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PPGI – ECOLOGIA APLICADA – CENA-ESALQ – USP

DISCIPLINA: CIÊNCIA, CULTURA E ÉTICA – ECO 5034


DOCENTES: Dra Maria Elisa Garavello / Dra Laura Alves Martirani
ALUNA: Mirian Stella Rother DATA: 17 de maio de 2011

A Cabeça Bem Feita. RJ: Bertrand Brasil, 2000, cap 7: Os Três Graus: p.
75-85
MORIN, Edgar.

Morin propõe neste capítulo uma reforma no programa de ensino, nos seus três
graus, a partir de interrogações que são naturais de todo ser humano: O que é o ser
humano? A vida? A sociedade? O mundo? A verdade? Argumenta que é interrogando o
ser humano que se pode descobrir sua dupla natureza: biológica e cultural.
PRIMÁRIO: A sequência seria iniciada pela Biologia; aspectos físicos e químicos
da organização biológica estariam situados na Física e na Química; depois as ciências
físicas tratariam da inserção do homem no cosmo. Ao mesmo tempo, seriam
descobertas as dimensões psicológicas, sociais e históricas da realidade do homem, ou
seja, desde o início, ciências e disciplinas estariam reunidas, ramificadas umas às
outras, e o ensino seria o veículo entre conhecimentos parciais e um conhecimento
global; nesta proposta, Física, Química e Biologia podem ser matérias distintas, mas não
isoladas, pois estão inscritas num contexto.
Para compreender a inserção do homem no mundo físico e vivo, e ao mesmo
tempo, o que o diferencia dele, haveria a contrapartida da aventura cósmica, sem deixar
de lado os seus aspectos desconhecidos, hipotéticos e ainda misteriosos desde a
formação das partículas até o problema do nascimento da vida e seus enigmas. A partir
da hominização (o desenvolvimento evolutivo do homem por características que o
diferenciam de seus antepassados primatas.) seriam colocadas as questões da cultura,
linguagem, do pensamento, o que permitiria a introdução da Psicologia e da Sociologia,
que através de uma conexão bioantropológica formariam o conceito de um homem
totalmente biológico e totalmente cultural (o cérebro estudado pela Biologia e a mente
pela psicologia como duas faces de uma realidade que destaca o surgimento da mente
que faz supor a linguagem e a cultura). A escola primária daria então o início à
indagação sobre a condição humana e o que seja o mundo.
Aprender a conhecer: à medida que as matérias ganham autonomia, torna-se
então necessário separar e unir, analisar e sintetizar ao mesmo tempo, o que tornaria
possível separar as coisas e suas causas, para que se possa ensinar que as coisas
são também sistemas que constituem uma unidade que engloba diferentes partes,
inseparáveis de seu meio ambiente, e portanto, que só podem ser conhecidas quando
contextualizadas. Já quanto às causas, é necessário compreendê-la não só na sua
relação linear (causa-efeito), mas na sua circularidade (retroativa, recursiva), e suas
incertezas, ou seja, formar uma consciência capaz de enfrentar complexidades.
A aprendizagem: seria realizada, segundo o autor, por duas vias: a.) interna,
auto-análise e auto-crítica como forma de mostrar como ocorrem erros pelo fato da
mente ocultar fatos que contrariam sua visão das coisas, e b.) externa, que seria a
introdução das mídias (as crianças são amplamente expostas às mídias e o papel do
professor é conhecê-la e aos seus modos de formar mentalidades e cultura, desvendá-la
para o aluno, e não simplesmente denunciá-la). Considere-se mantido no primeiro grau,
o ensino da língua e da História, obviamente.
Secundário: aprendizagem do que deve ser a verdadeira cultura, estabe-
lecimento de diálogo entre cultura científica e humanidades, minimizando a ênfase
nas conquistas científicas e considerando a Literatura como escola de vida. A História
passa a ocupar papel chave neste grau, e permitir que o aluno internalize a história de
sua nação, o futuro de seu continente e, mais amplamente, da humanidade, de forma a
possibilitar a percepção das múltiplas dimensões complexas das realidades humanas.
Os programas deveriam ser substituídos por guias de orientação que permitissem aos
professores situar suas disciplinas nos novos contextos: o Universo, a Terra, a vida, o
humano. Reciclagens seriam benvindas nos cursos de mestrado ou na graduação,
durante períodos para este fim. Um professor de Filosofia ou mesmo um polivalente,
poderia estimular o reconhecimento da condição humana no mundo físico e biológico,
operando a convergência do conhecimento científico para tal. As ciências humanas
realinhadas a partir dos destinos imaginário e mitológico do ser humano, e não mais a
partir dos destinos individual, social, econômico , histórico, e orientados assim, conforme
as disciplinas. Valorização das humanidades, otimização. A Filosofia se ocuparia da
reflexão sobre o conhecimento científico e não científico, o papel da tecnologia, a
Matemática do pensamento lógico que efetua operações calculáveis, e por fim, a
Filosofia trataria da distinção entre racionalidade e racionalização. Morin afirma que
no segundo grau, o professor deve se interar das questões da cultura adolescente,
compreender suas particularidades, autonomia e transgressões e como se travam as
lutas de classe entre adolescentes, sobretudo nas periferias (citando a França como
exemplo), um reconhecimento estratégico para conhecer os sistemas de significados e
aspirações construídos na adolescência.
A Universidade: é para o autor conservadora (memoriza, integra, ritualiza uma
herança cultural de saberes, idéias e valores), regeneradora (regenera essa herança,
quando a reexamina e a atualiza) e geradora (quando gera saber, idéias e valores que
farão parte da herança), e dispõe de autonomia para fazê-lo. Seu caráter conservador
é estéril quando é dogmática e rígida (cita a Sorbonne do séc. XVII), mas vital
quando significa salvaguarda e preservação da herança num mundo de profunda
desin-tegração cultural. No século XIX, entretanto, a Universidade tornou-se laica
(destaca Humboldt em Berlim), autônoma perante o poder e abriu-se para a
problematização do mundo, da natureza, do homem e de Deus, ao mesmo tempo
que se abriu à culturas extra-européias. Criaram-se os departamentos, onde a reforma
introduziu as ciências modernas, e inicia-se a coexistência das humanidades e da cultura
científica, porém, sem nenhuma comunicação. Para Humboldt a formação profissional
não era vocação da Universidade, mas sim de escolas técnicas, mas apenas uma
vocação indireta, através da formação da postura de pesquisa. Eis a dupla função
paradoxal da Universidade: adaptar-se à modernidade científica e integrá-la,
responder às necessidades fundamentais de formação e ao mesmo tempo, um
ensino metaprofissional, metatécnico, e isto é, uma cultura.
A Universidade e a sociedade têm que adaptar-se uma à outra num círculo
produtivo, no qual não basta modernizar a cultura, mas também é necessário culturalizar
a modernidade. A Universidade convoca a sociedade a adotar suas normas, inocula
uma cultura que não foi desenvolvida para formas provisórias ou passageiras do hic et
nunc (Hic et Nunc é uma expressão latina que significa literalmente "aqui e agora".
Sintetiza a filosofia existencialista, em que o homem é considerado na fragilidade da sua
condição finita, designa assim o imediatismo, a recusa da espera, da paciência, do
desvio e da frustração. Hic et nunc é o lema do desejo imperativo de satisfação), mas
para ajudar os cidadãos a viverem seu destino hic et nunc. A Universidade defende e
promove a autonomia da consciência, a problematização, a primazia da verdade
sobre a utilidade e a ética do conhecimento; deve adaptar-se aàs necessidades da
sociedade e cumprir seu papéis de conservação, regeneração e geração da
herança cultural de saberes e valores para que não nos transformemos em máquinas
de produção e consumo. Entretanto, são vários os desafios: pressões em adequar o
ensino e a pesquisa às demandas de mercado, técnicas e administrativas do
momento, o que levou à uma marginalização da cultura humanista, uma perda da
força inventiva e criadora, disjunção total de saberes entre disciplinas, e sobretudo a
disjunção entre a cultura científica e a humanista.
Morin propõe uma reforma que leve em conta nossa aptidão de pensar, e a
reforma de pensamento exige a reforma da Universidade, que prevê uma
reorganização geral para a instalação de departamentos e faculdades que já realizaram
uma reunião multidisciplinar em torno de um núcleo organizador sistêmico (Ecologia,
ciências da terra e Cosmologia), por serem as ciências que têm por objeto não uma
área ou setor, mas um sistema complexo. A reforma instituiria uma Faculdade do
conhecimento e ciências cognitivas. Popõe o autor, a partir destas, uma Faculdade da
Vida, uma Faculdade da Terra e uma Faculdade do Cosmo (com uma seção filosófica).
Também prevê uma Faculdade do Humano, que reagruparia a Pré-história, Antrpologia
Bilógica e Cultural. Ciências humanas, sociais e econômicas, integrando a problemática
indivíduo-espécie-sociedade.
O autor cita outras como Faculdade de História, Letras e do problemas globa-
lizados, e sugere a possibilidade de diplomas e teses multi ou transdisciplinares. Termina
por sugerir cerca de dez por cento da duração dos cursos para os pressupostos dos
diferentes saberes e para as possibilidades de torná-los comunicantes, como por
exemplo à racionalidade, ao pensamento matemático, à literatura, etc.

A Cabeça Bem Feita. RJ: Bertrand Brasil, 2000, anexo 1: Inter-poli-


transdisciplinariedade p. 105-116
MORIN, Edgar.

Morin conceitua disciplina como uma categoria organizadora dentro do


conhecimento científico que instituiu a divisão e especialização do trabalho. A
organização disciplinar foi instituída no séc XIX com as universidades modernas e
desenvolveu-se no século XX, com o impulso dado à pesquisa científica, ou seja, as
disciplinas tem nascimento, institucionalização, evolução e esgotamento etc.; essa histó-
ria está escrita na própria história da Universidade, que por sua vez está na da
sociedade, ou seja, claramente elas nascem da sociologia das ciências e do conhe-
cimento. A disciplina assim, não nasce apenas de uma reflexão interna sobre si mesma,
mas também de um conhecimento externo, o que significa que não basta estar dentro de
uma disciplina para dar conta de todas as questões aferentes a ela. As disciplinas
apresentam duas facetas: se por uma lado realiza a circunscrição de uma área de
conheciemento, por outro, destaca (ou constrói) um objeto não trivial para o estudo
científico, ou seja, cria seu próprio objeto (Berthelot) correndo o risco de esquecer que é
destacado ou construído, e acaba sendo percebido como uma coisa auto-suficiente, sem
nenhum vínculo com os objetos de estudo de outras disciplinas, automaticamente
negligenciadas. Essa mentalidade hipersdisciplinar vai se transformar em
mentalidade de proprietário, que acaba por proibir qualquer incursão na sua área
de saber. Citando a origem da palavra disciplina (pequeno chicote de autoflagelo, visto
como uma auto crítica em degradação), a disciplina torna-se um meio de flagelar aquele
que se aventura no domínio das idéias que o especialista considera como sua
propriedade. Não é difícil concluir que é necessário que haja uma abertura. Sabemos
que, um amador alheio a certa disciplina, resolva uma questão (ainda que raramente)
que era impossível de ser solucionada dentro dela. Esse olhar ingênuo (extra-
disciplinar), descontaminado de uma visão teórica, acaba por elaborar uma nova
visão. Cita Darwin e Mumford como exemplos. A história nos mostra que não existem
apenas proliferação de disciplinas, mas também rupturas de fronteiras entre elas, ou
seja, formação de complexos disciplinares. Neste sentido podemos falar em inter-
poli-transdisciplinariedade, que ganhou grande impulso nos anos 50, a partir do contato
da Biologia com a Química e com a Física, até o ponto da Biologia Molecular tornar-se
autônoma e um tanto quanto autoritária. Também existem migrações, nascidas do
contra-senso (quando um erro em relação a um determinado sistema de referências,
torna-se uma verdade em relação a outro sistema). Certos conceitos científicos
mantem-se em vitalidade porque recusam-se ao fechamento (a Ècole des Annales
foi constituída pela transdisciplinariedade, quando tirou a dimensão stictu sensu da
História e promoveu o diálogo com a sociologia, economia e antropologia, entre outras).
O que realmente importa, é que a ciência progride quando o isolamento das
disciplinas é rompido, quando há circulação de conceitos, invasões ou inter-
ferências de outras áreas, enfim, quando há articulação de domínios disciplinares
em um sistema teórico comum, embora tenhamos que considerar que as disciplinas
são justificáveis desde que preservem um campo de visão e reconheçam a existência de
ligações e solidariedades com as demais e ainda a interdependência das diversas
ciências (círculo das ciências - Piaget), mesmo considerando que nenhuma ciência é
redutível a outra. Entretanto consideremos que as ciências físicas não constituem
alicerce das demais; ainda que sejam fundamentais, são ciências humanas que
nasceram de uma história e de uma sociedade humana: trata-se de encontrar uma via de
articulação entre as ciências.
O paradigma cognitivo: uma herança da concepção determinista-mecanicista
do Universo, que leva a excluir a desordem da ordem sofreu grande fissura. Em dife-
rentes áreas, mesmo considerando as dificuldades lógicas que acarretam, a visão de
que ordem-desordem sejam complementares se faz necessária (Prigogine, von
Neumann entre outros), posto que fenômenos de organização nascem da turbulência.
Assim, ordem e desordem devem ser pensadas juntas; não se trata de excluir a
desordem, mas integrá-la e compreendê-la, ao mesmo tempo não se trata de excluir a
ordem, mas introduzí-la para englobar disciplinas parciais.
Definir interdisciplinariedade, multidisciplinariedade e transdisciplinariedade é
tarefa árdua, pois são conceitos polissêmicos e imprecisos. Interdisciplinariedade pode
significar que diferentes disciplinas são colocadas em volta de uma questão, sem
promover nenhuma troca ou invasão entre elas. A multidisciplinariedade constitui uma
associação de disciplinas por conta de um projeto, e ora são convocadas tecnicamente
para resolver determinada questão, ora tornam-se completamente integradas para
conceber o objeto desse projeto. A transdisciplinariedade trata normalmente de sistemas
cognitivos que permeiam as disciplinas. O importante é que devemos ecologizar as
disciplinas, isto é, levar em conta tudo que lhes é contextual, inclusive as condições
sócio-culturais. É necessário ainda o meta-disciplinar (conservar, ultrapassar). Não se
pode destruir o que as disciplinas construíram, tampouco romper todo o fechamento. É
necessário que a disciplina seja ao mesmo tempo fechada e aberta, os saberes
parciais servem para formar uma configuração que responda a nossas interrogações
cognitivas e desejos. Morin finaliza, citando Pascal, fazendo a proposição de um
conhecimento dinâmico, um conhecimento que progride das partes para o todo e
do todo para as partes.

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