You are on page 1of 10

Aspectos históricos da pesquisa

genética em atletas e a
participação do Comitê Olímpico
Internacional

Andréa Ramirez | aramirez@fmu.br

Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU

Curso de Graduação em Educação Física.

São Paulo-SP, Brasil

0 | Abstract
Lately genetics has been more than a science of human
inheritance. It has been providing us with knowledge and
biotechnology tools to understand gene behavior and functions.
In humans it has been specially providing perspectives to the
development of human gene therapy. However, it has also
been offering conditions to the development of the so-called
gene doping in sports: an unappropriated use of gene therapy.
This chapter briefly outlines gene doping, historical attempts
and intervenient factors to the development of genetic research
in sport participants and athletes, and design some perspectives
to understand genetics as a helpful science in the future of
sport. In addition, the role of the International Olympic
Committee in the recent developments of genetics issues is
analyzed.

| 448
1 | Introdução
A Genética, que além dos fenômenos da hereditariedade,
atualmente se incumbe do estudo do comportamento e das
funções dos genes, tem prestado uma série de benefícios à
humanidade desde o início do século passado, quando os
experimentos de Mendel foram compreendidos. Nos seres
humanos os benefícios se estenderam à compreensão da
transmissão das informações genéticas entre os povos,
principalmente das responsáveis por síndromes
cromossômicas e doenças genéticas. Recentemente o
mapeamento dos genes humanos (HGP, 2006) impulsionou
os estudos de expressão dos genes ampliando as
perspectivas para as terapias gênicas. Em contrapartida,
tais pesquisas também têm proporcionado ferramentas para
o desenvolvimento do recém- denominado doping genético
pelo esporte (Ramirez & Ribeiro, 2005).

O termo doping genético, definido como a utilização não-


terapêutica de células, genes, elementos genéticos ou de
modulação da expressão gênica com capacidade de
melhorar o desempenho de atletas e praticantes de
esportes, foi estabelecido pela Agência Mundial Anti-Doping
em 2002 e se oficializou por ocasião da atualização de 2003
da lista proibida (WADA, 2006a). No âmbito da genética
clínica, apesar de pouco sucesso documentado, e de algumas
intercorrências, a terapia gênica tem se revelado como uma
crescente influência no paradigma clínico para o tratamento
de doenças herdadas e não-herdadas. Os protocolos de
terapia gênica vêm sendo desenvolvidos desde 1990 (Culver,
1996), consistindo basicamente em introdução de genes

449 |
normais responsáveis por produtos terapêuticos, ou de
células geneticamente modificadas, com a finalidade de
bloquear a atividade de genes prejudiciais, de ativar
mecanismos de defesa imunológica, ou ainda de produzir
moléculas de interesse terapêutico (Nardi & Ventura, 2005).
Portanto, doping genético seria o uso inapropriado de terapia
gênica visando o aumento do desempenho esportivo.

De fato a Comissão Médica do Comitê Olímpico Internacional


começou a se preocupar com a possibilidade de haver
alterações gênicas como doping no esporte em 2001 (COI,
2001). Naquele ano o COI submeteu a questão à apreciação
da Agência Mundial Anti-Doping (WADA, 2001a, 2001b) que,
por sua vez, organizou dois simpósios com o apoio do COI.
O primeiro nos Laboratórios Cold Spring Harbour em Nova
Iorque em 2002 e o segundo em Estocolmo, com a
colaboração do Instituto Karolinska e da Confederação
Esportiva Sueca em 2005 (WADA, 2006b). Atualmente a
WADA tem solicitado apoio aos geneticistas na elaboração
de técnicas que visem o anti-doping genético. Porém, como o
foco principal dos geneticistas é o desenvolvimento de
terapias gênicas, e não exatamente atender à demanda
esportiva, a questão ainda é recebida com certa resistência
pela maioria destes pesquisadores.

Realmente são poucos os geneticistas envolvidos com as


questões esportivas e poucos os trabalhos já realizados
nesta área em comparação com as outras sub-áreas da
genética humana (Ramirez & DaCosta, 2006). Pressupõe-
se que, pelo menos em parte, o escasso desenvolvimento

| 450
da pesquisa genética com atletas também se deve à
incompreensão da aplicabilidade da mesma como Ciência
pelo Esporte até o presente momento.

Entretanto, em 1967, estabeleceu-se pioneiramente na


história olímpica o Programa de Genética e Biologia Humana.
Ele foi desenvolvido com os esforços colaborativos do Comitê
organizador do 19º Jogos Olímpicos e da Comissão Nacional
de Energia Nuclear do México com o apoio do COI e da
Federação Internacional de Medicina do Esporte (DeGaray et
al., 1974). Geneticistas de diversos países foram convidados
a participar de simpósios que definiram os seguintes objetivos
para o programa: 1) investigar a genealogia esportiva dos
atletas, 2) investigar os traços genéticos relacionados às
habilidades esportivas, 3) investigar a interação entre
genética e fatores ambientais envolvidos no treinamento, 4)
aplicar os resultados destas investigações na compreensão
da biologia e da genética humana, 5) aplicar os resultados à
detecção de talentos esportivos.

Para atingir estes objetivos foram utilizados os testes disponíveis


pela Genética Médica à época, tais como: reação gustativa à
feniltiuréia (sensibilidade ao PTC), tipagem sangüínea,
dermatoglifia e citogenética. Porém, apesar dos resultados
significativos sob o ponto de vista científico, eles se revelaram
ineficazes para atender às expectativas sociais e de gestão do
Esporte, principalmente quanto à detecção de talentos
esportivos. Este foi, por hipótese, um dos principais motivos
que levou ao desinteresse em se realizar novas pesquisas
genéticas nos Jogos Olímpicos e nas Olimpíadas subseqüentes.

451 |
Outro fator interveniente do avanço da pesquisa genética
nesta área é a própria natureza das características genéticas
que constituem o fenótipo atlético. Trata-se de características
condicionadas por mecanismos de herança multifatorial. Isto
significa que uma determinada característica atlética,
responsável por contribuir para um bom desempenho
esportivo, é determinada por vários genes que estão sujeitos
à ação ambiental. A figura 1 ilustra esta inter-relação entre a
constituição genética, o ambiente e o desempenho esportivo.
Devido a esta complexidade, a pesquisa genética humana
baseia-se na aplicação de biomarcadores para avaliar as
características genéticas e a relação destas com o ambiente,
objetivando a compreensão do fenótipo desejado que, neste
caso, seria o desempenho esportivo.

Fig.1 - Inter-relação entre a constituição genética, o ambiente e o


desempenho esportivo. O uso de biomarcadores, principalmente
em estudos epidemiológicos, pode contribuir para a compreensão
desta inter-relação.

Características
Ambiente
Genéticas
Biomarcadores

Desempenho esportivo

| 452
Um aspecto que requer consideração especial é a dificuldade
enfrentada pelos geneticistas de estabelecer biomarcadores
eficientes a fim de separar os viézes ambientais em
pesquisas que envolvem herança multifatorial. Entretanto,
apesar desta dificuldade, a literatura revela algumas
iniciativas em pesquisas que se sucederam ao Programa de
Genética e Biologia Humana. A pequena revisão de von
Bracken (1972) apresenta alguns estudos sobre a genética
do rendimento desportivo, Jokl & Jokl (1968) escreveram
sobre os aspectos determinantes da condição atlética e
Kovar (1980) sobre os aspectos genéticos envolvidos nas
habilidades motoras.

Contribuições mais voltadas para o ambiente olímpico foram


os artigos apresentados no Congresso Olímpico de 1984 sobre
esporte e genética humana organizados por Malina & Bouchard
(1986). Importante ressaltar ainda, o incentivo financeiro do
COI ao grupo de pesquisadores liderados por Klissouras no
desenvolvimento da pesquisa sobre os limites genéticos da
performance esportiva em atletas gêmeos (Parisi et al., 1998).
Os gêmeos univitelinos revelam a distinção entre as
características genéticas herdadas e as ambientais.

Com o objetivo de compreender o papel do genótipo nas


respostas cardiovasculares, metabólicas e hormonais ao
treinamento aeróbico foi criado o programa HERITAGE
(Bouchard et al., 1995), que analisou biomarcadores
fisiológicos tais como consumo máximo de oxigênio,
freqüência cardíaca, lactato sangüíneo, glicose, lipídios
plasmáticos, lipoproteínas, hormônios esteróides e glicocor-

453 |
ticóides plasmáticos entre outros, em 130 famílias. Os
resultados deste programa se desdobraram em vários artigos
subseqüentes e na elaboração de livros sobre genética,
atividade física, performance e saúde (Bouchard et al., 1997;
Bouchard et al., 2006). Não obstante, este mesmo grupo de
pesquisadores tem compilado dados de pesquisas genéticas
compondo um mapa dos genes relacionados aos fenótipos
de desempenho físico e saúde (Rankinen et al., 2001). Este
mapa tem sido anualmente atualizado.

Atualmente os próprios genes e seus produtos têm sido


empregados como biomarcadores em pesquisas genéticas
humanas. Por isto os genes EPO, GDF-8 e IGF-1 e suas
respectivas proteínas eritropoietina, miostatina e hormônio
de crescimento semelhante à insulina (Ramirez, 2005)
poderiam ser utilizados como biomarcadores a serem
estudados em atletas ao invés de serem vistos apenas como
fortes candidatos ao doping genético.

Considerando a situação atual do doping genético e as


perspectivas da genética de modificar as relações sociais e
de gestão do Esporte (Miah, 2004), parece que o
desenvolvimento de pesquisas nesta área, paralelamente
às discussões éticas, será fundamental para o futuro do
Esporte. Além disto, tais pesquisas podem ajudar a embasar
o acompanhamento médico longitudinal de atletas visando
um esquema antidoping preventivo, identificar atletas sob o
risco de desenvolver doenças genéticas tardiamente, auxiliar
no desenvolvimento de terapias gênicas para recuperação
de tecidos de regeneração lenta, e a compreender processos

| 454
genéticos envolvidos com a promoção e manutenção da saúde
humana de um modo geral.

2 | Referências

BOUCHARD C, BLAIR SN, HASKELL WL. Physical Activity


and Health. USA. Human Kinetics, 2006, 424p.

BOUCHARD C, LEON AS, RAO DC, SKINNER JS, WILMORE


JH, Gagnon J. The HERITAGE family study. Aims, design,
and measurement protocol. Medicine & Science in
Sports & Exercise. 1995 May; 27(5):721-9.

BOUCHARD C, MALINA R.M., PÉRUSSE L. Genetics of


Fitness and Physical Performance. USA. Human Kinetics.
1997. 400p.

COI (International Olympic Committee). Press Release:


IOC Gene Therapy Working Group - Conclusion.
Lausanne, 2001. Disponível em <http://www.olympic.org/
uk/news/publications/press_uk.asp?release=179> Último
acesso: Jun 2004.

CULVER KW. Gene therapy – a primer for physicians. 2ed.


Mary Ann Liebert inc. NY, 1996.198p.

DE GARAY AL, LEVINE L, CARTER JEL. Genetic and


Anthropological Studies of Olympic Athletes. Academic
Press, New York, 1974, 236p.

HGP (Human Genome Project). Understanding our


genetic inheritance.The U.S. human genome project.
Disponível em <http://www.ornl.gov/sci/techresources/
Human_Genome/home.shtml>Último acesso: 15/11/2006.

455 |
JOKL E & JOKL P. Genetic determinants of athletic status.
In: Research Committee International Council of Sport
and Physical Education – UNESCO, The physiological
basis of athletic records. American Lecture Series 712.
Charles C Thomas- Springfield, 96-117, 1968.

KOVAR R. Human Variation in Motor Abilities and its


Genetics Analysis. Charles University Prague, 1980. 171p.

MALINA RM & BOUCHARD C. Sport and Human Genetics.


The 1984 Olympic Scientific Congress Proceedings. v.4.
Human Kinetics, Illinois, 1986, 184p.

MIAH A. Genetically Modified Athletes – biomedical


ethics, gene doping and sport. Great Britain, Routledge,
2004. 208p.

NARDI N.B.; VENTURA, A.M. Terapia Gênica. In: Mir, L.


Genômica. Atheneu, Rio de Janeiro, 2005, págs 625-642.

Parisi P, Pigozzi F, Klissouras V. (org). Genetic limits of


sport performance: a study of twin athletes: final report,
Rome: ISEF/Rome University Institute of Motor Sciences,
1998, 51p.

RAMIREZ A. & DACOSTA LP. Pesquisa Genética e Esporte.


In: Atlas do Esporte no Brasil II. Shape Editora, Rio de
Janeiro, 2006.

RAMIREZ A. & RIBEIRO A. Doping genético e esporte.


Revista Metropolitana de Ciências do Movimento
Humano, São Paulo - SP, v. 5, n. 2, p.9-20, jun. 2005.

RAMIREZ A. Doping genético e Terapia gênica - Aspectos


biomoleculares. Atualidades Em Fisiologia e Bioquímica
do Exercício, Itaperuna - RJ, v. 1, n. 1, p. 32-37, 2005.

| 456
RANKINEN T, PÉRUSSE L, RAURAMAA R, RIVERA MA,
WOLFARTH B, BOUCHARD C. The human gene map for
performance and health-related fitness phenotypes.
Medicine & Science in Sports & Exercise, 33(6): 855-67,
2001.

VON BRACKEN H. Psicología Genética Humana.


Rendimientos deportivos. In: Becker PE. Genética
Humana. Tomo ½. Ediciones Toray, Barcelona, 493-495,
1972.

WADA (World Anti-Doping Agency) Minutes of the WADA


Executive Committee Meeting. Disponível em <http://
www.wada-ama.org/rtecontent/document/010601-
ENG.pdf> (1 June 2001, Cape Town) Último acesso:
Agosto 2006 (a).

WADA (World Anti-Doping Agency) Minutes of the WADA


Executive Committee Meeting. Disponível em <http://
www.wada-ama.org/rtecontent/document/210801-
ENG.pdf > (21 August 2001, Tallinn) Último acesso:
Agosto 2006 (b).

WADA (World Anti-Doping Agency) World Anti-Doping


Code. Prohibited Method (M3). Disponível em <http://
www.wada-ama.org/en/prohibitedlist.ch2> Último
acesso: 15/11/2006 (a).

WADA (World Anti-Doping Agency). Gene doping.


Available at <http://www.wada-ama.org/en/
dynamic.ch2?pageCategory.id=526>. Last access: Sept.
2006 (b).

457 |

You might also like