Professional Documents
Culture Documents
Resumo:
caso do menino Dibs , descrito há muitos anos. Metodologia: Após uma breve revisão
criança lida com suas habilidades e com seu mundo. Para isso, foram utilizados como
Abstract:
Aim: The aim of this work is discuss theoretical aspects that could be useful in
psychotherapeutic work with gifted children. For this purpose, was used the case of
2
3
Dibs described many years ago in the homonymous book with . Methods: After a brief
children, are discussed aspects of emotional development and self’s construction that
influence the way the children use their abilities and deal with their own world. For this,
were utilized references of Winnicott and Kohut, among others. Conclusions: The
condition can minimize diagnostic confusions and promote an empathic attitude in the
1. Introdução:
terapeuta a estabelecer uma atitude empática que pode ser decisiva na criação de um
difundiu-se uma crença de que estes indivíduos seriam menos suscetíveis a problemas
3
4
um grupo homogêneo. Para que se possa inferir tal conceito é preciso considerar um
Este trabalho visa discutir, baseado no caso Dibs - descrito há muitos anos-
algumas considerações que podem ser úteis no trabalho psicoterápico com crianças
superdotadas. Será abordada uma das muitas facetas do trabalho terapêutico com estas
crianças e jovens: aquela que diz respeito à vivência interna e fatores ligados ao
criança lida com suas habilidades e com seu mundo, evidenciando a importância da
2. Considerações Teóricas:
serão apresentadas, de forma resumida, algumas teorias atuais a respeito dos processos
complementam entre si, mas a última parece ser particularmente útil pois apresenta uma
4
5
contexto.
Nesta visão, a pessoa inteligente é aquela que lida com as novidades e tarefas
informação aos diferentes contextos nos quais opera. Diferentes situações exigem
Segundo Gardner (7), a competência cognitiva humana pode ser melhor descrita
espiritual. O autor deixa claro que as inteligências não devem se limitar àquelas
estudadas por ele, embora proporcionem um quadro mais claro das capacidades
cognitivas humanas do que as teorias que o antecederam. Além disso, cada inteligência
contexto cultural.
5
6
6
7
interação dinâmica dos três componentes. O autor utiliza o termo “superdotado” como
na vida de uma pessoa. É uma posição polêmica no sentido de que vai contra a postura
Em resumo, as altas habilidades envolvem muito mais do que apenas o QI. Para
uma avaliação mais real da inteligência, é necessária a observação das pessoas em seu
engloba tanto fatores cognitivos como não- cognitivos (afetivos, motivacionais, etc).
Assim sendo, é necessário levar em consideração como o indivíduo interage com seu
caracterizam por sentir e pensar de forma diferenciada de seus colegas da mesma faixa
etária.(10)
Leta Hollingworth, em 1926, foi quem primeiro apontou para a questão de que
a idade mental e cronológica. Com seus estudos observou que existe uma faixa de
7
8
problemas são baixos em circunstâncias normais. Seus estudos revelam que quanto mais
alto o QI, mais problemas de ajustamento podem surgir. Especialmente crianças com QI
acima de 160 são as que se encontram em risco de alto estresse emocional (2,10,11).
focaliza a experiência consciente e dilemas existenciais que são desencadeados por esta
contexto social, por exemplo, quando, na escola, uma criança superdotada é colocada
em uma turma, de acordo com a idade cronológica ao invés de mental, e sente-se fora de
ciclo vital.(11) Podendo ocorrer em apenas uma área, freqüentemente ocorrem em mais
seguintes:
perfeccionismo;
8
9
escola, etc), podem criar vulnerabilidades que requerem compreensão e atenção a fim de
publicado em 1964: Dibs in search of self. A tradução para o português foi feita em
9
10
Dibs tinha cinco anos e já freqüentava a escola há quase dois anos quando a
autora foi procurada, pela escola, para avaliá-lo. Inicialmente, ela encontrou uma
pediatra), em relação ao menino. Seu comportamento era muito diferente das outras
crianças. Ao chegar na escola, ficava imóvel, nunca tirava o casaco e esperava que as
ferozmente quando tentavam obriga-lo a fazer o que não queria ou na hora de voltar
para casa. Nunca olhava diretamente para os olhos de uma pessoa e jamais respondia
escondendo-se sob as mesas, olhando livros durante horas. Nunca recebia nada
diretamente. Os materiais lhe eram oferecidos e deixados perto dele. Após algum
atentamente as páginas escritas como se pudesse ler. Havia algo em relação ao seu
outras vezes realizava certas atividades com tanta rapidez e tranqüilidade que
observado e tentado testa-lo várias vezes, mas ele não estava pronto para ser testado. Os
profissional mas a mãe não concordava. A certa altura, a escola decidiu que seria
da escola e a mãe concordou com esta avaliação. Na ocasião, a mãe solicitou que, caso
10
11
não pudessem mantê-lo naquela escola, sugerissem uma outra, com internato para
crianças excepcionais, pois ela e o marido já tinham aceitado o fato de que Dibs era
Na reunião com a equipe da escola, antes de falar com a mãe ou ver a criança, a
terapeuta pôde sentir a compaixão e o respeito daqueles que trabalhavam na escola pelo
observaria o menino na escola, junto às outras crianças, e tentaria vê-lo sozinho por
Neste primeiro dia, pôde observar que o menino, apesar de manter-se isolado,
sem participar das atividades com os colegas e reagir agressivamente às suas tentativas
sutil. Observou também que seu desenvolvimento motor estava afetado. No entanto,
com passos pesados, trocando um brinquedo pelo outro, tediosamente. “Não parecia
haver alegria ou felicidade para aquela criança”. Depois, ele caminhou até a casinha e,
nomeando todos os objetos, começou a estabelecer uma comunicação verbal. Cada vez
suas palavras, confirmando seu significado. Quando o menino pegou o boneco pai e
disse:
Então, sentou-se no chão e por um longo tempo olhou para a casa de bonecas.
11
12
Após longo tempo, apertando as mãozinhas juntas contra o peito, com a voz
- Portas trancadas, não. Portas trancadas, não... Dibs não gosta de portas
trancadas.
- Dids não gosta de portas fechadas e trancadas. Não gosta de paredes à sua
volta. Começou, então a tirar os bonecos da casa, onde os tinha colocado, e ordenar
que fossem embora. Primeiro foi o boneco pai e depois a boneca mãe. – Vão para a
- Não gosto de paredes. Dibs não gosta de paredes. Jogue fora, bem longe,
que ele vivia. A mãe a recebeu para uma conversa em sua própria casa. Moravam em
uma mansão antiga, luxuosa, onde tudo era tão belo e impecável que não havia sinais de
que alguém realmente vivesse na casa. Ao longe, podia ouvir a voz de Dibs gritando
que não queria portas trancadas. Deduziu que ele ficaria em seu quarto. A mãe, uma
senhora que parecia mais velha do que realmente era, recebeu-a de forma cortês e séria.
Estava aparentemente muito nervosa mas tentava manter-se sob intenso controle. Disse
que ela e o marido já haviam aceitado a tragédia de Dibs mas que ficariam satisfeitos
12
13
Acrescentou que ela e o marido não estariam disponíveis para reuniões ou entrevistas,
que a escola seria a melhor fonte sobre maiores detalhes sobre o caso. Percebendo a
em algum momento ela quisesse falar sobre Dibs. Combinaram que ele seria visto uma
sinais de mudança, saindo um pouco mais do quarto e deixando transparecer mais sua
com muito sofrimento, pôde relatar com detalhes a história de Dibs desde sua
concepção.
Eram um casal feliz antes da gestação. Tinham uma vida social rica, amigos
brilhantes, bem sucedidos. O pai era um cientista renomado, muito ocupado com o
trabalho . A mãe era cirurgiã e estava no caminho de alcançar muito sucessso em sua
carreira quando engravidou. A gestação não fora desejada e estivera doente durante todo
o tempo. O casal não podia mais ir a lugar algum. O marido foi se afastando dela,
enterrando-se em seu trabalho. Após o nascimento, Dibs era um bebê estranho. Ela o via
“como um bebê grande e sem forma, um pedaço de qualquer coisa. Não reagia a
cada vez que o tirava do berço. A mãe sentia que havia falhado e aquilo fez com que
desistisse de seu trabalho. Envergonhavam-se de ter um filho que não era normal.
13
14
resistiram. Foram informados que Dibs não tinha deficiência mental, psicose ou lesão
cerebral. Segundo a avaliação do psiquiatra, quem necessitava ajuda clínica era o casal.
Isso foi uma experiência chocante para eles. Consideravam-se bem e nunca haviam tido
qualquer problema pessoal que não pudessem superar por eles mesmos. Na verdade,
consideravam uma prova de que a deficiência não era deles o fato de que haviam tido
uma filha aproximadamente um ano depois de Dibs. Esta filha era “perfeita”, nunca os
somente nos finais de semana e nas férias. Optaram por mandá-la para esta escola pois
Parecia claro que sua incapacidade de relacionar-se com o filho com amor,
experiência de ter compartilhado com a terapeuta essas vivências, a mãe pareceu muito
aliviada por ter sentido que era respeitada e compreendida e que também tinha razões
para o que fazia, que tinha capacidade para mudar e que essas mudanças precisavam vir
Na sessão que ocorreu após a entrevista com a mãe, Dibs veio muito feliz,
dizendo que se sentia contente naquele dia. Tirou o chapéu, o casaco, e, sem nenhuma
ajuda dependurou-os na maçaneta da porta. Após brincar um pouco com tinta, e com a
tesoura, demonstrando satisfação e mais segurança nas decisões, voltou-se para a casa
de bonecas e anunciou:
-Tem?
-Sim.
a caixa de areia. Pegou uma pá e cavou um grande buraco onde enterrou as paredes.
14
15
movimentos eram livres e relaxados. Pediu a mamadeira, disse que faria de conta que
aquele era seu bercinho, fingiria ser bebê de novo. Sugou a mamadeira com alegria.
necessidade de ser ajudado, mas sempre ficava a comunicação de que seria valorizada
sua vontade, dentro dos limites da realidade. Logo passou a referir-se a si mesmo na
primeira pessoa, o que não acontecia anteriormente. Parecia sentir satisfação quando
Aos poucos, pôde expressar seus sentimentos em relação aos pais e à irmã.
Aproveitava muito aquele espaço, de maneira muito criativa, expressou toda a raiva e
agressividade, mas também carinho e capacidade para restaurar a relação com sua
diferente em relação a ele. Na sala de brinquedo também encenou sua aproximação com
todo o tempo que freqüentou a escola estava atento, conhecia todos pelo nome.
- O que é terapia?
15
16
Indagava-me porque teria feito tal pergunta. Que explicação poderia representar uma
resposta sensata?
- Diria que terapia significa esta oportunidade de vir aqui brincar e falar
apenas sobre o que você deseja. É um período em que você pode ser da maneira que
quiser ser. É um período que você pode usar do modo que mais lhe agradar. É uma
- Sei o que isso significa. “Não perturbe”quer dizer para todos que, por favor,
deixem sozinhos os que estão aqui dentro. Que não incomodem. Não entrem. Não
batam à porta. Deixem os dois serem. Este lado quer dizer “eles estão sendo”. E este
Após um doloroso processo, em que repetidas vezes pôde expressar sua raiva em
relação aos pais, através do brinquedo, ele conseguiu sentir e conhecer suas próprias
emoções, deixa-las emergir, enfrentá-las e dominá-las. Então, um dia, Dibs foi capaz de
expressar seu amor pela mãe, de forma espontânea. A mãe ficou realmente muito
emocionada. No dia seguinte, pediu outra entrevista com a terapeuta e mostrou como
estava refletindo sobre tudo o que havia acontecido. Estava muito agradecida, mas
também confusa, pois Dibs demonstrava ser uma criança com habilidades
extraordinárias. Seus desenhos e pinturas fugiam do padrão para crianças da sua idade.
Durante muito tempo o estímulo intelectual fora o único canal de comunicação entre
mãe e filho. Ele havia aprendido a ler com dois anos. A mãe o havia ensinado. Desde
aquela idade a mãe vinha estimulando-o intelectualmente das mais variadas formas.
Com músicas, livros e explicações. Precisava provar que ele podia aprender e que ela
16
17
podia ensinar-lhe. Na verdade sabia que ele não era um deficiente. Seus sentimentos
eram ambíguos. Testando, observando, duvidando dele e dela própria. Buscava uma
maneira de se aproximar mas, na verdade, levantava um muro entre eles com tantas
exigências. A avó materna era a única pessoa da família que o aceitava como era. Com
ela, ele ficava mais tranqüilo. Mas a avó convivia pouco com ele pois morava em outra
região do país.
Após as férias de verão, quando a família pôde passar mais tempo junta
(incluindo a irmã e a avó) e usufruir das mudanças em todos , Dibs retornou para um
último encontro. Estava diferente, entrou com um passo firme, sorriso vivo e olhos
brilhantes.
Na escola, Dibs passou a conviver bem com os colegas e não apresentou mais
4. Discussão:
aspectos para discussão ou interpretação, que vão além da posição teórica original da
17
18
autora, e que podem ser úteis no trabalho clínico. Neste trabalho, serão enfocados os
seguintes:
a) Uma criança com capacidades superiores, vista à luz das teorias atuais de
profundos;
criança superdotada.
18
19
Pode-se também ver sua disposição para o tratamento e coragem, que aparecem já na
seus pais.
Síndrome de Asperger, neste caso, não se justificaria devido à qualidade das relações
que o menino estabelece e a satisfação que demonstra nas interações com as pessoas
encontra pais pouco disponíveis ou sem a empatia necessária, cria-se uma configuração
Quando Dibs nasce, sua mãe não o deseja, tampouco seu pai. Tomada por
19
20
depressão, ela projeta no bebê toda angústia e incapacidade que sente. Ela descrevia seu
bebê como “um pedaço de qualquer coisa”, “não reagia a nada”. Posteriormente, ele
interagir com seus pais e com o mundo à sua volta. Tampouco consegue sentir-se como
do self na infância tem relação com os esforços da criança para lidar com falhas na
empatia parental, o que acarreta a presença de uma raiva narcisística crônica. Falhas na
empatia parental, que são experienciadas pela criança como repetidos danos
natureza inflexível. Já que as crianças estão em pleno controle apenas de seus corpos e
funções, freqüentemente usam a si mesmas para expressar raiva com aqueles que
narcisísticas primárias partindo de um self nuclear que tenha atingido suficiente coesão:
seus pais. Em conseqüência das respostas de espelhamento parental, estas estruturas vão
20
21
inatos da criança, os quais, sob condições ótimas são utilizados a serviço de preencher
podem manter suficiente liberdade funcional ao self, salvaguardar sua coesão e permitir
chances para estas crianças, de passar a existir integralmente. Além disso, no contexto
que acabam por modificar sua maneira de ver a criança, contribuindo para o
criança e atingindo os pais. Para que isso ocorra é necessário um ambiente empático
pôde iniciar seu contato com o mundo além da família foi crucial na sua história. Um
paciente, a longo prazo, aquilo que o paciente traz. É um derivado complexo do rosto que reflete o que há
para ser visto. Essa é a forma que me apraz pensar em meu trabalho, tendo em mente que, se o fizer
suficientemente bem, o paciente descobrirá seu próprio eu (self) e será capaz de existir e sentir-se real.
21
22
Sentir-se real é mais do que existir; é descobrir um modo de existir como si mesmo, relacionar-se aos
objetos como si mesmo e ter um eu (self) para o qual retirar-se, para relaxamento. Não me agradaria,
contudo, deixar a impressão de que essa tarefa, que consiste em refletir o que o paciente traz, é fácil. Não
é; e, emocionalmente, é exaustiva. Mas temos nossas recompensas. Mesmo quando nossos pacientes não
se curam, ficam-nos agradecidos porque pudemos vê-los tal como são e isso nos concede uma profunda
satisfação.”(13)
5. Considerações Finais:
fora do comum e enfocamos alguns, dentre uma multiplicidade de aspectos, que podem
ser trabalhados num contexto psicoterápico. Gostaria de chamar atenção para o fato de
oportunidade, que Dibs teve, de encontrar em seu caminho circunstâncias que lhe
a longo prazo em metas e ideais. No caso das crianças com altas habilidades, estas
acabam não conseguindo desenvolver seus talentos e capacidades e, por isso, não
profissionais, estar atentos e disponíveis para identificar tais situações, pois parecem ser
22
23
6. Referências Bibliográficas:
2) Webb, JT, et al. Misdiagnosis and dual diagnoses of gifted children and adults:
1998.
5) Lovecky, DV. Different minds: gifted children with ADHD, Asperger syndrome
and other learning deficits. London and New York: Jessica Kingsley Publishers,
2004.
6) Sternberg, RJ. A triarchic view of giftedness: theory and practice. In: Colangelo,
2000.
creative productivity. In: Renzulli, JS; Reis, SM (Org). The triad reader.
23
24
10) Fleith, DS. Altas habilidades e desenvolvimento socioemocional. In: Fleith, DS;
12) Axline, VM. Dibs: em busca de si mesmo. São Paulo: Círculo do Livro S.A.
infantil. In: O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago Ed, 1975. p. 153-162.
17(4): 199-210.
24