Comentários da época em que os Estados Unidos anunciaram a invasão do Afeganistão como retaliação ao ataque ao World Trade Center, do qual Osama Bin Laden era, à época, apenas suspeito.
Crônica publicada em meu Livro, "Faltou Freio" (2005), Editora Engenho de Arte.
Original Title
O Império Contra-ataca - Faltou Freio - Cláudio Lucena
Comentários da época em que os Estados Unidos anunciaram a invasão do Afeganistão como retaliação ao ataque ao World Trade Center, do qual Osama Bin Laden era, à época, apenas suspeito.
Crônica publicada em meu Livro, "Faltou Freio" (2005), Editora Engenho de Arte.
Comentários da época em que os Estados Unidos anunciaram a invasão do Afeganistão como retaliação ao ataque ao World Trade Center, do qual Osama Bin Laden era, à época, apenas suspeito.
Crônica publicada em meu Livro, "Faltou Freio" (2005), Editora Engenho de Arte.
Há alguns meses esteve em Campina Grande por inter-
médio do nosso querido Saulo Ais o artista plástico catalão Jesus José Cardenete, que expôs belos trabalhos no bravo e resistente Museu de Arte Assis Chateaubriand. Entre os trabalhos expostos, um deles me chamou imediata 101 atenção. Não sou conhecedor da pintura, não consigo identificar técnicas, composições, escolas ou movimentos, mas a arte fala a mim da mesma forma que fala a qualquer ser humano. Sua linguagem é universal, e não se fica impassível diante de suas manifestações. Um mouse em Portugal é rato, mesmo! de formas bonitas e vanguardistas dirige-se, inocentemente, a um artefato que a princípio nada tem a ver com o seu ambiente natural uma ratoeira. Em tese, nada pode o arcaico ardil contra o moderno dispositivo. O problema, que o talento de Cardenete conseguiu enxergar é que, no fundo, no fundo, o mouse continua a ser simplesmente um rato, sujeito às mesmas ameaças e vulnerável aos mesmos problemas de sempre. Cláudio de Lucena Neto
La trampa de la modernidad é muito mais do que uma obra
genial. Não tivesse qualquer mérito estético não é o caso, a tela é primorosa já seria brilhante enquanto registro da antevisão de um acontecimento que, todos sabíamos, era iminente: o embate entre a sociedade da informação e da tecnologia e as velhas armadilhas a que a humanidade está sujeita. Mal sabia o simpaticíssimo forasteiro de Barcelona que seu pincel havia traçado uma cena tragicamente profética, principalmente depois de conhecida a dimensão inédita e chocante do fato. Suprema clarividência, o mouse está completamente vermelho, dos botões ao fio, em uma óbvia alusão ao banho de sangue por que passaria o símbolo político da modernidade e à armadilha que ela esconde sob o mito da segurança. O Afeganistão é uma armadilha de proporções colossais, de barreiras físicas e geográficas virtualmente intransponíveis, de barreiras ideológicas inabaláveis, na qual os EUA parecem cair como patos, ao reagir no pior momento possível, que é o momento em que estão tomados pelo ódio. Neste instante, é impossível ter a parcimônia e o comedimento necessários para entender que é neces- sário mais do que um exército, mais do que armas, mais do que a força bruta para conter e derrotar o terror, o horrendo inimigo que a humanidade enfrenta. Pior. É possível que, ante à cegueira moral imposta pelo ressentimento, os valores e os princípios exatamente aqueles que o ataque procurou sepultar sobre os destroços dos alvos atingidos 102 sejam esquecidos, atropelados, deixados de lado. Esse é horizonte na paisagem terrorista, que sabe ser impossível derrotar em franco combate as forças armadas internacionais. Eliminados os vestígios da tolerância, da civilidade e da racionalidade que se está tentando construir ao longo dos séculos, a derrota da paz terá sido completa. Osama Bin Laden, tenha ele a ver ou não, especificamente, com a carnificina que mudou a história, é um assassino sangrento, lunático, desequilibrado e grotesco e, por isso, extremamente perigoso. No entanto, a diferença de perspicácia, de visão política e diplomática entre ele e o xerife texano é tão estúpida que ele está conseguindo fazer com que as coisas se dêem numa seqüência que lhe é impressio- nantemente favorável. Faltou Freio
À medida em que os corpos vão esfriando sob os escombros
do World Trade Center, vai arrefecendo a necessidade imperiosa de vendetta que a força das imagens instantaneamente nos fez sentir. A curto prazo, Bin Laden vai fazendo com que os seus métodos pare- çam ser os únicos capazes de causar com efetividade alguma reflexão e, portanto, vão perigosamente assumindo um certo caráter de legitimidade. Mais alguma trapalhada estratégica da América e ela própria corre o risco de escrever na história o nome de Bin Laden como um grande herói da resistência tanto para o ocidente quanto para o oriente. É inevitável lembrar, nesse contexto, a lição de um outro artista este, paraibano o professor Paulo Lopo Saraiva. Já de algum tempo, o mestre tenta nos convencer de que o que se globaliza é o mercado, não a sociedade. Com efeito, o dinheiro está internacionalizado. É possível comer um McDonalds em Marrakesh, Pequim, Bogotá ou São Petersburgo. O capital de programa dorme com quem der mais. Só que não é tão fácil universalizar vá lá, globalizar os valores, os princípios, a ideologia, e a prova maior é o show de intolerância que estamos vendo. Ah! O Império contra-ataca, sim, e de forma enérgica, impie- dosa, cumprindo enfim a profecia de nosso artista espanhol. Afinal de contas, o bem deve vencer o mal, os escolhidos precisam subjugar os infiéis (sejam eles quem forem ninguém sabe, mesmo...) e a 103 Infinita Justiça precisa triunfar sobre as trevas tirânicas. E aqueles que se beneficiam do domínio da Infinita Justiça devem, até por uma questão de coerência, perfilar-se ao seu lado, já que são sempre convidados a participar das suas celebrações e festas. Não é justo ou digno porém exigir igual posicionamento daqueles que nunca são convidados; daqueles que quando muito são chamados no dia seguinte para o serviço pesado e braçal de arrumar a bagunça que os convidados deixaram e, se houver sobras, experimentar as migalhas. (Setembro de 2001