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Introdução
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Este artigo foi divulgado em Revista de Extensão, da Universidade Federal da Paraíba, no. 1, da Pró-Reitoria
de Ação Comunitária.
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Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação – Educação Popular, Comunicação e Cultura -, da
Universidade Federal da Paraíba, coordenando o Grupo de Pesquisa em Extensão Popular.
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Ver, na teoria de Antônio Gramsci, o conceito de Aparelho de Hegemonia, também detalhado no livro
Gramsci e o Estado de Christinne Buci-Glucksmann, sobretudo no 2o. capítulo.
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Caminhos do conceito
Parece que a crítica se refere aos intelectuais, que mesmo desejosos de “servir ao
povo”, à classe dominada, tinham um outro papel que era de compreender as formas de vida
e propostas da classe trabalhadora. Esquecidos deste papel ou mesmo por incompetência,
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esses intelectuais expressavam, na crítica de Gramsci, uma visão dominadora do seu saber,
ao se proporem levar seu conhecimento ao povo.
Além dessas experiências européias, vêm dos Estados Unidos, desde 1860, duas
percepções de extensão que para Gurgel (1986: 32), se expressam em extensão cooperativa
ou rural e extensão universitária em geral. Vê-se ainda, segundo ele, que estas visões
marcam “um desejo de aproximação com as populações na intenção de ilustrá-las. A
extensão americana caracterizou-se, desde seus primórdios, pela idéia de prestação de
serviços”. Esta concepção diferencia-se daquela das universidades populares, por
resultarem de esforços saídos da iniciativa oficial, isto é, do Estado.
Na relação da extensão com os movimentos sociais, destaca-se na América Latina, o
movimento de Córdoba de 1918. Os estudantes argentinos, pela primeira vez, enfatizam a
relação universidade-sociedade cuja materialização deveria operar-se através das propostas
de extensão universitária promovendo a difusão da cultura. Esta é uma idéia preliminar que
vai permear a organização estudantil no Brasil desde 1938, quando da criação da União
Nacional dos Estudantes - UNE. Mediante a extensão, se projeta uma relação universidade-
sociedade, marcada pelas contradições do próprio papel da universidade, ao constituir-se
como instrumento de preparação das elites governantes, assim já expresso nos objetivos da
criação da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, vindo a constituir-se,
posteriormente, na USP.
A universidade brasileira, mesmo assim, traz em seus objetivos a extensão,
buscando articular a relação docente-discente-população, mas limitada sobretudo à oferta de
cursos, palestras ou seminários. Nessa perspectiva será pertinente destacar, do movimento
argentino, o tópico sobre extensão constante da Carta de Córdoba: 1) extención
universitária. Fortalecimento de la función social de la universidad. Proyección al pueblo
de la cultura universitária y preocupación por los problemas nacionales; 2) unidad latino
americana, lucha contra las ditaduras y el imperialismo. Estas reivindicações estudantis
entre outras sugerem que a reforma de Córdoba movimenta-se num campo teórico muito
vasto. A reforma de Córdoba que se caracterizou como um movimento político-estudantil,
colocou a necessidade de vincular a universidade ao povo e à vida da nação, através da
extensão. Tudo isso, num momento político em que a Argentina vivia um clima de anti-
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Outros caminhos
sobre a realidade objetiva. Um trabalho coparticipado que traz consigo as tensões de seus
próprios componentes em ação e da própria realidade objetiva. Um trabalho onde se busca
objetos de pesquisa para realização e construção do conhecimento novo ou de novas
reformulações das verdades existentes. Estes objetos pesquisados são também os
constituintes da outra dimensão da universidade que é o ensino. Portanto, a extensão é um
trabalho social que se realiza na realidade objetiva e exercido por membros da comunidade,
universidade (servidores e alunos). Um trabalho de busca do objeto para a pesquisa e para o
ensino, se constituindo como possibilidade concreta de superação da pesquisa e ensino que
são realizados fora da realidade objetiva.
Vislumbrando a extensão como trabalho social, esta atividade extensionista gerará
um produto deste trabalho. Um produto caracterizado no “bojo” das relações de trabalho,
que também apresentam suas contradições, mas que se constituirá sobretudo, como uma
mercadoria social. Portanto, obterá um produto, que será de conhecimento teórico ou
tecnológico, que deve ser gerenciado pelos seus produtores principais: universidade e
comunidade.
E ainda, ao mesmo tempo que a extensão é visualizada como trabalho sobre a
realidade objetiva, gerado em parceria com a comunidade, deverá devolver a esta
comunidade o resultado de suas atividades. Esta é outra dimensão fundamental da extensão
caracterizada como a fase da devolução de suas análises da realidade objetiva à própria
comunidade.
A devolução desses resultados do trabalho à comunidade caracterizará a mesma
como possuidora desses novos saberes ou saberes rediscutidos, e, que serão utilizados pelas
lideranças comunitárias em seus movimentos emancipatórios e reivindicatórios. Isto faz
crer a extensão exercendo e assumindo uma dimensão filosófica fundamental que é a
elaboração da teoria e da prática. Há, ao que parece, uma possibilidade de construção de
hegemonia e desvelamento das ideologias dominantes e uma nova estratégia de função
social ou mesmo, uma condição do serviço da extensão, a favor da cultura das classes
trabalhadoras. Este pode ser o papel do aparelho de hegemonia - universidade - que através
da extensão direcionará a pesquisa e o ensino para um novo projeto social. É uma luta para
tornar o proletariado, os trabalhadores, como classe dirigente e uma sociedade renovada.
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O aparelho universitário está hoje por demais criticado no que tange à qualidade de
suas técnicas, de suas pesquisas, de sua ciência, de seu ensino. Pode-se observar diferentes
atores colocando propostas para sua sobrevivência. São propostas as mais variadas. Todas
estão, entretanto, direcionadas à avalanche capitalista do neoliberalismo. Tudo está sendo
colocado em nome da modernidade. A universidade, segundo aquelas propostas, precisa se
modernizar. Esta modernidade diz respeito a que ela se torne acessível à empresa privada
ou aberta ao capital, ou mesmo, que as poucas universidades públicas se tornem pagas.
A visão da extensão, superficialmente exposta aqui, vem também de encontro às
propostas neoliberais e busca comprometer setores da universidade, pois, o exercitar desta
visão de extensão tem uma intencionalidade. Naturalmente, as contradições surgirão. As
relações entre diferentes setores são causadoras de questionamentos sobre a própria
universidade. Há questões a serem resolvidas, mesmo conceitualmente, da própria proposta
como a necessidade da mais ampla análise empírica que vislumbre a sua aplicabilidade. Há
questões nos inter-relacionamentos de setores universitários e comunidade. Estas serão
“tensões dialéticas” permanentes. Todavia, já se vive sob essas “tensões”.
E a extensão, vista como um trabalho social, na visão colocada, parece possibilitar
um direcionamento do pensar e fazer acadêmicos comprometidos com alguma renovação,
partindo de setores não burgueses. É preciso que haja alternativas para a universidade e para
a sociedade. “A cultura é um privilégio. A escola é um privilégio. E nós não queremos que
seja assim. Todos os jovens deveriam ser iguais perante a cultura” (In Glucksmann,
1980:491).
Referências