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O PÃO, O VINHO E

O CORPO DE JESUS
Airton Evangelista da Costa

Jesus é a nossa Páscoa. O termo "páscoa" deriva da


palavra hebraica "pesah", que significa passar por
cima, pular além da marca ou passar sobre. Quando
Deus ordenou ao anjo destruidor que eliminasse todo
primogênito na terra do Egito, a casa que tivesse o
sinal do sangue do cordeiro não seria visitada pela
morte (Êxodo 12.1-36). Os judeus passaram então a
celebrar a Páscoa comemorando a saída do Egito, a
passagem para a liberdade. A partir de Jesus, essa
celebração foi substituída pela Ceia do Senhor, com o
pão e o vinho, em Sua memória. Não mais para
relembrarmos a saída do Egito, mas para estarmos
sempre nos lembrando da liberdade que nEle há, da
Sua morte e ressurreição.

"Paulo, servo de Cristo Jesus, chamado para ser


apóstolo", assim descreve como Jesus instituiu a Ceia
do Senhor, por ocasião da Páscoa:

"Pois eu recebi do Senhor o que também vos ensinei:


que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou
o pão, e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o
meu corpo que é entregue por vós; fazei isto em
memória de mim. Semelhantemente, depois de cear,
tomou o cálice, dizendo: Este cálice é a Nova Aliança
no meu sangue; fazei isto todas as vezes que
beberdes, em memória de mim. Pois todas as vezes
que comerdes este pão e beberdes este cálice,
anunciais a morte do Senhor, até que ele venha" (1
Coríntios 11.23-26).

O catolicismo romano admite que, na consagração da


Missa, o pão e o vinho da Ceia do Senhor
transformam-se realmente no corpo físico de Cristo.
Assim se lê no Catecismo da Igreja Católica:

"No santíssimo sacramento da Eucaristia estão


contidos verdadeiramente, realmente e
substancialmente o Corpo e o Sangue juntamente com
a alma e a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e,
por conseguinte, o Cristo todo. Esta presença se torna
'real' não por exclusão, como se as outras não fossem
'reais' , mas por antonomásia, porque é substancial e
porque por ela Cristo, Deus e homem, se torna
presente completo" (Página 379, item 1374).

"Por meio da consagração opera a transubstanciação


do pão e do vinho no Corpo e no Sangue de Cristo.
Sob as espécies consagradas do pão e do vinho, Cristo
mesmo, vivo e glorioso, está presente de maneira
verdadeira, real e substancial, seu corpo e seu sangue,
com sua alma e sua divindade" (Página 390, item
1413).

Deduz-se que um milagre é operado todas as vezes


em que um sacerdote católico ministra a Eucaristia,
mais precisamente no exato momento em que ele
declara "isto é o meu corpo". Todavia, algumas
dificuldades se apresentam quando examinamos as
Escrituras. Vejamos:

Jesus também comeu do pão e bebeu do vinho: "Ide,


preparai-nos a páscoa, para que a comamos" (Lucas
22.8); "Onde está o aposento em que comerei a
páscoa com os meus discípulos?" (v.11); "Desejei
muito comer convosco esta páscoa, antes do meu
sofrimento"(v.15). O contexto nos leva ao entendimento
de que antes e depois de elevar o pão e o vinho, e de
haver dado graças, Jesus participou da ceia com seus
discípulos, comendo do pão e bebendo do vinho. A
dificuldade está em que Jesus teria engolido a si
próprio. Outro embaraço é quanto à presença dupla do
corpo de Cristo, se admitida a interpretação literal:
Jesus estava presente, presidindo a mesa, e estaria
segurando o seu próprio corpo em suas mãos, quando
disse "Isto é o meu corpo".

Nos milagres operados pelo Senhor Jesus sempre


houve mudança real dos elementos envolvidos.
Exemplo da água que realmente se transformou em
vinho (João 2.9); da multiplicação dos pães (Mateus
14.15-20); dos leprosos que realmente ficaram limpos
(Lucas 17.11-14); da figueira que realmente secou
(Mateus 21.19), e de tantos outros casos. No caso do
pão e do vinho não aconteceu a mesma coisa. Os
apóstolos não contemplaram dois corpos de Jesus. Da
mesma forma não há transformação visível quando o
sacerdote ministra a Ceia, eis que o pão e o vinho
continuam sendo pão e vinho, com sabor, cheiro, cor,
forma e peso característicos.

Deus não entra em nós pela ingestão do pão. A Bíblia


diz que aqueles que crêem em Jesus possuem o
Espírito: "Não sabeis vós que sois santuário de Deus, e
que o Espírito de Deus habita em vós?" (1 Coríntios
3.16). A Ceia do Senhor - Comunhão ou Eucaristia -
não é meio de salvação. Dela participam os salvos, os
santos, os convertidos, ou seja, os que crêem em
Jesus Cristo, confessaram o Seu nome, e O aceitaram
como Senhor e Salvador. Estes já possuem o Espírito.
(João 1.12; 3.16,18; Romanos 10.9; Atos 3.19; 16.31).

A justificação não decorre do participar ou não da Ceia.


Quem dela participa é a Igreja, os crentes em Jesus, os
que já se acham justificados, lavados e remidos no
sangue purificador. "Pois todos pecaram e destituídos
estão da glória de Deus, e são justificados
gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há
em Cristo Jesus. Concluímos, pois, que o homem é
justificado pela fé, sem as obras da lei" (Romanos
3.23,24,28).

A finalidade da Ceia é esclarecida pelo próprio Jesus:


a) anunciar a Sua morte, seu sacrifício pelos
pecadores, até a Sua vinda (1 Coríntios 11.26); b) para
recordação ou em memória dele, "fazei isto em
memória de mim" (Lucas 22.19) O Novo Comentário da
Bíblia, Edições Vida Nova, vol. II, pg. 1208/9, assim
explica 1 Coríntios 11.24-25: "Em memória de mim - A
repetição é impressionante e nos dá a razão
escriturística para a observância da Ceia do Senhor.
Sua finalidade é fazermos recordação do Salvador, em
todos os eventos de sua vida, mas principalmente de
sua morte por nós na cruz; e, em recordá-lo, sentirmos
sua presença conosco. A Santa Ceia é, pois, uma
recordação de Cristo e uma comunhão com Ele".

Vamos ler essa "repetição impressionante": "Isto é o


meu corpo que é entregue por vós; fazei isto em
memória de mim. Este cálice é a Nova Aliança no meu
sangue; fazei isto todas as vezes que beberdes, em
memória de mim" (1 Co 11.24-25). Jesus por duas
vezes estabelece a finalidade da Ceia, ou seja, para
que nos lembremos dEle, de Sua vida, palavras, morte,
ressurreição.

"Isto é o meu corpo" é uma linguagem figurativa. Jesus


usou esse estilo em outras ocasiões. Ele disse: "Eu
sou a porta. Todo aquele que entrar por mim, salvar-
se-á. Entrará e sairá, e achará pastagens" (João 10.9).
Ninguém de sã consciência fica a imaginar que Jesus é
realmente uma porta de madeira ou de ferro, e que
nós, ao passarmos por ela, iremos nos fartar comendo
capim.

Disse também: "Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai


agricultor... vós sois os ramos" (João 15.1,5). Não é
preciso muita lucidez para compreendermos que Jesus
estava apenas ilustrando sua mensagem com um
elemento figurativo. Longe de nós imaginar seja Ele
uma árvore com raízes, tronco, folhas e galhos, e que o
Pai esteja no campo plantando arroz. Disse mais: "Eu
sou o pão vivo que desceu do céu. Se alguém comer
deste pão, viverá para sempre. Este pão é a minha
carne, que eu darei pela vida do mundo" (João 6.51).
Outra linguagem figurada. Revela que em Cristo
encontraremos alimento espiritual. Do céu não veio um
pedaço de pão, nem somos antropófagos para
saborear a carne do Seu corpo. Ainda nesse passo,
Jesus declara: "Se alguém tem sede, venha a mim e
beba. Quem crê em mim, como diz a Escritura, do seu
interior fluirão rios de água viva" (João 7.37-38).
Ninguém cogita de interpretar literalmente essas
palavras: não bebemos Jesus, e do nosso interior não
jorra água abundante.

Jesus não ordena RENOVAR o Seu sacrifício. Ele diz


que o partir pão tem a finalidade de recordar e não de
renovar. O Seu sacrifício não pode ser repetido. Vejam:
"Isto [sacrifício] fez Ele, uma vez por todas, quando a si
mesmo se ofereceu" (Hebreus 7.27). "Mas este
[Jesus], havendo oferecido, para sempre, um único
sacrifício pelos pecados, assentou-se à destra de
Deus" (Hebreus 10.12). "Pois Cristo padeceu uma
única vez pelos pecados..." (1 Pedro 3.18). "Pois
sabemos que, havendo Cristo ressurgido dentre os
mortos, já não morre. A morte não mais tem domínio
sobre Ele" (Romanos 6.9). Levar Cristo todos dias à
cruz, e todos os dias ressuscitá-lo, é uma prática sem
apoio na Bíblia Sagrada.

Quando Jesus afirmou que estaria conosco todos os


dias até a consumação dos séculos (Mateus 28.20),
não estava afirmando que Sua presença se daria pelo
milagre da transubstanciação, ou seja, mediante a
transformação de pão e vinho no Seu corpo. A Sua
presença em nós é espiritual.

Depois de haver dado graças e ordenado a todos que


tomassem do cálice, o vinho não se transformou em
sangue. Vejam: "Pois não mais beberei do fruto da
vide, até que venha o reino de Deus" (Lucas 22.18;
Mateus 26.29). Ou seja: Jesus não deu o nome de
sangue ao vinho. Este continuou sendo o fruto da vide
depois da consagração. Do contrário, teria Ele bebido
seu próprio sangue.

Se a expressão "ISTO É O MEU CORPO" (1 Co 11.24)


coubesse significado literal, por que não interpretar da
mesma forma a expressão "ESTE CÁLICE É A NOVA
ALIANÇA NO MEU SANGUE" (1 Co 11.25)? Admitida
a hipótese literal, estaríamos bebendo a Nova Aliança.
Vejam que o vinho aqui representa o Novo Concerto, o
Novo Pacto, a Nova Aliança em Cristo. Mais uma vez
se confirma a tese do sentido figurativo.

A contínua renovação do sacrifício da cruz, como


desejam os romanistas, contrasta com a afirmação de
Jesus: "Está consumado" (João 19.30). Ali, na cruz, se
consumou a etapa mais gloriosa. A obra da redenção
fora consumada; o preço da redenção fora pago; o
caminho da salvação estava aberto à humanidade.
Nenhum outro sacrifício seria exigido. "E, como aos
homens está ordenado morrer uma só vez, vindo
depois disso o juízo, assim também Cristo, oferecendo-
se uma só vez, para levar os pecados de muitos,
aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o
esperam para a salvação" (Hebreus 9.27-28).

Abstraindo-se a tese da transubstanciação, convém


lembrar que a oferta de apenas de um dos elementos
na Ceia está em desobediência à ordenança do Senhor
Jesus. Não apenas o pão deve ser servido. O vinho,
simbolizando a Nova Aliança no Seu sangue, é
elemento indispensável. Vejam: "Pois todas as vezes
que comerdes este pão e beberdes este cálice,
anunciais a morte do Senhor, até que ele venha" (1
Coríntios 11.26). Desobedecer é pecar.

CONCLUSÃO
Diante do exposto somos levados a admitir que o
Senhor Jesus usou uma linguagem figurativa, como o
fez em muitas outras ocasiões. Assim como
entendemos das palavras "Eu sou a porta", que Ele
representa a porta por onde todos devemos passar, a
caminho da salvação, de igual modo entendemos a
expressão "Isto é o meu corpo" como sendo "ISTO
REPRESENTA O MEU CORPO", com relação ao pão;
e "Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue", como
sendo "ESTE CÁLICE REPRESENTA A NOVA
ALIANÇA NO MEU SANGUE", com relação ao vinho.

O pão e o vinho conservam-se inalterados antes,


durante e depois da Santa Ceia, quer esta seja
ministrada por um pastor evangélico, quer por um
sacerdote católico. Ao bebermos o vinho, não sentimos
gosto de sangue; ao comermos o pão, não sentimos
gosto de carne. Cristo está presente na Ceia da
mesma forma que está presente no Batismo. Sempre
que estivermos reunidos em Seu nome, Ele se fará
presente, na qualidade de cabeça da Igreja (Efésios
5.23).

Como a Sua presença não decorre da


transubstanciação, indicativa de mudança de uma
substância em outra, o pão e o vinho não devem ser
objetos de adoração. A forma de adoração ensinada
pelo Senhor Jesus está em João 4.24: "Deus é
Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em
espírito e em verdade".

A Santa Ceia é um memorial ("fazei isto em memória


de mim"), e não uma repetição do sacrifício de Jesus
na cruz, sacrifício que deve ser lembrado e não
renovado (Hebreus 10.12).

Jesus não entra em nós pelos elementos da Ceia.


Quem participa da Santa Ceia são os filhos de
Deus, já justificados, já remidos, já convertidos.
São cristãos que já possuem Jesus no coração.
Assim deve ser. Por isso, Jesus prometeu que
voltaria a beber do fruto da vide no reino de Deus,
com a sua Igreja (Mateus 26.29). Não há como
admitir que um pecador não arrependido, não
merecedor portanto de ser habitação do Espírito
Santo, possa introduzir Jesus dentro de si, pela
ingestão do pão...

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