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28, 29 e 30 de 2006
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Anais do VII Seminário Fazendo Gênero
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elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos
e um campo no seio do qual, ou por meio do qual, o poder é articulado. A autora destaca quatro
aspectos de gênero fundamentais para compreendermos as relações sociais engendradas por ele:
os símbolos culturalmente disponíveis, os conceitos normativos, os processos de construção das
identidades de gênero e o papel do sistema de parentesco, da organização política, das
instituições e da economia na construção das relações gênero.
A prostituição tem sido vista de forma divergente por inúmeros/as teóricos/as,
principalmente pelas feministas. Gabriela Leite, em entrevista à revista Democracia Viva em
2006, presidente da Rede Brasileira de Prostitutas, afirma que a relação entre o feminismo e a
prostituição foi por muito tempo tensa e o diálogo é recente. Segundo Moraes (1996) muitas
feministas consideram a prostituição como o máximo de degradação e de sujeição da mulher ao
homem. A Rede Brasileira de Prostitutas tem debatido constantemente a prostituição sob a ótica
da auto-determinação e, para Gabriela, as feministas discutem sob a ótica da vitimização, não
percebendo as prostitutas como sujeitos de sua própria história.
Segundo Piscitelli (2005), as diversas abordagens são alimentadas não apenas pela
maneira como diferentes correntes percebem a prostituição, mas, também, como abordam a
sexualidade. A prostituição operou como um ponto central, como um divisor de águas nos
debates sobre os significados e a função do sexo. Nas últimas décadas é possível detectar novos
olhares sobre a prostituição, fruto de um deslocamento do posicionamento das pessoas que
prestam serviços sexuais. O deslocamento se reflete em perspectivas que, longe de considerar
as/os trabalhadores do sexo vilões/ãs ou vítimas, concedem a eles/as um lugar de seres dotados
de capacidade de agência.
Objetivando compreender o movimento associativo das prostitutas de Belo Horizonte,
basearemos a análise das formas de ação coletiva. Para isso, tentaremos compreender os níveis,
propostos por Kuumba (2001), macro, meso e micro, relacionados a tal associação, visando
perceber a articulação entre tais níveis e as conseqüências destas para a organização política das
prostitutas. No nível macro localiza-se o movimento no contexto sócio-histórico e estrutural
mais amplo. No nível meso enfoca-se na organização, nas coletividades e nas campanhas que
guiaram o movimento, prestando especial atenção às mudanças a partir das quais surgiram e
contra as quais lutam, O nível micro abrange biografias e aspectos mais subjetivos. Em tempo,
priorizaremos a análise da dinâmica interna da APSBH, que se localiza no nível intermediário de
análise. Para tal temos feito inserção em campo observando as reuniões da APSBH, através do
procedimento metodológico de observação participante, registrada em diário de campo e
submetida a um processo constante de reflexividade.
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No nível macro percebemos que a APSBH possui relações tensas com o poder público
bem como com os demais movimentos de prostitutas, embora possua alguns aliados. O
Ministério da Saúde fornece preservativos às reuniões e eventos da Associação e alguns
representantes políticos auxiliam em momentos de necessidade.
O Brasil é um país abolicionista em relação à prostituição (BRASIL, 2002), tendo
assinado o Tratado Abolicionista Internacional na ONU. Possui uma política de tolerância, não
penalizando quem exerce a atividade, mas considerando crime ser gerente ou dono de casa de
prostituição. Assim, é possível identificar divergências de posicionamentos, por vezes
reprimindo e querendo elimina a prostituição e por outras querendo regulamenta-la. A exemplo
disso em 2002 a prostituição foi incluída na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO
(MINISTÉRIO, 2002). Esta inclusão não foi fruto de uma ação específica, mas foi influenciada
pelas discussões feitas por movimentos de profissionais do sexo.
A existência e consolidação de associações de prostitutas em âmbito nacional vêm
facilitando o surgimento de outros movimentos. A organização política de profissionais do sexo
no Brasil teve suas origens (BRASIL, 2002) em 1979, em São Paulo, devido ao assassinato de
prostitutas e travestis devido a conflito com a polícia. Neste caso, observamos a presença de um
antagonista comum o que permitiu a união das mulheres e travestis em torno de um mesmo
objetivo, gerando sentimento de pertença.
Em 1987 foi realizado o Primeiro Encontro Nacional de Prostitutas, no Rio de Janeiro,
que foi um passo fundamental na constituição da Rede Brasileira de Prostitutas e de associações
regionais (REDE). Hoje em dia, a Rede fornece consultoria e assessora no processo de formação
das associações reconhecidas por esta e são realizados diferentes encontros e seminários
objetivando a formação de novas associações, a visibilidade do movimento, a luta por direitos e
fim do estigma. A presença de uma entidade nacional como esta facilita a emergência e
consolidação dos novos movimentos e permite que o debate seja trazido para o âmbito público.
A APSBH não é reconhecida pela Rede Brasileira de Prostitutas, o que está sendo
buscado no presente. Para isso precisa agir de acordo com as diretrizes da Rede e objetivos tais
como a regulamentação da profissão com direitos assegurados, a importância de ações contra a
violência, implementação de programas de saúde, a luta pela dignidade da prostituta e o resgate
de sua auto-estima. A ausência de tal reconhecimento dificulta o desenvolvimento e legitimidade
da APSBH.
O contexto de Belo Horizonte tem sido marcado pela existência do projeto “Centro Vivo”
que tem o objetivo de “estabelecer instrumentos e incentivos urbanísticos para a promoção de
sua recuperação, restituindo-lhe a condição de moradia, lugar de permanência e ponto de
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encontro” (Belo Horizonte, 1996). Desta forma o centro da cidade teria sua funcionalidade
alterada, pois atualmente é visto como um lugar de serviços e passagem, e após a implantação do
projeto seria objeto de grande especulação imobiliária e a zona de prostituição se tornaria um
entrave à valorização da região, o que poderia levar ao fechamento dos hotéis. As mulheres
manifestam-se contra este projeto de diferentes formas, contando inclusive com a presença de
inúmeras profissionais na Câmara dos Deputados de Minas Gerais para protestar contra as ações
da prefeitura. Assim, ao mesmo tempo em que este projeto entrava o trabalho das mulheres,
objetivando retirar a zona boemia da região central, coloca a prefeitura como antagonista comum
às profissionais do sexo, demarcando fronteiras.
O movimento associativo de profissionais do sexo em Belo Horizonte tem seu começo
marcado pelo surgimento e desaparecimento de vários grupos, em geral por meio de ações
externas e não das próprias prostitutas. O processo que deu origem à atual APSBH (Associação
de Profissionais do Sexo de Belo Horizonte), principal movimento associativo local de
prostitutas, surgiu por meio de ações externas do GAPA-MG que realizava reuniões em hotéis de
prostituição com objetivo de discutir questões ligadas à saúde. A partir destas, Dos Anjos
Pereira, que era monitora da ONG, mas não é prostituta, foi adquirido liderança e se mantém na
presidência até hoje.
No nível meso, percebemos que a constituição da identidade coletiva, não é clara, sendo
que em muitas das mulheres não é observado um sentimento de pertença e as próprias crenças e
valores a respeito da prostituição e da associação não são compartilhados. Contudo, em alguns
momentos esta identidade está sendo construída, como durante as comemorações do dia
internacional da prostituta em que falaram da importância de se unir e trabalhar em conjunto,
além de apresentar temas relativos a todas. A possibilidade de um diálogo entre elas e um lugar
de reconhecimento tanto do Núcleo de Psicologia Política como da imprensa também vem
modificando o desejo de participação pública,. É notório que uma das participantes, que sempre
se recusou a dar entrevistas e tirar fotos, tenha tido sua imagem com a camiseta da marca
“Censurado”, criada e eleita por profissionais do sexo, divulgada em um jornal de grande
circulação com o seu consentimento.
A dificuldade no sentimento de pertença está relacionada a uma ausência de demarcação
de fronteiras políticas, uma vez que não percebem um antagonista em comum. Esta ausência de
delimitação pode ser discutida devido à própria contraditoriedade das relações, sendo que
aqueles que as oprimem (donos de hotéis, clientes), são os mesmos que as ajudam a sobreviver
financeiramente, o que leva a uma naturalização das relações, vistas como imutáveis.
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mudanças, mas significativas e, segundo Kuumba (2001), muitas vezes os movimentos sociais
geram mudanças que não são sentidas como frutos destes.
Referências
BELO HORIZONTE, 2006; Lei - 7.165 (27/08/96) Plano Diretor do Município de Belo
Horizonte. Título II- Do Desenvolvimento Urbano; Capítulo III- Das Diretrizes; Seção II- Das
Diretrizes de Intervenção Pública na estrutura Urbana; Subseção I- Da Política Urbana; Artigo
12 parágrafo I.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Coordenação Nacional de DST
e Aids. Profissionais do sexo: documento referencial para ações de prevenção das DST e da Aids
/ Secretaria de Políticas de Saúde, Coordenação Nacional de DST e Aids – Brasília: Ministério
da Saúde, 2002.
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Disponível em <http://www2.camara.gov.br/proposicoes>. Acessado em 10 de novembro de
2005.
KUUMBA, Bahati. Gender and social movements. Altamira press, California, 2001.
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aspectos psicossociais das ações coletivas. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 8, n. 11, p.
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SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Porto Alegre,
16 (2): 5-22, jul/dez. 1990