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A Cabeça Bem Feita. RJ: Bertrand Brasil, 2000, cap 7: Os Três Graus: p.
75-85
MORIN, Edgar.
Morin propõe neste capítulo uma reforma no programa de ensino, nos seus três
graus, a partir de interrogações que são naturais de todo ser humano: O que é o ser
humano? A vida? A sociedade? O mundo? A verdade? Argumenta que é interrogando o
ser humano que se pode descobrir sua dupla natureza: biológica e cultural.
PRIMÁRIO: A sequência seria iniciada pela Biologia; aspectos físicos e químicos
da organização biológica estariam situados na Física e na Química; depois as ciências
físicas tratariam da inserção do homem no cosmo. Ao mesmo tempo, seriam
descobertas as dimensões psicológicas, sociais e históricas da realidade do homem, ou
seja, desde o início, ciências e disciplinas estariam reunidas, ramificadas umas às
outras, e o ensino seria o veículo entre conhecimentos parciais e um conhecimento
global; nesta proposta, Física, Química e Biologia podem ser matérias distintas, mas não
isoladas, pois estão inscritas num contexto.
Para compreender a inserção do homem no mundo físico e vivo, e ao mesmo
tempo, o que o diferencia dele, haveria a contrapartida da aventura cósmica, sem deixar
de lado os seus aspectos desconhecidos, hipotéticos e ainda misteriosos desde a
formação das partículas até o problema do nascimento da vida e seus enigmas. A partir
da hominização (o desenvolvimento evolutivo do homem por características que o
diferenciam de seus antepassados primatas.) seriam colocadas as questões da cultura,
linguagem, do pensamento, o que permitiria a introdução da Psicologia e da Sociologia,
que através de uma conexão bioantropológica formariam o conceito de um homem
totalmente biológico e totalmente cultural (o cérebro estudado pela Biologia e a mente
pela psicologia como duas faces de uma realidade que destaca o surgimento da mente
que faz supor a linguagem e a cultura). A escola primária daria então o início à
indagação sobre a condição humana e o que seja o mundo.
Aprender a conhecer: à medida que as matérias ganham autonomia, torna-se
então necessário separar e unir, analisar e sintetizar ao mesmo tempo, o que tornaria
possível separar as coisas e suas causas, para que se possa ensinar que as coisas
são também sistemas que constituem uma unidade que engloba diferentes partes,
inseparáveis de seu meio ambiente, e portanto, que só podem ser conhecidas quando
contextualizadas. Já quanto às causas, é necessário compreendê-la não só na sua
relação linear (causa-efeito), mas na sua circularidade (retroativa, recursiva), e suas
incertezas, ou seja, formar uma consciência capaz de enfrentar complexidades.
A aprendizagem: seria realizada, segundo o autor, por duas vias: a.) interna,
auto-análise e auto-crítica como forma de mostrar como ocorrem erros pelo fato da
mente ocultar fatos que contrariam sua visão das coisas, e b.) externa, que seria a
introdução das mídias (as crianças são amplamente expostas às mídias e o papel do
professor é conhecê-la e aos seus modos de formar mentalidades e cultura, desvendá-la
para o aluno, e não simplesmente denunciá-la). Considere-se mantido no primeiro grau,
o ensino da língua e da História, obviamente.
Secundário: aprendizagem do que deve ser a verdadeira cultura, estabe-
lecimento de diálogo entre cultura científica e humanidades, minimizando a ênfase
nas conquistas científicas e considerando a Literatura como escola de vida. A História
passa a ocupar papel chave neste grau, e permitir que o aluno internalize a história de
sua nação, o futuro de seu continente e, mais amplamente, da humanidade, de forma a
possibilitar a percepção das múltiplas dimensões complexas das realidades humanas.
Os programas deveriam ser substituídos por guias de orientação que permitissem aos
professores situar suas disciplinas nos novos contextos: o Universo, a Terra, a vida, o
humano. Reciclagens seriam benvindas nos cursos de mestrado ou na graduação,
durante períodos para este fim. Um professor de Filosofia ou mesmo um polivalente,
poderia estimular o reconhecimento da condição humana no mundo físico e biológico,
operando a convergência do conhecimento científico para tal. As ciências humanas
realinhadas a partir dos destinos imaginário e mitológico do ser humano, e não mais a
partir dos destinos individual, social, econômico , histórico, e orientados assim, conforme
as disciplinas. Valorização das humanidades, otimização. A Filosofia se ocuparia da
reflexão sobre o conhecimento científico e não científico, o papel da tecnologia, a
Matemática do pensamento lógico que efetua operações calculáveis, e por fim, a
Filosofia trataria da distinção entre racionalidade e racionalização. Morin afirma que
no segundo grau, o professor deve se interar das questões da cultura adolescente,
compreender suas particularidades, autonomia e transgressões e como se travam as
lutas de classe entre adolescentes, sobretudo nas periferias (citando a França como
exemplo), um reconhecimento estratégico para conhecer os sistemas de significados e
aspirações construídos na adolescência.
A Universidade: é para o autor conservadora (memoriza, integra, ritualiza uma
herança cultural de saberes, idéias e valores), regeneradora (regenera essa herança,
quando a reexamina e a atualiza) e geradora (quando gera saber, idéias e valores que
farão parte da herança), e dispõe de autonomia para fazê-lo. Seu caráter conservador
é estéril quando é dogmática e rígida (cita a Sorbonne do séc. XVII), mas vital
quando significa salvaguarda e preservação da herança num mundo de profunda
desin-tegração cultural. No século XIX, entretanto, a Universidade tornou-se laica
(destaca Humboldt em Berlim), autônoma perante o poder e abriu-se para a
problematização do mundo, da natureza, do homem e de Deus, ao mesmo tempo
que se abriu à culturas extra-européias. Criaram-se os departamentos, onde a reforma
introduziu as ciências modernas, e inicia-se a coexistência das humanidades e da cultura
científica, porém, sem nenhuma comunicação. Para Humboldt a formação profissional
não era vocação da Universidade, mas sim de escolas técnicas, mas apenas uma
vocação indireta, através da formação da postura de pesquisa. Eis a dupla função
paradoxal da Universidade: adaptar-se à modernidade científica e integrá-la,
responder às necessidades fundamentais de formação e ao mesmo tempo, um
ensino metaprofissional, metatécnico, e isto é, uma cultura.
A Universidade e a sociedade têm que adaptar-se uma à outra num círculo
produtivo, no qual não basta modernizar a cultura, mas também é necessário culturalizar
a modernidade. A Universidade convoca a sociedade a adotar suas normas, inocula
uma cultura que não foi desenvolvida para formas provisórias ou passageiras do hic et
nunc (Hic et Nunc é uma expressão latina que significa literalmente "aqui e agora".
Sintetiza a filosofia existencialista, em que o homem é considerado na fragilidade da sua
condição finita, designa assim o imediatismo, a recusa da espera, da paciência, do
desvio e da frustração. Hic et nunc é o lema do desejo imperativo de satisfação), mas
para ajudar os cidadãos a viverem seu destino hic et nunc. A Universidade defende e
promove a autonomia da consciência, a problematização, a primazia da verdade
sobre a utilidade e a ética do conhecimento; deve adaptar-se aàs necessidades da
sociedade e cumprir seu papéis de conservação, regeneração e geração da
herança cultural de saberes e valores para que não nos transformemos em máquinas
de produção e consumo. Entretanto, são vários os desafios: pressões em adequar o
ensino e a pesquisa às demandas de mercado, técnicas e administrativas do
momento, o que levou à uma marginalização da cultura humanista, uma perda da
força inventiva e criadora, disjunção total de saberes entre disciplinas, e sobretudo a
disjunção entre a cultura científica e a humanista.
Morin propõe uma reforma que leve em conta nossa aptidão de pensar, e a
reforma de pensamento exige a reforma da Universidade, que prevê uma
reorganização geral para a instalação de departamentos e faculdades que já realizaram
uma reunião multidisciplinar em torno de um núcleo organizador sistêmico (Ecologia,
ciências da terra e Cosmologia), por serem as ciências que têm por objeto não uma
área ou setor, mas um sistema complexo. A reforma instituiria uma Faculdade do
conhecimento e ciências cognitivas. Popõe o autor, a partir destas, uma Faculdade da
Vida, uma Faculdade da Terra e uma Faculdade do Cosmo (com uma seção filosófica).
Também prevê uma Faculdade do Humano, que reagruparia a Pré-história, Antrpologia
Bilógica e Cultural. Ciências humanas, sociais e econômicas, integrando a problemática
indivíduo-espécie-sociedade.
O autor cita outras como Faculdade de História, Letras e do problemas globa-
lizados, e sugere a possibilidade de diplomas e teses multi ou transdisciplinares. Termina
por sugerir cerca de dez por cento da duração dos cursos para os pressupostos dos
diferentes saberes e para as possibilidades de torná-los comunicantes, como por
exemplo à racionalidade, ao pensamento matemático, à literatura, etc.