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ATITUDES COOPERATIVAS NA PRÁTICA DESPORTIVA DO FUTSAL:

ESTRATÉGIAS DE COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO


DA LINGUAGEM CORPORAL

Zuleika Andradas Albuquerque1


zuleikaalbuquerque@terra.com.br

Resumo
O cotidiano escolar apresenta-se por parte dos educandos com uma série de atitudes não
cooperativas, desrespeitosas, sem ética e sem um clima de harmonia o qual lhes favoreceria o
ensino-aprendizagem. Investiga-se através dos Jogos Cooperativos, de que forma eles podem
intervir como estratégia de cooperação entre os educandos, favorecendo a aquisição de
atitudes cooperativas nas aulas de Educação Física. A sua influência no desenvolvimento da
linguagem corporal e na auto-estima dos educandos, e suas conseqüências positivas nas
relações interpessoais e o cotidiano escolar.
Palavras-chave: Estratégias de cooperação. Jogos cooperativos. Auto-estima. Atitudes
cooperativas.

1 Introdução
A espécie humana surgiu há cerca de 2 milhões de anos. Isso só foi possível porque,
nos 3 bilhões e meio de anos anteriores, as bactérias existentes estavam aprendendo a unir-se
e formar organismos mais complexos e eficientes, ou seja, já estavam praticando a
cooperação, com um objetivo único: sobreviver. A sociedade primitiva precisou ser
cooperativa para sobreviver, houve uma divisão natural de tarefas. Durante a pré-história,
grande parte do tempo o homem gastava com o trabalho dedicado à sobrevivência; portanto, à
obtenção de alimentos, à construção de abrigos, à confecção de vestimentas (GOYAZ, 2005,
p. 54).
Os trabalhos de pesquisadores e paleontólogos nos mostram que isso não evitou que o
homem, reunido em bandos, utilizasse algum tempo ocioso para confraternizar e,
posteriormente jogar ou brincar. Os jovens, quando desempenhavam as tarefas que lhes
seriam dadas quando adultos, brincavam de faz-de-conta. Ou seja, já jogavam. Trocando suas
experiências vivenciadas, eles foram constituindo-se no que chamamos de sociedade.
Até hoje os jogos fazem parte da vida humana, seja de forma educativa, de obtenção
de forma física, seja na prevenção e saúde, na forma competitiva ou simplesmente lúdica.
Essas atividades corporais são resultados da vida e da ação humana; portanto, são expressões
culturais, que demonstram a concepção de sociedade em que está inserida.
A sociedade ocidental, de uma forma geral, está alicerçada no capitalismo, com ênfase
no consumo e na competição. Brotto (2001, p. 5) em contrapartida, nos mostra que os “jogos
cooperativos serão capazes de contribuir para diminuir as barreiras e estreitar as distâncias
que têm separado pessoas, grupos, sociedades e nações, assim como, têm nos afastado da
interação com a natureza”.
Em face dessa possibilidade, optou-se, com artigo, pelo estudo de estratégias de
cooperação utilizadas nas aulas de Educação Física, principalmente no que diz respeito à
prática do Futsal, visando à aquisição de atitudes cooperativas no cotidiano escolar. Os jogos
cooperativos foram introduzidos nas aulas de Educação Física, diante da possibilidade de sua
inserção no cotidiano escolar, com o objetivo principal de aquisição de atitudes de

1
Professora de Educação Física na RME de Porto Alegre, graduada pela UFRGS, Especialista em Pedagogia do
Esporte CEAD – UnB Brasília-DF, orientada, em 2006, por Ana Cristina de David (anacristina@cead.unb.br),
em monografia que deu origem a este artigo.
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cooperação, solidariedade, inclusão e amizade, pois eles nos permitem, segundo Orlick (apud
BROTTO, 2001, p. 28), vivenciar uma relação humanizadora, calcada em bondade,
consideração, compaixão, compreensão, cooperação, amizade e amor.
A relevância do presente estudo se pauta na existência de atitudes hostis e não-
cooperativas por grande parte dos educandos da turma observada, nos seus relacionamentos
cotidianos e, em especial, durante a prática de Futsal na aula de Educação Física, acarretando
sérios prejuízos para eles e toda a população educacional da escola. Mesmo após uma aula de
Educação Física que é a matéria de que mais gostam, eles apresentam atitudes grosseiras e
não cooperativas com os colegas. Existe uma competição exacerbada, sem escrúpulos, sem
ética. Essas atitudes em nada ajudam no ambiente escolar, não permitem um clima de
harmonia, um clima de trocas de experiências, de aprendizagem mútua. Resolvi recorrer aos
jogos cooperativos, pois como Brotto (2001, p. 4) afirma, eles nos levam “a descobrir
caminhos diferentes para aprender a conviver, particularmente, em momentos de crises e
transformações”.
Assim, a presente proposta de estudo é pesquisar de que maneira o emprego dos
jogos cooperativos pode servir de estratégias de cooperação durante a prática do Futsal
nas aulas de Educação Física?
Como esses jogos podem melhorar o relacionamento interpessoal, elevando assim a
auto-estima dos educandos e criando um clima harmônico e favorável e melhor
desenvolvendo sua linguagem corporal.
Encontro em BROWN (1994, p. 42) que “O ensino da educação física não exige
reforçar a competição”. Sigo pelo caminho dos jogos cooperativos na busca de novas
alternativas, para uma sociedade mais humana, mais justa e igualitária, em que através do
diálogo, consigamos resolver os nossos conflitos.
O estudo se deu em uma Escola Municipal de Porto Alegre, RS. Rede Municipal de
Ensino ciclada, por isso a denominação de B 33 (3º ano do 2º Ciclo), no período de
2005/2006.

2 Revisão de literatura
Exponho, na seqüência, sustentação teórica sobre jogos, em especial os cooperativos.

2.1 Jogo
Em “Homo Ludens” célebre obra que trata sistematicamente o jogo, Johan Huizinga
(1999, p. 33) assim define:
Uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados
limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas
absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um
sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da “Vida
quotidiana”.
Considerando que os jogos são anteriores à civilização e necessitam ser entendidos
como um processo histórico, cultural e social, notamos que suas definições e práticas foram
sofrendo transformações ao longo dos anos.
Os jogos sempre representaram o caráter dos processos de produção. Por exemplo, os
temas que inspiraram os jogos lúdicos na Antiguidade eram a caça, a guerra, a vida, os hábitos
dos animais, o trabalho. O jogo, em especial, mostra, na sua evolução, a passagem de
atividade essencialmente lúdica para atividade lúdica competitiva, hoje denominada esporte.
Os tênues limites que definem brincadeiras, jogo, lutas, danças, ginásticas e esporte nos
permitem concordar com Freire (1998, p. 06) no que tange a essas atividades: “é possível
incluí-las todas no universo do jogo, considerando este a grande categoria do conjunto das
produções lúdicas humanas”.

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Para Friedmann (1996), não existe uma teoria completa dos jogos, mas ele apresenta
uma síntese dos principais enfoques projetados sobre o jogo infantil: sociológico, educacional,
psicológico, antropológico e folclórico. Uma vez que as crianças, ao brincarem sofrem
influência do contexto social, desenvolvem seu ensino/aprendizagem, possibilitam a melhor
compreensão das suas emoções e personalidade, refletem o costume e história de suas
diferentes culturas e ainda as suas tradições, são mantidas através dos tempos. Brotto (2001),
utiliza ainda o enfoque filosófico estudado por Santin (1987, 1994) no qual somos
incentivados a exercitar a reflexão ética sobre os valores humanos presentes (ou ausentes no
jogo), investiga o jogo como meio para o desenvolvimento integral do ser humano e de
aprimoramento de sua qualidade de vida.
Mesmo com algumas diferenças os esportes modernos e os jogos utilizados nas
cerimônias religiosas e festas na antiguidade não mudaram o seu caráter Agonístico,
combativo e competitivo, defendido por Carmo (2005) como componente essencial e
motivador do jogo, pois, sem o mesmo este deixaria de existir. O autor afirma ainda que, por
essa razão, dificilmente os jogos podem contribuir para uma formação cooperativa e solidária
de seus participantes.
Em oposição, concordo com Brotto (2001), que define o jogo como “espectro de
atividades interdependentes, que envolve a brincadeira, a ginástica, a dança, as lutas, o esporte
e o próprio jogo”, sustentando a “idéia da aproximação entre o jogo e a vida, compreendendo
ambos como reflexo um do outro: — Eu jogo do jeito que vivo, e vivo do jeito que jogo”.
O jogo tem funções essenciais, importantes na formação do ser humano, Brotto
(2001), aponta-as como um fator que serve para explorar o mundo que rodeia o jogador, bem
como explorar as suas próprias atividades, reforçando o convívio social, pois o jogo tem um
alto grau de liberdade, permitindo assim que as relações fiquem mais saudáveis, e,
dependendo da orientação que o jogo oferece, pode aprimorar ou modificar o relacionamento
interpessoal. O jogo equilibra corpo – linguagem, portanto – e alma, devido ao seu caráter
natural, pois atua como um regulador de tensões e relaxamentos. Gera normas, valores e
atitudes, pode reproduzir o mundo real através da fantasia. Ele induz a criança a novas
experiências e conhecimentos; permite ensinar e aprender através de erros e acertos, sempre é
possível recomeçar um jogo novo. Torna a pessoa livre, para decidir e escolher o próximo
passo dentro do jogo e, por conseqüência, prepara-a para a tomada de atitudes e decisões
frente a diversas situações na vida real.
Após estudos, Brotto (2001) caracterizou situações comuns ao jogo e ao cotidiano e
classificou-as como sendo a “Arquitetura do jogo” por permitirem olhar o jogo e a vida como
um local de exercícios das potencialidades humanas, pessoais e coletivas, bem como
solucionar problemas, harmonizar conflitos, superar crises e alcançar objetivos. Essas
situações são:
a) visão: meta-Concepções e valores essenciais que orientam e dão sentido-
significado, filosofia, ética, visão de mundo e existência humana;
b) objetivo: alcance de objetivos, solução de problemas, harmonização de conflitos;
c) regras: referência flexível (implícita ou explícita) para iniciar e sustentar
dinamicamente as ações e relações; normas, leis, convenções;
d) contexto: o aqui-e-agora, como uma síntese do passado-presente-futuro, o campo
de jogo, o ambiente da vida.
e) participação: interação plena e interdependente de todas as dimensões do ser
humano: física-emocional-mental-espiritual, em ao nível pessoal, interpessoal e
grupal;
f) comunicação: diálogo buscando a compreensão ampliada e a ação correta em um
dado momento e para cada situação;
g) estratégias: organização, planejamento e definição de ações;
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h) clima: o “astral”, o “espírito” presente no momento, algo sutil e que faz a diferença;
i) resultados: marcos e indicadores para balizar o processo continuado de
aperfeiçoamento;
j) celebração: instante para comemorar as realizações e renovar o anseio de continuar
jogando-vivendo.
Sendo assim, o jogo torna-se muito importante para o desenvolvimento humano em
todas as idades.

2.1.1 Caráter educacional


É indiscutível a importância do jogo como mais uma ferramenta pedagógica à
disposição dos educadores no processo de ensino/aprendizagem, seja pelo seu caráter social,
lúdico, competitivo, ou cooperativo. O que pretendo discutir é para que fim o jogo se está
prestando. Devemos saber que tipo de homem queremos formar? Que tipo de sociedade nós
pretendemos? O educador exerce uma atividade social, contribuindo para a formação cultural
e científica dos educandos e, portanto, tem um compromisso com a sociedade. Conforme
Libâneo (apud MEDEIROS, 2004, p. 90):
O sinal mais indicativo da responsabilidade profissional do professor é o seu
permanente empenho na instrução e educação dos seus alunos, dirigindo o ensino e
as atividades de estudo de modo que estes dominem os conhecimentos básicos e as
habilidades, e desenvolvam suas forças, capacidades físicas e intelectuais, tendo em
vista equipá-los para enfrentar os desafios da vida prática no trabalho e nas lutas
sociais pela democratização da sociedade.

Dessa forma, o educador deve ter seu posicionamento claro, pela transformação das
condições gerais da sociedade ou se pela reprodução dos valores estabelecidos, pois sabemos
que ensinar é um ato político e não admite neutralidade. O educador deve ter essa premissa
conscientemente. Por isso aponto a presente reflexão sobre as práticas esportivas (Futsal) na
escola: De que forma os jogos praticados nas escolas contribuem para a transformação e
construção de uma sociedade mais justa, mais harmônica e mais solidária?
Friedmann (1996) auxilia na reflexão quando relaciona as principais características
que a escola deve possuir:
a) ser um elemento de transformação da sociedade;
b) considerar as crianças como seres sociais e construtivos;
c) privilegiar o contexto socioeconômico e cultural;
d) reconhecer as diferenças entre as crianças;
e) considerar os valores a bagagem que elas já têm;
f) propiciar a todas as crianças um desenvolvimento integral e dinâmico;
g) favorecer a construção e o acesso ao conhecimento;
h) valorizar a relação adulto-criança caracterizada pelo respeito mútuo, pelo afeto e
pela confiança;
i) promover autonomia, criticidade, criatividade responsabilidade e cooperação.
Baseado nos estudos de Piaget (1971), Friedmann (1996) nos mostra ainda as
possibilidades estabelecidas através do jogo que incentivam o desenvolvimento humano em
suas múltiplas dimensões:
a) desenvolvimento da linguagem: até adquirir a facilidade da linguagem, o jogo é o
canal através do qual os pensamentos e sentimentos são comunicados pela criança;
b) desenvolvimento cognitivo: o jogo dá acesso a um maior número de informações, ao
jogar a criança consolida habilidades já adquiridas e as pode praticar, de modo
diferente, diante das novas situações;
c) desenvolvimento afetivo: o jogo é uma “janela” da vida emocional das crianças. A
oportunidade de a criança expressar seus afetos e emoções através do jogo só é
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possível em um ambiente e espaço que facilitem a expressão: é o adulto quem deve
criar esse espaço;
d) desenvolvimento físico-motor: a exploração do corpo e do espaço leva a criança a
desenvolver-se. Piaget considera a ação psicomotora como precursora do pensamento
representativo e do desenvolvimento cognitivo, e afirma que a interação da criança
em ações motoras, visuais, táteis e auditivas sobre os objetos do seu meio é essencial
para o desenvolvimento integral;
e) desenvolvimento moral: as regras do exterior são adotadas como regras da criança,
quando ela constrói sua participação de forma voluntária, sem pressões. A relação de
confiança e respeito com o adulto ou com outras crianças é o pano de fundo para o
desenvolvimento da autonomia. E só a cooperação leva à autonomia.
O ser humano nasce motivado a aprender, explorar o mundo e a beneficiar-se disso.
Ainda bebê aprende a jogar e explorar o mundo ao seu redor, e isso é fundamental para um
desenvolvimento integral de suas áreas, afetiva/relacional, psicomotora e cognitiva. É durante
a primeira infância que sua personalidade básica é estruturada com a formação das conexões
ou sinapses cerebrais (TEIXEIRA 2002, p. 5).
Cabe ao professor organizar pedagogicamente a sua aula de Educação Física, fazendo
com que os jogos satisfaçam as necessidades essencias das crianças, que são, segundo Freinet
(apud SCAGLIA; RANGEL, 2004, p. 152) “agir, criar, interagir, interpretar, comunicar-se,
expressar-se e avaliar-se”, promovendo então o seu desenvolvimento.
Conforme Piaget (1971), “O trabalho em grupo é a forma mais interessante para
promover a cooperação, é fator fundamental para a progressão intelectual”. (apud TEIXEIRA,
2002, p. 5). E os jogos cooperativos propiciam a união da cooperação e da autonomia.

2.2 Competição e cooperação


Ao buscar o significado no dicionário, encontramos, para o vocábulo competição
“ação ou efeito de competir, luta, disputa, torneio”; para cooperação “trabalhar, atuar
simultaneamente para o mesmo fim” (LUFT, 2005).
No entanto, esses conceitos não conseguem evitar a polêmica em torno do assunto. Na
realidade, para Brotto (2001), competição e cooperação são aspectos de um mesmo espectro,
não se opõem, mas se compõem. São processos sociais e valores presentes no jogo, no esporte
e na vida, sendo que um não define ou substitui o outro. Cabe ao educador oferecer atividades
para dosar competição e cooperação adequadamente.
Ainda sobre as atitudes e situações estudadas, Brotto (2001) tem a seguinte
compreensão:
Na situação cooperativa, os alunos:
a) percebem que o atingir de seus objetivos é, em parte, conseqüência da ação dos
outros membros;
b) são mais sensíveis às solicitações dos outros;
c) ajudam-se mutuamente com freqüência;
d) são mais homogêneos na quantidade de contribuições e participações;
e) tem produtividade, em termos qualitativos, maior;
f) alcançam especialização de atividades maior.
Na Situação competitiva, os alunos:
a) percebem que o atingir de seus objetivos é incompatível com o alcance dos
objetivos dos demais;
b) são menos sensíveis às solicitações dos outros;
c) ajudam-se mutuamente com menor freqüência;
d) apresentam menor homogeneidade na quantidade de contribuições e participações;
e) tem produtividade, em termos qualitativos, menor;
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f) demonstram especialização de atividades menor.
Como se pode perceber cooperação e competição são processos sociais do mesmo
jogo, sendo a cooperação um processo no qual os objetivos almejados são comuns, levando a
ações compartilhadas, em que resultados, igualitariamente divididos, são benéficos para todos
os participantes. E, por sua vez, competição é um processo no qual os objetivos almejados são
mutuamente exclusivos, acarretando ações individualistas, o que concorre para que apenas
alguns indivíduos obtenham ganhos com os resultados.
Brotto (2001), nos mostra que cooperação e competição são processos distintos, mas
não distantes. Seus limites são tênues e permeia o intercâmbio de suas características, o que
nos leva a ter, em algumas vezes, uma competição-cooperativa e noutras uma cooperação-
competitiva. Devemos, portanto, estar atentos e cuidadosos na sua equiparação.
Certos grupos podem ter todas as características cooperativas, mas, quando colocados
em situação de confronto e competição, tendem a esquecê-las, visando apenas ao alcance de
seu objetivo, o que pode torná-los extremamente individualistas.
A relação entre os meios e os fins de um comportamento específico ou de uma
situação nos é apresentada e classificada por Orlick (apud BROTTO, 2001, p. 28) como
humanizadora, envolvendo Bondade, consideração, compaixão, compreensão, cooperação,
amizade, amor; e desumanizadora, em que se percebem falta de interesse para com o
sofrimento do outro, crueldade, brutalidade e desconsideração para com os valores humanos.
O homem é, por essência, um ser social, e não existe uma natureza competitiva ou
cooperativa predominantemente que determine o seu comportamento. O que irá determinar o
seu comportamento é a cultura social da comunidade na qual está inserido.
Piaget (1971), nos auxilia para um maior entendimento sobre o desenvolvimento da
inteligência cognitiva do ser humano. Por conseguinte, permite interpretar que competir e
cooperar são conquistas do desenvolvimento da inteligência que seguem concomitantemente
como duas faces da mesma moeda, com características específicas, porém complementares, e
são o resultado do desenvolvimento cognitivo, são, portanto, educáveis. Para BRAGA (2004),
ao desenvolver atitudes cooperativas, o indivíduo compreende e assume características
cooperativas, do mesmo modo, e, em oposição, se apenas praticar atitudes competitivas, ele se
tornará um exímio competidor, e talvez inescrupuloso, não lhe importando os meios que
utilizará para alcançar o fim que é o seu objetivo maior.
Possuímos a possibilidade e o discernimento de escolher nosso jeito de ser e o nosso
modo de agir colaborando em prol de uma melhor qualidade de vida para todos.
Brown (1994) coloca que situação de cooperação é aquela em que, para o objetivo de
um indivíduo ser alcançado, todos os demais deverão igualmente atingir seus respectivos
objetivos. E a situação competitiva será definida quando a realização dos objetivos de um de
seus membros impede a realização dos objetivos dos demais.
Na competição, os “ganhadores” são os que conseguem impor-se às custas dos outros.
Há um ganhador, também um perdedor. Assim como se aceita que é normal que haja
ganhadores e perdedores, se aceita que o mais importante é ganhar, inclusive com a utilização
da força, da manipulação, da trapaça e do engano. Essa é uma relação de dominantes e
dominados. Ela não existe apenas no jogo, também em outras situações de vivências em
sociedade. Há na sociedade capitalista ocidental em que vivemos e reforça a relação de
dominação, violência e destruição dos fortes pelos fracos, em que se perdem também os
valores éticos e morais, de dignidade, respeito, amor, solidariedade, compreensão e,
principalmente, cooperação. Acredita-se que aquele que ganha merece o triunfo, porque é
mais forte. Os perdedores aceitam e submetem-se à sua condição porque têm a esperança de
transformarem-se algum dia em ganhadores. Na competição, o perdedor tem a culpa, ele fez
algo errado, ele merece, ele foi punido por Deus.

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Com freqüência ouvimos comentários de que a teoria da seleção natural de Darwin
justifica a competição e a natureza competitiva humana. Tais comentários são incorretos, pois
Darwin já afirmava que, para a raça humana, o valor mais alto na sobrevivência está na
inteligência, no senso moral e na cooperação social, e não na competição. O conceito de
sobrevivência do mais apto tem sido utilizado de forma distorcida para justificar negociatas,
crueldades e guerras contra os mais fracos.
É preciso que nos voltemos para uma direção mais cooperativa que possa gerar
bondade, solidariedade, compreensão, compaixão, inclusão, amizade e amor.

2.3 Jogos cooperativos


Aqui são trazidas mais especificações acerca dos jogos cooperativos.

2.3.1. Origem e evolução


Na sociedade moderna, em especial na civilização ocidental, com tendência há uma
excessiva valorização aos métodos competitivos, o que gera uma sociedade individualista sem
preocupação com o outro. Esse fato vem preocupando educadores e psicólogos.
Há milhares de anos, nossos ancestrais já praticavam os jogos cooperativos quando se
reuniam nas tribos para celebrar a vida. Mas a sua sistematização só foi acontecer na década
de 1950, através do trabalho pioneiro do Professor americano PhD em Psicologia Ted Lentz,
pesquisador e estudioso do desenvolvimento da personalidade. Seus últimos anos foram
dedicados a pesquisas das ciências e tecnologias em busca da paz.
Em 1978, Terry Orlick, professor canadense da Universidade de Ottawa, pesquisou o
jogo e a sociedade, e escreveu o livro Winning trough cooperation que foi traduzido para o
Português como Vencendo a competição, publicado em 1989, tornando-se um marco na
historia dos jogos cooperativos. Nessa obra, ele aborda, com profundidade e consistência,
várias questões que nos remetem a uma visão diferente para os modelos sociais e mentais que
conhecemos e que até então eram praticamente tidos como única opção.
O professor americano e educador popular na Venezuela Guilhermo Brown é mais um
expoente sobre jogos cooperativos. Publica em 1987 o livro ¿Qué tal si jugamos?, pioneiro na
América Latina. Em 1994, publica no Brasil Jogos cooperativos, teoria e prática, contando as
vivências de educador popular na Venezuela, quando então, aplicava os jogos cooperativos.
No Brasil, o ilustre professor e mestre Fábio Otuzi Brotto, através de suas vivências,
inquietações e determinações, introduziu os jogos cooperativos por aqui. Após desenvolver
trabalhos e projetos de cooperação, publicou, em 1995, Jogos cooperativos: se o importante é
competir, o fundamental é cooperar. Juntamente com Gisela Sartori Franco, criaram o Projeto
Cooperação – Comunidade de Serviços, dedicado à difusão dos jogos cooperativos e da ética
da cooperação, através de oficinas, palestras, eventos, publicações e produção de materiais
didáticos.
A hipervalorização da competição se manifesta nos jogos pela ênfase que damos ao
resultado numérico e à vitória, conforme Orlick (apud BROTTO, 2001, p. 45). Para ele nós
não ensinamos nossas crianças a terem prazer em buscar o conhecimento, mas as ensinamos a
se esforçarem para conseguir notas altas. Da mesma forma, não as ensinamos a gostar dos
esportes, mas a vencer jogos. Os jogos tornam-se rígidos e altamente organizados, não
deixando espaço para a criatividade e dando a ilusão de que só existe um caminho a ser
percorrido durante a sua realização. Para Kagan (apud BROTTO, 2001, p. 45), “as crianças
não jogam jogos competitivos, elas obedecem”. Pois recebem a orientação dos pais, meios de
comunicação e por alguns professores direcionados para a competição, estes, raramente
oferecem uma atividade diferenciada, cooperativa.
Conforme Brotto (2001), “sem opções, não há escolha real. Existem apenas a
obediência e a submissão ao que já existe”.
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O objetivo maior da criação dos jogos cooperativos foi promover a auto-estima,
juntamente com o desenvolvimento de habilidades interpessoais positivas. E muitos deles, são
orientados para a prevenção de problemas sociais, antes de se tornarem problemas reais.
É preciso empenho por parte dos profissionais envolvidos no sentido de recriar e
divulgar os jogos cooperativos, para que possamos vitalizar os valores éticos, morais e as
atitudes positivas, visando ao desenvolvimento da humanidade como um todo, integrado. Não
uma sociedade utópica, ideal, sem conflitos ou problemas, mas uma comunidade com seres
humanos dispostos e aptos a lidar com suas divergências, seus conflitos e seus objetivos de
um modo diferente. Alicerçado no respeito e confiança mútua, no reconhecimento da
importância de todos os indivíduos, centralizando o objetivo maior que é o bem-estar comum;
segundo Brotto (2001), “uma sociedade altamente competente ao invés de extremamente
competitiva para lidar com as crises atuais e futuras e encontrar, a partir delas, os diferentes
caminhos para uma melhor qualidade de vida para todos”.

2.3.2 Conceito e características


Os jogos cooperativos podem ser conceituados como uma categoria de jogos em que
os participantes unem-se para alcançar um objetivo comum a todos. Joga-se para superar
desafios, transpor obstáculos, e não para derrotar os adversários, até mesmo porque, nesses
jogos, não se joga contra um adversário e sim com um parceiro, um companheiro. O esforço
cooperativo é necessário para atingir um objetivo comum, e não para fins mutuamente
exclusivos.
Como este jogo é um processo, aprende-se a reconhecer a própria autenticidade e a
expressá-la espontânea e criativamente. No jogo cooperativo consideramos o outro como um
parceiro, um solidário, não como um adversário, mas necessitamos dele para alcançar os
interesses mútuos e priorizarmos a integridade de todos. A sua estrutura diferenciada permite
diminuir a pressão para competir e a necessidade de comportamentos destrutivos.
Os jogos cooperativos visam a promover a interação dos participantes, com sua
participação de forma livre, espontânea e alegre, promovendo a harmonia. Nos jogos
cooperativos, os verbos conjugados são compartilhar, cooperar e unir, e as ações conjuntas
despertam a coragem de assumir riscos, não se preocupando com o fracasso e o sucesso em si
mesmos.
Brotto (2001) afirma que os jogos cooperativos reforçam a confiança pessoal e
interpessoal, porque ganhar e perder são referências para o contínuo aperfeiçoamento de
todos. Da participação nos jogos cooperativos surge um envolvimento total em sentimentos de
aceitação e um prazer que gera o desejo de continuar jogando.
Para Walker (apud BROTTO, 2001, p. 56), os jogos cooperativos:
a) são divertidos para todos;
b) todos os jogadores têm um sentimento de vitória;
c) todos se envolvem independente de sua habilidade;
d) aprende-se a compartilhar e a confiar;
e) há mistura de grupos que brincam juntos criando alto nível de aceitação mútua;
f) os jogadores estão envolvidos nos jogos por um período maior, tendo mais tempo
para desenvolver suas capacidades;
g) aprende-se a solidarizar com os sentimentos dos outros, desejando também o seu
sucesso;
h) desenvolvem a autoconfiança porque todos são bem aceitos;
i) a habilidade de perseverar face às dificuldades é fortalecida;
j) todos encontram um caminho para crescer e desenvolver.
Em 1977, Guilhermo Brown, educador de jovens e adultos na Venezuela, realizava
trabalhos comunitários no campo da comunicação popular. Usando nas horas de lazer alguns
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jogos cooperativos como processo de educação e organização, logo percebeu os resultados
benéficos obtidos, havia mais solidariedade, companheirismo, organização em torno de um
objetivo comum, obtinham o prazer e a alegria de jogar, pois não havia vencidos e
vencedores, nem oprimidos e opressores: “brincávamos com adultos e crianças, refletíamos
com operários, camponeses, professores e até com advogados”. BROWN (1994), não
importando o local em que realizavam as atividades; poderia ser na sala de aula, na capela e
até na cadeia. As atividades poderiam realizar-se na capital e no interior dos Países vizinhos
da América Latina.
Compreendo que os jogos cooperativos são uma categoria de jogos em que o objetivo
maior é o comportamento solidário. Não há confronto entre os participantes. Eles não são
adversários entre si, são parceiros e juntos procuram vencer obstáculos, sem que para isso
tenham que derrotar alguém. O prazer da vitória é dividido de forma igualitária para todos os
participantes. Com isso, minimizamos as atitudes individualistas e sectárias, tão disseminadas
na sociedade atual. Não se faz necessário que em todas as aulas de Educação Física uma
equipe saia vencedora enquanto outra equipe saia com o sabor amargo da derrota. Podem-se
usar jogos cooperativos com a mesma motivação e empenho, a fim de obtermos educandos
felizes, solidários, compadecidos, criativos, mais humanos e com um espírito de equipe mais
reforçado.

2.4 Jogos cooperativos e a auto-estima dos educandos


Diante da realidade social de nossos educandos, moradores que são da periferia de
Porto Alegre, deparamo-nos com uma série de injustiças, desigualdades, preconceitos,
tristezas, violências, medos, agressividades e dificuldades. Uma realidade diferente do que
seria de esperar, uma vez que a natureza da criança é de espontaneidade, alegria, brilho no
olhar, esperança no amanhã; liberdade para sonhos e fantasias; vontade ilimitada de aprender
e brincar; capacidade de aceitar, repartir, doar e semear amor. Preocupam-nos sobremaneira
os frutos que serão colhidos após a semeadura feita em seus corações no final das aulas de
Educação Física. Sabemos que os jogos cooperativos, por sua forma diferente e seus
propósitos básicos de união, solidariedade, respeito, harmonia, confiança, criatividade, podem
contribuir para a minimização dos fatores que geram frustração, levando com isso nossos
educandos a uma participação total, solidária e cooperativa; aceitando o seu companheiro com
suas limitação e dificuldades; compartilhando a espontaneidade e o prazer de jogar, criando e
respeitando normas e limites. Enfim, tornando-se um ser atuante, com sua auto-estima
elevada, capaz de auxiliar os colegas, propor e criar atitudes de cooperação, não só durante a
aula, mas no todo da escola e da sua comunidade; capaz de reconhecer seus próprios talentos
e colocá-los a disposição do grupo com um mesmo propósito: o bem-estar de todos, o que é
confirmado em Brotto (2001, p. 55): “Eles reforçam a confiança pessoal e interpessoal, uma
vez que ganhar e perder são apenas referências para o contínuo aperfeiçoamento de todos”.
Sabemos que a situação cooperativa, quando incentivada no educando pelas atividades
propostas na aula de Educação Física e por ele vivida vai desenvolver sua auto-estima, sua
confiança e sua identidade pessoal, melhorando o seu relacionamento interpessoal e
integrando-o de forma positiva ao seu grupo. Há uma inclusão natural desse educando,
aceitação, não importando suas diferenças: anatômicas (alto, baixo, gordo ou magro); gênero
(sexo); cor (etnias diversas); necessidades especiais (físicas, mentais, visuais, auditivas ou
múltiplas); condições de saúde (soropositivo – HIV, epilepsia, síndromes diversas, etc.).
Segundo Medeiros (2004, p. 96), devemos
[...] pensar a inclusão partindo do princípio segundo o qual, nenhuma criança possa
estar fora da escola. E neste sentido, buscar desconstruir práticas que segregam
pessoas que não se enquadram no “padrão de normalidade” presente em uma
concepção político-pedagógica conservadora e passar a produzir igualdades a partir
de diferenças, que se fazem extremamente ricas no contexto geral.
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Devemos entender que trabalhar com crianças especiais não requer uma especialização
“para reduzir deficiências”, mas um aprimoramento pedagógico para identificar as
dificuldades no sentido de mediar as suas relações com a escola, enfatizando a sua prática
num processo cooperativo.
O papel do educador é fundamental para atingirmos um estágio de situação
cooperativa. A ele cabe desenvolver atividades lúdicas que promovam as experiências
pessoais de compartilhar, interagir com o outro, cooperar, reconhecer-se e respeitar limites,
reforçando o crescimento emocional, o autoconhecimento e o autoconceito positivo, levando
o educando a desenvolver uma auto-imagem positiva na construção e elevação da sua auto-
estima. Desse modo, crianças educadas na cooperação, na aceitação e no sucesso, têm uma
chance muito maior de desenvolver uma auto-imagem positiva e uma auto-estima adequada.

3 Metodologia
A investigação que empreendi caracterizou-se como uma pesquisa descritiva de corte
qualitativo, desenvolvida com a finalidade de estudar como os Jogos cooperativos intervêm
como estratégias de cooperação e atitudes cooperativas na prática desportiva do Futsal nas
aulas de Educação Física.
Foram investigados educandos da Turma B33 3º ano do 2º Ciclo – de uma EMEF da
periferia da Zona Leste de Porto Alegre – RS. Eram 31 alunos, da turma B33, sendo 15
meninos e 16 meninas, na faixa etária de 10 a 12 anos.
Para averiguar as atitudes cooperativas na prática desportiva do futsal como estratégias
de cooperação, foram utilizadas para coleta de dados observações com diário de campo de
aulas ministradas na turma B33 na disciplina de Educação Física e das saídas para jogos de
futsal em outros locais, referentes à participação no projeto Jogos Abertos da Cidade de Porto
Alegre, no ano de 2005.
Durante a saída para o primeiro jogo de futsal masculino percebemos a atuação
positiva do jogo como fator capaz de elevar a auto-estima dos educandos, comprovado pela
alegria que demonstravam e as atitudes solidárias para com os colegas durante as partidas,
quer seja incentivando quando alguém errava um passe ou elogiando quando acertava uma
jogada mais complexa.
Convém observar que o caráter dos Jogos Abertos Cidade de Porto Alegre ainda é
competitivo, mas cabe ressaltar que a orientação é que os professores envolvidos tenham
sempre em mente os jogos cooperativos, com atitudes de solidariedade, respeito, lealdade,
justiça, alegria e prazer para os educandos participantes.
Notava-se claramente a motivação e a alegria de estarem participando de um evento de
seu interesse. Jogar futsal é o que eles mais querem na vida, e num ginásio coberto, diferente
da realidade na qual estão inseridos.
As atitudes respeitosas e as qualidades técnicas dos educandos enquanto equipe
rendeu-lhes a admiração dos organizadores do evento e da torcida. Analisando a saída para a
primeira fase dos jogos de futsal feminino e levando em conta a chuva que ocorreu pelo início
da manhã e o fato de ser domingo, percebeu-se que as meninas não foram tão responsáveis
quantos os meninos, e, ao contrário deles, não se mostram motivadas e incentivadas pelos
familiares para a sua participação no futsal feminino, o que demonstra uma grande dificuldade
em resolvermos equívocos sociais e culturais da questão do gênero. Medeiros (2004, p. 97)
afirma, que a questão do gênero é condicionante social e cultural, já que as manifestações
esportivas, principalmente o futebol, é percebido nos meninos desde tenra idade e, “mesmo
nos dias atuais, a bola de futebol não é um presente recomendado para as crianças do sexo
feminino”.
A saída para a segunda fase dos jogos de futsal masculino não ocorreu da forma e
esperada, o que nos faz refletir que, dentre os vários fatores que concorreram para ela, em
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primeiro lugar, está a euforia e a ansiedade dos educandos. Para eles haverem passado para
uma fase seguinte, impunha a responsabilidade de competir e de ganhar. Conforme Brotto
(2001, p. 55), cederam às pressões e às necessidades de comportamentos destrutivos.
Encontravam-se, segundo Deutsch (apud BROTTO, 2001, p. 26), numa situação
competitiva. Havia a cobrança dos outros colegas, mais forte que as orientações da professora
para que se mantivesse o mesmo espírito cooperativo e de união.
Alguns agiram como se fossem “craques”, e auto-suficientes. Conforme Orlick (apud
TEIXEIRA, 2002, p. 4): “Muitas pessoas ainda acreditam que para vencer ou ter sucesso, é
preciso ser um feroz competidor e quebrar regras”. Talvez por suas condições sociais
desfavoráveis queriam superar-se através da vitória, ou ainda por estarem inseridos num
contexto de violência. De acordo com Orlick (apud BROTTO, 2001, p. 28), numa relação
desumanizadora, a lei da sobrevivência obriga-os a passar por cima dos valores, como ética,
respeito e solidariedade.
Percebemos ainda a importância fundamental do apoio familiar ao educando, quando
notamos que os atletas que mantiveram o mesmo comportamento cooperativo e solidário,
apesar da mesma condição social, são os mais bem amparados pela presença constante de seus
familiares, pais dedicados e atentos que conseguem ensinar-lhes os reais valores morais,
apesar da falta dos valores monetários.
Devemos, contudo, continuar a mostrar aos educandos que a cooperação e a
solidariedade são mais importantes do que a simples e pura competição, o que é confirmado
em Brotto (2001, p. 81) “o mais importante é proporcionar às crianças, jovens e adultos,
possibilidades para verem a si mesmos e aos outros como seres humanos igualmente valiosos,
tanto na vitória como na derrota”. Pois, quando pensamos em uma nova sociedade, mais justa
e mais fraterna, vale lembrar ainda Brotto (1995): “Se o importante é competir, o
Fundamental é Cooperar”, o que importa é a participação prazerosa e agradável na prática das
atividades físicas de lazer.
A reflexão feita após a primeira observação da aula de Educação Física nos remete à
exclusão tanto de gênero, de etnia, de cor como de estética, pois, no momento da avaliação da
aula, eles colocam bem as questões sentidas: falta de cooperação; falta de respeito com os
colegas; colegas “fominhas” e preconceituosos, com dificuldades na questão de gênero, pois
eles não passam a bola, principalmente para as meninas (algo já comentado em MEDEIROS,
2004). Após refletirem, comprometem-se a tentar jogar com companheirismo e amizade na
próxima aula.
Com relação à exclusão dos “gordinhos”, Mello (2005, p. 96) nos mostra como “o
corpo passou a ser um produto difundido pela industria cultural”. Tornando-se um produto de
compra e venda, que “com uma única estética sendo difundida, gera um mecanismo de
pressão para os adolescentes, o que se constitui em obsessão pelo alcance de uma beleza
idealizada”.
Mello (2005, p. 97) conclui que, cabe ao professor contribuir para que seus educandos
reconheçam seu corpo e aceitem que as suas diferenças são comuns e necessárias, e que não
devem constituir-se em motivos para qualquer tipo de preconceito, discriminação e
estereótipo.

Percebeu-se alguma mudança positiva analisando o relatório de observação da


segunda aula. Durante os Jogos recreativos, houve uma participação harmônica dos
envolvidos. No início alguns hesitaram, resistiram, mas na seqüência eles cederam e
mostraram-se felizes e muito alegres, mesmo que os meninos tentassem quebrar ou burlar as
combinações feitas anteriormente. Já demonstraram mais respeito e cuidado com os colegas.
O mesmo foi observado durante a realização dos jogos cooperativos e na prática desportiva,
quando jogaram futsal. No término da aula, a professora reuniu-os para a avaliação. A grande
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maioria dos educandos percebeu que houve melhora em seu comportamento e que as
atividades desenvolvem-se melhor quando aceitam bem a participação das meninas
quebrando assim o preconceito machista existente (como já comprovado em MEDEIROS,
2004, p. 97). Alguns meninos reconheceram que subestimaram as colegas que queriam jogar
futsal e se surpreenderam pelo fato de elas jogarem muito bem.
Percebemos entretanto como ainda é presente em alguns educandos a premissa de
vencer a qualquer custo, mesmo que para isso ele não seja ético, ou não cumpra as regras
estabelecidas anteriormente.
Na reflexão sobre o relatório da terceira aula percebemos algumas mudanças positivas
no comportamento geral dos educandos. Notámos uma acentuada diminuição nas
agressividades e brigas entre eles. No que se refere à postura diante da professora, alguns
ainda tentaram intimidá-la com gritos, ameaças e chantagem para que ela lhes deixasse jogar
futsal sem as outras atividades planejadas. Mas a maioria dos educandos já passou a assumir
uma postura de querer experimentar as atividades dos jogos cooperativos, embora, quando
necessário ficarem em duplas, rejeitassem o fato de unirem-se ao educando do sexo oposto,
sendo necessária a intervenção da professora como mediadora dos conflitos surgidos.
Mostravam-se curiosos e motivados para a realização do jogo cooperativo do lençol
elástico. Ficaram atentos quando lhes foi colocado que o objetivo maior desta categoria de
jogos é cooperação, união, confiança e a solidariedade. A alegria e o prazer durante a
atividade foram percebidos, pois a maioria da turma não queria parar de realizá-la.
O clima de harmonia favoreceu a realização do futsal cooperativo livre, em que cada
equipe é formada pelo mesmo número de duplas livres com as mãos dadas, sem goleiro fixo.
Na avaliação final, a grande maioria da turma revelou ter gostado da aula, pois fora
diferente e alegre. Reconheceram que na hora do lençol elástico o colega não pôde soltar o
lençol, pois a atividade ficaria prejudicada. Entenderam que, no jogo cooperativo de duplas,
não podem soltar a mão do colega, devem cooperar para que as atividades sejam realizadas
com sucesso, gerando-se um espírito de equipe na turma, e um enorme prazer, pois é
agradável um ambiente de harmonia. Conforme o que preconiza Orlick (apud BROTTO,
2001, p. 28), teceram uma relação humanizadora, baseada em bondade, consideração,
compreensão, cooperação, amizade e amor.
No relatório da observação da quarta aula já percebemos um outro clima entre os
educandos. Com raras exceções, respeitam-se mutuamente. Pelo menos no que se refere às
agressões físicas. Realizaram o jogo cooperativo do lençol elástico, dessa vez com duas
equipes, no mesmo clima de harmonia e alegria da aula anterior. Um educando sugeriu que
contassem e verificassem quem conseguia equilibrar a bola por mais tempo. A professora
solicitou que inventassem um novo jogo, partindo da estrutura em que se encontravam. Surgiu
a idéia de lançar a bola de um lençol para o outro sem que esta caísse ao solo. Demonstravam
com seu empenho e alegria que estavam conversando e montando estratégias de atuação e
cooperação para atingirem o objetivo comum que era o de não deixar a bola cair ao solo.
Os educandos estavam alegres, com sua auto-estima elevada (confirmando o
preconizado por BROTTO, 2001) e motivados a continuar com essas experiências de jogos
cooperativos, inclusive já fazendo observações sobre o objetivo dos mesmos.

5 Conclusão
As informações contidas neste trabalho de pesquisa bibliográfica e de observações de
campo em primeiro lugar nos mostram como é longo e rico o caminho de pesquisas já
realizadas sobre os jogos e como ainda temos caminhos e trilhas para desbravar, por certo,
com novas e entusiásticas descobertas.
Em segundo lugar, demonstram que os jogos, as brincadeiras e os esportes estão
interligados de tal modo que, em certos momentos, não se tem clara a sua conceituação,
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inclusive, por renomados pesquisadores de áreas afins. Mas que, de um modo geral, jogo é
toda a atividade corporal lúdica, realizada por uma ou mais pessoas que proporcione prazer ao
ser realizada.
Comprova-se também, diante deste estudo, que os jogos fazem parte da existência
humana, de seus relacionamentos quer de cooperação e sobrevivência, ou com seu caráter
lúdico ou agonístico, pois quando na pré-história, ainda vivendo em bandos nas cavernas,
cooperavam para conseguir sobreviver, brincavam e também competiam para demonstrar
superioridade sobre os seus comuns ou sobre os animais.
Percebemos claramente que os jogos, como atividades corporais que são, fazem parte
da cultura da sociedade em que estão incluídos os seus participantes. Portanto, as atitudes
cooperativas decorrentes de participação em jogos cooperativos e as atitudes competitivas
decorrentes da participação em jogos competitivos, podem ser aprendidas. Alegra-nos, pois,
comprovamos que o homem não é mau por sua própria natureza.
E, mesmo vivendo em uma sociedade capitalista e consumista, o homem pode ser
cooperativo, solidário ético, amigo e amoroso. Basta que ele seja educado através de
mecanismos que permitam que exerça sua criatividade, criticidade, motricidade, alegria e
curiosidade. Concluo que o melhor caminho (não o único, nem o mais fácil) a seguir em
busca dessa alternativa viável de convivência social e harmônica, seja o dos jogos
cooperativos. Por possuírem uma estrutura diferenciada dos jogos competitivos, eles podem e
devem ser aliados à Pedagogia do Esporte, em que o educando sinta-se valorizado e
incentivado a jogar não apenas pela supremacia ou vantagem numérica, mas pelo simples
prazer de jogar e inter-relacionar-se, de manifestar-se através de sua linguagem corporal.
Concluo ainda que a opção pelos jogos cooperativos não é uma receita pronta; é
preciso ter humildade pedagógica para, junto com os educandos, criar, inventar, aprender,
refletir e avaliar a cada reencontro. O objetivo maior a ser alcançado nem sempre é imediato,
uma vez que as atitudes hostis, infelizmente, fazem parte da vida social dos alunos.
A grande maioria dos educandos da turma, B33, da EMEF de Porto Alegre – RS em
que realizamos a pesquisa, tenho a certeza, soube aproveitar os momentos em que estiveram
envolvidos neste projeto, alcançando os objetivos gerais e específicos propostos. Até porque,
já apresentavam algumas atitudes de cooperação antes não percebidas. Quanto aos demais
alunos, penso que irão, pelo menos, lembrar, em algum momento de reflexão, as atividades
diferenciadas e os jogos cooperativos de que participaram durante as aulas de Educação Física
no ano de 2005.
Através dos jogos cooperativos, podemos estar germinando uma semente de
cooperação e solidariedade de grande importância para a sobrevivência da espécie humana
neste planeta, tão desrespeitado, chamado Terra.
Finalizando, acredito nos jogos cooperativos como uma alternativa viável e capaz de
contribuir para uma consciência de cooperação e solidariedade, bem como uma consciência
ambiental dos educandos, capaz de ajudar na busca de solução para os problemas, e a
harmonização dos conflitos, internos e do cotidiano escolar, partindo até para o alcance de
objetivos comuns à comunidade.

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