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Universidade Federal do Rio de Janeiro – Faculdade Nacional de Direito

Responsabilidade dos servidores públicos

Alunos: Victor Mesquita Gomes (DRE: 108027803), Felliphe dos Santos Pereira (DRE:)
Prof.: Atílio Gorini
Matéria: Direito Administrativo II
Período: 6° Noturno

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1. Considerações gerais sobre a responsabilidade do servidor público

A relação estatutária admite que, em certas circunstâncias, o servidor público seja


responsabilizado perante a Administração. Obviamente, essa responsabilização só pode
ser reconhecida se ocorrer uma situação fática que a lei tenha erigido como suporte da
responsabilidade.
É sob esse aspecto que a responsabilidade do servidor perante a Administração
pode ser civil, penal e administrativa. A Lei n° 8.112/90 dispõe a respeito: "O servidor
responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições"
(art. 121). Vejamos os suportes fáticos e os efeitos dessas formas de responsabilidade.
Os deveres comuns e os deveres especiais acarretam para o servidor um
quádruplo regime de responsabilidade, que o submete às conseqüências políticas,
administrativas, civis e penais com respectivas responsabilizações, que o submetem à
aplicação dos meios adequados para a apuração dos fatos, formação de juízo e aplicação
de sanções cabíveis.
Antes, porém, cabe salientar um aspecto que merece importante análise. A
responsabilidade se origina de uma conduta ilícita ou da ocorrência de determinada
situação fática prevista em lei e se caracteriza pela natureza do campo jurídico em que se
consuma. Desse modo, a responsabilidade pode ser civil, penal e administrativa. Cada
responsabilidade é, em princípio, independente da outra. Por exemplo, pode haver
responsabilidade civil sem que haja responsabilidade penal ou administrativa. Pode
também haver responsabilidade administrativa sem que se siga conjuntamente a
responsabilidade penal ou civil. Sucede que, em algumas ocasiões, o fato que gera certo
tipo de responsabilidade é simultaneamente gerador de outro tipo; se isso ocorrer, as
responsabilidades serão conjulgadas. Essa é a razão por que a mesma situação fática é
idônea a criar, concomitantemente, as responsabilidades civil, penal e administrativa.
Se as responsabilidades se acumulam, a consequência natural será a da
acumulabilidade das sanções, visto que para cada tipo de responsabilidade é atribuída
uma espécie de sanção. No que toca ao servidor público, foi exatamente esse o motivo
pelo qual o estatuto funcional federal dispõe que "as sanções civis, penais e
administrativas poderão cumular-se, sendo independentes entre si" (art. 125 da Lei n°
8.112/90).
Em virtude da independência das responsabilidades e, em consequência, das

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respectivas instâncias, é que o STF já decidiu, acertadamente, que pode a Administração


aplicar ao servidor a pena de demissão em processo disciplinar, mesmo se ainda em
curso ação penal a que responde pelo mesmo fato, como no seguinte precedente:

MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO


DEMITIDO POR ILÍCITO ADMINISTRATIVO.
SIMULTANEIDADE DE PROCESSOS ADMINISTRATIVO E
PENAL. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS.
PRECEDENTES. Esta Corte tem reconhecido a autonomia
das instâncias penal e administrativa, ressalvando as
hipóteses de inexistência material do fato, de negativa de
sua autoria e de fundamento lançado na instância
administrativa referente a crime contra a administração pública.
Precedentes: MS nº 21.029, CELSO DE MELLO, DJ de
23.09.94; MS nº 21.332, NÉRI DA SILVEIRA, DJ de 07.05.93; e
21.294, SEPÚLVEDA PERTENCE, julgado em 23.10.91; e MS
nº 22.076, Relator para o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA.
Segurança denegada.

Pode até mesmo ocorrer que a decisão penal influa na esfera administrativa, mas
isso a posteriori. O certo é que a realização do procedimento administrativo não se sujeita
ao pressuposto de haver prévia definição sobre o fato firmado na esfera judicial.

2. Responsabilidade Civil

A responsabilidade civil é de ordem patrimonial e decorre do artigo 186 do Código


Civil, que consagra a regra, aceita universalmente, segundo a qual todo aquele que causa
dano a outrem é obrigado a repará-lo.
Analisando-se aquele dispositivo, verifica-se que, para configurar-se o ilícito civil,
exige-se:

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1. Ação ou omissão antijurídica.


2. Culpa ou dolo; com relação a este elemento, às vezes de difícil comprovação, a
lei admite alguns casos de responsabilidade objetiva (sem culpa) e também de
culpa presumida. Uma e outra constituem exceções à regra geral de
responsabilidade subjetiva, somente sendo cabíveis diante de normal legal
expressa;
3. Relação de causalidade entre ação ou omissão e o dano verificado;
4. Ocorrência de um dano material ou moral.

Responsabilidade civil é a imputação, ao servidor público, da obrigação de reparar


dano que tenha causado à Administração ou a terceiro, em decorrência de conduta
culposa ou dolosa, de caráter comissivo ou omissivo (art. 122 da Lei n° 8.112/90).Trata-
se, como se pode observar, de responsabilidade subjetiva ou com culpa.
Para imputar-se a responsabilidade civil ao servidor é preciso que haja a
comprovação do dano causado, seja lesada a Administração, seja o terceiro. Sem o dano
inexiste responsabilização. Cumpre também que haja a comprovação de que o servidor
agiu com culpa civil, isto é, por meio de comportamento doloso ou culposo em sentido
estrito.
Se o dano for causado à Administração, o servidor público é perante ela
diretamente responsável. Contudo, se causa danos a terceiros, pode o servidor responder
diretamente, sendo acionado pelo lesado, ou indiretamente, por meio do direito de
regresso assegurado à Administração, caso em que esta já terá sido acionada
diretamente pela vítima.
A responsabilidade civil do servidor reclama apuração por processo administrativo,
exigindo-se a observância do princípio da ampla defesa em seu favor, do contraditório e
da ampla faculdade probatória, como assegurado no art. 5°, LV, da Constituição Federal
de 1988 (CF), pena de ser decretada nulidade do procedimento.
O dever indenizatório atribuído ao servidor pode ser satisfeito de uma só vez ou de
forma parcelada, podendo ser descontada cada parcela em seus vencimentos. Todavia,
não pode haver desconto em folha de pagamento efetuado de modo coercitivo. O fato
espelharia verdadeira penhora ex officio nos vencimento, subsídios ou salários do
servidor, o que é expressamente vedado pelo art. 649. IV, do Código de Processo Civil
(CPC) com redação dada pela Lei n° 11.382, de 06.12.2006. Como bem já se ressalvou.

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"o desconto só é possível se com ele o servidor concordar". A afirmação é correta, pois
que o Poder Público não tem crédito privilegiado em relação a seu servidor. Seu crédito é
indiscutível, mas a forma de satisfazê-lo há de ser a empregada para a cobrança dos
créditos em geral, conforme jurisprudência do STF, decidindo pela vedação da
autoexecutoriedade da cobrança do dano pela Administração nos autos do mandado de
segurança n° 24.182-DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, julg. em 21/8/2002, in verbis:

"11. Sobre a forma de proceder em situações dessa natureza,


esclarece mestre Hely Lopes Meirelles ser válido o desconto
em folha "inclusive na hipótese prevista no art. 6 do art. 37 da
CF, mas, em qualquer caso, é necessária a concordância
do responsável porque a Administração não pode lançar
mão dos bensde seus servidores, nem gravar
unilateralmente seus vencimentos, para ressarcir-se de
eventuais prejuízos. Faltando-lhe esta aquiescência,
deverá recorrer às vias judiciais, quer propondo ação de
indenização contra servidor, quer executando a sentença
condenatória de juízo criminal ou a certidão de dívida ativa (no
caso de alcances e reposições de recebimentos indevidos)
12. Condenar o impetrante à pretendida indenização, sem a
sua permissão, seria violar o seu direito individual, garantido
constitucionalmente de não ser privado de seus bens sem o
devido processo legal (CF, art. 5°, LIV). Não se aplica, no caso,
a autoexecutoriedade do procedimento administrativo, dado
que a competência da Administração acha-se restrita às
sanções de natureza administrativa em face do ato ilícito
praticado pelo servidor, não podendo alcançar,
compulsoriamente, as consequências civis e penais, estas
sujeitas às decisões do Poder Judiciário.
13. As disposições do art. 46 da Lei 8.112/90, longe a autorizar
a Administração a executar a indenização apurada em
processo administrativo, apenas regulamenta a forma como
poderá ocorrer o pagamento pelo servidor, logicamente após

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sua concordância com a conclusão administrativa ou a


condenação judicial transitada em julgado.
14. Resta, portanto, à Administração recorrer às vias ordinárias
para obter o ressarcimento do prejuízo apurado no processo
administrativo, aplicando-se, por analogia, os procedimentos
previstos na Lei 8.429/92, que regula a apuração dos atos de
improbidade administrativa praticados por servidores públicos."

Consequentemente, o pagamento do débito "somente pode se dar por meio de


desconto em folha de pagamento se houver a concordância do servidor", sendo, portanto,
vedada a autoexecutoriedade administrativa impositiva do desconto, como decidido, pelo
STF no MS 24.182 de 12.02.2004:

Mandado de Segurança. 2. Desaparecimento de talonários de


tíquetes-alimentação. Condenação do impetrante, em processo
administrativo disciplinar, de ressarcimento ao erário do valor do
prejuízo apurado. 3. Decisão da Mesa Diretora da Câmara dos
Deputados de desconto mensais, em folha de pagamento, sem a
autorização do servidor. 4. Responsabilidade civil de servidor.
Hipótese em que não se aplica a auto-executoriedade do
procedimento administrativo. 5. A Administração acha-se restrita às
sanções de natureza administrativa, não podendo alcançar,
compulsoriamente, as conseqüências civis e penais. 6. À falta de
prévia aquiescência do servidor, cabe à Administração propor ação
de indenização para a confirmação, ou não, do ressarcimento
apurado na esfera administrativa. 7. O Art. 46 da Lei no 8.112, de
1990, dispõe que o desconto em folha de pagamento é a forma
como poderá ocorrer o pagamento pelo servidor, após sua
concordância com a conclusão administrativa ou a condenação
judicial transitada em julgado. 8. Mandado de Segurança deferido.

3. Responsabilidade Penal

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A responsabilidade penal do servidor é a que decorre da conduta que a lei penal


tipifica como infração penal.
A matéria da responsabilidade penal é típica das áreas do Direito Penal e
Processual penal e exige que a solução final do litígio seja definida pelo Poder Judiciário.
Nesse caso, a responsabilidade só pode ser atribuída se a conduta for dolosa ou culposa,
estando, por conseguinte, descartada a responsabilidade objetiva.
O serv idor pode ser responsabilizado apenas penalmente. Mas, se o ilícito penal
acarretar prejuízo à Administração, será também civilmente responsável.
Os crimes contra a Administração são, basicamente, os dos arts. 312 a 326 do
Código Penal (CP) – dos crimes praticados por funcionário público contra a
Administração Pública. A legislação especial, a seu turno, prevê outras condutas típicas,
acarretando também a responsabilidade penal do servidor. Diga-se, por oportuno, que a
responsabilidade penal pode ser, ou não, pertinente à função administrativa. Quando está
fora de sua função pública, a eventual prática de ilícito penal pode não causar nenhuma
influência no âmbito da Administração.

4. Responsabilidade Administrativa

Quando o servidor pratica um ato ilícito administrativo, a ele é atribuída


responsabilidade administrativa. O ilícito pode verificar-se por conduta comissiva ou
omissiva e os fatos que o configuram são os previstos na legislação estatutária.
A responsabilidade administrativa deve ser apurada em processo administrativo,
assegurando-se ao servidor o direito à ampla defesa e ao contraditório, bem como a
maior margem probatória, a fim de possibilitar mais eficientemente a apuração do ilícito.
Constatada a prática do ilícito, a responsabilidade importa a aplicação da adequanda
sanção administrativa.
Já tivemos a oportunidade de registrar – mas nunca é demais frisar – que o
sistema punitivo na esfera administrativa é bem diferente do que existe no plano criminal.
Neste, as condutas são tipificadas, de modo que a lei cominará uma sanção específica
para a conduta que ela estiver vinculada. Assim, o crime de lesões corporais simples
enseja uma sanção específica: a de detenção de três meses a um ano (art. 129 do CP).

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Na esfera administrativa, o regime é diverso, pois que as condutas não tem a precisa
definição que ocorre no campo penal. Os estatudos funcionais apresentam um elenco de
deveres e vedações para os servidores, e o ilícito administrativo vai configurar-se
exatamente quando tais deveres e vedações são inobservados. Além do mais, os
estatutos relacionam as penalidades administrativas, sem, contudo, fixar qualquer elo de
ligação a priori com conduta.
Deflui dessa circunstância que o sistema punitivo na Administração deverá atender
a princípios específicos para regular a aplicação das sanções. Um deles é o princípio da
adequação punitiva (ou proporcionalidade), pelo qual se incumbe ao administrador certa
margem de discricionaridade para compatibilizar a conduta e a sanção. Fora desse
princípio, a punição é arbitrária e ilegal, e passível de invalidação pela Administração ou
pelo Judiciário. Outro é o princípio da motivação da penalidade, necessário para apontar
os elementos que comprovam a observância, pelo administrador, da correlação entre a
infração funcional e a punição imposta.
Por essa razão, em tais atos punitivos devem estar integrados os fatores apurados
no processo administrativo-disciplinar, bem como os fundamentos jurídicos da punição,
rendendo ensejo, por conseguinte, a que possam tais elementos ser aferidos no Poder
Judiciário. Acrescente-se a esses o princípio do contraditório e da ampla defesa, fundado
no art. 5°, LV, da CF, que, além de não poder ser postergado, deve incidir toda vez que
que a Administração aplica sanção a seus servidores. Avulta, em consequência, que lei
na qual seja prevista punição sumária qualifica-se como irremediavelmente
inconstitucional.
Ressalva-se, no entanto, que ao juiz só é lícito examinar o aspecto da legalidade,
mas não pode ter ingerência nos critérios de conveniência, oportunidade ou justiça dos
atos punitivos, visto que são eles da exclusiva alçada da Administração.

5. Responsabilização dos Servidores Públicos

Estabelecidas as formas de responsabilidade, deve-se agora passar aos


consequentes meios de responsabilização isto é, ao estudo dos atos e procedimentos
disponíveis para a apuração dos fatos, formação de convicção e a aplicação de sanções

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pelo Estado.
Desde logo, cave observar, conforme exposto anteriormente, que a
responsabilização administrativa competirá executoriamente à Administração em todos os
casos; a responsabilização civil caberá ao Poder Judiciário, sem exceções, e a
responsabilização criminal caberá também como regra, ao Judiciário, salvo nos casos de
crime de responsabilidade de agentes políticos.
Esse quadro permite, então, distinguir os meios internos dos meios externos de
responsabilização, desde o ponto de vista do Direito Administrativo.
São meios internos: o processo administrativo disciplinar e os processos e
respectivos procedimentos disciplinares sumários.
São meios externos: o processo civil ordinário, o processo preparatório de
seqüestro, o procedimento de perdimento de bens, o processo penal comum, o processo
penal militar, o processo parlamentar de crime de responsabilidade, o processo penal de
crime de responsabilidade, e a representação de abuso de autoridade e o respectivo
processo de responsabilidade penal.

6. Efeitos da Decisão Penal nas esferas Civil e Administrativa

Um dos mais relevantes temas dentro da responsabilidade dos servidores públicos


é, sem dúvida, o que analisa a repercussão do decisório penal no seio da Administração,
seja no aspecto civil, seja no administrativo.

6.1. Repercussão na Esfera Civil

A decisão penal condenatória só causa reflexo na esfera civil da Administração se o


fato ilícito penal se caracterizar também fato ilícito civil, ocasionando prejuízo patrimonial
aos cofres públicos. Suponha-se que o servidor tenha destruído deliberadamente bens
públicos, sendo condenado pela prática de crime de dano (art. 163 do CP), que
pressupõe conduta dolosa. A decisão criminal, no caso, provocará reflexo na esfera civil
da Administração, atribuindo responsabilidade civil ao servidor e estabelecendo sua
obrigação de reparar dano. Se a condenação pelo crime, entretanto, não tiver ocasionado
qualquer dano à Administração, por ser particular o bem danificado, inexistirá

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responsabilidade civil do servidor perante o Poder Público.


A decisão absolutória no crime poderá repercutir, ou não, na esfera civil, e isso
porque, como vimos, as responsabilidades são independentes. Para exemplificar, se o
servidor recebeu a imputação do crime de dano e é absolvido na esfera criminal, duas
hipóteses serão possíveis: a) se não houver dano patrimonial à Administração, não
poderá haver responsabilidade civil do servidor; e b) se houve o dano, por exemplo, em
razão de conduta culposa, a decisão absolutória no crime (que exige sempre dolo) não
influirá na esfera civil da Administração, significando que, constatada sua imprudência,
imperícia ou negligência, o servidor terá responsabilidade civil perante a Administração,
mesmo tendo sido absolvido no crime.
Denotando assim, que a instância criminal não obriga a instância civil.

6.2. Repercussão na Esfera Administrativa

Várias são as questões atinentes ao reflexo que a decisão criminal provoca na


esfera administrativa. Para melhor compreensão, vale a pena tentar um sistema que
englobe as várias hipóteses.
Primeiramente, deve agrupar-se as decisões penais em duas categorias, conforme
o crime imputado ao servidor público: a) crimes funcionais, aqueles em que o ilícito penal
tem correlação com os deveres administrativos; e b) crimes não funcionais, os demais,
isto é, os que não têm essa conexão

6.3. Crimes funcionais

Dentre os crimes funcionais, há os que ensejam decisão penal condenatória ou


absolutória. Vamos a eles:

6.3.1. Condenação

Em se tratando de decisão penal condenatória por crime funcional, terá que haver
sempre reflexo na esfera da Administração. Se o juiz reconheceu que o servidor praticou

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crime e este é conexo à função pública, a Administração não tem outra alternativa senão
a de considerar a conduta como ilícito também administrativo. Exemplo; se o servidor é
condenado pelo crime de corrupçãp passiva (art. 317 do CP), terá implicitamente
praticado um ilícito administrativo. No caso da Lei n° 8.112/90, o servidor terá violado o
art. 117, XII, que o proíbe de receber propina ou vantagem de qualquer espécie em razão
de suas atribuições. A instância penal, então obriga a instância administrativa.
Assinale-se, ainda, que o CP estabelece, como um dos efeitos da condenação, a
perda do cargo, função pública ou mandato eletivo, quando for aplicada pena privativa de
liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de
poder ou violação de dever para com a Administração Pública. Há também previsão de
perda de função pública no caso de condenação por crime contra a probidade
administrativa (art. 12, III, da Lei n° 8.429/92).

6.3.2. Absolvição

Quando a sentença for pela absolvição, há que se distinguir os seus vários


fundamentos, indicados no artigo 386 do Código de Processo Penal (com a redação
alterada pela Lei n° 11.960/08), nos seguintes termos:

Art. 386 - O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte


dispositiva, desde que reconheça:
I - estar provada a inexistência do fato;
II - não haver prova da existência do fato;
III - não constituir o fato infração penal;
IV - estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;
V - não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
VI - existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de
pena;
VII - não existir prova suficiente para a condenação.

Repercutem na esfera adminsitrativa as decisões baseadas nos incisos I e V; no


primeiro caso, com base no artigo 935 do Código Civil e, no segundo, com esteio no
artigo 65 do Código de Processo Penal.

Não repercutem na esfera administrativa:

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1. A hipótese do inciso III, porque o mesmo fato que não constitui crime pode
corresponder a uma infração disciplinar; o ilícito administrativo é menos do que o
ilícito penal e não apresenta o traço de tipicidade que caracteriza o crime;

2. As hipóteses dos incisos II, IV e VI, em que a absolvição se dá por falta de


provas; a razão é semelhante à anterior: as provas que não são suficientes para
demonstrar a prática de um crime podem ser suficientes para comprovar um
ilícito adminstrativo.

A respeito do assunto, farta é a jurisprudência administrativa e judicial. O DASP,


Departamento Administrativo do Servidor Público, na esfera federal, já admitiu
algumas Formulações a esse respeito:

“n° 30 – A absolvição judicial só repercute na esfera administrativa se negar


a existência do fato ou afastar do acusado a respectiva autoria.”

“n° 71 – A Administração pode demitir funcionário por corrupção passiva


com base, apenas, no inquérito administrativo.”

“n°278 – A absolvição do réu-funcionário, por não provada a autoria, não


importa em impossibilidade da aplicação de pena disciplinar.”

Tais determinações se referem às hipóteses em que o funcionário incidiu, pelo


mesmo ato, simultaneamente em falta disciplinar e em crime. É exatamente a hipótese a
que se refere o artigo 136 da Constituição do Estado, pelo qual “o servidor público civil
demitido por ato administrativo, se absolvido pela Justiça, na ação referente ao ato que
deu causa à demissão, será reintegrado ao serviço público, com todos os direitos
adquiridos” Essa norma tem que ser interpretada à luz dos dispositivo do CC e CPP, já
mencionados, não significando que, em qualquer hipótese, a decisão judicial repercute
sobre a administrativa; ela repercute apenas nas hipóteses já mencionadas pois, a
aceitar-se outra interpretação, estar-se-ia pondo fim à independência entre as instancias
penal e administrativa, com manifesta ofensa ao principio da separação de Poderes.

Vale dizer: pode o servidor ser absolvido no crime e ser punido na esfera
administrativa. Sendo assim, inexistirá repercussão, nesse caso, da decisão criminal no
âmbito da Administração, ou seja, a instância penal não obriga a esfera administrativa,
matéria já pacificada no atual ordenamento jurídico brasileiro, como se vê na Súmula de

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número 18 do STF "pela falta residual não compreendida na absolvição pelo juízo
criminal, é admissível a punição administrativa do servidor público". Vejamos um exemplo:
imagine-se que um servidor federal tenha sido absolvido da imputação, a ele atribuída, da
prática do crime de peculato (art. 312 do CP), por insuficiência de provas quanto à sua
participação no fato: nada impede, porém, que seja punido na esfera administrativa por ter
procedido de dorma desidiosa, ilícito administrativo previsto no art. 117, XV, da Lei n°
8.112/90, que constitui conduta residual independente do crime de peculato.
Essa orientação, que já está pacificada dos Tribunais, ainda leva alguns
profissionais a erronis técnicas, ao postularem reintegração de servidores absolvidos na
esfera criminal por insuficiência de provas. Assim, sempre vale a pena repeti-la, sobretudo
em decisões claríssimas como esta do Egrégio STF, no mandado de segurança n°
20.814, Pleno, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO, julg. em 22/3/1991, in verbis:

"Embora possa ter sido absolvido o funcionário na ação penal a


que respondeu, não importa tal ocorrência a sua volta aos
quadros do serviço público, se a absolvição se deu por
insuficiência de provas, e o servidor foi regularmente submetido
a inquérito administrativo, no qual foi apurado ter ele praticado
o ato pelo qual veio a ser demitido. A absolvição criminal só
importaria anulação do ato demissório se tivesse ficado
provada, na ação penal, a inexistência do fato, ou que o
acusado não fora o autor."

6.4. Crimes Não Funcionais

Aqui também é conveniente separar as decisões condenatórias e as absolutórias.


Vamos a elas:

6.4.1. Condenação

Se o servidor é condenado a crime que não tenha correlação com a função pública,
nenhuma influência haverá na esfera administrativa quando a pena não impuser a perda

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da liberdade. É o caso da suspensão condicional da pensa (sursis).


Quando a condenação importa a aplicação de pena privativa da liberdade, devem
ser diferenciadas as hipóteses:
a) se a privação da liberdade for por tempo inferior a quatro anos, o servidor ficará
afastado de seu cargo ou função, prevendo o estatudo federal nesse caso o benefício do
auxílio-reclusão, pago à sua família (art. 229 da Lei n° 8.112/90). Esclareça-se que o
citado afastamento que apenas suspende a relação funcional, é previsto como verdadeiro
direito social do servidor, constante do estatudo federal, que admite também o auxílio-
reclusão como efeito do afastamento. Todavia, como não há paradigma constitucional
para esse caso, pode ocorrer que outras leis estatutárias disponham deferentemente
sobre a matéria;
b) Se a privação da liberdade é superior a quatro anos, incide o art. 92, I, "b", do
CP (com a redação da Lei n° 9.268, de 01/04/1996), pelo qual a condenação, nessa
hipótese, acarreta a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo.
Neste passo, convém anotar que a E.C. 20/98 (art. 13) previu a edição de lei com o
fito de disciplinar o acesso ao auxílio-reclusão para servidores, segurados e dependentes,
e, enquanto não houver a lei, assegurou o benefício àqueles que tenham renda mensal
igual ou inferior a R$ 360,00, valor esse a ser corrigido pelos índices adotados pelo
regime geral da previdência social quando o advento do diploma regulador.

6.4.2. Absolvição

Sendo absolvido em crime de natureza não funcional, nenhum efeito ocorrerá na


relação funcional, e, em consequência, na esfera administrativa.

6.4.2.1. Absolvição na Esfera Administrativa

Diferentemente dos casos anteriores, em que foi examinada a influência de decisão


penal sobre a esfera administrativa, não se adota o mesmo sistema na hipótese inversa.
Em razão da independência das instâncias penal e administrativa, a solução nesta última
esfera não impede a instauração de processo no âmbito criminal.

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Em habeas corpus no qual o paciente pleiteava a anulação do ato do juiz que


recebeu a denúncia em ação penal, o Egrégio STF decidiu que "a absolvição em
processo administrativo disciplinar não impede a apuração dos mesmos fatos em
processo criminal, uma vez que as instâncias penal e administrativa são independentes".
Não prevaleceu, assim, o argumento do impetrante de que estaria havendo duplicidade
de julgamento pelo fato de serem apreciadas as mesmas provas oferecidas no processo
administrativo. Segue acórdão:

HABEAS CORPUS. DENÚNCIA RECEBIDA CONTRA JUIZ DE


DIREITO. AFASTAMENTO DO CARGO COM BASE NO ARTIGO
29 C/C O ARTIGO 24, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LOMAN.
Denúncia que atende aos requisitos legais, inexistindo os vícios
apontados na impetração. Na parte em que impugna o afastamento do
paciente, sob alegação de que, no quorum de votação, levou-se em
conta o número de desembargadores presentes e não a totalidade de
membros do Tribunal, não merece conhecimento o writ, por não estar
em jogo a liberdade de ir e vir. Habeas corpus conhecido em parte e
nela indeferido.

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7. Bibliografia:

  CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, Ed.


Lumen Juris, 2004,
 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Ed. Atlas, 1998.
 FILHO NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de Direito Administrativo - Parte
Introdutória - Parte Geral - Parte Especial. Ed. Forense, 2009.
 Sítio eletrônico do Superior Tribunal Federal – www.stf.gov.br

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