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Trabalho Semestral

URBANISMO E ORGANIZAÇÃO SOCIAL DA CIDADE: A


GLOBALIZAÇÃO E AS METRÓPOLES – EFEITOS E
DESAFIOS NO BRASIL

ALUNO : Fábio de Brito Orsini


CURSO: ECONOMIA MUNDIAL CONTEMPORÂNEA (ECOPOL)
PROFESSOR: LADISLAU DOWBOR
“Todo desenvolvimento é local...a cidade é o locus onde tudo ocorre, onde se exerce mais
plenamente a cidadania” – Tânia Zapata: Desenv. Econômico Local: desafios,
limites e possibilidades, in Vergara e Albuquerque (orgs.)- Desarrollo econômico
territorial – Fortaleza, Gráfica Nacional, 2006

“A totalidade social é formada por mistos de ‘realidade’ e de ‘ideologia’. A ideologia produz


símbolos criados para fazer parte da vida real [...]Essa realidade impõem-se na
sociedade via produção de imagens e do imaginário, contribuindo para que se
reproduza e se naturalize um pensamento que, hegemônico, se faz passar por único.
[...] O movimento da sociedade, isto é, o movimento da totalidade (e do espaço),
modifica a significação de todas as variáveis constitutivas [...] Por isso mesmo, a
cada nova divisão do trabalho, a cada nova transformação social, há,
paralelamente, uma exigência de renovação das ideologias e dos universos
simbólicos.
[...] Reestruturação do território: o que significa essa expressão? Refere-se à mudança plena,
ruptura ou apenas à transformação em alguns padrões? Devemos pensar a
reestruturação como uma totalidade sistêmica ou dialética; em processo ou como
fato consumado?” (Milton Santos – 1999 – A Natureza do espaço. Técnica e tempo.
Razão e emoção)

“O espaço da administração local está mudando profundamente.[...] os municípios, grandes ou


pequenos, estão gradualmente descobrindo que a dinâmica e a complexidade dos
sistemas sociais modernos exige outros caminhos, outras respostas.[...]Com as
novas tecnologias, a urbanização generalizada e a própria globalização, que
redefine em profundidade as funções dos diversos espaços econômicos e sociais,
encontrar novos caminhos de gestão local baseados em ideais democráticos e
práticas inovadoras se tornou uma necessidade, uma questão de sobrevivência”
(Dowbor e Martins, 2000 – A Comunidade Inteligente - visitando as experiências de
gestão local)

“Por que São Paulo explodiu nesse conglomerado urbano de 10,5 milhões de habs.? Que força foi
essa que, em pouco mais de um século, produziu uma megalópole do pequeno vilarejo interiorano.
[...] a força que operou, para o bem e para o mal, esse “milagre”, chama-se CAPITAL. Essa

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lógica, que transcende o arbítrio daqueles que a operam, revoluciona constantemente o meio em
que atua. Todo e qualquer espaço deixado inteiramente sob seu domínio torna-se um ambiente e
mudança contínua, abalos e transformações ininterruptas. O café, depois a indústria e agora os
serviços fizeram da pequena e calma São Paulo (...) essa própria objetivação do capital periférico,
em sua concretude contraditória de riqueza suntuosa e de pobreza aviltante, de civilização e de
barbárie” (Leda.Paulani, artigo na seção Tendências e Debates da Folha de SP, 30/01/04)

Introdução: algumas reflexões teóricas sobre a “questão urbana”

As quatro citações iniciais procuram mostrar, mesmo que parcialmente, toda a


complexidade teórica e as diferentes concepções que envolvem a chamada questão urbana
no mundo moderno. Nos países periféricos, em geral tal questão tem se mostrado ainda
mais problemática e vital na vida sócio-econômica de seus habitantes.
As cidades brasileiras vêm se caracterizando por profundas desigualdades nos
padrões de qualidade de vida, cidadania e inclusão social. E essa desigualdade se expressa
de duas formas fundamentais na rede urbana. De um lado, no desequilíbrio entre
metrópoles e centros regionais que concentram as oportunidades econômicas e melhores
condições de vida, e os municípios que sofrem mais os efeitos da crise econômica, através
de processos de esvaziamento econômico e demográfico. De outro, na desigualdade no
interior das metrópoles e centros regionais, entre os que têm acesso a bens e serviços
urbanos e podem usufruir a boa qualidade de vida proporcionada pela dinâmica econômica
das cidades e os que são excluídos dos benefícios do progresso.
O processo de urbanização no Brasil foi, como bem demonstra Moura (2003),
“marcadamente célere, extenso e profundo, no que se refere a mudanças do ponto de vista
demográfico, social e econômico”. Na metade do século passado, o grau de urbanização do
país era de 36,2%, passando abruptamente, ao menos em termos do tempo histórico, em um
período de apenas 50 anos, para cerca de 81% em 2000. Especialmente no decorrer da
segunda metade do século XX, grandes metrópoles e capitais estaduais como São Paulo,
Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife e Fortaleza, entre outras de
menor peso, passaram a se estender por áreas praticamente contínuas de ocupação,
agregando municípios vizinhos num mesmo complexo de relações, configurando densas
regiões urbanizadas, nas quais “o célere padrão de crescimento populacional dos pólos, que

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em geral passaram a assumir a seletivamente funções mais qualificadas, cedeu lugar ao
crescimento elevado dos municípios periféricos, constituindo espaços nitidamente
desiguais” (Delgado, Deschamps e Cardoso – 2004).
Numa tentativa, a meu ver bastante válida, de periodização crítica do processo de
urbanização no Brasil, o sociólogo Aristides Moysés, num texto escrito logo após a
aprovação do Estatuto das Cidades (Lei 10.257 de julho de 2001) e intitulado Será que as
cidades serão portadoras de esperança?, identifica quatro fases no processo de
urbanização brasileiro:
1. Urbanização suportável: até os anos 50/60, quando as cidades ainda ofereciam
algum grau de qualidade de vida mais disseminado e havia ampla oferta de trabalho.
2. Urbanização problemática: anos 60-70, quando se intensifica o processo migratório
e ocorre a inflexão rural-urbano.
3. Urbanização caótica: abrange o período de final dos anos 70 e anos 800, quando a
crise econômica se manifesta e resulta numa grande queda na qualidade de vida da
maioria da população, especialmente nas cidades médias e grandes.
4. Urbanização explosiva: a partir da década de 90, resultado da ausência de políticas
urbanas consistentes e duradouras nas fases anteriores.

Na realidade, a problemática urbana se constitui em um dos aspectos mais relevantes


para a análise do contexto social brasileiro; no Brasil, contrariamente ao verificado nos
países centrais, os denominados “problemas urbanos” foram incorporados à questão social
somente nas últimas décadas, quando se passou a considerar as cidades como sendo a
expressão mais acabada do fato de que o espaço está em constante processo de
transformação, redefinindo o modo de vida urbano.
Numa visão predominantemente baseada em categorias marxistas, além daquela
citada em epígrafe sobre a cidade de São Paulo, de autoria da economista Leda Paulani, nos
países periféricos a questão urbana em geral vem ligada à própria idéia de “crise urbana”, e
associa-se a um processo de urbanização que tem, conforme a geógrafa Ana F. Carlos
(2007), “por essência, a negação do urbano, isto é, tende a afetar negativamente a cidade e a
vida urbana, ao esvaziar o espaço público e as relações entre as pessoas”. Nesse sentido,

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essa autora encontra uma das contradições básicas do processo de produção do espaço
urbano: a cidade se produz e reproduz de forma socializada, mas a sua apropriação é
essencialmente privada e dependente da capacidade econômica (renda) pessoal, ou, de
outra forma, no centro desse processo, ainda de acordo com Ana F. Carlos, encontrar-se-ia
“a propriedade privada do espaço da cidade como pressuposto e elemento definidor dos
conteúdos da prática socioespacial (do uso dos lugares para a realização da vida
cotidiana)”, acarretando o uso geral do espaço da cidade enquanto mercadoria e limitando o
seu acesso àqueles que têm renda.
Sob uma ótica menos determinista, Abrucio e Soares (2001) apontam que “ o aspecto
central e propulsor das transformações é a novidade representada pela desconcentração sem
precedentes do poder”, onde as esferas urbana e regional desempenham papel fundamental.
Eles destacam que, desde pelo menos o início da década de 70 do século passado, e em
ritmos diferenciados, boa parte do mundo tem passado por uma “era de descentralização”.
Numa análise similar, tanto Putnam (1996), referindo-se especificamente à experiência
italiana relativamente recente, e Castells (1998), numa análise mais abrangente e global,
procuram ressaltar a crescente relevância conferida tanto às “forças transnacionais”
(grandes corporações, organismos multilaterais e Organizações Não-Governamentais –
ONGs) quanto às instâncias, poderes e lideranças subnacionais (regionais e locais).
O destaque para a importância da descentralização, da desconcentração e do
“empoderamento” e construção de capacidade das esferas locais, sob um enfoque
sistêmico, é obtido nos trabalhos de Dowbor. Além da citação inicial, cabe também
mencionar um texto recentemente atualizado, no qual o autor salienta que, “na cidade, os
problemas são sistêmicos...assim, a própria forma organizada de ocupar o espaço no planeta
exigiu amplas atividades de planejamento, investimentos coordenados e sistemas capilares
de serviços prestados a cada domicílio, envolvendo uma gama de atividades que o Estado
[em tese] tem de prestar”. Num sistema predominantemente centralizado e burocrático, a
complexidade das questões tendem a gerar respostas autoritárias e ineficientes, e o
“resultado prático é a perda de governabilidade [ou de representatividade], ...primeiro
porque o poder real de decisão dos governantes torna-se extremamente limitado, na medida
em que se debatem num inextricável emaranhado de apropriações privadas do espaço
público”, ou seja, a “própria insuficiência de governo torna mais difícil a capacidade de

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governo” (Dowbor, 2003). Dentro dessa concepção, a grande velocidade das
transformações tecnológicas exige respostas descentralizadas e flexíveis cabendo, em suma,
bem gerir as mudanças, que geram “situações diversificadas e mais complexas nas suas
articulações, o que faz com que as respostas rígidas e globais se vejam ultrapassadas.
Precisamos de sistemas descentralizados, flexíveis, transparentes e democráticos, enquanto
a nossa cultura político-administrativa ainda está centrada no enfrentamento de situações
estáveis através de leis relativamente permanentes e da filosofia do ‘cumpra-se’” (idem), e é
nesse contexto estrutural que se vislumbram possíveis soluções (mesmo que parciais)
dentro de uma miríade de iniciativas locais, inovadoras e descentralizadas de pequena
escala, nos níveis urbano e regional, focadas nos agentes sociais relevantes e nas redes
interativas organizadas de modo mais “horizontal”. A disfuncionalidade do modelo padrão
de Estado centralizado face às profundas transformações da modernidade abriu caminho,
dentro da própria sociedade civil, para o surgimento e expansão expressiva e contínua de
diversas organizações que compõem o chamado Terceiro Setor (organizações não-
governamentais, comunidades de base, instituições de apoio e solidariedade, etc), que
representam “essencialmente uma resposta autônoma do corpo social, que busca na auto-
organização soluções não encontradas nos dois subsistemas principais, da empresa privada
e do Estado” (Dowbor e Martins, 2000).
Nessa resumida tentativa de abranger os principais referenciais teóricos, caberia ainda
mencionar de passagem o enfoque, de cunho predominantemente “gerencial”,
consubstanciado no trabalho de Osborne e Gaebler (1994). Tais autores, partindo de uma
concepção da relação Estado – sociedade civil relativamente análoga à relação empresa –
cliente, analisam uma série de iniciativas dos governos subnacionais nos Estados Unidos,
onde a descentralização colocou em suas mãos a responsabilidade de grande parte das
políticas públicas, obrigando-os a encontrar novos caminhos e soluções descentralizadas e
inovadoras.

PRINCIPAIS DILEMAS E DESAFIOS NA GESTÃO DAS METRÓPOLES NO


BRASIL

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Com a redemocratização do Brasil nos anos 80 do século passado, o arranjo
federativo brasileiro promoveu uma maior descentralização político-administrativa. Desde
essa época, os municípios brasileiros vêm fortalecendo o seu papel de gestores de políticas
públicas. A Constituição de 1988 representou, para os governos locais, um significativo
aumento de suas participações na receita fiscal. Porém, como ressaltam quase
consensualmente diversos autores, essas esferas de governo também assumiram encargos
muitas vezes maiores, pois ao movimento de descentralização fiscal correspondeu, por um
lado, uma elevação, desproporcional em diversos aspectos em relação à ampliação das
fontes de recursos, das competências municipais, especialmente no âmbito das políticas
sociais. Por outro lado, o movimento de fortalecimento da autonomia municipal gerou, nas
últimas décadas, uma intensificação da vida política e comunitária local.
Nesse mesmo período, por seu turno, a descentralização das iniciativas e dos poderes
também constituiu importante componente no leque de reformas de cunho “neoliberal”.
Grandes instituições multilaterais vinculadas à retomada neoliberal, como o Banco
Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e até mesmo o FMI, constituíram-se
em importantes agentes difusores, em escala global, dos mais diversos processos
descentralizadores.
Como bem aponta Marta Farah, numa extensa coletânea de artigos sobre a questão
urbana organizada por Gonçalves, Brandão e Galvão (ANPUR, 2003), entendida como
transferência de poder decisório para o município ou entidades e órgãos locais, a
descentralização tem duas vertentes teóricas principais: “uma, ligada a tendências
democratizantes, vê a descentralização como possibilidade de tornar os governos mais
acessíveis, responsáveis e responsabilizáveis face aos cidadãos, aumentando a participação
direta da cidadania e o controle e responsabilização social. Outra vertente, focalizando
apenas nos processos de modernização gerencial da gestão pública [caso do trabalho citado
de Osborne e Gaebler], enxerga na descentralização a possibilidade de aumento da
eficiência do governo local”. Em grande parte dos casos analisados, ressalta a estudiosa, na
prática é a coalizão política predominante na comunidade que dá suporte às reformas que
define a predominância de uma ou outra vertente.
Tal visão é corroborada, em termos de experiência prática, num texto do ex-prefeito
de Santo André, Celso Daniel, também encontrado na coletânea citada logo acima. Ele

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procura mostrar como “a gestão urbana está sempre permeada por uma multiplicidade de
conflitos de interesse que, portanto, conferem à gestão urbana uma complexidade maior do
que eu imagino que as pessoas em geral tenham idéia”. Daniel também ressalta que os
conflitos envolvem as próprias representações que diferentes atores e classes sociais têm a
respeito da sua realidade, e também divergências relativas a interesses econômicos, que ele
denomina “interesses e poder econômico local, particularmente aqueles ligados a relações
com o próprio governo municipal” (in Gonçalves, Brandão e Galvão, op. cit, 2003).
No caso brasileiro, em termos institucionais, como bem ressaltam Abrucio e Soares
(2001), Coutinho e também Farah, esses últimos em diferentes artigos na coletânea da
ANPUR (in Gonçalves, Brandão e Galvão, op. cit, 2003), a questão urbana e regional foi
tratada, até os anos 80, predominantemente através das agências regionais de
desenvolvimento ligadas ao governo federal (casos da SUDAM e SUDENE). Além disso, o
próprio crescimento das grandes conurbações levou, em 1967 e também por iniciativa
federal, à previsão legislativa de criação das chamadas regiões metropolitanas, que em
termos regionais e legais congregariam municípios limítrofes numa série de iniciativas
ligadas à provisão de alguns serviços e equipamentos públicos específicos.
Apesar da aparência descentralizadora, tais iniciativas da União no período do regime
militar tiveram poucos efeitos práticos. De fato, só com o novo desenho institucional
derivado da redemocratização do país nos anos 80 é que as relações intergovernamentais
nas regiões metropolitanas ganharam maior relevância. Ao deixarem de ser
preponderantemente meros executores de programas gerados em níveis superiores de
governo e ao assumirem novas atribuições no vasto campo da provisão de equipamentos,
bens e serviços públicos, os municípios se defrontaram (e diversos casos demonstram que
não limitados apenas às regiões metropolitanas) com áreas comuns de intervenção nas quais
a ação deveria assumir um caráter intermunicipal. Tal fato, num contexto mais
democrático, transparente e de maior autonomia municipal, fez surgirem iniciativas
“horizontais”, geradas nas bases locais e regionais, e muitas vezes independentes das
esferas mais centrais de governo.
Diante das pressões democráticas, instadas localmente, por maior e melhor provisão
de serviços públicos e geração de emprego e renda, num quadro de profundo ajuste fiscal
efetuado em diferentes graus pela União e também pelos governos estaduais nos anos 90,

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diversos municípios se voltaram para os projetos próprios de desenvolvimento local. Como
é bem salientado por Neves (2000), no cenário dos últimos anos, “não há como os
municípios não enfrentarem os desafios do desenvolvimento econômico. Para tanto, têm de
se tornar competitivos, disputando com outros, no âmbito nacional e internacional, capitais,
investimentos e mercados, e isso significa identificar, criar e saber explorar um diferencial
competitivo em relação aos demais”. Em alguns casos, tal concorrência de fato descambou
numa competição predatória pelas fontes de recursos, atrações de empresas e novos
investimentos através de isenções, incentivos e subsídios diversos, sendo que os estudiosos
da questão federativa no Brasil têm apontado para o caráter predominantemente deletério
desses mecanismos (conforme Abrucio e Miranda, 2001, Neves, 2000). Na perspectiva dos
objetivos mais amplos do desenvolvimento local, essas estratégias de “atração a qualquer
preço” não têm se mostrado eficaz. Mello (1996) foi especialmente feliz ao designar tais
estratégias com a expressão “hobbesianismo municipal”, que se expressa, entre outras
coisas, “na disputa desenfreada entre localidades por investimentos industriais,
deslegitimando em muitos casos as prioridades sociais em lugar de benefícios fiscais e
isenções tributárias...e as compensações feitas pelos municípios não costumam ter uma
contrapartida compensatória em termos econômicos, tributários ou de geração de
empregos”. Um dos exemplos mais significativos e “aberrantes” dessa concorrência
predatória consiste na competição tributária intermunicipal pela arrecadação do Imposto
sobre Serviços – ISS, fenômeno que se iniciou no final dos anos 80 na Região
Metropolitana de São Paulo, com a atração, através da imposição de alíquotas irrisórias, de
empresas fictícias e “escritórios virtuais” em alguns municípios vizinhos à Capital
(pretendo estudar esse caso específico em minha dissertação), e atualmente está difundido
em diversas regiões metropolitanas do Brasil.

Conclusões: Algumas Alternativas e Respostas Propositivas

As melhores alternativas à competição predatória são as iniciativas inovadoras de


desenvolvimento local e, em termos institucionais, a cooperação intermunicipal, onde
interesses comuns a diversas cidades podem levá-las a adotar ações conjuntas, sem
configurar um “jogo de soma zero”, pelo contrário. Farah (op. cit) frisa que “assim, seja sob

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o impacto da descentralização seja da redefinição do lugar do município no quadro do
ajuste fiscal, há uma forte tendência à constituição de iniciativas de alcance regional
‘nascidas na base’, numa ação que se caracteriza como ‘horizontal’”. Na realidade, nesses
casos ocorrem múltiplas agregações de interesses comuns, nos quais os entes (governos e
atores locais) envolvidos mostram-se mais propícios a atuar e participar de forma mais
ativa e democrática, face à passividade observada no modelo anterior, quando os níveis
centrais de governo detinham mais recursos e maior poder político e administrativo.
Diversas questões urbanas prementes (especialmente transporte, água/esgoto,
tratamento e destinação do lixo, controle de enchentes e proteção de mananciais e do meio-
ambiente), exigem muitas vezes respostas metropolitanas para serem adequadamente
solucionadas, sendo necessárias ações e políticas supra municipais. Embora ainda sejam
pouco utilizados no Brasil, face às necessidades, já existe uma série de experiências
relativamente bem sucedidas de cooperação intermunicipal, tais como os consórcios
municipais (v. Abrucio e Soares, op. cit.).
Em geral, os grandes espaços urbanos ainda se caracterizam por uma insuficiente
articulação, e há uma necessidade de mudança de paradigma. O desenvolvimento local e a
superação de desequilíbrios também devem se basear primordialmente no pleno
aproveitamento “de todos os territórios que apresentem potencialidades e ativos locais para
promover a diversificação e a competitividade da economia local, com a pactuação de
atores e cooperação público-privada ... propondo-se a melhorar a capacidade organizacional
e empresarial dos territórios, qualificar os recursos humanos e difundir as inovações no
tecido sócio-produtivo local” (Zapata, op. cit). Em síntese, a construção de localidades
inovadoras requer mudanças culturais, sociais e institucionais que possibilitem a criação de
um ambiente local de empreendedorismo e criatividade.
Em termos legais e institucionais, há um consenso de que a questão urbana e regional
apresentou um grande avanço com a aprovação, em 2001, do Estatuto das Cidades. Este
dispositivo legal, na verdade, resultou de uma intensa e diversificada discussão, por mais
de 20 anos, entre diversos atores sociais, dando oportunidades para o surgimento de
projetos alternativos de intervenção mais comprometidos com os ideais de uma cidade
justa, democrática e sustentável. Os gestores locais e a própria população agora “dispõem
de um conjunto de instrumentos legais, urbanísticos e fiscal-financeiros necessários à

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adoção de políticas públicas mais democráticas e eficazes, construídas de ‘baixo para
cima’” (Abrucio e Soares, 2001).
Porém, sabe-se que não adiantam apenas leis inovadoras e a mera vontade e pressão
políticas. Na realidade, tais medidas devem vir acompanhadas de uma mudança de
paradigma que avance na direção de novos conceitos de interesse público e social e também
com base no desenvolvimento do chamado Terceiro Setor, uma nova “forma de mediação
entre o Estado e o mercado, na busca da construção do novo paradigma do
desenvolvimento sustentável [...] Além do exposto, vale salientar novamente: o princípio
do ‘empoderamento’ e fortalecimento da comunidade é essencial para a compreensão do
desenvolvimento local endógeno e sustentável” (Zapata, op. cit.).

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Texto disponível para download no “Observatório das Metrópoles” da UFRJ –
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Zapata, Tania (2006): Desenvolvimento Econômico Local: Desafios, Limites e
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