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Extensão universitária – em busca de outra hegemonia1

José Francisco de Melo Neto2

Introdução

A partir do século passado, começa a se projetar, também, como “função social” da


universidade, uma nova dimensão - a extensão. Expressava-se, a partir daí, um novo papel,
iniciado por universidades americanas e universidades populares européias da mesma

época. Este papel resumia-se, de certa forma, em admitir um comprometimento” da
universidade para com a sociedade, algo bastante amplo enquanto conceito, porém,
expresso mais diretamente, como uma oferta de prestação de serviço. Ao ensino e pesquisa,
adicionava-se uma nova “pilastra de sustentação” deste aparelho de hegemonia31 que é a
universidade. Novas possibilidades surgem em termos de respostas às “expectativas” da
sociedade, agora, não só na dimensão do ensino mas na de “prestação de serviços”.
Acresce-se, com isso, a necessidade de uma maior inter-relação sociedade e universidade.
Se antes, esta inter-relação era, mais fortemente, externada pela dimensão do ensino, abria-
se outra possibilidade através da concretização da produção de conhecimento, em forma de
préstimos. Todavia, os pontos de partida dessa produção de conhecimento continuaram no
campo do idealismo, e a “realidade” do dia a dia, muito longe de se transformar em objeto
de estudo. A universidade continuou propondo ações por si mesma, para serem aplicadas à
sociedade, induzindo a pesquisa a continuar como mero desdobramento lógico, no campo
das idéias.

1
Este artigo foi divulgado em Revista de Extensão, da Universidade Federal da Paraíba, no. 1, da Pró-Reitoria
de Ação Comunitária.
2
Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação – Educação Popular, Comunicação e Cultura -, da
Universidade Federal da Paraíba, coordenando o Grupo de Pesquisa em Extensão Popular.
3
Ver, na teoria de Antônio Gramsci, o conceito de Aparelho de Hegemonia, também detalhado no livro
Gramsci e o Estado de Christinne Buci-Glucksmann, sobretudo no 2o. capítulo.
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Contudo, as diferenciações do “tecido social”, composto de várias classes,


interesses, perspectivas, ideologias, saberes, parecem sugerir, nessa relação sociedade-
universidade, ações sobre a própria universidade. É, talvez, a possibilidade do estudo da
“realidade” objetiva, como preocupação do ensino e da pesquisa, via extensão. Este
movimento será decorrente de avanços e recuos organizacionais dos diferentes setores da
sociedade, em luta pela busca de sua própria hegemonia. Ao se pensar a “função social” da
universidade, a extensão pode ser útil como ativadora do próprio aparelho de hegemonia, a
universidade, possibilitando sua construção através desses setores. Isto exigirá um outro
direcionamento da função extensão com desdobramentos na pesquisa. A perspectiva, assim,
será de superação do monismo idealista, da contemplação pura e simples do sujeito na
direção do objeto, bem como do monismo do materialismo vulgar, ao alijar a subjetividade
existente no objeto quando da ação necessária da interação sujeito e objeto.

Caminhos do conceito

Há uma compreensão, de que os fundamentos da extensão universitária brasileira


estão nas conhecidas universidades populares da Europa, do século passado, que tinham
como objetivo, disseminar os conhecimentos técnicos entre o povo. É importante aqui
observar os comentários de Gramsci (1981;17):

“... estes movimentos eram dignos de interesse e merecem ser estudados;


eles tiveram êxito no sentido em que revelaram da parte dos simplórios
um sincero entusiasmo e um forte desejo de elevação a uma forma su-
perior da cultura e de uma concepção de mundo. Faltava-lhes porém
qualquer organicidade, seja de pensamento filosófico, seja de solidez or-
ganizativa e de centralização cultural; tinha-se a impressão de que eles
se assemelhavam aos primeiros contatos entre mercadores ingleses e os
negros africanos: trocavam-se berloques por pepitas de ouro”.

Parece que a crítica se refere aos intelectuais, que mesmo desejosos de “servir ao
povo”, à classe dominada, tinham um outro papel que era de compreender as formas de vida
e propostas da classe trabalhadora. Esquecidos deste papel ou mesmo por incompetência,
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esses intelectuais expressavam, na crítica de Gramsci, uma visão dominadora do seu saber,
ao se proporem levar seu conhecimento ao povo.
Além dessas experiências européias, vêm dos Estados Unidos, desde 1860, duas
percepções de extensão que para Gurgel (1986: 32), se expressam em extensão cooperativa
ou rural e extensão universitária em geral. Vê-se ainda, segundo ele, que estas visões
marcam “um desejo de aproximação com as populações na intenção de ilustrá-las. A
extensão americana caracterizou-se, desde seus primórdios, pela idéia de prestação de
serviços”. Esta concepção diferencia-se daquela das universidades populares, por
resultarem de esforços saídos da iniciativa oficial, isto é, do Estado.
Na relação da extensão com os movimentos sociais, destaca-se na América Latina, o
movimento de Córdoba de 1918. Os estudantes argentinos, pela primeira vez, enfatizam a
relação universidade-sociedade cuja materialização deveria operar-se através das propostas
de extensão universitária promovendo a difusão da cultura. Esta é uma idéia preliminar que
vai permear a organização estudantil no Brasil desde 1938, quando da criação da União
Nacional dos Estudantes - UNE. Mediante a extensão, se projeta uma relação universidade-
sociedade, marcada pelas contradições do próprio papel da universidade, ao constituir-se
como instrumento de preparação das elites governantes, assim já expresso nos objetivos da
criação da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, vindo a constituir-se,
posteriormente, na USP.
A universidade brasileira, mesmo assim, traz em seus objetivos a extensão,
buscando articular a relação docente-discente-população, mas limitada sobretudo à oferta de
cursos, palestras ou seminários. Nessa perspectiva será pertinente destacar, do movimento
argentino, o tópico sobre extensão constante da Carta de Córdoba: 1) extención
universitária. Fortalecimento de la función social de la universidad. Proyección al pueblo
de la cultura universitária y preocupación por los problemas nacionales; 2) unidad latino
americana, lucha contra las ditaduras y el imperialismo. Estas reivindicações estudantis
entre outras sugerem que a reforma de Córdoba movimenta-se num campo teórico muito
vasto. A reforma de Córdoba que se caracterizou como um movimento político-estudantil,
colocou a necessidade de vincular a universidade ao povo e à vida da nação, através da
extensão. Tudo isso, num momento político em que a Argentina vivia um clima de anti-
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imperialismo, projetando-se a necessidade de que, através de segmentos universitários,


participasse a universidade das transformações sociais.
Para Gurgel (1989:13), os ideais de Córdoba chegam ao Brasil pelos idos de 1930.
Inspiram a plataforma de luta dos estudantes brasileiros. Com a criação da UNE em 1938,
se elabora também “O Plano de Sugestões para uma Reforma Educacional Brasileira”. Este
plano contem o ideário de Córdoba, expresso nas funções da universidade assim delineadas
:
“promover e estimular a transmissão e desenvolvimento do saber e dos métodos
de ensino e pesquisa através de exercício das liberdades de pensamento, da
cátedra, da imprensa, de crítica e de tribuna de acordo com as necessidades e fins
sociais; e a difusão da cultura pela integração da universidade na via social
popular.” ( In Poerner: 1979: 328 ).

A extensão é vista em termos de difusão da cultura e de integração da universidade


com a população. As vias serão, naturalmente, os cursos de extensão com a finalidade de
divulgação de conhecimentos científicos e artísticos. Uma concepção de extensão que
denuncia a função da universidade como “doadora” de conhecimentos, manifestando sua
“arrogância” ao julgar-se “proprietária” exclusiva do mesmo e “pretensiosa” ao querer
impor, autoritariamente, uma “sapientia universitaria”. Mesmo presentes as preocupações
para com o povo, verifica-se, no Plano de Sugestões, o caráter assistencial, refletindo
também as dificuldades financeiras dos estudantes na época.
O mais expressivo documento gerado pelos estudantes que mereceu, inclusive,
apoio de intelectuais, em 1961, foi a Declaração da Bahia. Este documento trata de dois
aspectos básicos: a análise da realidade brasileira e a da Universidade no Brasil. Destaca-se
do texto o capítulo da Reforma Universitária que assim define nas diretrizes: “compromisso
com as classes trabalhadoras e com o povo”, enfatizando:

a) “ luta pela reforma e democratização do ensino...; b) abrir a universidade para


o povo, através da criação, nas faculdades, de cursos de alfabetização de adultos,
e cursos para líderes sindicais nas Faculdades de Direito; c) colocar a
universidade a serviço das classes desvalidas...; d) fazer da universidade uma
trincheira de defesa das reivindicações populares, através da atuação política da
classe universitária na defesa de reivindicações operárias, participando de gestão
junto aos poderes públicos e possibilidade de cobertura aos movimentos de
massa.”(UNE. 1961: 56).
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É possível depreender das diretrizes da Declaração da Bahia, as características de


uma universidade democrática, com caráter nitidamente extensionista. Houve, inclusive,
exercício prático dessas propostas como as do Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE.
São marcantes os traços das diretrizes quanto à necessidade de “abrir a universidade ao
povo” e a de “levar os estudantes à realidade”. Aparece, também, a discutível colocação de
a universidade estar a serviço de órgãos governamentais, bem como, “gestora” na defesa
das reivindicações operárias.
O movimento militar de 64, convenientemente, acaba assumindo algumas das
reivindicações do movimento estudantil inclusive a de estudos de problemas brasileiros.
Estes estudos, contudo, se tornam disciplina nos currículos da universidade. A análise
desses problemas era feita, entretanto, segundo o “catecismo” do poder hegemônico. Não
traduzia, na prática, o significado dado pelos estudantes naquela Declaração. Do ponto de
vista da extensão, os militares criaram vários programas de integração estudante-
comunidade como o CRUTAC - Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação
Comunitária, Projeto Rondon e a Operação Mauá, através dos quais os estudantes podiam
desenvolver atividades profissionais. Além do caráter assistencial, tudo se passava sob
rigoroso controle político e ideológico. O sonho da universidade democrática, naquele
momento, estava desfeito.
Mesmo na Declaração da Bahia, o caráter da extensão está marcado pela autoridade
do saber universitário e pelo seu paternalismo em relação às comunidades, tanto da cidade
como do campo. Até mesmo a participação de servidores não docentes, em processos
eleitorais internos à universidade, estava descartada nesse documento, contemplando apenas
docentes e alunos.
A Ditadura Militar absorve várias formulações do movimento estudantil dando a sua
feição ideológica. A partir da Reforma de 1968, institucionalizam a extensão, firmando-se
a idéia de prestação de serviço , “algo próprio e permanente na vida universitária”. A
extensão é agora uma função, oficialmente, definida. Tem um caráter funcionalista,
descartando-se um possível conceito processual. A relação, agora, da universidade com a
sociedade e com o povo, se dá pela oferta de cursos - os cursos de extensão.
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O papel da extensão, entretanto, não tem sido apenas o de contribuir para


institucionalizar-se e se referendar como função oficial. As experiências de início da década
de 60 da Universidade de Pernambuco, através do Prof. Paulo Freire, as tentativas de
extensão com caráter processual da Universidade de Brasília (UNB,1986) e a Universidade
Popular do Pará - UNIPO, funcionando desde 1987, e projetos de extensão como da
Universidade de Ijuí - RS, da Universidade Federal da Paraíba, entre tantos em andamento
em várias universidades. Muitos profissionais atuam, às vezes de forma isolada, e esses
projetos merecem resgate para busca de nova conceituação e formulação da extensão, ou
seja, extensão a serviço da hegemonia da classe trabalhadora. Surge então o
questionamento: de que características deve se constituir a extensão universitária para servir
a este fim?

Outros caminhos

A extensão universitária, comprometida com a hegemonia da classe trabalhadora,


tem várias implicações. Uma delas é a necessidade de uma formulação teórico-conceitual
da extensão, bem como, uma formulação que abra caminhos na construção da hegemonia
de classe. Não pode ser, todavia, mais um conceito entre os já vistos, mesmo porque, tem
como base empírica as tantas experiências alternativas existentes. Nem se pode esquecer
que a extensão está inserida entre as funções da universidade e esta, fortemente, marcada
pela presença dominante da classe burguesa. Uma universidade não planejada para as
atividades transformadoras, mas para a manutenção. Não se pode ignorar sua marca
retrógrada e reacionária. Para Vieira Pinto (1986:27), a universidade não foi concebida nem
é dirigida em função do trabalho social útil, mas do estudo ocioso, da cultura alienada, da
pesquisa fortuita e sem finalidade imperiosa.
Um conceito de extensão precisa contribuir para superação de uma produção
acadêmica inútil, da cultura alienada e da pesquisa e ensino fortuitos. Não pode constituir-
se em bases como a projeção ao povo da cultura universitária e nem por preocupações
abrangentes para com as questões sociais, como as contidas na Carta de Córdoba. Até aí
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está presente na extensão a dimensão de hegemonia burguesa que é a da dominação. O que


parece transformador na referida carta não deixa de ser essencialmente conservador ou
sugere uma transformação sem transformação, admite o papel dessa função como
transmissora do saber e dos métodos de ensino e pesquisa, mesmo que apareça a
preocupação com “as necessidades e fins sociais”. Daí se depreende que seriam
necessidades e fins sociais no entender da universidade. O povo, os trabalhadores, não
falam.
É um conceito de extensão que contempla uma “relação unívoca”, enquanto só
acontece em um sentido, da universidade para o povo. Uma visão em que não há espaço
para novas definições, pois a universidade já definiu não haver contradições, uma vez que
os “intelectuais” da universidade, professores e sobretudo os alunos, já resolveram tudo.
A extensão precisa ir além dessa possibilidade, ao destacar a relação universidade-
trabalho, via extensão, em que a realidade objetiva algo à universidade e vice-versa. É a
construção de um conceito que torna imperiosa a unidade teoria e ação, sem a qual inexiste
hegemonia na ótica dos trabalhadores. Hegemonia que acontece com a necessária
consciência teórica e cultural da ação. É a superação analítica do imediato empírico ou fim
à simplicidade da redução das idéias a anotações de sensações imediatas do real (Cardoso,
1978).
A hegemonia que se persegue na construção de um conceito de extensão passa a ter
dimensões não apenas de ordem política. Hegemonia só pode ser entendida como
possibilitando também direção, moral, cultural e ideológica.
Mesmo na Carta da Bahia, a compreensão expressa do conceito de extensão está
eivada de contradições, até mesmo quanto à função social da universidade. Quanto a esta
última parece até paradoxal, pois como será possível estar a “serviço das classes
desvalidas”, como “trincheira de defesa das reivindicações populares” e ao mesmo tempo
“participando nas gestões dos poderes públicos”? Impossível de se realizar, considerando os
conflitos no exercício de ambos os papéis. A universidade assume um papel conciliador nos
conflitos entre Estado e reivindicações populares. Já para o conceito de extensão, atribuí-lhe
um papel paternalista e autoritário ao caracterizá-la como “trincheira” das reivindicações
populares. Reserva, ainda, um papel messiânico à classe universitária quando a classifica
como “defensora das reivindicações operárias”. Assim, se coloca a incapacidade
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organizativa dos trabalhadores, ao mesmo tempo suprime o papel histórico da classe


trabalhadora que é a construção de sua própria história. Retira-se dos operários,
trabalhadores, a construção de sua direção política própria, organização da cultural, moral e
ideológica. Anula da classe trabalhadora, tanto do campo como da cidade, a potencialidade
de análise de sua situação concreta e de buscar suas especificidades históricas.
São muitas as possibilidades de interpretação do termo “extensão”. Paulo Freire
(1979:22 ), em seus estudos sobre extensão, chega a mostrar a amplidão conceitual do
termo que normalmente aparece como “transmissão”; sujeito ativo (de conteúdo); entrega
(por aqueles que estão “além do muro”, “fora do muro”). Daí que se fala em atividades
extra muros; messianismo (por parte de quem estende); superioridade (do conteúdo de
quem entrega); inferioridade (dos que recebem); mecanismo (na ação de quem estende );
invasão cultural ( através do conteúdo levado, que reflete a visão do mundo daqueles que
levam, que se superpõe, à daqueles que passivamente recebem). Este educador propõe
extensão como comunicação.
A formulação do novo conceito de extensão, para hegemonia da classe trabalhadora,
deve visualizar as relações de forças no próprio interior da universidade, ligando as
diferentes vontades humanas internas à universidade. Nos aspectos externos, não pode a
extensão ser compreendida como na Carta da Bahia, no sentido de ser a “doadora” da
política dos trabalhadores. Pela extensão, pode-se desenvolver a pesquisa e com o
conhecimento nada superficial do mundo concreto, contribuir para as direções políticas dos
movimentos sociais. Já o ensino pode ser feito, a partir da realidade objetiva, na sala de aula
que deverá também tornar-se objeto de pesquisa. Estudar a realidade objetiva é atitude
revolucionária. Revolucionária enquanto constrói conhecimento. Segundo Marx, de nada
valeria a ciência, se o fenômeno se identificasse com o seu modo de aparecer.
Um conceito de extensão que se desenvolva a partir da relação universidade-
movimentos sociais compreendendo os “estratos” da população. Estratos internos e
externos à universidade na geração de compromissos mútuos. Construindo um saber que
não aparece no imediato e permeado de dimensão educativa da necessidade de elaboração
crítica constante. Este ato de conhecer vai além da intuição passiva e torna-se intervenção
subjetiva no objeto. Este processo é também de construção de hegemonia de classe. “A
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hegemonia se torna possível, precisamente, a partir da existência de uma condição objetiva


e do seu conhecimento, e ao mesmo tempo, da iniciativa subjetiva” (Gruppi, 1978:42).
A extensão também não pode ficar limitada ao papel institucional de “prestadora de
serviço”. A busca da hegemonia pela extensão é a criação de uma nova cultura para a
classe trabalhadora. É a socialização de conhecimentos presentes mas reservados à uma
minoria intelectual. E a extensão se expande, com possibilidade de reinterpretação de
verdades já postas, além das aspirações de novas descobertas. Os movimentos sociais, a
classe trabalhadora podendo ser geradores de objetos de pesquisa prescindem, todavia, do
retorno desse conhecimento novo gerado ou das novas verdades surgidas de dentro de
outras possíveis verdades já existentes. Será uma extensão que contenha um apelo
pedagógico no sentido de um aprendizado dual - a universidade aprende enquanto ensina e
é ensinada enquanto aprende com as classes sociais, com o estudo da realidade objetiva.
Diante dessas considerações, será então possível tentar-se uma formulação conceitual de
extensão, numa perspectiva de hegemonia das “classes subalternas”.
O primeiro aspecto que pode constituir uma nova formulação conceitual de extensão
é situá-lo como um trabalho. Em sendo extensão um trabalho, pressupõe-se que a sua ação
resultante seja uma ação deliberada, criando um produto. Este produto se chama
transformação. Ora, é o trabalho expresso como outro conhecimento que se presta à
transformação. É constituído, a partir da realidade humana, e só com ela é possível criar-se
um mundo, também, mais humano. É pelo trabalho que se vai transformando a natureza e
criando cultura. A extensão, tendo como dimensão principal o trabalho, será criadora de
cultura. Para Saviani (1989:9) “esse mundo humano vai se ampliando progressivamente
com o passar dos tempos”. É pelo trabalho que se torna possível conhecer esse mundo
ampliado onde o homem atua.
Este trabalho não se exerce, apenas, a partir dos participantes da comunidade
universitária, servidores e alunos. Ele tem uma dimensão externa à universidade que é a
participação dos membros da comunidade e dos movimentos sociais, dirigentes sindicais,
associações, numa relação “biunívoca” , em que participantes da universidade e
participantes desses movimentos confluem.
Extensão, vista como um trabalho exercido pela universidade e pela comunidade,
certamente, implicará algo sobre o qual se realiza esse trabalho. Este trabalho realiza-se
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sobre a realidade objetiva. Um trabalho coparticipado que traz consigo as tensões de seus
próprios componentes em ação e da própria realidade objetiva. Um trabalho onde se busca
objetos de pesquisa para realização e construção do conhecimento novo ou de novas
reformulações das verdades existentes. Estes objetos pesquisados são também os
constituintes da outra dimensão da universidade que é o ensino. Portanto, a extensão é um
trabalho social que se realiza na realidade objetiva e exercido por membros da comunidade,
universidade (servidores e alunos). Um trabalho de busca do objeto para a pesquisa e para o
ensino, se constituindo como possibilidade concreta de superação da pesquisa e ensino que
são realizados fora da realidade objetiva.
Vislumbrando a extensão como trabalho social, esta atividade extensionista gerará
um produto deste trabalho. Um produto caracterizado no “bojo” das relações de trabalho,
que também apresentam suas contradições, mas que se constituirá sobretudo, como uma
mercadoria social. Portanto, obterá um produto, que será de conhecimento teórico ou
tecnológico, que deve ser gerenciado pelos seus produtores principais: universidade e
comunidade.
E ainda, ao mesmo tempo que a extensão é visualizada como trabalho sobre a
realidade objetiva, gerado em parceria com a comunidade, deverá devolver a esta
comunidade o resultado de suas atividades. Esta é outra dimensão fundamental da extensão
caracterizada como a fase da devolução de suas análises da realidade objetiva à própria
comunidade.
A devolução desses resultados do trabalho à comunidade caracterizará a mesma
como possuidora desses novos saberes ou saberes rediscutidos, e, que serão utilizados pelas
lideranças comunitárias em seus movimentos emancipatórios e reivindicatórios. Isto faz
crer a extensão exercendo e assumindo uma dimensão filosófica fundamental que é a
elaboração da teoria e da prática. Há, ao que parece, uma possibilidade de construção de
hegemonia e desvelamento das ideologias dominantes e uma nova estratégia de função
social ou mesmo, uma condição do serviço da extensão, a favor da cultura das classes
trabalhadoras. Este pode ser o papel do aparelho de hegemonia - universidade - que através
da extensão direcionará a pesquisa e o ensino para um novo projeto social. É uma luta para
tornar o proletariado, os trabalhadores, como classe dirigente e uma sociedade renovada.
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Algumas questões continuam.

O aparelho universitário está hoje por demais criticado no que tange à qualidade de
suas técnicas, de suas pesquisas, de sua ciência, de seu ensino. Pode-se observar diferentes
atores colocando propostas para sua sobrevivência. São propostas as mais variadas. Todas
estão, entretanto, direcionadas à avalanche capitalista do neoliberalismo. Tudo está sendo
colocado em nome da modernidade. A universidade, segundo aquelas propostas, precisa se
modernizar. Esta modernidade diz respeito a que ela se torne acessível à empresa privada
ou aberta ao capital, ou mesmo, que as poucas universidades públicas se tornem pagas.
A visão da extensão, superficialmente exposta aqui, vem também de encontro às
propostas neoliberais e busca comprometer setores da universidade, pois, o exercitar desta
visão de extensão tem uma intencionalidade. Naturalmente, as contradições surgirão. As
relações entre diferentes setores são causadoras de questionamentos sobre a própria
universidade. Há questões a serem resolvidas, mesmo conceitualmente, da própria proposta
como a necessidade da mais ampla análise empírica que vislumbre a sua aplicabilidade. Há
questões nos inter-relacionamentos de setores universitários e comunidade. Estas serão
“tensões dialéticas” permanentes. Todavia, já se vive sob essas “tensões”.
E a extensão, vista como um trabalho social, na visão colocada, parece possibilitar
um direcionamento do pensar e fazer acadêmicos comprometidos com alguma renovação,
partindo de setores não burgueses. É preciso que haja alternativas para a universidade e para
a sociedade. “A cultura é um privilégio. A escola é um privilégio. E nós não queremos que
seja assim. Todos os jovens deveriam ser iguais perante a cultura” (In Glucksmann,
1980:491).

Referências

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