ao longo do tempo em resposta aos trata-
O bem-estar físico refere-se aos sintomas mentos médicos e de outras intervenções, deli-
da doença, da toxicidade dos tratamentos e da mitação de subgrupos que podem ter inesperado
angústia. agravamento dos sintomas e diminuição do
O funcional compreende a actividade física, QVRS, e a promoção da discussão entre os mé-
estado cognitivo, a capacidade de desempenhar dicos, os doentes com cancro do pulmão, e os
as funções e a sexualidade. seus cuidadores, na tomada de decisões para o
O psicológico engloba o bem-estar ou o mal- tratamento da doença, e para o início de cuidados
-estar emocionais e reflecte os efeitos do diag- paliativos.
nóstico da doença: o cancro causa a morte de Os doentes com cancro do pulmão foram re-
milhares de pessoas no mundo por ano, causa conhecidos em vários estudos como os que apre-
mais apreensão e horror que qualquer outra do- sentam maior sintomatologia e maior gravidade
ença. Para muitos o diagnóstico é recebido com dos sintomas, quando comparados com outros
um pavor semelhante à audição da sentença de doentes com cancro avançado.
43
Revista GECP 2011; 1: 41-48
44
Revista GECP 2011; 1: 41-48
De acordo com as definições supracitadas, os ainda muito usada porque fácil de aplicar, fiável
instrumentos para avaliar a qualidade de vida dos e reprodutível (Mor V, 1984).
doentes com cancro do pulmão devem avaliar os O Functional Living Index (FLIC) é um ins-
principais domínios: físico, funcional, psicológico, trumento com 22 itens desenvolvido para os do-
social e espiritual e dar uma medida global de entes com cancro (Schipper, 1984). No entanto
satisfação / insatisfação do doente; devem num estudo comparativo com a escala de Per-
basear-se na sua experiência subjectiva e este formance Status – ECOG em doentes com Can-
ser a fonte de informação tão directa quanto pos- cro do Pulmão de Não Pequenas Células (CP-
sível; devem analisar a qualidade de vida como NPC) em estádio avançado revelou ser inferior
um todo único; finalmente devem ser exequíveis na avaliação da funcionalidade e menos sensível
no contexto clínico. a alterações clínicas importantes.
Para um questionário ser útil deve possuir O Rotherdam Symptom Check List (RSCL)
boas qualidades psicométricas previamente tes- (De Haes, Van Knippenberg, & Neijt, 1990) foi
tadas, de que se destacam: ser exequível (ou criado originalmente para o cancro da mama, mas
seja ser aceitável pelo doente e pela pessoa que foi adaptado para doentes com cancro em geral.
o aplica dentro da realidade clínica em questão; Foi recomendado pelo Medical Research Council
ser válido (medir exactamente o objectivo que (MRC) Cancer Therapy Committee, tendo sido
se propõe), com validade de conteúdo (as per- usado em estudos sobre o CPPC associado à
guntas cobrem as áreas que é suposto), de cons- escala “Hospital Anxiety and Depression (HADS)”
trução (as relações colocadas como hipótese (Zigmond & Snaith, 1983). Actualmente o núcleo
encontram-se de facto nos dados), ou clínica central do RSCL tem quatro itens aos quais se
(grupos clinicamente diferentes podem ser dis- associam perguntas específicas relativas a sin-
tinguidos e as alterações clinicamente importan- tomas de cancro de pulmão e aos efeitos do
tes dentro do mesmo grupo são detectadas ao tratamento. Ambas as escalas estão traduzidas
longo do tempo; ser robusto (constante e repro- e validadas para Portugal.
dutível em diferentes situações). É também van- O Grupo de Estudo para a Qualidade de Vida
tajoso que esteja padronizado para uma melhor da European Organization for Research and Tre-
compreensão e comparação dos resultados ob- atment of Cancer (EORTC) desenvolveu um sis-
tidos (Montazeri, Milroy, Gillis, & Mc Ewan, 1996) tema modular de medida para avaliar a qualidade
(Slevin, 1992). de vida dos doentes incluídos em ensaios clíni-
Existem inúmeros questionários para avaliar cos. O EORTC QLQ-C30 (Aaronson NK, 1993)
a qualidade de vida de doentes com cancro do tem 30 variáveis e avalia o funcionamento físico
pulmão. Alguns foram utilizados raramente, ou- e psicos social dos doentes com cancro. Para
tros apenas validados, e alguns nem são verda- avaliar especificamente doentes com cancro do
deiras medidas de qualidade de vida. Os mais pulmão, existe um módulo dirigido EORTC LC-13
utilizados para avaliar a QVRS são (Paul A. Kva- com mais 13 variáveis (Bergman B, 1994) rela-
le, 2007)(Carlos Camps, 2009): cionadas especificamente com os sintomas de
O Performance Status medido pela escala cancro do pulmão. Este questionário foi larga-
de ECOG ou pela escala de Karnofsky que é a mente testado internacionalmente em populações
medida mais antiga de avaliação sintomática e de diferentes culturas e linguagens, e mostrou
45
Revista GECP 2011; 1: 41-48
uma boa a excelente validade e robustez para as mais adequadas para medir a qualidade de
avaliar sintomas de doença e tratamento. Permi- vida nestes doentes (Hollen & Gralla, 1994)(Mon-
te distinguir grupos de doentes com estádio clí- tazeri, Milroy, Gillis, & Mc Ewan, 1996). Estão
nico diferente e detectar alterações na situação traduzidos e validados para português.
clínica ao longo do tempo (Paul A. Kvale, 2007). Recentemente questionou-se a capacidade
O grupo de Rush Cancer Center em Chicago destas medidas na avaliação dos problemas ver-
teve uma abordagem semelhante do problema dadeiramente importantes para os doentes. Em
da qualidade de vida e desenvolveu o FACT – alternativa têm sido tentadas outras formas de
Functional Assesment of Cancer Therapy avaliação através de entrevistas semiestrutura-
(Cella, Tulsky, & Gray, 1993). O questionário geral das (Schedule for the evaluation of Individual
(FACT-G), com 33 variáveis foi validado nos EUA Quality of Life – SEIQol) ou do método de priori-
num grande número de doentes com cancro. Foi- dades (Patient Generated Index- PGI) ou mesmo
-lhe acrescentada uma subescala de 7 perguntas de entrevistas abertas, com a finalidade de que
para o cancro do pulmão. O questionário combi- a informação seja o mais possível proveniente
nado FACT-L (Cella DF, 1995) dirigido ao cancro do doente e que este colabore na validação dos
do pulmão foi avaliado num grupo de doentes em instrumentos de medida utilizados (Montazeri,
estádio avançado mostrando um alto nível de Milroy, Gillis, & Mc Ewan, 1996).
validade e de robustez incluindo consistência in- Apesar dos avanços no desenvolvimento dos
terna, validade de conteúdo e exequibilidade (Hol- questionários de QVRS que são cada vez mais
len, Gralla, Kris, & Potanovich, 1993) (Montazeri, curtos, válidos, fiáveis, fáceis de aplicar e de
Milroy, Gillis, & Mc Ewan, 1996). Não mede, no medir, a sua utilização na prática clínica continua
entanto, os efeitos adversos da terapêutica. a ser rara. As razões subjacentes são o desco-
O Lung Cancer Symptom Scale (LCSS) nhecimento da aplicação dos dados provenientes
(Hollen, Gralla, Kris, & Potanovich, 1993) é mais de questionários de QVRS, da interpretação dos
recente. Não inclui medidas de função emocional scores de QVRS e problemas logísticos. Na ten-
e social embora esteja incluído um único item em tativa de resolução destes problemas foram re-
qualidade de vida global. Aborda principalmente colhidos dados sobre o uso de FACT, EORTC-
sintomas físicos e nível de actividade. Consiste LC13, sobre valores de referência, sobre sintomas
em duas escalas visuais analógicas, uma de nove e domínios (Paul A. Kvale, 2007). Para as esca-
pontos para os doentes e uma com 5 subitens las de QVRS mais utilizadas já existem manuais
destinada aos profissionais de saúde. A exequi- para as aplicar e interpretar.
bilidade, confiança, e validade interna e de rela- No contexto da doença avançada e cuidados
ção (Hollen & Gralla, 1994) parecem ser boas paliativos é necessário ponderar a sobrecarga
sendo o facto de ser unidimensional a sua prin- que o uso de instrumentos múltiplos pode trazer
cipal limitação. para uma pessoa já debilitada e ponderar a utili-
Os três últimos testes descritos são instrumen- dade da informação recolhida com o peso/bene-
tos que podem ser classificados como medidas fício para o doente. Neste contexto novas técnicas
específicas de qualidade de vida em doentes com de recolha de informação como “Termómetro do
cancro do pulmão ou as que com maior probabi- distress”, instrumento visual analógico com uma
lidade captam a experiência desta doença, sendo pergunta simples sobre se há distress e qual o
46
Revista GECP 2011; 1: 41-48
domínio da vida causa mais distress, ou a infor- 8. Chochinov, H. (2006). Dying, dignity, and new ho-
matização das escalas já mais conhecidas quer rizons in palliative end-of-life care. CA Cancer J
Clin, pp. 84-103.
na recolha de dados ou no seu tratamento pode-
9. Chochinov, H. M. (2007). Dignity and the essence
rão vir a ter grande aplicação nestes doentes of medicine: the A, B,C, and D of dignity conserving
(Carlos Camps, 2009). care. http://bmj.com/cgi/content/full/335/7612/184.
Duma forma geral, a exploração de domínios 10. De Haes, K., Van Knippenberg, F., & Neijt, J. (1990).
não directamente relacionados com a doença Measuring psychological and physical distress in
mas com a sua repercussão no bem-estar da cancer patients: structure and application of the
Rotterdam Symptom Checklist. Br. J Cancer, pp.
pessoa doente complementam a actividade clí- 1034-38.
nica e é sugerido que podem ter repercussões 11. Ganz, P. E. (1988). Estimating the quality of life in a
na evolução da doença individual e determinar o clinical trial of patients with metastatic lung cancer
modo como a doença é encarada do ponto de using the Karnofsky Performance Status and the The
vista social, político e económico. Desta forma Functional Living Index-Cancer. Cancer, pp. 849-56.
12. Gotay, C., Korn, E., McCabe, M., Moore, T., & Che-
resulta imprescindível a integração de escalas de son, B. (1992). Quality of Life Assessment in Can-
avaliação de qualidade de vida no tratamento de cer treatment protocols: research issues in protocol
doentes com cancro do pulmão. development. J Natl Cancer Inst., pp. 575-79.
13. Hollen, P., & Gralla, R. (1994). Cancer, pp. 2087-98.
14. Hollen, P., Gralla, R., Kris, M., & Potanovich, L.
(1993). Quality life assessment in individuals with
Bibliografia lung cancer: Testing the Lung Cancer Symptom
Scale (LCSS). Eur J Cancer, pp. s51-s58.
1. Aaronson NK, A. S. (1993). The European Organi- 15. Medley, L. C. M. (2002). Best supportive care versus
zation for Research and Treatment of Cancer QLQ- palliative chemotherapy in non-small-cell lung can-
-C30: A quality of life instrument for use in interna- cer. Curr Opin Oncol, pp. 384-88.
tional. J Natl Cancer Inst, pp. 365-76. 16. Montazeri, A., Milroy, R., Gillis, C., & Mc Ewan, J.
2. Bergman B, A. N. (1994). The EORTC QLQ-LC13: (1996). Quality of life: perception of Lung Cancer
A modular supplement to the EORTC Core Qualityof Patients. Eur J Cancer, pp. 2284-89.
Life Questionnaire (QLQ-C30) for use in lung can- 17. Mor V, L. L. (1984). The Karnofsky performance
cer clinical trials. Eur J Cancer, pp. 635-42. status scale: An examination of its reliability and
3. Bottomley, A. (2002). The cancer patient and qua- validity in a research setting. Cancer, pp. 2002-07.
lity of life. Oncologist, pp. 120-5. 18. Paul A. Kvale, P. A. (2007). Palliative Care in Lung
4. Carlos Camps, N. D. (2009). Importance of Quality Cancer: ACCP Evidence-Based Clinical Practice
of Life in Patients with Non–Small-Cell Lung Cancer. Guidelines. Chest, pp. 368-403.
Clinical Lung Cancer, pp. 83-90. 19. Sartorius, N. (1987). Cross- cultural comparisons
5. Cella DF, B. A. (1995). Reliability and validity of the of data about quality of life: a sample of issues. In
Functional Assessment of Cancer Therapy- Lung N. A. Beckmann, The quality of life of cancer pa-
(FACT-L) quality of life instrument. Lung Cancer, tients (pp. 19-24). New York: Raven Press.
pp. 199-220. 20. Schipper, H. E. (1984). Measuring the quality of life
6. Cella, D., & Tulsky, D. (1990). Quality of life mea- of cancer patients: The Functional Living Index-
sures. Oncology, pp. 209-30. -Cancer. Development and validation. J Clin Oncol,
7. Cella, D., Tulsky, D., & Gray, G. E. (1993). The pp. 472-82.
Funcional Assessment of Cancer Therapy (FACT) 21. Seidl, E. M., & Zannon, C. M. (2004). Qualidade de
scale: development and validation of the general vida e saúde: aspectos conceituais e metodológi-
measure. J Clin Oncol, pp. 570-79. cos. Cad. Saúde Pública, 20(2) pp. 580-88.
47
Revista GECP 2011; 1: 41-48
22. Slevin, M. (1992). Quality of life: philosophical ques- 25. World Health Organization. (1990). Cancer pain
tion or clinical reality? BMJ, pp. 466-9. relief and palliative care. Report of a WHO Expert
23. Standing Medical Advisory Comitee. (1992). The Committee Technical Report Series. Geneva: World
principles and provision Joint report of the Standing Health Organization.
Medical and Standing Nursing and Midwifery Advi- 26. Zigmond, A., & Snaith, R. (1983). The hospital an-
sory comitee. xiety and depression scale. Acta Psychiatr Scan,
24. Tamburini, M. (2001). Health-related quality of life pp. 361-70.
measures in cancer. Ann Oncol, pp. S7-S10.
48
Revista GECP 2011; 1: 41-48