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SIMPÓSIO 6

O LIVRO DIDÁTICO E A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Ângela Paiva Dionísio

Kazumi Munakata

Márcia de Paula Gregório Razzini

81
Livros didáticos de Português




formam professores?





Ângela Paiva Dionísio



Universidade Federal de Pernambuco






Introdução




A parceria livro didático–professor atraves- quase sempre detinham, dedicavam-se também



sa um momento de encontros e desencontros, ao ensino [...]. O professor da disciplina Portu-


uma vez que ambos estão em fase de transição, guês era aquele que conhecia bem a gramática e



buscando uma identidade que revele as trans- a literatura da língua, a retórica e a poética, aque-



formações teóricas e políticas ocorridas no pa- le a quem bastava, por isso, que o manual didáti-

co lhe fornecesse o texto (a exposição gramatical


norama nacional. O Programa Nacional do Li-


ou os excertos literários), cabendo a ele – e a ele


vro Didático, os Parâmetros Curriculares Nacio-

só – comentá-lo, discuti-lo, analisá-lo e propor


nais, o PNLD em Ação e os diversos sistemas de


questões e exercícios aos alunos.


avaliação implantados recentemente são algu-


mas dessas mudanças políticas.


Na década de 1950, as gramáticas e antolo-


No âmbito dos estudos sobre a linguagem, a


gias são substituídas por um único livro que apre-


análise meramente estrutural cede espaço para sentava conhecimentos gramaticais, textos para

a análise da língua em contextos de usos natu- leitura, exercícios. Afirma Soares (2001a: 153):

rais e reais, postura já consolidada nos PCN, que



refletem as teorias lingüísticas mais recentes. Assim já não se remete ao professor, como anterior-

Numa reação em cadeia, os manuais didáticos mente, a responsabilidade e a tarefa de formular


exercícios e propor questões: o autor do livro didá-


transitam pelas teorias lingüísticas, tentando


tico assume ele mesmo essa responsabilidade e


atender aos critérios estabelecidos pelo PNLD e

essa tarefa, que os próprios professores passam a


às diretrizes dos PCN. Uma breve análise pano-

esperar dele, o que surpreende, se se recordar que


râmica do sistema educacional brasileiro, volta-


já então os professores tinham passado a ser pro-


da para o Ensino Fundamental e Médio, revela


fissionais formados em cursos específicos.

que o desencontro entre professor e livro didáti-



co não é um traço apenas do sistema educacio-


Neves (2000: 1) assevera que “a questão da


nal atual. Os artigos de Magda Soares “Que pro- formação do professor de Ensino Fundamental e

fessores de Português queremos formar?” (2001a) Médio nos cursos de Letras está longe de ter en-

e “O livro didático como fonte para a história da


contrado uma fixação de caminhos minimamente


leitura e da formação do professor-leitor” (2001b)


satisfatória”. Ao discutir o desempenho dos cur-


guiaram-me nesse breve percurso. sos de Letras na formação do professor, a referi-



Até a década de 1940, o ensino de Língua da autora questiona se “os alunos sabem, mini-

Portuguesa consistia na gramática da língua e


mamente, o que fazer com a lingüística no ensi-


na análise de textos de autores consagrados.


no da língua”, uma vez que a separação em Lin-


Soares (2001a: 151-52) lembra que as instâncias güística e Língua Portuguesa se evidencia dentro

de formação de professor só surgiram na déca- dos próprios cursos de Letras. Recai, pois, sobre

da de 1930; portanto os professores


os cursos de formação de professores e especifi-



[...] eram estudiosos autodidatas da língua e de camente sobre o curso de Letras a responsabili-

dade de tratar o ensino de Lingüística de forma


sua literatura, com sólida formação humanística,


que os graduandos possam perceber como sele-


que, a par de suas atividades profissionais (mé-


dicos, advogados, engenheiros e outros profissio- cionar e como orientar os conteúdos de lingua-

nais liberais) e do exercício de cargos públicos que gem para o Ensino Fundamental e Médio.

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SIMPÓSIO 6
O livro didático e a formação de professores

Esta é uma necessidade cada vez mais urgen- campo das possibilidades concretas de realiza-



te na formação do professor, pois os Parâmetros ção de um percurso pedagógico real no contex-



Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa to sociopolítico brasileiro.



simbolizam a aplicação direta das teorias lingüís- Responder que sim, que o livro didático


ticas no ensino de língua materna. Também tem também a função de formar professor, se-



Marcuschi (2000: 10) alerta para a importância ria reconhecer que ainda estamos com os pés



de o professor saber o que deverá fazer com as na década de 1950, uma vez que caberiam ao


orientações dadas pelos PCN em suas aulas: autor do livro didático a seleção e a prepara- 83



ção dos conteúdos a serem ministrados. Porém



Tudo dependerá, no entanto, de como serão tais não posso deixar de reconhecer que os manu-



orientações tratadas pelos usuários em suas sa- ais didáticos exercem funções de formação de


las de aula; seria nefasto se as indicações ali fei- professor. Gérard e Roegiers (1998: 89, apud E.



tas fossem tomadas como normas ou pílulas de Marcuschi, 2001: 141) asseguram que os ma-



uso e efeito indiscutíveis. Pior ainda, se com isso nuais escolares têm o objetivo “de contribuí-



se pretendesse identificar conteúdos unificados rem com instrumentos que permitam aos pro-


para todo o território nacional, ignorando a he- fessores um melhor desempenho do seu papel



terogeneidade lingüística e a variação social. profissional no processo de ensino-aprendiza-

gem”. Dentre os recursos empregados pelos au-


Mais uma vez, recorro aos questionamen-


tores de livros didáticos que podem contribuir


tos de Neves (2000: 4) para ilustrar um tópico para a formação dos professores, destaco:

recorrente nas preocupações do professor de



Português – o ensino de gramática: “O profes-


sor de Português recebe na universidade uma


Indicação de referências

formação que lhe permita compreender – com bibliográficas comentadas



todas as suas conseqüências – o que é língua


(1) Miranda et al, v.1-4, p. XXIX:


em funcionamento e, a partir daí, que lhe per-


mita saber o que é ensinar a língua materna


ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gos-


para os alunos que lhe são entregues?”


tosuras e bobices. 4. ed. São Paulo: Scipione,


Outro fato que contribui para esse des- 1994.



compasso consiste na não-aplicação (ou na pre- A partir da apresentação dos diversos tipos de

cária aplicação) das correntes lingüísticas con-


textos de literatura infantil, a autora leva a uma


temporâneas, como a Lingüística Textual, a reflexão sobre a relação texto/leitor. Aponta a



Análise do Discurso, a Sociolingüística, nos cur- importância de se partilhar experiências de lei-



rículos de formação de professores. Faz-se, no tura, enfatizando a necessidade de um espaço


entanto, necessário ressaltar que, por serem de “leitura-prazer” na sala de aula. [...]

estudos recentes, ainda carecem muitos deles



de propostas de aplicação ao ensino de língua Listagem de sites



materna (Soares, 2001b). (2) Soares, v. 1-4, p. 29:


Nesse momento, retomando o tema deste



Simpósio – a relação livro didático e formação Ciber-espacinho de Ângela Lago.



de professor –, pergunto-me: é também função Livro de histórias infantis eletrônico, com ilus-

do livro didático formar professores? Numa res-


trações que se movimentam nas páginas.


posta bastante simplificada, diria que não e <http://www.ez-bh.com.br/~angelago>



acrescentaria que é função dos cursos de for- Doce de Letra.



mação de professores preparar seus alunos, fu- Revista de literatura infanto-juvenil. Apresen-

turos professores, para elaborar o material di- ta sites de diversos autores.



dático a ser utilizado em suas aulas. No entan- <http://www.docedeletra.com.br>



to, sei que essa resposta não se encontra ainda (acessado em setembro de 2002)

(e não sei se isso ocorrerá um dia) dentro do




Indicação de revistas para alunos e


identifiquem mais vivamente o processo de va-


professores riação da língua ao longo de um tempo de que



têm uma compreensão mais fácil (o tempo dos
(3) Soares, v. 1-4, p. 29:


pais, tios, avós); por isso, são palavras ainda não



inteiramente desconhecidas, mas em processo


REVISTAS PARA O ALUNO


de desuso; o professor pode enriquecer o exer-
Ciência Hoje das Crianças. Revista de divulgação


cício mencionando palavras já em inteiro desu-


científica para crianças. Rio de Janeiro: Socieda-


so, como janota, cinematógrafo, escarradeira,
de Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).


botica, etc.


Galileu. Rio de Janeiro. Globo. [...]



PARA O PROFESSOR


(6) Miranda et. al., v. 3, p. 261:
Amae Educando. Belo Horizonte: Fundação



Amae para Educação e Cultura.


Professor, há várias outras possibilidades de


Nova Escola. São Paulo: Abril Cultural. [...]


passagem da linguagem informal para a formal

○ no texto. Se quiser, explore-as com os alunos.
Indicação de livros, vídeos, músicas

relacionados ao tema da unidade em


estudo:

Formar um professor requer a articulação de



(4) Cereja e Magalhães, v. 3, p. 15: dois componentes curriculares, como destaca



Reinaldo (2001: 2), que são o conhecimento teóri-


FIQUE LIGADO! PESQUISE!


co (domínio de conhecimento do objeto lingua-


Para você saber mais sobre a década de 1930 e gem) e o conhecimento de ensino e de pesquisa

a prosa da segunda fase do Modernismo bra- sobre ensino (desenvolvimento da habilidade de


sileiro, sugerimos:

ensino e o conhecimento de pesquisa sobre ensi-


VÍDEOS

no-aprendizagem na área da linguagem).


Revolução de 30, de Sylvio Back; São Bernardo,


Em uma das minhas experiências com Prá-

de Leon Hirschman; Vidas secas e Memórias do


tica de Ensino de Português, na Universidade


cárcere, de Nélson Pereira dos Santos; [...]


LIVROS
Federal de Pernambuco, encontrei uma clien-

tela heterogênea, com experiências diferentes


O Quinze, de Rachel de Queiroz (Siciliano); Vi-


no que se refere à concepção de ensino de lín-


das secas e São Bernardo, de Graciliano Ramos


(Record); [...] gua. De acordo com a experiência que traziam,



MÚSICA classifiquei os alunos em:


Aluno-professor, ou seja, aquele graduando


Ouça os compositores de música popular


brasileira da época, como Noel Rosa, Ari Bar- que já ensina ou já ensinou e que tem o li-

roso, Ataulfo Alves, Leonel Azevedo, Heitor vro didático como instrumento único de

orientação metodológica. Apesar de ter es-


dos Prazeres, Ismael Silva, Orestes Barbosa,


e os compositores que tratam de temas nor- tudado as correntes lingüísticas contempo-



destinos, como Luís Gonzaga, Luís Vieira, râneas durante o curso de Letras, não sabe

Eleomar, Dominguinhos, além do poeta po- o que fazer com elas no dia-a-dia de suas

pular Patativa do Assaré. aulas (ou pior, não acredita que possam –

ele e as teorias lingüísticas – alterar as prá-


ticas já cristalizadas no Ensino Fundamen-


Emissão de recados ao professor com


tal e Médio). Tem no livro didático o com-


maior (exemplo 5) ou menor (exemplo

panheiro salvador, especialmente naqueles


6) grau de informatividade:

livros de orientação apenas prescritivista.



(5) Soares, v. 3, p. 65:


Aluno-pesquisador, ou seja, aquele gradu-

ando com vasta experiência em pesquisa


Observação: Foram escolhidas palavras que se


científica, como Iniciação Científica, hábil


supõe que ainda sejam conhecidas pelos adul-

proferidor de comunicações em congressos


tos com que os alunos convivem, a fim de que


e similares, mas sem a menor noção de


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SIMPÓSIO 6
O livro didático e a formação de professores

como se portar como professor de língua. res do Ensino Fundamental e Médio num perí-



No geral, também não percebe as possíveis odo de seis horas. Dentre os resultados, inte-



relações entre as pesquisas que desenvol- ressa-me apenas registrar um deles, nesse


ve e o ensino de língua. Para este, o livro


momento: a constatação, por parte dos alunos,


didático tem a função de instrumentalizar de que, na relação com o livro didático, o pro-


o professor.


fessor deverá sempre ser superior a ele em co-



Aluno-aluno, ou seja, aquele graduando que nhecimento e em desempenho metodológico.


não tem experiência de ensino nem de pesqui- Como afirma Rose Marie Muraro, em Memórias 85



sa. Espera pela disciplina de Prática de Ensino de uma mulher impossível, “a prática é sobera-


como a grande inspiradora para a sua forma-


na na medida em que o conhecimento se cons-


ção como professor. Não percebe também a


trói no exercício da prática”.


relação entre os estudos feitos nos semestres


antecedentes como responsáveis pela sua for-


Os múltiplos olhares sobre


mação. O livro didático apenas representa um



recurso metodológico para o ensino.
a encruzilhada diabólica dos



O maior desafio consistia em fazer esses alu-
livros didáticos


nos perceberem o papel do professor como me-

diador. Como cerca de 50% da turma se enqua- ○

É preciso reforçar a tese de que a formação


drava na categoria aluno-pesquisador, decidi, do professor é tarefa da instituição de ensino,

então, solicitar aos alunos a construção de duas quer seja nos cursos de Magistério quer seja nos

organizações didáticas especiais, apontadas cursos universitários. Deve ser, pois, com base

pelos PCN – projeto de pesquisa e módulos di- nas orientações recebidas nessas instituições

dáticos –, na tentativa de atrelar o conhecimen- que o professor poderá saber o que fazer com o

to teórico e o conhecimento sobre ensino de lín- livro ou com os livros didáticos em suas aulas.

gua, bem como inserir aqueles alunos que não O professor deveria saber o porquê dos conteú-

tinham tal experiência no campo da pesquisa, dos selecionados e as implicações das estraté-

porque esses futuros professores necessitarão gias utilizadas nos livros didáticos. Os autores

desenvolver pesquisas em suas atividades de de livros didáticos costumam apresentar um


ensino de língua materna.


Manual do professor, em que esclarecem sobre


Um traço comum existia entre as três cate- as correntes teóricas em que fundam suas

gorias de alunos: como ensinar meus alunos a obras, mas nem sempre há uma correlação en-

pesquisarem? Foram montados seis grupos tre tais teorias e as atividades propostas no li-

temáticos (Adivinhas e ensino de língua; Quem


vro do aluno. Algumas vezes, parece haver uma


está falando no texto?; Era uma vez... As fábu- estratégia de marketing e não uma orientação

las e os contos de fada na sala de aula; As histó- teórico-metodológica. Listar referências biblio-

rias em quadrinhos na sala de aula; Entre a pa- gráficas atuais recheadas de autores de renome

lavra e a imagem: o filme na sala de aula e o


nacional e internacional, apresentar um texto


Dicionário no ensino de línguas) envolvendo didático resumindo as referências citadas ou



alunos das três categorias. Em cada grupo fo- carimbar a capa do livro com expressões como

ram desenvolvidas as seguintes etapas: revisão “Aprovado pelo PNLD” ou “De acordo com os

da bibliografia sobre os temas (momento que PCN” não asseguram a tal obra coerência entre

contou muito com a colaboração dos alunos- pressupostos teóricos e práticas metodológicas.

pesquisadores), análise de livros didáticos para Tais inquietudes revelam, parafraseando



verificar o tratamento dado por estes aos tópi- Neves (2000), a “encruzilhada diabólica” que se

cos selecionados, elaboração de um projeto de instaurou na construção dos manuais didáticos



pesquisa com vista ao desenvolvimento do produzidos na década de 1990. Os autores de



tema no Ensino Fundamental e Médio, monta- livros didáticos, por um lado, precisam atender

gem de um módulo didático que foi ministrado às exigências do PNLD e dos PCN, os quais, por

para alunos de Letras e Pedagogia e professo- seu turno, requerem a aplicação de programas


de ensino respaldados nas contribuições das



correntes lingüísticas mais recentes. (7) Cereja e Magalhães, v. 5, p. 34:



Para ilustrar tal encruzilhada, relatarei, bre-



vemente, uma pesquisa realizada por um gru- 1. O texto abaixo é parte da carta de uma lei-


po de professores e pesquisadores da Universi- tora que elogia a matéria publicada sobre gí-



dade Federal e Pernambuco e da Universidade rias numa revista. Leia o texto e, em seguida,



Federal da Paraíba (campus Campina Grande). reescreva-o, substituindo as gírias por pala-


Tomando por base 25 coleções destinadas ao vras e expressões da norma culta.



Ensino Fundamental, publicadas ou


É massa!


reformuladas entre 1996 e 1999, o grupo deci-


Dessa vez a Atrevida “arrepiou”. Foi “da hora”


diu investigar quais eram as tendências teóri-


a matéria NA PONTA DA LÍNGUA, com as gí-
cas e metodológicas para a abordagem dos se-


rias “maneiras” de todos os lugares É por isso


guintes temas:


que me “amarro” cada vez mais nesta revista:



descolada, divertida, diferente e “trilegal”.

Tema Por


1. Tratamento da oralidade Luiz Antônio Marcuschi Uma postura ainda pouco freqüente consis-

2. Seleção de textos Maria Auxiliadora Bezerra te na demonstração de “uma consciência siste-



3. Compreensão de textos Luiz Antônio Marcuschi mática das relações entre fala e escrita como

4. Abordagem do poema José Helder Pinheiro duas modalidades de uso da língua com fun-

5. Variedades lingüísticas Ângela Paiva Dionísio


ções igualmente importantes na sociedade,


6. Produção de textos Maria Augusta Reinaldo sendo ambas responsáveis pela formação cul-

7. Análise do discurso reportado Dóris Carneiro Cunha


tural de um povo” (Marcuschi, 2001: 27).


8. Pontuação e construção de sentido Márcia Rodrigues Mendonça


O exemplo 8 ilustra tal postura:


9. Tratamento de classe de palavras Luiz Francisco Dias


10. Avaliação no Manual do professor Elizabeth Marcuschi


(8) Soares, v. 3, p. 65

Delineadas as tendências, os especialistas



3. Descubra o significado de algumas palavras


apresentaram um conjunto de reflexões e suges-

que envelheceram, palavras que você, prova-


tões visando contribuir com as tentativas de mu-


velmente, não conhece, que quase não são


dança no ensino de língua. Os resultados dessas


mais usadas:
investigações estão compilados em O livro didá-

• Pergunte a pessoas mais velhas, ou procu-


tico de português: múltiplos olhares, publicado


re no dicionário, o significado destas pala-


pela Editora Lucerna, em abril deste ano. Tomarei vras: vitrola, patinete, caneta-tinteiro,

apenas os tópicos “língua falada” e “variedades lin- aeroplano, galocha, pó-de-arroz, cristaleira,

güísticas” para ilustrar essas tendências.


bibelô, ruge.

No tratamento dado à oralidade, constatou- • Compare suas “descobertas” com as de seus



se que os livros didáticos atuais não conside- colegas e discutam:



ram “de maneira tão incisiva a fala como o lu- Só as palavras deixaram de ser usadas ou

gar do erro. Há, no entanto, que suspeitar do as coisas que elas nomeiam também deixa-

mérito dessa postura, pois ela se deve muito ram de ser usadas? Ou essas coisas ainda

mais ao silêncio dessas obras sobre a fala do são usadas, apenas mudaram de nome?

que à avaliação da fala em suas condições de


uso” (Marcuschi, 2001: 24), pois o espaço des- Quanto à apresentação das variedades lin-

tinado à língua falada raramente supera 2% do güísticas (VL), basicamente, são duas as possi-

bilidades de encaminhamento metodológico: a)


total de páginas. Uma tendência dos livros di-


utilização de um texto sobre VL, acompanhado


dáticos é tratar a língua falada apenas como


uma questão lexical restrita ao uso de gírias e por perguntas de compreensão; e b) utilização

de expressões coloquiais, como no exemplo a de texto com VL, seguido por perguntas de com-

preensão, por atividades de identificação e


seguir.

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SIMPÓSIO 6
O livro didático e a formação de professores

reescritura de VL. Nem sempre, na abordagem gêneros textuais, quando da elaboração de ati-



do texto, respeita-se a relação entre VL e carac- vidades. Afirmar que “não houve comunicação



terísticas textuais. Tal fato decorre, a meu ver, entre os dois porque, embora falem a mesma



de análises equivocadas que resultam em erros língua, pertencem a grupos sociais diferentes”


conceituais e em inadequações metodológicas, e que “E aí governador, firme?” é linguagem



como se verifica, infelizmente, no exemplo 9. culta compromete, seriamente, a formação do



professor e do aluno.


Fazendo um contraponto, apresento, a se- 87


(9) Azevedo, v. 5, p. 34-35:


guir, um exercício em que se encontram atrela-



1. Leia a piada abaixo e responda às pergun- dos respeito ao gênero textual, fidelidade à lin-


tas:


guagem dos personagens e atividades de refle-


Aquele homem humilde, simples, sotaque cai- xão sobre o uso da VL. A partir da letra da músi-



pira, foi eleito governador. Um dia, um desses ca Saudosa Maloca, de Adoniran Barbosa, o li-


políticos de palácio chega bem perto e surpre-


vro didático propõe o seguinte:


ende o governador vendo televisão. Faz sua



média:
(10) Carvalho et. al., v. 3, p. 71:


– E aí governador, firme?
– Firme, não. Novela! ○

1. Uma das primeiras coisas que chamam a


nossa atenção na letra dessa música é ela es-


a. Qual o código usado entre o político e o go-


tar escrita em uma linguagem que não é da


vernador?

norma culta, ou seja, essa que costuma apa-


Resposta do Manual do professor: A língua fa-

recer nos livros. Escreva o que você observa


lada.

de diferente nela.

b. Houve comunicação entre eles? Por quê?


2. Experimente ver como ficaria a letra se fos-


Resposta do Manual do professor: Não houve

se escrita na norma culta, reescrevendo a se-


comunicação entre os dois porque, embo-


gunda estrofe nessa linguagem.


ra falem a mesma língua, pertencem a gru-


3. Adoniran poderia ter escrito dessa forma

pos sociais diferentes.


como você escreveu, não poderia? No entan-


c. Classifique a linguagem dos dois falantes.


to, não o fez. Por que será?


Resposta do Manual do professor: O político

4. Vamos comparar as duas formas de grafar


usa a linguagem culta, e o governador, a po-


as palavras:

pular.


Há, é lógico, o uso de VL nessa piada, tema senhor – senhô contar – contá gritar – gritá

apreciar – apreciá ligar - ligá cobertor - cobertô


tratado na unidade do livro didático em que se



encontra tal exercício, mas não se pode descar-


tar o gênero textual no processo de análise. As


Explique por que, ao escrever em linguagem


piadas, como já afirmou Possenti (1998), são


popular, as palavras que não tinham acento na


textos que envolvem temas socialmente contro- norma culta passam a ter.

versos e que operam com estereótipos. Uma


análise dessa piada exige que o leitor/ouvinte


Diferentemente do que ocorre no exemplo


identifique dois sentidos para o termo “firme”: 9, neste caso o Manual do professor (p. XXXV )

cumprimento informal e variante popular de esclarece os objetivos das atividades de manei-



“filme”. E é justamente essa confusão de senti- ra coerente, informando que o uso da letra da

do que causa o humor. Não quero negar com música de Adoniran Barbosa abre “espaço para

isso a caracterização do governador como cai- a discussão sobre questões atuais no país e di-

pira nem negar o preconceito existente, pois ferentes normas da língua”. Alerta ainda que

seria negar a piada em si. Quero apenas cha-


“trabalhar com a norma culta e popular e não


mar a atenção para a necessidade de atrelar com o certo e o errado é fundamental, para não

adequadamente os domínios de linguagem aos trair, entre outras coisas, o espírito da música”.


Dizem, ainda, as autoras sobre o fato de que a


LAJOLO, Marisa. Livro didático: um (quase) manual de usu-


música está escrita na norma não-padrão: ário. Em Aberto, n. 69, p. 2-9, 1996.



MARCUSCHI, Luiz A. O papel da Lingüística no ensino de
“Acreditamos que muitos aspectos possam ser


línguas. Anais do I Encontro de Estudos Lingüístico-


observados pelas crianças: está escrita como se
Culturais da UFPE, 2000.


fala; não aparecem o “r” e o “l” final de muitas


. Oralidade e ensino de língua: uma questão


palavras; algumas palavras são escritas diferen- pouco ‘falada’. In: DIONÍSIO, Ângela P.; BEZERRA,



temente de como costumam aparecer nos li- Maria A. (Orgs.). O livro didático de português: múlti-


vros, como tauba em vez de tábua; [...].” Traz, plos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001, p. 19-32.



portanto, este Manual do professor algumas in- MARCUSCHI, Elizabeth. Os destinos da avaliação no ma-


nual do professor. In: DIONÍSIO, Ângela P.; BEZERRA,


formações que contribuem para a formação do


Maria A. (Orgs.). O livro didático de português: múlti-


professor. Recorro, nesse momento, às palavras plos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001, p. 139-50.


de Lajolo (1996: 5) sobre o Manual do profes-


POSSENTI, Sirio. Os humores da língua. São Paulo: Mer-


sor: “Precisa ser mais do que um exemplar que cado de Letras, 1998.



se distingue dos outros por conter a resolução REINALDO, Maria Augusta. Teoria e prática na formação

○ do professor. Anais do II Congresso Internacional da
dos exercícios propostos”, já que o professor é ○

Abralin. Fortaleza: UFC, 2001.


“uma espécie de leitor privilegiado da obra di-

NEVES, Maria H. M. Examinando os caminhos da discipli-


dática, já que é a partir dele que o livro didático


na Lingüística nos cursos de Letras: por onde se per-


chega às mãos dos alunos”. dem suas lições na formação dos professores. Anais

Enfim, de acordo com a análise realizada da 18 Jornada de Estudos Lingüísticos do Nordeste.


pelo grupo anteriormente mencionado, cons-


Salvador: UFBA, 2000.


tatou-se que, mesmo com avanços relativos à SOARES, Magda. Que professores de português queremos

presença de teorias mais recentes de língua, os formar? Revista Movimento , n. 3, p. 149-55, 2001.

SOARES, Magda. O livro didático como fonte para a histó-


conceitos, na maioria das vezes, ainda são vis-

ria da leitura e da formação do professor-leitor. In: MA-


tos sob um olhar prescritivista. É preciso, pois,

RINHO, M. (Org.). Ler e navegar: espaços e percursos


que os livros didáticos saibam enfrentar, como


da leitura. Campinas: Mercado de Letras/ALB, 2001, p.


ressalta Rangel (2001: 13), “os novos objetos di- 31-76.


dáticos do ensino de língua materna: o discur-



so, os padrões de letramento, a língua oral, a



textualidade, as diferentes ‘gramáticas’ de uma Obras didáticas mencionadas



mesma língua etc.” Na parceria livro didático–


AZEVEDO, Dirce. Palavras e criação: Língua Portuguesa.


professor, parece-me que ambos ainda estão

São Paulo: FTD, 1996. v. 5-8.


acertando o passo na travessia entre as teorias


CARVALHO, Carmen S. et al. Construindo a escrita. São


lingüísticas e o ensino de língua materna. Paulo: Ática, 1998. v. 1-4.



CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português : linguagens.


São Paulo: Atual, 1998. v. 5-8.


Bibliografia

. Português: linguagens. São Paulo: Atual,


1999. v. 3.

DIONÍSIO, Ângela P.; BEZERRA, Maria A. (Orgs.). O livro


didático de português: múltiplos olhares. Rio de Janei- MIRANDA, Cláudia et al. Vivência e construção: Língua

Portuguesa. São Paulo: Ática, 2000. v. 3.


ro: Lucerna, 2001.


GÉRARD, François-Marie; ROEGIERS, X. Conceber e ava- SOARES, Magda. Por tuguês: uma proposta para o

letramento. São Paulo: Moderna, 1999. v. 1-4.


liar manuais escolares. Porto: Porto Editora, 1998.

















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SIMPÓSIO 6
O livro didático e a formação de professores

Livro didático e formação




do professor são incompatíveis?






Kazumi Munakata



Pontifícia Universidade Católica de São Paulo



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Aos companheiros professores e funcionários das Universidades



Federais que, no momento em que este trabalho foi apresentado no


Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação, encontravam-se em



greve pela dignidade no exercício de suas atividades profissionais e,


conseqüentemente, pela qualidade na educação.








“Costumo esclarecer que à perda crescen-

A ditadura, ao mesmo tempo que introdu-

te da dignidade do professor brasileiro con- ○

zia a “pedagogia tecnicista”, impôs, mediante
trapõe-se o lucro indiscutível e estrondoso compressão salarial, “o solapamento contínuo

das editoras de livros didáticos” – o esclare- e crescente da dignidade profissional dos pro-

cimento é do professor Ezequiel Theodoro da


fessores”, transformando-os em “dadeiros de


Silva (1998: 58), num artigo originariamente aulas, sem muito tempo para atualizar-se e, por

publicado na revista Em Aberto (n. 69), de isso mesmo, lançando mão dos livros e manu-

1996, data em que ele era titular da Secreta- ais que lhes chegavam prontamente” (idem: 45)

ria da Educação da Prefeitura Municipal de – o que teria contribuído para a elevação dos

Campinas (São Paulo), na gestão do prefeito lucros das editoras. Para esses professores as-

Magalhães Teixeira, do PSDB. O fato de ele ter sim desqualificados, “coxos por formação e/ou

sido, então, diretamente responsável pela mutilados pelo ingrato dia-a-dia do magistério”

dignidade da parcela campineira do profes- (idem: 57), o livro didático tornou-se “bengala,

sorado brasileiro parece não importar muito muleta, lente para miopia ou escora que não

quando se trata de prosseguir sua obstinada deixa a casa cair” (p. 43). Silva (1998) remata:

cruzada contra o livro didático – tema que


“Não é à toa que a imagem estilizada do pro-


ocupa considerável espaço da sua produção fessor apresenta-o com um livro nas mãos, dan-

acadêmica. do a entender que o ensino, o livro e o conheci-



Para ele, o livro didático associa-se direta- mento são elementos inseparáveis” (idem: 58).

mente com o período militar e seu projeto edu-


O que o secretário Silva quis exatamente


cacional: dizer? Que educação e livros são incompatíveis?



Que o professor que se deixa flagrar carregan-



Ainda que as cartilhas, os manuais de ensino do livro é um desqualificado, “coxo por forma-

e as coletâneas de textos tivessem presença


ção”? Talvez ao secretário Silva repugne ler li-


na escola brasileira desde o início do século vros ou ele considere indigno da sua sabedoria

19, é na segunda metade da década de 1960, recorrer a livros para adquirir novos conheci-

depois da Revolução de 1964 e com a assina-


mentos ou para preparar aulas – não cabe aqui


tura do acordo MEC-Usaid, em 1966, que os


discutir idiossincrasias pessoais. O que não é


livros didáticos vão ganhando o estatuto de


muito elegante para um intelectual como ele é

imprescindíveis e, por isso mesmo, vão sen-


desconsiderar toda a história do ensino esco-


do editados maciçamente, a fim de respon-


der a uma demanda altamente previsível, a


lar, recortando-lhe apenas a fatia que seja do

um mercado rendoso, lucrativo e certo (Sil- seu interesse (o período da ditadura militar no

Brasil e suas seqüelas), a fim de favorecer a sua


va, 1998: 44).



tese de que o livro didático e a formação do pro- comportamentos etc.) efetivava-se pela ob-



fessor são antípodas.1 servação do fazer e pelo treino do próprio



Segundo Guy Vincent, Bernard Lahire e fazer, em seus respectivos ambientes (o


aprendizado de um ofício artesanal fazia-se


Daniel Thin (1994), a instituição que hoje co-


nhecemos como “escola” apareceu na Europa numa oficina; o de um cavaleiro, na casa de


um nobre etc.). Na escola, ao contrário, en-


no decorrer dos séculos 16 e 17. Eles advertem


sina-se a todos um conjunto de saberes e


que o fato de certas palavras do vocabulário


valores independentemente da especializa-
educacional terem existido desde a Antiguida-


ção a que cada aluno se destina ou almeja,


de não significa que elas indicassem sempre as


e esse conteúdo genérico a ser ministrado,


mesmas coisas. A “escola”, por exemplo: essa


sem referência a nenhum ofício em parti-


palavra deriva do grego skholê, que significava cular, inviabiliza o aprendizado centrado no


“lazer”, “entretenimento”, num sentido muito


fazer.


próximo ao do latim otium, que daria origem à


• “Escrituralização-codificação dos saberes e

palavra portuguesa “ócio”. Esses termos indica-


das práticas” (Vincent et al., 1994: 31). Exa-
vam a condição privilegiada dos “homens li-
tamente na medida em que o fazer e o ensi-

vres”, isto é, aqueles que não dependiam do tra-


nar se separam, os conteúdos a ser minis-


balho para sobreviver e que, por isso, podiam-


trados passam a ser codificados num siste-


se dar ao luxo de dedicar-se ao cultivo das ar- ma de registro que é a escrita. “Uma peda-

tes, da leitura, do pensamento. gogia do desenho, da música, da atividade


A escola que se idealizou e foi se constituin- física, da atividade militar, da dança etc. não

do nos séculos 16-17 opôs-se de certo modo a se faz sem uma escrita do desenho, uma es-

esse elitismo dos “bem-nascidos”. Numa época crita musical, uma escrita esportiva, uma

marcada pelos movimentos de Reforma e de escrita militar, uma escrita da dança. Escri-

Contra-Reforma, o protestante Comenius (1592- tas que implicam quase sempre gramáticas,

1670) imaginou uma “arte de ensinar tudo a to- teorias das práticas. O modo de socializa-

ção escolar é, pois, indissociável da nature-


dos”, como diz o subtítulo da sua principal obra,


Didática magna, propondo a escolarização in- za escritural dos saberes a transmitir”



distinta de ricos, pobres, meninos e meninas. No (Vincent et al., loc. cit.).



lado católico, os Irmãos das Escolas Cristãs, de Por isso mesmo, a escola é antes de tudo

Jean-Baptiste de la Salle (1651-1719), criaram uma instituição de ensino do ler e do escrever.


uma escola gratuita para todos, cujo ensino re- Afirmam Vincent et al. (1994: 36):

queria freqüência prolongada de vários anos.


O objetivo da escola é aprender a falar e a escre-


Algumas características dessa escola que a tor-


ver segundo regras gramaticais, ortográficas,


naram uma instituição nova, inédita, com uma


estilísticas etc. [...]: a escola é o lugar de apren-

forma própria – a forma escolar – são:


dizagem da língua. [...] A forma escolar de rela-


• “A escola como lugar específico, separado


ções sociais é a forma social constitutiva do que


de outras práticas sociais” (Vincent et al., se pode denominar uma relação escritural-esco-

1994: 30). Isso significa que a escola produz


lar com a língua e com o mundo.


e organiza práticas peculiares, com regras



próprias, num âmbito que não se confunde Num lugar assim instituído, o livro neces-

com a família, com a profissão ou com a re-


sariamente se faz presente, não como um aces-


ligião. sório a mais, mas como um dispositivo funda-



• A separação entre o fazer e o ensinar. Até mental. Em Ratio studiorum, uma espécie de

então, o aprendizado (de saberes, valores, manual de ensino dos colégios jesuítas, redigi-





1
O seu recorte histórico, que só conhece o período da ditadura militar, obscurece, por isso, o fato notório de que o grande boom dos livros

didáticos (e, portanto, da lucratividade das editoras) aconteceu com a redemocratização, com a instituição, em 1985, do Programa Nacional

do Livro Didático (PNLD), por meio do qual o governo federal chegou a adquirir, em 1999, quase 110 milhões de exemplares.

90
SIMPÓSIO 6
O livro didático e a formação de professores

do entre 1548 e 1599, grande parte foi dedicada tou a passagem do termo “text book para text-



aos livros a ser adotados. Mais do que isso, ha- book, depois textbook, evolução que reflete [...] a



via uma série de recomendações sobre o modo emergência de uma categoria e de um produto



como eles seriam lidos, com a indicação de tre- específicos” (Stray, 1993: 74, nota 2). Na França,


chos que deveriam ser omitidos por conter in- de acordo com Chervel e Compère (1997), vários



conveniências (principalmente em relação à autores, hoje tornados “clássicos”, dedicaram-se



doutrina cristã). Também Comenius, em Didá- a produzir obras especialmente destinadas a fins


tica magna, discutiu os prejuízos causados pela didáticos: Ester e Atália, de Racine, ou Aventuras 91



leitura de livros pagãos e recomendou que se de Télémaque, de Fénelon, e Discurso sobre a his-



produzissem livros especialmente adequados tória universal, de Bossuet, são exemplos.



ao ensino. Por sinal, ele mesmo foi o autor de Essas considerações, longe de pretenderem


um livro que julgou adequado aos propósitos esgotar uma possível história do livro didático,



didáticos: a obra intitulada Orbis sensualium servem apenas para indicar que este faz parte



pictus (O mundo sensível em imagens), de 1658. da vida escolar desde que a escola é escola. Nes-



Segundo Narodowski, esse livro, em que cada se sentido, ao contrário do que imagina o se-


capítulo refere-se a um assunto a ser ensinado cretário Silva, de fato “o ensino, o livro e o co-



e contém ilustração correspondente, nhecimento são elementos inseparáveis” na for-

ma escolar, e o professor carregando livro não



[...] é a matriz mediante a qual se reproduzirão é imagem estereotipada da sua deficiência a ser

os livros de textos didáticos que deverão formar compensada com muleta, mas a afirmação da

as crianças da sociedade ocidental moderna sua distinção profissional!


durante trezentos e cinqüenta anos.


Certamente, o livro didático sofreu altera-


Do ponto de vista de seu conteúdo, o livro di- ções na sua forma e no modo de sua produção

dático expressa as temáticas estipuladas para o


e edição, além de ter acompanhado as mudan-

ensino em cada nível da escolaridade. Isto sig-


ças na maneira como os conteúdos do ensino


nifica que o livro didático é uma mensagem


eram organizados. Por exemplo, a passagem dos


construída ad hoc, pelo que tanto sua elabora-


livros de texto, com trechos de obras para lei-

ção como sua posterior utilização somente são


tura abrangendo conteúdos os mais variados,


compreensíveis no contexto do processo geral


para livros especializados por disciplina expres-


de escolarização. Em outros termos, o livro de


texto didático não possui um valor literário ou sa a constituição, a partir do final do século 19,

das disciplinas escolares (Chervel, 1990). O li-


científico autônomo: já desde o século 17 e a


vro didático também foi um importante supor-


partir da empresa comeniana o texto se legiti-


ma na medida em que contribui eficientemente te da organização das práticas escolares. Quan-



para o processo de produção de conhecimentos do ele não existia, cada aluno devia trazer de

escolares. Mais ainda, o texto possui um estilo sua casa algo escrito – manuscrito ou impresso

literário e uma retórica singular [...]. O livro de – que pudesse servir de material de ensino, e

texto didático constrói uma estética que lhe é este era necessariamente individualizado. A

própria (Narodowski, 2001: 83-84.).


adoção, entre outros materiais, do livro didáti-


co único para uma turma inteira possibilitaria



Nos Estados Unidos, como mostra Stray, a o ensino simultâneo, pelo qual muitos passa-

constituição e o desenvolvimento desse gênero ram a estudar uma mesma matéria ao mesmo

de livro podem ser constatados pela consolida-


tempo (Hébrard, 2000).


ção da própria terminologia que o designa: con- Como suporte da organização das práticas

sultando o catálogo da Biblioteca de Nova York escolares, o livro didático destina-se tanto ao

referente ao período de 1880 a 1920, ele consta- aluno como ao professor. 2 Os usos que um e




2
Segundo Gérard e Roegiers (1998), no Vietnã, os livros didáticos “são especialmente concebidos para os pais a fim de os ajudarem a

assegurar as aprendizagens escolares dos filhos” (p. 30). Pode-se também suspeitar que, no Brasil, desde que o Programa Nacional do Livro

Didático (PNLD) passou, a partir de 1995/1996, a avaliar os livros didáticos, os avaliadores tornaram-se os destinatários prioritários.

outro fazem do livro didático são diversos, múl- colha, pelos professores, dos livros recomenda-



tiplos: nem sempre se lêem esses livros porque dos pela avaliação do PNLD:



se desconhece o seu conteúdo. Dito de modo



mais claro: se um professor usa um livro didá- Tendo em vista o PNLD/97, cerca de 72% das


tico, isso não significa necessariamente que ele escolhas docentes recaíram sobre os livros não-



seja malformado, ignorante, como fazem supor recomendados e apenas cerca de 28% sobre os



as metáforas de “muleta”, “escora” etc. Não há recomendados. No PNLD/98, embora a soma


apenas uma maneira de ler um livro – ainda dos livros recomendados (com distinção,



mais em se tratando de livros didáticos, para o 21,88%; com ressalvas, 22,15%; ou simplesmen-


te recomendados, 14,64%) tenha constituído o


que é mais conveniente falar em “uso” do que


grupo mais escolhido pelos docentes, a catego-


em “leitura” (Lajolo, 1996). Esses livros são car-


ria que, isoladamente, mostrou-se a mais repre-
regados de um lado para outro; são rabiscados


sentada continuou a ser a dos não-recomenda-


(embora o governo não goste disso...); raramen-


dos (41,33%). No PNLD/99, por fim, as escolhas


te são lidos de ponta a ponta ou na seqüência

dos docentes, com a eliminação da categoria dos

em que seus conteúdos estão ordenados.
não-recomendados, recaíram, predominante-

O estudo sistemático sobre os usos dos li-


mente, sobre a dos recomendados com ressal-


vros didáticos está ainda por ser realizado, mas


vas (46,74%), a dos recomendados com distin-


algumas informações ainda díspares são surpre- ção representando apenas 8,40% das escolhas

endentes. Esse é o caso da pesquisa realizada (MEC, 2001: 33.).


por Araujo (2001) sobre os usos de livro didáti-



co de História em algumas escolas estaduais de O que ressalta nesses dados é, mais do que

Ensino Fundamental na cidade de São Paulo. um “descompasso”, uma inversão completa en-

Nesse trabalho, um professor conta que ele uti-


tre os critérios da escolha dos professores e os


liza livro didático apenas como fonte de ilus- da avaliação do PNLD. O que isso significa? A

trações. Outro relata que o emprega para fazer incompetência dos professores, incapazes de

exercícios de leitura – habilidade que, segundo optar pelo melhor? O documento do MEC

diz, seus alunos ainda não dominam bem. Um


(2001), embora cauteloso, insinua que sim:


terceiro esclarece que mescla trechos de vários



livros ao mesmo tempo. Assim, uma visão de conjunto da escolha do li-



Esses exemplos revelam não a suposta defi- vro didático assim como alguns dados relativos

ciência do professor que requer, por isso, mule-


ao seu uso em sala de aula apontam claramente


tas; ao contrário, mostram a extrema criatividade para a formação docente como um dos fatores

no manuseio desse material, por cuja escolha relevantes para a compreensão do referido

esses professores nem sempre foram responsá- descompasso (MEC, 2001: 33.).

veis.3 No limite, não é impossível que a partir de



um livro considerado ruim o professor consiga O documento prossegue apresentando os



desenvolver uma excelente aula. Essas questões, indicadores que apontam para a precariedade

no entanto, raramente são levadas em conta na da formação dos professores.


avaliação dos livros didáticos. Sintomático nes- Embora essa hipótese não possa ser descar-

se sentido é o “descompasso entre as expectati- tada, o que surpreende é a ausência gritante da



vas do PNLD e as dos docentes”, reconhecido por possibilidade de equívocos nas avaliações rea-

um documento do próprio Ministério da Edu- lizadas pelo PNLD. Não é possível que os pró-

cação (MEC, 2001), isto é, o baixo índice de es- prios avaliadores tenham uma formação inade-





3
Araújo (2001) descreve uma situação muito comum em que, em razão da intensa rotatividade dos docentes em relação às unidades de

ensino, os professores têm de adotar livros que não escolheram. Além disso, essa pesquisa constatou que nem sempre há livros suficientes

para todos os alunos, o que faz com que os professores retenham os exemplares na escola, distribuindo-os e recolhendo-os a cada aula.

Convém esclarecer que a escolha e a distribuição dos livros didáticos no Estado de São Paulo são realizadas de modo autônomo, cabendo

ao PNLD apenas repassar a verba correspondente.


92
SIMPÓSIO 6
O livro didático e a formação de professores

quada? Como o avaliador é avaliado? Como é ao ensino dos conteúdos de uma disciplina, mas



recrutado? A esse respeito, o Guia de livros di- é também ocasião de desenvolvimento de cer-



dáticos, em várias edições, é extremamente tas habilidades – por exemplo, de leitura. Antes



lacônico. Na edição referente ao PNLD 2000/ mesmo de os Parâmetros Curriculares Nacionais


2001 afirma-se que os avaliadores são preconizarem atitudes, transversalidades e toda



a sua parafernália neotecnicista, os professores



[...] especialistas que atuam tanto no Ensino já desenvolviam essas práticas, sem o que mi-


nistrar sua própria disciplina específica ficava 93


Fundamental como na universidade e é basea-


da não só na experiência docente e no conheci- muitas vezes inviabilizado.



mento especializado das equipes, mas, princi- Não que a formação esteja às mil maravilhas;



palmente, naquele conjunto de princípios e cri- ao contrário: é com muita apreensão que se as-


siste hoje ao incentivo à proliferação desenfrea-


térios já referidos (Introdução Geral).


da de cursos improvisados de formação docente,



Na edição do Guia do PNLD/2002, não há muitos de curta duração, apenas para fazer cum-



menção à figura do avaliador, mas há um escla- prir estatisticamente o preceito da nova Lei de


recimento de que “o Ministério adotou uma Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que exi-



nova sistemática para o processo de avaliação”, ge formação superior de todos os docentes em

buscando, “por meio de parcerias com univer- todos os níveis de ensino. Não é assim que os pro-

sidades públicas, impulsionar o interesse da


fessores terão oportunidade de discutir as possi-


pesquisa universitária sobre o tema, bem como bilidades de uso – e, portanto, de escolha – dos

incentivar a transferência do conhecimento e livros didáticos. No máximo haverá tentativas de



experiência acumulados” (p. 11). Que pesqui- doutrinação dos professores, pelas quais se pro-

sas são essas e como isso se manifesta na esco- curará “ensinar” como eles não sabem escolher

lha dos avaliadores não é dado a conhecer. livros e que por isso devem seguir as orientações

Em todo caso, é possível aqui reiterar que dos avaliadores do PNLD. Nesse sentido, o referi-

não há no momento, com toda a certeza, ne- do documento do MEC (2001: 36) recomenda

nhuma pesquisa em andamento que examine “programas de capacitação para a escolha e o uso

sistematicamente os usos efetivos dos livros do livro didático, destinados aos docentes e téc-

didáticos pelos professores. Isso significa que nicos dos sistemas educacionais”, subentenden-

na melhor das hipóteses os avaliadores conti- do-se que docentes e técnicos são “incapazes”.

nuam examinando os livros com base apenas Sugerem-se também “alterações no Guia de livros

na sua experiência e intuição – o que geralmen- didáticos, descrevendo-se mais adequadamente



te é denominado “achômetro”. É também pos- as obras que dele constam e utilizando-se uma

sível que alguns avaliadores simplesmente não linguagem mais adequada ao professor e a suas

levem em conta o caráter escolar e didático des- expectativas” (p. 36), pois, os professores, supõe-

ses livros, lendo-os como se fossem obras cien- se, são incompetentes para entender a linguagem

tíficas, que devem conter os resultados das mais tão elevada dos avaliadores.

recentes pesquisas de ponta na respectiva área. Enquanto o “descompasso entre as expectati-


Do lado da formação dos professores, é pre- vas do PNLD e as dos docentes” for entendido

ciso fazer distinção entre formação inadequada como descompasso de mão única, isto é, como

e atitudes por vezes inesperadas que eles tomam incapacidade do professor em relação à sapiência

perante necessidades do dia-a-dia. Podemos não do PNLD, não haverá propostas de formação do-

concordar com o uso de um livro didático como cente que consigam levar em conta as poten-

suporte de exercícios de leitura, mas isso não sig- cialidades, a criatividade e a autonomia dos pro-

nifica que esse professor tenha tido necessaria- fessores. Estes continuarão, como sempre, sendo

mente uma formação inadequada. Não se pode vistos como um “mal necessário”, “coxos por for-

esquecer de que a aula no Ensino Fundamental mação”, eternamente deficientes a requerer mule-

(e freqüentemente até mesmo no Ensino Supe- tas, ao mesmo tempo que constituem item indis-

rior e na Pós-Graduação) não se presta somente pensável para ornar estatísticas eleitoreiras.

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O livro didático e a memória




das práticas escolares






Márcia de Paula Gregório Razzini



Universidade Estadual de Campinas /SP






A contextualização das práticas escolares tárias, ganhando cada vez mais status de obje-

em segmentos de tempo diferentes do nosso, to de estudo e ocupando papel de destaque na



além de nos lembrar o fato, às vezes incômo- recente história das disciplinas escolares. Hoje,

do, de que nossas práticas escolares também o estudo e a constituição da história do livro

estão condicionadas à nossa época, pode for- didático, assim como a preservação de acervos,

necer uma visão crítica e reflexiva sobre práti- tem reunido pesquisadores em torno de núcle-

cas atuais.

os institucionais, sobretudo nas Faculdades de


Nesse sentido, o livro didático torna-se ma- Educação, de Letras e de Comunicação, sendo

terial de pesquisa privilegiado, quer seja como que alguns grupos de universidades diferentes

fonte documental na definição de práticas do desenvolvem projetos em parceria.


passado, quer seja como representação de tais


A memória da escola e do livro didático tem


práticas. merecido também a atenção de Secretarias de



Nos últimos vinte anos, influenciado pela Estado da Educação, como atestam a inaugu-

sociologia e pela história da leitura, o livro di- ração do Museu da Escola de Minas Gerais, em

dático tem sido objeto de várias teses universi-


1994, que funciona junto do Centro de Refe-


94
SIMPÓSIO 6
O livro didático e a formação de professores

diz sobre a cidade de Maurília em As cidades


rência do Professor, em Belo Horizonte, e a ex-


posição histórica, da qual participo como con- invisíveis, convido-os a visitar essa escola do



sultora, intitulada “A escola e o saber: trajetória passado como quem “observa uns velhos car-



de uma relação”, que procura mostrar momen- tões-postais ilustrados que mostram como esta


tos marcantes do ensino público em São Paulo havia sido” ou, ainda, a se perguntar como es-



por meio de fotos, móveis, objetos e livros di- colas tão diferentes habitaram o mesmo lugar



dáticos, inaugurada no final de outubro de 2001, (Calvino, 1990: 30).


De fato, impulsionada pela economia 95


juntamente com o Centro de Referência do Pro-


fessor Paulista. Interessante notar que ambas as cafeeira e pelos ideais republicanos, a expan-



iniciativas ocorrem em espaços destinados à são da escola pública primária no Estado de



formação continuada do professor, voltados São Paulo, traduzida na invenção dos grupos


portanto para o presente e para o futuro, mas escolares, marcaria as três primeiras décadas



que vêem o passado como um ângulo privile- da República, fazendo surgir na paisagem ur-



giado de pesquisa e de formação. bana “templos de saber” (Souza, 1998), cujas



Para afinar a discussão, escolhi dois mo- imagens seriam difundidas em cartões-pos-


mentos constitutivos da escola pública: a orga- tais.



nização do ensino primário em São Paulo, logo A tabela a seguir, além de fornecer dados

após a Proclamação da República, e a centrali- sobre o desenvolvimento dos grupos escolares



zação do ensino secundário a partir do Colégio em São Paulo, mostra a grande ampliação de

Pedro II, no Rio de Janeiro. E, como Ítalo Calvino matrículas:







Estado de São Paulo – Resumo estatístico dos Grupos Escolares de 1898 a 1910



Anos Nº de Grupos Alunos matriculados




Capital Interior Total Sexo masculino Sexo feminino Total




1898 8 30 38 6.134 5.319 11.453




1899 8 27* 35 6.647 5.908 12.555



1900* 10 35 45 8.526 6.754 15.280




1901 10 39 49 9.468 7.372 16.840



1902 10 41 51 9.898 9.454 19.352




1903 11 47 58 11.654 10.019 21.673



1904 11 51 62 10.589 10.100 20.689




1905 13 55 68 11.696 11.083 22.779



1906 15 57 72 12.565 11.971 24.536




1907 16 60 76 13.278 12.220 25.498



1908 18 63 81 15.666 14.794 30.460




1909 24 68 92 21.229 20.046 41.275




1910 25 77 102 27.244 26.201 53.445



* Foram dissolvidos os Grupos Escolares de São José dos Campos, Bananal e Ubatuba [Nota de rodapé original do Anuário , que acompanha esta tabela]

Fonte: Anuário do Ensino do Estado de São Paulo 1910/1911.



Segundo Rosa Fátima de Souza, a nova es- simultaneamente” (Faria Filho, 2000: 142) e,



cola pública como conseqüência, a progressão seriada dos



conteúdos.



[...] é uma escola para a difusão dos valores re- Quanto ao processo de aprendizagem, pro-


publicanos e comprometida com a construção cura-se difundir com entusiasmo o “método in-



e a consolidação do novo regime; é a escola da tuitivo”, ancorado nas idéias de Pestalozzi e as-



República para a República. [...] era preciso fun- sim chamado porque dava muita importância


dar uma escola identificada com os avanços do à intuição, à



século, uma escola renovada nos métodos, nos [...] observação das coisas, dos objetos, da na-



processos de ensino, nos programas, na organi- tureza, dos fenômenos e para a necessidade da


zação didático-pedagógica; enfim, uma escola educação dos sentidos como momentos funda-



moderna em substituição à arcaica e precária mentais do processo de instrução escolar.



escola de primeiras letras existente no Império Essa etapa da observação minuciosa e orga-


[...] (Souza, 1998: 29). nizada é condição para a progressiva passagem,




pelos alunos, de um conhecimento sensível
Para coordenar as mudanças, em 1894, foi para uma elaboração mental superior, reflexi-

va, dos conhecimentos. Tal etapa inicia-se pe-


inaugurado na capital o novo e suntuoso pré-


dio da Escola Normal Caetano de Campos, na las “lições de coisas”, momento em que o pro-

fessor deve criar as condições para que os alu-


então retirada e recente Praça da República,

nos possam ver, sentir, observar os objetos.


topônimo perfeito para abrigar uma instituição-


Podia-se realizar tal procedimento utilizando-


modelo encarregada de irradiar o projeto edu-


se dos objetos escolares ou dos objetos levados

cacional dos republicanos e suas inovações di-


para a escola (caneta, carteira, mesa, pedras,


dáticas. Além de cuidar da formação dos futu-


madeira, tecidos...), ou realizando visitas e ex-


ros professores primários, a Escola Normal cursões à circunvizinhança da escola, ou, ain-

mantinha uma escola primária anexa, chama- da, possibilitando aos alunos o acesso a gravu-

da de Escola-Modelo, onde os normalistas dos


ras diversas, que tanto poderiam estar nos pró-


últimos anos faziam estágio, e um Jardim da prios livros, de “lições de coisas” ou de outros

Infância, primeira escola pública infantil, inau- conteúdos, ou em cartazes especialmente pro-

gurada em 1896. duzidos para o trabalho com o método (Faria


Interessante salientar que somente após Filho, 2000: 143).



exatos cem anos da fundação da primeira es-



cola pública infantil é que a Educação Infantil A expansão da escola pública no Estado de

foi incluída como primeira etapa da Educação São Paulo procurava, portanto, articular o pro-

Básica, na Lei de Diretrizes e Bases da Educa- grama ideológico da República com as inova-

ção Nacional (Lei nº 9.394) de 1996. ções pedagógicas em voga na Europa, dando à

A centralização do ensino primário a partir escola primária uma finalidade cívica e moral,

da Escola Normal Caetano de Campos colocou reorganizando o espaço e o tempo escolar e di-

em relevo um grupo de normalistas que lá se fundindo um novo método de ensino-aprendi-



formaram e que depois vieram a exercer cargos zagem.



públicos da administração escolar. Muitos de- Tal ponto de inflexão da escola primária

les se tornariam também autores didáticos de exigia não só móveis específicos, mas também

sucesso, como foi o caso de Arnaldo Barreto e o uso de novos materiais didático-pedagógi-

de Mariano de Oliveira. cos, como cadernos, livros e impressos icono-


gráficos (mapas e cartazes). Se no início da


Os novos espaços escolares, cuja simetria


dos edifícios aponta a separação entre a seção República os móveis e alguns suportes de en-

feminina e a seção masculina, generalizaram sino eram importados da Europa e dos Esta-

a aceitação do método simultâneo como for- dos Unidos, os livros tinham de ser traduzidos

e adaptados para nossa realidade. A conse-


ma de organização do tempo escolar, permi-


tindo “a ação do professor sobre vários alunos qüência imediata dessa expansão foi o desen-

96
SIMPÓSIO 6
O livro didático e a formação de professores

volvimento do mercado editorial e a profissio- Ofélia já está no grupo escolar.



nalização do escritor didático. 2. Ela já sabe ler, escrever e contar.



Prosperaram bastante nesse período edito- 3. Hoje ela teve uma lição de geografia.


4. Sabem vocês como foi a lição?


ras já tradicionais no segmento dos livros didá-


ticos, como a Livraria Francisco Alves, fundada 5. Primeiro, a professora lhe mostrou o globo



geográfico.
em 1854 no Rio de Janeiro, cuja filial em São


6. Mostrou-lhe no globo os mares e os continen-


Paulo foi aberta em 1893. Se até 1889 a Livraria


tes. 97
Francisco Alves havia publicado apenas 67 tí-


7. Depois mostrou no globo a América do Sul e o


tulos (sendo 59 de ensino), nas três décadas se-


Brasil.


guintes ela acompanhou a expansão escolar,


8. Ofélia está agora com um globinho na mão.


publicando 538 títulos, 295 dos quais eram di- 9. Ela mostra ao Hipólito onde fica o Brasil.


dáticos.


10. Hipólito ficou muito alegre e lhe disse:


Outras empresas, como a editora Melhora-


11. Vamos ao gabinete, onde está o quadro-negro.


mentos (1915) e a editora de Monteiro Lobato 12. Vou fazer no quadro-negro a carta do Brasil.



(1918) aparecem em São Paulo nessa época, fa- 13. Como o Brasil é belo e grande!


zendo do livro didático um importante ramo de 14. Viva a nossa Pátria! Viva o Brasil!



seus negócios.

A leitura e a escrita, ensinadas simultanea- Além das cartilhas, os livros de leitura



mente, são as principais atividades dos alunos também tiveram papel importante na conso-

na escola primária. Para as aulas de caligrafia lidação da ideologia republicana, fazendo



foi eleito o método americano, chamado de ca- com que várias gerações lessem, escrevessem,

ligrafia vertical, cujos cadernos graduados per- decorassem e recitassem não só velhos ensi-

maneceriam no mercado até os anos 1990,


namentos como, por exemplo, as Fábulas de


como é o caso dos cadernos de Caligrafia verti- Esopo e de La Fontaine ou as Máximas do



cal de Francisco Viana, publicados de 1909 até Marquês de Maricá, mas também textos que

1999 pela editora Melhoramentos, segundo a construíam a idéia de pátria moderna e civi-

qual essa série teve mais de 110 milhões de lizada, ou seja, livros que veiculavam conteú-

exemplares vendidos. dos morais e cívicos e que privilegiavam o



No início do século XX, a alfabetização vai método intuitivo.



abandonando a toada da soletração das car- A República nacionalizou o ensino (sobre-


tas de ABC (bê-a-bá), conhecida por método tudo o ensino de Língua Materna, de Geografia

sintético, substituindo-o pelo método analí- e de História) e, para isso, foi imprescindível a

tico, da silabação, adotado oficialmente no nacionalização do livro didático. A leitura oral



Estado de São Paulo (Mortatti, 2000), cujos e coletiva, possível graças à nova organização

expoentes são: a Cartilha das mães e a Car- do espaço e do tempo escolar com o ensino si-

tilha analítica, de Arnaldo Barreto, a Cartilha multâneo, tinha lugar de destaque, pois por

ensino rápido da leitura e a Cartilha analíti- meio dela eram transmitidos e reforçados os

co-sintética, de Mariano de Oliveira, além da novos (e velhos) conteúdos.


Cartilha infantil, de Gomes Cardim, e da Portanto, a difusão dos conteúdos morais



Cartilha fácil, de Claudina de Barros, autores e cívicos e do método intuitivo, patrocinada



ligados à Escola Normal Caetano de Campos. pelo novo regime, não se restringiu aos livros

Destas, a cartilha que parece ter alcançado de “lições de coisas”; verifica-se sua influên-

maior sucesso foi a Cartilha ensino rápido da cia nas várias publicações do período, atingin-

leitura, de Mariano de Oliveira, que, publi- do desde cartilhas de alfabetização até livros

cada em 1917, permaneceu no mercado até de leitura de várias áreas e destinados a vários

1996, atingindo 2.230 edições e a produção de graus.


mais de 6 milhões de exemplares. Nas pági- Assim, além do objetivo ideológico, presen-

nas 43 e 44 dessa cartilha encontra-se a se- te, por exemplo, logo na abertura das Primeiras

guinte “lição” patriótica: leituras, de Arnaldo Barreto,



“Nossa Bandeira”


organizada requerida pelo método intuitivo, o


Pátrio pendão sacrossanto que explica a grande atenção dada à descrição.



Da família Brasileira! Nesse livro, uma rápida consulta ao índice


Nossa adorada bandeira!


pode ilustrar a apreensão sensível de objetos,


[...]
pessoas e cenas que estão presentes na escola,



no lar e na sociedade:


há nos livros didáticos uma preocupação


Enumerações: material escolar, sala de


maior com a materialidade, tanto na escolha aula, corpo humano, peças do vestuário



do papel, da capa cartonada, do acabamen- masculino, quarto de dormir, cozinha etc.


to esmerado, quanto na importância das ilus-


Exposições: trabalhos escolares, conduta na


trações e fotografias (tecnologia de ponta, na


rua, trajeto da escola, serão em família, as-


época, que deu emprego a muitos ilustrado-
seio etc.


res), tudo para tornar os livros mais atraen-



Descrições: caneta, livro de leitura, mesa de
tes e em sintonia com as novas exigências

jantar; praça pública, sala de aula; descri-

educacionais. ○

ção geográfica, paisagem da minha janela;


Nota-se o novo formato dos livros didáticos


borboleta, papagaio; Machado de Assis,

tanto nos livros das grandes editoras, como a


Deodoro da Fonseca; tempestade, acende-


Livraria Francisco Alves e a Melhoramentos,


dor de lampiões, noite e estrelas; mendiga


quanto nos das pequenas editoras, como a Edi- etc.



tora Duprat e a Tipografia Siqueira, ambas de


Cartas: de saudações, ao professor, a um


São Paulo, destacando-se alguns exemplos,

amigo etc.

como: Noções da vida prática, de Félix Ferreira,


Dissertações: caridade, amor filial, escola


Contos infantis, de Adelina Lopes Vieira e Júlia


e instrução etc.

Lopes de Almeida, Poesias infantis, de Olavo


Bilac, Através do Brasil, de Olavo Bilac e Manuel A tendência desses livros didáticos se con-

Bonfim, Pequenas leituras, de Ramon Roca servaria vigorosa até a década de 1930, sendo

Dordal, Livro dos principiantes, de Nestor que vários deles, transformados pelo uso em

Martins de Araújo, Nossa Pátria, de Rocha Pom- best-sellers didáticos (como os da Francisco

bo, e os difundidos livros de leitura de João Alves e da Melhoramentos aqui citados), sobre-

Kopke, Tomás Galhardo, Hilário Ribeiro, viveriam pelo menos até os anos 1970.

Arnaldo Barreto. O último aspecto importante a ser salien-



Interessante salientar que mesmo quando tado diz respeito à progressiva rarefação das

há poucas ilustrações, como é o caso do Livro matrículas à medida que o curso primário

de composição, de Olavo Bilac e Manuel Bonfim, avançava, o que causava inchaço nas classes

o conteúdo é montado e apresentado gradual- de primeiro ano e esvaziamento significativo


a partir do segundo ano, como mostra a tabela


mente, para atender tanto aos objetivos morais


e instrutivos quanto à observação minuciosa e a seguir, de 1936:






Estado de São Paulo – Resumo do movimento de todos os cursos ou


unidades de ensino primário geral mantido pelo Estado em 1936




Urbanos Distritais Rurais Total


Discriminação

Masc. Fem. Geral Masc. Fem. Geral Masc. Fem. Geral Masc. Fem. Geral

Matrícula inicial

1º ano 47.341 41.557 88.898 9.806 8.500 18.306 37.506 30.976 68.482 94.653 81.033 175.686

2º ano 35.937 33.113 69.050 5.579 4.860 10.439 11.466 9.527 20.993 52.982 47.500 100.482

3º ano 26.304 24.962 51.266 3.529 3.038 6.567 4.331 3.672 8.003 34.164 31.672 65.836

4º ano 16.733 16.622 33.355 1.792 1.582 3.374 384 406 790 18.909 18.610 37.519

Total 126.315 116.254 242.569 20.706 17.980 38.686 53.687 44.581 98.268 200.708 178.815 379.523

98
SIMPÓSIO 6
O livro didático e a formação de professores

Essa situação, perpetuada durante décadas, rículo de Retórica e Poética, disciplina exigida



acabava se refletindo na tiragem dos livros de nos “preparatórios” das Faculdades de Direito



leitura que, sem dúvida, ía diminuindo à medi- até 1890, exigência que, entre nós, parece ter



da que o livro era direcionado para as classes sido responsável pelo estreitamento de laços


mais adiantadas. Em 1946, por exemplo, a Li- entre a preparação retórico-literária e os cur-



vraria Francisco Alves reeditou os Livros de lei- sos jurídicos.



tura, de Felisberto de Carvalho, amplamente O ensino da língua e da literatura nacionais


adotados nas escolas primárias, sendo que o (portuguesa e brasileira) sempre se pautou pelo 99



primeiro volume, indicado para o 1º ano, esta- ensino das línguas clássicas, sobretudo o Latim.



va na 130ª edição, o segundo volume (para o 2º A “gramática nacional” era estudada a partir das



ano) na 107ª edição, o terceiro volume (para o categorias gramaticais da língua latina e


3º ano) na 75ª edição e o quarto volume (para o explicada como uma transformação desta, en-



4º ano) na 42ª edição. quanto a literatura nacional era apresentada se-



A longevidade de cartilhas e livros de leitu- gundo os critérios fixos da Retórica e da Poética



ra para o curso primário, concebidos ou impul- clássicas, dividida por gêneros. A leitura literá-


sionados a partir da República (e alguns, como ria, base do ensino de Latim e Grego e base do



vimos, sobreviveram bravamente até a década ensino de Retórica e Poética, também se trans-

de 1990), vem nos alertar para a permanência formou em base do ensino da língua e da litera-

desses modelos na escola. A principal razão tura nacionais, erigindo os “clássicos nacionais”.

dessa permanência deve-se, provavelmente, ao Inicialmente, as aulas de Português no Co-



fato de que tais modelos puderam ser légio Pedro II, restritas ao primeiro ano, dedi-

readaptados e postos a serviço de subseqüen- cavam-se apenas ao estudo de alguns tópicos


tes ideologias, métodos e organização escolar. gramaticais, especialmente dos verbos. Aos

Deixando de lado a escola primária, passe- poucos, foram absorvendo práticas de ensino e

mos agora para o segundo tópico da discussão, conteúdos das aulas de Retórica e Poética. Pri-

que focalizará algumas questões de leitura no meiro, em 1855, vieram a leitura literária e a

ensino secundário, a partir do Colégio Pedro II, recitação para auxiliar o ensino da língua. De-

no Rio de Janeiro. pois, em 1870, quando houve ampliação da car-



O ensino de Português no Brasil, como dis- ga horária da disciplina no currículo do Colé-



ciplina curricular institucional, é recente e con- gio Pedro II por causa de sua inclusão nos “exa-

temporâneo à fundação do Colégio Pedro II, em mes preparatórios”, entraram no currículo de



1837, escola secundária padrão da elite brasi- Português a redação e a composição. Em 1890,

leira. A duração do curso secundário era equi- quando a Retórica e a Poética foram substituí-

valente ao período que hoje compreende as das pela História da Literatura Nacional, a gra-

quatro últimas séries do Ensino Fundamental mática histórica também foi transferida para o

mais o Ensino Médio. currículo de Português.



O estudo dos programas de ensino do Colé- A leitura literária, desde sua introdução em

gio Pedro II aponta que até 1869 as aulas de 1855, reinou absoluta nas aulas de Português,

Português eram insignificantes no currículo, no sobretudo em antologias organizadas por pro-



qual predominavam as disciplinas clássicas, fessores portugueses e, mais tarde, por profes-

principalmente o Latim. A partir de 1870, logo sores brasileiros. As seletas mais antigas se-

após a inclusão do exame de Português entre guiam os preceitos retóricos, apresentando os


os “preparatórios” – exames que davam acesso excertos divididos por gêneros, como é o caso

aos cursos superiores no Brasil (Direito, Medi- da Seleta nacional, de Caldas Aulete, e as mais

cina, Engenharia) –, verificou-se a ascensão do modernas seguiam a orientação da história li-



ensino de Português no currículo do Colégio terária, dividindo os textos cronologicamente,


Pedro II, cujo desenvolvimento, ainda que su- por séculos.



jeito a variações, foi sempre crescente. Em ambos os modelos havia a preocupação



Já a literatura nacional era ensinada no cur- de separar a prosa da poesia.



Uma das seletas escolares de maior sucesso uma (ou várias) gramática(s). Na década de



no Brasil foi a Antologia nacional, de Fausto 1950, houve a fusão entre textos e gramática



Barreto e Carlos de Laet. Sua permanência no num só compêndio, mas ainda divididos em



ensino secundário por mais de setenta anos (1ª duas partes (Soares, 1996). A década seguinte


edição, 1895; última edição, 1969) é testemu- (1960) trouxe uma nova organização aos livros



nho da longa estabilidade do modelo de ensino didáticos, muito próxima da que conhecemos



que privilegiava a leitura “intensiva” (Chartier hoje, dividindo o ensino de Português por uni-


e Hébrard, 1995) dos clássicos da literatura na- dades, com leitura de texto literário, atividades



cional do século XVI ao século XIX. de interpretação e estudo de tópico gramatical,



A leitura da Antologia nacional, porém, não dando continuidade ao privilégio da língua cul-



era complemento do manual de História da Li- ta (Soares, 1996).


teratura Nacional e sim ponto de partida, nas Apenas na década de 1970 é que a leitura



aulas de Português, para a aquisição e para o dos clássicos começou a ser substituída pela



treinamento da norma culta vigente, em exer- “leitura extensiva” (Chartier e Hébrard, 1995),


cícios como leitura e recitação, ditado, estudo ○
sintonizada com os meios de comunicação de
do vocabulário, da gramática normativa, da gra- massa e com as inovações tecnológicas.

mática histórica, exercícios ortográficos, análi- O novo modelo implantado no Brasil a par-

ses sintáticas e morfológicas, redação e compo- tir de 1971, com a Lei nº 5.692, que redirecionou

sição. as Diretrizes e Bases da Educação Nacional,


A leitura literária nas aulas de Português considerava a língua vernácula um “instrumen-



procurava, portanto, oferecer “bons modelos” to de comunicação” e “em articulação com as



vernáculos (e morais) para a “boa” aquisição outras matérias”, o que multiplicava as opções

da língua, além, é claro, de oferecer a seus lei- de textos para leitura em classe, tornando a lei-

tores uma certa formação literária, mas sem tura literária mais uma dessas opções.

priorizá-la. Além disso, a lei estabelecia também que



Só depois da Reforma Capanema, em 1943, o ensino da Língua Portuguesa, disciplina que


é que a História da Literatura Nacional tornou- passou a ser denominada Comunicação e Ex-

se a principal atividade das aulas de Português pressão, deveria preocupar-se, daí em dian-

das três últimas séries do curso secundário (atual te, com a “expressão da Cultura Brasileira”, li-

Ensino Médio) e passou a ser exigida nos exa- bertando, portanto, do domínio clássico por-

mes vestibulares de todos os cursos superiores, tuguês a língua e a literatura ensinadas em



assinalando com isso a sua ascensão na escola. nossas escolas, facilitando e incentivando a

A dependência do Ensino Médio em relação leitura dos escritores e poetas modernistas e



ao vestibular, como testemunhamos hoje, tem dos autores vivos.


origem institucional nas reformas de ensino do Dessa maneira, o ensino de Português pas-

Estado Novo. Porém o critério literário nacio- sou a admitir, cada vez mais, um número mai-

nalista, que norteava as aulas do curso secun- or e mais variado de textos para leitura, desde

dário na década de 1940, esbarrava no modelo os tradicionais textos literários, consideravel-


tradicional de ensino da língua, engessada pela mente ampliados com a literatura contempo-

leitura dos clássicos e defendida em nome da rânea pós-1922, até todo tipo de manifestação

vernaculidade brasi-lusa, impedindo que os gráfica, incluindo textos de outras disciplinas



autores do modernismo entrassem nos livros do currículo, textos de jornais, revistas, quadri-

didáticos. nhos, propaganda etc. Não foi por acaso, por-



O ensino da gramática era supervalorizado tanto, que o chamado boom da literatura infan-

e intenso, fazendo com que os já memorizados til tenha ocorrido nessa época, pois ela viria a

textos e poemas fossem retalhados e divididos entrar na sala de aula como mais uma das op-

por extensas análises morfológicas e sintáticas. ções de leitura.



Até o final dos anos 1940, era comum nas É ainda nos anos 1970 que aparecem técni-

aulas de Português o uso de uma antologia e de cas e engrenagens que parecem substituir o pro-

100
SIMPÓSIO 6
O livro didático e a formação de professores

fessor na função de preparar aulas: estudo diri-


e de gêneros, escamoteia um componente eco-


gido, instrução programada, exemplar do pro- nômico importante na definição dos custos do



fessor com exercícios resolvidos e respostas livro didático: os gastos com o pagamento de



impressas em caracteres vermelhos. Essa nova direitos autorais dos textos. Sem dúvida, os di-


concepção de livro didático reflete a má forma- reitos autorais de textos de jornal são muito



ção dos professores, decorrente da democrati- mais baratos do que, por exemplo, os direitos



zação do ensino e da multiplicação de agências autorais de um texto literário.


formadoras sem compromisso com a qualida- Quanto à leitura literária, sobretudo a lite- 101



de (Soares, 2001). ratura adulta (em oposição à literatura produ-



Quanto à leitura, literária ou não, nota-se o zida para o público infantil e juvenil),



aparecimento de uma “ficha de leitura”, que acantonada no currículo do Ensino Médio des-


passa a acompanhar os textos, propondo ativi- de a Reforma Capanema (1943), vem manten-



dades de leitura e de interpretação. do seu cunho elitista, uma vez que uma parcela



Nos anos 1990, verificam-se duas tendências: significativamente menor da população tem



uma de abandono do livro didático, devido às acesso a esse nível de ensino. Suas diretrizes e


concepções baseadas na “construção” de conhe- seu currículo, ao que tudo indica, permanece-


cimentos por alunos e professores; outra de con- rão dependentes do exame vestibular. As listas

trole e avaliação dos vários níveis de ensino pe- de obras literárias destinadas a questões do ves-

los órgãos oficiais, incluindo a avaliação dos li- tibular, publicadas pelas universidades, acabam

vros didáticos do Ensino Fundamental. influenciando o currículo do Ensino Médio.



Os Parâmetros Curriculares Nacionais Creio que a expansão do ensino, atualmen-



(PCN), instituídos em 1996, indicam que o en- te em curso nos centros urbanos, obrigar-nos-á

sino de Língua Portuguesa deveria preocupar-


a refletir sobre o passado e a prever práticas de


se com os “textos que caracterizam os usos pú- ensino de Português capazes de transmitir e

blicos da linguagem”, orais e escritos. Baseados compartilhar com públicos de diferentes clas-

nas teorias de Bakhtin, os PCN para o 3º e 4º ses sociais e de diferentes faixas etárias diferen-

ciclos (5ª a 8ª séries) privilegiam alguns gêne-


tes tipos de textos, inclusive da literatura cano-


ros para a leitura em sala de aula: cordel, nizada, pois é no espaço da escola que a demo-

“causos”, texto dramático, canção, conto, nove- cratização pode e deve começar, uma vez que:

la, romance, crônica, poema, entrevista, deba- “A leitura não é prática neutra. Ela é campo de

te, notícia, editorial, artigo, reportagem, charge,


disputa, é espaço de poder” (Abreu, 1999).


tira, verbete, relatório, didático, propaganda.



Além de parecer novidade (que, como vi-



mos, não é), a apresentação de textos por gêne-


Bibliografia

ros, sem contextualização histórica, pode gerar



muita confusão, uma vez que a definição de gê- ABREU, Márcia (Org.). Leitura, história e história da leitura.

nero é historicamente variável, quer porque es- Campinas/São Paulo: Mercado de Letras/ALB/Fapesp,

1999.

teja ligada à circulação em cada época, quer


CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Compa-


porque dependa da intenção de cada usuário,

nhia das Letras, 1990.


sem contar que é comum haver num mesmo


CHARTIER, Anne-Marie; HÉBRARD, Jean. Discursos so-


texto mais de um gênero. bre a leitura: 1880-1980. São Paulo: Ática, 1995.

Outro incômodo desse tipo de divisão é o CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: refle-

privilégio que alguns gêneros acabam tendo xões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação ,

n. 2, p. 177-229, 1990.
sobre outros, como parece ser o caso dos gêne-

CORRÊA, Maria Elizabeth Peirão; NEVES, Hélia Maria


ros veiculados em jornais, cada vez mais pre-


Vendramini; MELO, Mirela Geiger de. Arquitetura esco-


sentes na escola e nos livros didáticos. O uso lar paulista: 1890/1920. São Paulo: Fundação para o

excessivo e indiscriminado do jornal na sala de


Desenvolvimento da Educação. Diretoria de Obras e


aula, além de prejudicar a formação dos alunos, Serviços, 1991.



que deveria basear-se na diversidade de textos FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Instrução elementar no


século 19. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FI- tura (1838-1971). 2000. Tese (Doutorado). Instituto de


LHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cynthia Greive. 500 Estudos da Linguagem. Universidade Estadual de Cam-



anos de educação no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Au- pinas.


têntica, 2000. SOARES, Magda. Português na escola: história de uma dis-


ciplina curricular. Revista de Educação da AEC, n. 101,


FERREIRA, Avany De Francisco; CORRÊA, Maria Elizabeth


Peirão; MELLO, Mirela Geiger de. Arquitetura escolar p. 9-26, out./dez. 1996.


paulista: restauro. São Paulo: Fundação para o Desen- . O livro didático como fonte para a história



volvimento da Educação, 1998. da leitura e da formação do professor-leitor. In: MARI-


LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. A formação da lei- NHO, Marildes (Org.). Ler e navegar: espaços e percur-



tura no Brasil. São Paulo: Ática, 1996. sos da leitura. Campinas: Mercado de Letras/ALB, 2001,


MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Os sentidos da alfa- p. 31-76.



betização. São Paulo: Editora da Unesp/Conped, 2000. SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: a implan-


RAZZINI, Márcia de Paula Gregório. O espelho da nação: a tação da escola primária graduada no Estado de São



antologia nacional e o ensino de português e de litera- Paulo (1890-1910). São Paulo: Editora da Unesp, 1998.


































































SIMPÓSIO 7

O DESENVOLVIMENTO DA EJA E
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
NA AMÉRICA LATINA
José Rivero

Maria Dulce Borges

Graciela Messina

103
Formação de professores para




a Educação de Jovens e Adultos





José Rivero*



Unesco/Peru






No início da última década, foram apresen- também os sindicatos e as associações de clas-


tados os resultados da única pesquisa regional se, que tendem a tratar seus associados como



latino-americana realizada na área de Educa- sujeitos de classe. Mesmo nas associações do-



ção Básica de Adultos (EBA).1 centes, as áreas de Educação de Jovens e Adul-


Os professores entrevistados durante essa tos (EJA) não são, normalmente, levadas em



pesquisa indicavam como principais motiva- conta para fins da própria organização sindical.


ções e aspirações: a) a necessidade de um em- ○

Quais as características mais marcantes dos
prego estável; b) uma maior participação na professores que trabalham com educação de

geração de processos administrativos; e c) a adultos em instituições de ensino públicas?



necessidade de dispor de mais tempo livre para O educador de adultos na América Latina

realizar outras atividades. Uma maioria signi- apresenta heterogeneidade de formação, de ní-

ficativa dos entrevistados também declarou veis, de funções e de práticas docentes, assim

que seu interesse em trabalhar com jovens e como divergência de pontos de partida, concep-

adultos havia influenciado sua decisão de tra- ções, enfoques, experiências educativas e metas.

balhar com a EBA, especialmente em vista do Se houvesse traços comuns que o identificassem

acréscimo que essa atividade representava em coletivamente, esses seriam a não-especializa-


seus exíguos salários. Coerentemente com o ção como professores de jovens e adultos bem

interesse em trabalhar com jovens e adultos, como a tradição de utilizar a transmissão de co-

as respostas à pergunta “Com que grupo você nhecimento como procedimento pedagógico

se sente mais capacitado para desempenhar único para desenvolver a capacidade do educan-

suas tarefas?” incluíram tanto jovens e adultos do em reproduzir o que lhe foi transmitido.

da educação básica quanto alunos do Ensino Às insuficiências técnicas ter-se-ia que



Médio. Por sua vez, as fontes de maior insatis- acrescentar, no caso da educação básica ou fun-

damental de adultos, a situação marginalizada


fação para os professores consultados foram as


condições ruins de trabalho (associadas a pro- em que se encontra o professor, em uma mo-

blemas de infra-estrutura, à carência de ma- dalidade também marginalizada nos sistemas



terial didático, à instabilidade funcional e, in- educacionais. Assim, a nomeação de professo-


res obedece mais a critérios administrativos do


clusive, à segurança pessoal) e, em segundo


plano, a dispersão e a falta de interesse dos que à busca de profissionais que reúnam requi-

participantes. sitos específicos. Em alguns casos, o número de



Pode-se afirmar que existe um desconheci- anos na docência é determinante para que o

mento grave a respeito dos professores como professor obtenha uma colocação na área de

profissionais e que são raros os países que pos- EJA. Em outros casos, deve-se a gestões pesso-

suem dados sobre as condições sociodemo- ais dos professores para obter uma colocação

gráficas, profissionais e ocupacionais básicas do adicional àquela desempenhada em institui-


magistério e da composição das equipes docen- ções educacionais infantis ou juvenis em horá-

tes das escolas. Esse desconhecimento afeta rios diurnos ou, ainda, a critérios arbitrários




* José Rivero é educador peruano e consultor internacional na área de Educação.



1
Essa pesquisa foi desenvolvida pela Unesco como marco do Projeto Principal de Educação na América Latina e no Caribe e contou com a

participação de 12 países da região.


104
SIMPÓSIO 7
O desenvolvimento da EJA e a formação de professores na América Latina

pessoais e político-partidários por parte das bido especialização para o trabalho com jovens



autoridades da área educacional. e adultos com as características dos participan-



Apesar dos excelentes casos de identifica- tes. Em alguns casos, impera a habilitação in-



ção com seu trabalho, especialmente no que se formal ou extracurricular de docentes não-


refere a docentes de instituições de ensino re- especializados na EJA (não nos esqueçamos de



gulares, a situação dos professores dessa mo- que a média de professores sem formação na



dalidade de ensino não escapa à grave situação América Latina é de 21,3% e que essa situação


do conjunto de docentes. As condições salari- está associada ao fato de esses professores atu- 105



ais sumamente deterioradas, um alto grau de arem em áreas carentes ou marginalizadas).



instabilidade funcional em vários dos países Ademais, existe uma profunda heterogeneida-



estudados, a jornada de trabalho dupla com de na formação pedagógica dos professores, que


grupos absolutamente heterogêneos de crian- resulta em uma nítida diferença entre os que



ças e jovens, durante o período da manhã, e de possuem formação e os que não a possuem. Os



jovens e adultos com pouca ou nenhuma esco- primeiros estariam mais próximos de conhecer



laridade nas instituições vespertinas ou notur- e de motivar-se com outros conteúdos mais crí-


nas, a deterioração das condições materiais de ticos e com técnicas mais participativas de en-



trabalho – geralmente em instituições de ensi- sino. Entretanto, em ambos os casos, pesa mui-

no que “sofrem” durante o dia com a freqüên- to o uso cotidiano da instrução tradicional.

cia de diferentes tipos de alunos de outras tan- Um problema que afeta a imagem e o rendi-

tas instituições de ensino – constituem parte da mento profissional é o não-reconhecimento da



dívida regional para com esses professores. atual educação de adultos como uma modalida-

de necessária e fundamental da atividade educa-


cional sob a responsabilidade do Estado. Orça-


A atual formação

mentos baixos e níveis escassos de supervisão e


do professor de jovens

requisitos profissionais, acrescidos à ausência de



e adultos poder de organização e pressão por parte dos usu-


ários potenciais, são apenas uma faceta do pro-



A formação recebida em universidades, em blema. Mas é importante salientar-se que a EJA



instituições superiores de formação de profes- não logrou obter credibilidade social e tampouco

sores ou em instituições de aperfeiçoamento


é vista como útil ou necessária pela comunidade.


não habilita os professores para atender aos re- A organização escolarizada tradicional, por meio

quisitos especiais que caracterizam um ensino de aulas ministradas por professores sem forma-

no qual os participantes são os próprios ção especializada, tende a diminuir a demanda


educandos e não o educador.


por esses serviços e a acentuar a desigualdade na


Os docentes com título pedagógico foram aprendizagem entre grupos populacionais que

formados para educar crianças – com as sérias demandam atenção prioritária e uma educação

deficiências reconhecidas em sua formação ini- de melhor qualidade.


cial – e, ao chegarem às instituições vesperti-



nas ou noturnas, tiveram de se adaptar e de or-


Rumo a novas estratégias

ganizar seu trabalho pensando em adultos


quando, como mostra a realidade, a maioria dos de formação de educadores



participantes é composta de jovens.


de jovens e adultos

Os critérios de formação estão fortemente



associados à teoria e à prática da escolaridade, Uma premissa básica nesse caso é que a EJA

sendo o “rendimento acadêmico-intelectual” deve concentrar-se em processos de ensino e



do educando o principal objetivo da formação. aprendizagem, os quais, por sua própria natu-

Observa-se, entretanto, uma débil e deficiente reza, demandam dedicação, disciplina e espe-

formação inicial do docente, agravada nesse cialização profissional, além de tempo suficien-

caso pela circunstância de ele não haver rece- te. Essa afirmação é particularmente importan-


te, sobretudo se considerarmos a tendência de propor-se um trabalho de formação em um



outorgar-se à educação capacidade para resol- plano duplo e segundo a realidade institu-



ver mais problemas do que esta pode efetiva- cional da EJA em cada país. Esses planos po-


dem ser seqüenciais ou programas que se de-


mente suportar. Assim, o crescente desempre-


go e subemprego de seus usuários – reais ou senvolvem de forma paralela. De imediato,



potenciais – pode influenciar para que se exi- e como forma de iniciar a EJA vinculada a ne-


cessidades básicas circunstanciais, o objeti-


jam da EJA soluções ou contribuições específi-


vo é formar esses jovens e adultos como ato-
cas para a solução desse problema estrutural,


res com valores, atitudes, conhecimentos e


ou de outros graves problemas sociais, o que


competências que os habilitem a enfrentar


extrapola, em muito, suas possibilidades.


suas necessidades de aprimoramento profis-


Outras premissas a serem consideradas in-
sional, de uma maior participação no exer-


cluem:


cício da cidadania e de um intercâmbio cul-


• A crescente universalização do acesso à


tural que, em última análise, lhes permitam


educação básica e secundária – bem como participar da transformação de suas ativida-
as características dos jovens e adultos que ○

des profissionais e de suas condições de vida.


dela participam – tem como conseqüência


• Considerando-se a relação direta entre a


uma heterogeneidade do alunado atendido.


Esses alunos, além de pertencerem às cama- motivação para participar e a real utilida-

de de um ensino e de uma aprendizagem


das baixas ou pobres da sociedade, apresen-


tam idades, experiências de vida e interes- centrados no aluno, é imprescindível que



ses distintos. Assim, é fundamental que os sejam redefinidas as atuais estruturas e os


atuais procedimentos escolares, tanto da


professores estejam habilitados a encontrar


e utilizar novas formas de ensino e aprendi- educação básica quanto da educação se-

zagem que lhes permitam lidar com a diver- cundária de jovens e adultos. A concepção

atual de instituições de ensino para adul-


sidade cultural, com as diferentes compe-


tências dos alunos e com as distintas situa- tos, com horários e currículos fixos que de-

ções de vida que estes enfrentarão ao con- mandam a assistência diária e em períodos

de tempo que cobrem vários anos de esco-


cluir um grau ou ciclo escolar.


laridade, teria de ser seriamente redefinida.


• Uma das principais disposições de Jomtien


Hoje, o baixo impacto desse tipo de pro-


determina que os conteúdos curriculares se-

grama requer sua modificação, por meio de


jam cada vez mais associados à lógica da sa-


modalidades semipresenciais e com con-


tisfação das necessidades fundamentais de


teúdos curriculares e materiais de auto-


aprendizagem dos participantes. No caso de

aprendizagem adequados às demandas e às


jovens e adultos, esse não é um tema despro-


necessidades básicas de aprendizagem,


vido de conceitos, de enfoques teóricos ou


com uma melhor qualidade de vida dos


de experiências realizadas. A partir das prá-

participantes.

ticas sistematizadas da “Educação Popular”


• A tendência à descentralização impõe novos


na América Latina, emerge com vigor a idéia


de que as necessidades fundamentais do desafios a professores e diretores, que devem



adulto constituem um todo inter-relaciona- ser levados em conta nas propostas de for-

do. A resposta que satisfaz uma necessidade mação de professores. Uma das conseqüên-

de aprendizagem específica gera um ciclo de cias dessa mudança é que as instituições



reações que vão permitindo a manifestação educacionais começam a usufruir de um cer-


de novas necessidades que devem, igual- to grau de autonomia organizacional e ad-



mente, ser satisfeitas. Esse processo estrutu- ministrativa. Essa nova autonomia dá a dire-

ral e interdependente do processo de forma- tores e a professores mais espaço para a to-

ção de adultos permite visualizar a ação edu- mada de decisões, para a organização de pro-

cacional como um processo que transcende jetos educativos capazes de gerar e atrair re-

a EJA, operacionalizada em uma realidade cursos ou para a adoção de iniciativas de


econômica e política que desafia, contradi- ajustes curriculares. Não restam dúvidas,

toriamente, a modernidade. Isso obriga a entretanto, de que esses mesmos diretores e


106
SIMPÓSIO 7
O desenvolvimento da EJA e a formação de professores na América Latina

professores necessitarão de maior compe- 2. Admitindo que todos os elementos que os



tência para planejar, administrar e imple- participantes trazem consigo são factíveis



mentar decisões, sem a tradicional depen- de ser intercambiados, fortalecidos e


dência dos níveis centrais. E será também redefinidos e que isso somente será possí-



necessário modificarem-se os critérios de vel na medida em que esses participantes


seleção e nomeação de diretores, professo- forem capazes de analisar esses elementos



res e supervisores envolvidos no próprio pro- de forma crítica e de buscar novas infor-



cesso de aperfeiçoamento de docentes. mações, novos conhecimentos, novas ha- 107


bilidades, novos valores e novas atitudes


• Esses processos de descentralização pode-


rão estar associados a crescentes esforços que satisfaçam suas necessidades de



para priorizar políticas sociais, em um am- aprendizagem.



biente regional com visíveis resultados de 3. Partindo do pressuposto de que o aporte


frustração em relação a políticas neoliberais. pedagógico central dos educadores da EJA



Serão também necessárias harmonizações é gerar mecanismos de formação que per-



e alianças mais efetivas e eficazes com as mitam ao participante:


experiências de outros setores públicos e de


• criticar os elementos que constituem


associações da sociedade civil com vasta suas experiências de vida;


experiência em trabalhos participativos no ○

nível local, municipal ou estadual. • buscar as informações e os conhecimen-


tos necessários para gerar habilidades,


• Estimular a priorização do público a ser aten-


valores e atitudes que afirmem sua con-


dido e o compartilhamento de responsabili-


dição de sujeito em processo de transfor-


dades pressupõe acordos voltados para ações mação;


comuns e complementares entre órgãos go-


• confrontar essas novas informações, es-


vernamentais e organizações não-governa-


ses novos conhecimentos e valores com


mentais. Um desafio ainda a ser superado


por ambos os tipos de instituição é a intro- aqueles que possui, os quais foram anali-

sados de forma crítica;


dução de novos processos lógicos que trans-


formem microexperiências em experiências • reconstruir sua competência pessoal e



mais abrangentes (macroexperiências), que coletiva em uma síntese teórica e prática



permitam a superação da tendência para específica, que o habilite a superar a pro-


prescrever, ensinar e transmitir conceitos e blemática reconhecida (e que serviu de



práticas ao educando e que utilizem a expe- base para o processo educativo).



riência de vida, os saberes, os conhecimen- 4. Preparando o educador como gerador de


tos, as informações, os valores e as atitudes


processos pedagógicos que permitam rea-


dos educandos, tanto jovens quanto adultos. lizar uma educação entre adultos, com os

jovens e os adultos em formação.



Como reposicionar o educador



de jovens e adultos em uma


Como preparar esse educador



profissão compatível com uma de jovens e adultos?



educação entre pessoas



Há que se fazer uma dupla aproximação


adultas? estratégica entre a capacitação para o exercício



da profissão e a formação inicial de novos edu-


1. Entendendo que o jovem e o adulto, tanto


cadores de EJA.

individual como socialmente, são atores


sociais com conhecimentos, informações, Ambas as modalidades de formação exigem


a definição, nos programas de EJA, do caráter


habilidades, valores e atitudes – produto


de sua experiência de vida – e com baga- da formação específica desse educador bem

gens significativas de sua história pessoal como das novas conceituações políticas, estra-

e coletiva. tégicas, institucionais e metodológicas que in-



tegram as definições e os processos subjacentes valendo-se de experiências de formação de



à modernização econômica e sociopolítica de “educadores polivalentes”, capazes de traba-



nossos países. lhar com crianças, jovens e adultos, capa-


zes de organizar projetos educativos e de


Essa perspectiva deveria ir além das propostas


de re-profissionalização regular e/ou capacitação trabalhar com suas próprias comunidades,



para o exercício da profissão, geralmente ofereci- capazes de estimular a participação ativa


dos pais e a educação de seus filhos.


das pelos centros de formação gerados nos siste-


mas educacionais. Será necessário superarem-se • Na política pública destinada à formação de



tanto a insistência da visão “escolarizante” quanto educadores de jovens e adultos, não se pode



os mecanismos pedagógicos que continuam a ig- continuar a privilegiar objetivos ligados ex-


clusivamente à recuperação de uma esco-


norar a especificidade da demanda por parte de


participantes jovens e adultos. laridade compensatória. A confluência da



O desenvolvimento de novos projetos de satisfação das necessidades de formação


dos jovens e adultos exige que o participan-

“formação para o exercício da profissão” para

educadores que assumirem essas tarefas deve- ○

te seja considerado na multiplicidade de
funções “protagonísticas” que lhes cabe de-
riam levar em conta – teórica e operacional-

sempenhar, tanto em sua condição de agen-


mente – a necessidade de aprofundar pelo me-


te produtor de bens (materiais e culturais)


nos os três aspectos seguintes:


como em sua situação de reprodutor social


• Por um lado, as hipóteses teóricas ou

de bem-estar cultural e material.


metodológicas nas quais devem estar



apoiadas a nova EJA e a própria formação • Caracterizar os processos educativos que


específica de seus educadores. operacionalizem as estratégias metodoló-



gicas da formação de educadores de EJA,


• Por outro lado, determinar as “demandas


enfatizando-se: a) as necessidades educa-


dos educadores de EJA” em relação a suas

cionais dos participantes como sujeitos so-


novas tarefas de educar jovens e adultos ca-


ciais; b) os modelos curriculares que sirvam


rentes.

a uma concepção e a uma ação educacio-


• Finalmente, formular as perguntas que de- nais entre adultos; c) os modelos de avalia-

verão orientar tanto as estratégias de


ção e controle dos processos de aprendiza-


capacitação quanto os processos pedagógi-


gem; d) os mecanismos de gestão educacio-


cos que inspirem as políticas e as práticas nal que propiciem a maior participação dos

de formação/aprimoramento, à luz dos no-


sujeitos em formação; e) a crescente intro-


vos desafios da EJA na América Latina.


dução de tecnologias e meios educacionais


As estratégias e metodologias que deveriam que conduzam à autonomia na aprendiza-



orientar as políticas de formação inicial dos gem.



novos educadores de EJA não deveriam referir- • Refletir sobre os modelos de formação, no

se apenas a certas “adaptações curriculares” de


sentido de esclarecer as opções teóricas que


planos e programas de formação, mas também condicionam as práticas de formação e que



tentar modificar radicalmente esse tipo tradi- possam responder a perguntas como:

cional de formação de professores. Do mesmo


– Qual a situação dos modelos tradicionais

modo, a formação de seus professores deveria


ante os modelos personalizados?


ajudar a EJA a superar o atual isolamento das


– Como avaliar experiências sociais versus


instituições públicas de ensino para jovens e


saberes pertinentes para os jovens de ori-


adultos em relação a outras experiências insti-


gem popular nas escolas?

tucionais que possam enriquecer sua imple-



mentação. – As escolas e a aprendizagem são funda-


mentalmente eficientes?

Nesse sentido, sugere-se considerar aspec-



tos como os que seguem: – A autonomia institucional está vinculada


• Estudar a possibilidade de vincular e inte- à transformação social do desenvolvimen-



grar a formação de educadores regulares to local?


108
SIMPÓSIO 7
O desenvolvimento da EJA e a formação de professores na América Latina

• Determinar os processos pedagógicos que c. A educação cidadã, os direitos humanos e a



dão prioridade às relações teoria/prática participação de jovens e adultos,



de formação social, à heterogeneidade de enfatizando-se a formação em valores de-


saberes e à integração de conhecimentos, mocráticos e o efetivo exercício das res-



à dimensão de modalidades de formação ponsabilidades e dos direitos humanos.


não-presenciais, com especial ênfase sobre


d. A EJA voltada para populações rurais e in-


a produção de material educativo auto-ins-


dígenas, com o objetivo de revigorar o tra-


trucional e sobre a coordenação com ou- balho produtivo e organizacional em áre- 109


tros atores sociais e econômicos que os cor-


as rurais e de ratificar e solidificar culturas


roborem. e identidades indígenas.




e. A afirmação dos jovens como público
Novos requisitos de


prioritário da modalidade educativa EJA,



aprendizagem na Educação assumindo suas próprias particularidades,


necessidades, diversidades e realidades,


de Jovens e Adultos


com ênfase especial sobre sua vinculação



com o trabalho produtivo, sua maior inser-
O impacto das novas condições sociais, eco-

ção como cidadãos e a conclusão de sua

nômicas e políticas dos países latino-america-


educação básica e secundária.
nos, nas políticas e nos programas educativos

f. Incorporar a igualdade de gênero à EJA, re-


destinados a jovens e adultos, deve repercutir


de modo direto na situação profissional dos conhecendo as participantes do sexo femi-



nino como sujeitos sociais com direito de


professores encarregados desses programas.

desenvolver seus conceitos, suas idéias e


Tanto a Conferência Internacional sobre


seus interesses singulares, bem como pos-


Educação de Adultos realizada em Hamburgo


sibilitando uma redistribuição mais justa

(1998) como a estratégia de acompanhamento


de responsabilidades.

adotada nos países da América Latina possibi-


g. Finalmente, associar intimamente os con-


litaram uma nova agenda da Educação de Jo-


teúdos e as atividades da EJA a um desen-


vens e Adultos.

volvimento local e sustentável. Trata-se,


Será indispensável, em primeiro lugar, in-

aqui, de atribuir novo valor à importân-


cluir, nos programas de estudos e nas novas es-


cia do local e à necessidade de construir


tratégias de formação de educadores de jovens sociedades locais em um mundo que se



e adultos latino-americanos, a associação dire- globaliza, e de afirmar a idéia de desen-


ta da EJA com um conceito de educação per-


volvimento associada a uma geração de


manente, ou educação que persistirá por toda capacidades em permanente diálogo com

a vida, como parte da redefinição dos concei- a natureza.



tos educacionais em curso, superando a atual


associação restrita a práticas escolarizadas.


Considerações finais

É importante destacarem, como inspiração



para a formação de educadores de EJA, as se-


Uma “re”-valorização da situação profis-


guintes agendas temáticas definidas como


sional dos docentes de EJA exige a supera-

prioritárias na EJA regional:


ção da atual situação de abandono oficial


a. A alfabetização considerada como acesso


em que se encontra a Educação de Jovens e


à cultura escrita, à educação básica e à in- Adultos e também que sociedades, governos

formação.

– sobretudo estes últimos – destinem os es-


b. A vinculação da EJA ao trabalho, tendo forços e recursos necessários para igualar e



como referência básica as reais possibi- incrementar os serviços educacionais ofe-



lidades da EJA nos locais de produção e recidos às camadas mais carentes das zonas

seu potencial para a melhoria da quali- rurais e urbanas, aos núcleos indígenas e,

dade de vida da população em situação em geral, a todos os excluídos dos benefí-



de pobreza. cios de uma sólida educação básica.



Vale destacar que o Plano Regional de Ação aquisição de competências práticas.



latino-americano apresentado no Fórum Mun-


Da mesma forma, segundo o Pronunciamen-


dial de Dakar (2000) estabelece seis objetivos a to Latino-Americano feito por um numeroso



serem alcançados na primeira década do sécu- grupo de educadores e intelectuais latino-ame-


lo que inicia. Dois desses seis objetivos estão


ricanos, “enquanto não se oferecer uma educa-


diretamente relacionados com a EJA: ção de melhor qualidade aos menos favorecidos



e não se assegurar uma educação igualitária a


• Proporcionar um acesso eqüitativo aos pro-


homens e mulheres, dificilmente poderemos


gramas de educação básica e permanente


avançar na meta de lograr eqüidade educacio-


para adultos e, no transcorrer do presente nal e, sem eqüidade educacional, dificilmente



decênio, reduzir pelo menos à metade as avançaremos na conquista da justiça social”.


atuais disparidades entre os gêneros.


A existência de professores mais qualificados,



• Zelar para que as necessidades de aprendi- para que jovens e adultos possam receber uma


zagem de todos os jovens sejam satisfeitas, educação de melhor qualidade, está diretamen-

mediante um acesso eqüitativo a uma te relacionada à execução plena dessas priorida-



aprendizagem adequada e a programas de des bem como à satisfação dessas demandas.












Educação de Jovens e Adultos




e formação de professores




Maria Dulce Borges



Unesco/Brasil





A Educação de Jovens e Adultos (EJA) deve cação, o que teve como conseqüência um cres-

ser vista não apenas como uma atividade suple- cimento da participação individual e coletiva,

tiva, mas como uma educação permanente in- num leque cada vez maior de atividades de

cluindo necessariamente uma formação sólida aprendizagem envolvendo pessoas de todas as



que permita o desenvolvimento de conhecimen- idades, sem a preocupação de tempo e de lugar.


tos específicos, suscetíveis de serem comprova-


O desafio recorrente da formação de pro-


dos em atividades concretas. Essa é uma das fessores estava colocado com muito mais

conclusões de um estudo conduzido pela acuidade e complexidade que nunca. Nos paí-

Unesco em sete países da América Latina, inclu- ses que participaram na avaliação dos indica-

indo o Brasil, publicado sob o título Alfabetismo


dores de educação* cujo relatório foi publica-


funcional em sete países da América Latina. do no texto da OCDE em colaboração com a



A década de 1990 foi testemunha de um cres- Unesco – Professores para as escolas de amanhã

cimento exponencial na demanda de educação. –, os professores representam uma proporção


Indivíduos, economias e sociedades viram-se


alta da força de trabalho em geral. Em média,


praticamente forçados a elevar os níveis de edu- um em cada 25 trabalhadores de todos os seto-





* Dezoito países: Argentina, Brasil, Chile, China, Egito, Índia, Indonésia, Jordânia, Malásia, Paraguai, Peru, Filipinas, Rússia, Sri Lanka,

Tailândia, Tunísia, Uruguai e Zimbábue.


110
SIMPÓSIO 7
O desenvolvimento da EJA e a formação de professores na América Latina

variados, tem autonomia e responsabilidade


res é professor; além disso, os professores são


em geral os trabalhadores mais qualificados: pessoal, insere-se em normas coletivas que lhe



mais de metade dos trabalhadores com ensino dão identidade profissional e num grupo que



superior trabalha em educação. desenvolve estratégias de promoção, de valori-


No entanto, a grande questão não está ape- zação e de legitimação.



nas na formação de professores, mas em como Para a função docente o processo é igual. Ou



criar condições para retê-los no sistema. deveria ser igual. Isto é, teoricamente, o pro-


fessor é um profissional quando a atuação dele 111


Na realidade, as expectativas em relação ao


papel do professor continuam altas apesar, ou por obedece aos critérios de racionalização dos sa-



causa, de todo o desenvolvimento tecnológico. Do beres e de legitimação social, sumariamente



professor se exige que, além de ser competente, descritos acima, que definem uma profissão.


atualize seus conhecimentos em alta velocidade A formação tem, assim, uma importância



e que, para além de suas capacidades técnicas e crítica na profissionalização do professor. Ela é



pedagógicas, saiba lidar individualmente com um dos suportes da trilogia ação/formação/



alunos como pessoas, com seus valores e cultu- pesquisa e da articulação entre suas respecti-


ras próprias. Essas expectativas da sociedade em vas lógicas na busca de uma mudança qualita-



geral têm atingido níveis que se confrontam com tiva que envolva a reflexão sobre valores, nor-

a própria “profissionalidade” do professor. mas, modelos.



Analisemos rapidamente este termo relativa- A profissionalidade é tudo o que está para

mente novo – profissionalidade. A partir de que além da profissionalização, é o que está na base

momento um ofício passa a ser uma profissão? da mudança, na consciência de si e dos outros,

Estudos realizados nomeadamente em no desejo ou motivação para a função e na com-


preensão da significação do que se faz. Ela, a


França, mostram que passamos a ser profissio-


nais quando deixamos de seguir regras profissionalidade, é também um dos fatores



preestabelecidas e passamos a ter estratégias mais presentes na capacidade dos governos de



que seguem determinados objetivos dentro de atrair e reter professores qualificados na pro-

fissão, o que por sua vez influi na capacidade


uma certa ética. Ou seja, de modo abstrato e


bastante genérico, há pelo menos três níveis de de captar os melhores estudantes para se tor-

diferença entre ofício e profissão: uma primei- narem professores.



ra diferença no tipo de ocupação (manual e in- Vejamos um pouco essa questão da reten-

telectual ou artística); uma segunda diferença ção de professores, que afeta de maneira mui-

na natureza do saber, misterioso para o ofício e tas vezes dramática a educação e a alfabetiza-

publicamente dominado e professado para a ção de adultos.



profissão; e uma terceira ligada à legitimação Por força do direito de todos à educação, os

social, que depende da utilidade para o ofício e sistemas educativos expandiram-se mundial-

do prestígio para a profissão. Exemplos flagran- mente, o que exacerbou a necessidade de pro-

tes de profissões que seguem esses critérios são, fessores qualificados para atender o nível pri-

por exemplo, a advocacia e a medicina. mário e, sobretudo, o nível secundário, atual-


Um processo de profissionalização deve mente sob pressão em quase todas as latitudes.



transformar um ofício numa profissão, um ar- O equilíbrio entre o que se espera dos profes-

tesão num profissional; mais propriamente, sores e o que lhes é oferecido em troca tem gran-

profissionalização é um processo de racionali- de impacto na força de trabalho docente e na


zação dos saberes. Um profissional é uma pes- qualidade desse trabalho. Alguns países do Nor-

soa que adquiriu competências específicas, te desenvolvido estão mesmo encarando a pos-

especializadas, com base em saberes racionais sibilidade de atrair professores qualificados de



reconhecidos, legitimados pela universidade e outros países, já que os profissionais nacionais


pelo exercício. estão pouco a pouco perdendo a motivação



O profissional responde, adapta-se à de- para esse trabalho! A constatação é que 30% do

manda, ao contexto, a problemas complexos e total do corpo docente deixam a profissão an-

tes de completar cinco anos (nos centros urba- professores pretender – condições de trabalho,



nos essa porcentagem sobe para 50%!). direitos, estatuto – na sociedade? E a grande per-



Apesar de o papel dos professores ser reco- gunta: quem pode ser um bom professor e como



nhecido na sociedade, ainda há dificuldade em encontrar essa pessoa, formá-la, preservar a sua


assumir que a qualidade tem um preço. Nem motivação e a qualidade do seu ensino?



todos podem exercer a função docente, e nenhu- Teve lugar, de 5 a 8 de setembro de 2001, em



ma associação profissional aceitaria entre seus Genebra, no Bureau Internacional da Educação


pares candidatos despreparados para a função. da Unesco, a 46ª Conferência Internacional de



Falando de desenvolvimento da EJA, essa Educação, dedicada ao tema “Educação para



questão do recrutamento e da retenção de pro- todos para aprender a viver juntos”. As conclu-



fessores qualificados torna-se ainda mais críti- sões dos debates, das sessões plenárias e das


ca, já que nem sempre os recursos financeiros oficinas que se realizaram durante a Conferên-



disponíveis num determinado país permitem a cia, preparadas para os organismos governa-



implementação de uma educação verdadeira- mentais e não-governamentais, para os profes-


mente para todos, crianças, jovens e adultos. No ○
sores e suas organizações, para a mídia e todos
entanto, à medida que cresce o papel da edu- os parceiros da sociedade civil interessados na

cação na dinâmica das sociedades modernas, qualidade e na pertinência da educação e em



ela, a educação, ocupa cada vez mais lugar, na seu potencial para levar indivíduos e socieda-

vida dos indivíduos, ao longo de toda a vida. des a aprenderem a viver juntos, foram de gran-

Deixou de existir a delimitação de tempo, ida- de relevância e oportunidade marcante – sobre-



de ou lugar, para aprendermos, para nos quali- tudo se pensarmos nos acontecimentos ocorri-

ficarmos – a competência passou a ser dos em setembro. É evidente que há urgência


evolutiva, exigindo um grau elevado de adap- cada vez maior de pormos de pé o conceito de

tabilidade. É o que se chama comumente o “aprender a viver juntos”, um dos pilares da edu-

continuum educativo. A EJA constitui, assim, cação, tal como definidos pelo Relatório Inter-

uma excelente ocasião para abordar questões nacional da Unesco, publicado sob o título Edu-

ligadas ao meio ambiente e à saúde, à educa- cação, um tesouro a descobrir.



ção em matéria de população, à educação para Não há dúvida de que o direito de todos à

os valores e culturas diferentes. educação ainda tem um longo caminho a per-



O nível de participação do adulto na vida da correr, apesar da certeza generalizada que se


nação depende em larga medida do nível de es- tem hoje de que a educação é o caminho para

colaridade anterior, que produz um efeito cu- combater a pobreza e promover a participação

mulativo reconhecido por todos: quanto mais de todos nos níveis político, social e cultural.

escolarizado o indivíduo, mais vontade ele tem No entanto, o objetivo da educação para todos

de aprender. Por isso os progressos na escolari- vai além da universalização pura e simples. Em

zação de jovens, os progressos na alfabetização cada país a luta pela coesão social e contra a

de adultos e qualquer impulsão à educação bá- desigualdade, o respeito pela diversidade cul-

sica estimulam e são estimulados pelo cresci- tural e o acesso a uma sociedade do conheci-

mento da demanda de educação de adultos, nas mento, que pode ser facilitada pelas tecnologias

sociedades de hoje e de amanhã. Daí que o anal- de informação e comunicação, estão direta-

fabetismo nos países em via de desenvolvimen- mente relacionadas com a qualidade da educa-

to, o iletrismo nos países desenvolvidos e os li- ção. A própria diversidade lingüística e o fosso

mites da educação permanente constituem ver- ainda existente no âmbito do desenvolvimento



dadeiros obstáculos a políticas de promoção de científico e tecnológico dependem muito des-



eqüidade e igualdade. sa qualidade da educação.



Nesse processo, o que é que, racionalmente, Nesse contexto, as reformas são mais pro-

a sociedade pode esperar dos seus professores? cesso que produto. O importante, paralelamen-

Que nível de exigência é preciso colocar no tra- te à definição dos conteúdos, continua sendo o

balho que fazem? Que contrapartida podem os envolvimento de todos os atores.


112
SIMPÓSIO 7
O desenvolvimento da EJA e a formação de professores na América Latina

Sendo assim, à parte a necessidade de se


professores, as comunidades, as famílias, o se-


fazer um levantamento das práticas de ensino tor econômico, a mídia, as ONGs e as autorida-



e aprendizagem na linha do aprender a viver des intelectuais e espirituais devem trabalhar



juntos, visando seu estudo e divulgação mes- juntos, cada um na sua área de competência,


mo em nível nacional, os processos de reforma visando a um mesmo objetivo – a construção de



devem necessariamente facilitar e promover o sociedades diversas mas solidárias, em paz con-



envolvimento de professores, ao mesmo tem- sigo mesmas e com os outros.


po que a área da formação deve desenvolver O que pensam os professores a propósito de 113



com os professores os comportamentos, as ati- tudo isso? Seria interessante e extremamente



tudes e os valores que se quer ver praticados elucidativo perguntar aos professores como eles



pelos alunos, no âmbito do respeito à diversi- se vêem na sociedade e no sistema educativo e


dade. O uso das tecnologias de informação e como vêem a profissão docente, suas demandas



comunicação na formação e na sala de aula con- e incentivos, como se vêem na sala de aula. A



tribuirão também para a mudança necessária Unesco estaria interessada em participar de um



da relação aluno/professor, acompanhando a esforço como esse, pela importância que ele


evolução da sociedade nos últimos tempos. poderia ter na definição da identidade profissio-


Não nos esqueçamos de que a educação não nal do professor e, portanto, na compreensão

pode estar sozinha nesse processo de aprendi- ainda mais aprofundada de seu papel e de sua

zagem coletiva, para melhor viver juntos. Os profissionalidade.












A formação de educadores:


um caminho para a


transformação da educação de


pessoas jovens e adultas






Graciela Messina

Unesco/Orealc/Chile




A tese principal:

pessoas jovens e adultas desafiou o tempo e


continua tão presente quanto na década de


a mudança na Educação de

1960, embora enfraquecida em alguns países da


Jovens e Adultos começa


região e marginal na maioria deles.



A tese desta apresentação é que estamos


pelos educadores

atravessando um momento favorável na Amé-



A educação de pessoas jovens e adultas tem rica Latina para gerar uma transformação posi-

enfrentado uma crise estrutural nos últimos tiva na Educação de Jovens e Adultos (EJA).

vinte anos: em repetidas ocasiões, discutiu-se Essa transformação deve começar nos pró-

o sentido dessa modalidade e em diversas ou- prios educadores. Ela deve ser gerada por pro-

tras os governos privilegiaram a educação da cessos integrados de formação, sistematização



população escolar. No entanto, a educação de e credenciamento da experiência, que possibi-



litem uma guinada radical tanto no trabalho e A formação docente tem reproduzido esse



na profissão docentes como na EJA. esquema e as práticas mais habituais de ino-



A mudança educacional tem habitualmen- vação e renovação nessa área têm consistido



te ocorrido a partir da concepção e da imple- na definição de novos perfis para os educado-


mentação de novos planos de estudo, da ela- res, em mudanças nos planos de estudo, no es-



boração de materiais ou da implementação de tabelecimento de conteúdos mínimos para a



programas de formação educacional. O currí- formação, na elaboração de materiais, em con-


culo, os modelos de gestão e os materiais di- cursos de projetos para instituições de forma-



dáticos têm sido usados como estratégias para ção, no credenciamento institucional ou na



melhorar a qualidade da educação, a qualida- promoção de pesquisas educacionais como



de dos sistemas educacionais, suas estruturas requisito ou norma estabelecida a partir do


e suas funções. Os sujeitos têm sido relegados nível central dos ministérios de educação. Em



a um segundo plano e tem prevalecido o pon- todas essas estratégias, os educadores têm sido



to de vista do “sistema” e de sua eficiência e relegados a um segundo plano. A formação dos


eficácia. A formação dos professores tem sido ○
formadores e o desenvolvimento de espaços de
abordada da mesma maneira, vista como uma reflexão nos próprios locais de trabalho ainda

estratégia para melhorar a qualidade dos sis- são ações marginais.



temas educacionais, mas não como um espa- Nesse contexto, no qual a formação tem-

ço para o educador e seu trabalho educacio- se tornado cada vez mais importante como es-

nal, para a reflexão e para a sistematização de tratégia de melhoramento ao mesmo tempo



sua prática. que os educadores continuam sendo executo-



A formação tem-se assemelhado mais a res e não protagonistas e em que a formação


uma missão salvadora para educadores ca- de educadores de jovens e adultos não foi abor-

racterizados como pseudoprofissionais ou dada em toda a sua especificidade e comple-



semiprofissionais do que a um espaço para os xidade, insere-se a tese que vamos analisar.

educadores se assumirem como os intelectu- Estamos imbuídos da visão a partir do sis-


ais necessários que são, necessários para a so- tema, que anula os sujeitos e os encerra em

ciedade e merecidamente participantes de um categorias de níveis e modalidades educacio-



processo de aprendizagem permanente. A for- nais, nichos chamados educação formal e



mação tampouco tem sido vista como parte le- não-formal ou informal, educação inicial, bá-

gítima do trabalho docente e integrada a ele sica, primária, secundária, superior, intercul-

como elemento da tarefa institucional e da ta- tural, para adultos, e outros. A inovação edu-

refa coletiva dos profissionais da área. Além cacional está ameaçada por sua própria som-

disso, os educadores têm sido vistos principal- bra e, em muitos casos, corre o risco de se tor-

mente como um insumo ou fator do processo nar apenas cópia ou réplica de algo já produ-

educacional, ou seja, apenas como recursos zido em outro lugar, ou seja, a inovação pode

humanos e não como sujeitos e protagonistas tornar-se repetição e, como qualquer repeti-

da mudança educacional e social. ção, ficar mais próxima das classificações


A principal limitação dos processos de for- dicotômicas e autoritárias que de espaços



mação reside nesse enfoque “de fora para den- multidimensionais e abertos. O exposto aci-

tro”, que privilegia mais a formação que o tra- ma insere-se num campo educacional que,

balho docente e que considera a formação em nível teórico, é “fraco”, já que reproduz

como um meio destinado a preparar os educa- conceitos das Ciências Naturais e segue mo-

dores para os programas de reformas educa- delos explicativos mecânicos próprios do es-

cionais. Os governos têm procurado formar tilo do modelo de insumo–produto. A produ-



professores de acordo com os requisitos das re- ção de teorias no campo da educação, a par-

formas e, assim, a formação tem sido definida tir da prática e do diálogo interdisciplinar, é

“de cima para baixo”, seguindo a mesma ori- a grande tarefa pendente sobre a qual se as-

entação daquelas. senta o tema que estamos analisando.


114
SIMPÓSIO 7
O desenvolvimento da EJA e a formação de professores na América Latina

Para transformar a educação de adultos, do-se finalmente livre e legítima para criar sua



precisamos questionar as categorias habituais própria configuração.



que nos permitem organizar nossa prática edu- A educação de adultos tem sido caracteri-



cacional e hierarquizá-la de acordo com os es- zada pelo princípio da “compensação” e usa-


quemas conhecidos e aceitos como naturais. da como um ato de “reparação” social princi-



Atribuímos às normas contingentes a condi- palmente pela escolaridade não alcançada por



ção de leis da natureza. “Desnaturalizar” as parte da população adulta. Desde sua origem,


noções e os nomes que constituem o campo a educação de adultos tem estado vinculada 115



da educação seria o primeiro passo para qual- aos setores sociais mais excluídos. Educação



quer mudança. de adultos é um nome que oculta o que todos



A transformação da EJA produzirá mudan- sabemos: que seus únicos destinatários têm


ças na educação como um todo, em sua tarefa sido adultos em situação de pobreza e que, na



social e em suas relações com a vida cotidiana maioria dos casos, tem consistido em esforços



e o trabalho. Para transformar a educação de orientados pela perspectiva compensatória



adultos, precisamos, em primeiro lugar, ques- (“uma educação pobre para pobres”).


tionar suas fronteiras, articular suas diversas Os sistemas educacionais foram organiza-



expressões e reintegrá-la ao conjunto de pro- dos para formar as novas gerações por meio de

cessos educacionais dos quais ela está se- uma instituição especializada, a escola, que

gregada ou separada. Essa é uma tarefa coleti- distribui a educação de acordo com a classe

va a ser levada a cabo por todos os profissio- social e com outras formas de classificação-

nais da área pensando juntos, por educadores discriminação. Nesse marco, a educação de

que estão investigando o que devem fazer. adultos tem sido a educação dos que estão

Embora a tese aqui apresentada se baseie “fora”, uma tarefa definida como “supletiva” ou

na noção de que a transformação da EJA deve “compensatória”, concebida para reparar a fal-

ocorrer a partir dos educadores e com sua par- ta de oportunidades dos grupos que não tive-

ticipação, a tarefa situa-se num espaço de con- ram acesso à escola ou não puderam continu-

vergência entre dois campos: a chamada “edu- ar seus estudos numa instituição escolar. Em

cação de adultos” e a formação docente, am- sua aplicação, uma parte da educação de adul-

bos em processo de revisão e debate. tos cumpriu seu mandato social como “educa-

ção compensatória” e outra se desvinculou


desse mandato e se comprometeu com os se-


A educação de adultos

tores sociais excluídos. A educação popular



A educação de adultos tem sido, desde deste século faz parte dessa educação de adul-

suas origens, um espaço com fronteiras per-


tos que procura um outro caminho. A pedago-


manentemente redefinidas, um espaço con- gia da libertação, promulgada por Paulo Freire,

traditório, tenso, propício tanto para a pro- e a educação popular, construída a partir da

moção de novas oportunidades para grupos teoria e da prática freireanas, caracterizam-se


excluídos e para a experimentação de novas


por sua explícita intencionalidade política de


práticas como para a reprodução de práticas conscientizar e promover a organização dos



escolarizadas e para a degradação e o empo- setores populares (García Huidobro, 1994).



brecimento dessas práticas. Há dez anos, uma Desde a década de 1960, observamos a convi-

pesquisa publicada pela Unesco chamou, em


vência de duas práticas de educação de adul-


seu título, a educação básica de adultos de “a tos: uma compensatória e outra vinculada aos

outra educação” (Messina, 1993). Esse nome setores excluídos e a suas organizações.

permanece: a “outra”, sempre determinada Considerada em seu conjunto, a educação


pela educação oficial e vinculada a ela, desti-


de adultos tem sido um espaço educacional


nada às novas gerações; a “outra”, para abran- heterogêneo, fragmentado e sensível a mudan-

ger também a possibilidade da saída, de ser ças políticas e sociais; retrai-se em tempos de

outra e perder-se nessa singularidade, tornan- ditadura e expande-se em períodos de demo-



cracia formal, em tempos de mobilização po- Além de compensatória e seletiva, a educa-



pular. Ao mesmo tempo, tem constituído um ção de adultos tem desempenhado papel mar-



foco de atenção educacional e de atrito social ginal no conjunto das ações dos países da re-



para os setores mais vulneráveis. gião e nas reformas implementadas na década


No entanto, a educação de adultos apresen- de 1990. Desempenhou um papel marginal,



ta-se com uma configuração tão diversificada também, em projetos regionais ou internacio-



quanto a enfoques, instituições e programas nais de longo prazo implementados na Améri-


que não seria válido, na América Latina, abordá- ca Latina, como o Projeto Principal de Educa-



la como uma “educação de adultos em geral”. ção para a América Latina e o Caribe – PPE



Devemos considerá-la fazendo referência a eta- (1980-2000) e a proposta da Educação para To-



pas, países, grupos de países, modalidades, dos (1990-2000).


ações do Estado ou da sociedade civil. Nesse O PPE, definido na reunião de ministros de



contexto, a primeira diferença significativa Educação realizada no México em 1979, resul-



pode ser identificada entre duas produções que tou de um grande desejo dos governos da re-


coexistem e se contrapõem na década de 1980 ○
gião de trabalhar em conjunto. Esse projeto
e começam a se complementar na década de contemplava uma proposta de “educação para

1990: os programas do Estado e os programas todos” organizada em torno da educação bási-



da sociedade civil. ca e inserida na linha da educação permanen-



Na maioria dos países, a educação de adul- te. Desde suas origens, o PPE propôs-se a dar

tos oferecida pelo Estado tem sido não apenas uma resposta ao analfabetismo e a melhorar a

compensatória, mas também seletiva. Sua ofer- oferta da educação de adultos. Sua proposta

ta concentrou-se nos centros urbanos e os gru- original compromete-se com os setores mais

pos mais excluídos (“os pobres dos pobres”) não excluídos e assume a perspectiva de “eliminar”

tiveram acesso a ela. Por sua vez, as pesquisas o analfabetismo e “ampliar os serviços” da edu-

indicam que as mulheres preferem participar de cação de adultos. Esse enfoque reduz o analfa-

programas comunitários de alfabetização ou de betismo a um sintoma e a educação de adultos


capacitação para ofícios domésticos, enquanto a uma oferta que deve ser ampliada, com base

os homens predominam na educação básica e na mesma lógica que imperou para o sistema

secundária formal e nos programas de educa- educacional formal: a expansão da cobertura.



ção profissionalizante de grande porte (Pieck, Além disso, o discurso e a prática do PPE con-

1996). Na educação básica formal de adultos, centraram-se progressivamente, nas duas últi-

participam em maior número pessoas que já mas décadas, no sistema educacional formal, na

têm alguma escolaridade ou que foram expul- escola e nos processos de ensino e aprendiza-

sas da escola recentemente. A educação secun- gem.


dária ou de segundo grau de adultos conta com Essa posição secundária desenvolveu-se de

um número maior de estudantes que a educa- tal forma que, em alguns países, a educação de

ção básica, comprovando que a escolaridade adultos descentralizou-se a ponto de dissolver



prévia condiciona a participação na educação as estruturas nacionais da modalidade (Argen-


de adultos (Messina, 1993). A educação-traba- tina, dissolução da Dinea) Em outros países, no



lho para os setores mais excluídos continuou entanto, foram mantidas estruturas fortes e

sendo terra de ninguém na década de 1990 centralizadas, com uma gestão progressiva-

(Pieck, 2000), da mesma maneira que a educa- mente descentralizada (Inea, México; Conafe;

ção pós-alfabetização esteve desconectada do outras instituições). Nesse sentido, o interesse



trabalho na década de 1980 (Schmelkes, 1988). do Estado em relação à educação de adultos é



Nesse marco, a educação de adultos apresenta- muito diferente na região. Nos países em que

se como uma modalidade na qual predominam continua funcionando como um espaço “regu-

os jovens e na qual os “adultos adultos” e os lar”, a educação de adultos é um espaço “à par-



adultos mais velhos têm pouca ou nenhuma te”. Em alguns países a segregação é tão acen-

participação. tuada que foi definida em lei como um “regime


116
SIMPÓSIO 7
O desenvolvimento da EJA e a formação de professores na América Latina

educacional especial”, como a educação espe- culação do conhecimento e também do mundo



cial, a educação artística e a educação para po- do trabalho e dos sistemas de poder (Infante,



pulações indígenas. 2000; Kalman, 2000).



Marginal, compensatória, seletiva e segre- A educação de adultos caracteriza-se pela


gada: esses atributos se conjugam e definem um heterogeneidade e fragmentação, desde as cam-



espaço para a educação de adultos. A con- panhas maciças de alfabetização até os progra-



trapartida social é um alto contingente de jo- mas de continuação de estudos primários ou


vens e adultos que são analfabetos ou não che- básicos e secundários e os programas de edu- 117



garam a concluir o primeiro grau. Segundo es- cação profissionalizante. Embora os países se



timativas da Unesco, essa população totalizava tenham proposto a criar sistemas integrados de



150 milhões no início da década de 1990 e se educação de adultos, suas diferentes modalida-


manteve nos mesmos níveis até o final dessa des continuam, na prática, desvinculadas.



década. Ainda de acordo com essas mesmas Essa desarticulação se soma à exclusão en-



estimativas, a maioria desses jovens e adultos frentada pela maioria dos países. Além disso, a



vive no Brasil e no México. Essa demanda silen- falta de ações intersetoriais parece caracterizar


ciosa – que não demanda – deve ser alvo da ta- a educação de adultos: enquanto os Ministérios



refa que precisamos levar a cabo. É a partir des- da Educação ou instituições semelhantes se

sa caracterização que devemos abordar a for- encarregam da alfabetização e da educação for-



mação dos docentes. mal de adultos, os Ministérios do Trabalho e os


Um outro aspecto fundamental a ser leva- institutos de formação profissional assumem a



do em consideração ao se falar sobre a forma- educação profissionalizante. Embora alguns



ção dos educadores de adultos é o fato de o cha- Ministérios da Mulher ou da Juventude assu-

mado “analfabetismo” incluir tanto as popula- mam tarefas de alfabetização ou de educação



ções que desconhecem a escrita da língua ofi- profissionalizante, em convênio com Ministé-

cial (os chamados “analfabetos absolutos”) rios da Educação ou independentemente, e



como as populações cuja escolaridade é insufi- embora a atuação de Ministérios do Trabalho


ciente para possibilitar sua inclusão na socie- ou da Mulher nessa área tenha sido registrada

dade (os chamados analfabetos funcionais, cujo como uma novidade na década de 1990, ainda

indicador é a escolaridade básica incompleta, não existe uma agenda intersetorial efetiva.

assumindo-se a conclusão de sete séries como Some-se a esse fato a sobreposição de uma

elemento discriminador) (Infante, 2000). grande quantidade de instituições e progra-



Além disso, o analfabetismo de indivíduos e mas. No caso da formação profissional na Amé-



grupos é sempre um “problema” social, um sin- rica Latina, temos um verdadeiro emaranha-

toma de exclusão social e de colonização cultu- do de instituições (Gallart, 2000) e no México


ral que não pode ser reduzido a habilidades de a situação é semelhante (Pieck, 1996). Ao mes-

aprendizagem ou a competências sociais. No mo tempo, os governos optaram, no campo da



mesmo sentido, a alfabetização não se resume à educação de adultos, por políticas de “omis-

possibilidade de ter acesso a um código e de são” (não fazer nada e direcionar recursos para

administrá-lo: ela implica a capacidade de pen- outras áreas), de eliminação (dissolução de es-

sar a partir de um código e a possibilidade de truturas, centros e programas) ou de emergên-



poder contar com espaços de trabalho e famili- cia (programas maciços de curto prazo cen-

ares nos quais a língua escrita faça parte da vida trados em resultados rápidos e não em proces-

cotidiana. A formação docente deve contemplar sos). Tanto as campanhas de alfabetização



a preparação para essa maneira de conceber e como os programas de educação profissiona-



contextualizar o analfabetismo e a alfabetização. lizante são exemplos de ações desse tipo. O ob-

É importante, também, que concebamos a alfa- jetivo das campanhas é que as pessoas mudem

betização como elemento da distribuição social de categoria, a saber, da categoria de analfabe-



do conhecimento. Ser alfabetizado é condição tas à de alfabetizadas; e os programas profissio-



necessária para participar da produção e da cir- nalizantes do estilo acima mencionado obje-

tivam também uma mudança na classificação é uma categoria criada a partir de uma perspec-



das pessoas: de desempregadas a “inseridas no tiva da educação como uma soma de progra-



mercado de trabalho”. mas, muitos dos quais não se identificam com



Já afirmamos anteriormente que a educa- esse espaço (Unesco, Marco Regional de Ação,


ção de adultos tem estado sujeita a um proces- 2000). Os educadores e os instrutores de cursos



so de permanente redefinição de suas frontei- profissionalizantes identificam-se como educa-



ras. Na década de 1990, o termo “educação de dores de adultos, o que não acontece com os


adultos” foi alterado para “educação de jovens educadores dos Ministérios da Saúde, da Mu-



e adultos”, em decorrência da presença majori- lher, da Juventude e outros. Podemos pensar a



tária de jovens nessa modalidade, fato confir- educação de adultos como algo diferente de



mado por pesquisas educacionais (estudo re- uma soma de alfabetização, educação básica e


gional da Unesco em 13 países, sobre a educa- cursos profissionalizantes, como programas



ção básica de adultos; cf. Messina, 1993). sobrepostos.



Durante o processo de acompanhamento A necessidade de articulação é tão pertinen-


regional da Conferência Mundial sobre a Educa- ○
te quanto manter o compromisso com os seto-
ção de Adultos (Confintea V, Hamburgo, 1997), res excluídos e, ao mesmo tempo, evitar qual-

que gerou um foro permanente entre 1998-2000, quer segregação: as propostas de uma “educa-

coordenado e impulsionado pela Unesco/Crefal/ ção para a vida” precisam incluir essas reflexões.

Ceaal/Inea, surge um novo nome: “educação de A tarefa é proporcionar a pessoas que estão fora

pessoas jovens e adultas”, para levar em consi- dos sistemas educacionais a oportunidade de

deração a dimensão do gênero. reintegrar-se a eles, lógica que também é váli-



A preocupação com as fronteiras dessa mo- da para pensarmos a respeito da participação


dalidade educacional vai além de denomina- dos educadores.



ções e referências a seus destinatários. No pro- Os governos concentraram seus esforços na



cesso de acompanhamento da Confintea V, hou- população em idade escolar. Um novo projeto



ve um questionamento radical em relação ao de educação de adultos implica não apenas um


campo da EJA. Argumentou-se que: a) a EJA tor- orçamento maior ou sua inclusão nos proces-

nou-se uma referência abstrata, já que jovens e sos de reforma: ele pressupõe a redefinição dos

adultos estão em todos os espaços; b) a EJA rei- sistemas educacionais e da tarefa educacional

vindica espaços nos quais instituições setoriais como um todo; pressupõe uma perspectiva de

já estão atuando; c) é necessário pensar na EJA educação permanente e inclusiva que conside-

como algo que vai além da alfabetização, da re os setores mais excluídos como o centro de

educação básica ou dos cursos profissio- suas ações sem que isso signifique oferecer uma

nalizantes; d) a articulação não pode limitar-se educação pobre para pobres.


a vinculações curriculares e deve envolver ne-



xos institucionais; e) a necessidade de repen-


A formação docente

sar a EJA abre-nos diferentes alternativas, que


O segundo núcleo a partir do qual devemos


incluem sua conservação como modalidade,


complexas articulações entre seus distintos pro- considerar a formação dos educadores de adul-

gramas e submodalidades e sua dissolução em tos é a própria formação docente. É evidente



algo novo e inédito; f ) essas transformações que os educadores têm sido eternamente rele-

gados a um plano inferior numa hierarquia cujo


devem ser promovidas mantendo-se o compro-


misso com os setores mais excluídos. Esses de- escalão mais baixo é a educação de adultos.

bates, que continuam em andamento, foram Eles têm sido desfavorecidos não apenas

parcialmente assumidos por um documento em termos de condições de trabalho e de salá-


rios. A questão fundamental é o abismo entre


redigido numa reunião regional organizada pela


Unesco (Marco Regional de Ação, 2000). a educação necessária em nossos tempos, as



Com base nessas reflexões, precisamos nos demandas colocadas aos educadores e as con-

perguntar até que ponto a educação de adultos dições a eles proporcionadas pelo Estado. O

118
SIMPÓSIO 7
O desenvolvimento da EJA e a formação de professores na América Latina

vínculo entre o magistério e o sistema educa- sicas: a transferência à educação superior e a



cional, tão forte no século XIX, hoje já não exis- ampliação dos anos de escolaridade dos pro-



te. Os sistemas educacionais contribuíram gramas. Ao mesmo tempo, a profissão docen-



para a criação e a consolidação dos estados te continuou sendo categorizada como uma


nacionais e os professores, por sua vez, foram profissão de segunda ordem no conjunto das



“a mão” dos sistemas educacionais, uma con- profissões.



gregação leiga disposta a executar um manda- Em todos os países da região, foram desen-


to e uma doutrina. Os sistemas educacionais volvidos programas de renovação da formação 119



parecem ter-se esquecido de que precisarão de docente (inicial e continuada) na década de



seus professores. Pode-se conjeturar que não 1990; no entanto, a separação entre a forma-



se trata de uma confusão, e sim de uma opção ção inicial e a formação em serviço foi man-


sistemática por uma outra coisa: os meios de tida, bem como a separação entre a escola e as



comunicação e os sistemas virtuais. Nem mes- instituições de formação e entre as carreiras



mo os sindicatos de professores, ainda pode- que formam para os diferentes níveis e moda-



rosos em alguns países, conseguiram mudar lidades do sistema educacional. A formação


essa situação. docente reproduz a estrutura fragmentada do



Salários baixos, condições de trabalho que sistema educacional.

obrigam o professor a ter mais de um empre- Por último, as inovações na formação do-

go, falta de uma formação sistemática e o fato cente inicial não incorporaram a problemáti-

de a formação não fazer parte do trabalho do- ca da educação de pessoas jovens e adultas

cente não representam questionamentos legí- nem a perspectiva da educação permanente.



timos, e sim elementos a serem organizados A formação de educadores de adultos conti-


para satisfazer às novas exigências do currícu- nuou segregada ou passou a fazer parte da for-

lo e da gestão. A profissão docente tem sido mação geral dos professores.



questionada e considerada um ofício ou uma No entanto, a conjuntura atual é favorável,



semiprofissão, enquanto o profissionalismo já que foram introduzidas mudanças na forma-


tem sido visto como um processo de fora para ção docente em quase todos os países da região.

dentro: o processo de profissionalizar quem Surgiram, também, experiências de formação



não é profissional. O que se propõe, com base nos próprios espaços de trabalho, workshops

em outros marcos de referência, é a promoção nas escolas que, em alguns casos, geraram es-

do “profissionalismo” como um caminho a ser truturas de autogestão interconectadas em re-



percorrido a partir dos próprios educadores des. Essas experiências foram organizadas em

por duas vias: a epistemológica, que implica a torno da reflexão da prática pedagógica. Em que

sistematização a partir da reflexão da prática pesem essas “boas notícias”, no entanto, a prin-

docente nos espaços de grupos docentes, e a cipal limitação dos processos de formação é o

política, ou da organização e participação dos enfoque de fora para dentro, que privilegia mais

educadores nas políticas públicas por meio dos a formação que o trabalho e considera a forma-

sindicatos de professores (Hargreaves; Pérez ção como um meio para preparar os educado-

Gómez, outros). Embora prevejam a participa- res para programas de reformas. Por essas ra-

ção de docentes, as reformas a limitam ao zões, os novos modelos de formação recebem



âmbito da escola e não permitem que os pro- críticas por terem sido definidos “de cima para

fessores participem efetivamente na definição baixo”, seguindo a orientação das reformas.


dos projetos educacionais nacionais ou das O debate sobre a formação de educadores



grandes políticas educacionais e que desem- insere-se nesse contexto, no qual a formação

penhem o papel que lhes cabe na educação adquiriu relevância e, ao mesmo tempo, os edu-

para a vida social. cadores continuam sendo executores e não pro-


A formação docente tem estado sujeita a tagonistas e no qual a formação de educadores



uma hierarquização formal nos últimos vinte de pessoas jovens e adultas não foi abordada em

anos, em decorrência de duas estratégias bá- toda a sua especificidade e complexidade.



A formação dos educadores de 2. Criação de um espaço de diálogo e siste-



matização de experiências tanto no nível


pessoas jovens e adultas


dos países como da região (América Lati-


na), com a participação de profissionais


Não temos uma situação comum em todos


das diferentes instituições que atuam no


os países da região. Apenas alguns países estão
campo da educação de adultos (Ministé-


debatendo o tema neste momento. Além disso,


rios de Educação e outros, ONGs, univer-


o debate se diferencia de acordo com a situa-


sidades), educadores e sindicatos de pro-


ção dos docentes e do papel que desempenham.
fessores.


Enquanto em alguns países, como a Argentina,


3. A tarefa de formação é específica e, ao


os educadores são formados e atuam como pro-


mesmo tempo, concebida para diferentes


fessores da educação formal de adultos, em


tipos de educadores. Um de seus propósi-


outros, como México, os educadores de adul-
tos é criar um espaço de intercâmbio, for-


tos (os assessores do Inea) são, em sua maioria,


mação e produção de conhecimentos en-

“voluntários”, pessoas da comunidade, sem di-


volvendo educadores de adultos de dife-
ploma e com salários baixíssimos. ○

rentes origens e tipos de formação (edu-


Conseqüentemente, enquanto na Argenti-

cadores comunitários, educadores profis-


na se discute a formação inicial dos educado-


sionais, educadores interculturais, educa-


res de adultos (em que tipo de instituição, que dores da formação profissional, outros). A

tipo de estrutura curricular etc.), no México o reflexão a partir da prática é um enfoque-


tema em questão é o credenciamento ou chave para a realização dessa tarefa.



certificação da experiência dos educadores de


4. A outra tarefa é integrar a problemática da


adultos no contexto de um programa integral educação de pessoas jovens e adultas ao



de formação, sistematização e credenciamento conjunto dos programas de formação ini-


da experiência.

cial, promovendo, particularmente, carrei-


Qual é a formação inicial dos educadores de ras de formação de educadores com um



adultos? No caso dos educadores diplomados, ciclo comum e menções, uma das quais

seria a educação de adultos. No ciclo co-


eles são, em sua maioria, professores formados


nas escolas normais e nos institutos de forma- mum, não apenas se recuperaria a tradi-

ção, que não oferecem formação específica ini- ção da educação popular e a sistematiza-

ção educacional como também os estu-


cial em educação de adultos. Existem poucas


dantes seriam sensibilizados para perceber


carreiras em toda a região da América Latina


os jovens e adultos como sujeitos legítimos


exclusivamente formadas para a educação de

de sua tarefa, desconcentrando-se das cri-


adultos. Em outros casos, temos as carreiras de


anças e encarando a educação como um


pós-graduação. Os educadores não-diplomados


processo que envolve todas as gerações.


são bacharéis formados em serviço aos quais,


em alguns casos, são oferecidos cursos de pós-



graduação. A reafirmação da responsabilidade do Esta-


do no campo da formação dos educadores de


A partir desse breve diagnóstico, o que se


adultos e da educação de adultos é o núcleo a


propõe é o seguinte:

partir do qual estas reflexões foram organiza-


1. Definição da tarefa em nível nacional e re-


das. Além disso, a formação de educadores é o


gional (América Latina), a partir de um

caminho para se repensar e dinamizar a educa-


amplo processo participativo que envolva


ção de adultos. Habitualmente, as mudanças


instituições educacionais e sociais e edu-


cadores, visando à identificação da com- têm sido geradas a partir do currículo ou do



plexa situação da formação de professores desenvolvimento institucional, mas não a par-


para a educação de adultos. Essa tarefa tir dos educadores e com eles. Estamos fazen-

pressupõe a determinação do estado atual do alusão a um programa integral que conjuga



da educação de adultos e da formação de a formação, a sistematização da experiência e


educadores de adultos.

o credenciamento. Isso implica tanto a pesqui-


120
SIMPÓSIO 7
O desenvolvimento da EJA e a formação de professores na América Latina

sa de quem são e de que necessitam os educa-


PIECK, Enrique. Función social y significado de la


dores como a criação de uma proposta de edu- e d u c a c i ó n c o mu n i t a r i a . U n a s o c i o l o g í a d e l a



e d u c a c i ó n n o fo r m a l . M é x i c o : U n i c e f / C o l e g i o
cação de adultos que parta dos interesses e dos


Mexiquense, 1996.


conhecimentos das pessoas e que esteja orien-


. Educación de adultos y formación para el
tada para os setores mais excluídos. Esse pro-


trabajo en América Latina: incidencia y posibilidades en


cesso é o inverso da definição de perfis docen- los sectores de pobreza. In: JACINTO, Claudia;



tes ou da predeterminação de conteúdos míni- GALLART, María Antonia. Por una segunda oportunidad:


mos para a formação. Trata-se de uma forma- la formación para el trabajo de los jóvenes vulnerables. 121



ção docente para educadores de adultos como Montevideo: Cinterfor/OIT/Rede Latino-Americana de


Educação e Trabalho, 1998.


sujeitos de direitos, cidadãos plenos e inter-


PIECK, Enrique. Educación de jóvenes y adultos vinculada


locutores do Estado na definição de políticas al trabajo. In: Unesco/Ceaal/Crefal/Inea. La educación


educacionais, ou seja, o oposto de uma forma-


de personas jóvenes y adultas en América Latina y el


ção de educadores como executores de progra- Caribe. Prioridades en el siglo XXI. Santiago de Chile,



mas num espaço “sala de aula”, em lugares 2000.


RIVERO, José. Educación de adultos en América Latina.


escolarizados, ainda que não inseridos fisica-


Desafíos de la equidad y la modernización. Madrid: Oei,
mente na escola. Essas propostas precisarão


1993.

estar articuladas com uma formação geral e

○ . Educación y exclusión en América Latina.
comum de todos os educadores e profissionais

Reformas en tiempos de globalización. Lima: Tarea,


das Ciências Sociais e de Saúde em torno da 1999.


tarefa social inadiável e específica que a educa-


SCHMELKES, Sylvia. Postalfabetización y trabajo en Amé-


ção de pessoas jovens e adultas implica. rica Latina. Pátzcuaro, México: Unesco/Orealc/Crefal,

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SIMPÓSIO 8

O FUNDEF E A VALORIZAÇÃO
DO MAGISTÉRIO
Ulysses Cidade Semeghini

Oswaldo José Fernandes

123
O Fundef e a valorização




do Magistério






Ulysses Cidade Semeghini



Fundef/MEC









O Fundef foi criado para garantir uma Educação. O valor referente ao Fundef é credi-


subvinculação dos recursos da educação para tado em conta específica, sempre que houver



o Ensino Fundamental, assim como para asse- arrecadação e repasse de recursos das fontes



gurar uma melhor distribuição desses recursos. que alimentam o Fundo. Ou seja, o crédito da

Com esse fundo de natureza contábil, cada es- ○

parcela do Fundef originária do FPM acontece
tado e cada município recebem o equivalente na mesma data do repasse do FPM, o mesmo

ao número de alunos matriculados na sua rede ocorrendo com relação às outras fontes.

pública do Ensino Fundamental. Os recursos devem ser utilizados da seguin-


Além disso, é definido um valor mínimo te maneira:



nacional por aluno/ano. O Fundef foi criado • Sessenta por cento, no mínimo, para remu-

pela Emenda Constitucional nº 14/96, regula- neração dos profissionais do magistério em


efetivo exercício no Ensino Fundamental


mentado pela Lei nº 9.424/96 e pelo Decreto


nº 2.264/97 e implantado automaticamente público. Até dezembro de 2001, parte dessa



em janeiro de 1998 em todo o país. parcela também pode ser utilizada para ha-

bilitação de professores leigos.


O Fundo é composto, no âmbito de cada


• Quarenta por cento, no máximo, em outras


estado, por 15% das seguintes receitas:


• Fundo de Participação de Estados e Muni- ações de manutenção e desenvolvimento do



cípios (FPE e FPM). Ensino Fundamental público, como, por


exemplo, capacitação de professores, aqui-


• Imposto sobre Circulação de Mercadorias


sição de equipamentos, reforma e melhorias


e Serviços (ICMS).

de escolas da rede de ensino e transporte


• Imposto sobre Produtos Industrializados, escolar.



proporcional às exportações (IPIexp).


A Lei nº 9.424/96 faculta, até dezembro de


• Ressarcimento pela desoneração de ex- 2001, a utilização de parte da parcela dos 60%

portações de que trata a Lei Complemen-


dos recursos do Fundef na habilitação de pro-


tar nº 87/96 (Lei Kandir).


fessores leigos. Porém é necessária a identifi-


• Complementação da União (quando neces-


cação desses professores com base na Lei de


sário). Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)



e na Resolução-CNE nº 03/97, que considera



Em cada estado, os recursos do Fundef são como leigos, para efeito de atuação no Ensino

Fundamental, os professores que:


distribuídos entre o governo estadual e os go-


vernos municipais, de acordo com o número de • tenham apenas o Ensino Fundamental, com-

alunos do Ensino Fundamental público aten- pleto ou incompleto;



dido em cada rede de ensino (estadual ou mu- • lecionem para turmas de 1ª a 4ª séries e não

nicipal), conforme os dados constantes do Cen- possuam o Ensino Médio, modalidade Nor-

so Escolar do ano anterior. Esse censo é reali- mal (antigo Magistério);



zado a cada ano pelo Instituto Nacional de Es- • lecionem para turmas de 5ª a 8ª séries sem

tudos e Pesquisas Educacionais (Inep) do MEC, que tenham concluído o Ensino Superior, em

em parceria com as Secretarias Estaduais de cursos de Licenciatura em área específica.


124
SIMPÓSIO 8
O Fundef e a valorização do Magistério

A partir de 2002, a possibilidade de apoiar a O efetivo exercício é caracterizado pela exis-



habilitação de professores leigos não mais será tência de vínculo definido em contrato próprio,



possível com a parcela dos 60% do Fundef. En- celebrado de acordo com a legislação que dis-



tretanto todos os investimentos voltados à for- ciplina a matéria e pela atuação, de fato, do pro-


mação inicial dos profissionais do Magistério fissional do Magistério no Ensino Fundamen-



poderão continuar sendo financiados com a tal. Os afastamentos temporários previstos na



parcela dos 40% dos recursos do Fundo. legislação, tais como férias, licença-gestante ou


A atualização e o aprofundamento dos co- paternidade, licença para tratamento de saúde, 125



nhecimentos profissionais deverão ser promo- não caracterizam ausência ao efetivo exercício.



vidos a partir de programas de aperfeiçoamen- A legislação do Fundef não estabelece valor



to profissional continuado, assegurados nos mínimo (piso) ou valor máximo (teto) de salá-


planos de carreira do Magistério público. Po- rio para o Magistério. As escalas salariais deve-



dem ser usados os recursos da parcela dos 40% rão integrar o Plano de Carreira e Remunera-



do Fundef, inclusive para o desenvolvimento da ção do Magistério que cada governo (estadual



formação, em Nível Superior, dos professores na e municipal) deve implantar. Assim, os salários


docência de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamen- serão definidos de acordo com a realidade de



tal, obedecendo nesse caso às exigências legais cada um desses governos, ou seja, de acordo

estabelecidas. com o número de profissionais e de alunos, a



Em relação a esses cursos (que não tenham receita, a jornada de trabalho, entre outras va-

como finalidade a habilitação do professor), o riáveis.



MEC não realiza o credenciamento de institui- O MEC, por intermédio do Fundescola, de-

ções que ofereçam cursos de capacitação; no senvolveu um software para auxiliar os gover-

entanto, torna-se necessária a verificação sobre nos que precisem criar um novo Plano de Car-

eventuais exigências relacionadas ao credencia- reira e Remuneração do Magistério. O progra-



mento dessas instituições nos Conselhos Esta- ma permite a realização de criterioso estudo da

duais e Municipais de Educação. realidade do estado ou do município e a simu-


A LDB (art. 62) estabelece que os docentes lação de alternativas de planos, tomando como

da Educação Básica deverão ser formados em base as diretrizes e dispositivos legais vigentes.

Nível Superior (Licenciatura Plena), mas admi- A Lei nº 9.424/96 estabelece a obriga-

te como formação mínima a de Nível Médio, toriedade de implantação de novos Planos de


modalidade Normal, para a docência nas qua- Carreira e Remuneração para o Magistério em

tro primeiras séries do Ensino Fundamental. estados e municípios. Portanto, se o prefeito ou



Dessa forma, os professores deverão, no futu- o governador ainda não tomaram essa providên-

ro, ser formados em Licenciatura específica ou cia, a sociedade, particularmente a comunidade


em curso Normal Superior, pois a melhoria da escolar, deverá mobilizar-se, envolvendo o Po-

qualidade do ensino constitui um compromis- der Legislativo local, no sentido de buscar o cum-

so que passa também pela valorização do Ma- primento desse mandamento legal.

gistério. Portanto não há prazo para os sistemas A maior parte dos recursos do Fundef (par-

de ensino deixarem de aceitar a formação em cela anual mínima de 60%) deve ser utilizada

Nível Médio, modalidade Normal, para quem na remuneração dos profissionais do Magisté-

faz parte do quadro do Magistério, com atua- rio do Ensino Fundamental, ou seja, na cober-

ção nas quatro primeiras séries do Ensino Fun- tura da folha de pagamento desses profissio-

damental. nais. Assim, as tabelas salariais do Magistério



Os profissionais do Magistério são aqueles constantes do Plano de Carreira e Remunera-



que exercem atividades de docência e aqueles ção deverão incorporar os eventuais ganhos fi-

que oferecem suporte pedagógico a tais ativi- nanceiros alcançados em razão do Fundef. Des-

dades, como as de administração ou direção de sa forma, podem ser adotados mecanismos e



escola, planejamento, inspeção, supervisão e formas de concessão de ganhos adicionais em



orientação educacional. favor desses profissionais, como abonos, por



exemplo, em caráter temporário e excepcional, tal representavam 6,3% do total lecionando no



sempre sob o princípio da transparência e com conjunto das redes públicas do país, em junho



o respaldo legal exigido (lei municipal no caso de 2000 essa proporção já estava reduzida a



de rede municipal de ensino). 3,1%.


Com o objetivo de analisar as principais Ainda que se reitere que uma das metas



mudanças e os avanços ocorridos em favor do mais ambicionadas pelo Fundef seja a de pro-



Ensino Fundamental no período compreendi- mover a erradicação, como vem de fato ocor-


do entre a implantação do Fundef, em janeiro rendo, da categoria de docentes não-qualifica-



de 1998, e junho de 2000, o MEC contratou pes- dos, os maiores percentuais de aumento aca-



quisa amostral nos estados e municípios. Uma baram por beneficiar os professores cuja esco-



das idéias centrais na concepção do Fundo é a laridade máxima era o Ensino Fundamental


valorização do Magistério, tema que orientou a completo. Isso se explica com facilidade, uma



maior parte do esforço da pesquisa. A seguir, vez que grande parcela desses profissionais re-



sintetizam-se seus principais resultados, no que cebia remunerações inferiores aos requisitos


se refere a salários, capacitação e aumento do ○
mínimos, não raro muito menores que o salá-
número de docentes. rio mínimo. O percentual nacional médio de

Os indicadores referentes à evolução do acréscimo para essa categoria situou-se entre



número de professores do Ensino Fundamen- 50 e 60%, com grande destaque para a Região

tal, no período de dezembro de 1997 a junho Nordeste.


de 2000, indicam um crescimento global nes- Há várias formas para se obterem informa-

se contingente da ordem de 10% – mais de 100 ções sobre o Fundef:



mil novos postos de trabalho apenas entre os • Os Conselhos de Acompanhamento e Con-


docentes, sem contar auxiliares, profissionais trole Social do Fundef (estaduais e munici-

de apoio administrativo e pedagógico etc. As pais) devem receber, do Poder Executivo,



duas categorias mais numerosas – professores relatórios periódicos de comprovação da


aplicação dos recursos. Também podem so-


com formação em Nível Médio (modalidade


Normal) e professores com Nível Superior (Li- licitar o extrato da conta do Fundef direta-

mente à agência do Banco do Brasil onde os


cenciatura Plena) – representavam, em junho

recursos são depositados.


de 2000, cerca de 49% e 35%, respectivamen-


• Representantes do Legislativo local, Tribu-


te, do total de professores do Ensino Funda-


mental e tiveram índices de crescimento qua- nais de Contas e o Ministério Público tam-

se idênticos, cerca de 11,5% (acima da média, bém podem obter informações do Banco do

Brasil, quando solicitadas.


portanto), em relação aos números de dezem-


• O público em geral pode ter acesso aos va-


bro de 1997.

Em face da permissão legal de utilização de lores repassados a estados e municípios pela



parte da parcela de 60% do Fundef (vinculada Internet, no seguinte endereço: <www.mec.


gov.br/sef/fundef>, onde é possível o aces-


ao pagamento do Magistério), para fins de ha-


so ao Banco do Brasil e à Secretaria do Te-


bilitação de professores leigos (até o ano 2001),


souro Nacional.
nota-se que, se antes de 1998 apenas 23% das

redes de ensino desenvolviam atividades vol- • Nas cidades com menos de 100 mil habi-

tantes, a comunidade pode acompanhar os


tadas à capacitação de professores leigos, em


valores repassados ao município em carta-


junho de 2000 nada menos do que 73% delas o


faziam. Assim, uma das prioridades vinculadas zes fixados nas agências dos Correios.

à criação do Fundef, que é a extinção da cate- Na cartilha intitulada Fundef – Manual de



goria de professores leigos, com a conseqüente Orientação, elaborada pelo MEC e distribuída

às Secretarias de Educação dos estados e mu-


melhoria na qualificação do corpo docente, está


sendo rapidamente atingida em todo o país. nicípios, são oferecidas orientações gerais. En-

Verifica-se que, se, em dezembro de 1997, pro- tretanto, se necessário, pode-se procurar o De-

fessores com formação até o Ensino Fundamen- partamento de Acompanhamento do Fundef,


126
SIMPÓSIO 8
O Fundef e a valorização do Magistério

em Brasília, pelo telefone (61) 410-8648, pelo fax


representantes do Poder Legislativo local,


(61) 410-9283, por e-mail <fundef@mec.gov.br> para que estes, pela via da negociação ou



ou, ainda, pelo Fala Brasil (0800-616161). pela adoção de providências formais, pos-



Em caso de descumprimento dos dispositi- sam buscar a solução junto ao governante


vos legais sobre o Fundef, recomenda-se: responsável;



• procurar, primeiramente, os membros do • ainda, se necessário, recorrer ao Ministério



Conselho de Acompanhamento e Controle Público (Promotor de Justiça), diretamente ou


Social do Fundef, para que este solicite ao 127


com a ajuda e intermediação do Conselho do


responsável, se necessário, a correção das


Fundef, formalizando suas denúncias, enca-


irregularidades praticadas; minhando-as, também, ao respectivo Tribunal



• na seqüência, se necessário, procurar os de Contas (do estado ou dos municípios).












DEBATE


O Fundef e a valorização


do Magistério




Oswaldo José Fernandes



Secretário Municipal de Educação, Cultura e Esportes – Jundiaí/SP







Não há nenhuma possibilidade de mudan- de educadores conseqüentes, porém permitiu,



ça, no interior da sala de aula, que não seja por primeiro, que socializássemos parte da renda

meio do professor, e não há nenhum profes- nacional, uma vez que criou uma bolsa, um

sor capaz de promover mudanças, dentro de fundo que leva as pessoas a participar de ma-

sua sala de aula, a não ser por meio da neira direta de nossa sociedade de consumo.

capacitação permanente, bem como da forma- Outra mudança importante, além da dis-

ção de um novo quadro do Magistério, adequa- tribuição de renda, é que ele provocou o re-

do às exigências do novo século, do novo mi- torno de professores que estavam afastados

lênio. por conta dos baixos salários, tanto no Norte e



Essa capacitação tem custo, não é feita gra- no Nordeste quanto nos estados do Sul e do

tuitamente. O sistema de ensino não pode co- Sudeste, pois os salários melhoraram e as pes-

brar de seus professores qualquer coisa, ne- soas passaram a integrar o mercado consumi-

nhum centavo, em relação à formação e à dor, a ser cidadãs. O Fundef resgata a cidada-

capacitação – isto é inadmissível. É preciso que nia, especialmente dos trabalhadores em edu-

os sistemas, quer municipais, estaduais ou fe- cação.


deral de ensino, respondam de maneira soli- Além disso, o Fundef coloca em cena o En-

dária à formação e à capacitação desses pro- sino Fundamental, que é, fazendo aqui um tro-

fissionais. cadilho, como o nome diz, fundamental, im-



Qual é o papel do Fundef em relação a isso? portante. Não há quem caminhe no sentido

A instituição do Fundef encontrou resistên- contrário. O Fundef permitiu que fossem



cia por parte de muita gente, estranhamente alocados recursos para a melhoria da qualida-

de de ensino. Mesmo antes do Fundef, o go- cação, aqueles que são usuários dos diversos sis-



verno Fernando Henrique Cardoso cuidava da temas de ensino, especialmente dos sistemas



universalização do ensino, mas o grande dra- municipais.



ma está colocado em duas pontas: uma delas O Fundef, ao sinalizar para um piso míni-


é a da permanência, como evitar a evasão; ou- mo (piso pode não ser o termo mais conveni-



tra é a permanência com qualidade. Não basta ente, mas refere-se ao mínimo em termos de



garantir a permanência e evitar a evasão. É pre- salário), fez com que houvesse uma correção


ciso fazer isso com qualidade. Essa é uma ques- rápida nos salários dos trabalhadores em edu-



tão central e está relacionada, efetivamente, cação, estabelecendo, à época, um valor-refe-



com a formação do profissional, porque o alu- rência em torno de R$ 320,00.



no não está na escola só para aprender a ler e Outra questão que o Fundef também colo-


a escrever, tem de aprender a viver, a somatizar ca é que, ao se estabelecer que o governo fe-



conhecimentos e isso passa pela qualidade do deral teria recursos complementares para a co-



professor. bertura de Fundos Estaduais, isso gerou segu-


O aluno não vai aprender sozinho; o profes- ○
rança nos agentes educacionais dessas áreas.
sor é uma figura imprescindível na vida do es- Ao colocar em cinco ou seis estados brasi-

tudante. Ele precisa estar ali para monitorar o leiros recursos para a educação, o governo fe-

conhecimento das crianças, da apropriação cul- deral permite que, a médio e longo prazos, te-

tural, do saber, da leitura, da Matemática, da nhamos uma sociedade mais educada, cujos

Literatura, dos conceitos de boa qualidade de resultados poderão não ser vistos rapidamen-

vida. O Fundef, colocando no cerne da questão te, mas serão no dia-a-dia das comunidades. No

o Ensino Fundamental, vai permitir a médio e desempenho das crianças e dos jovens é que

longo prazos que a educação tenha outro per- vamos poder observar qual a importância real

fil, porque com professores melhores qualifica- da distribuição de renda por meio da educação.

dos, mais bem informados teremos uma socie- Vale lembrar que o Fundef é transitório,

dade melhor do ponto de vista do conhecimen- decenal. Do Fórum de Secretários Municipais


to. Esse é um papel importante que o Fundef de Educação das Prefeituras do PSDB de São

está desenvolvendo, neste momento, nacional- Paulo, realizado em 29 de setembro de 2001, em



mente, no que tange à educação. Jundiaí, foi extraída uma carta, propondo que

O governo federal acertou, como balizador se dê prioridade ao Fundef, para que se torne

das políticas públicas, ao colocar na ordem do artigo permanente, no capítulo relacionado à



dia a educação. Também por conta disso houve Educação, consagrado na Constituição Federal,

um estímulo muito grande para a municipa- e sugerindo, ainda, no caso de São Paulo, que

lização do ensino. Embora sem embutir em seu fizéssemos o mesmo em relação à Constituição

contexto de legislação, o Fundef criou facilida- Estadual. Nesse mesmo Fórum, deliberou-se

des para que os municípios, principalmente do que o deputado federal por Jundiaí, Dr. André

Sul e do Sudeste, aderissem ao processo de Benassi, fosse o encaminhador dessa proposta



municipalização. A municipalização, no caso da ao Congresso Nacional.


educação, coloca os agentes fazedores da edu- Acredito que isso tem de ser feito dessa for-

cação próximos dos consumidores de educação ma, a fim de que não fiquemos ao sabor dos

e as duas pontas se juntam: a ponta dos fazedores governantes, daqueles que são contra ou a fa-

de educação e a ponta dos consumidores de edu- vor do Fundef.















SIMPÓSIO 9

DESEMPENHO DO PROFESSOR
E SUCESSO ESCOLAR DO ALUNO
Charles Hadji

Maria Helena Guimarães de Castro

129
Desempenho do professor




e sucesso escolar dos alunos





Charles Hadji



Universidade Pierre Mendès/Grenoble/França









Resumo





Partiremos de dois fatos que, na atualidade, cos dados indiscutíveis se encontram realmente


constituem consenso na comunidade de pesqui- disponíveis “sobre os professores e seu papel no


sadores. De um lado, “certos professores conse- ○
sucesso ou fracasso dos alunos” (idem: 35). Isso nos
guem fazer com que seus alunos progridam mais

conduzirá a uma indagação sobre três grandes as-


do que outros” (Felouzis, 1997: 57). A esse respei- suntos:



to, existem diferenças significativas de um profes- • Como foram construídos os saberes atual-

sor a outro. Esse é o chamado “efeito-professor”. mente disponíveis?



Do outro, não podemos senão constatar “a dificul- • O que sabemos hoje, exatamente, sobre a in-

dade de se estabelecerem resultados reais, fluência dos professores no sucesso dos alunos?

acumuláveis e generalizáveis, sobre a questão da • Como poderíamos chegar a saber mais e



eficácia dos professores” (idem: 28). E, de fato, pou- melhor a respeito dessa questão?






O problema dos marcos de que se refere, em particular, à evolução da pes-



quisa nos Estados Unidos.


observação, de análise e de

• Um primeiro período (até meados dos anos



interpretação 1950) no qual a eficácia estava associada a



certos traços da personalidade. A pesquisa


A primeira questão levantada pela pesquisa estava orientada para a identificação de va-

das ligações entre desempenho do professor e riáveis de prognóstico constituídas, no es-


sucesso escolar dos alunos é aquela do marco sencial, pelas características individuais

paradigmático adequado. Será que esse marco (por exemplo, o professor cordial). Todavia,

se encontra disponível? chegou-se rapidamente a detectar os limi-


Se uma indagação sobre a condição de tes de tais trabalhos, que eram muito

produção dos saberes no campo que nos pre- freqüentemente baseados na opinião, igno-

ocupa aqui se mostra, de partida, necessária, rando o trabalho concreto dos professores

em aula.

isso não significa que nos devamos perder em


considerações de índole epistemológica. Po- • Posteriormente, deu-se preferência a me-



demos nos contentar com duas questões sim- dir a eficácia a partir da eficiência dos mé-

ples, para as quais Clermont Gauthier (1997) todos. A pedagogia experimental acreditou

poder calcular a eficácia diferencial de di-


contribuiu com elementos de resposta perti-


nentes. versos métodos, definidos de acordo com



uma tipologia geral, comparando seus resul-


tados com base em dados objetivos. Porém,


Quais as principais etapas que


de um lado, percebeu-se que essa aborda-


marcaram a evolução da pesquisa?


gem não permitia detectar diferenças signi-


Situando-se numa perspectiva histórica, ficativas. De outro, compreendeu-se, em



Gauthier distingue cinco grandes períodos no particular graças às pesquisas sobre a


130
SIMPÓSIO 9
Desempenho do professor e sucesso escolar do aluno

interação “aptidões–procedimentos”,1 que história recente da pesquisa sobre o ensino é to-



não era possível considerar um “método de talmente satisfatória, bem como nenhuma de-



ensino” como variável causal independen- monstrou-se capaz de fornecer uma resposta


te (Bru, 1990).


totalmente fundamentada e definitiva para a


• Durante os anos 1960, diversos estudos dedi- questão da eficácia do ensino e dos professores.



caram-se à observação do ensino em sala de



aula. Nessa época, 79 sistemas de observação
Quais foram, e são, os principais


diferentes foram elaborados e implementados 131


paradigmas da pesquisa?


(Gauthier, 1997: 33). Entretanto, se o esforço


tinha o mérito de centrar-se na “caixa preta” Os autores não se colocam de acordo sobre a



do trabalho em aula, os trabalhos ignoraram natureza e o número dos grandes paradigmas de



a questão dos efeitos produzidos pelo ensi- pesquisa no campo da eficácia. Isso levaria a


no, pois as práticas descritas não foram com-


mostrar que nenhum deles se impõe de manei-


paradas com o sucesso escolar. ra indiscutível!



• Nos anos 1970, a questão central tornou-se, Para Bressoux (1994), pode-se detectar, com



então, saber se eram os professores os que respeito aos trabalhos sobre os efeitos-professor,


realmente faziam a diferença, dentro de uma

quatro grandes paradigmas.

perspectiva processos–produto. Tentou-se, ○

O paradigma do critério de eficácia, caracte-
assim, identificar comportamentos estáveis rizado pela pesquisa de uma variável que seria a

do professor (processos) que pudessem con-


chave para o bom ensino, ou para o bom profes-


duzir a um melhor aproveitamento escolar


sor, e que permitiria prognosticar sua eficácia-


dos alunos (produto). Quais são as variáveis paradigma dominante quando da primeira fase

de processo (instruções, perguntas, tempo


acima descrita.

concedido aos alunos etc.) suscetíveis de “fa-


Posteriormente, o paradigma processo-pro-


zer diferença”? Se essas pesquisas, baseadas


duto (dominante a partir da quarta fase).

no cálculo de correlações, têm produzido boa


Em terceiro lugar, o paradigma dos proces-


parte do saber atualmente disponível e fe-


lizmente se prolongaram na elaboração de sos mediadores, que se centra sobre a pesquisa



meta-análises que permitiram chegar a re- daquilo que se interpõe entre os estímulos pe-

dagógicos (a ação direta dos professores) e a


sultados importantes, elas foram, no entan-


to, objeto de múltiplas críticas sobre as quais aprendizagem dos alunos (por exemplo: envol-

voltaremos a falar. vimento na tarefa; “perseverança”). Para Durand



• Uma crítica importante foi no sentido de que (1996: 15), esse paradigma corresponde apenas

a “uma notável evolução no âmbito da corrente


ignorava o processo de pensamento dos pro-


‘processo-produto’”.

fessores, com o surgimento, nos anos 1980,


de uma quinta abordagem ilustrada pelos Por último, o paradigma ecológico, de inspi-

trabalhos de Schön (1983; 1987) e centrada ração etnográfica, que se dedica à interação de-

precisamente no conhecimento dos proces- mandas meio ambiente—respostas dos atores,



sos de pensamento mobilizados pelos pro- referindo-se aos contextos suscetíveis de outor-

fissionais na sua atividade concreta. Com o gar sentido às ações.


risco de ignorar, de um lado, o papel dos sa-


Considerando o primeiro paradigma fora de


beres objetivos e, de outro, aquele das variá- cogitação, Durand (1996) vê, essencialmente, um

veis quantificáveis. estado em que se sucedem as pesquisas “proces-



Esse rápido histórico permite constatar que so-produto”, as quais, se “continuam”, revelam-se

nenhuma das abordagens que se sucederam na doravante menos criativas (1996: 17); uma abor-




1
NT Interação Aptidões–Tratamentos (I.A.T.). Vários grupos de sujeitos equivalentes ou, ao contrário, diferenciados do ponto de vista das

características pessoais consideradas são expostos a condições pedagógicas diferentes para assimilar um conteúdo de aprendizagem idên-

tico. A seguir, avaliam-se os desempenhos de cada sujeito para poder identificar os tratamentos pedagógicos que melhor convêm às carac-

terísticas pessoais apresentadas pelos alunos.



dagem caracterizada pelo enfoque nas cognições negação da experimentação; ausência de



e no funcionamento cognitivo dos professores, ten- marco teórico interpretativo. Acrescente-se a



do sempre a preocupação de identificar os elemen- isso o que Durand (1996) vem finalmente res-


saltar sobre o fato de se ignorarem as ativida-


tos de eficácia. Entretanto, esse autor salienta o


surgimento de uma terceira atitude, de perspecti- des desenvolvidas quando da interação com


os alunos (por exemplo: atividades de plane-


va etnográfica (idem: 32), caracterizada pelos tra-


jamento).


balhos de Schön. Os defensores dessa terceira ati-


tude estariam menos interessados nos problemas b. É por isso que podemos clamar, junto com



de eficácia e de avaliação. Gauthier, por uma complementaridade das


abordagens e, até mesmo, dos esforços por


Eis por que poderemos ficar finalmente de


progredir no sentido de “um modelo


acordo com Gauthier (1997), que distingue três


eclético” (1997: 125).
grandes abordagens nas pesquisas sobre Peda-



gogia: c. Isso nos parece: um comprometimento mai-


or do que a construção de um modelo descri-

• A abordagem processo–produto, centrada na
○ tivo exaustivo (do processo ensino-aprendi-
pesquisa de correlações entre comportamen- ○

tos observáveis e resultados quantificáveis. zagem), pois não permite o esquecimento de


nada e integra as três grandes abordagens


• A abordagem cognitiva, centrada na análise,


identificadas; mais do que o surgimento de


em nível mais profundo, de processos não


um novo e mais poderoso paradigma de pes-


observáveis diretamente, o que privilegia um

quisa; simplesmente a elaboração de um mo-


trabalho de inferência, freqüentemente fun-


delo de trabalho suscetível de fazer aparecer


damentado na análise das produções verbais


claramente os espaços de análise prioritária


dos atores.

ou, dito de outra forma, os grandes canteiros



• A abordagem interacionista-subjetivista, de obras nos quais deveria empenhar-se a


sensível às interações entre atores e à força


pesquisa para contribuir com respostas mais


de suas representações e, de forma mais pre- satisfatórias à questão da eficácia. É isso que

cisa, à importância da história de cada um.


faremos no nosso terceiro ponto, após ter evo-


cado rapidamente alguns resultados já produ-


O que podemos deduzir a partir dessa pri-


meira análise? zidos por esse esforço.



a. Nenhum paradigma chega a ser totalmente



satisfatório, ou seja, nenhum deles oferece


todas as chances de aportar uma resposta ver-


Alguns resultados

dadeiramente pertinente à questão da eficá-


interessantes produzidos

cia. Cada um, além de seu inegável interesse,


tem “sérias limitações”, muito bem analisadas


pelos trabalhos sobre


por Gauthier. Fiquemos simplesmente com


os efeitos-professor

aquelas do paradigma que, por ora, permitiu


produzir mais saber(es): o paradigma proces-


O que se sabe hoje, de maneira comprova-


so–produto. Gauthier (1997) identifica nele


da? Duru-Bellat e Mingat (1994), Bressoux (1994),


sete limitações: visão redutora da eficácia (de-


sempenhos cognitivos medidos com a aplica- Felouzis (1997) e Gauthier (2001) têm apresen-

ção de testes padronizados); nenhuma expli- tado sínteses a respeito, ao mesmo tempo, dos

problemas colocados pela análise dos tais “efei-


cação sobre a maneira pela qual o ensino pro-


duz seus efeitos; subestima da influência dos tos-professor” e dos resultados obtidos.

alunos no processo de aprendizagem; esque-


cimento do contexto; superestima da freqüên-


Rumo a uma base de conhecimentos:


cia na apreciação da importância de um fa-


alguns resultados

tor; impacto fraco na formação dos professo-


res do ensino primário; desdém com a histó- Uma coisa é certa: “os efeitos-professor fo-

ria. Bressoux (1994) acrescenta outras três: ram provados e ficou demonstrado que o seu

confusão (possível) entre causa e correlação; impacto é mais poderoso do que aquele das es-

132
SIMPÓSIO 9
Desempenho do professor e sucesso escolar do aluno

colas” (Bressoux, 1994: 127). Na explicação esta- cia dos exemplos; tempo concedido aos alunos



tística da variância do aproveitamento escolar para responderem; organização do curso; modali-



em turmas de seconde,2 o ganho da variância dades de estabelecimento e de manutenção da



explicada pelo estabelecimento é só de 5%, en- matéria; clima da turma; modalidade de decisões;


quanto é de cerca de 15% para a turma (e, por- taxa de comportamentos entusiastas.



tanto, para o professor) (Felouzis, 1997: 57). A O que podemos deduzir? Os alunos terão



última estimativa confirmada por Duru-Bellat e melhor desempenho escolar (de uma maneira


Mingat para o C.P.3 : a inclusão da pertença a uma geral) se o seu professor: 133



turma aumenta em 19% o poder explicativo de • Efetivamente ensinou os conteúdos avalia-



um modelo estatístico. Numa pesquisa que in- dos: os alunos têm mais chances de apren-


der e, portanto, de ter sucesso, quando o pro-


cluiu 102 turmas do ensino primário, constatou-


se, “para um aluno de desempenho exatamente fessor “executa” o currículo.



médio num teste inicial, um desvio de 30 pon- • Concedeu tempo suficiente para sua disci-



tos no teste final, dependendo de o aluno ter sido plina (sendo que esse tempo varia de forma



escolarizado com o professor mais, ou com o considerável de um para outro professor).


menos, eficaz” (Bressoux, 1994: 135).


• Levou seus alunos a concederem o máximo

Mas quais são, de um lado, os fatores


de tempo na tarefa (esse tempo pode variar
explicativos dessas diferenças e, de outro e de 50 a 90% para um ensino de Matemática).

conjuntamente, quais são as características dos


• Destinou muito tempo a tarefas interativas.


professores eficazes?

Em primeiro lugar, é preciso ressaltar, para • Manifestou expectativas positivas e elevadas



evitar qualquer contra-senso, que a eficácia pe- com respeito aos seus alunos. Esse ponto foi

dagógica efetiva do professor é apenas parcial- intensamente confirmado pelos trabalhos de



mente dependente de variáveis de identificação Felouzis (1997) que, tendo distinguido dois

pessoal, tais como o sexo, o meio social de ori- grupos de professores do ensino secundário

francês, os eficazes e os não-eficazes, pôde


gem, a formação pedagógica inicial ou os anos


detectar nos 18 professores eficazes intensas


de experiência na profissão (Bressoux, 1994:

expectativas positivas com respeito aos alu-


138). Esse resultado foi confirmado por Felouzis:


nos (visão ponderada do nível de suas capa-


as características individuais não exercem um


cidades; um tipo de relação que exclui qual-


verdadeiro efeito (1997: 26). Não existe o bom


quer desdém ou rejeição; julgamentos posi-

professor do ponto de vista da idade, do sexo, da


tivos em relação às potencialidades e às ca-


origem social ou do status (idem: 32). Isso por-


pacidades para cada um progredir; práticas


que “a eficácia dos professores se constrói na pedagógicas centradas nos alunos e tenden-

interação escolar” (idem: ibidem). tes a valorizá-los; nível alto de exigência do


Portanto são as características pedagógicas que


ponto de vista do trabalho e do nível de com-


contam. O mestre, não como indivíduo, mas como petência esperado, mas impondo-se sem

professor, colocando em prática um “comporta- autoritarismo). Por sua vez, os 16 professo-


res ineficazes desenvolvem concepções mui-


mento pedagógico”. Este já foi analisado sob uma


infinidade de pontos de vista (Durand, 1996: 12). to negativas sobre os alunos, seu fraco nível

Inúmeras têm sido as variáveis de processo estu- de competências e sua incapacidade para

aprender, o que se traduz em práticas peda-


dadas: instruções; perguntas; intercâmbios verbais;


gógicas menos intensivas.


modalidade direta ou indireta do ensino; natureza


das retroações; nível de dificuldade das tarefas; taxa • Soube apresentar suas exposições de forma

de redundância das explicações; clareza e freqüên- clara.







2
NT Antepenúltima série do ensino secundário francês, equivalente ao 2º ano do Ensino Médio brasileiro.

3
NT C.P.: Cours Préparatoire. Última série da escola maternal francesa, antes do ensino primário, equivalente ao penúltimo ano da pré-escola

brasileira.

• Fez elogios ajustados, não muito freqüentes, cácia nunca poderá estar garantida. Em rigor:



que acompanharam os efetivos sucessos dos • As situações de ensino em sala de aula são



alunos. tais que essa atividade constitui uma tarefa


complexa, de múltiplas dimensões. Durand


• Propôs retroinformações (feedbacks) corretivas,


de um modo afetivamente neutro e deixando (1996) ressalta algumas: um número elevado



ao aluno tempo suficiente para corrigir-se. de elementos interagindo; o caráter pluridi-


mensional de cada situação, a que se acres-


• Estruturou as atividades: propondo exercí-


centa o caráter heterogêneo dos alunos; a si-


cios de entrada nas seqüências; procedendo
multaneidade dos acontecimentos; a fra-


por etapas curtas, mas com ritmo permanen-


ca previsibilidade da situação; uma forte pres-


te e sem digressão, sempre sem temer a re-


são temporal. Essa complexidade é tal que


dundância; com um tempo importante de
somente uma e mesma forma de agir nem


prática dirigida coletiva, seguida de exercí-


sempre pode produzir os mesmos efeitos.


cios individuais, mas cuidando de manter os


alunos envolvidos na tarefa; por último, ter- • Há, no ensino, uma “primazia do operativo”


minando com sínteses. ○
(Durand, 1996: 69). A ação é guiada por crité-
rios pragmáticos, e não lógicos ou formais. Ela

• Soube interrogar os alunos de maneira efi-


é freqüentemente conduzida na urgência, por


caz: ao colocar numerosas perguntas; ao con-


operadores com uma “racionalidade limitada”


ceder tempo entre uma e outra pergunta; ao


(idem: 73), que trabalham com uma “alça de

interrogar todos os alunos, numa ordem


mira prática” (idem: 34) dominante. O essen-


estabelecida; articulando o lugar concedido


cial é, para o professor em campo, encontrar


às intervenções orais espontâneas segundo


em cada caso, ou em cada categoria de casos,

o público (pois essa prática só é positiva com


“respostas satisfatórias” (idem: 34), e não apli-


um público desfavorecido); e desconfiando


car um modelo, a priori, que seja válido inde-

das respostas colegiais.


pendentemente de qualquer contexto.



Clermont Gauthier (2001) faz uma apresen- • Justamente, os efeitos dos diversos fatores

tação do conjunto dessas qualidades e atitudes


identificados variam com o contexto de sua


que tornam o professor eficaz, ordenando-as


aparição (Bressoux, 1994: 106) em função,


segundo duas grandes funções (gestão da maté- dentre outros fatores, do nível da série ou ano

ria; gestão da turma), sendo que cada uma é de escolaridade considerado e das caracte-

abordada sob um triplo ponto de vista: planeja-


rísticas sociais do alunado. É por isso que “en-


mento, interação e avaliação. Nesse conjunto, sinar constitui uma profissão que acontece

Bressoux (1994) vê dois fatores que surgem de num contexto demasiado complexo para que

se permita reduzir a uma lista de competên-


forma constante e positiva:


• o tempo de envolvimento na tarefa; cias” (Gauthier, 2001: 214). Não se pode iso-

lar fatores que seriam geralmente eficazes de


• a estruturação do ensino.

forma independente da particularidade das



situações onde eventualmente poderão agir.



Que uso podemos fazer desses • Em situações e contextos de grande comple-



resultados? xidade, nenhum fator poderá agir isolada-


mente: “esses fatores estão interligados, de


Será que temos de nos conformar com o per-


tal forma que suas combinações demons-


fil que parece assim resultar do professor eficaz?


tram ser mais importantes que o seu efeito


Será que tudo isso tem de ser feito (Gauthier,


isolado” (Bressoux, 1994: 106). São as com-

2001: 214) e será que assim estaremos assegura-


binações, as constelações de fatores que po-


dos do sucesso? Acreditar nisso seria recair na


dem, de preferência, produzir efeitos. Con-


trilha do cientificismo (a ciência tem resposta tudo, se levarmos em consideração que os



para tudo) e do aplicacionismo (seria suficiente processos escolares caracterizam-se por


apenas aplicar modelos científicos para ter su-


múltiplos efeitos de interação (idem: 128), de


cesso). Sem dúvida, há também muitas outras onde se deduz a existência de “efeitos de

coisas a serem feitas para se ter sucesso; e a efi- composição” (Duru-Bellat e Mingat, 1994:

134
SIMPÓSIO 9
Desempenho do professor e sucesso escolar do aluno

143), pode-se confirmar que toda pesquisa mente operando, isto é, as vias e os mecanismos



geral do “bom professor” será em vão. pelos quais, e graças aos quais, existe um “efei-



• Finalmente, é por isso que seria convenien- to”. O que implica sabermos mais, de fato, “so-



te, aqui e sempre, fazer, segundo a expressão bre os fatores que influem no aproveitamento


de Clément Gauthier, um “uso prudente” escolar dos alunos” (Bressoux, 1994: 128).



(1997: 217) dos resultados da pesquisa. O que Duas grandes questões são, então, apresentadas:



isso quer dizer? Não se deve sucumbir nem 1. Quais são os fatores que incidem na apren-


à “mística” da todo-poderosa ciência, nem à dizagem dos alunos? E qual seria a impor- 135



mística simétrica do professor condenado à tância relativa da qualidade do desempe-


impotência e à hesitação pela complexidade


nho do professor no sucesso escolar dos


da sua profissão; mas, sim, utilizar os resul- alunos?



tados dos trabalhos de pesquisa como ferra- 2. Quais seriam as vias e os mecanismos den-


mentas intelectuais ou como grades de


tro da importância relativa da eficácia even-


inteligibilidade para estar informado e tam-


tual dos professores?


bém para refletir sobre a sua própria prática,


tendo em vista, eventualmente, reajustar as



práticas e os meios implementados refe- No que se refere à questão dos fatores


renciando-os às finalidades perseguidas. ○
que incidem no desempenho escolar
“Trata-se de tentar incorporar na sua práti-

dos alunos

ca, em função de seu contexto e de suas prá-


ticas profissionais, alguns saberes, savoir- Temos de considerar, junto com Jean

faire ou formas de ser, a fim de aumentar seu Cardinet, que um desempenho (do aluno) obser-

‘efeito-professor’ ” (Gauthier, 2001: 214). vado “é uma função com muitas variáveis” (1991:

210). Poderíamos considerar o “valor escolar” do


Entretanto, será que temos grades de


aluno; mas, também, a sua história escolar; o con-


inteligibilidade suficientemente pertinentes e


potentes? texto social da prova de avaliação; as interações,



presentes e passadas, com o(s) professor(es); a


capacidade do aluno em decodificar o problema



Para progredir na questão que lhe é colocado etc. Em todos os casos, torna-

se necessária uma leitura plurifatorial do sucesso


da eficácia dos professores

(ou do fracasso). Isso permite entender que o de-


Temos rigorosamente que reconhecer, citan- sempenho do professor vem a ser apenas um fa-

do Bressoux, que se os efeitos-professor foram tor dentre vários outros, e que não podemos

já provados e se, assim, nossos conhecimentos supervalorizá-lo (se é que não devemos, não

apresentaram progressos, “temos ainda muito obstante, subestimá-lo). O professor não é o úni-

pouco conhecimento a respeito dos fatores que co responsável. E ele é só em parte responsável.

favorecem os desempenhos dos alunos” (1994: Dentre todos esses fatores que interagem, po-

108). Por meio de que processos mediatários os deríamos distinguir dois subconjuntos: os fatores

fatores identificados (e isolados) pelas pesqui- relativos ao educando e aqueles relativos aos con-

sas sobre os efeitos-professor chegam a produ- textos dos aprendizados. Pelo lado do educando,

zir, justamente, seus efeitos? Seria preciso não poderíamos evocar: a bagagem hereditária (com

apenas, como salientam Duru-Bellat e Mingat, todas as discussões que ela suscita); a personalida-

descrever de forma sistemática e precisa “a efe- de; as aptidões; a história, em particular a escolar;

tiva variedade das práticas”, mas também “de- as atitudes, e a relação com a “coisa escolar”; os pro-

terminar [...] as práticas eficazes, ou seja, aque- jetos; a vontade; o nível de comprometimento. Pelo

las que se revelarem efetivamente ligadas à qua- lado dos contextos, podemos identificar três gran-

lidade do ensino” (1994: 139). É preciso, ainda, des séries de fatores: o contexto de vida (o meio so-

ir além dessa pesquisa de correlações (que en- cial e cultural); o contexto da aprendizagem (escola,

cerra no paradigma processo–produto) para ten- currículo, professor e “método”); o contexto da ava-

tar identificar as causalidades que estão efetiva- liação. O professor, em rigor, só viria a ser mais um

fator de contexto entre muitos outros, o que torna dem mais ser estudadas de forma simplesmente



redutora a pesquisa febril das correlações entre o apriorística e no abstrato (“competências social-



desempenho do professor e o aproveitamento es- mente definidas”, Felouzis, 1997: 19). É preciso



colar dos alunos. Essa pesquisa deve situar-se num descrever e analisar os comportamentos realmen-


plano mais amplo, que tenha em conta, pelo me- te praticados quando se ensina a alunos concre-



nos, algumas dimensões principais dos processos tos: reencontramos a necessidade de descrever de



intervenientes. Só então é que, talvez, possamos maneira sistemática a efetiva variedade das prá-


responder mais facilmente à segunda pergunta. ticas. Porém não é fácil descrever o professor es-



pecialista: qual seria a importância relativa dos



conhecimentos, das competências, da experiên-


No que se refere à questão das vias


cia, das rotinas (Durand, 1996: 27-32)?


reais da eficácia pedagógica: Por último, como medir a eficácia (de um



três grandes áreas de pesquisa ensino de qualidade)? Além de essa questão abrir



Seria necessário permitir-se uma visão de con- a segunda área de pesquisa (o que significa ter

junto do processo geral de ensino-aprendizagem.



sucesso, para o aluno?), teríamos de reconhecer
que a identificação de indicadores da eficácia do

Vários pesquisadores contemporâneos têm


proposto tais modelos. Bru (1991) propõe um ensino é problemática (Durand, 1996: 9). Assim

modelo da “interação contextualizada”, o qual, como também é problemática a escolha dos



no âmbito de uma abordagem sistêmica, conce- métodos da pesquisa. Duru-Bellat e Mingat pro-

puseram medir “a eficácia pedagógica” por meio


de importância igual a três subsistemas: ensino;


aprendizagem; e contexto. Gauthier (1997) pro- da preeminência dos desempenhos finais mé-

põe um modelo “eclético”, fazendo da classe o dios obtidos por alunos com características in-

telectuais e sociais médias. Mas isso iria, então,


marco de observação privilegiada, sendo que ele


diferenciar eficácia de eqüidade, que é a capaci-


próprio está inscrito dentro de um marco finali-


zado, privilegiando duas funções de base do en- dade de igualar os resultados para alunos com

sino: a gestão da matéria e a gestão da classe. características diferentes (1994: 134-35). Por sua

vez, Felouzis mede o “efeito-professor” pelo di-


Ao levantar a questão da necessidade de evitar


ferencial que existe entre a média da turma e a


formalizações redutoras que fariam esquecer a


complexidade da profissão de professor (Gauthier, média dos exames comuns em finais de ano,

1997: 17), preferimos ressaltar que um melhor co- todo o resto permanecendo igual (sexo, idade,

origem social, escore inicial). Essas maneiras de


nhecimento dos “efeitos-professor” reside nos pro-


proceder demonstram uma certa astúcia e levam


gressos que serão atingidos em três grandes “can-


teiros de obras”, suscetíveis de nos esclarecer so- a resultados interessantes. Mas a área de pesqui-

bre a natureza e a realidade de um “modo de agir sa não se encontra, ainda, fechada.



didático” do professor (Hadji, 1992: 158).


Área 2: as pesquisas sobre o sucesso



Três grandes áreas de pesquisa escolar dos alunos




Área 1: pesquisas sobre a qualidade do


Se o professor “faz a diferença”, qual


desempenho de um professor

seria ela? Como imaginá-la? Como


O que seriam um ensino e um professor de evidenciá-la?


qualidade? A resposta não é evidente. Isso de-



pende dos fins e dos objetivos a que nos propo- Gauthier, 1997: 131

mos (Avanzini, 1991).



A eficácia só existe quando está vinculada a


objetivos. Mas será que a qualidade se resume em Em primeiro lugar, o que significa ter suces-

eficácia? É nisso que consiste a totalidade do pro- so? Não deveríamos falar em fracasso tão cedo

blema das competências do professor, e do pro- nem tão rapidamente, para não sermos vítimas

fessor especialista. Essas competências não po- de imagens e de hierarquias sociais polêmicas.

136
SIMPÓSIO 9
Desempenho do professor e sucesso escolar do aluno

Toda noção de sucesso ou de fracasso é relativa. tão escolher para explicar as diferenças na eficá-



Podemos vislumbrar uma trajetória, um lugar cia? Eis todo o problema das variáveis de coman-



ocupado, um poder adquirido, algumas compe- do e das modalidades de regulagem da ativida-



tências adquiridas: tudo isso vem a ser assunto de pedagógica. A área é extensa. Durand distin-


de apreciação. Não devemos nos deixar sucum- gue cinco níveis de regulagem (ordem; partici-



bir ao mito da trajetória ideal. Isso porque só pação; trabalho; aprendizagem; desenvolvimen-



existe sucesso ou fracasso em relação a projetos. to). Teremos de nos indagar acerca da perti-


Por último, o fracasso escolar não é uma doen- nência da escolha dos meios e dos objetivos in- 137



ça, é preciso fazer uma leitura “em positivo” termediários (Durand, 1996: 134).



(Charlot, 1997) das experiências escolares. Portanto, não é fácil identificar “os mecanis-



Podemos então tomar como único indica- mos pedagógicos que atuam na eficácia dos pro-


dor de sucesso os desempenhos escolares dos fessores” (Felouzis, 1997: 30). Porém surge já um



alunos? Não seria necessário considerar pelo resultado essencial: essa eficácia se constrói na



menos três espaços de investigação: a ativida- interação escolar. É esse espaço de interações



de ou os comportamentos; as aprendizagens; o que deve tornar-se objeto privilegiado de pes-


desenvolvimento (Durand, 1996: 83)? Bressoux quisas, mesmo quando essas interações são



salienta que nós, com freqüência, nos conten- muito difíceis de ser identificadas.

tamos com resultados obtidos em testes de lei-



tura e de matemática, e que isso provoca uma


Conclusão

visão restritiva da eficácia (1994: 125). Indo na



mesma direção, Gauthier deplora a utilização Além de resultados às vezes discordantes



única de testes padronizados centrados em pro- (Felouzis, 1997: 30), podemos considerar

cessos intelectuais (1997: 105). Pois, tal como como comprovada a existência de efeitos-pro-

escreve Cardinet, não deveríamos nos conten- fessor. Entretanto, isso não significa que pos-

tar com “desempenhos escolares brutos, exces- samos colocar à disposição dos professores

sivamente ligados ao conteúdo curricular de um modelo a ser aplicado. As mesmas manei-


cada disciplina e à mercê de seu estudo em aula” ras de agir não são obrigatoriamente eficazes

(1991: 210). E, em último caso, seria melhor ra- com todos e em todos os contextos. É difícil

ciocinar em termos de “progresso dos alunos” generalizar. Se, de um lado, é necessário, nes-

sa área, ajudar os professores a se livrarem de


(Felouzis, 1997: 39), do que em termos de re-


sultados brutos. suas crenças espontâneas, cuja força e fre-



qüência se explicam (Durand, 1996: 192) pelo



caráter “não-observável e retardado no tem-


Área 3: as pesquisas sobre a “causalidade” po dos efeitos das ações que visam ao apren-

pedagógica dizado dos alunos” (ou, dito de outra forma,



Finalmente, tudo conduz a esta área, pois a pela distância que sempre existirá entre ensi-

dificuldade é a de fazer o nexo entre algumas no e aprendizagem), do outro, pela “ausência


práticas de professores (área 1) e o aproveita- de conhecimentos científicos confiáveis e



mento escolar de alunos (área 2) exaustivos para organizar essas ações” (a au-

Seria preciso poder mostrar como, em rigor, sência de um modelo científico de ação), não

os professores fazem as diferenças; como o en- se pode, justamente, dar a acreditar que os re-

sino produz seus efeitos (Gauthier, 1997: 39 e sultados dos trabalhos atuais sobre a eficácia

105). Ora, os resultados escolares obedecem, nós do ensino são suficientes para fundar práti-

já vimos, a um sistema de causalidade comple- cas de formação e de ensino totalmente



xo (Durand, 1996: 5). Isso porque, nós já ressal- confiáveis. Se a pesquisa tem produzido re-

tamos, não são os comportamentos pedagógi- sultados notáveis (o nosso ponto 2), ainda res-

cos isolados, mas sim alguns patterns, ou mistu- ta muito para ser compreendido (o nosso pon-

ras de práticas, que podem produzir seus efeitos to 3) no marco de paradigmas de pesquisa a

(Duru-Bellat e Mingat: 141). Quais variáveis en-


serem atualizados (o nosso ponto 1).



Isso porque “a pesquisa da eficácia ou da


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As funções docentes


e sua formação




Maria Helena Guimarães de Castro*



Inep/MEC



O esforço empreendido na direção da cação para Todos, que previa elevar a, no míni-

universalização do ensino básico para a popula- mo, 94% a cobertura da população em idade es-

ção de 7 a 14 anos, no país, obteve ótimos resul- colar até 2003.



tados no final da década. De 1991 a 1999, a taxa Garantida a entrada na escola, o problema

de escolarização líquida, que fornece a propor- passa a ser de assegurar as condições de perma-

ção real de crianças, nessa faixa etária, estudan- nência no sistema, bem como o sucesso esco-

do no Ensino Fundamental, saltou de 84% para lar. Houve uma evolução bastante positiva nos

95%. Foi um crescimento extraordinário, dado o indicadores de fluxo, principalmente nas primei-

atraso que tivemos na década anterior, com a es- ras séries do Ensino Fundamental. A promoção

colarização variando apenas de 80% a 84%. Em passou de 60% para 74%, na média do Ensino

1998, o Brasil conseguiu antecipar e superar a Fundamental, entre os anos de 1991 a 1999. Na

meta estabelecida pelo Plano Decenal de Edu- 1ª série, a repetência diminuiu de 48% para 39%,





*Presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e Secretária de Ensino Superior do MEC.

138
SIMPÓSIO 9
Desempenho do professor e sucesso escolar do aluno

no mesmo período, enquanto na 5ª série caiu de zonas, Maranhão, Ceará e Alagoas, que em



38% para 23%. A taxa de distorção idade/série 1998 tinham menos de 90% de crianças de 7 a



caiu de 64,1%, em 1991, para 46,6%, em 1998, e 14 anos no Ensino Fundamental, conseguiram


superar esse patamar em 1999. Se examinar-


41,7% em 2000. A redução continua acentuada


nas séries iniciais, tendência que certamente mos as taxas de escolarização de 1994, verifi-



está associada à iniciativa de muitos sistemas de camos que o Nordeste superou em muito o



ensino de implantar o sistema de ciclos, elimi- patamar em que se encontrava, que era de 77%


nando dessa forma o problema da reprovação. de escolarização líquida. 139



O melhor fluxo, como a menor pressão Contudo, a universalização do ensino



demográfica, vem influenciando uma nova precisa avançar verticalmente, na direção do


Ensino Médio. Na faixa etária dos 15 aos 17


tendência de diminuição das matrículas nas


séries de 1ª a 4ª (gráfico 1). Nas séries de 5ª a anos, os jovens que estão matriculados na



8ª, delineia-se uma fase de estabilidade, evi- escola representam 84,5% do total (taxa de



denciada pela menor pressão das séries ini- atendimento escolar de 1999). Entretanto, a


grande maioria não está efetivamente cur-


ciais.


sando o Ensino Médio: eles ainda estão ten-



Gráfico 1 tando completar o Ensino Fundamental.

Matrículas no Ensino Fundamental Apenas 32,6% dos jovens podem ser compu-

Brasil – 1998-2001 tados nas escolas do Ensino Médio.



Mas uma outra tendência apontada pelos


1 ª a 4 ª série (em mil)


21.333 20.939
últimos dados é que os alunos em atraso escolar

20.212

19.769 estão buscando cada vez mais o ensino de jovens


e adultos, diminuindo a demanda sobre o ensi-



no regular. A matrícula inicial nos cursos presen-


5 ª a 8 ª série (em mil) 15.506 15.601


15.121 ciais de 1ª a 4ª série apresentou um aumento de


14.459

37%, de 2000 a 2001. A matrícula nos cursos de


1998 1999 2000 2001 nível médio cresceu 15%. A Educação de Jovens

e Adultos (EJA) incorporou ao sistema perto de


Fonte: Inep/MEC

410 mil pessoas – 70% no Ensino Fundamental e



Entretanto, ainda é necessário completar a 26% no Ensino Médio – interessadas em concluir


seus estudos. No mesmo período, o Ensino Mé-


universalização da educação básica em dois sen-


tidos. No plano regional, o Norte e o Nordeste dio regular cresceu apenas 2,7%.

do país permanecem com taxas inferiores à meta A maior demanda deve voltar-se, assim, para

o Ensino Superior. Há cada vez mais concluintes


estabelecida e são essas duas regiões que con-


no Ensino Médio para as vagas disponibilizadas


centram cerca de 60% dos cerca de um milhão


de crianças fora da escola. Segundo os últimos pela universidade. Mesmo assim, as universida-

cálculos de escolarização, cruzados com as esti- des públicas preenchem todas as suas vagas, no

início do ano, mas perdem alunos no meio do


mativas populacionais do IBGE, para o ano de


1999,1 os estados de Rondônia, Acre, Maranhão curso, por causa da evasão. As universidades pri-

e Piauí eram os que ainda mantinham a escola- vadas, por sua vez, sequer conseguem preencher

rização abaixo dos 92%. todas as suas vagas nas matrículas iniciais, e fi-

cam, assim, com vagas ociosas durante o ano.


Embora sejam os últimos a completarem a


tarefa da universalização do ensino, os estados Para cada 100 estudantes que ingressaram na

do Norte e do Nordeste vêm melhorando, ano universidade em 1994, 70 concluíram seus cur-

a ano, suas posições. Estados como Acre, Ama- sos no ano de 1999. Nas instituições federais, essa





1
As taxas de escolarização e de atendimento para o ano 2000 serão conhecidas apenas quando o IBGE disponibilizar os dados da

contagem populacional por idade.



relação (concluintes por ingressantes) alcança- Base legal da formação para



va 78%, enquanto nas instituições privadas fi-


a educação básica


cava em 70%.



Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Edu-


Gráfico 2


cação (LDB – Lei nº 9.394/96), artigo 62, e o De-


Concluintes no Ensino Médio – Vagas no creto nº 3.276, de 6 de dezembro de 1999, a for-


Ensino Superior – Brasil – 1991-2000


mação de docentes para atuar na Educação Bási-



Concluintes do Ensino Médio 1787 ca será feita em nível superior, em curso de Li-
1536


no ano anterior (em mil) cenciatura, de graduação plena, em universida-


1330
1164


960 des e instituições superiores de educação. A úni-



749 ca exceção admitida pela LDB para que se formem
639


905


776
professores que não em Licenciaturas Plenas para


634 699
574 o exercício de Magistério na educação básica, é a


517


Vagas no Ensino Superior (em mil) que se faz em nível médio, na modalidade Nor-

1991 1994 1996 1997 1998 1999 2000


mal, que passa a ser formação mínima para o exer-


cício do Magistério na Educação Infantil e nas

Fonte: Inep/MEC

quatro primeiras séries do Ensino Fundamental.



Com esse quadro, o grande compromisso é A Licenciatura curta ou de 1º grau – criada



com a qualidade do ensino. É preciso diminuir a pela Lei nº 5.692/71, artigo 30, como formação

evasão e melhorar o desempenho escolar. Com mínima para o exercício do Magistério no ensi-

relação aos docentes, os desafios são principal- no de 1º grau, da 1ª à 8ª séries – foi extinta em

mente o aprimoramento da formação inicial e conseqüência do que dispõe o artigo 62 da LDB.


continuada de professores, articulado a uma


Apesar disso, ainda continua a ser ministrada em


política de apoio e incentivo ao seu desenvolvi- algumas instituições de Ensino Superior.2



mento profissional, tanto em termos das condi- A Licenciatura Plena – a ser ministrada pelos

ções de trabalho, como salário e carreira. institutos superiores de educação, segundo o


Um dos grandes sinalizadores da política


artigo 7º da Resolução CNE/CP nº 1, de 30 de


nesse sentido tem sido o Fundo de Manutenção setembro de 1999 – pode ser de dois tipos: o cur-

e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de so Normal Superior, para Licenciatura de profis-



Valorização do Magistério (Fundef ). Os resulta- sionais em Educação Infantil e de professores


dos apontam tanto para a elevação do nível sa-


para os anos iniciais do Ensino Fundamental; e


larial do Magistério quanto para o aumento de os cursos de Licenciatura, destinados à forma-



gastos em atividades de capacitação docente, ção de docentes dos anos finais do Ensino Fun-

reforma e ampliação de escolas e aquisição de damental e do Ensino Médio, organizados em


equipamentos e de material didático.


habilitações polivalentes ou especializadas, por


A implantação de sistemas nacionais de ava- disciplina ou área de conhecimento. Ambos de-



liação na educação básica (Sistema Nacional de verão ter duração mínima de 3.200 horas, com-

Avaliação da Educação Básica – Saeb; Exame Na- putadas as partes teórica e prática.

cional do Ensino Médio – Enem) permite identi-


Além desses, nos termos da Resolução


ficar as principais deficiências na aprendizagem CNE nº 2/97, poderão ser desenvolvidos pro-

dos alunos. O nível de escolaridade do professor gramas especiais de formação pedagógica (es-

exerce, aqui, grande influência. O ganho no ren- quemas I e II), destinados aos portadores de

dimento dos alunos manter-se-á ascendente à


diploma de nível superior que desejem ensi-


medida que se elevar a escolaridade do professor nar nas séries finais do Ensino Fundamental

e seu grau de satisfação profissional. ou no Ensino Médio, em áreas de conheci-







2
Ver Pareceres CNE/CES nº 630/97 e CNE/CES nº 431/98, com recomendação para se tornar plena por meio da Resolução CNE/CES nº 2,

de 19/5/1999.

140
SIMPÓSIO 9
Desempenho do professor e sucesso escolar do aluno

mento ou disciplinas de sua especialidade.


Carência de formação


A Lei nº 9.424, de 1996, que regulamentou o



Fundef, estipulou um prazo de cinco anos para Até o ano 2000, o número de professores sem



que os professores leigos obtivessem a habilita- habilitação ainda se encontrava na casa do um mi-


ção necessária ao exercício das atividades docen- lhão. Desses, cerca de 250 mil necessitavam comple-



tes. Para isso, incentivou a aplicação de recursos tar ao menos a formação mínima do Normal Médio,



do Fundo para a capacitação mínima dos pro- para se habilitarem ao exercício das funções docen-


fessores “leigos”, isto é, sem Magistério ou sem 141


tes na escola infantil ou no fundamental de 1ª a 4ª


Licenciatura, para atuar nos níveis de ensino série. Entretanto, se observamos os níveis escolares



apropriados. A LDB foi mais longe ao prever que de 5ª a 8ª série e de Ensino Médio, as necessidades



até o fim da Década da Educação – dezembro de de capacitação aumentam para, pelo menos, 350 mil


2006 – somente serão admitidos professores ha- docentes, que precisarão obter Licenciatura para se



bilitados em nível superior ou formados por trei- habilitar ao exercício das funções docentes nas esco-



namento em serviço. las em que já atuam.




Tabela 1



Funções docentes sem formação mínima (leigos) Brasil – 1996-2000


Nível de formação

Sem magistério Sem licenciatura


Nível de ensino

1996 2000 1996 2000



N.abs. % N.abs. % N.abs. % N.abs. %



Total 297.973 15,4 249.957 11,2 1.096.483 56,7 1.176.031 52,9



Pré-Escola 45.373 20,7 32.462 14,2 183.824 83,7 184.681 80,9


Fundamental de 1ª a 4 ª série

146.311 18,8 96.760 11,9 632.761 81,5 641.569 78,7


Fundamental de 5ª a 8 ª série 59.743 66.948 195.826 245.666


9,8 8,9 32,0 32,8


Ensino Médio 46.546 14,2 53.787 12,5 84.072 25,7 104.115 24,2


Fonte: Inep/MEC, Censos Escolares.




As regiões mais carentes de professores te. Estados do Norte, do Nordeste e do Centro-



com pelo menos o Magistério são o Norte e o Oeste são os que apresentam maior carência de

Nordeste. Os estados do Acre e do Maranhão docentes com Licenciatura. Nos casos de


apresentam mais de 30% de docentes sem Ma- Roraima, Tocantins, Maranhão, Piauí, Bahia e

gistério, atuando no ensino de 1ª a 4ª série. Os Goiás, em cada dez funções docentes, cinco não

estados de Tocantins, Pará, Rondônia, Amazo- têm Licenciatura, embora pelo menos dois te-

nas, Piauí e Ceará estão com pelo menos 20% nham algum curso superior. Outros estados,

dos docentes de 1ª a 4ª série sem Magistério. como Amazonas, Rio Grande do Norte, Sergipe

No ensino de 5ª a 8ª série, também o Norte e o e Mato Grosso, apresentam, em cada dez fun-

Nordeste são carentes de professores com formação ções docentes, quatro sem Licenciatura, com

superior em Licenciatura. Os estados do Tocantins e pelo menos dois tendo algum curso superior.

Roraima, no Norte; Maranhão e Piauí, no Nordeste,



apresentam mais de 70% de docentes sem Licencia-


A formação de professores

tura. Os estados do Amazonas, Bahia, Sergipe e Goiás,



este último já no Centro-Oeste, necessitam formar Os cursos de Magistério estão diminuindo. De


mais de 60% dos seus docentes. Outros estados do


1998 a 2000, a proporção de cursos nessa habilita-


Norte e do Nordeste ainda apresentam pelo menos ção caiu de 30% para 17%, no conjunto dos cursos

50% de docentes sem Licenciatura. de nível médio. As escolas estão se adaptando às



No Ensino Médio, a situação não é diferen- novas demandas do mercado de trabalho, enquan-

to, na área da Educação, a demanda está sendo


Superior, destinados à formação de docentes para


direcionada para a formação de nível superior. Es- a Educação Infantil e para as primeiras séries do



tão sendo criados cursos na modalidade Normal Ensino Fundamental.




Tabela 2



Número de escolas e matrículas no Ensino Médio e na habilitação Magistério



Brasil – 1998-2000



Ano Nº de escolas Matrículas




Ensino Médio Magistério % Ensino Médio Magistério %



1998 17.602 5.261 30 6.968.531 741.625 11




1999 18.603 4.085 22 7.769.199 615.411 8



2000 19.456 3.228 17 8.192.948 518.775 6


Fonte: Inep/MEC – Seec




Os cursos superiores com Licenciatura


em segundo no volume de matrículas (pou-


Plena correspondem a 41% dos cursos de co mais de 20%). É bom lembrar que do to-

graduação do país, segundo dados do Cen- tal de professores que ainda não possuem

so do Ensino Superior de 1999. As matrícu- Licenciatura e atuam na 5ª até a 8ª série do


las apresentaram grande crescimento nas


Ensino Fundamental, bem como no Ensino


regiões Sul e Centro-Oeste, nesta última Médio, cerca de 40% estão na Região Nor-

principalmente por influência do Distrito deste, enquanto outros 30% ainda podem

Federal. Mas o Sudeste continua concen- ser encontrados no Sudeste. A oferta ainda

trando grande parte dos estudantes nessa


está, portanto, invertida, em relação à ca-


habilitação (mais de 40%). O Nordeste vem rência.





Tabela 3

Matrículas em licenciaturas plenas e em pedagogia



Brasil – 1994-1999

Licenciatura plena Pedagogia



Taxa de Concluintes

Matrícula 1994 Matrícula 1999 Matrícula 1999


crescimento 1998

BRASIL 524.140 712.192 36% 167.319 29.032



Norte 5,2% 5,1% 33% 6,5% 6,5%


Nordeste 21,1% 21,2% 36% 18,2% 14,2%



Sudeste 48,8% 44,1% 23% 44,1% 52,1%



Sul 16,6% 20,1% 65% 21,2% 15,9%



Centro-Oeste 8,4% 9,6% 55% 9,9% 11,3%




Fonte: Inep/MEC – Seec




Os cursos de Pedagogia, por sua vez, apre- concentra grande parte dos estudantes. O

sentaram, em 1999, 167 mil alunos matricu- Nordeste cresceu 48%, porém manteve a mes-

lados, sendo 74 mil no Sudeste e 30 mil no ma participação de 18% nas matrículas. Pelo

Nordeste. A Região Sudeste cresceu 37%, des- lado dos concluintes, estes foram 29 mil no

de 1994, abaixo da média do país, mas ainda ano de 1998. O Sudeste formou 15 mil e o Nor-

142
SIMPÓSIO 9
Desempenho do professor e sucesso escolar do aluno

deste, 4 mil. Em resumo, o Sudeste matricu-


crescimento de docentes com nível superior.


lou cerca de 44% do total de estudantes em Na Educação Especial, com um número bem



Pedagogia, no ano de 1999, enquanto forma- menor de alunos e professores, a proporção


va 52%, no ano anterior. O Nordeste, por sua


destes com formação superior é bem maior,


vez, matriculou 18% dos estudantes, enquan-


chegando a 60% nas escolas públicas; as es-


to formava 14%. colas particulares fizeram um ajuste, com



crescimento de 75% dos professores com


143
Perfil atual das funções


grau superior, atingindo agora uma propor-



ção de 40%.
docentes segundo a


A partir da LDB, iniciou-se a integração


formação


das creches no sistema educacional brasilei-



ro. Os censos escolares passaram a incluir to-


Os dados preliminares do Censo Escolar


de 2001 indicam um total de 2,6 milhões de dos os dados referentes a creches. Os anos de



funções docentes no país, 3 com um cresci- 1998 e 1999 foram de regularização do cadas-


tro de estabelecimentos, docentes e matrícu-


mento de 4,2% em relação ao ano anterior e


de 21,6% acumulados desde 1996. O ensino las. A partir de 1999, os registros de matrícu-

○ las se regularizaram, alcançando em 2001 mais
de jovens e adultos cresceu muito nos últimos ○

anos, sendo acompanhado do maior cresci- de um milhão de crianças atendidas. As fun-



mento registrado pelas funções docentes, en- ções docentes cresceram 30,5% nas creches e

tre todos os níveis de ensino. Desde 1996, as 16% nas pré-escolas, de 1999 a 2001. 4

matrículas da EJA

cresceram 35%, en- Tabela 4




quanto os docentes Número de funções docentes por nível de ensino e proporção no setor público

praticamente dobra- Brasil – 2001



ram seu número. Esse


Funções docentes em 2001*


crescimento de do-

Proporção

centes na EJA foi Nível de ensino Crescimento Proporção no


acompanhado de Números absolutos com formação


1996–2001 setor público


superior

maior qualidade no

Total 2.582.369 18,7 80,0 53,7


grau de formação dos


Creche** 63.012 30,5 57,2 12,7


próprios professores,

na medida em que se Pré-Escola 248.470 13,2 66,4 24,7



constata um cresci- Classes de alfabetização 41.094 - 45,6 61,6 9,8



mento ainda maior Fundamental de 1ª a 4ª série 809.061 4,2 87,1 27,1



entre os docentes de Fundamental de 5ª a 8ª série 770.077 25,9 83,5 74,4


nível superior (tabe-


Ensino Médio 448.328 37,2 75,0 88,8


las 4 e 5).

Educação Especial 42.628 30,1 46,4 48,5


Tanto na Educa-

Educação de Jovens e Adultos 159.699 99,9 85,0 63,7


ção Infantil, como na


Educação Especial, os Fonte: Inep/MEC, Censos Escolares. Notas: * Dados preliminares. ** O crescimento nas creches só pode ser mensurado

dados apontam tam- em relação ao ano de 1999. Obs: As funções docentes contabilizam professores que atuam em mais de uma modalidade

bém para um grande de ensino e em mais de um estabelecimento escolar.









3
O conceito de função docente é utilizado para contabilizar todas as situações de docentes que atuam em mais de uma área de conhecimen-

to ou em mais de um estabelecimento escolar.



4
Dados preliminares do Censo Escolar de 2001.

O crescimento foi Tabela 5



bem maior entre os pro-


Funções docentes com formação superior por nível de ensino


fessores com nível supe-
Brasil – 1996-2001


rior. O crescimento foi de


Funções docentes com formação superior*


73% nas creches e de 29%


Crescimento


nas pré-escolas. Porém os Proporção (%)
Nível de ensino 1996-2001


docentes com nível supe-


Público Privado Público Privado


rior representam peque-


1996 2001 1996 2001


na proporção no quadro


Total 40,0 37,2 45,0 52,2 54,5 59,6


de professores que aten-


Creche** 65,2 81,8 8,3 11,3 11,6 14,6
dem nas creches. Nos es-


Pré-Escola 38,4 93,3 19,2 24,5 16,2 25,0


tabelecimentos públicos,


Classes de alfabetização - 64,8 112,8 5,0 4,4 10,4 18,5


esses professores repre-


sentavam 8% em 1996 e Fundamental de 1ª a 4ª série 32,9 71,8 19,5 25,1 26,2 40,8
passaram a 11% em 2001. Fundamental de 5ª a 8ª série ○


○ 29,1 19,2 72,4 72,6 79,3 84,0
Nos estabelecimentos Ensino Médio 47,2 25,6 86,4 88,5 86,3 89,9

privados, os docentes Educação Especial 28,0 74,6 48,5 57,3 37,0 41,0

com formação superior


Educação de Jovens e Adultos 144,9 66,7 52,3 59,6 74,6 86,7


passaram de 12% para



15% entre o total de pro-


Fonte: Inep/MEC, Censos Escolares. Notas: *Dados preliminares. **O crescimento nas creches só pode ser mensurado em relação

fessores. ao ano de 1999. Obs.: As funções docentes contabilizam professores que atuam em mais de uma modalidade de ensino e em

Nas pré-escolas, os mais de um estabelecimento escolar.



docentes com formação



superior representam 25% do total. Na


Tabela 6

Região Sudeste, as pré-escolas públi-


cas chegam a 40%. No Sul e no Cen- Número de funções docentes com e sem curso específico

tro-Oeste esse índice está acima dos em Pré-Escola, por dependência administrativa e grau de formação

Brasil e Regiões – 2001


32%. O Norte e o Nordeste mantêm,



ainda, baixa proporção de docentes Pré-Escola


com nível superior, que só é atenuada


Unidade da Pública Privada


nos estabelecimentos privados. No Federação


Superior Médio Superior Médio


Total Total

Nordeste, nas pré-escolas públicas, (%) (%) (%)


(%)

eles não passam dos 6%. Nas pré-es-


BRASIL 165.011 24,5 67,2 83.459 25,0 70,1

colas particulares atingem a propor-


Norte 13.242 2,9 82,7 3.524 8,3 85,6


ção de 11% (tabela 6).


Nordeste 54.410 5,9 75,9 23.960 10,7 81,1


As funções docentes com nível supe-


Sudeste 66.962 40,5 58,8 38.858 31,8 65,4


rior são requisito necessário, pela LDB.


Entretanto, creches e pré-escolas são Sul 22.564 32,1 64,3 11.028 36,9 58,4

compostas em sua maioria por profes- Centro-Oeste 7.833 32,8 61,2 6.089 26,7 69,3

sores de nível médio, com Magistério


completo. Representam mais de 60% do Fonte: Inep/MEC – Seec, Censo Escolar 2001 (resultados preliminares)

total de docentes. Essa é a formação mí-


Os docentes no Ensino

nima recomendada para o exercício das funções



docentes no ensino infantil. Nas creches, cerca


Fundamental

de 30% dos docentes ainda não contam sequer



com o curso Normal Médio. Nas pré-escolas, esse O Ensino Fundamental, de acordo com os

percentual cai pela metade – cerca de 15% pos- dados preliminares do Censo Escolar de

suem o nível médio, mas sem Magistério, ou 2001, ocupa 1,6 milhões de funções docen-

apresentam apenas o nível fundamental. tes. Nas séries de 1ª a 4ª, cerca de 25% pos-

144
SIMPÓSIO 9
Desempenho do professor e sucesso escolar do aluno

suem formação em nível superior, enquanto ficação dos docentes é necessária, as escolas



nas séries de 5ª a 8ª, os docentes com forma- particulares alteraram a proporção de 79%



ção superior representam 74%. O número de para 84%, no mesmo período, enquanto nas es-


funções docentes cresceu 14%, no período de


colas públicas o percentual manteve-se próxi-


1996 a 2001, enquanto o crescimento dos mo dos 73% (tabela 5).



professores de nível superior, no mesmo pe- Dentro do que recomenda a lei vigente,



ríodo, foi de 30%. as funções docentes em exercício nas séries


As escolas particulares possuem menor nú- de 1ª a 4ª precisam ter, no mínimo, Magisté- 145



mero de professores do que as escolas públi- rio completo. Atualmente, quase 90% das



cas, porém o ajuste foi maior no sentido do au- funções docentes estão enquadradas nesse


mento do grau de formação. Nas séries de 1ª a


requisito. Se formos considerar apenas os


4ª, em que a proporção das funções docentes docentes com formação superior, com Ma-



com formação superior não é alta, as particu- gistério ou Licenciatura, esse percentual cai-



lares registraram alteração de 26% para 41%, ria para 24%. Em uma perspectiva mais fle-


no período de 1996 a 2001. Nas escolas públi-


xível, restam pelo menos 11% de professores


cas, a proporção ainda não superou os 25%. que precisam agregar o curso Normal aos



Nas séries de 5ª a 8ª, em que uma maior quali- seus currículos (tabela 7).


Tabela 7


Proporção das funções docentes segundo o grau de formação


Brasil 1996-2000


Ensino Fundamental

Pré-Escola Ensino Médio


Grau de formação 1ª a 4ª série 5ª a 8ª série



1996 2000 1996 2000 1996 2000 1996 2000




Total de docentes 219.517 228.335 776.537 815.079 611.710 749.255 326.827 430.467

100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0



No máximo Fundamental completo 16,1 9,3 15,3 8,1 1,0 0,6 0,3 0,1

Médio sem Magistério 4,3 4,4 3,3 3,3 6,6 6,1 6,4 6,1

Magistério 61,4 63,2 61,1 64,0 18,7 19,2 6,9 5,3


Superior 18,2 23,1 20,3 24,6 73,7 74,1 86,4 88,4



– Sem Magistério e sem licenciatura 0,3 0,5 0,3 0,4 2,2 2,2 7,5 6,2

– Com Magistério e sem licenciatura 1,7 3,5 1,5 2,9 3,5 4,7 4,6 6,4

– Com licenciatura 16,3 19,1 18,5 21,3 68,0 67,2 74,3 75,8



Fonte: Inep/MEC – Seec. Obs.: As funções docentes contabilizam professores que atuam em mais de uma modalidade de ensino

e em mais de um estabelecimento escolar.




Nas séries de 5ª a 8ª, em que a determina- dade, mas esse movimento ainda não conse-

ção legal vai no sentido de que todos os profes- guiu causar impacto na proporção dos docen-

sores tenham formação superior com Licenci- tes que já possuem Licenciatura completa. Des-

atura completa, o percentual de cobertura da se modo, cerca de 25% dos docentes, com for-

legislação está ainda em 67%. No período 1996- mação média, com ou sem Magistério, preci-

2000, houve uma tendência para o crescimen- sarão se adequar à legislação, formando-se no

to dos docentes com Magistério, com ou sem nível superior. Outros 7% precisarão se adequar

curso superior. Parece estar havendo um ingres- à legislação apenas acrescentando o curso de

so de professores com Magistério na universi- Licenciatura a seus currículos.




Os docentes no Ensino Médio


completa. Atualmente, cerca de 76% das



funções docentes estão enquadradas nesse
O Ensino Médio incorporou 3,5 milhões


requisito. Restam pelo menos 12% de pro-


de novas matrículas, desde 1994. Em sete


fessores que precisam agregar à sua forma-


anos, cresceu o equivalente ao registrado nos


ção o curso de Licenciatura. Outros 11% de


14 anos anteriores, ou seja, 70% de cresci-


docentes ainda não possuem graduação su-
mento. Também o número de estudantes que


perior e, portanto, precisarão se adequar à


concluem esse nível de ensino cresceu. De


legislação (tabela 7). Professores com Ma-


1991 a 1994, o número de concluintes havia


gistério estão ingressando na universidade
aumentado 40%, passando de 660 mil para


e adquirindo formação superior. A propor-


917 mil concluintes. A partir de 1994, o siste-


ção dos docentes com nível médio e Magis-


ma promoveu um melhor fluxo escolar, al-


tério vem decrescendo, enquanto aumenta


cançando em 2000 um número duas vezes


aqueles com Magistério e formação superi-
maior de concluintes (1.850 mil).

or. Entretanto, ainda lhes falta o curso de Li-

O Ensino Médio apresenta perto de 450 ○

cenciatura.

mil funções docentes, pelos dados ainda


preliminares do Censo Escolar de 2001. Des-



ses, quase 90% têm formação superior. O nú- Os docentes



mero de funções docentes cresceu 37%, no


no Ensino Superior

período de 1996 a 2001, refletindo pratica-


mente o mesmo crescimento dos professo- A expansão da matrícula no Ensino Médio,



res de nível superior (41%). No ano de 2000, que se acentuou nos últimos cinco anos, vem

de cada 100 novas funções docentes, 95 fo- provocando um aumento na demanda por va-

ram preenchidas com professores de nível gas no Ensino Superior. Em 1990, havia cerca

superior, sendo que 81 com Licenciatura. de 640 mil alunos concluintes no nível médio e

Enquanto isso, outros 5% continuaram sen- aproximadamente 520 mil vagas no Ensino Su-

do de docentes com formação média, sem perior, o que estabelecia uma relação de prati-

Magistério. As escolas ainda estão absorven- camente 1,2 alunos por vaga. Em 1999, mais de

do professores com nível médio, principal- 1,7 milhão de estudantes concluiu o Ensino Mé-

mente em estados do Nordeste e do Centro- dio para cerca de 900 mil vagas oferecidas para

Oeste (tabela 8). o Ensino Superior, fazendo a relação aproximar-


se de 1,9 alunos por vaga.


As escolas particulares de Ensino Médio


também possuem menor nú-



mero de professores do que Tabela 8



as escolas públicas, porém


Número de funções docentes no Ensino Médio por grau de formação


também aqui o ajuste foi


Brasil e Regiões – 2000

maior no sentido do aumen-



to do grau de formação. As Ensino Médio


Unidade da Formação média Formação superior


particulares alteraram a pro-


Federação

porção de docentes com ní- Crescimento Crescimento


Nº absoluto (%) Nº absoluto (%)

vel superior de 86% para 90%, 1996-2000 1996-2000



enquanto nas escolas públi- BRASIL 49.176 11,4 13% 380.679 88,4 35%

cas o percentual passou de Norte 3.722 16,2 10% 19.268 83,8 45%

86% para 88%.


Nordeste 19.279 21,4 12% 70.767 78,4 34%

Dentro do que a LDB de-


Sudeste 14.037 6,5 10% 201.871 93,4 40%


termina, as funções docen-


Sul 5.641 8,2 11% 62.932 91,5 19%


tes em exercício no Ensino


Centro-Oeste 6.497 20,1 31% 25.841 79,8 34%


Médio devem ter formação


superior com Licenciatura Fonte: Inep/MEC – Seec. Censo Escolar 2001 (resultados preliminares)

146
SIMPÓSIO 9
Desempenho do professor e sucesso escolar do aluno

Nos seis anos que vão de 1994 a 2000, o


Nesse universo, a proporção dos profes-


Ensino Superior incorporou um milhão de sores com pós-graduação, em cursos de



estudantes nos cursos de graduação. De 1997 Mestrado ou Doutorado, cresceu substanci-



a 2000 – o período de maior crescimento – a almente. Em 1999, 50% das funções docen-


taxa média de expansão foi de 11,5% ao ano.


tes já eram ocupadas por professores com


Esse percentual é praticamente o mesmo grau de mestre ou de doutor, sendo que os



atingido pelo sistema em toda a década de professores com título de doutor represen-


1980 (11,8%). 147


tavam 20% do total (tabela 9). Nas institui-


A rápida expansão da matrícula repercu- ções públicas federais e estaduais, a propor-



te, obviamente, no aumento do número de ção de professores titulados é bem mais alta.



professores no Ensino Superior, que também De cada dez funções docentes, pelo menos


vem se dando de forma acelerada. Em 1994,


seis são de mestres ou doutores e, entre es-


contavam-se 141 mil professores em exercí- tes, pelo menos três são doutores. Nas insti-



cio em todas as instituições. Em 1999, esse tuições privadas, de cada dez funções docen-



número passou para 174 mil. O crescimento tes, pelo menos quatro são de mestres ou


médio no período 1994-1999 foi de 4,2% ao


doutores, entre os quais pelo menos um

ano, sendo que de 1998 a 1999 o crescimen- apresenta titulação no Doutorado.

to foi de 5,3%. O percentual de professores sem pós-gra-



Tabela 9



Ensino Superior: Docentes com mestrado e doutorado


Brasil – 1994-1999


Total Mestrado Doutorado



Nº absoluto % Nº absoluto % Nº absoluto %



1994 Total 141.482 100,0 33.531 23,7 21.326 15,1



Pública 75.285 53,2 21.268 28,2 16.850 22,4




Federal 43.556 30,8 14.899 34,2 9.147 21,0



Privada 66.197 46,8 12.263 18,5 4.476 6,8



1998 Total 165.122 100,0 45.482 27,5 31.073 18,8



Pública 83.738 50,7 25.073 29,9 23.544 28,1



Federal 45.611 27,6 16.371 35,9 13.170 28,9




Privada 81.384 49,3 20.409 25,1 7.529 9,3



1999 Total 173.836 100,0 50.849 29,3 34.937 20,1



Pública 80.883 46,5 24.231 30,0 25.360 31,4



Federal 46.687 26,9 16.496 35,3 14.651 31,4



Privada 92.953 53,5 26.618 28,6 9.577 10,3




Fonte: Inep/MEC



duação apresentou uma grande queda, de lização mostrou uma pequena elevação, de

34,5% para 15%, no período de 1990 a 1999.


31,6% para 35%, no período 1990-1998, man-


Esses professores mantêm o mesmo percen- tendo-se nessa proporção em 1999. Nas insti-

tual de 15% tanto nas instituições públicas tuições públicas, os docentes com especiali-

como nas particulares. zação representam 23%, enquanto nas parti-


A categoria dos professores com especia- culares somam 45%. A proporção de profes-


docente, referenciados em padrões de


sores com mestrado cresceu de 21% para 29%


e a de professores com doutorado, de 13% qualidade.



para 20% (gráfico 3). • Novas tecnologias de informação nas es-



colas e como suporte a programas de edu-


cação a distância, inclusive voltados para


Gráfico 3


a formação continuada e para a capacita-


Docentes no Ensino Superior – Proporção ção de professores.



segundo o grau de formação – Brasil 1990-1999


• Elaboração e disseminação de diretrizes


e parâmetros curr iculares nacionais,


40,0


abrangendo desde a Educação Infantil até


35,0
o Ensino Médio, passando pelo Ensino



30,0 Fundamental, pela Educação Indígena,



25,0 pela Educação de Jovens e Adultos e pela


20,0 formação de professores.


15,0 ○

• Implantação de sistemas nacionais de ava-
10,0 liação na educação básica: o Saeb e o Enem.

1990 1994 1998 1999


• A criação do Fundef, no sentido de promo-


Sem pós-graduação Especialização


ver maior eqüidade no financiamento do


Mestrado Doutorado

ensino obrigatório e de assegurar condi-


Fonte: Inep/MEC ções mínimas para a remuneração mais



digna dos profissionais da educação, bem



como para sua formação.


A qualidade do ensino


A busca de qualidade e a promoção de


Resultados obtidos

maior eqüidade do sistema de ensino pas-


pelo Fundef

saram a ocupar lugar de destaque na nova



agenda das políticas de educação básica. A A lei que instituiu o Fundef (Lei nº 9.424,

correção do fluxo escolar foi uma das medi- de 24/12/1996) assegura a utilização de, pelo

das pelas quais se buscou combater a baixa


menos, 60% (sessenta por cento) dos recur-


eficiência dos alunos e a pouca efetividade


sos do Fundo para a remuneração dos pro-


do ensino. Como um dos resultados dessa fissionais do Magistério em efetivo exercício



política, o número de concluintes do Ensino de suas atividades no Ensino Fundamental


Fundamental cresceu a uma taxa de 10% ao


público.

ano, desde 1994. Por sua vez, a proporção de


Estudos recentes realizados pelo MEC e pelo


estudantes em atraso escolar, que era de 60% Inep analisaram dados sobre os níveis salariais

em 1994, baixou para 42% no ano de 2000. dos docentes e chegaram a conclusões anima-

Mas outras estratégias também se interliga-


doras a respeito desses níveis assim como sobre


ram nesse esforço: a formação desses docentes.



• O aprimoramento do sistema de forma- Um dos trabalhos5 analisou os dados de uma



ção inicial e continuada de professores, pesquisa amostral, realizada pela Fipe/USP em


articulado a uma política de apoio e in-


300 redes públicas de Ensino Fundamental, com-


centivo ao seu desenvolvimento profis-


preendendo a totalidade das redes estaduais e

sional.

do Distrito Federal e as redes municipais perten-



• O desenvolvimento de sistemas de ava- centes às 26 capitais e mais 273 municípios.


liação de aprendizagem e do desempenho


Uma das conclusões do estudo foi que:







5
Semeghini, Ulysses. Fundef : uma revolução silenciosa. Departamento de Acompanhamento do Fundef/MEC.

148
SIMPÓSIO 9
Desempenho do professor e sucesso escolar do aluno

cenciatura Plena. Dessa forma, a remunera-


Os reajustes foram maiores nas redes munici-


pais em todas as regiões, o que é ainda mais sig- ção média total na região, que correspondia



nificativo, levando-se em conta que foi nessas a 49% da média nacional em 1997, ascende-


redes que aumentou substancialmente o núme-


ra a 61% em 2000.


ro de docentes. Entretanto, mesmo as



redes estaduais reajustaram seus sa-
lários em níveis superiores ao da in- Tabela 10




flação no período. Os maiores índices Remuneração média, em reais, dos professores com licenciatu- 149


ra do Ensino Fundamental – 40h semanais 1997/2000


foram concedidos aos profissionais


dos municípios e regiões mais pobres, Taxa de


Dez./1997 Jun./2000


com o que reduziu-se a distância en- crescimento


tre seus vencimentos e a média das


Municipal 1.079 1.299 20%


demais regiões. No Norte e no Nor-


BRASIL Estadual 965 1.266 31%


deste, em que pese transferirem re-


cursos aos municípios, os estados Total 1.005 1.278 27%



concederam aumentos médios em Municipal 821 985 20%



suas redes bem maiores do que os es-
Norte Estadual 780 968 24%

tabelecidos no Sul, no Sudeste e no

Centro-Oeste.
Total


778 973 25%
Municipal 626 824 32%

Segundo o trabalho, a remunera- Nordeste Estadual 522 722 38%



ção média dos professores das redes Total 560 763 36%

públicas aumentou 29,5%, entre de- Municipal 1.268 1.531 21%


zembro de 1997 e junho de 2000. As


Sudeste Estadual 1.125 1.554 38%


duas categorias funcionais mais repre-


Total 1.165 1.545 33%


sentativas – os profissionais com for-


Municipal 955 1.168 22%


mação em nível médio na modalidade


Sul Estadual 811 954 18%

Normal e os portadores de curso supe-


Total 855 1.030 20%


rior com Licenciatura Plena – obtive-


Municipal 750 1.002 34%


ram, nesse período, elevações salariais


Centro-Oeste Estadual 924 1.186 28%


de 23% e 27%, respectivamente. A re-


muneração média nacional dos profes- Total 880 1.141 30%



sores com nível médio completo na Fonte: DAF/MEC, Pesquisa Fipe/USP, 2000

modalidade Normal, que em dezem-



bro de 1997 era de R$578,00 para a jor-


nada de 40 horas, passou a R$710,00 em junho Analisando comparativamente a evolução da



de 2000. Já os docentes de formação superior remuneração dos docentes pertencentes às re-



com Licenciatura Plena passaram de R$1.005,00 des estaduais e municipais, verificou-se que, no

para R$1.278,00, no mesmo período e para idên- período, houve aumento médio de 33,3% nas

tica jornada. redes municipais e de 25,2% nas estaduais. Esse



Quando se analisaram os dados referen- foi um dos reflexos diretos da redistribuição dos

tes às várias regiões do país, constatou-se recursos que beneficiou intensamente os muni-

que o maior percentual de aumento da remu- cípios, justamente os que dispunham de meno-

neração ocorreu no Nordeste, onde a eleva- res possibilidades para arcar com essas eleva-

ção média foi de 59,7%, sendo de cerca de ções, antes da criação do Fundef.6

54% para os professores com modalidade No tocante aos professores com Licenciatu-

Normal e de 36% para os docentes com Li- ra Plena, as redes sediadas na Região Sudeste





6
Segundo informa o estudo, a inflação no mesmo período, medida pelo INPC/IBGE, foi da ordem de 12%.


concederam, no período de dezembro de 1997 maior da eqüidade nos salários dos professores


a junho de 2000, uma elevação salarial média no país, que é um dos objetivos declaradamente



de cerca de 33%. No Nordeste, os docentes com almejados na criação do Fundo.



essa mesma formação pertencentes às


redes estaduais foram os que obtiveram Tabela 11



os maiores aumentos, alcançando 38% Salário médio, em reais, dos professores



em média. Já dentre as redes munici- do Ensino Fundamental, em escolas públicas – 40h semanais


Brasil –1996-1999


pais, as maiores elevações salariais nes-


sa categoria aconteceram na Região Taxa de crescimento


1996 1997 1998 1999


Centro-Oeste, atingindo 34%, e no Nor- 1996-1999



deste, 32%. BRASIL 557 585 626 670 20%


Outro estudo 7 analisou dados


Norte 510 482 516 593 16%


extraídos das Pesquisas Nacionais por


Nordeste 345 354 423 451 31%

Amostra de Domicílio (PNAD), realiza-

Centro-Oeste 559 551

628 672 20%
das pelo Instituto Brasileiro de Geogra- ○

fia e Estatística (IBGE). Chegou a con- Sudeste 709 778 845 893 26%

clusões que indicam melhorias salari- Sul 604 665 656 749 24%

ais e de formação profissional.


Fonte: Estimativas Inep/MEC–Seec a partir de dados IBGE/PNAD 1996, 1997, 1998 e 1999.

Os dados mostram um claro e progressivo au- O t ra b a l h o o b s e r va , t a m b é m , q u e o



mento dos salários médios dos professores no Fundef teve impacto positivo sobre a forma-

país com a implantação do Fundef e a diminui- ção dos professores. Entre 1996 e 2000, o nú-

ção das diferenças regionais. Antes do Fundef,


mero de professores de 1ª a 4ª série sem for-


a evolução dos salários dos professores era mais


mação mínima (Ensino Médio completo) re-

lenta no conjunto do país, além de muito hete-


duziu-se em 44,1%; enquanto o número de

rogênea.[...]

professores com formação adequada aumen-


Os números mostram evolução contínua da me-


tou em 13,8%. Já o número de docentes de 5ª


lhoria na formação docente, embora de forma

a 8ª série sem formação mínima (Ensino Su-


mais clara e acentuada entre os professores de


perior completo) chegou a crescer 20,6%; en-


1ª a 4ª série.

quanto o de docentes com a formação míni-



Segundo o trabalho, na vigência do Fundef, ma aumentou em 23,2%.


em 1998, registrou-se o maior aumento de salá- O acréscimo de funções docentes para as



rio na Região Nordeste (19,5%), bem como au- séries iniciais do Ensino Fundamental, entre

mentos variáveis nas demais regiões, com exce- 1996 e 2000, foi de apenas 5%, acompanhando a

ção do Sul. Nos dois anos anteriores ao Fundef, redução da demanda nessas séries. Assim, foi

a relação entre o menor e o maior salário médio possível que o investimento na melhoria da for-

regional – Nordeste e Sudeste, respectivamente mação daqueles professores tivesse um impac-



– havia aumentado (chegando a 2,2 vezes em to mais evidente nas estatísticas. Já nas séries

1997), ocorrendo o inverso nos anos posteriores finais, as funções docentes precisaram crescer

(caindo a relação para 1,98 em 1999). 22%, o que certamente exigiu a incorporação de

Nos anos de 1998 e 1999, observa-se a ocor- professores sem a formação mínima recomen-

rência de ganhos positivos em todas as regiões, dada, uma vez que a oferta de profissionais com

sendo esses maiores nas regiões mais pobres


a qualificação necessária tem sido menor que a


(27% no Nordeste; 23% no Norte; 22% no Cen- demanda, principalmente nas regiões e cidades

tro-Oeste). Está havendo, portanto, um alcance mais carentes.






7
Coelho, Ricardo. O Fundef e a nova orientação das políticas educacionais nos anos 90: princípios e resultados. Inep/Gabinete

da Presidência.

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