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2º ano- Direito das Sucessões Dia: turmas A e B

Exame de 4/6/2010 Duração: 2h00m

I Grupo (15 valores)

António e Bela contraem casamento em 1979. Desse casamento nasceram dois filhos,
Carlos e Duarte.

Em 2004, na convenção antenupcial em que Carlos e Eduarda são esposados, António


doa mortis causa a Carlos o bem s25, estipulando ainda que esta liberalidade nunca
estaria sujeita ao regime da redução de liberalidades por inoficiosidade.

Em 2005, António decide fazer um testamento cerrado, onde dispõe o seguinte:


i) Para receber aquilo a que tem direito na quota indisponível, Bela terá de aceitar
previamente cuidar da minha mãe até que esta faleça;
ii) Deixo a Bela o bem t600, que deve ser imputado na sua quota legal;
iii) Deixo a Filipa, minha irmã, o bem v10; se ela não quiser aceitar, o bem ficará
para uma das suas filhas – Guida ou Helena -, consoante o que ela achar
melhor;
iv) Deixo a Duarte e a Carlos o bem x30.

Alguns meses mais tarde, Carlos morre num acidente ferroviário. Já em 2007, António
decide doar a Duarte o bem z550.

(7v.) 1. Aprecie o conteúdo da convenção antenupcial e do testamento.


(8v.) 2. Proceda à partilha, considerando que à data da sua morte António
tinha bens no valor de 950, não tinha dívidas e que o bem s25 foi avaliado em 25, o
bem t600 foi avaliado em 600, o bem v10 foi avaliado em 10, o bem x30 foi
avaliado em 30 e o bem z550 foi avaliado em 550. Todos os sucessíveis
sobreviveram e aceitaram a herança, excepto Carlos (morto em 2005) e Duarte,
que foi validamente deserdado em 2008. Duarte era casado com Isabel e tinha um
filho, João.

II Grupo (5 valores)

Comente sucintamente as seguintes afirmações:


(3v.) 1. "A seguir ao repúdio, a melhor defesa do herdeiro contra o perigo da
herança deficitária é a aceitação a benefício de inventário; de nada serve alienar a
herança".
(2v.) 2. "Em regra, a sonegação de bens não afecta a validade da partilha que
entretanto tenha sido efectuada".
2º ano- Direito das Sucessões Dia: turmas A e B
Exame de 4/6/2010 Duração: 2h00m

TÓPICOS DE CORRECÇÃO

I Grupo (15 valores)

(7v.) 1. Aprecie o conteúdo da convenção antenupcial e do testamento.

CONVENÇÃO ANTENUPCIAL

Pacto sucessório designativo válido, de terceiro a favor de esposado (2028.º/1 e 2;


1700.º/1a) de nomeação de legatário (2030.º/2). A segunda parte da cláusula é nula por
violação do princípio da intangibilidade quantitativa da legítima: a margem dada pelo
legislador para dispor relativamente à redução de liberalidades por inoficiosidade (2168.º e
seguintes) prevista no 2172.º/2 não permite ao autor da sucessão isentar liberalidades do
regime da redução. Cfr. 1759º (e também 1705.º/3 que, não sendo aplicável, aponta no
mesmo sentido). Redução da cláusula (292.º).

TESTAMENTO
i) Encargo sobre a legítima, inadmissível nos termos do artigo 2163.º, 1.ª parte. Todos
os encargos sobre a legítima que não se enquadrem na lógica da cautela sociniana
são nulos, nos termos do 294.º, ou consideram-se não escritos, por aplicação
analógica do regime do 2230.º (ex vi 2245.º).
ii) Legado por conta da quota hereditária legal (legítima subjectiva e sucessão
legítima) previsto no artigo 2163.º, 2.ª parte. Trata-se de um caso de herança ex re
certa, que atribui à beneficiária a qualidade de herdeira (legal) até ao limite da
quota. Tem direito a receber a quota na sua totalidade, mesmo que o bem seja de
valor inferior. Imputação prioritária na legítima subjectiva e subsidiária na quota
disponível; o excesso relativamente ao valor da legítima subjectiva está
analogicamente sujeito ao regime da igualação.
iii) Nomeação de legatário testamentário (2030.º/2), com substituição directa (2281.º e
2285.º/1; aplicação do 2281.º/2, incluindo também os casos de não poder aceitar).
Apesar do carácter pessoal do testamento, a lei permite que o testador cometa a
terceiro a nomeação de legatário de entre pessoas determinadas (2182.º/2b).
iv) Nomeação conjunta de legatários (2030.º/2). Trata-se de um pré-legado, legado
simples ou puro; na falta de estipulação em contrário, as liberalidades mortis causa
implicam a atribuição de uma vantagem patrimonial face aos demais herdeiros
legais, pelo que seria prioritariamente imputado na quota disponível. Cfr. art.
2264º.

(8v.) 2. Proceda à partilha

APRECIAÇÃO DAS VOCAÇÕES SUCESSÓRIAS (4 VALORES)

i) Pressupostos gerais da vocação sucessória: titularidade da designação prevalente,


existência do chamado (sobrevivência e personalidade jurídica) e capacidade
sucessória (2032.º).
ii) Carlos: pré-morto, não reúne o pressuposto da sobrevivência; a sua vocação não se
concretiza. Quanto à sucessão legal: não poderá haver direito de representação
(vocação indirectamente preferente na sucessão legal, nos termos do 2138.º) por não
ter filhos (2039.º e 2042.º); não haverá direito de acrescer (2137.º/2 e 2157.º) porque a
pré-morte não é pressuposto do direito de acrescer na sucessão legal; desencadeia-
se, assim, o chamamento directo dos restantes sucessíveis à sucessão legal. Quanto
à sucessão testamentária: não havendo nomeação de substituto (2041.º/2a), também
não poderá haver direito de representação por não ter filhos (2039.º e 2041.º);
haveria direito de acrescer a favor de Duarte, caso a sua vocação se tivesse
concretizado ou houvesse representantes quanto à sucessão testamentária (2302.º -
impossibilidade jurídica de aceitação e nomeação de outro legatário em relação ao
mesmo bem). A deixa caduca (2317.º/a). Quanto à sucessão contratual: a deixa
caduca, nos termos do artigo 1703.º/1, por ser uma disposição a favor de esposado
em que o donatário falece antes do doador. Não há qualquer vocação indirecta
(substituição directa: por falta de designação; direito de representação: por não
haver descendentes, nos termos do 1703.º/2; direito de acrescer: por falta de
previsão do de cujus).
iii) Duarte -- Por ter sido validamente deserdado (2166.º/1), perde a legítima subjectiva
(2166.º/1) e é equiparado ao indigno para todos os efeitos legais (2166.º/2 e 2037.):
afastamento do sucessível da sucessão legal e da sucessão testamentária. A vocação
de Duarte não se concretiza porque não reúne o pressuposto da capacidade
sucessória. Quanto à sucessão legal: haverá direito de representação a favor de João
(vocação indirecta preferente na sucessão legal, nos termos do 2138.º e 2157.º) por
estarem reunidos os pressupostos: o sucessível não pode aceitar (incapacidade é
pressuposto do direito de representação na sucessão legal – 2037.º/2), é filho do
autor da sucessão e tem descendentes (2039.º e 2042.º). Quanto à sucessão
testamentária: não há substituto designado (2041.º/2a) e não há direito de
representação porque a incapacidade não é pressuposto do direito de representação
na sucessão testamentária (2041.º/1 e 2037.º/2 a contrario). Haveria direito de
acrescer entre legatários a favor de Carlos (2302.º), caso a sua vocação se tivesse
concretizado ou houvesse representantes quanto à sucessão testamentária (cfr.
supra iii). A deixa caduca (2317.º/c).
iv) Todos os demais sucessíveis (Bela e Filipa) preenchem, à data da abertura da
sucessão, os pressupostos gerais da vocação sucessória.

CÁLCULO
i) Valor total da herança legitimária (Escola de Lisboa): Relictum + Donatum -Passivo
(2162.º) = 950+550-0= 1500.
ii) Legítima objectiva/quota indisponível (2156.º): 2/3 de 1500 (2159.º/1) = 1000
iii) Quota disponível: 1/3 de 1500 = 500.
iv) Legítimas subjectivas (2136.º, 2139.º/1 e 2044.º): 500 para Bela e 500 para João.

IMPUTAÇÃO DE LIBERALIDADES

i) Legado por conta da legítima (quota hereditária legal) a favor de Bela (t600):
imputação prioritária na quota indisponível (500 – preenche a legítima
subjectiva) e subsidiária na quota disponível (100), com sujeição a igualação.
ii) Doação em vida feita a Duarte (z550): a doação em vida não está sujeita a
igualação uma vez que à data da doação Duarte era o único descendente
herdeiro legitimário, estando assim numa situação equiparável à do filho único.
Contudo, a imputação das liberalidades inter vivos não sujeitas a colação feitas a
herdeiro legitimário prioritário (dado que a deserdação foi posterior à doação)
efectua-se prioritariamente na quota indisponível, para preservação da liberdade
de disposição por morte do de cujus e dado o sentido genérico da doação como
antecipação dos direitos na sucessão legitimária (sugerido pela inclusão da
liberalidade no valor total da herança, nos termos do art. 2162º). Por força da
lógica do instituto da representação (ocupando o representante a posição que
caberia ao representado, como resulta do artigo 2039º), a imputação da quota
indisponível terá de ser feita na legítima subjectiva de João, que fica totalmente
preenchida. O excesso (50) é imputado na quota disponível, não estando sujeito
a igualação.
Com a devida fundamentação, admite-se que em lugar desta orientação seja
defendida a tese de que a doação está sujeita a colação. Tal tese inspirar-se-ia na
doutrina de Oliveira Ascensão, que, por analogia, considera o cônjuge sujeito
(obrigado e beneficiário) da colação.
iii) Legado a favor de Filipa (v10): imputação de 10 na quota disponível, por ser um
terceiro.

MAPA PROVISÓRIO

QI QD
1000 500
B 500 100
J 500 50
F - 10

IGUALAÇÃO (SUCESSÃO LEGÍTIMA CORRIGIDA):

i) Método de cálculo da quota hereditária legal

Quota disponível livre (2131.º): 340 (500-160).


Massa de cálculo da herança legítima fictícia = 340 (quota disponível livre ou
sucessão legítima real) + 100 (valor da parte do legado por conta da legítima sujeito
a igualação que foi imputada subsidiariamente na quota disponível) = 440.
Quota na herança legítima ficticiamente alargada = 220 (440 a dividir pelo número
de herdeiros legítimos – Bela e João).

Quota hereditária legal de cada estirpe = 500 (legítima subjectiva) + 220 = 720.

Bela ainda só recebeu 600, pelo que é possível fazer igualação absoluta; atribuição
de 120 a Bela e de 220 a João.

OU

ii) Método igualação por tentativa

Quota disponível livre (2131.º): 340 (500-160).

João ainda não recebeu nada na quota disponível (enquanto herdeiro legal); para
fazer igualação absoluta é necessário 100. Depois de feita a igualação absoluta,
restam 240 na quota disponível, que serão divididos por Bela e João (2044.º, 2136.º
e 2139.º): atribuição de 120 a cada um.
MAPA FINAL

QI QD Total
1000 500 1500
B 500 220 720
J 500 270 770
F - 10 10

II Grupo (5 valores)

Comente sucintamente as seguintes afirmações:

(3v.) 1. "A seguir ao repúdio, a melhor defesa do herdeiro contra o perigo


da herança deficitária é a aceitação a benefício de inventário; de nada serve
alienar a herança".

A herança deficitária é aquela cujo passivo é superior ao relictum.


O herdeiro responde pelo passivo hereditário (cf. arts. 2068º, 2071º, 2097º e
2098º/1).
A qualidade de herdeiro (legal e testamentário), e a inerente obrigação de
pagamento do passivo, não é adquirida no caso de repúdio, que elimina
retroactivamente o chamamento a título de herdeiro (cf. art. 2062º).
O sucessível chamado para suceder como herdeiro adquire efectivamente a
qualidade de herdeiro, e a inerente responsabilidade de satisfação do passivo, com a
aceitação (cf. art. 2050º/1).
A aceitação da herança pode ser pura e simples ou a benefício de inventário (cf.
art. 2052º/1). Os efeitos destas espécies de aceitação vêm estabelecidos no art.
2071º, que consagra o princípio de que o herdeiro não responde pelo passivo
hereditário além das forças da herança. No entanto, havendo aceitação pura e
simples, o herdeiro poderá vir a ter de satisfazer, com bens pessoais, encargos que
realmente excedam o valor do relictum se não conseguir provar que o activo é
inferior ao passivo hereditário (cf. nº 2 do art. 2071º). Em contrapartida, havendo
aceitação a benefício do inventário, entende-se que o relictum coincide com os bens
inventariados, pelo que o herdeiro só responde pelo passivo com os bens
inventariados, salvo se os credores provarem a existência de outros bens (cf. nº 1 do
art. 2071º).
A alienação da herança, que traduz uma aceitação (tácita) se esta entretanto não
tiver ocorrido, não extingue a responsabilidade do alienante pelo passivo, que recai
solidariamente sobre ele e o adquirente (cf. art. 2128º). E o regime dessa
responsabilidade não deixa de ser disciplinado pelo referido art. 2071º. Contudo, o
alienante pode exigir ao adquirente o reembolso total do que lhe tiver sido exigido
para satisfação do passivo.
(2v.) 2. "Em regra, a sonegação de bens não afecta a validade da partilha
que entretanto tenha sido efectuada".

A sonegação de bens é um acto de ocultação dolosa da existência de bens da


herança praticado por um dos co-herdeiros (cf. art. 2096º/1). Uma das sanções previstas
para o acto é a perda pelo agente do direito que ele pudesse ter a qualquer parte dos
bens cuja existência ele ocultou, em benefício dos outros herdeiros (cf. ainda o art.
2096º/1).
Uma partilha realizada quando havia sonegação não abarcou a totalidade dos
bens da herança. No entanto, ainda que a omissão dos bens tenha sido intencional, a
partilha efectuada é válida, ao abrigo do princípio de conservação do acto jurídico de
partilha, tendo lugar apenas uma partilha adicional dos bens sonegados (cf. art. 2122º) -
que não aproveitará ao herdeiro sonegador.

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