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Andreas Novy

BRASIL: A DES-ORDEM DA
PERIFERIA:
Da sociedade de escravos à ditatura do
dinheiro
para
Beth

Traduzido por
Peter Naumann

A tradução desse livro foi subvencionada pelo Ministerio de Educação, de


Ciências e Cultura do Governo Austríaco

2
Sobre a amizade
Esse livro não teria sido escrito sem as muitas brasileiras e os muitos brasileiros, com os quais travei
amizade nos últimos anos. A brutal realidade político-econômica seria praticamente insuportável sem os estritos
vínculos emocionais com o país, a sua gente e cultura. Por isso os meus agradecimentos vão em primeiro lugar
para Beth, a quem dedico este livro. Devo à ela o amor pelo Brasil e o título desse trabalho, bem como o
burilamento das dimensões cultural e poética das citações traduzidas. Agradeço à Sueli Costa Dantas, Claudia e
Antonio Vitte, Ingo e Ana Luger, Ana C.Fernandes, Carlos Roberto Winckler, Luiz Augusto Faria, Paul Singer,
Chico de Oliveira, Clélio Campolinas, Bertha Becker, Aurílio Caiado, Dercy e Bernadette Telles, Assis e Duda,
Carlos Carvalho, Fernando Michelotti, Reginaldo Castela, Jacques Demajorovic, Valeria Oliveira, Zé Mario
B.Carneiro, Camilotto, Patricia Cunha, e muitos outros. Na verdade, o ponto de partida do presente livro foi a
necessidade de redigir uma tese de livre-docência [Habilitation], um trabalho solitário, uma vez que se trata do
maior e último exame na carreira acadêmica. Em outono de 1998 concluí as pesquisas com um trabalho sobre o
tema ”Poder, espaço e desenvolvimento no Brasil”. Nos meses subsequentes dediquei-me à elaboração de uma
versão em livro. A empreitada aparentemente simples, de encurtar o texto original e deixá-lo mais claro, provou
ser uma tarefa que demandou um tempo não muito inferior ao da redação da própria tese. A pergunta pela forma
de veiculação dos resultados centrais revelou ser muito mais do que uma mera tarefa adicional de natureza
didática. Pareceu-me uma necessidade política transmitir as descobertas sobre as estruturas de modo que as
perspectivas de ação não se perdessem.
Embora uma tese de livre-docência seja um trabalho isolado, os limites do esforço individual saltam aos
olhos. Assim o presente trabalho foi, como qualquer discurso, essencialmente influenciado por outras pessoas,
representando o produto de muitas e longas amizades. Quero agradecer especialmente a Joachim Becker,. A
qualidade do presente trabalho ficou essencialmente melhorada pelo seu empenho em acompanhar o autor no
desenvolvimento das suas idéias. Sua solidariedade e amizade me estimularam sempre a continuar a reflexão.
Johannes Jäger, Werner Raza e Vanessa Redak também contribuíram decisivamente para a formulação do
presente marco de reflexões. No âmbito do projeto ”Espaço econômico e territorialidade da regulamentação
política”, fomentado pela FWF sob a sigla P12378-OEK, foram elaboradas idéias definidoras do marco
conceitual de uma teoria do poder espacial.
Meus agradecimentos vão também para o instituto no qual trabalho, entrementes denominado
”Departamento de Desenvolvimento Urbano e Regional”, e aos dois professores que o dirigiram nesses anos:
Walter Stöhr e Ed Bergman. Eles criaram para mim o espaço de amadurecimento das idéias aqui apresentadas. A
Universidade de Economia, que freqüentemente se vê e é vista como uma escola de quadros executivos ou como
uma espécie de Escola de Altos Estudos do Comércio, concedeu-me um espaço que não precisei conquistar e
reconquistar a cada dia, mas do qual dispus por um tempo mais longo e que me permitiu continuar as reflexões -
na sua dimensão espacial e temporal. Diante de uma racionalidade cada vez mais míope isso não deixa de ser um
privilégio, do qual tenho muita consciência.
O retrospecto me permite passar em revista um grande número de pessoas e eventos que contribuíram
para que pudesse levar esse trabalho a termo e aos quais estou penhorado por gratidão: a Sra. Lehner pela leitura
do texto final e o seu trabalho na montagem da bibliografia, Gunther Maier pela salvação dos meus arquivos
infectados por vírus, Reginaldo Castela, Christof Parnreiter, Karin Fischer, Christine Mattl e Ana Fernandes pela
elaboração conjunta de artigos que entraram nesse trabalho. Agradeço a Herwig Palme, Peter Feldbauer, Andrea
Komlosy, Dieter Boris, Reinhard Pirker, Johanna Hofbauer, Manfred Lueger, Leonhard Bauer, Mick Dunford e
Alex Hamedinger pela leitura de versões mais antigas. Agradeço a Angela Kemper, Peter Mesch e Laura Garcia
Sobreira Majer ao apoio dado pela divulgação do livro.
Devo aos meus familiares, à Beth, à Marília, ao Francesco e ao Bernardo o olhar além da Economia
Política. Eles relativizaram o significado de reflexões intelectuais e das transformações político-econômicas e
ampliaram o horizonte da vida e sua diversidade, que normalmente se estreita na excessiva leitura de livros: o
espaço, o tempo e o poder configuram uma totalidade universalmente dominante, embora não perfaçam toda a
vida.
Gostaria de manifestar meu agradecimento especial à Peter Naumann, que fez o seu trabalho de
tradução com muita intuição e competência, proporcionando ao texto uma incrível fluidez e clareza. Estendo
também meu agradecimento a Paul Singer, que acompanhou este trabalho por anos e que se ofereceu para
escrever o prefácio na edição brasileira. Meus agradecimentos se estendem a minha editora vienense, Promedia e
a Hannes Hofbauer, que permitirem a tradução brasileira sem nenhuma exigencia. E, finalmente, agradeço a

3
Paulo Arantes, editor da coleção Zero a Esquerda, que lutou com muita dedicação para esse livro sair no Forum
Social Mundial de 2002 em Porto Alegre.

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Índice

1 Poder e espaço........................................................................................................................7

1.1 O dualismo do espaço de poder e do poder sobre o espaço....................................................9


1.1.1 Thomas Hobbes e o espaço de poder...................................................................................................11
1.1.2 Michel Foucault e o poder sobre o espaço..........................................................................................12

1.2 Espaço......................................................................................................................................14
1.2.1 Jogos de poder.....................................................................................................................................15
1.2.2 Receptáculo e rede...............................................................................................................................16
1.2.3 Palco e campos....................................................................................................................................17
1.2.4 Place and Space...................................................................................................................................18
1.2.5 Espaços político e econômico..............................................................................................................18
1.2.6 Território e espaço de entrelaçamento.................................................................................................19

1.3 Poder........................................................................................................................................20
1.3.1 Ação e estrutura...................................................................................................................................20
1.3.2 Estado e capital....................................................................................................................................21
1.3.3 Regime de acumulação e modo de regulação......................................................................................25

1.4 Tempo.......................................................................................................................................29

2 Construção e destruição do fator nacional no Brasil.........................................................33

2.1 História da estrutura profunda..............................................................................................39


2.1.1 Modo colonial de desenvolvimento sob dominação européia (1500 - 1822)......................................39
2.1.2 Modo nacional de desenvolvimento, orientado segundo instâncias externas, sob dominação britânica
(1822 - 1929)................................................................................................................................................43
2.1.3 Modo de desenvolvimento centrado no estado-nação, sob dominação dos EUA (1929-1982)..........49
2.1.4 Destruição do modo de desenvolvimento centrado no estado-nação e dominação dos EUA (a partir
de 1982)........................................................................................................................................................56

2.2 O palco nacional do poder......................................................................................................70

3 Espaço e poder no centro da periferia.................................................................................85

3.1 História dos campos regionais do poder................................................................................88


3.1.1 São Paulo pré-capitalista (1554 -1850)...............................................................................................88
3.1.2 Da capital do café à cidade industrial (1850 - 1914)...........................................................................91
3.1.3 A capital econômica do Brasil (1914 - 1974) .....................................................................................94
3.1.4 A metrópole necessita de uma região mundial (a partir de 1974).......................................................96

5
3.2 O espaço de poder do Estado de São Paulo.........................................................................102

3.3 O espaço de poder da cidade de São Paulo..........................................................................105

4 O reordenamento da des-ordem........................................................................................116

4.1 A lenta transformação dos campos do poder .....................................................................116

4.2 A imponderabilidade do instante.........................................................................................119

5 As pessoas fazem história e geografia...............................................................................136

5.1 As aparências enganam.........................................................................................................136


5.1.1 Liberalismo e intervenção do Estado.................................................................................................137
5.1.2 Centralização e descentralização.......................................................................................................141
5.1.3 Globalização e fragmentação.............................................................................................................143

5.2 A des-ordem do capital.........................................................................................................146


5.2.1 Da des-ordem da periferia à des-ordem do capital............................................................................146
5.2.2 Transformação e constância do poder sobre o espaço.......................................................................149
5.2.3 Hegemonia social-liberal?.................................................................................................................151
5.2.4 Os oprimidos também fazem história e geografia..............................................................................152

6 Bibliografia.........................................................................................................................157

7 Anexo..................................................................................................................................169

7.1 Tabelas...................................................................................................................................169

7.2 Jornais, revistas e endereços de Internet utilizados............................................................185

7.3 Endereços da Internet utilizados com maior freqüência....................................................185

7.4 Entrevistas gravadas em fita................................................................................................186

7.5 Siglas das organizações citadas, dos instrumentos e de outros conceitos..........................186

6
1 Poder e espaço

”A gente quer ter voz ativa,


no nosso destino mandar,
mas eis que chega a roda-viva
e carrega o destino prá la
(de ”Roda Viva” de Chico Buarque)

Fazer a história e não apenas sofrer um destino: eis a esperança que o conhecido compositor brasileiro Chico
Buarque provavelmente não é o único a nutrir. As pessoas elevam sempre de novo a sua voz para determinarem
o seu destino. E sempre de novo as suas esperanças são aplastadas pelo sistema, pelas estruturas de poder, que
passam por cima delas como um rolo compressor. Não obstante, esses movimentos sociais, por meio dos quais
os oprimidos sobem ao palco da vida pública, constituem os grandes momentos da história. No Brasil, os anos
80 foram uma década de esperanças por transformações profundas em uma das sociedades mais injustas do
mundo. Em 1989 tive oportunidade de acompanhar diretamente a campanha para as eleições presidenciais e
sentir o entusiasmo com o qual milhões de brasileiros e brasileiras se valiam do palco dos embates eleitorais
depois de décadas de ditadura, para tomarem o seu destino nas próprias mãos, tornarem-se sujeitos da
transformação da sociedade. Nesse momento, no qual o torneiro mecânico Lula quase chegou à presidência,
muitas pessoas nutriam esperanças com vistas a uma transformação social profunda. Lula perdeu por margem
escassa, mas perdeu. Depois disso não houve mais outra campanha semelhante, as pessoas perderam o interesse
por esse palco. O poder parecia crescentemente estar domiciliado alhures.
Esse livro reflete a perda de uma ilusão, da ilusão de poder promover a mudança dentro de espaços de
tempo relativamente breves. Quando descobri o Brasil, o país era cenário de transformações, de possibilidades e
de mudanças. A periferia das cidades, os agricultores sem-terra do interior, os melhores representantes do
universo artístico e a oposição intelectualizada, todos eles faziam estremecer as bases da velha ordem. Dez anos
mais tarde, na retrospectiva, a raiva se mistura à desilusão: nos anos 90 não houve nem necessidade de apelar
aos militares para enterrar o sonho da transformação. Ocorreu uma destruição à la Pinochet, mas sem um
Pinochet. Como isso foi possível? Que poder logra produzir tais resultados? Aos meus olhos, a renovada derrota
eleitoral de Lula em 1994 foi um corte na história. Reconheci que o establishment não deseja nenhuma mudança
que afete a hierarquia social, ainda que seja apenas em áreas parciais ou no plano simbólico. O orgulho
estamental da mentalidade escravagista, contaminado por um raciocínio capitalista orientado segundo o
benefício individual, resulta em uma forma especialmente ruim de dominação. O Brasil, ”campeão mundial da
desigualdade da renda”, testemunha isso de modo eloqüente. Com o presente trabalho apresento um marco
analítico para compreender esses processos. Ainda hoje encontramos na mídia notícias sobre a fome que assola
regiões inteiras, sobre a escravidão e frentes de trabalho diretamente ao lado do noticiário sobre telefones
celulares, o fenômeno da obesidade em crianças brasileiras e os recordes de venda no setor automobilístico.
Perguntamo-nos pelas razões pelas quais isso ainda é possível no fim do séc. XX. Por que não se pode mobilizar
os recursos modestos para evitar ao menos as piores excrescências desse sistema? Vista na perspectiva dos
dominadores locais, tal ação aparentemente irracional tem cabal racionalidade. Trata-se da tentativa dos
brasileiros que têm um lugar ao sol de continuarem como parceiros menores dos dominadores dos países centrais
e de continuar assim participando do universo de mercadorias do capitalismo. O próprio latifundiário na região
da seca do Nordeste se vê constantemente ameaçado pelo descenso social. Como arrumar o dinheiro para que
seus filhos possam freqüentar a universidade? Como sair do círculo diabolicamente vicioso dos juros usurários,
ao qual ele foi arrastado por más colheitas? Na sua região ele domina, mas as estruturas lhe indicam, em escala
mundial, um lugar apenas subordinado. Esse duplo papel de poder/impotência radica em uma dupla
espacialidade: o latifundiário age in loco e está inserido em uma estrutura espacial (nacional e global) mais
ampla, na qual ele não tem vez nem voz. Os dominadores da periferia constróem as suas estratégias de poder in
loco, conscientes da sua impotência no plano internacional. Gerenciam uma situação social sempre precária in
loco, evitando assim transformações radicais do status quo. O preço disso é a eliminação da estrutura existente
do foco da atenção. Mas os desapoderados e oprimidos freqüentemente também preferem agir in loco a
transformar as estruturas que transcendem os seus espaços. Exemplos disso são os quilombos, os projetos de
ocupação de terras ou as reservas indígenas e extrativistas na Amazônia. Movimentos de bairros periféricos

7
também lutam mais eficazmente por uma nova escola no seu bairro do que por uma nova política educacional. A
injustiça local é perceptível, é um escândalo que clama pela transformação, ao passo que a estrutura global
parece estar muito distante e opressivamente poderosa. Em tais casos a ação se reduz à correção das desordens,
das coisas que saíram do prumo. O estado deve investir mais em escolas, as trabalhadoras devem ter maiores
direitos de cogestão e os agricultores devem receber créditos mais favoráveis. Mas a história mostra, por meio
das suas numerosas tentativas fracassadas de transformar duradouramente a desordem, que essa estrutura da
periferia representa uma des-ordem comhífen. Ela é de natureza estrutural. Por isso é um erro acreditar que só é
necessário tomar essa ou aquela medida, para que a desordem do Brasil seja superada. Essa estratégia da
transformação controlada, baseada em pequenas transformações, parece ser sedutora e não obstante é
substancialmente responsável pela miséria atual. Justamente os últimos presidentes do Brasil assumiram seu
cargo na intenção de superar a desordem e modernizar o Brasil. Ao mesmo tempo a crise, o caos e o acirramento
da desordem foram as conseqüências. Para compreender esse desastre contemporâneo, faz-se necessário um
olhar sobre o passado. No decorrer dos séculos cimentou-se na relação entre o Brasil e o mundo uma hierarquia
espacial de centro e periferia. Essa estrutura consolidada - uma des-ordem - estreita fortemente os espaços de
ação in loco dos atores. É certo que ela cria no Brasil um território ordenado, dotado de uma estrutura social
estável: no andar de cima, os proprietários de terras, os banqueiros, os atacadistas e os industriais, no andar de
baixo a população trabalhadora. Mas os dados econômicos desse território estão regularmente fora de prumo. A
crise orçamentária, a crise inflacionária e a crise do balanço de pagamentos acompanham a aparente estabilidade
da estrutura social do Brasil. Tais desequilíbrios econômicos resultam da interação do Brasil com o sistema
mundial capitalista. Como o Brasil não é apenas um território no qual os seus detentores do poder dominam
soberanamente, mas também parte do espaço de entrelaçamentos da economia mundial capitalista, a estabilidade
do país assenta em pés de barro. Os sismos que provocam a queda dos preços, as crises nas bolsas e as crises
monetárias, sacodem a ordem brasileira tão regularmente que parece adequado falar de uma des-ordem.
A des-ordem tem raízes espaciais e sociais. Karl Marx afirmou certa vez que ”o país industrialmente
mais desenvolvido exibe ao menos desenvolvido apenas a imagem o próprio futuro” (Marx 1983: 13). Mas na
realidade os centros do mundo só exibem ao mundo restante a imagem muito parcial do seu próprio futuro: o
Brasil de hoje de modo nenhum é a Áustria de 20 anos ou os EUA de 40 anos atrás. O Brasil não se encontra
uma etapa atrás, mas simplesmente está em cada período histórico em uma posição distinta; ele encarna o outro
lado da mesma moeda. A extração de ouro na periferia, a acumulação da riqueza no centro, a agricultura na
periferia, a industrialização no centro. As relações de centro e periferia não se dissolvem no processo evolutivo;
mudam tão-somente a sua forma. Cedo instrumentalizada em periferia, a América Latina começou depois da
Segunda Guerra Mundial, depois de séculos de obediente subordinação, a contestar a benção universal do
modelo liberal de desenvolvimento, então dominante: o que pode ser bom para o centro, de modo algum
necessita sê-lo também para a periferia, conforme afirmou a crítica do ”falso universalismo” da teoria econômica
(Furtado 1997c: 12). No âmbito da Comissão da ONU para o Desenvolvimento da América Latina (CEPAL1)
surgiram a partir dos anos 50 produções teóricas autônomas. Elas não viam o espaço da América Latina apenas
como uma região geográfica, mas correlacionavam-no com uma estrutura sócio-econômica específica2. O
cepalismo e as teorias latino-americanas que o criticaram3 distinguiram-se na sua concepção de espaço, tempo e
poder essencialmente do paradigma liberal e modernizador, dominante nos tempos de então como da atualidade.
Trata-se, nesse enfoque teórico, da tentativa de compreender o presente por meio da consideração do passado.
Em tais enfoques as estruturas são compreendidas como o ”fardo do passado”, como ” duro cimento” (Furtado
1997b: 50), como relações sociais orgânicas que oneram o desenvolvimento presente. As relações de
1
Comisión Económica para America Latina, englisch: ECLA – Economic Commission for Latin America.
Furtado (1997a) descreve na sua autobiografia a história dos primeiros anos da CEPAL.
2
”Latin America” ceased to be a geographical term and became a historical reality as a result of the break in the
traditional pattern of the international division of labour, the problems created by the belated process of
industrialisation, and the evolution of its relations with the United States which, in becoming a hegemonic world
power, drew up a special code for the region involving more direct and open control, while at the same time
requiring increased co-operation among countries in the area” (Furtado 1976: 3).
3
A CEPAL, que trabalhou sob a direção de Raul Prebisch, fundou o estruturalismo (também como cepalismo)
como uma teoria econômica que questionou apenas hipóteses isoladas do mainstream. A teoria da dependência
ou o enfoque histórico-estrutural - no período da ditadura militar uma denominação cifrada da pesquisa em
Economia Política ou da pesquisa marxista - radicalizaram a crítica do estruturalismo (Cardoso, Faletto 1979:
21) e viram as raízes do subdesenvolvimento na estrutura capitalista da economia mundial. (cf. Lehmann 1990,
Kay 1989).

8
propriedade fundiária são um empecilho para a agricultura, o escravismo impede o desenvolvimento
democrático, a dependência das importações trava a industrialização. Nesse sentido, as fases do
desenvolvimento sócio-econômico sobrepõem-se como camadas, a história determina a margem de ação na
atualidade. O primeiro propósito da presente interpretação é mostrar a espacialidade do desenvolvimento
histórico-estrutural4. Há uma contradição entre a nação enquanto território com um sistema interno de poder, por
um lado, e o processo global da inserção em uma estrutura dominada pelos centros, por outro lado (Cardoso,
Faletto 1979: 37). O estruturalismo busca fixar a especificidade do desenvolvimento latino-americano e, mais
especificamente, brasileiro, não apenas como desvio de uma norma5. Remete, portanto, a uma idéia central da
ciência do espaço: o mesmo progresso técnico e a mesma orientação da economia de mercado conduzem em
espaços distintos a resultados distintos, em virtude de situações sociais específicas (Cardoso 1993: 38). O
respectivo contexto conduz também no caso dos mesmos desenvolvimentos globais a resultados concretos
distintos: o desenvolvimento desigual é parte da dinâmica de economias capitalistas.
O segundo aspecto insuficientemente considerado pela teoria latino-americana é o problema do poder.
Furtado (1997b: 21) distingue claramente entre um poder pessoal e um poder sistêmico e localiza o poder
decisório sobre os desenvolvimentos estruturais no estado-nação. Assim um presidente bem assessorado poderia
tomar medidas para reduzir a desordem no seu território. Uma política reformista seria, por conseguinte, uma
política que investe nos âmbitos de um espaço de poder na infraestrutura, disponibiliza serviços sociais e
possibilita uma modernização cultural. No entanto, um modo de ver o Estado que atribui a este o poder sobre um
território, reduz o poder ao seu ”exercício”, a uma mecânica simplista, segundo a qual o detentor do poder ”dá
ordens” aos seus subordinados. O detentor do poder operaria assim a engrenagem da engenharia social e
provocaria um resultado determinado. Mas isso significa superestimar grandemente as margens da ação política,
pois a ação consciente dos detentores do poder produz conseqüências não-intencionais. A estrutura mais
profunda do poder sobre o espaço pode impedir as medidas ”mais racionais” na área social, e.g. subtraindo ao
detentor do poder os recursos necessários, seja por via da fuga de capitais, seja pela da sonegação de impostos.
Com isso está definido o marco conceitual de uma análise do espaço e do poder no Brasil. Com base no
grande número de estudos existentes efetua-se uma reinterpretação do Brasil que parte da hipótese de que as
pessoas em determinadas estruturas não fazem apenas a sua história, mas também a sua própria geografia. Se os
seringueiros resistem à derrubada da floresta tropical e impõem a criação de reservas extrativistas, produzem
uma inflexão no curso da história e criam simultaneamente um novo espaço, uma reserva, na qual o
desmatamento e a expulsão não são mais possíveis. A colocação da resistência e do empoderamento
(empowerment) no centro da análise da sociedade exige uma análise do tempo e do espaço que seja ”radical” no
sentido originário da palavra. Uma análise do poder não pode reproduzir tão-somente em termos objetivos a
superfície do status quo, mas deve ir até as ”raízes” dos problemas sociais. Como já indicia a imagem da raiz,
trata-se de uma empreitada historiográfica, de um rastreamento das origens, e da empreitada geográfica de uma
pesquisa nas profundezas (Giddens 1988: 422). Uma análise histórico-geográfica do poder6 não se cinge à
superfície dos fenômenos, mas revela as profundezas, as estruturas das estruturas sociais, pois ”o morto agarra o
vivo” (Marx 1983: 15).

1.1 O dualismo do espaço de poder e do poder sobre o espaço


Os dois conceitos centrais nesse trabalho, espaço e poder, têm pouco a ver um com o outro na rotina concreta da
ciência, pois as teorias do espaço e do poder se correlacionam com duas áreas de pesquisa praticamente não-

4
Por um lado, o enfoque histórico-estrutural não elimina de foco o espaço; mas este permanece estranhamente
secundário. Embora Furtado considere a sua obra econômica claramente também como história econômica, seria
talvez difícil para ele perceber a sua produção teórica como um trabalho no campo da geografia econômica. Não
obstante, esses enfoques contêm descobertas centrais da ciência do espaço, à frente de todas a relação entre
centro e periferia em escala mundial.
5
Uma análise contextual (Cardoso, Faletto 1979: 38) distingue o estruturalismo latino-americano do mainstream
econômico: o tema central foi ”the distinctiveness of development paths in the periphery and the leading role of
the state in an industrialization process” (Lehmann 1990: 3).
6
”Se colocarmos a problemática do espaço e do tempo no centro da teoria social, não poderemos fugir à
necessidade de refletir novamente sobre as fronteiras entre a sociologia, a historiografia e a geografia” (Giddens
1988: 34s.).

9
interligadas7. Mas na presente análise o espaço e o poder são conceitualizadas como unidade dialética, como
poder sobre o espaço e espaço de poder, para que se possa compreender melhor tanto a atuação do espaço como
a do poder. Descobertas na teoria do poder são confrontadas com a problemática do espaço, i. é, questões de
poder são pensadas mediante a inclusão da perspectiva espacial8. Isso não parece habitual, embora
inconscientemente ocorra com muita freqüência. O estado-nação é indubitavelmente o receptáculo clássico do
poder. Nos limites de um espaço, da nação, um ator, no caso o Estado, exerce soberanamente o poder. Essa é a
imagem clássica do Leviatã hobbesiano, mas ela é também a concepção de poder e espaço em torno na qual se
entrelaçam em grande parte a teoria econômica e a Ciência Política. A criação de um espaço de poder representa
a tentativa de atores sociais de delimitar um determinado espaço, para que no seu âmbito a ação possa
transcorrer de acordo com regras determinadas. Delimita-se um espaço para que a ação possa ter eficácia nele.
Ao passo que na Europa a fronteira enquanto barreira da migração de pessoas está em primeiro plano, a fronteira
no caso do Brasil, refere-se essencialmente à delimitação econômica da nação com relação ao mercado mundial.
Conflitos essenciais na história do Brasil tiveram por objeto a pergunta pelo significado que a fronteira tem para
a troca de mercadorias, a transferência de capitais e tecnologias e o mercado monetário e financeiro. Enquanto
conflitos sobre a orientação segundo instâncias internas e a orientação segundo instâncias externas, as fronteiras
do espaço de poder no Brasil sempre foram altamente políticas. Vitórias e derrotas freqüentemente dependiam
essencialmente da constituição ou do esvaziamento das fronteiras.
A análise concreta do Brasil tratará sempre de novo de todas essas questões. Mas preliminarmente é
mister ordenar as distintas concepções de espaço e poder, criar um marco teórico. Para facilitar a familiarização
com a problemática de espaço e poder, quero contrastar em termos dualistas duas modalidades de acesso
fundamentalmente distintas, que posteriormente deverão ser encaminhadas em uma relação dialética (cf.
Hamedinger 1998). Thomas Hobbes é o primeiro pensador dos enfoques da teoria do poder que se orientam pela
ação, Michel Foucault é o grande pensador de enfoques da teoria do poder que se orientam segundo a estrutura.
No sentido tradicional do termo, o poder pessoal é localizado ”bem em cima”, na esteira do Leviatã de Hobbes.
O soberano, o poderoso, impõe às outras pessoas na sua área de influência a sua vontade, eis o modelo padrão
da mecânica do poder. Michel Foucault empenhou-se em toda a sua vida em criticar essa concepção do poder.
Contrapôs ao Leviatã o panopticon de Bentham como imagem orientadora [Leitbild] do poder. De acordo com
essa visão, o poder atua por meio de campos e estruturas que normatizam a vida cotidiana. Não importa quem se
localiza no ”topo” dessas estruturas. Hobbes e a sua mecânica do poder, Foucault e os seus campos do poder
representam de forma sensorialmente compreensível [anschaulich] dois enfoques opostos para a compreensão do
poder. Na contraposição dessas teorias as grandes tradições do pensamento são resumidas de forma simples e
simplificada, conforme a tabela seguinte ilustra9.

Tabela 1: O dualismo clássico de espaço e poder em Hobbes e Foucault

ESPAÇO DE PODER PODER SOBRE O


ESPAÇO
Hobbes Foucault
Pergunta: Quem tem poder onde? Como o poder atua onde?

Concepções fundamentais Território espaço de entrelaçamento


da teoria do espaço: Receptáculo redes

Lugar do conflito: ”palco” ”campo”


7
De um lado, a Ciência da Região, de outro, a Sociologia e a Ciência Política. Comumente nunca encontramos
referência a questões de poder em trabalhos de Ciência da Região, à exceção de John Friedmann (ver, entre
outros, Friedmann 1992). Por sua vez, as disciplinas que se ocupam teoricamente com o poder dedicam-se só
raramente aos fenômenos empíricos relevantes para a Ciência do Espaço.
8
As explanações subseqüentes não cogitam oferecer uma visão de conjunto das teorias do poder (cf. para tal
Clegg 1989), nem efetuar uma análise historicamente exaustiva a seu respeito (cf. para tal Mann 1986).
9
Não somente as teorias do poder, mas o pensamento ocidental na sua totalidade caracterizam-se pelo seu
raciocínio em dicotomias. As dicotomias de estrutura e ação, objetivismo e subjetivismo, universal e concreto,
quantitativo e qualitativo determinam o pensamento científico. Bernstein (1983: 16) localiza a raiz desse
pensamento dicotômico em Descartes e na sua busca do ponto arquimédico, que permanece fixo, embora
Arquimedes levante o universo.

10
concepções fundamentais Leviatã como corpo panopticon como estrutura
da teoria do poder: Mecânica do poder campos de poder
Atores estrutura/práticas

Metódica Quantitativa pluralismo de métodos

Fonte: Sistema desenvolvido pelo autor, na esteira de Clegg 1989: 34

1.1.1 Thomas Hobbes e o espaço de poder


Thomas Hobbes é o analista clássico do espaço de poder. Para ele, o indivíduo é um átomo social, independente
e claramente delimitado com relação ao mundo exterior. O seu modo de aproximação forma a base da
compreensão do espaço e do poder enquanto espaço de poder, na linguagem cotidiana. A nação enquanto espaço
e o Estado enquanto poder constituem o espaço clássico do poder enquanto concepção de mecânica. Mesmo os
interessados na transformação da sociedade quase nunca tocam essa concepção de poder e espaço, tomada em si;
querem tão-somente influenciar os comandos do poder nesse espaço em seu benefício. Sem o poder do
soberano, o espaço afunda na desordem e no caos, na ”guerra de todos contra todos” (Hobbes 1996: 96). O
Estado é uma poderosa máquina, um animal artificial, o ”Leviatã” que pode domar o egoísmo dos indivíduos e
produzir a unidade do Estado e do território. O seu poder é absoluto, indivisível e indelegável (Hobbes 1996:
136 ss.)10. Esse Estado é decomposto em seus elementos individuais e concebido como corpo: o soberano como
a sua alma, os funcionários como as suas articulações, as recompensas e a punição como os nervos e assim por
diante. O poder parte então das ações de indivíduos, sendo que estas ocorrem na intenção de mover outros a uma
determinada ação11. Por um lado, o poder é fundamentalmente inerente a todos os indivíduos. Mas há no espaço
do poder apenas um ator que pode agir soberanamente: o Estado é o poder. Para ter ”poder”, precisa-se
controlar esse Estado, ”tê”-lo, possuí-lo. Até hoje as teorias do poder na tradição hobbesiana são caudatárias da
visão do poder como um lugar a partir do qual se domina soberanamente; o poder é visto como ”something
possessed by unitary, sovereign political forces” (Clegg 1989: 159).
Grande parte das discussões sobre o poder na teoria política do séc. XX pode ser compreendida como
variações sobre o modelo fundamental de Hobbes. Assim tiveram relevância as perguntas sobre quem detém o
poder, se há um ou vários centros de poder e onde o poder está localizado. Teóricos antidemocráticos como
Pareto representam aqui a dominação de uma minoria como fenômeno inevitável (Clegg 1989: 46-48),
defensores progressistas da mecânica do poder como Bachratz e Baratz (1977) criticam essa concepção elitista.
Para Pareto o lugar no topo da pirâmide social é reduzido, por isso só poucos lograriam atingi-lo. ”Nas nossas
sociedades, a curva da distribuição da riqueza apresenta muito poucas modificações entre uma época e outra. O
que foi denominado pirâmide social é, na realidade, uma espécie de pião... Os ricos ocupam o topo, os pobres
estão na base... A forma da curva de modo nenhum é produto do acaso, isso é certo. Ela provavelmente depende
da distribuição dos traços distintivos fisiológicos e psicológicos dos seres humanos” (Pareto 1975: 111f.). Os
ricos são os poderosos e eles também são os que via de regra têm as necessidades mais exigentes. Ocorrem, no
10
Como os seres humanos por sua natureza sempre buscam o poder, resultaria um estado manifesto de guerra em
uma sociedade sem centralização do monopólio do poder-violência. Tal centro soberano do poder ”deve ser
instituído como construção teórica que canaliza a satisfação dos desejos e das paixões, baseadas no princípio do
movimento” (Bauer, Matis 1988: 399).
11
Cada átomo dispõe de poder, é ator no jogo do poder. Mesmo nas dimensões miúdas do cotidiano as pessoas
imitam esse poder, para poderem impor a sua vontade aos outros. Para Hobbes o poder é tão central que o poder
inerente a uma pessoa também determina o seu valor, o seu ”preço” no mercado de trabalho (Hobbes 1996: 7).
Uma relação de poder é como a relação entre bolas de bilhar: assim como uma bola de bilhar toca a outra e
pode, ”contra a vontade desta”, impeli-la em uma determinada direção, as pessoas têm poder sobre outras (Clegg
1989: 41). Temos, para continuar usando a imagem das bolas de bilhar, a causa e o efeito, uma bola que empurra
e outra que é empurrada. No centro de uma análise em termos de mecânica do poder estão os atores e o seu
comportamento concreto, observável (Lukes 1977: 12). A definição de poder de Dahl também se conforma
pertinentemente à tradição liberal: ”A has power over B to the extent that he can get B to do something B would
not otherwise do” (Dahl. Citado in: Lukes 1977: 11). Nesse modelo de causalidade os recursos têm um papel
chave, sejam eles dinheiro, popularidade, controle sobre empregos ou informação.

11
entanto, mudanças com relação a quem concretamente ocupa a posição no topo da pirâmide social, pois no
interior da elite sempre há mudanças, por vezes também a formação de novas elites. Como a estrutura do poder é
uma ordem natural, Pareto se posiciona também criticamente diante da democracia que aposta em soluções
consensuais de conflitos, não em soluções baseadas na força das armas12: o galho progressista da mecânica do
poder mantém-se por inércia contra a visão elitista edulcorante da existência de relações latentes de poder, e.g.
por meio da ”mobilização de preconceitos”. Valores predominantes, rituais e procedimentos institucionais
(”regras do jogo”) produzem efeitos sistemáticos e em si coerentes em benefício de determinadas pessoas e
grupos (Bachrach, Baratz 1977: 78). O poder atua ubiquamente, sem ser exercido, o que leva os oprimidos ao
silêncio, pois eles esperam uma resistência violenta (Clegg 1989: 83)13. Embora ainda tributários da mecânica do
poder, tais enfoques críticos já representam acessos que lançam uma ponte para um conceito estrutural do poder.

1.1.2 Michel Foucault e o poder sobre o espaço


Michel Foucault tornou-se célebre como filósofo que proclamou a morte do sujeito. Mas com isso ele não se
desmascara como estruturalista, não se coloca contra a individualidade enquanto tal. Muito pelo contrário, ele
tem apenas reservas contra a superestimação errônea da pessoa enquanto independente do seu ambiente social.
Por isso o interesse das investigações de Foucault concentrou-se - e cada vez mais, à medida do seu
envelhecimento - nas margens da ação individual em meio a uma estrutura poderosa. Por essa razão é necessário
desnudar num primeiro passo e sem quaisquer considerações o poder da estrutura. O ponto de partida dessa
crítica é o modelo da mecânica do poder, de um espaço de poder no qual o soberano presumidamente governa.
”No fundo a representação do poder permaneceu por cima das diferentes épocas e dos diferentes objetivos sob a
influência da monarquia. No pensamento político e na análise política a cabeça do rei ainda não rolou” (Foucault
1983: 110). As numerosas tentativas de conquistar o poder - vale dizer, o Estado - e dominar o espaço do poder
constituem exemplos plásticos de tentativas fracassadas de implementação prática. Contra tal visão do poder e
do espaço Foucault mostra as vantagens de se pensar o espaço e o poder como poder sobre o espaço14. Aqui ele
não tem nenhuma definição a oferecer, mas descreve o poder e o espaço - freqüentemente como espaços de
12
”Um regime ao qual o povo impõe a sua ‘vontade’ - supondo, mas não concedendo-se que ele a tenha -, sem
‘máquina’ política, intrigas e cliques, existe apenas como desejo piedoso na cabeça dos teóricos” (Pareto 1975:
286).
13
De acordo com essa visão, acontecimentos não-ocorridos podem pretender estatuto de causa. Exemplos de
não-decisões no caso de problemas em si importantes são a atitude social de ”não dar ouvidos” a exigências de
grupos impotentes, a abstenção nas e a não-participação das decisões por parte dos oprimidos. As razões disso
estão na apatia, no fatalismo e na resignação das camadas inferiores, mas também na falta de práxis política e na
compreensão não-estruturada da sociedade (Clegg 1989: 109). Na discussão pública constata-se sempre uma
unilateralidade (bias) na direção de determinadas questões ou na vontade de solucionar certos problemas,
percebidos como tais pelos dominantes. Por outro lado, não-decisões dizem respeito a tais campos que não
puderam ser problematizados, pois antes de um interesse ser desconsiderado há uma série de outras formas mais
sutis que impedem a eclosão de um conflito aberto. Assim se pode evitar que as pessoas tomem consciência das
suas necessidades e articulem-nas enquanto interesses privados no espaço público. Tal articulação é improvável,
quando os dominados esperam que os dominantes reajam com medidas contrárias desagradáveis. Somente
depois da barreira da problematização ter sido transposta, chega-se ao confronto direto dos interesses, ao
entrechoque das bolas de bilhar. Depende muito das capacidades organizacionais dos indivíduos como eles se
comportam diante de todos esses obstáculos, se eles apesar disso verbalizam problemas desagradáveis para os
dominantes.
14
Mas também com referência ao espaço não é simples obrigar Foucault a assumir uma posição inequívoca.
Assim o espaço é fundamental para toda e qualquer forma de vida em sociedade e para todo e qualquer exercício
do poder (Schmid 1991: 203f.). A crítica da mecânica newtoniana por Foucault vai de mãos dadas com um
interesse novo pelas diferentes dimensões e aspectos do espaço. O pensamento de Foucault não pode ser
imaginado sem o espaço, pois a análise social é para ele a análise do espaço, o fator social significa
essencialmente o espaço. Foucault está profundamente enraizado na tradição francesa da preferência por
metáforas espaciais. Quando Lévi-Strauss (1996: 113) afirma que ”o espaço possui o seu valor próprio, assim
como os sons e os odores possuem cores e os sentimentos um peso” e Bourdieu (1997: 106) constata que ”o
mundo social pode ser concebido como espaço multidimensional”, reconhecemos a importância que o espaço
ocupa no pensamento dessa Grande Nation altamente centralizada. Para ele o espaço não é, como no discurso
liberal da tradição anglo-saxã, uma dimensão da ação social, mas parte essencial dessa ação.

12
poder geograficamente concretos. Assim num acampamento enquanto espaço de poder militarmente
determinado predomina uma determinada organização do espaço, que fundamenta as relações de poder. O
panopticon, uma torre com pequenas celas nas margens e uma sala de controle no centro, constitui esse novo
tipo de espaço de poder (Foucault 1977: 256 ss.). No ordenamento arquitetônico concreto do panopticon são
atribuídos determinados espaços às pessoas que nele se movem (ou são obrigadas a se movimentar nele). Um
panopticon pode desempenhar funções distintas (prisão, escola, hospital ou fábrica). Diferentemente de Hobbes,
inexiste dentro dos limites desse espaço de poder a possibilidade a ação autônoma. O espaço de poder é algo
dado e as pessoas precisam adaptar-se a ele. O panopticon constitui um poder sobre o espaço que produz um
efeito orientador da ação. Ele não pode ser simplesmente redesenhado pelos detentores do poder, tornado ”mais
humano” ou ”adaptado às necessidades”. Como Foucault rejeita o modelo da soberania, ele não admite mais a
existência de um ”centro do poder” nem um centro das forças, ”mas uma rede complexa de elementos distintos -
muros, espaço, instituições, regras, discursos” (Foucault 1977: 395). Qualquer pessoa pode chegar e cumprir
uma função de controle na torre central do panopticon. Por isso a pergunta por quem exerce o poder é
irrelevante. O poder é inerente à estrutura e é ela que produz as realidades. As transformações não ocorrem em
decorrência das posições de poder serem ocupadas por pessoas ”melhores”, muito pelo contrário, o primado
cabe ao lugar, diante de quem o detém (Deleuze 1992: 19). Por um lado existe um espaço de poder, mas ele é
determinado por forças estruturais não imediatamente reconhecíveis, que primeiro precisam ser trazidas à
superfície. No âmbito do presente trabalho falo de poder sobre o espaço quando me refiro às forças que criam,
constroem, reforçam, desvalorizam e destroem os espaços de poder. Trata-se de um poder estrutural.

Gráfico 1: O panopticon

Fonte: Foucault 1977: Ilustr. 17

Ao passo que a criação de espaços de poder é determinada pelo empenho em criar um espaço no qual se possa
agir, o poder sobre o espaço é uma força estrutural que solapa sempre de novo esse empenho da territorialização.
O poder sobre o espaço pode criar as condições para que os detentores do poder possam dominar, mas ele pode
também solapar espaços de poder a tal ponto que o poder se parece dissolver: Getúlio Vargas teve poder, José
Sarney administrou uma estrutura. O poder, compreendido como poder sobre o espaço, não é algo que proibe a
ação alheia, mas é produtivo e estimula à ação (Foucault 1977: 250). Ele mobiliza. O poder do capital, um poder
especialmente poderoso sobre o espaço, não consiste tanto em ele oprimir as massas trabalhadoras, mas em ele
estimular, encorajar, forçar a vender a força de trabalho à uma empresa, em utilizar a energia e criatividade em
benefício de uma empresa. O poder sobre o espaço atua como força normalizadora, padronizadora e
disciplinadora. Foucault analisa as relações de poder nas quais o poder e o conhecimento atuam conjuntamente
em práticas concretas (Foucault 1983: 113 s.)15, pois o conhecimento produz um poder cada vez maior16.
Foucault descreve os espaços e os poderes para pô-los a nu - e isso em muito mais áreas do que nas situações-
padrão da opressão. Por isso tanto a política do cotidiano como também a micropolítica entram mais no nosso
campo de visão. Foucault mostra as rupturas e casualidades que possibilitaram a formação de espaços de poder e
do poder estrutural. ”Onde há poder, há resistência. E apesar disso, ou talvez precisamente por causa disso, a
15
Assim o médico ganha em importância com a mudança da função do hospital e o hospital se transforma em
lugar de formação do conhecimento - referido à disciplina médica. Da mesma forma, a escola enquanto aparelho
examinador em função permanente” (Foucault 1977: 240) transforma-se no lugar de elaboração da pedagogia. O
conhecimento está assim indissoluvelmente ligado ao poder.
16
Aqui podemos distinguir dois momentos. Por um lado, o ”poder de definição”, ”pois uma práxis discursiva
forma o conhecimento, i. é, este é constituído assim e não diferentemente. Por outro lado, o conhecimento
constitui um capital e com base nele a legitimação para abrir para si o acesso a outras áreas do conhecimento e
campos ainda inexplorados ou a serem explorados mais detalhadamente” (Krasmann 1995: 246). Num jogo de
vaivém o poder adquire um conhecimento que por sua vez fundamenta os direitos desse poder (cf. Schmid 1991:
56). Por isso Foucault critica a construção do sujeito da Idade Moderna como um ser que pensa e age com
autonomia, subjacente a essa formação de poder e conhecimento, e rejeita o individualismo metodológico, nele
fundamentado.

13
resistência nunca está fora do poder... Esses pontos de resistência estão presentes em todos os lugares da rede do
poder. Por isso inexiste na relação com o poder o lugar da Grande Recusa - a alma da revolta, o ponto focal de
todas as rebeliões, a lei pura do revolucionário. Há resistências isoladas - possíveis, necessárias, subalternas,
violentas, inconciliáveis, dispostas ao compromisso, interessadas ou dispostas ao sacrifício -, que só podem
existir no campo estratégico das relações de poder... que são pontos, nós e focos de resistência, distribuídos em
densidade maior ou menor sobre o espaço e o tempo, cristalizando-se ocasionalmente em de modo duradouro em
grupos ou indivíduos” (Foucault 1983: 116 s.).
O palco do poder, tão importante para conflitos em torno da mecânica do poder, não desempenha
nenhum papel no pensamento de Foucault, que nas suas análises consegue operar também sem o conceito do
território como espaço delimitado de poder. Ao invés disso, ele analisa o ordenamento das práticas em um
campo de poder, semelhante ao de uma rede17. Na torre de controle do panopticon juntam-se os fios do poder,
nas suas margens os habitantes adaptam-se a uma norma previamente dada. Assim o poder resulta de
distribuições e alcances diferentes de práticas discursivas e organizacionais. O poder cria um espaço de
entrelaçamento que correlaciona hierarquicamente diferentes espaços parciais. A torre de controle domina as
celas à margem do panopticon. Com isso o poder enquanto poder sobre o espaço dispõe do potencial de solapar
todo e qualquer poder sobre o espaço que se queira constituir autonomamente diante do poder sobre o espaço.
No entanto, os habitantes têm inversamente a possilidade - e Foucault não insiste suficientemente nisso - de
demolir as paredes ou incendiar o panopticon. Estruturas são formas consolidadas como prédios, mas elas não
foram dimensionadas ad aeternitatem. Assim também o poder sobre o espaço de Foucault não está inteiramente
subtraído ao alcance da ação. Essa é uma das razões, decerto não a menos importante, pela qual o trabalho de
Foucault permanece excessivamente vago para análises concretas do poder. Além disso Foucault analisa no
espaço de entrelaçamento as distribuições sem poder explicar a estrutura dessas distribuições. Por isso o trabalho
presente não se referirá explicitamente nem a Hobbes nem a Foucault. A teorização sobre o poder bem como a
sobre o espaço carecem de aprofundamento.

1.2 Espaço
Até agora apresentei a relação entre espaço de poder e poder sobre espaço como um dualismo. A partir
de agora um enfoque dialético deverá estar no primeiro plano, sendo que essa dialética se referirá tanto ao
vaivém entre um poder localizado e um poder translocal quanto ao vaivém entre espaço e poder. O presente
capítulo lida com o primeiro movimento em vaivém, o próximo com o segundo. Em ambos, o vaivém será
apresentado sob diferentes facetas e com diferentes concepções. A perspectiva que provará ser mais útil nesse
contexto refere-se a uma regulamentação do território e do espaço de entrelaçamento.

17
Foucault usa ocasionalmente metáforas espaciais apenas para tornar plausíveis determinados fenômenos;
pode-se falar quase de uma obsessão nesse tocante. Em conexão com isso, Foucault refere-se também ao espaço
geográfico concreto, e.g. no panopticon ou nos acampamentos (Foucault 1977).

14
Gráfico 2: O campo de futebol como tipo ideal Gráfico 3: O plano inclinado

Gráfico 4: Gráfico 5:
Campo de poder ((Topologia) e palco Poder sobre o espaço como estrutura profunda

Fonte: sistematização do autor

1.2.1 Jogos de poder


A análise do poder sobre o espaço, apresentada a seguir, tem por base determinadas imagens e
metáforas espaciais. Para esclarecer isso, citemos um exemplo do universo do esporte. Jogos de poder têm
semelhanças com jogos de futebol (gráfico 2). Dois lados se enfrentam, em duas dimensões isso resulta em um
campo (na unidimensionalidade, e.g. na esgrima, trata-se de uma passarela ou de um palco). Os agentes
orientam-se segundo as regras que estruturam o jogo. Quem é melhor, i. é, atua eficazmente em observância das
regras, faz gols e ganha a partida. Caso nos queiramos aproximar da realidade, precisaremos abandonar a idéia
de um campo plano que dá chances iguais aos dois equipes - à do poder e à do contrapoder. O campo é
ondulado, uma determinada topologia distribui as chances de modo desigual (gráfico 3). Quem tiver sido
autorizado a jogar de cima para baixo terá as melhores chances de ganhar mesmo com regras ”leais”. Mas essa
imagem também ainda elimina do foco muitos aspectos dos jogos de poder na esfera político-econômica, pois
não se joga apenas futebol em um campo, mas também outras modalidades de esporte em outros campos
(gráfico 4). Caso se jogue futebol em um campo e basquete em outro, a posição dos jogadores se definirá pelo
grau maior de estima social da respectiva modalidade esportiva, que por sua vez se expressará em maior número
de espectadores e patrocinadores e mais dinheiro. Caso o futebol perca influência diante do basquete, será de
pouca serventia ter o melhor time de futebol, se os jogos transcorrerem apenas em estádios vazios e os jogos de
basquete forem transmitidos ao vivo. Pode acontecer até que o tipo de jogar basquete - no ginásio, em jogo
rápido com muitos intervalos para encartes publicitários - influa no tipo de jogar futebol. Caso as transmissões
televisivas assim o exijam, as regras do futebol também deverão ser adaptadas, remodelando-se a topologia do
campo (gráfico 5). Essas quatro imagens mostram alguns dos processos que descreverei no curso do trabalho

15
como dialética de espaço de poder e poder sobre o espaço. O campo de futebol é um espaço de poder,
claramente delimitado, com atores e regras claramente definidos. Mas esse espaço de poder está em relação com
outros espaços de poder, sendo que isso é uma relação estrutural que denomino poder sobre o espaço. Ele tem a
competência para valorizar e desvalorizar espaços de poder e configurar especificamente os campos em espaços
de poder. O poder sobre o espaço designa todas aquelas forças estruturais que atuam abaixo dos campos e dos
palcos do poder, reconfigurando e elevando-os ou provocando o seu colapso. O poder sobre o espaço pode ser
compreendido com ajuda da imagem das camadas histórico-geográficas, que se situam nas profundezas e
produzem a forma de manifestação contemporânea (cf. Massey 1984: 117 s.).

1.2.2 Receptáculo e rede


Hobbes fundamenta o espaço de poder como espaço absoluto, Foucault descreve o poder sobre o
espaço como um espaço de relações. O espaço de poder é compreendido aqui receptáculo, o poder sobre o
espaço como rede. A teoria da mecânica do poder baseia-se, assim como a física newtoniana, em uma
compreensão do espaço enquanto espaço absoluto, i. é, enquanto coisa independente ao lado dos objetos
corpóreos (Dunford, Perrons 1983: 9). Essa representação faz ver o espaço como um receptáculo, preenchido
por pessoas e coisas (Läpple 1991: 191). O espaço de poder aparece prima facie como um receptáculo desse
tipo. Por isso as lutas pelo poder buscam o controle sobre o receptáculo e os indivíduos e recursos nele
contidos. Durante a campanha eleitoral os candidatos no palco do poder lutam encarniçadamente pelo ”poder no
Estado”. O vencedor galga os picos do poder para governar a partir de então sobre o seu território, seu
receptáculo de poder. Nessa concepção, fenômenos espaciais têm importância secundária diante das coisas e dos
processos sociais em si. É ”lógico” e ”evidente per se” que o poder é exercido dentro de um receptáculo e que
ele não produz mais efeitos fora do mesmo. Augusto Pinochet se viu obrigado a reconhecer isso de forma
dolorosa em Londres. Por isso, o presente tipo de análise examina determinados mecanismos sociais que atuam
em determinados espaços de poder - cidades, regiões ou nações - como territórios no sentido de receptáculos18.
Com isso são examinados espaços de poder em um vácuo sem nenhuma referência a outros espaços parciais.
Ocorre que espaços de poder devem ser constituídos por via da demarcação de uma fronteira e da imposição de
uma ordem no interior das fronteiras. Isso não é nada fácil19. A redução do espaço à sua função de receptáculo
leva também a não poder perceber o tempo como tempo histórico. Quando, em contrapartida, os espaços são
vistos como receptáculos produzidos, a dimensão histórica dos espaços passa para o primeiro plano. Há 200
anos não havia nações, hoje não há mais espaços que não pertençam a nenhum estado-nação. A ação orientada
para a transformação e uma ciência crítica devem dar amplo espaço a esse processo histórico da produção de
espaços de poder. Reflexões sérias não se podem satisfazer com a constatação superficial de que o poder
atualmente é exercido em determinados palcos ou no interior de um determinado receptáculo20. Campos
aparentemente estáveis podem se deslocar com excessiva rapidez e fazer com que ações percam o seu caráter
rotineiro. É certo que devemos perceber o que ocorre no palco, mas não devemos perder de vista os elementos
estruturantes mais profundos. Tais como se apresentam, os campos resultam das estratificações mais profundas,
estruturalmente condicionadas. Estas criam condições desiguais para os que usam esses campos. ”Realism would
have been greatly facilitated in the past if some conception of structural power had metaphorically skewed and
made uneven and fissured that level table on which conceptual billiard balls from Hobbes to Dahl have moved
so easily” (Clegg 1989: 209). O modelo de Hobbes forma a pedra fundamental de uma teoria da regulação ou do
monitoramento de processos econômicos por parte de um centro de poder político. Foucault remete a nossa
18
Em comunidades locais fechadas sobre si mesmas predomina o controle social in loco, mas em um mundo
crescentemente interligado o receptáculo se torna mais permeável, as delimitações se tornam menos nítidas: a
resposta à pergunta ‘quem pertence a uma comunidade local?’ depende da análise da situação e do problema e
não deriva mais exclusivamente da localização no ou fora do receptáculo (Clegg 1989: 64). Aqui as influências
indiretas e não-intencionais ganham em importância; pessoas residentes fora da comunidade podem ser atores
centrais. Por isso uma análise local deve considerar também os atores externos, pois eles atuam para dentro da
região sem nela estarem fisicamente presentes.
19
”Against the assumption that a given social space is a community displaying ordered totality, one would want
to propose instead that ordered totality is an achievement and resource of power rather than its tacit frame”
(Clegg 1989: 64).
20
”Reality may possess, as it were, both an apparent surface and a deep structure which cannot immediately be
apprehended” (Clegg 1989: 120).

16
atenção, para além desses acessos referidos à mecânica e aos atores, para o poder da economia. Para ele o poder
não é nenhum fenômeno monitorável da regulação de ações. Muito pelo contrário, o poder revela e libera forças
que estimulam ações.

1.2.3 Palco e campos


Há muitos campos nos quais se podem exercer o poder: a família, a fábrica, o parlamento são palcos-
padrão, mas além disso qualquer lugar se pode transformar em palco, caso os atores consigam enfeixar nele
forças estruturais. Quando seringueiros se atam a árvores e impedem os lenhadores de desmatar a floresta
tropical, esta se transforma em palco do poder. Quando um líder sindical proclama diante dos portões da fábrica
a decisão de entrar em greve, ele se encontra no sentido mais verdadeiro do termo em um palco, mas a fábrica e
o lugar na frente da fábrica se transformam também no sentido figurado em espaço de elaboração de conflitos.
Em ditaduras os palcos tendem a desaparecer da esfera pública, as lutas pelo poder subtraem-se à percepção
coletiva, embora continuem significativas.
Diante disso, o conceito de ”campo social”, tal como ele é amplamente utilizado na sociologia francesa,
designa um espaço social estruturado como ”campo de forças”. Campos sociais, campos de futebol assim como
campos de poder, definem o modo de ação dos atores e estruturam práticas e discursos. Permitem compreender
o que é permitido e o que é proibido, o que é eficaz e o que nem chama a atenção. Na zona de penalidade todo e
qualquer passo é observado, no banco de reserva os jogadores podem enfiar o dedo no nariz. Um campo se
define, portanto, pelo fato das regras específicas da disciplina em questão colocarem determinados elementos no
centro e outros à margem. Fazem parte disso no esporte as regras oficiais do jogo; na política, as leis cumprem
esse papel. Mas ao lado disso já há também regras que são observadas por serem de costume. O fato de uma
bola ser chutada para o escanteio quando um jogador está ferido é regra de bom estilo. Que um ministério da
agricultura seja assumido por um representante dos produtores rurais, um ministério da família por uma mulher e
um ministério da previdência social por um sindicalista é habitual, mas não configura lei escrita. Campos
consistem de canais consolidados dos quais os agentes se servem regularmente. Mas enquanto rede de
instituições, eles representam mais do que a mera soma das ações consolidadas, pois trata-se essencialmente da
relação entre os elementos do campo, dos entrelaçamentos hierarquizados, i. é, do ordenamento no centro ou na
margem. Os centros desse espaço de entrelaçamento - pontos nodais, como são chamados freqüentemente -
conferem estabilidade ao campo. O estado-nação representa um ponto nodal dessa espécie, mas em outros
contextos uma reserva extrativista ou a bolsa de matérias-primas podem desempenhar um papel decisivo. Em
uma análise que concebe o espaço, o tempo e o fator social como uma unidade, os campos sociais são
simultaneamente campos histórico-geográficos, pois a superfície atualmente perceptível dos campos sociais se
estrutura sobre camadas superpostas, surgidas em meio a processos de longa duração (cf. gráfico 5). ”Assim por
trás de um ‘Estado’ que se tornou símbolo do absolutismo e que oferece ao próprio monarca (‘o Estado sou eu’),
mais diretamente interessado nessa representação, em grau supremo a aparência de um aparelho, esconde-se na
realidade um campo de lutas; e o titular do ‘poder absoluto’ deve engajar-se nesse campo de lutas ao menos a tal
ponto que as divisões e cisões, i. é, o próprio campo, sejam mantidas e a energia oriunda do equilíbrio de tensões
seja mobilizada. Esse princípio de movimentos incessantes que perpassa o campo não está sediado em qualquer
primum movens não-movido - no nosso caso, o Rei Sol -, mas encontra-se na própria luta que, produzida pelas
estruturas constitutivas do campo, reproduz as estruturas deste, as hierarquias. Encontra-se nas ações e reações
dos atores que, sob pena de se excluirem do jogo e cairem no nada, não têm outra opção senão lutar para manter
ou melhorar a sua posição no campo, i. é, para conservar ou acumular o seu capital específico, que surge apenas
no campo” (Bourdieu 1997: 31). Bourdieu mobiliza quase que com evidência per se conceitos espaciais para
referir-se à circunstância de uma situação social na qual a regulação, i. é, uma espécie de ”orquestração sem
regente” está na pauta. O campo é uma concepção que relativiza o ordenamento fixo em um palco. Campos
constituem o mundo circundante do palco e estruturam o chão deste, sobre o qual se age21.
21
Ao lado do espaço enquanto espaço de entrelaçamento, enquanto o que se distribui, o pensamento de Foucault
ainda se direciona para outros espaços. Enquanto lugares sem lugar, as utopias são essencialmente ”espaços
irreais” (Foucault 1994: 14). Em contraposição, heterotopias são lugares reais que são diferentes do que os
lugares da estrutura existente (cf. Foucault 1994: 15). Foucault dirige-se contra o poder disciplinador moderno,
ubíquo, contra a vontade do ser humano para atingir a verdade e o poder que torna o mundo dominável.
Enquanto espaços que se procuram subtrair ao alcance das estruturas, as heterotopias devem ser compreendidas
tanto como programa político quanto como representação de um objetivo e ainda como espaços observáveis

17
1.2.4 Place and Space
Nos países de língua inglesa a dialética espacial freqüentemente é discutida como jogo de place (lugar) e space
(espaço). Isso é mostrado de forma particularmente pertinente por David Harvey (Harvey 1996: 291-326).
Embora espaços sempre sejam produzidos, compreende-se por espaços freqüentemente o que é fixo e estável.
Com definições de graus de longitude e latitude, de propriedades climáticas e ecológicas registra-se traços
característicos presumidamente eternos e naturais de localidades. Na dimensão sócio-cultural forma-se em torno
de um lugar uma comunidade com as suas raízes históricas, seus costumes e suas tradições às quais no discurso
público se pode, em caso de necessidade, atribuir igualmente um tal caráter duradouro e imutável. Lugares
instauram identidades, pois separam o próprio do outro. As coisas se passam de maneira inteiramente distinta
com space, pois este é visto como poder sobre o espaço, como a força da alteração e transformação. Space é o
poder da uniformização que destrói o lugar enquanto local especial, que dissolve no ar tudo o que é sólido. No
mundo inteiro, as lojas típicas para cada bairro se vêem obrigadas a ceder aos shopping centers uniformizadores.
Hotéis tradicionais são substituídos em todas as metrópoles mundiais por cadeias hoteleiras. Especuladores,
industriais dispostos a emigrar, autores de inovações tecnológicas, todos eles solapam as estruturas orgânicas
locais. Mas a maior força propulsora da transformação é a busca de aplicações lucrativas do capital empregado.
Cidades de garimpeiros de ouro transformam-se em cidades-fantasma, ricas regiões industriais em velhas zonas
industriais e vilarejos indígenas abandonados em centros preferidos para passeios turísticos. Harvey mostra que
essa dialética reflete a contradição fundamental do capital: ele precisa localizar-se e busca constantemente
encontrar novas formas e localidades mais atraente para a sua aplicação. O processo de acumulação somente
pode ser posto em marcha com a construção de fábricas e escritórios. Mas quando esses investimentos uma vez
foram feitos em instalações e máquinas, já podem existir muitas possibilidades de melhores aplicações do
dinheiro. Especialmente adequadas são nesse sentido as aplicações financeiras que aparentemente realizam o
desejo do capital de não estar mais vinculado a nenhum lugar. Aparentemente, pois a realização desses lucros
defronta os proprietários de capital com a circunstância de não poderem fugir duradouramente da necessidade de
localização.

1.2.5 Espaços político e econômico


Para indagações político-econômicas a dialética do espaço se apresenta sob forma distinta, pois o
capitalismo se caracteriza pelo fato do poder econômico estar separado do poder político; um presidente da
república exerce o poder político, o empresário o poder econômico. Essa estrutura social surgiu em um processo
de destruição criadora a partir de ordenamentos pré-capitalistas. A ”acumulação originária” privou partes da
população dos seus meios de subsistência (cf. Marx 1983: cap. 24). Elas foram levadas pela coação muda das
relações econômico-sociais ou pela coação por parte do poder de Estado a vender a sua força de trabalho aos
proprietários dos meios de produção. A exploração, compreendida como dominação econômica strictiore sensu,
se dá pelo processo produtivo e pela retirada da mais-valia. Constituiu-se assim uma sociedade cindida em
classes. Essa estrutura de poder especificamente capitalista baseia-se na separação do poder econômico do
capital do poder político do Estado. A categoria central da Economia Política é o capital, a sua reprodução
forma a base do desenvolvimento social; ele é ”o poder que tudo domina na sociedade burguesa” (Marx 1974:
27). O capital rege, conforme poderia sugerir uma análise radicalizada do poder em perspectiva hobbesiana.
Com efeito, a luta de libertação de movimentos sociais freqüentemente se dirige contra o capital, como se ela se
dirigisse contra coisas ou pessoas. Máquinas foram destruídas, capitalistas foram seqüestrados ou assassinados.
Mas esta é uma análise limitada, que seduz a um comportamento político mecânico. O mal é localizado nos
partidos que estão próximos do capital, portanto na direita. A substituição do capital por forças progressistas é
compreendida equivocadamente como um processo simplista da troca dos donos do poder. Se a esquerda
conquistasse o poder, o poder do capital seria quebrado ou ao menos enfraquecido. Tal mecânica social seria
simultaneamente uma dinâmica espacial. Um espaço de poder afigura-se então como espaço político, ao passo
que o poder sobre o espaço pode ser compreendido como espaço econômico. A conquista do poder
[empowerment] no espaço do poder político afigura-se como um processo geográfico de galgar o topo da
sociedade - digamos, a presidência da república. Por sua vez, o espaço econômico é controlado por aqueles que
controlam os fluxos de mercadorias, dinheiro, investimentos, i. é, pelas grandes empresas e bancos
multinacionais. A política e a economia, o espaço político e o espaço econômico aparecem lado a lado,

concretos. Eles representam o Outro, um ”exterior” ao status quo.

18
aparentemente sem nexo. Por conseguinte, tal enfoque ignora que os economicamente poderosos exercem uma
influência maciça sobre o processo das decisões políticas, para ganhar dinheiro e influir nas regras. No caso dos
grandes grupos da mídia tal influência é exercida abertamente, de resto o lobbyismo empresarial costuma operar
sempre de forma mais indireta. Inversamente, a estrutura do espaço econômico resulta de uma pletora de
regulamentações políticas. O comércio mundial, tal como praticado atualmente, é o resultado de muitas decisões
nacionais no sentido de liberalizar e desregulamentar os mercados. A liberdade nos mercados das mercadorias
industrias se defronta com o forte controle nos produtos agropecuários e a forte regulamentação de um mercado
global de trabalho. Por conseguinte, também os espaços político e econômico formam uma relação dialética.

1.2.6 Território e espaço de entrelaçamento


Altvater (1987) conceitualiza processos de desenvolvimento a partir de espaços de funções. Em território
idêntico22 entrelaçam-se assim a ecologia da região, a política do estado-nação e a economia do mercado
mundial em um determinado ”padrão de articulação” (Altvater 1987: 94). Cada espaço de funções teria o seu
espaço e tempo próprios. A ecologia seria regional e o período ecológico da regeneração de recursos naturais
seria longo. Por outro lado o processo de circulação do capital seria breve e o espaço do capital global. Por sua
vez, o plano político colocado no meio faria a mediação entre os prazos curto e longo e entre região e mercado
mundial. Resultaria assim um padrão que atribuiria funções às regiões: a ecologia à região, a política à nação e a
economia ao mundo. Mas como vale em princípio para o funcionalismo, tal concepção envolve uma
compreensão a-histórica de padrões político-econômicos aparentemente estáveis. A concepção dos espaços
funcionais remete ao nexo de espaço e processo social. Isso por um lado é correto, por outro ainda não
suficientemente claro, pois esse nexo só pode ser compreendido como uma correlação dialética de funções a
espaços. A forma e a espacialidade de processos eco-sociais, políticos e econômicos estão submetidas a uma
transformação que se acelera em tempos de crises. O próprio Altvater ultrapassa uma concepção estreita do
espaço funcional ao registrar ”que em um espaço territorial idêntico espaços funcionais distintos coexistem (não
pacificamente, mas de modo contraditório-conflitivo)” (Altvater 1987: 88). Disso resulta um significado duplo
para o fator local: ele é tanto um resumo de lugares relativamente homogêneos quanto também o lugar no qual as
contradições se concretizam (Altvater 1987: 80). O programa de pesquisas dessa análise dialética do espaço, que
ultrapassa uma redução funcionalista, é formulado pelo próprio Altvater, bem na linha do enfoque latino-
americano histórico-estrutural, nos seguintes termos: ”Deve-se esclarecer, ainda, por quais mecanismos de
atuação as tendências do mercado mundial se transpõem para realidades nacionais e regionais; em outras
palavras, como fatores exógenos são endogeneizados” (Altvater 1987: 87), i. é, como o mercado mundial, a
política e a ecologia social ou o mundo, a nação e a região se articulam. Ao invés de falar de um espaço
funcional econômico, é, portanto, mais adequado aduzir a concepção do espaço de entrelaçamento. As novas
tecnologias da informação e dos transportes possibilitam a formação de redes mais extensas no espaço
econômico, os custos reduzidos da superação do espaço conduzem a uma ”compressão de espaço e tempo”, a
uma ”destruição do espaço” pelo tempo (Harvey 1996: 242 ss.). Por sua vez, o espaço político, concebido por
Altvater como espaço funcional, deve ser melhor apreendido com a concepção do território. Nesse último são
institucionalizadas regras por parte do poder estatal que vinculam as pessoas que vivem num espaço geográfico
claramente definido. O poder territorial é mais centralizado do que o poder no espaço de entrelaçamento. Ao
passo que esse último é permeável, o território carece da fronteira. Concretamente há diferentes fronteiras
políticas, sendo que a nacional é a mais importante, embora não a única. Nos planos espaciais inferiores há nos
países com estrutura federativa estados e municípios com uma área de competências próprias23. Nos nossos dias
22
A ampla discussão sobre o território não pôde ser levada em consideração nesse trabalho (cf. Sack 1986).
Conheci demasiado tarde para poder incorporar sistematicamente as explanações muito interessantes de Tayloer
(1984 e 1985) sobre o território enquanto receptáculo de poder, riqueza, cultura e sociedade. A fraqueza do seu
enfoque reside no fato de não tematizar os atores no receptáculo. A crítica ao presente trabalho, resultante do seu
enfoque, é que a relação com outros territórios, i. é, a interterritorialidade, não é suficientemente analisada.
23
Tendencialmente as competências localizam-se nos planos estadual e municipal nas áreas da ecologia
(sobretudo da regulamentação da estrutura fundiária) e da política social (sobretudo da disponibilização dos
serviços sociais). Saunders (1987) viu - em redução igualmente funcionalista -na disponibilização do ”consumo
coletivo” (saúde, habitação, educação e cultura, tráfego) o campo de análises da Sociologia Urbana. No plano
federal estão tradicionalmente ancoradas a regulamentação das relações exteriores e as competências
econômicas.

19
foram questionadas ainda há pouco tempo correlações evidentes per se de funções e espaços. O que é, portanto,
a totalidade da regulamentação política do território nacional? Geograficamente as fronteiras entre o território do
estado-nação são congruentes com as da totalidade da regulação política. Mas em termos de conteúdos há um
excedente, ocorrem sobreposições e recobrimentos do território que transformam-no em espaço relacional. A
prefeita negocia com o governador, os vereadores se valem do seu cargo como plataforma para o salto na
política nacional. O território é também um campo estruturado pelas relações, um espaço relacional. Mas
diferentemente do espaço de entrelaçamento econômico, os conflitos se agudizam no sistema estatal em decisões
centralizadas: na tomada ou não-tomada de decisões por parte de instâncias estatais competentes, localizadas.
Se, no entanto, o espaço da sociedade civil e o estabelecimento de regras por meio de normas for incluído na
análise da regulação, mesmo esse traço distintivo do espaço político perde a sua relevância, ganhando o
elemento relacional um significado ainda maior. As pessoas fazem a sua geografia, embora nunca em
circunstâncias escolhidas por elas mesmas. O espaço político nunca é definitivo, mas sempre apenas fixado
passageiramente como território (Jessop 1990: 268). O que vale para o espaço econômico, vale também para o
político: existe constantemente a possibilidade da sua transformação profunda, da sua valorização e
desvalorização24. Existe uma dialética de espaço econômico e político e de produção de território e de produção
do espaço de entrelaçamento. Conforme evidenciará a análise empírica, essa dialética determina
substancialmente o desenvolvimento do Brasil.

1.3 Poder
No capítulo anterior o espaço foi o ponto de partida de uma análise dialética do espaço e do poder.
Agora desloco o foco até o pólo do poder e com isso na direção de uma série de novas concepções dualistas que
devem ser encaminhadas em um vaivém dialético. Concretamente estão em pauta os diferentes aspectos dos
dualismos de política e economia, a saber, dos de ação e estrutura, Estado e capital e regulação e acumulação.

1.3.1 Ação e estrutura


A pergunta pelo poder sempre é também uma pergunta pelas possibilidades de ação. Poder significa em
português tanto ‘domínio, influência, força’, quanto ‘ter condições’. Quem tem poder pode agir. Só uma análise
empírica pode mostrar quão grandes são as margens de ação diante de estruturas crescidas no decurso de
séculos25. Eleições podem influenciar estruturas de poder? Existe um movimento inercial da estrutura, um
24
A partir dos anos 60 a extensão do espaço de entrelaçamento econômico conduziu a formas de regulação
política crescentemente instáveis, pois os governos nacionais iniciavam passos de liberalização e desistiam de
regular os entrelaçamentos monetários e de investimentos. A partir de um determinado momento velhas
regulações políticas bloqueiam o espaço econômico e exigem decisões sobre o encaminhamento de
desenvolvimentos futuros: a liberalização das regulações nacionais permite a liberação do potencial
transformador; mas uma manutenção da regulação antiga enfraquece as forças que insistem na
internacionalização e bloqueia a ampliação do espaço de entrelaçamento econômico.
25
O presente trabalho continua a minha tese de doutorado sobre o tema ”Resistência local e mudanças estruturais
no Brasil” (Novy 1994). Já então ocupei-me com problemas similares com base na região de São Paulo, objeto
de um estudo de caso. Muitas das descobertas então feitas figuram também nesse trabalho. Mas ao mesmo tempo
a continuidade na pesquisa de um país - que, diga-se de passagem, é 104 vezes maior do que a Áustria - e na
pesquisa de uma região - São Paulo - apresenta vantagens decisivas para o trabalho científico. Referidas ao
material empírico e à qualidade da pesquisa de campo, as vantagens saltam aos olhos e não necessitam de
menção espacial - embora a parte preponderante dos dados aqui utilizados ainda não tenha sido usada na minha
dissertação de doutorado. Mas o estudo do mesmo contexto espacial durante muitos anos facilitou também no
campo da teoria a clarificação de vários problemas e o aprofundamento de algumas descobertas. Esse trabalho
baseia-se nos resultados da tese de doutorado, embora vá muito além deles. A clara distinção entre uma visão
mecânica e uma visão topológica na análise do poder, entre um conceito unidimensional do espaço e um
conceito de espaço orientado para a produção, o processamento e a reinterpretação das análises existentes do
desenvolvimento político-econômico brasileiro, a fundamentação da história político-econômica regional em
uma recepção crítica da teoria da regulação e a análise orçamentária representam progressos essenciais na
conceitualização.

20
destino ao qual ninguém escapa e que inibe toda e qualquer tentativa de configuração da sociedade? Nas
ciências sociais o interesse pelas questões do espaço despertou nos anos 70 no curso das discussões sobre as
teorias da estrutura e da ação. Aqui o debate esteve centrado na pergunta se a sociedade poderia ser explicada
pela ação de indivíduos ou se esses indivíduos apenas seriam portadores de estruturas. Poderia Lula, poderiam
os movimentos de base fazer história? Teorias da ação ocupam-se, portanto, com as práticas in loco, ao passo
que as estruturas seriam regularidades transespaciais. Tenho duas coisas em mente. Em primeiro lugar, quero
sondar a extensão das margens de ação sem eliminar do foco o poder das estruturas. Se Marx registra que os
homens fazem a sua história, ele não se esquece de chamar a atenção ao fato de que isso somente é possível em
meio a estruturas previamente dadas. Toda e qualquer ação atua sobre estruturas sociais, mas não
necessariamente do modo intencionado pelos dominantes. Quem lamenta mazelas em democracias pode estar
defendendo ditaduras. A defesa da liberdade de imprensa pode conduzir a monopólios da informação e a
exigência de aumentos salariais pode resultar no fechamento da empresa. A ação social tem conseqüências não-
intencionadas, as estruturas influem na ação. Por outro lado as estruturas não são coisas ”lá em cima” que
definem a nossa ação ”aqui em baixo”, como se os agentes fossem meros marionetes em um drama que se
afigura divino para uns e diabólico para outros. Ocorre que os discursos como o sobre a globalização muitas
vezes transmitem justamente essa impressão da liberação das tecnologias e das forças produtivas enquanto
estruturas coisificadas e todo-poderosas, fomentando com isso um sentimento de impotência (Novy, Mattl
1999). Diante do enorme poder da ”globalização” não existiria mais nenhum espaço para a ação alternativa, de
modo que um pragmatismo cínico se afiguraria como única saída. A elaboração de um conceito de estrutura não
é, pois, apenas um desafio científico, mas pressuposto de uma práxis política eficaz. Aqui deve ficar claro que as
estruturas não atuam apenas de forma proibitiva, mas também orientam a ação. Por essa razão as reflexões de
Foucault sobre o poder e o espaço continuarão significativas para o conceito político-econômico de estrutura,
embora o capital desempenhe nesse conceito, diferentemente de Foucault, um papel chave.
O poder é a capacidade humana de configurar alguma coisa, de agir, de fazer história e geografia.
Anthony Giddens fez na sua ”dualidade de estruturas” uma tentativa de pensar a estrutura e a ação em uma
unidade. Trata-se de um vaivém de ação e instituições, sendo que as últimas representam padrões consolidados,
rotinizados de ação. Com isso determinadas práticas são generalizadas para além de segmentos de espaço e de
tempo (Giddens 1988: 76). Como muitas pessoas falaram português no Brasil durante muito tempo, a língua
portuguesa se institucionalizou. Como muitas pessoas casam, existe a instituição do matrimônio. A instituição
nesse sentido muitas vezes é equiparada erroneamente à estrutura. Mas com isso o programa da transformação
da estrutura se torna um processo simplista de recusa da reprodução da estrutura existente: falo novamente a
língua indígena guarani ou não me caso. As duas ações produzem efeitos no debate social, mas não é nada claro
se com isso as instituições da ”língua portuguesa” e do ”matrimônio” sofrem um abalo. Vale ao menos refletir
sobre se por trás do instrumento de dominação ”língua portuguesa” não se esconde uma visão ocidental do
mundo que pode ser separada da língua. Talvez a visão ocidental do mundo também seja transmitida pelas
línguas indígenas faladas nas reservas, e talvez por trás do matrimônio exista uma estrutura profunda das
relações entre os gêneros que ainda subsiste muito tempo depois dos registros civis terem desaparecido. O que
Giddens elimina assim do foco, são essas estruturas profundas que estruturam a sociedade na sua totalidade
(Hamedinger 1998: 208 ss.)26. Quando uma análise do poder sobre o espaço examina unicamente as formas
institucionais, perde-se a noção da totalidade. Ao passo que instituições são cotidianamente renovadas com
vistas à sua existência continuada, por meio da ação rotineira, e questionadas por meio da resistência, as
estruturas subtraem-se a essa apreensão simples graças à práxis humana.

1.3.2 Estado e capital


Estado
Quando os europeus descobriram por volta de 1500 o mundo para si, começaram também a criar um
sistema que abrangeu todo o mundo e é denominado capitalismo. As estruturas que hoje encontramos no Brasil
refletem o modo pelo qual esse capitalismo se concretizou no Brasil. Mas desde o princípio as estruturas
capitalistas surgiram juntamente com a criação de uma ordem estatal. O Estado e o capital formam dois
momentos dialéticos de um processo; sem o Estado não existe o capital e sem o capital não há Estado (na forma
na qual o conhecemos hoje). A seguir, as duas formas fundamentais do capitalismo são examinadas mais
detalhadamente. O Estado é comumente percebido como o detentor por excelência do poder. Exerceria, bem no
26
Essas relações, que Giddens denomina princípios estruturais (1988: 240), são ”princípios da organização de
totalidades sociais”.

21
sentido da mecânica de Hobbes, a dominação sobre o seu território. Mas diferentemente dos reinos do passado,
os Estados de hoje são formas complexas. No lugar do indivíduo isolado dominador - do rei - temos hoje uma
divisão de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário. O governo simboliza aqui o centro do poder, é o
palco do poder por excelência. Quem rege nesse país, eis a questão política fundamental. Mas a luta pelo
Executivo, pelo assim chamado poder no Estado, é apenas parte de lutas histórico-geográficas pelo poder.
Sabemos à saciedade que a administração pública, encarregada da implementação nada neutra do poder, detém
um poder cada vez maior. Os governos passam, os funcionários ficam, razão pela qual a administração pública
responde em última instância pela permanência do Estado. Mas no âmbito da administração valem regras
próprias e são perseguidos interesses próprios. Tudo isso só pode ser transformado lenta e indiretamente a partir
de fora. Por sua vez, a legislação é tarefa de uma outra organização, do parlamento enquanto assembléia dos
representantes do povo. Se o parlamento representa a sociedade com os seus múltiplos e contraditórios
interesses, existe o risco de que também no parlamento seja defendida uma multiplicidade de interesses
particularistas. Determinados deputados representam então os interesses de uma região o religião, de um setor da
economia ou de um grupo populacional: a desordem está pré-programada, escancara-se o caminho para a
compra dos votos. Sem o enfeixamento desses interesses no âmbito de partidos é difícil elaborar a partir desses
múltiplos interesses estratégias para o Estado e a sociedade que sejam capazes de angariar o apoio da maioria
dos eleitores (Jessop 1990: 364)
Mas onde deve ser traçado o limite do Estado? O que faz parte dele, o que não entra? Imaginemos que
o Departamento Municipal de Limpeza Urbana transforma-se na empresa ”Lixo Ltda.”, de propriedade do
município, privatizada alguns anos depois e contratada pelo Estado. Será que o hospital administrado pelo
governo é estatal, diferentemente do posto de saúde subsidiado integralmente e mantido por uma associação?
Será que uma Câmara de Indústria e Comércio é parte do Estado pelo fato da filiação obrigatória ter sido fixada
em lei, diferentemente de uma associação de industriais organizada segundo os princípios do Direito Privado?
Segundo que critérios devemos traçar limites aqui? Mais uma vez faz-se necessário um exame mais aprofundado
da estrutura do Estado. Aqui parece ser útil recorrer, na esteira do comunista italiano Antonio Gramsci (1971:
12), a uma tradição antiga da teoria política que distingue duas formas de dominação, o consenso e a coação.
Compete ao Estado impor uma determinada ordem mediante coação. Especial importância têm aqui o
monopólio da violência e da instituição de regras, sendo que os meios mais importantes aqui são as armas, o
direito e o dinheiro. Um estado soberano luta para que exista somente um exército e uma polícia, um órgão
legislador e uma instância emitente de moeda. Onde isso é questionado, o soberano se vê desafiado. À guisa de
reação, ele combate a guerrilha e o crime organizado, sob pena da população perder a confiança no Estado. O
soberano proibe a dolarização ou aceita o mercado paralelo. Mas ao lado do negócio central do Estado, baseado
na coação, a geração do consenso desempenha no médio prazo um papel igualmente significativo. Aqui o
sistema educacional desempenha um papel chave, mas a assistência social e mais tarde o Estado de Bem-Estar
Social também foram importantes na estabilização da ordem existente. Acresce que os detentores do poder
estatal freqüentemente são assistidos por atores não-estatais como as igrejas e os meios de comunicação para
sacramentar o status quo e produzir a hegemonia social. Assim a hegemonia enquanto dominação não é apenas a
posse do poder, mas descreve a conquista dos corações, a ”soberania sobre as mesas reservadas para a clientela
fixa”*) e a concordância ativa daqueles, dessarte adquirida, dos quais se deveria supor que não tiram proveito da
ordem existente. Esse âmbito é denominado sociedade civil, sendo que a falta de coação direta torna possível
que atores isolados da sociedade civil se voltem também contra a ordem existente. A igreja pode ser local da
resistência, os sindicatos podem tornar-se centros da oposição e às vezes os movimentos de base formam o
núcleo de um movimento social que transforma toda a sociedade (cf. Novy 1996). Juntamente, o Estado e a
sociedade civil formam o que Gramsci denomina o estado ampliado. Este abrange um campo de poder em torno
do qual lutam todos os grupos sociais relevantes. Todos querem beliscar o orçamento e influir nas regras do jogo
político. Isso vale também para os econômica e socialmente poderosos, pois se eles querem determinar o curso
da política, são obrigados a garantir posições para si no campo de poder do Estado. O Estado deve sancionar
projetos e estratégias sociais ou ao menos tolerá-los. Forças neoliberais não podem simplesmente praticar a
liberdade do Estado, pois os sindicatos, os tribunais e outras instâncias não aceitariam isso. Elas podem ensaiar a
desconsideração pura e simples das leis trabalhistas, mas isso poderia custar caro. Quando neoliberais não
querem arriscar isso, eles precisam trilhar o caminho pelas instituições políticas e impor uma nova legislação
*)
A expressão refere-se a uma instituição emblemática da classe média alemã, ao Stammtisch. O termo é
intraduzível na gama das suas associações e designa a mesa de um bar ou restaurante, reservada para uma
clientela cativa e freqüentada periodicamente por pessoas de horizonte estreito e mentalidade chauvinista, que
bebem cerveja e discutem assuntos políticos. (Nota do Tradutor).

22
trabalhista. O sucesso ou malogro dessa estratégia depende da configuração organizacional do aparelho de
estado, mas também da base social que determinados projetos de estado promovem (Jessop 1990: 161). No
início dos anos 80 Thatcher e Reagan mudaram exitosamente as regras do jogo político, no que eles de modo
nenhum diminuíram o Estado, mas tão-somente criaram uma outra estrutura estatal. Os arautos do
neoliberalismo assumiram o comando da sociedade, pois sabiam o que queriam, i. é, tinham um projeto para o
Estado e a sociedade. Por isso o papel dos intelectuais é de central importância, pois eles elaboram projetos
sociais que orientam a ação de grupos e classes. Embora seja possível esboçar novos projetos de Estado e
sociedade fora do Estado, tais esforços devem ecoar na estrurura do Estado para ganharem eficácia (Jessop
1990: 210). Projetos de Estado definem as fronteiras funcionais do Estado e conferem sentido, orientação e
ordem à ação estatal. O Estado de Bem-Estar Social, que pretende estabilizar a acumulação por meio da
homogeneização social, baseia-se num projeto de Estado fundamentalmente distinto do do Estado Concorrencial
neoliberal, cuja tarefa reside no posicionamento ótimo de um espaço em meio à economia mundial. Projetos de
Estado definem a finalidade do Estado e o lugar dos seus campos de atuação. Isso obviamente está estreitamente
entremeado com representações da sociedade na sua totalidade. Projetos hegemônicos ocupam-se com tais
propostas de organização da sociedade na sua totalidade. Aqui estão na pauta o estado ampliado, o estado e a
sociedade civil. A hegemonia enquando estado social estável designa um período de desenvolvimento estável e
estruturas de poder consolidadas. Ocorre que tal estabilização social e cultural é difícil em virtude da dinâmica
capitalista. Por isso se pode constatar quase sempre projetos hegemônicos distintos e estratégicas hegemônicas
conflitivas, que se entrechocam no disputado campo do estado ampliado. Assim o Estado não é apenas um
espaço de poder claramente definido, ocupado pelos detentores do poder, mas também um poder sobre o espaço
no sentido de um campo de relações, forças ou organizações.
Capital
A análise topológica chama a atenção ao fato de que o Estado não pode ser compreendido sem a análise
da economia e da sociedade. O poder é excessivamente multi-estratificado para que um detentor do poder
pudesse adonar-se dele. Enquanto processo político de conquista do poder estatal, a tomada do poder sempre é
apenas um momento de uma dialética que é solapada por poderes oriundos da sociedade e da economia.
Compreendido como força produtiva que pode mover montanhas, o capital representa a forma estrutural na qual
se concentra o foco do presente trabalho27. Há quem afirme que o Brasil já esteve inserido no sistema mundial
capitalista desde o início da produção de açúcar para a Europa. O sistema de dominação europeu, que consistia
na drenagem da riqueza, constituiu efetivamente um poder estrutural sobre o espaço que atribuía ao Brasil uma
posição periférica na hierarquia mundial. Mas essa é uma conceitualização excessivamente abstrata de capital,
pois atribui à lógica do capital um poder demasiado inexorável. Essa análise simplificadora examina sobretudo o
espaço de entrelaçamento econômico e nega a necessidade do capital de localizar-se. Ocorre que o capital
precisa ser investido em plantações ou fábricas, i. é, in loco. Por isso o movimento em ponto morto da estrutura,
o empenho constante do capital pela sua rentabilização ótima não dá conta de todo o processo. O fato de
empresários sempre terem acumulado riquezas na história do Brasil é um enunciado excessivamente genérico
para a compreensão de processos sociais, igualmente o fato da história do Brasil ser uma história da opressão.
De resto, tal opinião também é defendida por pessoas claramente reacionárias e lastimado - ao menos em
público. Essa análise da dominação, apresentada em perspectiva crítica, desemboca na afirmação de que ”de
qualquer modo não se pode fazer nada”. Por isso, para não degradar as pessoas em meros portadores de
estruturas, essa perspectiva não pode ficar inconteste. Há também pessoas que fazem história, à medida que se
engajam em conflitos sociais. Mais especificamente, a luta de classes acompanha constantemente o movimento
do capital. No fim do exercício os balanços exibem o lucro, mas por trás deste se escondem os conflitos para o
arrocho ou a majoração salariais, as greves e os ‘lock-outs’, as instruções vexatórias ou as experiências com o
trabalho em equipes. Por isso as teorias da ação enfatizam a dominância do fator político. Enquanto análise das
lutas de classe, elas se concentram nas lutas sociais em lugares concretos. Essas lutas nos palcos do poder
modificam a forma da valorização do capital; uma greve ganha aumenta a quota salarial. As estruturas mudam
num processo de reordenamento espacial constante das relações comerciais e creditícias, assim como também
devido a leis e intervenções militares territorialmente restritas. Por isso vejo o capitalismo como uma forma
específica da dominação e da acumulação de riquezas. No capitalismo, a dominação baseia-se na separação do
poder político e do poder econômico, produzida em um processo histórico. Mesmo ditadores não podem
interferir a bel-prazer em direitos de propriedade sem por em risco a estrutura fundamental capitalista. O bom
andamento dos negócios pode possibilitar aos empresários eludir as leis. Necessita-se, porém, do Legislativo
27
Formas estruturais resultam de princípios genéricos de socialização e são objetivações do nexo social que se
põe de modo fetichizado e coisificado diante dos indivíduos (Hirsch 1992: 212).

23
para promulgar as leis. Embora o poder político esteja intimamente entrelaçado com o poder econômico, ambos
só se unem excepcionalmente na mesma instância. Também no Brasil existem os Cidadãos Kanes que, como o
mega-empresário Barão de Mauá, procuraram conquistar em vão todo o poder, i. é, também o poder político
(Caldeira 1999). Atores econômicos precisam ”comprar” o poder político. Políticos precisam ”regular” o seu
ganho de poder econômico.
Em uma análise de economia política, o poder está coisificado no imperativo da acumulação. O capital
é uma estrutura que os indivíduos não podem simplesmente agarrar. Ele é um processo, uma coação à busca
sempre nova do lucro, não uma pessoa ou organização ”poderosa”. Dessa busca do lucro não parte nenhuma
causalidade unívoca, generalizável; porém, as estratégias concretas de poder de vários grupos são maciçamente
influenciadas em determinadas direções. O capital é um movimento social e não pode ser compreendido
simplesmente como algo material, como a acumulação de dinheiro e propriedades. Historicamente, a forma mais
habitual da acumulação da riqueza foi a apropriação política por parte dos dominantes. O processo de troca
representa uma outra forma da apropriação possível da riqueza. Ambas as formas, a apropriação política e a
apropriação por via da troca, podem ser observadas até hoje no Brasil, mas não são o cerne da acumulação
capitalista de riquezas, pois este encontra-se no processo produtivo, onde pessoas em si livres se subordinam ao
poder econômico. Lá se produz in loco por meio da produção concentrada e organizada um valor superior ao
investido no processo. Pode se falar de um espaço de poder econômico onde se chega à produção de valores.
Essa mais-valia é a base da acumulação e constitui a riqueza de um espaço. Tal conceitualização dialética do
capitalismo permite admitir a dialética espacial de território e espaço de entrelaçamento, de conflitos políticos e
dinâmicas econômicas, de ação e produção in loco e das estruturas transespaciais de crédito e comércio. As
estruturas têm permanência, e apesar disso existe constantemente a possibilidade de que essa estrutura seja
solapada pela ação ou não-ação.
Deve-se reter ainda um ponto para compreender a essência da estrutura do capital. É certo que o capital,
compreendido como direito à propriedade, exclui outros: da propriedade fundiária, dos meios de produção etc.
Mas além disso o capital estimula à ação, é produtivo. Cria realidades, transmuda coisas, pessoas, paisagens e
espaços. O capital produz uma sociedade que retroage sobre si mesma, educando as pessoas a agirem como
empreendedores, comprar e vender constantemente - mesmo se for apenas a própria força de trabalho. As
estruturas produzidas se defrontam com as pessoas como algo coisificado, inexorável, denominado ”excedente
de objetividade” (Görg 1995: 628; Esser et al. 1994: 216). Aqui se evidencia a força de um conceito do capital
em termos de economia política. De acordo com ele, o capital não é nenhuma coisa, nenhum acúmulo de
recursos, mas uma relação social determinada pela forma (Jessop 1990: 197), um movimento, a saber a
reprodução de uma sociedade (Oliveira 1989: 2). A força propulsora dessa sociedade consiste em interiorizar
estímulos. Assim os trabalhadores promovem de moto próprio a reprodução de sociedades capitalistas, à medida
que querem vender a sua força de trabalho. O brilho do universo das mercadorias seduz a uma identificação
sempre maior com um mundo vivido baseado nas mercadorias. A destruição do abastecimento por produtores
localizados na proximidades e da produção para o consumo próprio é aceita, pois simultaneamente se produz
coisas novas e modernas nos supermercados e nas áreas de monoculturas. Trata-se de um poder mais sutil do
que o poder de proibição, exercido por ditadores e pelos detentores do poder político.
Estado e capital
Enquanto formas fundamentais do capitalismo, o Estado e o capital surgiram em meio a um processo de
muitos séculos. Assim como os conhecemos atualmente, os estados distinguem-se substancialmente dos
diferentes sistemas políticos, como da pólis grega ou do império medieval (Rotermund 1997)28. Até a Idade
Moderna os territórios sempre foram delimitados de modo apenas difuso. Os poderes espiritual e temporal
sobrepunham-se e impediam toda e qualquer pretensão de vigência absoluta. As cidades medievais que
começaram a subtrair-se da ordem feudal, foram os primeiros pontos espaciais nodais no capitalismo em vias de
formação (Clegg 1989: 244). Contra as cidades enquanto espaços descentralizados de poder formou-se a corte
dos monarcas como ponto nodal de um novo poder sobre o espaço. Os monarcas começaram a controlar o seu
território e centralizar a cobrança de impostos. ”Simplificando grosseiramente, podemos designar os estados
nacionais como os novos receptáculos do poder que assumem o lugar das cidades” (Giddens 1988: 252).
28
Até séc. XVIII adentro havia na Inglaterra uma série de conceitos para designar o Estado: ”regnum”, ”res
publica”, ”monarchia”, ”commonwealth”, ”nation”, ”civil society” (Jessop 1990: 348). Posteriormente o
conceito serviu basicamente para distinguir entre o dominador e o seu aparelho. Ao passo que o primeiro é
mortal, o Estado enquanto aparelho é duradouro. Mas o Estado serviu também para a distinção entre o aparelho
e as pessoas sujeitas a ele, i. é, a sociedade. Conseqüentemente, o poder do Estado é duplamente impessoal: ele
não é o poder do dominador nem o dos dominados.

24
Juntamente com o Estado e o capital surgiu uma forma cindida de poder e espaço: aqui, o espaço político, lá, o
econômico. De um lado, o poder do Estado: de outro, o poder econômico da sociedade que possui o poder,
porque nela se cria a riqueza por meio do processo de valorização do capital, independentemente da apropriação
direta por parte do Estado. Se o Estado impõe a sua pretensão de soberania, ele pode definir as regras do espaço
de poder e sancionar as mudanças na regulação. Falando em termos genéricos, ele controla as armas, a moeda e
o direito. A estatalidade concreta, referida às áreas da economia e da política, manifesta-se em um determinado
tipo de intervenção estatal na economia, podendo-se distinguir aqui, à guisa de formas concretas, entre o Estado
de Segurança e o Estado Concorrencial, o Estado Mínimo ou o Estado Keynesiano de Bem-Estar Social, o
gerenciamento da demanda ou a política da oferta e da localização. Mas os donos do poder político exercem
uma dominação apenas restrita sobre o seu território. A forma especificamente capitalista do Estado resulta da
circunstância de que se pretende que o Estado paire acima das classes e frações de classes, estando
simultaneamente excluído do centro produtivo da economia. Por intermédio do sistema tributário o Estado
depende do bom andamento dos negócios, não podendo, pois enfrentar com ”neutralidade” os vários interesses
com os quais ele se defronta no processo democrático. Estruturalmente, o potencial de ameaças das greves de
investimentos garante ao capital uma posição dominante diante dos trabalhadores: o ”Estado patriarcal” [Vater
Staat] não representa apenas o interesse da coletividade, mas atua de forma estrategicamente seletiva. Com isso,
o Estado é por um lado uma grandeza consolidada e localizada, utilizada por pessoas e, no aparelho
administrativo e judiciário, ponto de partida do exercício do poder (Demirovic 1997: 45). Por outro lado, ele é
um campo do conflito social, um equilíbrio de forças específico, estruturalmente determinado e configurado em
cada caso concreto por lutas sociais.
Essa perspectiva dialética possibilita a superação de uma separação simplista de
economia/sociedade/Estado. Assim se pode refutar a afirmação de que o Estado seria o instrumento da classe
dominante. O campo do Estado é excessivamente complexo e obedece também a regras internamente definidas,
para que possa simplesmente seguir as necessidades de uma lógica imaginária do capital. É, contudo, correto que
a ação estatal se encontra num plano inclinado na direção dos interesses do capital. Este não possui uma essência
universal ou uma identidade claramente delimitada. O grande capital freqüentemente tem objetivos distintos dos
das pequenas empresas, os bancos fazem exigências distintas das de empresas industriais. No Estado
entrechocam-se os interesses das diferentes classes, mas também os interesses de diferentes frações dentro de
uma classe. Funcionários públicos defendem a sua estabilidade, posicionando-se com isso talvez contra os
funcionários de pequenas empresas que querem pagar contribuições menores à Previdência Social. O Estado é o
lugar da luta de classes e simultaneamente o resultado da mesma, expressão de como os diferentes grupos e
frações estão em condições de ancorar os seus interesses próprios em várias partes do aparelho de Estado29. Por
conseguinte, uma estrutura estatal concreta e uma ação estatal concreta são sempre expressão de um
compromisso social in loco e de um determinado posicionamento no sistema mundial.

1.3.3 Regime de acumulação e modo de regulação


A teoria que melhor consegue descrever a estrutura do Estado e do capital é a teoria da regulação. Essa
teoria, desenvolvida na França diante da crise do fordismo, tem condições de efetuar uma conceitualização do
meu problema central em termos de Economia Política: quando as estruturas são inflexíveis e quando elas
começam a tremer? Quando a ação transformadora da sociedade se choca com a parede e quando as fortalezas
provam ser meros castelos de cartas? A pergunta pela estabilidade de espaço e poder é uma pergunta-chave no
processo de desenvolvimento, sendo que a teoria da regulação examina concretamente fases de desenvolvimento
estável na nação enquanto receptáculo30. No receptáculo a reprodução capitalista funciona por longos períodos
como que sozinha, para desembocar depois do transcurso de um determinado tempo em uma grande crise
(Lipietz 1992: 49). Mas na sua concepção fundamental, a teoria da regulação concentra-se em fases de
estabilidade. Um regime de acumulação designa aqui uma fase de acumulação estável, um modo de regulação
uma fase de relações sociais estabilizadas. Na análise do regime de acumulação a representação de todo o
processo de valorização está em pauta. No modo de regulação as diferentes formas estruturais estão em primeiro
29
”Apesar disso o Estado capitalista tem um caráter classista - à medida que ele corporifica e organiza em um só
processo o compromisso das classes sociais, constituindo a sua forma” (Demirovic 1997: 39). A
conceitualização do Estado como ”campo estratégico” destina-se a impedir a atribuição apressada de um caráter
agente ao Estado (Demirovic 1997: 44).
30
A leitura crítica dos regulacionistas, apresentada a seguir, deve idéias centrais a Joachim Becker,
sistematizadas na sua tese de livre-docência (cf. Becker 1999).

25
plano. A concepção da regulação continua a da reprodução, tal como esta se encontra formulada na economia
política clássica e em Marx. Trata-se do ciclo D (dinheiro) - M (mercadoria) - D’ (mais dinheiro), que o capital
deve percorrer para que ao fim o resultado seja maior do que o que o capitalista investiu inicialmente na sua
empresa. O comerciante compra mercadorias para poder embolsar o lucro depois da sua venda. Mas como no
mero escambo não pode ocorrer nenhum aumento do valor, porque sujeitos livres não-coagidos somente
trocarão objetos de igual valor, o aumento do valor deve ocorrer no processo produtivo. Nesse a mercadoria da
força de trabalho, organizacionalmente vinculada aos meios de produção, produz um aumento do valor. Se o
processo pára porque ninguém compra mercadorias, as operárias fazem greve ou o empresário torra o dinheiro,
todo o sistema entre em crise. A regulação é um mecanismo que deve impedir tal acontecimento. Por meio de
padrões comportamentais rotinizados pretende se assegurar que todos os atores cumpram os seus papéis: os
consumidores compram mercadorias, os operários trabalham e os empresários investem.

Regime de acumulação
O processo de acumulação abrange o processo de trabalho no qual são produzidos, mediante a utilização do homem
e da natureza, bens de uso em um processo no qual o capital é aplicado de forma lucrativa. O processo de
acumulação é significativo para as estruturas do poder precisamente porque nele são produzidos cada vez mais bens
de uso necessários à vida. Quanto menor for a possibilidade de apoiar-se na economia de subsistência e produzir
bens de uso por meio do trabalho próprio, tanto, mais significativa será a acumulação para a vida cotidiana no
capitalismo. O processo de acumulação no ciclo D - M - D’ abrange todo o processo econômico, da produção até o
consumo, passando pela comercialização. Por isso transformações duráveis do processo produtivo conduzem
também a padrões de consumo e estilos de vida duradouramente modificados. Uma acumulação estável baseia-se no
comportamento rotinizado dos atores principais. Empresas tomam constantemente decisões sobre investimentos, que
apesar disso obedecem a um determinado padrão. Quando a ação empresarial se desenvolve de forma rotinizada,
fala-se de estratégias de acumulação. Mas a mera ação rotinizada das empresas ainda não cria nenhum regime de
acumulação enquanto estrutura total estabilizada31.
A acumulação enquanto acúmulo de valores processa-se das maneiras mais distintas imagináveis, mas a
exploração no sentido rigoroso do termo só ocorre no processo produtivo, à medida que o empresário embolsa parte
do valor gerado no trabalho. No marxismo a fonte do poder radica nesse fenômeno. Pode-se diferenciar entre dois
tipos distintos de apropriação da mais-valia absoluta e da mais-valia relativa. A mais-valia absoluta aumenta com a
inserção de novos grupos populacionais no processo de valorização, um aumento da mais-valia absoluta baseia-se na
extensão do capitalismo, em estratégias de extensificação. À medida que cada vez mais pessoas produzem de modo
capitalista, produz-se mais-valia em termos absolutos. A mais-valia relativa pode ser aumentada mediante aumentos
da produtividade ou mediante um barateamento dos bens de consumo, ambos possibilitados por estratégias de
intensificação, quer por um aproveitamento mais intenso do espaço ou do tempo, da natureza ou das pessoas. À guisa
de tipos ideais, podemos distinguir, portanto, entre dois regimes de acumulação: o regime de acumulação
dominantemente extensivo caracteriza-se por uma dinâmica da expansão social e espacial do capitalismo. Esse
fenômeno perfaz em escala mundial o poder sobre o espaço do imperialismo, que atingiu a sua dinâmica mais
elevada na virada para o séc. XX. No interior dos espaços nacionais de poder em vias de consolidação aumenta a
massa dos trabalhadores assalariados. Aumenta o número de horas de trabalho prestadas por toda a sociedade. O
processo produtivo caracteriza-se pela cooperação simples, as técnicas de produção permanecem na sua maior parte
inalteradas, abstração feita da mecanização. Por isso só se pode obter aumentos fracos da produção. A indústria de
bens de consumo e de bens de capital desenvolvem-se em grande parte sem ligação, sem que houvesse uma

31
Hübner (1990:140) distingue na esteira de Boyer (1986: 46) as seguintes cinco dimensões de um regime de
acumulação:
* o tipo da organização da produção e a posição dos assalariados no processo produtivo;
* o horizonte temporal da formação e valorização do capital, especialmente também a questão do financiamento;
* a divisão do produto do valor em salários e lucros (bem como impostos), que permite a reprodução dinâmica
de classes e grupos sociais;
* a composição da demanda social, referida também ao desenvolvimento das capacidades de produção nos
diferentes ramos;
* o modo de articulação com formas não-capitalistas.
De acordo com essa distinção, um regime de acumulação caracteriza-se por regularidades do processo de
acumulação, mas a análise da integração de normas de produção e de consumo perde importância diante de um
exame da estrutura macro-econômica.

26
integração de todo o processo produtivo32. Uma grande parcela do consumo ainda é coberta com mercadorias do
setor não-capitalista. O mercado de trabalho competitivo e o grande exército de reserva praticamente não
permitem uma majoração dos salários para além do nível da subsistência. Também no tocante ao espaço a
dinâmica da acumulação é extensiva e consiste mais na ocupação de novos espaços do que em um
aproveitamento mais intensivo dos existentes (na forma da urbanização). Como segundo tipo ideal, o regime de
acumulação dominantemente intensivo está orientado para dentro. Caracteriza-se por taxas de aumento
duradouramente elevadas da produtividade do trabalho, pois as condições tecnológicas e sociais de produção
sofrem uma transformação, sobretudo em virtude da taylorização e da esteira mecânica33. As condições de vida
dos assalariados sofrem uma transformação radical, pois a produção fordista em massa para o consumo das
massas conduz a uma nova norma de consumo entre os assalariados. O automóvel e a urbanização rasante
revolucionam nesse modo de desenvolvimento, chamado fordismo, o cotidiano nos lares e aumentam a
dependência de uma parcela crescente da população de uma renda monetária34. Tocante ao espaço, esse regime
de acumulação se caracteriza pela intensificação dos usos do espaço e por um processo maciço de urbanização.
É importante reter aqui que no caso dos regimes de acumulação extensivo e intensivo se trata de tipos ideais, que
em contextos histórico-geográficos sempre produzem uma determinada combinação. No caso do regime de
acumulação dominantemente extensivo, pode-se observar já na organização da fábrica elementos de
intensificação, como no caso do regime dominantemente intensivo as estratégias extensivas não são inteiramente
abandonadas. Assim a valorização das periferias nacionais - o avanço econômico para novos espaços - foi uma
estratégia amplamente difundida de regulação fordista, i. é, uma estratégia política baseada na intensificação.
Como o capital é uma relação social, a análise do regime de acumulação é uma análise integral. Um
esquema de reprodução que analisa a produção e a reprodução está vinculado a um receptáculo fechado e abstrai
do espaço de entrelaçamento internacional; assim se pode investir apenas o que foi poupado na economia
interna. Do ponto de vista da mecânica do poder, uma determinada causa conduz ao efeito sempre igual; assim
juros mais elevados aumentam o preço do dinheiro e reduzem assim o índice inflacionário. Mas esse acesso é
extremamente deficiente e deve ser substituído por uma visão do regime de acumulação, segundo a qual esse é
compreendido como campo de poder econômico. Esse campo apresenta determinados pontos nodais, como e.g.
as decisões sobre o dinheiro ou os investimentos, mas as suas fronteiras não são mais claramente definidas. A
migração solapa o mercado nacional de trabalho e os investimentos diretos solapam o mercado nacional
financeiro. Por isso não se pode mais produzir um esquema de reprodução enquanto soma de equações
matemáticas. O capital é um poder sobre o espaço. Esquemas de reprodução, no entanto, fazem de conta que o
capital age em um receptáculo.

Modo de regulação
Um modo de regulação - e essa é a segunda concepção central da teoria da regulação, ao lado do
regime de acumulação - estabiliza as relações sociais em um espaço de poder; ao que parece, similarmente a um
termostato, que deve regular a temperatura interna em um prédio35. Trata-se de auto-organização, sendo que a
32
Faria (1995: 10) denomina como ramos típicos da indústria, sobre os quais se estrutura a acumulação
extensiva, a indústria têxtil e de confecções, a indústria de gêneros alimentícios e bebidas, a indústria calçadista
e moveleira. Com isso ele alude à circunstância de que em uma fase de capitalização total de setores outrora
não-capitalistas os ramos citados se revestem de grande importância. Mais decisivo do que a dinâmica específica
dos ramos é, no entanto, o fato de que a ampliação das possibilidades de consumo não anda diretamente de mãos
dadas com uma modificação das condições de vida dos assalariados.
33
”[Ford] fragmented tasks and distributed them in space so as to maximize efficiency and minimize the friction
of flow in production. In effect, he used a certain form of spatial organization to accelerate the turnover time of
capital in production” (Harvey 1989: 266).
34
Exemplos típicos de regimes de acumulação intensiva são para Faria (1995: 10) as indústrias metalúrgica e
química, a indústria de papel e a indústria eletrônica (cf. Hübner 1990: 141).
35
Um modo de regulação caracteriza-se comumente pelas cinco seguintes formas estruturais (institucionais):
* o Estado e sua organização informam sobre o tipo da intervenção estatal na economia
* a relação monetária produz a ligação entre as acumulações passada, presente e futura
* a forma do regime internacional decide sobre a articulação dos regimes nacionais de acumulação com a
economia capitalista mundial
* a relação salarial informa sobre a produção específica e apropriação do produto do valor, específicas para
cada caso
* a relação concorrencial informa sobre o grau de concentração e centralização de capitais e sobre o modo da

27
regulação social é um processo de estabilização de padrões de ação. Mas a regulação [Regulation] é mais
complexa do que a regulagem [Regulierung] na qual está em jogo apenas a utilização monitorada de meios.
Somente um governante soberano saberia regular processos sociais à maneira de um termostato. A afirmação ”O
Estado regula” seria uma aplicação dessa idéia de regulação. Ocorre que a regulagem é um processo complexo,
do qual participa uma multiplicidade de atores. A regulagem é apenas o setor parcial estatal, planejado, da
regulação. O poder produz comportamentos, cria rotinas e normas, em duas palavras, o poder não produz a
regulagem, mas a regulação (Hübner 1990: 33 ss.). Um modo de regulação pode ser definido como interligação
de regras explícitas, modos de negociação e normas sociais. Como isso condiciona processos complexos, a
regulação se subtrai em parte à apreensão direta pela ação e se afigura então como mão invisível.
Quatro36 formas estruturais distintas, i. é, relações sociais estabilizadas, asseguram que a ação individual seja
compatível com as exigências estruturais e sistêmicas (Hübner 1990: 174): o Estado, já descrito em detalhe, a
relação salarial, a relação monetária e a relação concorrencial. A relação salarial, i. é, a relação entre capital e
trabalho, muitas vezes é compreendida como a forma estrutural ”fundamental”, pois decide sobre a distribuição
da mais-valia (Aglietta 1987: 111 ss.). A relação salarial informa sobre a produção e apropriação do produto do
valor, específicas em cada caso (Hübner 1990: 177-188) e está vinculada a um espaço concreto e à
territorialização em virtude do caráter material do processo produtivo. Deve-se fundamentalmente distinguir
entre formas competitivas e formas corporativistas. Por conseguinte, economias nas quais o trabalho assalariado
não estrutura o processo produtivo, não são economias capitalistas. Mas quando elas estão integradas na
economia mundial capitalista, deve-se supor que as estruturas interna e externa não se coadunam, sendo as crises
o estado normal. É certo que o escravismo é uma forma de acúmulo de riqueza, mas a dependência direta dos
escravos inibe a difusão de normas capitalistas de produção e consumo. No longo prazo, um modo de produção
baseado no escravismo não é compatível com a estrutura capitalista fundamental, que necessita de sujeitos
econômicos livres. Assim o sistema se torna suscetível a crises também nesse caso. O dinheiro é a terceira forma
estrutural do capitalismo. Ele é a premissa da uniformização de valores sociais no processo de valorização
(Aglietta 1987: 328 ss.). No esquema de reprodução D - M -D’ o dinheiro se torna mercadoria, a saber, meio de
produção e força de trabalho. Estas são utilizadas no processo produtivo, para tornar-se D’, i. é, mais dinheiro do
que o montante originalmente aplicado. A relação monetária permite a realização de valores e produz a ligação
entre as acumulações passada, presente e futura (Görg 1994b: 121-127). Poder executar uma política monetária
soberana é uma das competências nucleares dos estados nacionais modernos e contribuiu para a homogeneização
do espaço nacional enquanto espaço da circulação de mercadorias. ”O dinheiro representa uma das formas
principais de uma representação coletiva, territorial, pois determina o status de todo e qualquer membro
individual enquanto proprietário de mercadorias, pois ele lhe permite adquirir o que quiser com o seu poder
aquisitivo e lhe possibilita igualmente vender a sua força de trabalho. Mas o valor do objeto de troca é
determinado pela estabilidade interna e externa do valor da moeda, por sua vez assegurada pela respectiva
instância de regulação. O valor é assim expressão da soberania dessa instância. O regime monetário está assim
estruturalmente vinculado à legitimidade” (Pereira 1998: 141). Se o dinheiro não cumpre as suas funções, o
processo de acumuação pára, ocorrendo também nesse caso crises ou um colapso das estruturas capitalistas. A
relação concorrencial regula a concorrência entre os proprietários. Informa sobre o grau de concentração e
centralização do capital e o tipo de formação de preços (Aglietta 1987: 215 ss.). A ele subjaz a apropriação
privada da terra no processo da acumulação primitiva, concretamente deve se distinguir entre o capital do Estado
e o capital privado, o capital internacional e nacional, o capital financeiro e produtivo, o grande e o pequeno
capital, que concorrem em mercados atomizados, oligopolistas ou monopolistas.

formação dos preços.


36
A rigor é costumeiro falar de cinco formas estruturais e analisar aqui a forma do regime internacional. Ela
decide sobre a articulação de regimes nacionais de acumulação com a economia capitalista mundial (Arrighi
1993, Faria 1998a: 171-175). ”O regime internacional é uma configuração de espaços econômicos e do seu
nexo, que se baseia na existência de complementaridades estáveis, assegura a acumulação progressiva do capital
e possibilita a intensificação da divisão internacional do trabalho. Aqui ocorre também uma distribuição dos
potenciais de crescimento entre os respectivos espaços econômicos [...]. O pressuposto da estabilidade do
regime internacional é a concordância do mapa da divisão internacional do trabalho com as formas da regulação
internacional, que dizer, a posição econômica e política” (Nasr 1998: 36 e 39). Na esteira de Joachim Becker
(1999), não há espaço para essa categoria em uma análise do poder sobre o espaço. O fator espaço forma uma
unidade com o tempo e o fator social. A dimensão espacial e também a inserção internacional devem ser
incluídas na reflexão, por ocasião da análise das quatro outras formas estruturais (sobre a derivação das formas,
v. Becker 1999).

28
À guisa de conclusão, quero mostrar ainda o que significa falar de regulação como produção de
territórios. A regulação fixa por intermédio do Estado ou da sociedade civil regras para um território e conduz a
padrões de ação territorialmente consolidados. O programa de pesquisa da teoria da regulação implica uma
análise espacial, pois as manifestações concretas da coação à acumulação do capital são examinadas. Aqui a
análise se concentra em um determinado espaço de poder, a saber na nação. Esta seria um receptáculo no qual
transcorrem determinados processos de Economia Política37. No receptáculo ”nação” consumar-se-ia a
reprodução do capital – a produção e o consumo. Nesse sentido a teoria da regulação enquanto produção de
teoria é marcada pelas condições gerais de matriz fordista. Nem o plano supra- nem o plano subnacional são
suficientemente reconhecidos na sua importância. Uma teoria espacial da regulação deve evitar tais reduções e
cumprir dois objetivos: por um lado, integrar a espacialidade na análise nacional outrora não-espacial; por outro,
gerar uma teoria da regulação espacial que leve em consideração a regionalização de processos sociais. Assim o
regime de acumulação e os modos de regulação podem ser analisados em planos espaciais distintos. A análise
nacional não está apenas localizada no plano nacional, mas deve examinar também os entrelaçamentos
econômicos e políticos de sistemas regionais de produção e de regulações sociais. Estes influem na acumulação
e regulação nacionais e criam um determinado poder sobre o espaço. Uma análise regional debruça-se sobre um
território nacional parcial. Aqui se examina sobretudo a acumulação e regulação regionais concretas e a sua
posição no espaço nacional de poder38. Por isso uma teoria da regulação regional deve concentrar-se no aspecto
da organização e estrutura da produção regional. Além disso devem ser analisados o Estado ampliado, i. é, o
Estado e a sociedade civil, e o trabalho enquanto duas formas sociais fortemente diferenciadas em termos
regionais. São importantes ainda a situação concorrencial na região e a inserção da região em regulações,
mercados e entrelaçamentos de capitais transregionais.
Do ponto de vista empírico, uma representação histórico-geográfica do espaço e do poder é difícil por
várias razões. Em primeiro lugar uma apresentação do regime de acumulação deve forçosamente considerar as
formas estruturais que conduzem a uma estabilização. A regulação e a acumulação referem-se uma à outra, mas
são apresentadas seqüencialmente no texto. São áreas cronologicamente representadas que se interrelacionam
enquanto processos. A totalidade das formas sociais resulta em uma ordem social mais ou menos estável. Em
segundo lugar, a assincronia das evoluções nas diferentes áreas dificulta a periodização. Cada forma social
possui a sua própria lógica e modifica-se segundo as suas próprias leis. Mas as formas individuais possuem
dimensões distintas. Por isso se deve trazer à luz também a hierarquia das formas individuais, identificar a forma
estrutural dominante, que impele na direção de transformações, e datar as rupturas evolutivas nesse momento. O
colapso da(s) forma(s) dominante(s) inaugura quase sempre uma crise, independentemente do grau de
estabilidade que outras áreas sociais logram atingir no curto prazo. Disso resulta que na representação textual e
gráfica as periodizações de toda a sociedade não são exatamente pertinentes para as formas sociais identificadas
como não-determinantes. Em terceiro lugar, seria também desejável uma representação cronológica de
momentos isolados, pois o novo se sobrepõe por assim dizer como uma camada ao antigo, de modo que no novo
o antigo subsiste em forma e intensidade distintas.

1.4 Tempo
Analisar por um período de 500 anos a evolução do Brasil é uma empreitada historiográfica, uma
viagem através dos tempos. O desnudamento de camadas geológicas, a excavação em busca das raízes, como
isso ocorre no quadro de uma análise do espaço e do poder, exige também uma conceitualização específica do
tempo. A teoria da regulação surgiu em oposição a uma concepção do tempo lógico, portanto repetível a
qualquer hora. Ao invés dela, ela opera com a concepção do tempo histórico e baseia-se num modelo de fases da
evolução histórica, que percorre determinadas etapas na direção de um objetivo. Mas o componente de teoria da
ação desse enfoque histórico enfatiza que o capitalismo não obedece a nenhuma lei própria da acumulação do
capital. Existe, no entanto, uma coação estrutural que impele sempre de novo a configuração concreta das
formas sociais na direção do seu limite (Görg 1994a: 56). Quando e onde a estabilidade e as rupturas são
37
- mesmo que esse recipiente tenha sido compreendido como permeável em virtude da forma institucional da
”inserção internacional”.
38
Com vistas ao regime de acumulação o marco geral da análise não pode ser simplesmente transferido ao plano
regional. Como se trata da distribuição do produto do valor, ela depende em partes substanciais do material
estatístico do cálculo do rendimento da economia regional e de uma representação matemática. Devido às
debilidades das estatísticas regionais não se pode fazer nenhum exame aproximadamente tão preciso como no
plano nacional. Uma análise exata de processos de desenvolvimento quantitativo não é possível.

29
localizadas é portanto uma questão de central importância para a teoria da regulação, que distingue entre fases
estáveis e fases inestáveis, i. é, crises. A regulação produz a estabilidade em uma formação social muito
suscetível a crises. Crises manifestam-se como rupturas na reprodução das relações sociais em um espaço
geográfico (Boyer 1987: 61) que simultaneamente é um espaço concreto de poder. Por isso as crises são
fenômenos histórico-geográficos e desembocam freqüentemente em grandes conflitos sociais. O antigo está
desacreditado (Grasmci 1971: 276) e uma virada se afigura possível (Hirsch 1992: 230 s.). Em tais momentos a
ação ganha importância a expensas das estruturas. Quando não apenas um ou outro arranjo institucional estão
sendo questionados, mas todas as formas estruturais perdem a sua estabilidade, a teoria da regulação fala de
”grandes crises”. Estas encerram uma fase de estabilidade e conduzem talvez a uma nova fase de estabilidade
com uma nova configuração das formas estruturais. A análise exclusiva de estados estáveis praticamente não
deixa espaço para os atores, seja porque só examina estruturas, seja porque estas se comportam mecanicamente e
obedecem a rotinas. Mas em crises e durante a busca de novas ordens institucionais e estruturais ganham
importância os atores e, com eles, o fator da ação. Estruturas que em fases estáveis muitas vezes não são
questionadas ou nem são percebidas, afiguram-se mutáveis em tempos de crise. Muita coisa parece possível,
difunde-se a consciência de que ”os homens fazem a sua história” e as coações, às quais essa ação história se vê
submetida, desaparecem do campo visual. Mas a solução dessas crises não representa nenhum acaso, não é um
simples ”achado” (Lipietz 1992: 29). Muito pelo contrário, as estruturas de fases anteriores, estáveis, ainda
continuam produzindo efeitos em tempos de crise. Não em último lugar, a seletividade estratégica do Estado
favorece um fim da crise que assegura a continuidade da estrutura do poder. A ação transformadora nunca
ocorre sincronicamente em todas as formas sociais; i. é, em algumas áreas sociais mostram-se fenômenos de
crise, ao passo que outras preservam a sua estabilidade. A abertura de situações de crise torna estas interessantes
para a ação política, mas a estrutura pouco clara de crises e o conflito em torno da atribuição de sentido a esses
processos observáveis dificulta a produção teórica.
O lado forte de uma análise do regime de acumulação e do modo de regulação está em ela fornecer uma
teoria praticável da estrutura. Justamente por causa disso essa análise deve aceitar a crítica de unilateralidade
estrutural. É possível analisar estruturas mais profundas de poder sobre o espaço, mas perde-se a referência ao
plano da ação. O elemento de teoria da ação deve ser assegurado no quadro de uma análise da conjuntura de um
modo que vai além da teoria da regulação. Uma conjuntura é um tempo específico de espaço, um tempo
concreto, um ”presente” que se realiza em uma onda longa, em uma estrutura (Fiori 1995: 12ff.). Nesse
momento conjuntural do ”presente” a história está aberta, o futuro da estrutura pode ser percebido de forma
pouco nítica. Este é o tempo e o lugar no qual os homens ”fazem geografia e história”. Jessop (1996: 124 s.)
também considera o elemento de ação no quadro do seu enfoque ”estratégico-relacional”. Ao lado dos
momentos estruturais, ele admite também momentos concretos, abertos à apreensão pela práxis, similarmente às
instituições. Isso tem um significado decisivo para análise de poder sobre espaço. Análises contextuais de poder
que tendem a superestimar o respectivo palco do poder e o ”exercício” do poder, ganham a sua força explicativa
apenas por meio de uma análise estrutural, efetuada simultaneamente com a análise concreta.39
A consideração da inserção estrutural de acontecimentos concretos distingue uma análise da conjuntura
enquanto trabalho científico do trabalho empírico freqüentemente excelente de jornalistas e de comentaristas
políticos e econômicos. Esses últimos dispõem de um conhecimento factual insubstituível, de dados e
informações sem as quais uma análise da conjuntura não é possível. Mas como eles desistem de efetuar uma
análise estrutural, superestimam o grau de liberdade dos atores e subestimam a inércia do status quo. Coisa
semelhante vale para os atores locais concretos. Inversamente, os analistas de estruturas tendem a eliminar do
seu foco de atenção justamente essa dimensão conjuntural, a abertura - seletiva - de conflitos políticos e
ideológicos concretos, e a superestimar o poder de leis sociais. Uma análise do poder sobre o espaço é, por
conseguinte, uma caminhada na corda bamba, constantemente exposta ao risco de suspender [aufheben] a
relação de tensão dialética em benefício de opções de ação ou da lógica da estrutura. Só quando se logra
suportar essa tensão, é possível compreender o poder sobre o espaço. Nesse sentido o presente trabalho culmina
na análise da conjuntura no cap. 4 que integra as análises que privilegiam ou a dimensão da estrutura ou a da
ação. Uma análise do poder sobre o espaço pode tirar proveito da integração de análises marxistas da totalidade
social e de uma análise foucaultiana da micropolítica e do poder atuante nas dimensões da organização e do
discurso (cf. a respeito Jessop 1990: cap. 8 e 9). Resta, no entanto, uma hierarquia entre a teoria marxista e a
crítica de Foucault: a primeira oferece um arcabouço teórico para compreender a sociedade enquanto um todo,
39
Para tal, contudo, os enfoques de Economia Política não bastam. Nexos importantes dentre os percebidos,
sobretudo no tocante a problemas organizacionais e discursivos, devem ser examinados com outras teorias
sociológicas e com um enfoque metódico mais amplo no caso concreto (cf. Novy 1998, cap. 4).

30
enquanto totalidade, i. é, especialmente, para analisar a economia e a política como uma unidade; a segunda
fornece diante disso o aguilhão da crítica, o questionamento criativo do modelo marxista e a compreensão
aprofundada de lógicas e estratégias de ação, i. é, da microfísica do poder40. Isso se espelha também nesse
trabalho. Marx fornece o fio condutor, Foucault alguns flashes.
Para a pergunta pelas margens de ação existentes, o conflito aparentemente muito abstrato sobre se as formas
sociais do capitalismo são institucionais ou estruturais tem um grande significado. Uma análise das ”formas
estruturais” supõe para determinados tempos-espaço nexos constitutivos entre as diferentes formas sociais
(Aglietta 1987, Becker 1998b). Estruturas consolidadas em 500 anos subtraem-se à simples apreensão pela ação,
pois resultam de uma estrutura social profunda. Mas no interior dessa formas estruturais, inscritas
profundamente no espaço e no tempo, podemos observar diversos arranjos institucionais e lógicas distintas da
ação, cujos alcances espacio-temporais são mais restritos (Görg 1994b: 111-115)41. A compra de votos ou o
paternalismo são instituições dessa natureza, cuja forma se pode alterar rapidamente no processo de
modernização. Inversamente uma análise estrutural tende a subestimar as margens de ação dos atores em
situações concretas. Scherrer (1995: 462) constrói a partir disso, na esteira do conceito da ”contingência
radical”, uma crítica em termos de análise do discurso: todas as relações entre identidade, interesse e posição
sociais deveriam ser pensadas como contingentes. Ele lança uma advertência contra o banimento da contingência
de evoluções sociais para a ”pedreira” [”Fundgrube”] histórica (liepitzschiana), segundo a qual surgiria, de uma
ordem antiga, ”casualmente” uma ordem nova, depois do que existiria novamente a coação à estrutura (Scherrer
1995: 473). A advertência de Scherrer contra adensamentos estruturalistas e a ênfase em uma abertura
fundamental do futuro é correta. Mas a sua negação da existência de estruturas profundas é falsa. Na esteira de
Jessop defino a relação entre economia e política como ”contingentemente necessária”42. Com isso evito igualar
a estrutura com necessidade e a ação e o sujeito com contingência. ”Muito pelo contrário, as necessidades e a
40
Análises de conjuntura visam a investigação de evoluções concretas na Economia Política, o ”momento de
indeterminação no movimento do tempo estrutural” (Fiori 1995: 11). Analisa-se em um tempo-espaço concreto
processos estruturais e institucionais assim como eventos, i. é, a análise opera simultaneamente em três níveis,
articulando todos os três planos entre si, i. é, interligando-os. A análise marxista fornece com o processo de
valorização a estrutura unificadora do processo, mas ela é, tomada isoladamente, insuficiente para compreender
exaustivamente a conjuntura, devendo ser complementada por outros enfoques interdisciplinares. Quero tentar
sobretudo tornar fecundo o potencial contido nos trabalhos de Foucault. Nesse empenho, contudo, precisamos
desembaraçar-nos de vários dogmatismos e várias delimitações convencionais. Uma leitura atenta sobretudo dos
últimos escritos de Foucault lança uma nova luz sobre a sua relação com o marxismo e relativiza o seu
”estruturalismo”. Durante muito tempo o conflito entre Jean-Paul Sartre e Michel Foucault sobre a ”morte do
sujeito” foi visto como conflito entre duas posições inconciliáveis. Sartre representava aqui a defesa da política
que carece do sujeito enquanto ator conscientemente agente; em contrapartida, Foucault foi tachado de apolítico
e como pessoa desinteressada na práxis transformadora. Não obstante, os dois foram companheiros de jornada
nos conflitos políticos concretos (Schmid 1991: 109-111). Embora ambos tenham sido temporariamente
membros do Partido Comunista, interessaram-se por coisas distintas: Sartre, assim como a maioria dos
marxistas, estava interessado na evolução da totalidade social e nas relações de dominação nela atuantes; isso
ajuda para uma análise do poder sobre o espaço enquanto análise estrutural. Por sua vez, Foucault sempre se
interessou mais pelas coisas miúdas, pelo evento aparentemente destituído de importância, pelas estruturas
organizacionais internas. Não admira que um partido leninista pouco se tenha interessado por um tal crítico e
vice-versa.
41
Para a compreensão da ”transformação estrutural” é necessário definir o alcance espacio-temporal de
estruturas. No quadro de análises espaciais de estruturas são representadas as configurações [Ausformungen]
concretas de estruturas que permanecem constantes durante um período no espaço e no tempo. O marxismo fala
de estruturas específicas às formações, i. é, de estruturas que são elementos constituintes do capitalismo. Ao lado
desse conceito de estrutura da ”longa duração”, falo também de manifestações concretas das formas estruturais
em diversos modos de desenvolvimento, que permanecem relativamente constantes durante várias décadas em
um lugar. Por ocasião de uma alteração de todas as manifestações de formas estruturais falo igualmente de
alteração estrutural, pois um nova estrutura total está surgindo.
42
”Whereas ´contingency´ is a logical concept and concerned with theoretical indeterminability, ´necessity´ is an
ontological concept and refers to determination in the real world. Thus ´contingent´ means ´indeterminable
within the terms of a single theoretical system´; it can properly be juxtaposed to the notion of ´necessity´, which
signifies the assumption underpinning any realist scientific enquiry that ´everything that happens is caused´”
(Jessop 1990: 12).

31
contingência sempre estão interligadas em estruturas” (Görg 1995: 629). No lugar disso, leva-se, com ajuda do
conceito da contingência, em consideração a vinculação da ação ao seu contexto e remete-se, com ajuda do
conceito da necessidade, à ordem da estrutura. A análise da conjuntura implica a abertura fundamental do futuro.
Como a ordem social contemporânea é conflitiva, há sempre processos que atuam na direção da transformação;
equilíbrios sociais são estados de exceção. Mas as estruturas mais além elaboradas limitam o espaço de
possibilidades para a alteração dos campos sociais. A abertura não é gratuita, i. é, uma alteração isolada de
manifestações concretas de formas estruturais não pode ser mantida no longo prazo. Com isso também as
análises da conjuntura refutam a abertura radical da história, a ”contingência radical”: conjunturas também estão
sujeitas a regras, embora estas sejam menos persistentes do que estruturas.43 No enfoque de Economia Política as
estratégias assumem um papel central sobretudo nas análises de conjunturas, para reduzir o nível de abstração da
análise e chegar à análise de situações concretas. Tais análises permitem unir o tempo histórico com os
movimentos estruturais que se estendem pelo espaço e tempo (Fiori 1995: 10). Estratégias de poder e
acumulação são perseguidas por atores coletivos, definidos essencialmente pelos seus interesses de classe. A
importância desses atores resulta da análise das estruturas. Análises de conjunturas são importantes sobretudo na
análise de transições (Fiori 1995: 54 s.). A crise econômica mundial de 1930 e a crise da globalização depois de
1980 representam tais momentos históricos abertos (cf. Feldbauer et al. 1999), a serem amplamente tratados no
capítulo 4.

43
”Indeed, a rigorous application of discourse-theoretical principles would question the necessary fixity of the
macro-level as well as the apparent fluidity of the micro level” (Jessop 1990: 246).

32
2 Construção e destruição do fator nacional no Brasil

”As ruínas de uma nação têm a sua origem na casa dos seus pequenos cidadãos”
(Provérbio africano, citado segundo
Couto 2000: 416)

O que é o Brasil? Um receptáculo, repleto de natureza, coisas e pessoas? Enquanto espaço geográfico na
América, o Brasil já existe há muito tempo e serviu a distintas comunidades humanas como espaço de vida. No
receptáculo Brasil o clima predominante é tropical e subtropical, há milhares de quilômetros de costa e um
gigantesco planalto. Mas o que interessa aqui são as transformações nesse receptáculo, vale dizer, a produção de
espaço. E aqui não estão em primeiro plano acontecimentos da natureza, como El Niño ou o aquecimento global,
mas transformações no espaço social. Com a chegada dos portugueses em 1500 a situação do receptáculo se
alterou fundamentalmente. Novas pessoas e novas coisas chegaram ao Brasil; foram exportadas outras coisas
que no espaço global se transformaram em matérias-primas e mercadorias. Dessa forma o poder sobre o espaço
que atuou a partir da Europa sobre a América constituiu liminarmente um espaço de entrelaçamento; localidades
individuais se transformaram em bases militares de apoio, cruzamentos de rotas comerciais e enclaves de
produção. O Brasil ainda não era nenhum terrritório, nenhum espaço de poder claramente delimitado, no qual e
sobre o qual se exercia a dominação. Muito pelo contrário, a produção da nação enquanto território foi um
processo multissecular, no qual uma parte da América do Sul se transformou no Brasil enquanto espaço de poder
sui generis. As suas fronteiras atuais somente foram estabelecidas definitivamente no séc. XX. A partir de um
espaço em si surgiu, em meio a um processo histórico, um espaço dotado de sentido para os que nele viviam
(Furtado 1976: 1). O espaço se estruturou de tal forma que determinadas decisões tomadas pela instância central
se revestiam de significado para todo o espaço, determinados padrões de ação, tais como ordenamentos
referentes a trajes e regras de boa conduta se unificaram nesse espaço assim como a maneira de processamento
do comércio de longa distância ou a exploração do solo. O espaço-receptáculo da nação, repleto de atores e
processos sociais, políticos e econômicos, constitui o ponto de partida da análise subseqüente. Mas o território
da nação é um produto histórico-geográfico e não um receptáculo: foi produzido e pode ser destruído. Por isso
devemos incluir na análise, ao lado do espaço concreto, também o seu campo circundante, isto é, o poder sobre o
espaço do desenvolvimento internacional. A análise da produção de territórios é tão importante quanto a análise
do território concreto. A dimensão nacional está construída socialmente ou é descontruída socialmente, subjaz a
uma transformação permanente (cf. Fernandes 1987: 27).

A presente análise foi escrita quando o Brasil tinha implementado depois de 1994 um programa de
estabilização, o Plano Real. De início esse plano, que reduziu por vários anos drasticamente a inflação, foi
considerado um grande êxito; depois da desvalorização de 1999 e da recessão de 1998 e 1999 a avaliação já foi
bem menos eufórica. Os efeitos de curto prazo sobre a inflação, o desemprego, o endividamento e a pobreza são
um lado da moeda. Mas diante do pano de fundo de uma história de 500 anos de espaço e poder eles
representam apenas as transformações na superfície. Somente após a consideração do outro lado, da dimensão
profunda e estrutural do Plano Real, podemos compreender porque esse plano foi uma cesura na formação da
nação brasileira. A construção multissecular da nação e do Estado foi seguida por poucos, mas extremamente
intensos anos de destruição. Essa destruição foi um projeto estrutural, mas o poder histórico-geográfico dos seus
agentes produziu seus efeitos na ideologia da globalização, na qual diante de tanto progresso não mais parecia
haver lugar para os pequenos. O Plano Real compreendeu-se como plano de estabilização e ajudou efetivamente
a estabilizar uma determinada espécie de ordem que quero desmascarar como des-ordem. Por isso se faz mister
dispor de conceitos claros, para que possamos reconhecer instituições e estruturas duradouras, vale dizer,
atuantes durante períodos mais longos. O modo de desenvolvimento, o regime de acumulação e o modo de
regulação constituem os três conceitos fundamentais com os quais se designa fases de estabilidade. Um modo de
desenvolvimento é um campo de poder ao qual subjazem estratégias estabilizadas de acumulação, lógicas
rotinizadas de ação, regras normatizadas de produção e consumo e padrões políticos não-questionados. Um
regime de acumulação e um modo de regulação fornecem a manifestação concreta das formas estruturais capital,
dinheiro, Estado e trabalho, com as quais esse modo de desenvolvimento é estabilizado. Em fases estáveis o

33
desenvolvimento se processa em vias relativamente definidas, pois as formas estruturais fornecem, como dado
de orientação prévia, padrões de ação retomados rotineiramente e sem questionamento pelos indivíduos. Mas em
uma sociedade conflitiva - e esse é o cerne da minha tese sobre a des-ordem - um tal campo estável precisa ser
um tipo ideal cuja ordem é permanentemente solapada por processos contraditórios. Por isso a estabilidade não
consiste na ausência total de quaisquer crises, mas na capacidade de um campo de poder de estabilizar os seus
pontos nodais e as suas instituições por períodos mais longos e em espaços mais extensos. Quando depois de
1980 um antigo campo de poder entrou em colapso, a crise e a estabilização passaram a ser os novos conceitos
centrais da política.

Ilustr. 7: O Brasil, subdividido nos seus estados

34
Estados, grandes regiões e suas siglas:

BR – Brasil

NO – Norte:
RO - Rondônia
AC - Acre
AM - Amazonas
RR - Roraima
PA - Pará
AP - Amapá
TO - Tocantins

NE - Nordeste:
MA- Maranhão
PI - Piauí
CE - Ceará
RN - Rio Grande do Norte
PB - Paraíba
PE - Pernambuco
AL - Alagoas
SE - Sergipe
BA - Bahia

SE - Sudeste:
MG - Minas Gerais
ES - Espírito Santo
RJ - Rio de Janeiro
SP - São Paulo
PR - Paraná
SC - Santa Catarina
RS - Rio Grande do Sul

CO - Centro-Oeste:
MS - Mato Grosso do Sul
MT - Mato Grosso
GO - Goiás
DF - Distrito Federal

Fonte: Novy 1994: 161

35
O presente trabalho re-interpreta a história do Brasil, no intuito de compreender melhor rupturas e
continuidades, crises e estabilizações da atualidade. O olhar em retrospectiva deverá permitir uma melhor
compreensão do presente e do futuro da nação. Não há como compreender a formação da nacionalidade
brasileira sem a obra clássica de Celso Furtado, ”Formação Econômica do Brasil” (publicado originalmente em
1959)1, pois a tradição cepalina, na qual Furtado se insere, concentra-se precipuamente na endogeneização ou
nacionalização do sistema produtivo. Por isso a análise histórica de Furtado é também implicitamente uma
análise geográfica das interações dos fatores nacional e internacional, interno e externo. Internamente as fases de
surto criaram no Brasil enquanto tempos de espaço específicos, espaços de poder respectivamente específicos2.
Em que pesem todas as suas vantagens,esse enfoque apresenta um fraqueza essencial, pois atribui um significado
demasiado reduzido aos processos da economia política interna. Mas a análise desses processos internos
constitui justamente o cerne das reflexões fundamentadas na teoria da regulação. O primeiro plano é ocupado
aqui pela estabilização da economia e da política no plano interno. A estabilidade é alcançada mediante uma
congruência de regime de acumulação e modos de regulação. As crises, por suas vez, resultam na teoria da
regulação das rupturas na acumulação e regulação, ao passo que para a CEPAL as crises ocorrem em virtude de
modificações da inserção na economia mundial3.

Nesse trabalho são retomados enfoques regulacionistas e cepalinos, utilizados de forma fecunda para a
análise do poder estrutural e de espaços de poder, pois o fundamento da minha própria periodização é a
distinção entre o poder sobre o espaço, que abrange todo o campo de poder e estrutura em profundidade o
desenvolvimento social, por um lado, e os palcos do poder, os espaços de poder, em cuja superfície se travam os
conflitos sociais, por outro lado. A espécie do espaço de entrelaçamento econômico, a sua endogeneização mais
ou menos pronunciada é significativa para o poder sobre o espaço. Mas o tipo de acumulação e a espécie de
harmonização de produção e consumo constituem também poder sobre o espaço. A regulação, por sua vez,
busca consolidar esses poderes sobre o espaço, ordená-los e territorializá-los. Isso se dá mais facilmente em
sistemas endógenos de produção, pois os pontos nodais do campo de poder são aqui de forma multiplicada
internos, e isso produz em sistemas de produção com orientação externa um efeito de polarização e
fragmentação, pois o controle sobre decisões importantes é efetuado de fora. A história política do Brasil
recomendaria datar as rupturas em 1822 (independência), 1889 (proclamação da república), 1930 (revolução
varguista), 1964 (”Revolução de Abril” ou golpe militar), anos 80 (democratização). Na terminologia de uma
análise do poder sobre o espaço em termos de economia política o objetivo único é a análise dos palcos do
poder, isto é, da superfície dos conflitos sociais. Via de regra, essas vitórias e derrotas concretas, esses conflitos
e estratégias, discursos, formas de organização e nichos de resistência têm uma duração muito menor do que as
camadas mais profundas do campo de poder, sejam elas o regime de acumulação ou formas estruturais. Mas a

1
Celso Furtado foi um dos fundadores da pesquisa em história econômica no Brasil e simultaneamente durante muitos anos
ator no campo de poder no Brasil. As suas opiniões, mas também a sua atuação política podem ser consultadas na sua
autobiografia em três volumes (Furtado 1997 a, b e c). O presente trabalho é uma crítica de Furtado no sentido de que as
suas importantes descobertas são em parte revistas e em parte desenvolvidas para além das posições do autor. A minha
análise histórica também não pode ser mais do que a de Furtado um ”esboço do processo histórico da formação da economia
brasileira” (Furtado 1975: 1). Furtado (1975) distingue os quatro seguintes períodos: a economia escravista na agricultura
tropical nos sécs. XVI e XVII, a economia escravista na mineração no séc. XVIII, a transição ao trabalho assalariado no séc.
XIX e a economia de transição para a sociedade industrial no séc. XX. Não acompanho Furtado na minha periodização, pois
a sua concepção se orienta demasiado segundo a demanda e não efetua uma análise suficiente do Estado e da sociedade,
como isso é necessário no quadro da teoria da regulação.
2
A deterioração dos preços do açucar encerrou o primeiro ciclo e criou o pressuposto da decadência do antigo centro do
Brasil, do Nordeste, que perdura até os dias atuais. A crise da exploração do ouro e os problemas da economia externa no
início do séc. XIX levaram a uma decadência do interior do país, mas criaram os fundamentos do surto da economia
cafeeira. Por fim, a crise econômica mundial de 1929 encerrou a fase da orientação para a exportação de bens primários.
3
Conceição (1989a: 204), que realizou primeiramente a tentativa de uma periodização nos termos da teoria de regulação,
situa a transição de um regime mercantil para um regime extensivo no ano de 1870. Com relação ao período de 1870 a 1930
ele fala de um regime de acumulação extensiva, baseado na exportação de café. Depois ocorre uma acumulação intensiva,
baseada na industrialização substituidora de importações. Esse fordismo periférico, isto é, uma produção em massa para um
mercado de massas apenas restrito, já entra em crise no final dos anos 50; depois do breve ”milagre brasileiro” (1967-1973)
amplia-se a crise da acumulação intensiva. Fiori (1995a: 73) fala de uma fase de centralização para a estabilização da
economia escravista (1820 a 1870); depois ocorre um processo de descentralização (1870-1914), devido à ascensão dos
barões do café, à difusão do trabalho assalariado, à ascensão dos militares e à fundação de partidos republicanos. Esse
processo é paralelo ao fim da hegemonia britânica e do padrão ouro, lançando os fundamentos de uma acumulação política,
monitorada pelo estado desenvolvimentista, que durou até 1980.

36
atuação em palcos, nos espaços geográficos e sociais concretos, não é apenas o desempenho rotinizado de papéis
em uma encenação previamente definida. Os atores não são meros portadores de estruturas, a sua vida não
transcorre segundo um roteiro. Agir é parte de um processo que consolida ou transforma o campo de poder
subjacente, as estruturas do poder sobre o espaço. Só uma análise da conjuntura consegue por em relevo essa
dialética de poder sobre o espaço e espaço de poder.

No séc. XIX ocorrem em si duas grandes rupturas políticas, a saber, o fim do estatuto colonial e,
conseqüentemente, a conquista da independência nacional em 1822, e a Proclamação da República e
conseqüentemente o fim do Império em 1889. Não obstante, o séc. XIX foi em ampla escala uma fase de
transição. Por um lado, a ruptura de 1822 preservou inicialmente a velha rede de entrelaçamentos econômicos.
Por outro lado, ela constituiu o Brasil como território independente, o que, na conseqüência, conduziu
gradualmente também a uma re-estruturação do espaço de entrelaçamento. As formas estruturais individuais
modificaram-se com velocidade e intensidade distintas. Por fim, a transição foi ratificada por uma alteração do
regime - a Proclamação da República em 1889. O regime de acumulação extensiva, que se tornara dominante, e
a regulação compatível com ele constituíram, não em último lugar, uma ordem relativamente estável porque
eram garantidas pelo predomínio britânico. Em 1930 foi novamente uma alteração da estatalidade que abriu para
um ordenamento aqui e ali já germinalmente existente uma trilha cuja direção se tornou a seguir irreversível: a
fase centrada no estado nacional. Mas nas profundezas do campo de poder, concentrado no dinâmico centro São
Paulo, já se prenunciava, com o fim do padrão ouro e a industrialização em vias de dinamização nos anos 20,
uma transformação estrutural. A crise da acumulação extensiva iniciou-se antes do golpe militar de 1964, ou o
mais tardar em 1974. Até o início dos anos 80 tais transformações profundas ainda não eram perceptíveis na
superfície e o estado nacional continuou sendo o ponto nodal da regulação. A crise eclodiu somente em 1981.

A seguir, pretendemos visualizar as vantagens de uma análise dialética. Assim o Plano Real estabilizou
uma des-ordem estruturalmente instável. Ele mostrou o que perpassa toda a história do Brasil: na manutenção da
ordem e estabilidade estão contidos os germes de rupturas, assim como também a transformação profunda de
formas estruturais concretas é o pressuposto necessário para preservar elementos essenciais da velha des-ordem.
Objetiva-se, portanto, uma análise que compreende o desenvolvimento social como contraditório (Cardoso,
Faletto 1979: 139 ss.). É importante chamar de saída a atenção a essa circunstância, pois uma periodização em
termos de teoria regulacionista, tal como ela é empregada para estruturar a representação histórico-geográfica,
não consegue, num primeiro momento, reproduzir essa dialética, enquanto representação seriada de regimes de
acumulação e modos de regulação. Assim a Tabela 2, elaborada na esteira de Conceição (1989a: 204) e Faria
(1995: 30) serve também apenas como ponto de partida e orientação da reflexão mais extensa, empreendida a
seguir. O estudo do caso nacional inicia com uma análise estrutural, na qual diversos modos evolutivos são
representados como manifestações estabilizadas do capitalismo no Brasil, durante um certo período dominantes.
Esses campos de poder sistematizados com ajuda de esquemas conceituais da teoria da regulação resultam da
estrutura profunda da sociedade brasileira. O modo pelo qual o capital, o Estado, o dinheiro e o trabalho estão
organizados e intervinculados é estruturado pelo campo de poder, no qual podemos observar palcos principais e
secundários do poder. A análise estrutural examina o Brasil como se não existissem atores. A análise do palco
nacional do poder aproxima-se da pergunta pelo espaço e poder a partir do outro extremo e descreve a história
como história de muitos grandes homens e algumas mulheres isoladas. As análises de palco e da estrutura
profunda distorcem a dinâmica da evolução que só logra explicitar seu potencial interpretativo integral em uma
sinopse. Nesse sentido os capítulos 2 e 3 preparam o chão para a análise da conjuntura no capítulo 4, que analisa
simultaneamente a estrutura profunda e os palcos, as evoluções nacionais e regionais, tornando assim
compreensível o significado histórico dos conflitos políticos e sociais.

37
Tabela 2:Sinopse dos modos de desenvolvimento do Brasil de 1500 a 1998
BRASIL regime de acumulação modo de regulação
1500 – 1822 acumulação baseada na escravidão regulação colonial
economia açucareira (mais tarde: mineração) colônia portuguesa, política econômica mercantilista
modo de desenvolvimento colonial capital comercial economia de escambo e do ouro
sob dominação européia ”renda escravista” escravidão (sistema da concessão de terras pelo rei)
demanda concentrada do barão do açúcar por bens de importação economia de enclave (falta do mercado interno)
comunidades indígenas (exército de reserva), pecuária
1822 – 1929 acumulação extensiva regulação nacional orientada para o exterior
plantação de café (germes de industrialização local) federação e crescente intervencionismo local
modo de desenvolvimento orientado para o capital financeiro, custeado por investimentos de longo prazo e padrão ouro (com instabilidades financeira e monetária)
exterior endividamento de curto prazo transição ao trabalho assalariado (depois que o livre
sob dominação britânica migração internacional dinamiza mercado de trabalho acesso à terra não era mais possível)
demanda maior das camadas médias urbanas (dependente de economia de enclave (germes de um mercado interno
importações) regionalizado)
acesso mais difícil à terra é um empecilho para a produção de
subsistência
1929 – 1982 acumulação intensiva centrada no estado nacional regulação nacional orientada para o estado
empresas industriais desenvolvimentista
modo de desenvolvimento centrado no estado financiamento estatal (e estrangeiro) de longo prazo estado desenvolvimentista nacional
nacional distribuição injusta, ”tropicalmente fordista” política nacional financeira e monetária autônoma
sob a hegemonia dos EUA urbanização e complementação da estrutura produtiva asseguram corporativismo
(”fordismo periférico”) demanda interna concorrência política no mercado interno
concentração fundiária assegura exército de reserva para a indústria
a partir de 1982 acumulação estagnante, em vias de internacionalização enfraquecimento do estado nacional
crise da acumulação intensiva, fomento da acumulação extensiva, crise do estado desenvolvimentista nacional
crise do aumento das transações financeiras quase-dolarização
modo de desenvolvimento centrado no estado deterioração da distribuição da renda do mercado de trabalho corporativista ao mercado de
nacional esgotamento da urbanização e da ampliação da estrutura produtiva trabalho competitivo
com continuação da hegemonia dos EUA sociedade inteiramente capitalista e urbanizada, sem acesso à privatização e abertura do mercado interno
produção de subsistência
Fonte: Conceição (1989a.b), Faria (1995). Adaptação do autor

38
2.1 História da estrutura profunda

2.1.1 Modo colonial de desenvolvimento sob dominação européia (1500 - 1822)


Portugal foi a força propulsora que abriu à Europa as portas ao mundo. Portos fortificados na costa atlântica da
África serviram de pedra fundamental para a colonização da Ásia e da América.Em 1500 o português Pedro
Álvares Cabral chegou durante uma navegação ao redor do mundo até o Brasil. A costa americana tornou-se
assim parte do espaço de poder europeu. Os entrelaçamentos com a Europa modificaram a tradicional estrutura
social dos índios e a sua utilização do território, baseadas no nomadismo sem pretensões territoriais definidas.
Inserido num espaço relacional, o Brasil se tornou parte da periferia de um sistema que cada vez mais abrangeu
o mundo inteiro. No entanto, ele foi inserido no sistema comercial capitalista sem que o modo de produção
capitalista se impusesse. O sistema econômico brasileiro depois de 1500 foi um capitalismo comercial. O
comércio transatlântico de açúcar, escravos e produtos beneficiados formou a base de uma acumulação fiscal
baseada no escravismo. O escravismo constituiu a norma fundamental de produção, o controle fiscal do
comércio o modo pelo qual os excedentes eram apropriados. Em termos econômicos, a Holanda e a Inglaterra
controlavam o comércio e, por via do endividamento, a coroa portuguesa. Em termos políticos, Portugal
apropriou-se pela via de impostos, taxas e monopólios de uma parte do excedente. Internamente Portugal era um
soberano forte com um poderoso aparelho burocrático-militar: o poderio português difundia-se a partir do rei até
as autoridades municipais, passando pelo governador geral (vice-rei) e os capitães donatários (Faoro 1997: 176).
Esse aparelho assegurou o fluxo de riquezas das colônias para a metrópole. Aproximadamente 30% do preço
final do açúcar iam para o tesouro real. O estilo estamental de vida das pessoas situadas no topo da pirâmide
social imitava o da nobreza européia. Para a maioria da população situada na base a influência européia
consistiu sobretudo na cristianização definidora do estilo de vida (Faoro 1997: 199). Chegou-se
sistematicamente à destruição do Outro, da sua cultura, religião e modo de condução da economia. Em 1800 o
número de índios integrados ainda chegou a 500.000, ao passo que o número dos não-integrados caiu de cinco a
um milhão (Ribeiro 1995: 151). O novo poder in loco aniquilou os índios e destruiu os seus tradicionais modi
vivendi. Da mesma maneira os escravos importados foram impedidos de preservar uma cultura publicamente
vivida. A civilização européia providenciou assim o fundamento da ordem territorial. Mas com o fim do
escravismo se evidenciou o quanto de cultura e religião populares tinha sobrevivido no decorrer dos séculos,
pois a cultura africana continuou viva nas esferas privada e semi-pública.

Taxas alfandegárias, impostos e taxas oneravam pesadamente os produtores brasileiros bem como as
relações comerciais desiguais, cuja causa radicava em privilégios e monopólios politicamente concedidos. Na
periferia, o modo de economia mercantilista de Portugal baseava-se em uma forma de acumulação primitiva. A
instituição central era o sistema das sesmarias, transferido de Portugal para o Brasil. O detentor do poder
disponibilizava terras aos colonos, enquanto elas fossem utilizadas no sentido previsto pela Coroa, isto é, para a
produção orientada para a exportação (Becker, Egler 1992: 20). O controle político serviu aos interesses fiscais
do centro. Isso inibiu a formação da propriedade privada da terra e com isso de uma base de poder econômico
dos produtores locais. Por isso os proprietários de patrimônios acumulavam valor na forma da propriedade de
escravos. Compravam-se escravos para poder adquirir mais escravos ainda (Smith 1990: 151 ss.)4. Um quarto
dos gastos para importações era consumido por escravos (Becker, Egler 1992: 26). A organização da produção
baseava-se no açúcar5. ”Favores especiais foram concedidos [...] àqueles que instalassem engenhos: isenções de
tributos, garantia contra a penhora dos instrumentos de produção, honrarias e títulos etc.” (Furtado 1975: 41).
Por isso até o séc. XVII o complexo do poder sobre o espaço do Nordeste açucareiro foi um fator determinante.

4
Para Smith (1990: 206 ss.) é decisivo registrar que os escravos não representavam um capital fixo. Tratava-se, muito pelo
contrário, do direito de retirar a mais-valia produzida pelos escravos; no sentido econômico isso representava uma renda, a
”renda escravista”, isto é, uma parte do excedente de um processo organizado de produção.
5
O modo de produção isolado dos camponeses em terras ”livres” e excessivamente disponíveis e a produção para a
satisfação das próprias necessidades teriam sido um obstáculo para essa estratégia de acumulação e foram sistematicamente
impedidos (Smith 1990: 268).

39
Uma determinada forma do poder econômico ia de mãos dadas com a dominação do espaço no qual esses
processos de produção se concentravam.

Para fora Portugal era nitidamente mais fraco do que para dentro. Mas como o país carecia de uma base
produtiva própria, importou-lhe afirmar-se como potência mundial mercantilista. A metrópole envidou grandes
esforços fiscais e comerciais para manter reduzido o fluxo de riquezas para a Europa Setentrional. Pretendia-se
assim compensar o descenso da posição de potência central à de potência periférica por meio de rendas geradas
na economia exportadora. Além disso a produção para a satisfação das necessidades próprias deveria ser
impedida, pois o comércio com os bens necessários à sobrevivência assegurava grandes margens de lucro aos
comerciantes portugueses. 90% da renda gerada concentrava-se nas mãos dos proprietários de engenhos e
plantações de açúcar (Furtado 1975: 35 ss.). A disponibilidade de terras levou a uma utilização extensiva do
solo, que funcionava em ampla escala sem transformações da base tecnológica. A crescente demanda foi
satisfeita pela extensão das áreas cultivadas. Desse modo espaços cada vez maiores foram integrados ao campo
de poder europeu. Enquanto a economia açucareira era produtiva, isso não representava um problema. Depois da
decadência dos preços do açúcar6, sobretudo a pecuária no interior do país, que abastecera as propriedades
açucareiras com carne e animais de tração, carga e montaria, retornou ao nível da economia de subsistência
(Furtado 1975: 66)7. No entanto, logrou-se iniciar um novo ciclo de produção mercantilista, pois foram
encontrados grandes reservas de ouro nos atuais estados de Mato Grosso e Minas Gerais. O deslocamento
estrutural de espaço e poder, iniciado no séc. XVIII com o surto da mineração, manifestou-se em 1763 no
deslocamento da sede do vice-reinado de Salvador da Bahia para Rio de Janeiro, onde a arrecadação de
impostos era mais significativa (Conniff et al. 1971: 40). A decadência econômica conduziu à desvalorização do
Nordeste enquanto espaço político. O Sudeste constituiu-se como centro do Brasil, não havendo mais de abdicar
dessa posição mesmo sob o efeito de uma transformação da relação de poder sobre o espaço.

A acumulação estável define-se pelo jogo de normas de produção e consumo, harmonizadas entre si.
Nas plantações de açúcar produzia-se de acordo com determinados métodos, o estilo de vida dos barões do
açúcar se assemelhava. Apesar disso, o modo de produção colonial pode ser compreendido, diante do pano de
fundo de reflexões cepalinas e regulacionistas, apenas rudimentarmente como regime de produção. Um primeiro
argumento contrário de peso é o fato da norma de produção basear-se no escravismo, sendo por conseguinte pré-
capitalista. Do ponto de vista meramente jurídico, escravos eram coisas e por isso inteiramente destituídos de
liberdade. Tanto a opressão quanto a acumulação da riqueza se davam essencialmente por meio da dominação
política. Ambas, tanto a acumulação da riqueza quanto a dominação, não carecem do capitalismo. Visto nessa
perspectiva, o modo colonial de produção constitui um sistema de dominação pré-capitalista. Embora se tratasse
de um modo de produção pré-capitalista, esse modo de desenvolvimento foi capitalista quanto ao seu modo de
circulação. Baseava-se, por um lado, em uma troca entre o centro e a periferia, determinado pelo poder das
potências européias em fixar os preços. Desde o princípio, o crédito desempenhou um papel importante, o que
levou em diversos planos ao surgimento de relações de endividamento e, conseqüentemente, à dominação do
capital financeiro (Smith 1990: 241 s.). Por fim o cepalismo chama pertinentemente a atenção ao fato de que
uma condensação espacial de atividades econômicas e circulações de capitais em um determinado espaço
constituem um pressuposto importante para o regime de acumulação. Mas o espaço econômico brasileiro
restringia-se nessa época à costa e as circulações relevantes consistiam de entrelaçamentos transatlânticos. A
conseqüência de tudo isso foi que o regime de acumulação de natureza fiscal, baseado no escravismo, carecia de
pressupostos essenciais para a sua estabilização. Justamente por esse motivo a fase é especialmente interessante
do ponto de vista da produção de espaços e formas sociais, pois esses séculos desembocaram na constituição da
nação enquanto espaço de poder. Um campo de poder, cujo ponto nodal é o fator nacional e o Estado, não
existiu desde o começo, precisando primeiramente ser criado. O Brasil constituiu-se a partir da sua costa como
um território, depois que ele foi inserido nos circuitos econômicos europeus. Assim a territorialidade e o espaço
de entrelaçamento desenvolveram-se desde o começo de modo paralelo.

6
No séc. XVII o preço do açúcar foi de 120 libras, caindo até 1720 a 72 libras e depois a 30 libras no início do séc. XIX.
Em meados do século o preço era de 16 libras e no início do séc. XX ele ficou em 9 libras.
7
O setor de subsistência constituiu desde o começo uma espécie de exército de reserva de mão-de-obra e um potencial de
produção que podia ser ativado sempre que a demanda do mercado mundial provocava um surto de desenvolvimento
regional, como e.g. a extração do ouro ou a economia cafeeira.

40
Quanto à forma do Estado, o soberano dominava durante o modo colonial de desenvolvimento por
assim dizer para dentro do espaço brasileiro, pois a estatalidade possuía o seu ponto nodal noutro continente. As
instituições centrais para a regulação dos processos econômicos eram determinadas pelo estatuto colonial. Para
dentro o Estado português estabilizou uma estrutura estamental cujo topo era formado pela burocracia estatal
parasitária constituída por políticos, juristas e funcionários do comércio. Mesmo a autonomia das igrejas era
restrita; por isso experimentos como o estado jesuítico na fronteira do Paraguai foram rapidamente abortados
(Faoro 1997: 201). Essa estrutura estatal dominou sobre os interesses territoriais locais. Os produtores, mesmo
os grandes entre eles, somente conquistavam poder quando se inseriam na estrutura portuguesa do espaço de
poder. A força de Portugal residia no seu controle politicamente implementado do espaço de entrelaçamento
econômico.

A ausência de poderio econômico próprio de Portugal foi acrescida da perda das colônias asiáticas. A
metrópole se viu assim obrigada a concentrar-se no Brasil8, onde ela perseguiu dois objetivos: proteger ou
ampliar o território e ser intermediária no comércio com as potências econômicas européias. O primeiro objetivo
tinha por base interesses fiscais, o segundo interesses comerciais em reservar para si parte do valor agregado
produzido na colônia, antes da maior parte das rendas ser transferida para a Holanda ou Inglaterra. No seu
empenho em atingir o primeiro objetivo, o estado português valeu-se de estratégias territoriais hábeis para
controlar pontos importantes da costa atlântica. De início os portugueses respeitaram o Tratado de Tordesilhas
de 1494, que definiu a fronteira com a América Espanhola. Com esse tratado o papa dividira generosamente a
América entre a Espanha e Portugal, declarando o 50º meridiano como fronteira (Becker, Egler 1992: 16 ss.).
Mas com isso as duas grandes bacias hidrográficas do subcontinente, a amazônica e a platina, teriam ficado com
a Espanha, ficando assim subtraído o hinterland à colonização por parte da costa leste. No Nordeste, a Holanda
prestou uma relevante contribuição para a ampliação da economia açucareira, tanto pelo aporte de capitais
quanto pela organização do comércio e pelo beneficiamento nas refinarias de Antuérpia e Amsterdã (Furtado
1975: 10 s.). No início do séc. XVII os holandeses controlavam quase todo o comércio marítimo europeu.
Portugal se empenhou muito em expulsar os holandeses do Nordeste, que estes ocuparam de 1630 a 1654.
Depois os portugueses conquistaram as bases holandesas. Com ajuda de missões, Portugal começou a colonizar
e explorar economicamente a região amazônica (Becker, Egler 1992: 21 s.). No Sul a luta pela Bacia do Prata
durou também vários séculos. Em 1750 o Rio Grande do Sul foi incorporado como região mais meridional ao
reino português e em 1828 o Uruguai foi constituído como estado-tampão (Becker, Egler 23 s., 34). Depois da
expulsão dos holandeses os britânicos tornaram-se a potência dominante em escala mundial. Diante de Portugal
eles impuseram os seus interesses sobretudo por via da política creditícia. Tanto o Estado quanto os grandes
comerciantes estavam endividados junto à Inglaterra. A acumulação fiscal baseou-se na transferência de riquezas
por meio do comércio ou pela arrecadação de tributos, do Brasil para Portugal. Mas o ouro e as mercadorias
migravam imediatamente do tesouro português e dos grandes comerciantes imediatamente para Londres (Faoro
1997: 143).

O espaço de entrelaçamento econômico constituiu-se por meio do comércio de mercadorias. Na


economia açucareira os fluxos de renda eram em grande escala de natureza meramente contábil. Como
praticamente inexistiam trabalhadores livres, a demanda de dinheiro como meio de pagamento era desconhecida
in loco. À medida que os escravos vinham ao Brasil, eles eram, via de regra, comercializados em operações de
escambo, contra açúcar. O capital comercial submeteu as plantações e os engenhos açucareiros à sua lógica
orientada pela valorização no mercado mundial, tornando desnecessário até o séc. XIX a formação de um
sistema bancário nacional (Freyre 1951: 132 s.). As exportações inglesas eram pagas em ouro, o que permitiu à
Inglaterra acumular consideráveis reservas desse metal (Furtado 1975: 93 s.) e preparar-se assim para o regime
do padrão ouro do séc. XIX. Nesse regime as coações da política econômica nacional eram sobretudo de
natureza monetária (Vidal 1998: 30). De acordo com a teoria do padrão ouro, um país que importasse mais do
que exportasse e apresentasse, por conseguinte, uma balança comercial negativa, deveria exportar ouro, o que
reduziria a circulação de dinheiro na economia doméstica. Isso levaria a uma deterioração dos preços, fenômeno

8
De 1580 a 1640 Portugal e Espanha estiveram unidos sob um soberano e se viram conjuntamente expostos à concorrência
territorial e econômica da Holanda, França e Inglaterra. A partir do séc. XVII Portugal dependeu do apoio da Inglaterra na
defesa das suas colônias.

41
correspondente ao encarecimento do ouro. Com isso as exportações seriam fomentadas e as importações
reduzidas, permitindo-se corrigir o desequilíbrio (Furtado 1975: 156). Essa visão desconsiderou o significado
dos fluxos de capitais, da concessão de créditos e das obrigações de reembolso. Em virtude dessas dependências
financeiras, o Brasil estava obrigado a canalizações regulares de ouro para a Inglaterra. Isso contra-arrestou a
dinâmica econômica, pois o dinheiro escasseava constantemente. Por essa razão, os grupos dominantes no Brasil
se contentaram cedo com o papel do ”parceiro júnior” (Fernandes 1987: 93). Somente os exportadores tinham
poder aquisitivo, importando de acordo com as suas receitas advindas de exportações. Mas no séc. XIX
aumentou a demanda interna, pois os padrões de consumo se alteraram. As crises agora foram transportadas de
fora para dentro do país, em virtude da redução do valor da exportação. Como a demanda de importação não
regrediu imediatamente, ocorreu freqüentemente uma pronta deterioração da balança comercial. Esse fenômeno
se agravou devido à circunstância de que a involução dos preços de produtos manufaturados importados ocorria
mais lentamente e com menor intensidade do que nas matérias-primas exportadas, desembocando assim em uma
deterioração dos terms of trade. Por fim, o serviço dos capitais estrangeiros e o fluxo mais reduzido de capitais
estrangeiros acirraram os problemas decorrentes do balanço de pagamentos (Furtado 1975: 159).

Como já foi explicado, o modo econômico colonial do Brasil foi pré-capitalista do ponto de vista da
regulação das relações de trabalho (Becker, Egler 1992: 20). Como a mão-de-obra ainda não era mercadoria, a
apropriação da mais-valia se dava mediante coação direta. A economia escravista permitia solucionar o
problema central da falta de mão-de-obra. ”Com efeito, para subsistir sem trabalho escravo, seria necessário que
os colonos se organizassem em comunidades dedicadas a produzir para autoconsumo, o que só teria sido
possível se a imigração houvesse sido organizada em bases totalmente distintas.” (Furtado 1975: 41 s.).
Aproximadamente um terço de todos os escravos embarcados para a América ia para o Brasil, atingindo-se o
ponto culminante no séc. XVIII. Aproximadamente 1,9 milhões de escravos sobreviveram à viagem
transatlântica, sendo que o comércio atingiu um ponto culminante entre 1701 e 1750, com 790.200, e entre 1751
e 1780 com 495.300 escravos embarcados (cf. Becker, Egler 1992: 26). No entanto, diferentes formas histórico-
geográficas do escravismo apresentavam diferenças essenciais. ”Se bem que a base da economia mineira
também seja o trabalho escravo, por sua organização geral ela se diferencia amplamente da economia
açucareira. Os escravos em nenhum momento chegaram a constituir a maioria da população. Por outro lado, a
forma como se organiza o trabalho permite que o escravo tenha maior iniciativa e que circule num meio social
mais complexo” (Furtado 1975: 75). Por sua vez, a forma da escravidão foi também diferente no Sul, em virtude
da pecuária extensiva, os constante conflitos bélicos nas fronteiras e o grande contingente da população indígena
expulsa das missões jesuíticas que tinham sido dissolvidas. Diferentemente das plantações de açúcar e café, uma
produção organizada não era nem possível nem necessária. Já na produção de carne seca a escravidão foi muito
importante (Targa 1996a).

Em termos genéricos, a questão da organização do trabalho estava estreitamente relacionada com a


organização fundiária. Quando o capital industrial passou a ter influência na Inglaterra, a escravidão se tornou
crescentemente um obstáculo para a continuada implementação de relações de mercado na periferia. Mas a
oligarquia agrária, de resto uma estreita aliada da Inglaterra, resistiu maciçamente à abolição da escravatura.
Precisou primeiramente encontrar uma nova regulação do acesso à terra, que lhe assegurasse a continuidade da
sua dominação. Embora a posse de terras antes de 1850 também já conferisse direitos semelhantes aos da
propriedade, remanesceu uma insegurança que restringia a possibilidade de comercializar a terra. Em
contrapartida, um escravo representava um valor, pois permitia a produção de forma ”organizada”. Na primeira
metade do séc. XIX, a oligarquia agrária orientou-se fortemente segundos os argumentos do economista
britânico Wakefield, teórico de uma ”colonização organizada”. Segundo eles, era decisivo distinguir entre uma
produção organizada e uma produção individual. ”À medida que pode ser combinado, o trabalho escravo é
muito mais produtivo do que o trabalho de homens livres. O trabalho do homem livre somente é mais produtivo
do que o trabalho escravo se ele for utilizado - mediante um elevado preço da terra e o sistema do trabalho
assalariado - de forma combinada” (Wakefield, citado ap. Smith 1990: 143). Em contrapartida, a produção de
subsistência dos pequenos camponeses teria sido baseada em outro sistema de produção, igualitário. Mas para
cimentar o seu poder, a oligarquia agrária empenhou-se em impedir na medida do possível a produção para a
satisfação das necessidades próprias. Com isso estavam criados os pressupostos para que a maioria da população
devesse trabalhar para outras pessoas, em virtude da falta de meios de subsistência. Podemos registrar, portanto,
que a constância da des-ordem brasileira está fundamentada em um modo de produção que exigiu uma

42
hierarquização social extremada, fundamentada em privilégios (Fernandes 1987: 191-197). Essa des-ordem
persistente está localizada mais profundamente e relativiza a contradição aparentemente fundamental entre
escravismo e trabalho assalariado.

A relação de concorrência era determinada pelo comércio transatlântico. O Brasil apresentava-se como
uma série de pontos nodais que intercambiavam mercadorias com a África e a Europa. Enquanto espaço de
entrelaçamentos econômicos, a colônia era uma soma de complexos de produção orientados para o exterior, de
enclaves de exportação. Produtos individuais formavam com regiões correspondentes um espaço de poder
econômico com uma estrutura própria: o cultivo da cana de açúcar no Nordeste, a pecuária no interior e no Sul,
a mineração do ouro em Minas Gerais e o extrativismo na Amazônia. Mas esses enclaves não devem ser
compreendidos equivocadamente como arquipélago ou grupo de ilhas, pois havia, por um lado, uma pecuária
que ia além do Rio São Francisco e avançava muito para o hinterland, e, por outro lado, o comércio de escravos,
politicamente controlado, que fundamentavam, ambos, entrelaçamentos de espaços econômicos que cobriam
toda a região da colônia. Apesar disso, a relação de concorrência não se estruturava para dentro, isto é, nem
local nem nacionalmente. A inserção na economia mundial era determinante, embora se desse de forma mediada
por meio da administração portuguesa. Mas as regiões individuais estavam em parte estruturadas
complementarmente. Depois da expulsão dos holandeses, o Nordeste teve de concorrer com as novas áreas de
cultivo nas Antilhas e se viu crescentemente marginalizado. Por sua vez, a pecuária do Sul concorria com a da
região platina. O Rio Grande do Sul ocupava uma posição especial não apenas politicamente, enquanto região
fronteiriça; a sua função econômica também era controvertida. Buenos Aires e Montevideo fomentavam o
comércio do couro e outros derivados do gado, ao passo que a região mineira no interior da região demandava
animais de carga e de transporte (Targa 1996: 20). Por isso a região fronteiriça meridional era objeto de lutas de
dois campos econômicos distintos. Em contrapartida, ocorreu uma apropriação subreptícia na região amazônica
(Novy 2000). Furtado identificou na falta de um mercado local ou na falta de um sistema integrado de produção
local um dos principais obstáculos de um desenvolvimento regional dinâmico nas primeiras fases de surto do
ciclo da cana e do ouro. O “[...] mecanismo da economia, que não permitia uma articulação direta entre os
sistemas de produção e de consumo, anulava as vantagens desse crescimento demográfico como elemento
dinâmico do desenvolvimento econômico”: “esse crescimento se realizava sem que houvesse modificações
sensíveis na estrutura econômica” (Furtado 1975: 51 s.).

2.1.2 Modo nacional de desenvolvimento, orientado segundo instâncias externas, sob


dominação britânica (1822 - 1929)
Em 1822 a nação brasileira se constituiu mediante cisão de Portugal. Não importa quão ridículos possam parecer
o grito da independência ou o novo papel de D. Pedro I como ”defensor perpétuo do Brasil”, a constituição
formal enquanto espaço político autônomo assinala uma cesura (Fernandes, 1987). Um apêndice passou a ser um
espaço político sui generis, a dialética de espaço e entrelaçamento e território ingressou em nova etapa. Mas isso
não significou que a estrutura do campo de poder tivesse mudado imediatamente. Enquanto receptáculo do
monarca a governar soberanamente, a nação praticamente não se transformou no decorrer da primeira metade do
séc. XIX e depois se transformou apenas lentamente. O século inteiro foi um período de transição. As rupturas
nas diferentes formas estruturais não ocorreram simultaneamente e processaram-se, ademais, muito lentamente.
A transição da colônia para a monarquia e finalmente para a república e a busca de um novo poder sobre o
espaço foram árduas. As contradições subjacentes sempre podiam ser solucionadas apenas no curto prazo. Ao
passo que a regulação da organização do trabalho passava apenas lentamente ao trabalho assalariado livre e
mesmo a estatalidade somente foi definida em 1891 em uma nova constituição federativa, as transformações no
plano do regime de acumulação já devem ser localizadas em tempos bem mais anteriores.

É certo que o Brasil já estava integrado desde 1500 em uma posição periférica no espaço de
entrelaçamento do mercado mundial, definida pelas relações fiscais e pelo capitalismo comercial. Não obstante,
deve-se falar depois de 1822 de uma transformação qualitativa do campo de poder. No séc. XIX o papel
mediador de Portugal tornou-se crescentemente obsoleto. O novo parceiro da aliança com o capital inglês foi
agora a oligarquia agrária, diretamente e in loco. Em 1822, ela logrou, com a proclamação da monarquia e, com

43
isso, da independência, manter um sistema de controle local sobre o sistema de produção orientado para a
exportação. Foi formada uma espécie de confederação dos diferentes grupos determinantes da ex-colônia - um
pacto de senhores de escravos (Becker, Egler 1992: 12). Por meio do soberano nacional o processo histórico-
geográfico da conversão de uma economia escravista em modo de produção capitalista com trabalho livre
assalariado pôde ser dimensionado de modo a deixar inalterados em muitas áreas os detentores bem como o
campo do poder. No lugar de uma acumulação baseada no escravismo, que ia de mãos dadas com uma
apropriação política do valor agregado, ocorreu a imposição de relações entre capital e trabalho no processo
produtivo. Isso possibilitou teoricamente a formação de um regime nacional de acumulação, que ocorreu
germinalmente em lento processo que se estendeu por todo o século. Um regime de acumulação que num
território nacional dá início à unificação das relações de trabalho é denominado regime dominantemente
extensivo de acumulação (Aglietta 1987: 69). Deriva a sua dinâmica essencialmente da ”existence of an
immense reserve of unappropriated agricultural land” (Aglietta 1987: 73). A sua dinâmica se localiza no setor de
bens de produção, cuja expansão altera fundamentalmente a forma das economias capitalistas. No Brasil esses
processos podem ser observados a partir de 1850. Máquinas produzidas na Europa foram utilizadas no Brasil -
provavelmente em conseqüência da taxa alfandegária para têxteis, elevada em 1844 - e deram início a um
primeiro processo de industrialização9. Sobretudo a ampliação da infraestrutura dinamizou a produção, embora a
continuada dependência externa no setor de bens de produção não possibilitasse nenhuma reprodução integrada.
O Brasil não superou o estatuto periférico de uma economia imperfeitamente integrada. Os superávits
continuaram sendo parcialmente apropriados por um estamento de funcionários públicos, agora nacional. Os
negócios de importação e exportação concentraram-se mesmo depois da eliminação de Portugal nas mãos de
uma pequena minoria, controlada pelo exterior. Tudo isso não impediu que o Estado e os comerciantes, agora
nacionais, dessem maior atenção ao seu território. A manutenção da velha estrutura de poder e espaço exigia
transformações. Investimentos maciços na infraestrutura se faziam necessários para o aumento da produtividade
na produção agropecuária e para a melhoria das relações comerciais. O fim furtivo da escravidão dinamizou
também a urbanização no fim do século. As camadas médias urbanas, sobretudo os militares, começaram a
estabelecer-se como força social intermediária e adotaram um padrão de consumo em moldes europeus (Becker,
Egler 1992: 37).

Enquanto unidades centrais de produção, a plantação e o engenho açucareiros foram substituídos no


séc. XIX definitivamente pelas plantações de café no Sudeste. O café tornou-se o mais importante produto de
exportação. De 1831-1840 a 1881-1890 ele logrou aumentar a sua participação no total das exportações de
43,8% para 61,5%. Em contrapartida, a participação das exportações de açúcar caiu nesse período de 24% a
9,9%. Ao passo que o algodão, o couro e as peles perderam maciçamente a sua importância, sobretudo no fim do
século, a borracha consignou um aumento vertiginoso de 0,3% a 8% (cf. Tabela 3). Nas plantações de café a
organização da produção ainda se baseou por muito tempo em escravos, sendo substituída lentamente pelo
trabalho livre assalariado de imigrantes.

Tabela 3: Participação de produtos no total das exportações brasileiras (em %)

década café Algodã Açúcar borracha cacau couros e tabaco erva


o (em peles mate
rama)
1831-40 43,8 10,8 24,0 0,3 0,6 7,9 1,9 0,5
1841-50 41,4 7,5 26,7 0,4 1,0 8,5 1,8 0,9
1851-60 48,8 6,2 21,2 2,3 1,0 7,2 2,6 1,6
1861-70 45,5 18,3 12,3 3,1 0,9 6,0 3,0 1,2
1871-80 56,6 9,5 11,8 5,5 1,2 5,6 3,4 1,5
1881–90 61,5 4,2 9,9 8,0 1,6 3,2 2,7 1,2
Fonte: Pessoa 1983: 96

9
Pode-se verificar a industrialização incipiente no número das patentes concedidas, que aumentou de 1 (1831-1835) a 53
(1866-1870) e 955 (1881-1889) (Pessoa 1993: 105).

44
O financiamento dos esforços de desenvolvimento se deu sobretudo fora de São Paulo, essencialmente por meio
de capital britânico (cf. Tabela A-1). A supremacia britânica deslocou-se do comércio de mercadorias até o
controle do financiamento do desenvolvimento. O desenvolvimento em vias de dinamização desde 1850 criou
formas atraentes de aplicação (Cardoso, Faletto 1976: 68 s.). O capital internacional concentrou-se na ampliação
da rede ferroviária, o que ultrapassou, à exceção da zona cafeeira, a capacidade de financiamento do
empresariado local, e no comércio de obrigações do tesouro nacional (Silva 1986: 91).10 Investimentos diretos, a
exportação de mercadorias industriais e a concessão de empréstimos governamentais pelos britânicos foram de
grande importância para o Brasil. Com isso a economia agrária bloqueava a divisão interna do trabalho e o
financiamento interno. A ”vocação” agrária do Brasil desenvolveu-se com maciço apoio externo, pois toda a
política de fomento da produção cafeeira foi financiada com recursos extra-orçamentários, isto é, por meio de
crédito. O capital estrangeiro participou de investimentos maiores e por prazos mais longos, como e.g. nas
ferrovias e nos portos, importantes para a economia agrária exportadora. Os elevados pagamentos do serviço da
dívida consumiam uma grande parte do valor agregado, limitando assim os investimentos no setor produtivo. A
nova forma de dependência periférica caracterizou-se dessarte por entrelaçamentos mais intensos no comércio
de capitais do que era costumeiro em negócios de importação e exportação.

A tecnologia de produção da economia cafeeira estava em grande parte padronizada, o conhecimento


ecológico era considerado irrelevante, pois terras exauridas eram abandonadas e as plantações de café
avançaram, partindo da Província do Rio de Janeiro e se estendendo pelo Vale do Paraíba, até São Paulo e de lá
continuaram a sua marcha rumo ao Oeste e Norte. As elevadas margens de lucro permitiram o financiamento de
uma parte da produção com recursos próprios e além disso ainda investimentos na criação de uma infraestrutura
local. A indústria local tornou-se mais rentável, pois a importação de bens de consumo foi dificultada a partir de
1900 devido a problemas com o balanço de pagamentos (Silva 1986: 100).11 Desde o início a estrutura da
indústria brasileira era dominada genericamente por grandes empresas que utilizavam máquinas importadas
(Herrlein, Dias 1996: 146, 164). Em 1907 todas as maiores empresas brasileiras e em 1920 ainda 85% dessas
empresas atuavam na indústria de bens de consumo (Silva 1986: 107). O consumo se estendeu lentamente, pois a
camada média urbana consumia uma boa parte dos bens de consumo, em grande parte importados. Mas o padrão
e o estilo de consumo mudaram apenas um pouco, e tão-somente nas reduzidas regiões urbanas. O elevado
coeficiente de importação, provocado pelos consumidores urbanos, ameaçava constantemente a estabilidade da
economia externa, pois a produção de bens de consumo in loco só estava esparsamente vinculada com a de bens
de produção na Europa, o que levou a fortes oscilações na atividade econômica. Além disso o regime nacional
de acumulação também carecia de fontes internas de financiamento.

O campo de poder dominante até a crise econômica mundial permitiu manter o controle no espaço
gigantesco e ao mesmo tempo maciçamente fragmentado. Depois de 1822 atribuiu-se ao fator nacional o papel
de poder moderador. Objetivava-se manter a heterogeneidade do fator local, contanto o poder estamental de uma
sociedade escravista permanecesse intocado in loco. Na esteira das mudanças de regimes em 1822 e 1889 os
novos detentores do poder criaram para si até margens de ação na política monetária, libertando-se das peias de
uma política monetária rígida. Depois de 1822 foi fundado o Banco do Brasil, depois de 1889 numerosos bancos
regionais foram dotados de direitos de emissão de moeda. Nos dois casos, a emissão aumentou fortemente. A
conseqüência foi uma forte dinamização da economia, mas também a inflação e um aumento da dívida externa.
Depois o Estado retornou rapidamente ao monopólio de emissão da moeda e implementou programas de
estabilização (Cano 1998a: 161). A ortodoxia, isto é, a teoria liberal ”ortodoxa” da neutralidade do dinheiro,
tornou-se novamente princípio diretor da política econômica.

10
”In 1880 the total stock of foreign capital was estimated at US$ 190 million; this expanded to US$ 1,9 billion in 1914 and
to US$ 2,6 billion in 1930. Before the 1930s Britain dominated foreign investment in Brazil. ... In 1930 half of foreign
capital was British and one-quarter was of U.S. origin” (Baer 1989: 213 s.).
11
”Under the presidency of Afonso Pena (1906-09) the country´s policy was one of ´peopling the land, developing industrial
centres and reforming the monetary system´. The increased rate of railway construction and the development of electric
power, protective tariffs and a conversion fund which permitted greater exchange balance all gave incipient domestic
industries encouragement. The national exposition of 1908 in Rio de Janeiro at which 11.000 exhibitors displayed the nation
´s new manufactured products to a million visitors was a revelation to most Brazilians” (Henshall, Momsen 1974: 151 s.).

45
Mesmo um país periférico como o Brasil pôde recorrer depois de 1850 a empréstimos no exterior. Com
isso o governo conquistou uma certa independência dos setores domésticos que tinham sido a tradicional fonte
de arrecadação de impostos; o Estado consolidou-se como instituição, o palco da política nacional adquiriu
maior importância (Cardoso, Faletto 1976: 76).12 A posição britânica do laissez-faire no livre comércio já
perdera a sua supremacia ideológica no fim do séc. XIX (Vidal 1998: 30) e também no Brasil da República
Velha (1889-1930) posições mais pragmáticas passaram a se impor cada vez mais. Foi desenvolvida uma
política econômica que visava primacialmente a melhoria das condições de localização para a concorrência com
outras regiões. Essa política de localizações exigia investimentos maiores e em parte também nacionalizações no
setor da infraestrutura de produção. Considerada na sua totalidade, a estrutura local do Brasil transformou-se
lentamente de sociedade dominada pelo padrão rural - de ”casa grande e senzala” (Freyre) - em civilização
urbana. Os latifundiários perderam importância diante de bancos e atravessadores, ocorrendo, assim, um
deslocamento do primado da esfera de produção em benefício da esfera de circulação (Oliveira 1987: 49).

Em termos de política econômica externa, o governo central ficou de mãos amarradas na primeira
metade do séc. XIX, pois ele não podia nem aumentar os impostos de exportação (o que era impedido pela
oligarquia agrária) nem os impostos de importação (o que era impedido pela Inglaterra). Como a margem de
ação de uma política tributária e alfandegária autônoma era reduzida, o Estado ampliou-a tomando empréstimos
no exterior. A dívida externa aumentou continuamente na segunda metade do séc. XIX. Os empréstimos
externos aumentaram de 4.100 contos na década de 1850 a 63.300 contos na década de 1890. O serviço da
dívida aumentou no mesmo período de 5.300 a 57.300 contos (cf. Tabela 4). Esses empréstimos serviam ao
fomento dos diferentes sistemas produtivos regionais, financiando, entre outras atividades, a imigração maciça
de mão-de-obra, a construção de estradas de ferro, a criação de vários outros serviços públicos e industriais
como energia elétrica, gás e transportes públicos (Silva 1986: 280). Por meio dos seus objetivos primacialmente
fiscais, a política tributária e alfandegária fomentou o protecionismo industrial. Não obstante o empenho em
preservar o velho poder político estamental sobre o espaço por meio de uma modernização puramente
econômica, a modernização acabou por miná-lo. Os donos de escravos se viram obrigados a se transformar em
latifundiários e exportadores de bens primários, sob pena de marginalização na nova estrutura de poder. A partir
de agora, o Estado serviu tanto aos interesses conservadores da oligarquia agrária que dominava, por meio de
pessoas, no espaço de poder, quanto aos interesses do setor comercial urbano, que tiraram, de forma
respectivamente indireta, proveito das medidas estatais nas áreas da política de infraestrutura e migração.

Tabela 4: Brasil, serviço da dívida externa e novos empréstimos, 1851-1900, em contos

década serviço das dívidas Novos empréstimos


1851-1860 5.300 4.100
1861-1870 12.000 10.100
1871-1880 16.700 9.300
1881-1890 30.500 38.100
1891-1900 57.300 63.300
Fonte: Silva 1986: 28

A Lei de Terras de 1850 fundamentou a propriedade absoluta da terra nas áreas habitadas do Brasil e definiu o
resto como regiões inabitadas. Para essas terras designadas fronteira decidiu-se que elas eram de propriedade do
Estado e deveriam ser alienadas por ele. À medida que o Estado fixava um preço correspondentemente elevado,
ele pôde assegurar que só poucas pessoas tivessem acesso à terra, em si disponível excessivamente: produziu-se
assim a escassez de terra. Escravos libertos e imigrantes se viram obrigados a vender a sua força de trabalho de
forma ”organizada”, isto é, na forma do trabalho assalariado, inicialmente nas plantações de café, posteriormente
na indústria. A forma concreta pela qual o mercado fundiário e de trabalho foram criados serviu à estabilização

12
De 1822 a 1850 os superávits e déficits orçamentários se alternaram, depois o orçamento público tornou-se fortemente
deficitário a partir de 1865 (Pessoa 1983: 102-104).

46
da des-ordem (Becker, Egler 1992: 32).13 Apesar disso o fim da escravatura e da monarquia representaram um
surto de modernização. O poder local dos latifundiários teve de subordinar-se ao poder regional dos
governadores que articulavam in loco os interesses das classes. A posição de supremacia do capital cafeeiro era
tão forte que os conflitos em torno do poder central aconteceram até a Revolução de 30 menos entre classes e
frações de classes, mas entre regiões (Fausto 1981: 90 s., 122). A regulação regionalmente fragmentada que se
impôs como novo compromisso social, criou pela primeira vez o pressuposto de uma política estatal ativa que
apoiava conscientemente nos diferentes estados da federação os respectivos interesses econômicos dominantes.
Por volta do fim do séc. XIX medidas nos setores do serviço público, educacional, de saúde, de formação
profissionalizante, bancário etc. tornaram-se cada vez mais necessárias. Mas o governo imperial demonstrava
um interesse apenas reduzido por essas questões (Furtado 1975: 171), o que contribuiu para o seu fracasso.

Depois de 1889 pôde ser implementada pela primeira vez uma política econômica e financeira
autônoma. Na ”política dos governadores”, concebida por Campos Salles, foi encontrada uma fórmula pela qual
os grupos civis - com exceção do Rio Grande do Sul - pudessem subtrair-se à influência dos militares de
orientação jacobinista-centralista (Fiori 1995a: 74), que buscavam uma centralização e modernização mais
radicais, ao passo que as oligarquias estavam interessadas na manutenção do seu poder local. Esse pacto de
dominação durou até 1930, sendo determinantes os interesses cafeeiros do Sudeste, sem que os outros interesses
exportadores, sobretudo os dos latifúndios improdutivos, ficassem excluídos (Fiori 1994). Não se tratou de um
liberalismo ”puro”, mas ”real”, tropical, determinado pela estrutura de poder no Brasil (Decca 1997: 151 s.).
Devido à constelação de interesses de oligarquia latifundiária no interior e interesses ingleses na metrópole a
crise financeira crônica do estado brasileiro somente podia ser postergada mediante empréstimos ingleses. A
parcela do serviço da dívida nas despesas totais do governo federal aumentou continuamente de 10,2% (1890-
1894) a 20,3% (1922-1929) (Oliveira 1989: 33). Entre 1907 e 1919 a economia evoluiu dinamicamente. A
produção aumentava constantemente, mas isso beneficiou em primeiro lugar não os produtores, mas o capital
comercial e financeiro controlado a partir do exterior, pois paralelamente aos aumentos das exportações
registrava-se um crescimento quase igual da dívida externa. Os superávits da balança comercial gerados nesse
período e em parte consideráveis (cf. Silva 1986: 58) eram cada vez menos suficientes para pagar o crescente
serviço da dívida. Nos anos de 1927 a 1930 o montante do serviço atingiu o dobro do superávit da balança
comercial (Oliveira 1989: 32 s.).

Em 1906 foi assinado o Acordo de Taubaté, iniciado pelo governo paulista (Cano 1998a: 55 ss.). Seu
objetivo foi uma política de sustentação do preço do café, de início financiada regionalmente e com recursos
extra-orçamentários e a partir de 1922 pelo governo federal. Seu ponto culminante foi a destruição de café
durante a crise econômica mundial.14 Aqui o Estado socializou as perdas da economia cafeeira. A estatalidade
regionalmente fragmentada não pode enganar com relação ao fato de que o Estado na sua totalidade já era em
1930 incomparavelmente mais importante do que se costuma afirmar. Boa parte dos bancos, das ferrovias, das
linhas de navegação e das redes de comunicação era administrada pelo Estado. A influência sobre as políticas
creditícia, cambial e de comércio exterior era grande. Com isso o Estado se transformou nos 40 anos da
República Velha em instância reguladora da economia e produtor de partes substanciais da infraestrutura
econômica (Pereira 1996: 212). Aos poucos uma posição pragmática na política financeira e monetária passou a
ter influência. A última década da República Velha caracterizou-se por uma política de desvalorização que
significou um enfraquecimento do padrão ouro.

13
Ao passo que a fronteira aberta para o Oeste, cuja colonização por pequenos proprietários rurais foi fomentada, produziu
um efeito democratizador nos EUA, o gigantesco hinterland brasileiro permaneceu sob controle do Estado e reforçou os
traços autoritários na estrutura social brasileira. A disponibilidade de terras favoreceu alianças entre as oligarquias,
possibilitando a criação de novos latifúndios sem precisar concorrer com os antigos proprietários de terras.
14
A destruição dos excedentes da safra de café no começo dos anos 30 deveria a rigor servir à proteção dos interesses do
setor cafeeiro. À medida que os produtores continuaram colhendo café, que não podia ser comercializado - e precisava,
portanto, ser estocado e posteriormente destruído pelo estado -, o lado da oferta foi estabilizado, podendo ser evitados
efeitos cumulativos negativos - condicionados sobretudo por demissões e pela queda da demanda privada (Furtado 1975:
154). Assim a sustentação do preço do café produziu o efeito não-intencionado de estabilizar simultaneamente a demanda.
Esse é um exemplo típico da essência do keynesianismo latino-americano: criação da demanda pelo Estado, que fomenta de
forma muito desigual os diferentes grupos sociais enquanto demandantes.

47
Com referência ao processo produtivo a introdução do trabalho livre assalariado tornou-se cada vez
mais necessária. Processos mais complexos de trabalho não podiam ser executados com escravos que não eram
livres e portanto praticamente não podiam ser motivados. Formas mais sutis de dominação só podiam começar a
produzir efeitos em sujeitos livres, à medida que estes eram forçados a tomar o seu destino nas próprias mãos.
Inversamente essa liberdade possibilitou aos que agora já não são mais escravos que agissem diferentemente e se
constituissem em sujeitos políticos e coletivos. Depois da proibição do tráfico de escravos em 1850 o governo
central fomentou a imigração européia, para solucionar o problema cada vez mais urgente da ”falta de mão-de-
obra”.15 A migração dirigida visava impedir a produção para fins de subsistência, para assegurar os lucros mais
altos possíveis à produção organizada (Silva 1986: 65). Depois de algumas tentativas malogradas a migração
passou a se dinamizar mais a partir de 1870. Na última década antes de 1900 mais de um milhão de pessoas
emigrou para o Brasil, depois a imigração permaneceu até 1950 em nível elevado. Até 1930 a migração foi o
elemento dinamizador da evolução econômica do Brasil; a partir dessa data a imigração regrediu - certamente
reduzida pelos movimentos migratórios antes, durante e depois da 2ª Guerra Mundial (Singer 1987: 122). A
migração interna do Norte para o Sul e a concentração da população no Sul e Sudeste pôde ser observada a
partir de 1870 (Baer et al. 1978: 68). Para substituir migrantes caros e freqüentemente sindicalizados, forçou-se
a partir dos anos 20 a migração interna, sobretudo a partir do Nordeste em vias de estagnação, e o mercado de
trabalho passou a ser nacional (Rolnik 1980: 53). Essa forte afluência de mão-de-obra permitiu que na região
mais próspera não fossem pagos os salários mais elevados (Cano 1998a: 246 ss.). O mercado de trabalho era
competitivo e regulamentado de modo a estar ”livre” de quaisquer regras de proteção, o que, no entanto, não
deve ser confundido com falta de intervenção estatal, pois as empresas sempre podiam apoiar-se na cooperação
com a polícia.

A relação de concorrência inseriu-se também nos objetivos superiores da estabilização do poder. A


eliminação dos mal-amados atravessadores portugueses fez da oligarquia agrária a beneficiária das relações
desiguais de troca. Por um lado, ela se integrava na burocracia estatal, por outro lado a descentralização do
poder atendia ao seu propósito de ampliar in loco o seu controle sobre a esfera da circulação. Isso se deu por
intermédio de mecanismos político-sociais de controle, cujo exemplo mais típico foram os monopólios de
compra e venda, impostos à força. Nas regiões rurais continuava dominando a troca de mercadorias, sem a
mediação do dinheiro (Oliveira 1989: 16). Depois da proclamação da república em 1889, a relação entre as
esferas local e nacional se reorganizou. No lugar de um poder central que mantinha a coesão dos espaços
dispersos do território apareceram fortes espaços de poder descentralizado, as províncias, que reproduziam in
loco a respectiva estrutura de dominação historicamente surgida. Embora dotados de grande autonomia, os
espaços de poder descentralizado perseguiam, com uma única exceção - o Rio Grande do Sul - e com
intensidade distinta a mesma política: garantia do poder e com isso estabilidade no próprio espaço de poder;
política de localização e com isso política dinâmica de concorrência entre as regiões com o objetivo do melhor
posicionamento possível no campo do poder sobre o espaço. A base da política econômica passou a ser
crescentemente regional. A indústria estava relativamente descentralizada, pois uma integração nacional do
mercado interno era impossível em virtude da falta de uma rede de transporte. Acresciam os impostos
interestaduais (Cano 1998b: 178 s.). Nas regiões individuais algumas poucas empresas industriais detinham uma
posição de oligopólio ou monopólio (Cano, Neto 1986: 176 s.). São Paulo ainda não ocupava de modo algum a
posição de supremacia em escala nacional.16

Os esforços em prol do desenvolvimento, sobretudo os investimentos em infra-estrutura estavam


direcionados para o comércio exterior. Inovações técnicas como novas máquinas, ferrovias, barcos a vapor e o
15
”Era uma colonização amplamente subsidiada. Pagavam-se transporte e gastos de instalação e promoviam-se obras
públicas artificiais para dar trabalho aos colonos, obras essas que se prolongavam às vezes de forma absurda. E, quase
sempre, quando, após os vultosos gastos, se deixava a colônia entregue a suas próprias forças, ela tendia a definhar,
involuindo em simples economia de subsistência.“ (Furtado 1975: 124 s.)
16
Uma das diferenças entre São Paulo e o Rio Grande do Sul era o tamanho muito maior das empresas industriais em São
Paulo (cf. Herrlein, Dias 1996: 146): „O processo de industrialização começou no Brasil concomitantemente em quase todas
as regiões. Foi no Nordeste que se instalaram, após a reforma tarifária de 1844, as primeiras manufaturas têxteis modernas e
ainda em 1910 o número de operários têxteis dessa região se assemelhava ao de São Paulo“ (Furtado 1975: 238). O Rio de
Janeiro, por sua vez, apresentava ainda até 1907 a indústria mais diversificada e uma participação de 30% da produção
nacional (Cano, Neto 1986: 175).

48
telégrafo chegaram ao Brasil pouco depois da sua introdução (Silva 1986: 52).17 As ferrovias, que se expandiam
em ritmo vertiginoso e eram preponderantemente ramais ferroviários, reduziam os custos de transporte
sobretudo do café e asseguraram a inserção no mercado mundial. Essa rede de transportes consolidou uma
estrutura espacial que se concentrou em enclaves na exportação de alguns poucos produtos agrários. A maior
integração no mercado mundial foi facilitada por novos meios de transporte, sobretudo pelo vapor. Os superávits
da balança comercial gerados na segunda metade do séc. XIX resultaram essencialmente da evolução
quantitativamente favorável do comércio de café. As exportações aumentaram até a virada do século, carreando
ao Brasil recursos para o financiamento do seu desenvolvimento. Em outros produtos de exportação a evolução
foi menos positiva. O açúcar experimentou um declínio dos preços que só pôde ser compensado parcialmente
por aumentos das quantidades exportadas. O cultivo de algodão, em vias de expansão no Nordeste, já não era
mais internacionalmente competitivo e concentrou-se por isso no abastecimento do mercado interno (Cano
1998b: 51 s.).

Tabela 5: Comércio exterior do Brasil no séc. XIX, anos selecionados, Brasil, 1829 - 1900, em contos

ano exportações importações saldo


1829 33.400 35.500 -2.100
1834/35 33.000 36.300 -3.600
1838/39 41.600 49.500 -7.900
1850/51 67.800 76.900 -9.100
1860/61 123.200 123.700 -0.500
1869/70 197.100 168.300 +28.800
1880/81 231.000 179.700 +51.300
1885/86 195.000 197.500 -2.500
1889 259.100 217.800 +31.300
1900 850.300 548.900 +301.400
* erro no original
Fonte: Pessoa 1983: 96 – 98

Em 1914 encerrou-se a fase da inserção internacional estável, pois a supremacia britânica no mundo
entrou em colapso. Depois de 1918 os EUA já dispunham de mais da metade das reservas mundiais de ouro; em
1929 eles detinham uma parcela de 42% da produção mundial na indústria de processamento (Altvater 1987:
199 e 201). Assim os EUA evoluíram lentamente na direção de um papel de liderança na economia mundial, que
depois da 2ª Guerra Mundial era em ampla escala inconteste na América Latina.

2.1.3 Modo de desenvolvimento centrado no estado-nação, sob dominação dos EUA


(1929-1982)
O período que iniciou depois da 1ª Guerra Mundial ou com plena intensidade nos anos 30 foi caracterizado pela
formação - pela primeira vez - de um regime nacional completo e estável de acumulação e pela dominância do
estado-nação enquanto ator central. Pode-se falar por várias razões de um regime nacional de acumulação. A
gestão das dividas permitiu transformar o dinheiro nacional em fundamento do esquema reprodutivo D – M – D´
(dinheiro – mercadoría - mais dinheiro). Entrelaçamentos modestos no comércio exterior fundamentaram a
nação enquanto espaço determinante da reprodução, pois importações e exportações eram quantitativamente
insignificantes. Ocorreu uma endogeneização da dinâmica econômica e uma valoração maior do fator político. A
fronteira do território adquiriu importância, a distinção entre ‘dentro’ e ‘fora’ passou a formar a linha divisória

17
A rede ferroviária expandiu-se de 14,5 km em 1854 para 9.076,1 km em 1889: a rede telegráfica, de 65 km (1861) a
10.969 km (1889) (Pessoa 1983: 105 s.)

49
decisiva. Porém, mais importante foi provavelmente a nacionalização gradual do sistema produtivo, concluída
amplamente pela integração dos setores de bens de produção e bens de consumo em 1980. A fraqueza da
acumulação extensiva antes de 1930 consistira, como se sabe, no fato de que os setores de bens de produção e de
bens de consumo não eram vinculados (Aglietta 1987: 71). Em virtude do reduzido setor de bens de consumo, a
expansão do setor de bens de produção chocava-se sempre de novo com limites que conduziam a crises.
Ferrovias precisavam ser fechadas, pois faltavam passageiros, fábricas de cimento não tinham compradores e a
ampliação da infraestrutura urbana encontrava o seu limite na falta de poder aquisitivo dos moradores. Somente
uma dinamização do setor de bens de consumo que pressupôs uma mudança no padrão de consumo da mão-de-
obra logrou assegurar uma estabilização sustentável da acumulação. Um tal regime intensivo de acumulação
busca uma transformação da esfera de reprodução, dos hábitos de consumo e dos estilos de vida. Isso iniciou no
Brasil com a urbanização e a difusão das relações de mercado já no séc. XIX (Fernandes 1987: 77), mas esse
padrão de consumo tornou-se dinâmico e um fenômeno socialmente amplo apenas depois de 1930. A crise
econômica mundial levou a uma queda da participação do valor das importações na renda nacional, de 14%
(1929) a 8% (1932), ao passo que a produção industrial nacional recebeu o impulso decisivo em meio à crise
internacional.18 Tornou-se inevitável construir uma indústria nacional de bens de produção (Tavares 1983: 41).
Os anos subseqüentes de isolamento não-intencional - depois do espaço de entrelaçamento de um nexo de centro
e periferia ter rompido em virtude das crises e guerras no centro - permitiram até o fim da Guerra da Coréia a
transição para um regime de acumulação dominantemente intensivo. Isso se concretizou no Brasil como
industrialização substituidora de importações e como estratégias de desenvolvimento orientada para o mercado
interno.19 O capital reproduzia-se crescentemente no espaço-receptáculo da própria nação. Estabeleceu-se um
novo esquema de reprodução, dominantemente endógeno (Conceição 1989b: 216 ss.). No regime de acumulação
intensiva as transformações na esfera do consumo desempenharam um papel proeminente. A vertiginosa
migração das regiões rurais para os centros urbanos conduziu a maciças transformações no estilo de vida dos
brasileiros. Se em 1940 31,2% da população vivia nas cidades, em 1980 esse número atingiu 66% e em 1997 ele
chegou a 80% (IBRD 1999: 192; Novy 1994: 168). Baseadas na relação de dependência territorial do poder
local, corporificadas no latifundiário, as estruturas rurais arcaicas contavam com proteção política. O espaço de
poder rural subtraía-se à ingerência soberana do estado-nação. Mas em termos econômicos o país se modernizou
e capitalizou. Ocorreu a concentração fundiária; e a estrutura fundiária dificultou o modelo da agricultura de
subsistência. O êxodo rural de camponeses sem terra aumentou o proletariado urbano, freando por sua vez um
aumento dos salários. Como a cidade oferecia trabalho e direitos sociais de cidadania, ela se tornou o novo
espaço de poder econômico. A inserção de contingentes populacionais cada vez maiores no processo de
produção industrial exigiu uma alteração na reprodução da mão-de-obra. Gêneros alimentícios baratos e
disponíveis em quantidade suficiente, agora produzidos em escala maior pela indústria de bens de consumo,
foram pressupostos importantes para a formação de uma reserva confiável de mão-de-obra que já não podia
contar com a possibilidade de retorno ao setor de subsistência.

Sem a intervenção estatal o empresariado brasileiro não tinha condições de efetuar sozinho a regulação
complexa de um regime de acumulação intensiva. A nação em vias de modernização, urbanização e
industrialização carecia de um monitoramento político mais forte. Aqui se revelou útil a circunstância de que o
estado-nação foi libertado das amarras do padrão ouro. Cabia-lhe agora o papel de definir o valor da moeda no

18
„A produção industrial cresceu em cerca de 50 por cento entre 1929 e 1937 e a produção primária para o mercado interno
cresceu em mais de 40 por cento, no mesmo período. Dessa forma, não obstante a depressão imposta por fora, a renda
nacional aumentou em 20 por cento entre aqueles dois anos, o que representa um crescimento per capita de 7 por cento. [...]
O crescimento da procura de bens de capital, reflexo da expansão da produção para o mercado interno, e a forte elevação dos
preços de importação desses bens, acarretada pela depreciação cambial, criaram condições propícias à instalação no país de
uma indústria de bens de capital. [...] Com efeito, a produção de bens de capital no Brasil (se a medirmos pela de ferro e aço
e cimento) pouco sofreu com a crise, recomeçando a crescer já em 1931. Em 1932, ano mais baixo da depressão no Brasil,
aquela produção já havia aumentado em 60 por cento com respeito a 1929“ (Furtado 1975: 199 ss.).
19
Maria da Conceição Tavares (1983: 37 ss.) distingue três fases da substituição de importações. Na primeira, de 1930 a
1945, sob as restrições maciças ao comércio mundial, foram substituídos sobretudo bens de consumo. Num segundo período
de 1945 a 1954, sob condições abertas da economia mundial, fomentada pela política orçamentária norte-americana
fortemente expansiva até o fim da Guerra da Coréia, iniciou a substituição de importações de bens de consumo duráveis e
em alguns setores também bens intermediários e bens de capital. Na terceira fase, de 1955 a 1961, as restrições externas se
acirraram, caindo a capacidade de importação.

50
espaço-receptáculo nacional (Fiori 1995a: 79). Por meio da política financeira, monetária e creditícia ele influiu
de múltiplas formas na distribuição do produto social: subsidiou investimentos, favoreceu a importação de bens
de produção e impediu a importação de bens de consumo. Influiu no salário real não apenas por meio da fixação
do salário mínimo, mas também por meio da inflação e da política de indexação. O Estado assumiu a
responsabilidade pelas condições de reprodução dos trabalhadores. As leis trabalhistas e as regulamentações do
salário mínimo asseguraram nas áreas urbanas o fundamento do novo padrão de consumo de massas. Mas já a lei
definia que no caso do salário mínimo se tratava de um salário de subsistência, isto é, de um mínimo necessário
para a sobrevivência. Não estava previsto o acoplamento a aumentos da produtividade. O consumo direcionava-
se a bens padronizados para as massas, sobretudo à criação de espaço habitacional e do transporte individual
motorizado. Num processo positivo de reforço o poder aquisitivo crescente conduziu a uma produção mais
intensa e barata, o que se tornou possível em virtude de vantagens de escala. Nessa produção de massa para o
consumo das massas consistiu a dinâmica da política econômica keynesiana, que funcionou sobretudo no centro.
Mas também na periferia podem ser registrados efeitos positivos de reforço, embora no Brasil o consumo de
massas tenha ficado restrito à classe alta e à classe média, o que reduziu o dinamismo da produção de massas.
Além disso o país estava por lei excluído da modernização, a ”conquista interna da terra” [”innere Landnahme”]
era incompleta. Como também entre a população urbana se concentravam a renda e com isso as chances de
consumo, a acumulação dominantemente intensiva beneficiou sobretudo a quinta parte mais rica da população,
que logrou aumentar a sua participação na renda nacional. Os 80% restantes se viram obrigados a aceitar entre
1960 e 1980 perdas na participação da renda nacional (cf. Tabela 6). Mas apesar disso os elevados índices de
crescimento permitiram um ganho de bem-estar para camadas mais amplas. Tratou-se, por conseguinte, de uma
forma de fordismo, mas de fordismo periférico, porque a produção se orientou para as classes alta e média
(Lipietz 1986: 32 s.).

Tabela 6: Distribuição da renda pessoal no Brasil no período de 1960 a 1980 (em %)

1960 1970 1980


1º quintil 3.49 3.16 2.80
2º quintil 8.07 6.85 5.00
40% inferiores (1º e 2º quintis) 11.56 10.01 7.80
3º quintil 13.81 10.81 9.60
4º quintil 20.86 16.94 16.90
40% médios (3º e 4º quintis) 34.67 27.75 26.50
5º quintil 53.77 62.24 65.70
relação entre o 1º e o 5º quintil 15.40 19.70 23.46
5% superiores 28.30 34.10 37.90
1% superior 11.90 14.70 16.90
Fonte: Rojas 1998. Baseado no World Bank Development Report 1996

Foi a ditadura militar de 1964 a 1982/89 que colocou a acumulação em novas bases, por meio de novas formas
estatais de financiamento.20 Com a criação de um mercado de capitais e a fundação de empresas estatizadas
constituiu-se o capitalismo financeiro no Brasil. O número de empresas estatizadas aumentou vertiginosamente,21
a ocupação na indústria aumentou até 1970. O Estado financiou no longo prazo essa evolução e forçou a
industrialização na direção da produção fordista em massa. Além disso ele melhorou a infraestrutura. Assim a
20
Sem dúvida os militares não são suficientemente considerados nesse trabalho. Isso tem a ver com o momento histórico do
meu interesse incipiente pelo Brasil, a saber, os anos 80, quando as ditaduras militares pareciam ser uma forma de governo
”superada”. Mas os militares, a ”sociedade política armada”, historicamente sempre foram um ator-chave e constituem até a
atualidade um Estado no próprio Estado, com três ministérios próprios, uma justiça própria e um contingente de 600.000
homens. A Constituição de 1988 não podou o poder dos militares, as instituições da ditadura militar continuam existindo, o
acesso democrático a elas é reduzido (Dreifuss 1989: 26-33).
21
Na esfera federal o número de empresas estatizadas aumentou no período de 1941 a 1950 em 7, chegando até o período de
1971 a 1976 a 138 empresas, sendo que apenas entre 1971 e 1976 foram fundadas 67 empresas; tudo somado, o número
total de empresas estatais aumentou nesse período de 13 a 328 (cf. Tabela A-8).

51
malha rodoviária aumentou de 3.133 km (1955) a 67.607 km (1973) (Robock 1975: 47). No âmbito da indústria
ocorreu um deslocamento dos ramos industriais dominantemente expansivos até os ramos determinantes no
regime de acumulação intensiva;22 com o aumento da utilização de máquinas e tecnologias modernas. Aqui as
empresas multinacionais em expansão desempenharam um papel de central importância.23 O Estado engajou-se
na disponibilização da infraestrutura e da produção de bens intermediários. O grande capital privado brasileiro
controlava por sua vez as áreas do comércio e dos serviços (Senghaas 1980: 132). Numerosos complexos
industriais novos, muitas vezes controlados do exterior - a petroquímica, a agroindústria, o complexo militar-
industrial, a indústria de alta tecnologia e de computadores - permitiram completar a estrutura produtiva (Becker,
Egler 1992: 130 ss.).

Tabela 7: Distribuição do valor agregado na indústria, Brasil, 1949-1980

Ano 1949 1967 1975 1980


setores tradicionais 65.5 44.6 39.6 37.0
setores não-tradicionais 34.5 55.4 60.4 63.0
- papel e celulose 2.1 2.9 2.5 3.0
- minerais não-metálicos 7.4 5.2 6.2 5.8
- beneficiamento de metais 9.4 12.0 12.6 11.5
Química 4.7 10.9 16.7 18.7
Máquinas 2.2 3.2 10.3 10.1
instalações elétricas 1.7 6.1 5.8 6.3
setor de transportes 2.3 10.5 6.3 7.6
Fonte: Baer et al. 1978: 278

Já por volta da virada do século teve início o afastamento do Brasil da Inglaterra e a aproximação aos EUA
(Faria 1996: 62 ss.). A supremacia dos EUA nas décadas posteriores à 2ª Guerra Mundial favoreceu o comércio
mundial, por fixar regras claras para o espaço de entrelaçamento econômico. Mas a CEPAL cedo reconheceu
que a mudança da potência hegemônica na economia mundial não era tão positiva para o continente. A estratégia
dos EUA diante dos maiores países latino-americanos distinguia-se substancialmente da da Inglaterra no século
anterior. A Inglaterra orientava-se pelo comércio exterior e pelo comércio mundial e tinha uma estrutura
complementar de comércio exterior. Os EUA permaneceram durante muito tempo como economia orientada
pelo comércio interno e dispunham de uma gama de produtos de exportação similar à da América do Sul. Disso
resultou também uma estrutura de centro-periferia, na qual o comércio desempenhava um papel menor do que os
entrelaçamentos de capitais. Podemos mostrar bem a constituição ou o enfraquecimento de fronteiras
econômicas com base na evolução do balanço de pagamentos (cf. Tabela 8). Nela a balança de transações
correntes, composta pela balança de serviços e pela balança comercial, se opõe à balança de capital na qual se
contabilizam os créditos e os investimentos diretos. Essas duas balanças devem compensar-se, caso as reservas
cambiais não devam ser alteradas. Investimentos diretos reforçam os entrelaçamentos de capitais. Representam
ativos na balança de capital e conduzem na balança de transações correntes a fluxos financeiros para o exterior
em virtude da remessa de lucros. O fluxo de investimentos diretos do exterior experimentou um primeiro
crescimento no fim dos anos 50 e depois mais uma vez durante a ditadura militar no início dos anos 70 (Fritsch,
Franco 1991: 23).24 Nas duas vezes esses investimentos conduziram em seguida, devido às remessas de lucros, a

22
A participação da indústria química subiu de 4,7% a 18,7% e a da construção de máquinas de 2,2% a 10,1%. Os setores
tradicionais perderam a sua posição dominante, sua participação reduziu-se entre 1949 e 1980 de 65,5% a 37% (cf. Tabela
7).
23
A sua participação nas dez maiores empresas foi em 1968 no setor dos bens de capital de 72,6%, no setor dos bens de
consumo de longa duração de 78,3%.
24
Se nos investimentos diretos dos EUA no Brasil em 1929 ainda dominavam as instituições do poder público como as
empresas produtoras e distribuidoras de energia elétrica e as empresas ferroviárias, os investimentos na indústria de
processamento passaram a ter mais peso a partir de 1946, para se transformarem finalmente no setor inequivocamente
dominante (Becker, Egler 1992: 51; Senghaas 1980: 130).

52
uma passivação da balança de serviços. Nos anos 70 ficou evidente a contradição central: a industrialização
orientada para o mercado interno foi sustentada por capital controlado a partir de fora, obrigado a remessas
periódicas de lucros e juros para o exterior. O déficit na balança de serviços acirrou-se nos anos 70 e preparou o
chão para a crise de endividamento dos anos 80.

O regime de acumulação intensiva não poderia ter-se estabelecido duradouramente no Brasil, se na


esteira da crise econômica mundial e da guerra mundial o comércio mundial não tivesse entrado em grande parte
em colapso entre 1929 e 1945. Uma nova fase das relações econômicas internacionais iniciou-se com o Acordo
de Bretton Woods de 1944, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional como as novas organizações
centrais, por um lado, e com a institucionalização do dólar norte-americano como moeda padrão, por outro lado.
A ONU complementou esse conjunto de organizações supranacionais, que fixou, ao menos em termos de
‘Direito Internacional Público’, a não-ingerência nos assuntos internos de estados soberanos. Juntamente com a
crescente orientação doméstica do regime de acumulação intensiva o poder político se deslocou para os espaços-
receptáculos dos estados-nação. Com ajuda de determinadas condições gerais internacionais enquanto regras de
jogo, estados periféricos também conquistaram um espaço de atuação que até então existira apenas nos centros.
A compensação de interesses divergentes se deu agora pela via do estado-nação, que contudo não serviu
incondicionalmente à democratização e uniformização das condições sócio-econômicas. A ideologia do estado-
nação orientou-se e.g. nos anos 30 pelo fascismo (Fausto 1981: 110). Mas o novo bloco de poder era maior do
que o da ”República Velha”, pois contingentes populacionais maiores podiam ser integrados no novo regime de
acumulação. As oligarquias mantiveram o seu poder baseado no latifúndio, à medida que se submetiam
gradualmente aos interesses nacionais de desenvolvimento e industrialização. No lugar de sindicatos
independentes apareceram sindicatos subordinados ao Ministério do Trabalho, cujos dirigentes foram integrados
ao bloco de poder. A classe trabalhadora recebeu no direito trabalhista consubstanciado em 1943 na CLT
(Consolidação das Leis de Trabalho) direitos sociais claramente definidos.25 A industrialização conduzida pelo
estado-nação possibilitou uma compensação específica de interesses no interior dos grupos dominantes, a saber,
por meio da ”fuga para frente”, da estratégia de crescer e centralizar (Fiori 1995: 78). Forças conservadoras,
ligadas aos EUA e à oligarquia agrária orientada para a atividade exportadora, impediram a imposição dessa
política. Na forma da industrialização realizada em 1956 o capital estrangeiro, apoiado pelo capital do Estado,
desempenhou um papel nitidamente maior.26 O estado-nação aprofundou os seus esforços em desenvolver e
controlar de modo abrangente o espaço de poder. Depois do aumento dos preços de energia em 1973 foi iniciado
um amplo programa de substituição de importação de energia (energia nuclear, hidrelétricas e álcool como
combustível). O Estado investiu no âmbito do seu projeto de integração nacional na valorização da Amazônia,
num projeto que não buscava apenas a exploração das jazidas e da energia hidrelétrica, mas visava também a
exploração militar das regiões fronteiriças e a transformação do Brasil em potência hegemônica na Amazônia.
Pontos de estrangulamento no financiamento foram ”solucionados” mediante empréstimos no exterior, fazendo-
se sentir na economia doméstica sob a forma da inflação. Esta foi o ”ovo de Colombo” para compatibilizar as
velhas alianças com novos objetivos: assim o Estado pôde aumentar os seus gastos sem financiar as suas receitas
mediante títulos do Tesouro Nacional ou outros mecanismos (Fiori 1995a: 96). Na constituição de um mercado
financeiro nacional sob Juscelino Kubitschek e posteriormente sob os governos militares o Estado desempenhou
um papel central, vendendo obrigações a particulares (Oliveira 1989: 94). Os bancos estatais de investimentos
aumentaram a sua participação nos créditos privados de 1964 a 1970 de 6,0 a 17,9% (Tavares 1983: 224).
Financiavam investimentos no setor produtivo e na melhoria da infra-estrutura. A moeda creditícia passou a ter
maior importância em comparação com a moeda de papel.27 Ao lado da poupança maciçamente fomentada e em
parte obrigatória, que aumentou muito, os títulos do Tesouro Nacional foram a segunda fonte principal do
financiamento de um novo surto de crescimento superador da crise. Os títulos públicos indexados puderam

25
Mesmo os oficiais reformistas e os liberais anti-oligárquicos foram marginalizados, e a xenofobia serviu para alimentar o
anticomunismo (Fausto 1981: 106 s.).
26
Já antes da tomada do poder pelos militares em 1964, os investimentos de todo o setor público tinham aumentado de 3,2%
a 6,7% e o consumo do Estado, as transferências e os investimentos tinham aumentado de 7,9% a 14,6%. A arrecadação
tributária subiu de 11% (1955) para 17% (1961) (Bergsman 1973: 56 s.).
27
A participação dos ativos monetários caiu em benefício dos não-monetários no período acima mencionado de 88,4% a
61,1% (Tavares 1983: 229).

53
aumentar a sua participação nos ativos financeiros de 0,7% (1964) a 10,9% (1970). Permitiam aos grupos com
capacidade de pagamento aplicações seguras a juros elevados. Com isso o regime de acumulação, em si já
esgotado, recebeu um último impulso dinâmico. Os trabalhadores foram coagidos à poupança mediante retenção
de parte do salário no FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), destinado a indenizações e ao
financiamento habitacional. Por fim a gestão de divisas objetivou possibilitar importações de bens de produção,
mas não de bens de consumo. As exportações de produtos agrícolas serviam para atrair divisas necessárias ao
processo de industrialização e desenvolvimento.28

Os interesses divergentes foram acomodados mediante a inserção de esferas sociais outrora autônomas
no estado-nação, de modos respectivamente distintos. O Estado ou, para ser mais preciso, o Poder Executivo não
era um ator uniforme: os vários ministérios concorriam entre si, diferentes órgãos públicos perseguiam interesses
particularistas que estavam em contradição com outros interesses igualmente particularistas, e os
desentendimentos entre as chefias nomeadas sempre segundo critérios políticos e o funcionalismo de carreira
forneciam constantemente matéria para conflitos internos, levando à fragmentação da ação estatal (Diniz 1997:
108). Os sindicatos autônomos, logo proibidos, foram substituídos por sindicatos corporativistas, isto é,
sindicatos controlados pelo Estado (Fiori, Jaguaribe 1987: 36). As tarefas das empresas diante dos seus
funcionários reduziam-se ao pagamento do salário mínimo fixado em lei. Para as obrigações sociais restantes a
responsabilidade cabia ao Estado que exigia em contrapartida a aceitação da estrutura existente (Cardoso,
Faletto 1979: 112 s.). A representação dos interesses políticos se dava por lei com restrições setoriais e
territoriais e a constituição de uma central sindical era proibida. Apesar disso as organizações dos trabalhadores
conquistaram uma certa independência e um acesso incipiente ao sistema político.29 Por via do clientelismo foi
possível influir no Poder Legislativo, por via do populismo foi possível influir no Poder Executivo. O Poder
Legislativo, que ganhara influência nos anos 50 e no início dos anos 60, perdeu-a novamente com o golpe de
1964. Sob a ditadura militar os recursos e as decisões se concentravam no governo central. Mas isso afetava
sobretudo projetos individuais; na configuração de programas políticos e estratégias globais a classe
trabalhadora continuou marginalizada. A representação dos interesses empresariais, centralizada no estado-
nação, foi igualmente suprimida como a da classe trabalhadora. Ainda em 1988 havia oito representações de
interesses municipais em nível nacional e três representações de interesses rurais (Diniz 1997: 164). Mas o
Estado estava aberto aos empresários enquanto indivíduos e enquanto frações de classes que representavam
interesses setoriais e territoriais. Ele era o palco no qual os interesses dos empresários podiam ser mobilizados -
e precisavam sê-lo, diante da acumulação politicamente determinada.30

A centralização do poder no Executivo e em nível nacional caminhou de mãos dadas com a


fragmentação interna do Estado.31 Em 1985 havia no nível federal 25.000 órgãos públicos (Diniz 1997: 17). Foi
aumentado o número dos órgãos consultivos nos quais a presença dos empresários era muito forte. Isso levou a
uma articulação direta entre os setores público e privado por via do corporativismo, sem que os partidos
desempenhassem aqui um papel mediador (Diniz 1997: 162 ss.). O corporativismo brasileiro caracterizou-se,

28
Na esteira da 2ª Guerra Mundial, de um surto de crescimento do setor exportador e de importações restritas foi possível
efetuar uma supervalorização do cruzeiro, corrigida apenas em 1953. Essa política em benefício do setor cafeeiro foi
implementada conscientemente sobretudo pelo governo liberal de Eurico Gaspar Dutra. Ela foi seguida entre 1953 e 1957
por um sistema de licenças que distinguia entre tipos de importações; depois o governo passou a cobrar taxas alfandegárias,
mas sem desistir de outras medidas protecionistas como a concessão de licenças (Baer 1989: 53 ss.).
29
Sobretudo depois das grandes greves dos metalúrgicos em 1953 o seu acesso ao sistema político se dava pelo Poder
Legislativo via clientelismo, e pelo Poder Executivo via populismo. A prática da troca de votos representava um mecanismo
para cobrar melhorias concretas das condições de vida.
30
Os salários reais regrediram claramente entre 1961 e 1974, apesar das elevadas taxas de crescimento da economia como
um todo; o valor do salário mínimo real caiu para quase a sua metade (Zenk 1982: 166). O aumento por volta do fim dos
anos 70 estava ligado ao incipiente movimento grevista.
31
”Liberal em sua primeira hora, [o ideário golpista de 1964] dá lugar, em seguida, ao regime mais centralizado e autoritário
de nossa história republicana. Patrono da desestatização, propicia o maior surto de crescimento do aparelho econômico e
produtivo do Estado [...]. Advogado de um combate decidido contra a inflação, produz, no longo prazo, um verdadeiro
descalabro inflacionário“ (Fiori 1995a: 107).

54
portanto, por um estrutura fortemente fragmentada, pelo atendimento privilegiado de interesses empresariais no
aparelho de Estado, pela exclusão dos trabalharores, pelo primado do Executivo na definição das estratégias
políticas e pela concentração do poder decisório na burocracia estatal. À medida que se organizava a
concorrência no espaço-receptáculo nacional, ela era ao mesmo tempo crescentemente politizada. O conflito
social deslocou-se para o interior das instituições do estado-nação: ”Ali se disputaria, a cada dia, desde o direito
à sobrevivência até o ‘direito’ de manutenção de seus subsídios e rentabilidades diferenciados. Disputa
responsável pela expansão muitas vezes desordenada da intervenção estatal e pela instabilidade cíclica das
instituições políticas” (Fiori 1995a: 81). Por um lado, o êxito e fracasso dessa ação política foi medido pelas
medidas tomadas no campo das políticas financeira e fiscal; por outro, nas prescrições jurídicas constituintes do
território. A centralização do estado-nação assegurava por meio de uma regulação nacional a sobrevida a frações
de capitais que não poderiam ter se mantido por mais tempo no mercado internacional: um protecionismo radical
fechava os mercados para empresas nacionais, créditos baratos subsidiavam ramos da economia expostos à
pressão internacional. A oligarquia agrária nordestina, que produzia com métodos atrasados, foi protegida, à
medida que a legislação trabalhista se restringia aos trabalhadores nas cidades. Isso continuou permitindo na
zona rural o pagamento de salários abaixo do salário mínimo (pago nas cidades).

A burguesia industrial em vias de formação organizou-se desde o começo em estreita simbiose com o
Estado, cujas decisões influíam no sucesso ou fracasso da iniciativa privada. Como o sistema era corporativista,
os empresários apostavam no Estado protetor. Mas como isso resultou na concentração do poder nas mãos da
burocracia estatal, a burguesia nutria simultaneamente um profundo ódio contra essa regulação feita pelo Estado
autoritário (Fiori 1995a: 89).32 O tripé - a aliança ”de três pés” - formado pelo capital internacional, responsável
pelo mercado dinâmico dos bens de consumo duráveis, pelo capital do Estado, responsável pela infraestrutura e
pela indústria de insumos básicos, e pelo capital nacional, responsável pelos bens de consumo de pouca duração,
pela construção civil e pela agricultura e pecuária -, do qual contudo também participava o setor dos bancos
privados, foi uma espécie de pacto de não-agressão. A heterogeneidade desses capitais e seu grau distinto de
modernização não eram questionados, conseqüentemente reproduzidos. Com a produção de bens de consumo
duráveis, o capital internacional haveria de tornar-se o motor do desenvolvimento e em virtude dos seus recursos
tecnológicos e financeiros o ponto nodal do poder. Nessa ”internacionalização dos mercados domésticos” os
mercados continuaram fechados às importações, mas a produção dos produtos localmente consumidos ocorria
em empresas multinacionais localizadas no próprio país. Assim essas empresas logravam embolsar subsídios de
colonização pagos pelo Estado e explorar ao mesmo tempo as vantagens de uma estrutura oligopolística do
mercado.

O desenvolvimento regional polarizou-se; a participação da população nordestina na população total do


país reduziu-se no período de 1872 a 1970 de 46,7% a 30,3%, a do Sul aumentou de 7,3% a 17,7% (Baer et al.
1978: 68). Essa polarização foi percebida crescentemente como obstáculo ao desenvolvimento de toda a nação.
Já nos anos 50, a deficiente homogeneização do território nacional, as áreas gigantescas inexploradas da Bacia
Amazônica e a estrutura econômica e social ainda arcaica do Nordeste bloqueavam um desenvolvimento maior
orientado para o mercado interno. A política regional tornou-se crescentemente mais importante para valorizar
recursos ociosos (Cano 1998b: 19 ss.). Um papel-chave foi desempenhado pelo órgão de desenvolvimento
regional do Nordeste, a SUDENE (Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste) (Fernandes 1998:
194). As idéias básicas da estratégia cepalina, concebidas para nações inteiras, foram transferidas a regiões. No
lugar de programas assistenciais como e.g. o combate ad hoc da seca e da fome previa-se um planejamento do
desenvolvimento regional (cf. Furtado 1997b). Essa idéia foi apoiada pelas regiões industrializadas do Sul e
combatida pelos grupos dominantes do Nordeste. Mas o golpe militar de 1964 mudou radicalmente a sua atitude
diante da política regional. Sob condições gerais ditatoriais, conseqüentemente cimentadoras de poder, a política
regional passou a ser um campo central da política, sendo que a partir de então a valorização da periferia no

32
Em 1952 foi fundado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), mais tarde renomeado como Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em 1953 foi criada a empresa estatal de petróleo
PETROBRÁS. Foi projetada a empresa energética ELETROBRÁS (fundada somente mais tarde) e foram feitos
investimentos nos setores de aciaria e mineração (Becker, Egler 1992: 49 s.: Oliveira 1989: 77).

55
interesse do desenvolvimento nacional estava em primeiro plano. A possibilidade, criada para as grandes
empresas, de investir lucros com incentivos fiscais no Nordeste, fomentou nos anos 60 o deslocamento de
unidades de produção para a periferia (Cano 1998b: 242). O ponto culminante dessa estratégia de
homogeneização nacional foi o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) nos anos 70, que
completou a estrutura produtiva do país: tomando generosamente os créditos baratos no exterior, os militares
sediaram ramos da indústria de insumos básicos na periferia e começaram a produzir nessas regiões também
energia em larga escala. Esforços intensos no setor de alta tecnologia completaram o pacote de investimentos. O
poder físico dos militares transformou uma economia nacional composta por uma série de economias regionais e
uma economia nacional abrangente, localizada nas diferentes partes do país e integrada funcionalmente (Oliveira
1989: 55). A expansão do capital paulista e do capital estatal para o Nordeste ensejou a formação de um espaço
nacional de acumulação, cuja base era formada por um processo nacionalmente unitário de valorização do
capital.

2.1.4 Destruição do modo de desenvolvimento centrado no estado-nação e dominação dos


EUA (a partir de 1982)

Seria uma simplificação grosseira querer descrever o regime de acumulação intensiva como fase uniforme e
estável de evolução econômica de 1930 a 1982. As fases do seu esgotamento foram seguidas por tentativas de
adaptação. O golpe militar de 1964, que ocorreu em meio a uma grave crise econômica, foi aqui uma cesura
especial. Foram arquivadas a reforma agrária e a redistribuição da renda. Com isso a dinâmica da acumulação
intensiva só pôde ser preservada mediante um ampliação do consumo das classes média e alta. Por isso os
militares apostaram crescentemente também em estratégias de extensificação. Uma alternativa possível era a
transição ou o retorno a um regime de acumulação orientado para o exterior, vale dizer, uma maior orientação
para a atividade exportadora. Uma outra estratégia era a homogeneização e extensificação no âmbito das
fronteiras nacionais e das fronteiras traçadas pelas estruturas de poder. As economias dos países centrais, nas
quais igualmente se podia perceber fenômenos de crise, apostaram nas duas estratégias. Tentaram manter a sua
dinâmica interna de acumulação e aplicar simultaneamente capitais excedentes em investimentos produtivos nos
países emergentes (Lipietz 1986: 30 s.). Apesar disso os anos 70 já foram anos de crise nas economias dos
países centrais. A virada monetarista sob os governos de Margareth Thatcher e Ronald Reagan provocou em
1980 uma recessão mundial que destruiu o antigo campo da acumulação. Não obstante o enfraquecimento do
espaço econômico nacional e da crise internacional, o Brasil ainda logrou passar por um desenvolvimento
dinâmico depois de 1973. Mas quando os esforços do estado-nação não mais puderam ser financiados - a partir
de fora -, a dinâmica da acumulação se esgotou. A recessão começou com a forte queda da renda nacional em
1981 (- 4,3%), relativamente tarde em comparação internacional, mas de forma especialmente dura (cf. Tabela
9). Nos anos 60 o modo de desenvolvimento e com isso o campo de poder ainda permaneceram intocados; mas
na crise dos anos 80 o modo de desenvolvimento centrado no estado-nação também entrou em colapso. Mais
uma vez se pode falar como nos anos 30 de uma ”grande” crise, do colapso de uma ordem relativamente estável.
Rompeu-se estrutura profunda do poder sobre o espaço, tal como ela formara durante décadas uma unidade em
torno do estado-nação. A nação enquanto estrutura profunda estava minada, o Estado deslegitimado enquanto
ator central. Nessa situação de crise todas as estratégias de acumulação se caracterizaram por sua inconsistência;
a fuga para aplicações de capitais a curto prazo levou a uma expansão vertiginosa do capital financeiro. Mas a
produção física estagnou, a produção de bens de capital no país regrediu e foi substituída em parte pelo aumento

56
das importações;33 a estrutura produtiva nacional, quase completa, desintegrou-se. Enquanto unidade política e
econômica, o território perdeu importância, as suas fronteiras se tornaram permeáveis.

33
Assim a produção de cimento, um indicador confiável da atividade no setor da construção civil e conseqüentemente um
indicador confiável da conjuntura, reduziu-se no período de 1980/82 a 1991/93 de 26523,8 milhões de toneladas a 25411,9
milhões de toneladas (Pacheco 1998: 143). De 1980 a 1992 diminuiu sobretudo a produção de bens de capital, mais
precisamente na razão de dramáticos 44%, bem como a produção de bens de consumo duráveis (na razão de 8%) (Pacheco
1998: 108). A demanda de bens de capital ocorreu crescentemente no exterior. As importações de bens de capital
aumentaram de US$ 5,9 bilhões (1990) para US$ 25,2 bilhões (1998).

57
Tabela 8: Balanço de pagamentos do Brasil, em milhões de US$, 1970 – 1999, anos selecionados

1970 1974 1981 1988 1994 1995 1996 1997 1998 1999
A. Balança comercial 232 -4.690 1.202 19.184 10.466 -3.351 -5.554 -6.765 -6.591 -1.198
Exportação n.d. n.d. n.d. n.d. 43.545 46.506 47.747 52.990 51.140 48.011
Importação n.d. n.d. n.d. n.d. 33.079 49.858 53.301 59.755 57.731 49.209
B. Serviços -815 -2.433 -13.135 -15.103 -14.743 -18.594 -20.483 -26.284 -28.798 -25.212
Juros -234 -514 -9.161 -9.832 -6.338 -8.158 -9.173 -10.390 -11.948 -15.170
Serviços diversos (remessa de lucros, viagens) -119 -198 -1.111 -2.253 -8405 -10.437 -11.310 -15.894 -16.850 -10.042
E. Transações correntes -562 -7.122 -11.734 4.175 -1.689 -17.972 -23.137 -30.833 -33.611 -24.375
F. Balança de capitais 1.015 6.254 12.773 -8.685 14.294 29.359 33.863 25.881 19.881 13.578
Investimentos diretos 132 887 2.326 2.984 8.131 4.663 15.540 20.662 20.520 30.130
Empréstimo à médio e longo prazos 1.443 6.891 n.d. 2.845 54.832 14.736 22.886 28.964 41.596 27.963
Capitais à curto prazo 77 464 1.229 447 909 18.834 5.358 -18.929 -27.300 -5.958
I. Superávit(+) / déficit (-) (1) 545 -936 625 -5.343 12.939 13.480 9.017 -7.845 -17.285 -10.758

RESERVAS INTERNACIONAIS (2) 1,7 (3) 5,3 7,5 9,1 38,8 51,8 60,1 52,2 44,6 36,3
DÍVIDA EXTERNA (2) 5,3 20,0 74,0 114,4 148,3 159,3 179,9 200,0 243,2 241,1
(1)Em virtude de correções adicionais, o excedente e déficit no balanço de pagamentos não correspondem exatamente às transformações das reservas cambiais.
(2) Em bilhões de US$,
(3) Sempre em dezembro de 1971
Fonte:www.ipea.gov.br/ftp/tabelas/ltab88.html (para 1970-1995), www.bcb.gov.br (tab.6.1.1.1.); com relação aos dados para os anos não-mencionados, v. Novy (1998:
191-193)

58
Tabela 9: Dados econômicos principais, Brasil, 1990 até 1999

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
PIB (1) n.d. n.d. n.d. 429,7 543,1 705,4 775,5 801,7 775,5 556,8
PIB-crescimento (%) -4,3 1,0 -0,5 4,9 5,9 4,2 2,7 3,6 - 0,1 0,8
PIB per capita (2) 5.628 5.596 5.480 5.664 5.909 6.072 6.148 6.283 6.192 6.161
PIB per capita (%) -5,5 -0,6 -2,1 3,4 4,3 2,8 1,2 2,2 -1,4 -0,5
Inflação (3) 1476,6 480,2 1157,9 2708,2 1093,8 14,8 9,3 7,5 1,7 20,0
Desemprego (4) 3,9 4,2 4,5 4,4 3,4 4,4 3,8 4,8 6,3 6,3
Índice do nível de 110,0 107,3 104,2 105,0 106,3 104,4 103,2 102,7 100,0 99,1
emprego
taxa de juros reais (5) -4,8 6,7 30,2 7,1 56,4 38,9 23,9 42,0 31,2 19,0
(1)em bilhões de US$, a preços correntes
(2) em preços constantes, R$ (Real) 1999
(3) deflator IGP-DI Geral, FGV, alteração no período em %
(4) Desemprego oficialmente admitido, segundo o IBGE
(5) Selic/ Over, Dezembro
Fonte: www.bcb.gov.br

59
Países capitalistas periféricos, nos quais as formas estruturais do capital, do Estado, do dinheiro e do trabalho
freqüentemente não se coadunam, tendem a desequilíbrios na sua economia externa (cf. Tabela 8). Embora a
estratégia política oficial tenha consistido na substituição das importações, a balança comercial foi
tendencialmente negativa nos anos 70. Nos anos 80, quando ocorreu em virtude do reduzido crescimento
econômico um colapso das importações e uma diversificação das exportações, ela foi quase sempre positiva. Em
1988 ela atingiu um ponto culminante com US$ 19,2 bilhões. Com o Plano Real ela entrou novamente no passivo
em virtude da taxa cambial excessivamente alta e do surto de importações daí resultante.34 No curto prazo, as
importações baratas possibilitaram a absorção local de padrões globais de consumo up to date. Como é típico
para uma economia periférica, a balança de serviços é cronicamente negativa, sendo que o déficit desde os anos
80 se localiza entre US$ 10 e 20 bilhões. A sua maior parte é composta por pagamentos de juros, mas as
remessas de lucros também são consideráveis. Os investimentos diretos, que integram, ao lado dos empréstimos
no exterior, substancialmente a balança de capital, aumentaram especialmente nos anos antes da eclosão da crise
em 1981. Nos anos 80 eles cairam continuamente até desaparecerem em grande parte nos anos de 1986 a 1991.
Em 1992, isto é, já num ano de elevada ”ingovernabilidade”, mas simultaneamente também num período
recessivo nos países industrializados, os investimentos diretos atingiram o patamar de US$ 2,97 bilhões, subindo
depois sobretudo em virtude das grandes privatizações - abstração feita de quedas em 1995 e 1998. Em 1997 elas
passaram da marca dos US$ 20 bilhões. A disponibilidade de capitais internacionalmente aplicáveis foi tão
importante para o boom quanto o ambiente favorável aos aplicadores, criado somente mais tarde pelo Plano Real.

Nove nonos da população se viram obrigados a reduzir continuamente a sua participação na renda de
53,4% (1981) a 46,8% em 1989 (cf. Tabela 10). Elevados índices de inflação foram acompanhados pela
deterioração da distribuição da renda. Apenas na esteira de programas de combate à inflação, como em 1986, ano
do Plano Cruzado, e em 1990, com o congelamento das cadernetas de poupança no primeiro ano de governo de
Fernando Collor de Mello, ocorreu uma distribuição da renda. Apesar disso os 10% mais ricos da população
conseguiram em toda a década aumentar nitidamente a sua renda; o segundo decil conseguiu aumentá-la
ligeiramente e os restantes 80% sofreram perdas. Na esteira do Plano Real a distribuição da renda melhorou mais
uma vez no curto prazo, para deteriorar-se novamente mais tarde.35 O fundamento da deterioração da distribuição
da renda no longo prazo é a distribuição do patrimônio, profundamente inscrita no poder sobre o espaço. Assim
e.g 1% da população controla, em números arredondados, a metade do patrimônio. O patrimônio concentra-se
sobretudo na propriedade empresarial, nos ativos financeiros e na propriedade fundiária. Os diferentes fundos de
investimentos, para citar apenas um exemplo, aumentaram somente de 1994 até maio de 1997 o seu volume de
US$ 54 bilhões para US$ 119 bilhões (Gonçalves 1999: 58 ss.). A deterioração daí resultante da distribuição da
renda bloqueou a demanda maciça enquanto saída da crise de crescimento. A urbanização avançara a ponto de
não mais poder ser um motor do crescimento. A estrutura industrial também tinha sido completada. Estavam
assim esgotadas a partir do lado da demanda as estratégias convencionais e também todas as estratégias
tipicamente brasileiras de superação da crise.

34
Restrições às importações foram retiradas e as taxas alfandegárias foram reduzidas em média de 32,2% (1990) a 12,5%
(1995) (Calcagnotto 1996: 35). Importações baratas serviram no Plano Real para reduzir o nível dos preços internos em
mercados antes protegidos.
35
No ápice da ditadura militar o índice Gini, uma medida para aferir a desigualdade da distribuição, foi de 0,57. Em 1981 ele
estava em 0,57, em 1989 em 0,64! Em 1992 ele esteve em 0,58, em 1993 em 0,60, para cair em 1995 para 0,59, isto é, um
valor que ainda estava acima do de 1992. Isso mostra que as melhorias de 1995 devem ser creditadas sobretudo à situação
dramaticamente negativa antes do início do Plano Real. Parte dos efeitos redistributivos positivos do Plano Real se deve
também a uma crise da agricultura, sobretudo aos preços reduzidos, isto é, a uma transferência de renda das regiões rurais
para as urbanas (cf. www.ipeadata.gov.br, Novy 1998: 180).

60
61

Tabela 10: Distribuição da renda pessoal, Brasil, 1981 – 1990*

participação na renda 1981 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990
(em %)
DECIL
até 10 0,9 0,9 0,8 0,7 1,0 0,7 0,6 0,6 0,8
de 10 a 20 1,8 1,7 1,7 1,7 1,7 1,5 1,4 1,4 1,6
de 20 a 30 2,6 2,5 2,5 2,4 2,6 2,4 2,3 2,2 2,2
de 30 a 40 3,6 3,4 3,4 3,2 3,1 3,1 3,0 2,7 2,7
de 40 a 50 4,5 4,1 4,1 4,0 4,1 4,0 3,8 3,5 3,9
de 50 a 60 5,8 5,4 5,5 5,4 5,5 5,4 5,1 4,7 5,2
de 60 a 70 7,6 7,2 7,3 7,2 7,3 7,3 6,9 6,5 7,2
de 70 a 80 10,5 10,2 10,3 10,2 10,1 10,3 9,8 9,4 10,3
de 80 a 90 16,1 16,5 16,3 16,4 15,8 16,3 15,9 15,8 16,4
de 90 a 100 46,6 48,1 48,1 48,8 48,8 49,0 51,2 53,2 49,7
ACUMULADO
50% mais pobres 13,4 12,6 12,5 12,0 12,5 11,7 11,1 10,4 11,2
80% mais pobres 37,3 35,4 35,6 34,8 35,4 34,7 32,9 31,0 33,9
90% mais pobres 53,4 51,9 51,9 51,2 51,2 51,0 48,8 46,8 50,3
* renda mensal de trabalhadores a partir dos 10 anos de idade
Fonte: www.ipea.gov.br/ftp/tabelas/ltab80.html

Por mais de uma década os militares estabilizaram mais uma vez o modo de desenvolvimento centrado no estado-
nação por meio de uma política keynesiana de demanda e do fomento da homogeneização territorial por meio de
políticas regionais. Tais medidas abriram novos mercados na periferia da nação e sustentaram a dinâmica fordista,
sem precisar abrir para todas as camadas o acesso ao consumo de massas. Em conseqüência dessa política de
homogeneização espacial, mas não social, a distribuição da renda se tornou regionalmente mais (cf. Tabela 11), mas
a distribuição pessoal menos equilibrada (cf. Tabela 10). São Paulo, cuja renda per capita em 1939 já estava 79%
acima da média no Brasil, aumentou essa vantagem até 1970 para 100%, para cair depois até 1995 a uma vantagem
de 65%. Desde 1970 São Paulo pareceu perder crescentemente essa posição dominante na estrutura regional do
Brasil.36

Tabela 12: Diferenças regionais da renda média por habitante, Brasil, 1939 – 1995

1939 1970 1995


NO 79 56 68
NE 33 38 49
MG 61 69 88
ES 62 69 90
RJ 239 163 123
SP 179 200 165
PR 96 75 119
SC 78 88 109

36
A sua participação no valor agregado da indústria processadora, que culminou em 1970 em 58,2% depois de aumentos
contínuos nas participações, caiu nos anos seguintes gradualmente até chegar em 49,8% em 1995. No PIB essa perda da
participação é mais reduzida, pois aqui as perdas de participação da indústria foram suavizadas por ganhos de participação
na economia agrícola e pecuarista e no setor de serviços. A participação regional de São Paulo no PIB reduziu-se por isso
apenas de 39,5% (1970) a 36,4% (1990), para subir depois até1995 novamente a 36,6% (cf. Tabelas A-13 e A-14)

61
62
RS 127 119 119
CO 69 67 84
DF - 175 206
Brasil =100 (siglas: v. gráfico 7)
* NO compreende no período de 1985 a 1995 o Estado de Tocantins
* CO compreende no período de 1939 a 1970 o Estado de Tocantins
Fonte: Cano 1998b: 316

As dimensões da crise até agora descritas evidenciam aspectos de uma crise de subconsumo. Mas também no
lado da demanda os sintomas da crise se aprofundaram. O fenômeno está ligado ao enfraquecimento da indústria
nacional, motor da dinâmica do crescimento fordista. Desde 1980 a indústria era essencialmente responsável
pelas graves quedas e pelos surtos não suficientemente duradouros de crescimento da renda nacional. (cf.
www.ipea.gov.br/ftp/tabelas). O estado-nação, devido aos investimentos estatais na infraestrutura e às empresas
estatizadas substancialmente responsável pela formação de capital no longo prazo, não pôde mais preencher o
seu papel no velho campo de regulação. A crise fiscal levou a uma forte redução dos investimentos estatais e
com isso a uma redução dos índices de investimento.37 Os investidores privados também se mantiveram
reticentes e desviaram, em virtude da insegurança e das opções lucrativas, para aplicações em capital financeiro.
A partir daí as empresas geravam lucros no mercado financeiro, ao passo que os elevados juros sobre o capital
estrangeiro motivavam as empresas a fazer investimentos produtivos principalmente com recursos próprios.
Tudo somado, a evolução dos lucros permaneceu insatisfatória, embora os salários reais também praticamente
não aumentassem depois do fim da ditadura.38 A explicação desse fenômeno deve ser buscada até 1990 no
modesto aumento de produtividade39, pois enquanto a produção industrial estagnava, o número de horas
trabalhadas se reduziu mais ainda. Embora a produtividade aumentasse claramente depois, não está claro até que
ponto isso produziu um efeito dinamizador e até que ponto ocorreu apenas uma economia de mão-de-obra.40

A centralização do espaço de poder, levada ao ápice pela ditadura militar, criou um estado-
nação aparentemente todo-poderoso. Mas o campo do poder centralizado não impediu que o estado-nação
permanecesse em grande escala impotente enquanto ponto nodal da rede de poder diante de influentes interesses
da sociedade civil. Quando necessário, essas frações das classes dominantes agiam à margem do Estado, mas
serviam-se dele enquanto instância garantidora da estabilização da estrutura de poder. O Estado perdeu essa
função desde o fim da ditadura. Os diferentes grupos sociais promoveram, em parte consciente, em parte
inconscientemente, o enfraquecimento do estado-nação e prepararam assim o chão para a sua reestruturação. A
política fiscal e financeira desempenhou aqui um papel central. O saneamento do orçamento público era
considerado desde a ditadura militar o objetivo político em grande parte inconteste.41 Isso se explica a partir da
idéia de que o déficit público fomentaria a inflação. Com efeito os numerosos programas de estabilização
sempre foram justificados com o argumento do combate ao déficit do orçamento público. Uma análise mais

37
Ao passo que a quota de investimentos em 1980 ainda estava em 23%, ela caiu depois continuamente até 14%. Durante o
Plano Real ela se recuperou no curto prazo para chegar em 18,5% no 2º trimestre de 1997, para regredir depois em fins de
1998 novamente a 17,1% (www.ipeadata.gov.br).
38
A participação dos salários no valor agregado, que tinha regredido continuamente desde 1949, aumentou na segunda
metade dos anos 70 sobretudo em decorrência das greves nos ramos dinâmicos da indústria. Mas a recessão de 1980 a 1984
atingiu duramente os trabalhadores. Somente com o aumento do crescimento econômico em 1984 aumentou novamente a
participação dos salários no valor agregado.
39
Comparada com a produção física por trabalhador, a análise da evolução da produtividade do trabalho, mostra que a
acumulação esteve nos anos de 1976 a 1990 em uma crise maciça. A partir de 1990 a produtividade do trabalho começou a
aumentar novamente, mas isso deve ser creditado essencialmente à involução dos índices de emprego; a produção e os
índices de emprego foram desacoplados (Seade 1995b: 40).
40
Parte dos lucros de produtividade depois de 1990 resultou de processos de modernização que foram implementados como
resposta à abertura do mercado. Em 1992 somente 38 empresas tinham adquirido o certificado ISO 9000, em 1993 esse
número já chegou a 166 e em 1994 ele chegou a 400, mais do que toda a América Latina restante (Seade 195b: 28). Outra
parte explica-se a partir de terceirizações para empresas autônomas prestadoras de serviços (Seade 1995b: 32-36).
41
Por ocasião da introdução do Plano Real o objetivo do saneamento do orçamento público esteve, no discurso oficial, até
acima do da estabilização dos preços (www.fazenda.gov.br vom 16.8.1999).

62
63
acurada evidencia nexos inteiramente distintos, pois o Estado pôde controlar bem as suas receitas e despesas
correntes também nos anos 80 e 90. Ainda em 1994 foi alcançado um superávit considerável de 5,1%. Mas o
cálculo das receitas e despesas correntes tornou-se cada vez mais insignificante para o Brasil. O déficit
orçamentário operacional ou nominal explodiu sob o Plano Real em virtude dos juros elevados: em 1998 7,5%
dos PIB tiveram de ser gastos no pagamento dos juros, o que equivaleu a uma sangria maciça do Estado (cf.
Tabela 12). Esse endividamento da união deslocou-se da dívida externa para a dívida interna que se cifrou em
1998 em R$ 218,9 bilhões. A dívida pública externa atingiu apenas R$42 16,9 bilhões
(www.seplan.gov.br/sof/orc98). A política dos juros elevados causou, por conseguinte, o aumento dramático do
endividamento do setor público, de 29,9% (1995) a 47,o% (1999) (www.bcb.gov.br). Comparada com a renda
nacional em escala internacional, esse endividamento do setor público continua não sendo elevado. Mas o
aumento da dívida e os prazos curtos dos reembolsos são motivos de grande apreensão. Embora o saneamento
do orçamento do Estado tenha sido o grande objetivo que o governo se fixou, justificando muitos cortes no
Estado de Bem-Estar Social, o resultado foi extremamente negativo.

Tabela 12: Necessidades de financiamento do setor público, Brasil, 1993-1999, em % do PIB, em números
arredondados

Tipo 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999


Nominal 58,1* 43,7* 7,2 5,9 6,1 8,0 5,6
Operacional -0,2 -1,3 4,9 3,8 4,3 7,5 3,2
Primário -2,6 -5,1 -0,4 0,1 1,0 0 -3,1
Juros reais 2,4 3,8 5,2 3,8 3,3 7,5 6,3
* os números elevados resultam, por razões de técnica de cálculo, do elevado índice inflacionário
Fonte: www.bcb.gov.br

Uma análise do orçamento, que pela primeira vez pôde ser efetuada com seriedade em 1995, não é empreitada
fácil nem para esses anos. Assim uma grande parte das despesas está contabilizada no item ”Administração
financeira”, isto é, na administração do serviço da dívida (cf. Tabela A-9). Trata-se, nessas despesas de itens de
passagem [? Durchlauferposten; a tradução é literal e designa os montantes que, no caso, entram no caixa do
governo, mas são transferidos integralmente a terceiros, não podendo, por conseguinte, ser lançados na
contabilidade. O tradutor desconhece o termo técnico em português e remete a questão à decisão do revisor da
editora.] e não é possível fazer inferências diretas sobre o ônus do serviço da dívida. Não obstante, algumas
tendências podem ser reconhecidas. Assim uma estagnação se evidencia nos gastos sociais: os gastos para
educação e saúde foram em 1998 em termos reais menores do que em 1995, o que significa que os gastos per
capita sofreram uma nítida redução. Foram cortadas muitas atividades de investimento, com exceção do
desenvolvimento regional. O único item na área dos gastos sociais que aumentou nitidamente foi o da
Previdência Social. Aqui os gastos - aos quais se contrapõem também as receitas advindas das contribuições dos
funcionários públicos federais - aumentaram em preços constantes de 66,42 a 82,95 bilhões de reais. No lado
das receitas o Estado foi bem-sucedido nos anos 90 (cf. Tabela 14), e isso apesar da falta da reforma do sistema
tributário extremamente regressivo e ineficiente. De acordo com estudos internos do Ministério da Fazenda nem
os ”100 brasileiros mais ricos” nem as grandes empresas pagam impostos.43 No sistema tributário, em si uma
área central para o saneamento das finanças públicas, só foram agudizadas estruturas negativas. Assim o limite
de isenção de tributação estava, no imposto de renda, em R$ 1.800,00, atingindo duramente a classe média (Fritz
1996: 29). Sobretudo os latifundiários não pagavam os seus impostos ou estavam altamente endividados junto ao
Banco do Brasil. No campo da cultura as propostas também se limitaram essencialmente a isenções tributárias
concedidas para patrocínio cultural e redutoras da receita do Estado. A guerra fiscal para a atração de projetos

42
R$ designa desde 1994 a moeda corrente, o Real, que passou a ocupar o lugar dos numerosos cruzeiros e cruzados. A sua
taxa de câmbio com relação ao dólar norte-americano caiu até 1998 de 0,80 a 1,20.
43
Deve-se considerar que a alíquota máxima é de apenas 25%; a tributação de capital se cifra em 8,18% (28,43% na média
dos países do G-7). Apenas os impostos sobre o consumo - de efeitos regressivos - são com 16,74% mais elevados do que
nos países do G-7 (12,65%) (Fritz 1996: 28 s.).

63
64
industriais, oficialmente lamentado pelo governo federal, mas efetivamente apoiado, também é muito
custoso para os cofres públicos.44 O lado especialmente problemático dessas medidas está no fato de que o
Estado não apenas concede subsídios no presente, mas abre mão de receitas também no futuro.45

Tabela 13: Programa Nacional de Desestatização, Brasil, 1991 - 1998, em milhões de US$

Setor Nº de empresasReceita de Dívidas Total


Vendas transferidas
Aço 8 5562 2.626 8.188
Petroquímica 27 2.135 1.003 3.701
Elétrico 3 3.828 1.670 5.498
Ferroviárioas 6 1.491 - 1.491
Mineração 2 3.305 3.559 6.864
Telecomunicações 22 26.557 2.125 28.682
Outras 16 1.401 343 1.744
Minoria - 1.039 - 1.039
UNIÃO 83 45.81 11.326 57.207
ESTADO 21 22.367 5.223 27.590
TOTAL 111 68.248 16.549 84.797
Fonte: www.bndes.gov.br/pndnew/sectors.htm, www.fazenda.gov.br

A desestatização iniciada em 1991 foi essencialmente fundamentada com argumentos ideológicos.46 O Estado
deveria separar-se do controle de ramos não-essenciais como a produção de aço, a petroquímica e a mineração,
para poder voltar-se às suas tarefas mais precípuas nas áreas da educação e da saúde. Mas ao mesmo tempo a
privatização deveria contribuir para o saneamento do orçamento público. Ora, a análise mostrou que a maior
onda de privatizações andou de mãos dadas com o maior aumento do déficit orçamentário na história do Brasil.
Essa circunstância torna plausível o argumento de que o Estado teve, em última instância, de gastar mais para a
desestatização do que ele recebeu em pagamento. Biondi (1999: 41) calculou que o Estado contabilizou
oficialmente R$ 85,2 bilhões de receitas, incluindo aqui ao lado do dinheiro recebido também a transferência das
dívidas aos novos proprietários. A esse número, Biondi contrapôs, ao lado de outros custos não-calculáveis, os
custos calculáveis da privatização no valor de R$ 87,6 bilhões.47 De início somente uma parte do preço de
compra foi paga em dinheiro, os pagamentos restantes foram efetuados com títulos de dívida, entre outros do

44
O Estado do Paraná subsidiou a fábrica da Renault em São José dos Pinhais com R$ 300 milhões, somados aos
investimentos do grupo francês, no valor de R$ 700 milhões; o município isenta o grupo por dez anos dos impostos locais
(Veja, 20 de março de 1996). Essa substituição destrutiva da falta de uma política industrial nacional custou aos estados nos
primeiros três anos do Plano Real no mínimo 9 bilhões de reais (Folha de São Paulo, 14 de setembro de 1997).
45
Muitos governos estaduais concederam isenções fiscais ou créditos fortemente subsidiados. Um único projeto, o da fábrica
da Mercedes-Benz em Juiz de Fora, que deverá criar 2.000 empregos diretos e 5.000 empregos indiretos, foi financiado pelo
BNDES com R$ 325 milhões - em comparação com investimentos totais no valor de R$ 1,1 bilhões. As condições do
financiamento não foram publicadas. A fábrica da Renault no Paraná recebeu do governo estadual subsídios no valor de US$
1,5 bilhões, as montadoras da GM e da Ford no Rio Grande do Sul deverão receber redondamente US$ 4 bilhões (Novy
1998: 237).
46
Não estariam em jogo apenas receitas do Estado, mas também o interesse em ”evitar perdas futuras para o governo”. Sob
esse ponto de vista o comentário do ex-ministro Roberto Campos perante a CPI das privatizações realizada pelo Congresso
Nacional também se torna compreensível: ”Existe um outro processo de privatização [...] que já propus no ano de 1982 para
ser aplicado no Brasil, e que consistiria simplesmente na doação das empresas” [REVISÃO: verificar citação no original]
(cit. ap. Winckler, Pacheco 1994: 151).
47
Junte-se a isso R$ 28,5 bilhões de investimentos públicos pouco antes da privatização e os juros (R$ 8,9 bilhões) e R$
16,1 bilhões de dívidas das empresas, assumidas pelo Estado, e seus juros (R$ 8,9 bilhões). Por fim o valor verdadeiro dos
títulos de dívida, com os quais os compradores adquiriam as empresas, estava R$ 8,9 bilhões abaixo do seu valor nominal.
Por meio da venda a prazo o Estado perdeu outros R$ 14,8 bilhões. R$ 1,7 bilhões foram deixados pelo Estado no dia da
venda como recursos líquidos nos caixas das empresas.

64
65
tesouro público, cujo valor de mercado no mercado paralelo estava muito abaixo do seu valor nominal. De
risíveis 1,2% de receitas em numerário (1991/92) a participação aumentou para 34,6% (193/94) ou 32,6%
(1995). Em 1996 e sobretudo em 1997 a maior parte teve de ser paga em espécie (Tabela A-10). Antes da
privatização, o Estado investiu maciçamente nas suas empresas para torná-las mais atraentes. Em conseqüência
disso as estatais, outrora ”ineficientes”, auferiram lucros consideráveis em 1996 (R$ 2,6 bilhões) e em 1997 (R$
7,2 bilhões) (cf. Tabela A-11). Poder assumir a preço barato empresas dessarte saneadas passou a ser um
negócio lucrativo.48

Na reestruturação do setor bancário o Estado também desempenhou um papel central,


socializando os prejuízos. Em conseqüência, os bancos agora saneados foram vendidos aos grandes bancos
nacionais e crescentemente também a bancos estrangeiros. Em fins de 1999 40% do capital dos bancos privados
já se encontravam nas mãos de proprietários estrangeiros (www.zerohora.com.br de 10.1.2000). Foram criados
dois programas especiais, um destinado aos bancos privados e outro destinado aos bancos públicos. O PROER
(Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional) custou à União
R$ 21 bilhões, dos quais até início de 1998 somente foram devolvidos R$ 1,2 bilhões em dinheiro; outros R$
13,2 bilhões a União recebeu em títulos ”podres” de reduzido valor de mercado (FSP, 20 de janeiro de 1998). O
PROES (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Estadual) poderá
custar até R$ 50 bilhões (FSP de 30 de janeiro de 1998). Em 2000 o BANRISUL no Rio Grande do Sul será o
único banco estadual remanescente. Todos os outros estados foram forçados no contexto das renegociações da
sua dívida à venda dos seus respectivos bancos estaduais. Se um governador não tivesse cedido à pressão do
Banco Central, isso teria piorado as condições para a renegociação da dívida. Estados que privatizaram
receberam créditos subsidiados. Essa foi uma nova forma de regime financeiro político. De resto o BNDES
disponibilizou linhas de crédito específicas para a privatização, pagando adiantamentos aos estados (FSP de 4 de

48
Com a venda de 13 empresas geradoras de energia elétrica da União e dos estados, um patrimônio no valor de R$ 15,589
bilhões mudou de dono até o início de 1998. A empresa de eletricidade do Estado do Rio de Janeiro, Light, é de propriedade
de um consórcio do qual participa também a Electricité de France. Este consórcio adquiriu também a Eletropaulo
Metropolitana, tornando-se assim o maior produtor de energia elétrica da América Latina. Do valor de venda, R$ 2,026
bilhões, o BNDES emprestou R$ 1,013 bilhões, pagáveis em cinco prestações anuais. R$ 600 milhões puderam ser pagos
com títulos de dívida, o que significou uma economia de fato no montante de R$ 50 milhões. Tudo isso foi financiado por
um consórcio de bancos internacionais. A Light reduziu depois da privatização o seu quadro de pessoal de 11.000 a 6.700 e
conseguiu assim sair do vermelho. No primeiro trimestre de 1998 a empresa contabilizou um lucro de R$ 115,2 milhões
(diante dos R$ 81,2 milhões no mesmo período em 1997). O BNDES contribuirá com R$ 730 milhões para investimentos,
além disso foram concedidos em maio e agosto de 1998 aumentos das tarifas em 4,0% ou 5,86%. Ao mesmo tempo a
empresa entrou nas manchetes do noticiário em início de 1998 em virtude de grandes cortes de energia. O órgão fiscalizador
impôs uma multa de R$ 2 milhões, não muito mais do que o lucro gerado em um dia. Também as ferrovias, que no decurso
do séc. XX em sua maior parte tinham sido compradas por empresas privadas, foram reprivatizadas. Mas três das cinco
empresas ferroviárias privatizadas reduziram as suas quantidades de carga. Um trecho adquirido por um grupo norte-
americano, que liga São Paulo com a Bolívia, custou R$ 60 milhões - pagáveis em trinta anos. Mas o resultado operacional
das ferrovias nas empresas privatizadas é inferior ao das antigas empresas estatais e ficou abaixo dos objetivos fixados na
licitação das privatizações. Entrementes estes objetivos são considerados ”irreais” pelos novos proprietários, ao passo que a
empresa consultora responsável pela licitação considera as orientações prévias ”perfeitamente possíveis” e ”muito
conservadoras”. No entanto, conseguiu-se realizar nas empresas privatizadas as demissões em massa previstas (10.996 de um
total de 22.303 funcionários). As empresas de pedágio também foram privatizadas. Em São Paulo a Imigrantes custou R$ 87
milhões, pagáveis em 240 prestações mensais de R$ 0,34 milhões, respectivamente, e uma entrada no valor de R$ 10
milhões. As receitas esperadas cifravam-se em R$ 220 milhões por ano.
O BNDES financiou também uma nova usina geradora de energia elétrica da recém-privatizada siderúrgica Companhia
Siderúrgica Nacional com um valor de R$ 300 milhões. A empresa tinha sido vendida em 2 de abril de 1993 ao preço de R$
1.495 milhões, assumindo o vendedor também dívidas no montante de R$ 533 milhões. Em 1997 os lucros foram de R$ 450
milhões.
O grupo financeiro que comprou a grande usina siderúrgica Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda adquiriu
por R$ 3,3 bilhões também a empresa de mineração CVRD (Companhia Vale do Rio Doce). A empresa controla uma área
de 351.723 km2 com jazidas de minérios estimadas em 41,3 bilhões de toneladas, sobretudo na área do Projeto Carajás. Essa
empresa estatal de orientação crescentemente transnacional criou dessarte no âmbito da área da qual é proprietária um
território de seu próprio domínio. Com a privatização, o território também foi privatizado. A empresa privatizada reduziu o
quadro de pessoal de 15.142 a 10.466 e obteve em 1997 um lucro recorde no montante de R$ 756 milhões (indicação
detalhada das fontes cf. Novy 1998: 205-212 e Biondi 1999).

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66
julho de 1998). Apesar de toda a retórica em torno do estado mínimo, o papel do setor público tendeu mais a
aumentar. A administração financeira gerou em 1995 com 30,58% do PIB receitas nitidamente superiores às de
1988 (22,43%). Para os municípios as receitas disponíveis praticamente duplicaram. O maior aumento em
termos de participação no PIB foi consignado pela União com 3,07 pontos percentuais.

Tabela 14: Receitas disponíveis por ente federativo, em percentuais do PIB, 1988 – 1995

1988 1995 alteração


1988/1995
Receitas disponíveis 22,43 30,58 8,15
União 13,98 17,05 3,07
Estados 6,04 8,39 2,35
Municípios 2,41 5,14 2,73
Fonte: Affonso 1996: 8

A análise do orçamento não revela quaisquer esforços de saneamento na Previdência Social. Muito pelo contrário,
todas as energias foram canalizadas para modificar a Previdência Social. Os gastos crescentes serviram ao governo
de argumento para minar a Previdência Social como direito universal de cidadania e abrir o caminho à privatização.
Apesar da involução dos gastos na área social as transformações quantitativas foram menos relevantes do que as
qualitativas. As rupturas estruturais podem ser constatadas no plano da organização. O projeto Comunidade
Solidária, uma espécie de anúncio publicitário em matéria de política social, celebrado como inovação e liderado
pela esposa do Presidente da República, compreende-se como um modelo de cooperação entre Estado e Sociedade
Civil. Na verdade ele é um modelo assistencialista que continua minando o sistema de Previdência Social de
orientação universal e fragmenta as contribuições de natureza social. À participação na execução contrapõe-se o
controle por parte do Estado na estruturação. 49 Direitos sociais ou ao menos assistência social enquanto direito de
cidadania existem cada vez menos. A política social do governo federal foi financiada por uma centralização de
recursos que temporariamente declarou sem vigor a constituição. Com ajuda do FEF (Fundo de Estabilização
Econômica) o governo colocou a mão em recursos que segundo a constituição cabem aos estados e municípios.
Conseguiu-se assim que os estados e municípios se tornassem mais dependentes de medidas discricionárias,
contribuições, negociações sobre o alongamento da dívida etc.50 Essa dependência política e econômica atingiu
especialmente os estados e municípios pobres que praticamente não dispõem de uma arrecadação tributária. Em
conseqüência, pode-se registrar que o Estado claramente continua desempenhando um papel ativo, mas a
autorestrição da atuação estatal se refere sobretudo à capacidade do Estado de cumprir as suas obrigações nas áreas
da saúde e da educação e efetuar os necessários investimentos na melhoria da infraestrutura.

A partir dos anos 70, o problema-chave da regulação da moeda passou a ser a inflação. As teorias
predominantes da inflação concentravam a atenção da opinião pública principalmente na questão da indexação
salarial (espiral dos salários e preços) e na inflação inercial (baseada em expectativas de inflação) (Baer 1989: 134-
163). A primeira foi combatida com pactos sociais -sempre malogrados - e uma sorrateira redução dos salários reais;
a segunda foi estancada apenas transitoriamente com o congelamento de salários e preços do Plano Cruzado,
caracterizado como heterodoxo. A crise fiscal era percebida como terceiro problema, identificado crescentemente
como causa principal. A teoria econômica dominante, cujo caráter religioso transluz na sua autodenominação
‘ortodoxia’ (a fé correta), vê na moeda um ”lubrificante” neutro para o funcionamento da economia real. Só quando
a política comete erros, o dinheiro não cumpre a sua função de unidade de cálculo, meio de pagamento e meio de
preservação de valor (Schelkle 1995). Uma ”oferta excessiva” de moeda, provocada por gastos demasiado generosos
do Estado na esteira da democratização, foi responsabilizada pela perda de valor da moeda. No entanto, foi possível
evitar tanto uma hiperinflação quanto uma dolarização total da economia, mantendo-se a moeda nacional atraente
49
Se a Comunidade Solidária atendeu em 1995 a 1.826.087 família abaixo da linha de pobreza, ela atendeu em 1998
somente 1.044.419 e em 1997 o número de famílias atendidas provavelmente ficou ainda mais reduzido.
50
Além disso os estados tiveram de abrir mão a partir de 1997 também das receitas do ICMS para a exportação de produtos
primários ou pouco processados.

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para investidores mediante uma política de juros elevados, pois o traço distintivo central da crise estava
fundamentado na forma específica do mercado de crédito no Brasil. Um impulso essencial do mercado partia dos
investidores privados que compravam títulos de dívida do Estado brasileiro. ”Mas o importante papel que as rendas
de capital a partir de títulos da dívida pública desempenham com vistas à aceleração da inflação ficava fora da
discussão, por isso as pessoas efetivamente responsáveis por uma política de adaptação em benefício da população
em bom situação econômica permaneciam incógnitas. A crítica do Estado perdulário, feita por organizações
internacionais, lhes era bem-vinda para que se subtraissem a sua própria responsabilidade pela desestabilização
econômica durante os anos 80” (Pereira 1998: 143). Depois do cruzado não estar mais em condições de cumprir as
funções clássicas da moeda, as Obrigações do Tesouro Nacional ocuparam o seu lugar e se transformaram em moeda
paralela. O único preço importante que era em larga escala calculado em cruzados era o salário. A pressão
determinante sobre os preços se dava indiretamente pela via do aumento da dívida pública. Os prazos de reembolso
da dívida se tornaram mais curtos, os juros subiam. Os dois fenômenos iniciaram uma espiral de endividamento.
Diante disso, a evolução dos gastos públicos, considerada genericamente, tinha uma importância reduzida.

A análise do balanço de pagamentos mostrou que a dinâmica da economia mundial se apresentava nos
últimos tempos, do ponto de vista da periferia da economia mundial, essencialmente como crise (Parnreiter et al.
1999). O mecanismo nuclear da dependência está no fato dos aportes e das saídas de capitais serem
determinados por fatores externos à região, a saber, pela decisão de aplicação dos proprietários do patrimônio
nas economias centrais. Nos anos 70 havia capitais excedentes nos centros. Eles eram emprestados a juros
baixos à periferia. A valorização do dólar e a elevação da taxa dos juros depois de 1979 encareceu o capital e
concentrou-o no centro. Ao invés de se manter na periferia, o capital se deslocava da periferia de volta para o
centro. O Brasil tornou-se a partir de 1985 um exportador de capitais. Como a sua balança de capital tornou-se
negativa, a balança de serviços se viu obrigada a gerar superávits. A subvalorização da moeda foi instrumental
para poder fazer arrancar a economia exportadora e pagar o serviço da dívida. Isso assegurou a transferência de
capitais do Hemisfério Sul para o Norte. Sobretudo nos anos 80 o Brasil desvalorizou a sua moeda, em
consonância com as recomendações do Fundo Monetário Internacional, para fomentar a economia exportadora.
Na época os interesses de produção ainda ocupavam o primeiro plano. As exportações eram importantes, pois
assim se assegurava a transferência de capitais do Sul para o Norte. A indústria exportadora se beneficiou da
política de moeda fraca e sofria com a política de moeda forte. Nos anos 90 o serviço da dívida começou a
perder importância na discussão da política econômica. Em primeiro plano estavam as condições favoráveis para
os aplicadores. Tanto nos países em desenvolvimento quanto nos ex-países socialistas do Leste Europeu era
necessário assegurar a estabilidade e juros elevados, o que era sinônimo de uma redistribuição maciça em
benefício dos proprietários de capital financeiro. A estabilidade introduzida com o Plano Real fez com que os
aplicadores internacionais descobrissem o Brasil como ”emerging market”. A inflação foi combatida em 1994
com uma receita tradicional: o acoplamento a um padrão monetário internacional. Com isso o Brasil se submeteu
depois de 60 anos novamente às regras de um regime financeiro internacional sem soberania nacional em
matéria financeira (Fiori 1995a: 112). O Real foi ancorado no dólar americano, sem que o acoplamento alguma
vez tivesse sido fixado. A política de moeda forte - falava-se de uma estratégia de estabilização baseada nas
taxas de câmbio (Fritz 1996: 32) - estava em oposição à forma anteriormente praticada da abertura para o
mercado mundial. Nessa forma da regulação da moeda as reservas cambiais desempenharam uma função central,
o que as distinguia fundamentalmente da gestão de divisas praticada no modelo orientado segundo o mercado
interno. Na época o Brasil não precisou proteger a sua taxa de câmbio com reservas cambiais caras, porque
mantidas com juros baixos. Controles de circulação de capitais limitavam o comércio com dinheiro. As reservas
cambiais cifravam-se em 1971 em US$ 10 bilhões, para crescerem depois num salto (cf. Tabela 8). Abstraindo
dos ataques especulativos à moeda - sempre muito caros para o Banco Central -, as reservas aumentaram. Isso
foi muito caro para o Estado, pois ele precisava emitir a juros elevados títulos de dívida para adquirir papéis
norte-americanos com juros baixos como reserva cambial. A acumulação de grandes reservas cambiais foi
possibilitada internacionalmente por capital disponível em busca de oportunidades de aplicação e nacionalmente
por uma política de juros altos. Aplicadores nacionais e internacionais em busca de lucros no curto prazo vinham
ao Brasil. Juros reais, isto é, de 56,4% depois do desconto do índice inflacionário (dezembro de 1994) e ainda
de 37,2% (dezembro de 1998) só podiam ser obtidos em poucos mercados financeiros do mundo (cf. Tabela 9).

A regulação do trabalho caracterizou-se pelo fortalecimento de um movimento sindical livre nos anos
70. A luta de classes solucionada unilateralmente pela ditadura ganhou uma nova dinâmica quando a classe

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68
trabalhadora reconquistou os seus direitos de cidadania. Os trabalhadores sindicalizados, parte do
setor de serviços e a maioria do funcionalismo público conquistaram a indexação dos salários, o que por um lado
não evitou as reduções dos salários reais e por outro suavizou os seus efeitos. Somente a décima parte mais rica -
e, de modo restrito, o segundo decil mais rico - da população conseguiu proteger-se eficazmente contra a
inflação. A classe média, cujas contas e salários estavam em larga escala indexados, também sofreu perdas (cf.
Tabela 10). Para os pobres o valor do salário mínimo, isto é, de um preço fixado pelo Estado, sempre teve
especial importância. O campo democrático do Estado abriu aos trabalhadores de baixa renda opções de atuação
que a política podia ignorar somente com dificuldade. No fim da ditadura o salário mínimo mensal encolheu de
US$ 75 para US$ 50 (1985). Depois ele aumentou para redondamente US$ 100 no primeiro mandato
presidencial de Fernando Henrique Cardoso. Depois da desvalorização do real em 1999 o valor do salário
mínimo, medido pelo dólar, sofreu uma forte queda. O aumento do salário mínimo enquanto medida claramente
não-neoliberal, certamente foi importante para atingir os efeitos redistributivos de curto prazo do Plano Real.51
Ao mesmo tempo se pode observar uma transformação fundamental nas relações de poder nas empresas. Isso
está essencialmente relacionado com o aumento do desemprego. Sob o Plano Real o desemprego se tornou um
problema social central. Em escala internacional, o índice oficial de 7,6% (1998) é reduzido (Mattoso 1999:
128), mas no fundo sem força enunciativa, pois quem pode, em sociedades capitalistas não-dotadas do Estado de
Bem-Estar Social, abrir mão de vender a sua força de trabalho, não importa quão precariamente? No começo dos
anos 80 a legislação trabalhista estatal-corporativista ainda foi questionada no sentido de uma democratização
abrangente da sociedade. Uma nova regulação unitária do mercado de trabalho deveria fomentar a
homogeneização social do espaço de poder nacional. A legislação trabalhista e social só podia regular o
mercado formal de trabalho. O aumento das relações de trabalho informal minou o poder da legislação
trabalhista e social. Nas regiões rurais a legislação social nunca lograra impor-se, nas cidades as relações
empregatícias informais ganharam maior importância. Aqui se tratava quase sempre de vínculos empregatícios
que não observavam as prescrições dos Direitos Trabalhista e Social ou do direito regulamentador das empresas
industriais e comerciais, sendo, portanto, ilegais da perspectiva da soberania. O ataque aos empregos disponíveis
criou uma assimetria tão grande na relação entre capital e trabalho que a repressão se tornou em larga escala
desnecessária. Mas nos ramos nos quais ainda não havia um movimento sindical reagia-se maciçamente a
medidas de combate, seja por meio de restrições legais do direito à greve em ”serviços essenciais” como
transportes, saúde etc., seja por intervenção policial e militar. Mesmo em ramos e regiões com boa organização
sindical os assalariados abriam ”voluntariamente” mão dos seus direitos legais, por medo de perderem os seus
empregos (Jatobá, Lopes 1996). O conflito entre empresas e sindicatos chegou a um ponto culminante na greve
dos petroleiros de 1995, reprimida com força militar (Fritz 1996: 40). Em janeiro de 1996 o governo assinou a
Convenção 158 da OIT, que trata dos direitos -individuais - de demissão; dez meses depois ele revogou essa
medida diante da OIT, alegando que ela ia longe demais (Neto 1997: 38 s.). Assim o Brasil não se adaptou em
todos os planos à modernidade dos países industrializados, mas colocou ênfases no sentido de uma regulação
própria das relações entre capital e trabalho, flexível e livre de constrangimentos legais. A violência direta da
repressão foi substituída pela liberdade e pela violência do dinheiro.

O índice de emprego, que mede apenas o número de pessoas com vínculos empregatícios formais,
revelou a evasão das relações disciplinadas pelo Direito do Trabalho e pelo Direito Social (cf. Tabela A-16). Ele
aumentou de 1984 a 1990 em quase 13%. Mas depois de 1990 ele regrediu. Especialmente dramática foi a
redução da mão-de-obra no setor da indústria de processamento. Ao aumento de 10% do índice de emprego
entre 1985 e 1990 contrapôs-se em 1997 uma involução para aquém do índice de 1984. Essa forte regressão de
vínculos empregatícios formais - sobretudo na indústria - não pôde levar num país sem seguridade social básica
a um aumento do desemprego no mesmo nível. Como as pessoas precisam trabalhar, aumentou o número dos
que trabalhavam no setor informal. Ocorre que este último era uma forma de organização econômica que minava
o território. O princípio da validade universal do direito no âmbito das fronteiras do território foi minado. A
51
Em uma economia de demanda de corte keynesiano, o salário mínimo desempenha um papel importante por ser utilizado
direta ou indiretamente como base de indexação para outros salários e prestações de natureza social (sobretudo
aposentatorias). O aumento do salário mínimo em 1995 produziu um efeito positivo em termos de política distributiva e
estabilizou ao mesmo tempo a demanda, mas aumentou os problemas da Previdência Social, igualmente acoplada ao salário
mínimo. Durante um período mais longo os índices de distribuição permaneceram sempre estáveis. Assim o índice Gini da
renda média familiar, uma grandeza de aferição da desigualdade social, aumentou de 0,5698 (1987) para 0,5781 (1996)
(www.sidra.ibge.bov.br de 25 de junho de 1998).

68
69
CLT, legislação trabalhista de 1943 já subtraíra aos assalariados nas regiões rurais direitos fundamentais,
mas agora também o setor informal nas cidades se tornou parte desse espaço ”sem lei” dentro do território. A
reprodução nacionalmente diferenciada da mão-de-obra sempre foi um traço distintivo essencial da regulação
internacional. Nos anos 90, o estado-nação reconhecia como sua tarefa adaptar as leis às realidades efetivas das
empresas. Nestas o Direito Trabalhista era solapado com conseqüências cada vez mais amplas. Com referência à
regulação do trabalho, o espaço de poder não estava homogeneizado a nível interno nem se distinguia
fundamentalmente dos mercados de trabalho igualmente liberalizados de outros países emergentes.

Na regulação da concorrência o pacto entre o capital estatal, o capital nacional e o capital internacional
foi definitivamente rompido. Enquanto o capital privado não era suficientemente forte, o Estado tinha de
desempenhar um papel importante na industrialização, assegurando a necessária centralização do capital e dos
recursos. Nos anos 80 a política econômica usou as empresas estatais por meio de uma política de preços baixos
para fins de pagamentos de subsídios ao setor privado e para reduzir a inflação. A forte influência do
establishment político fomentou em áreas parciais o desperdício de recursos e conduziu a um quadro de pessoal
excessivamente extenso, em boa parte formado por apaniguados de políticos. As alterações na organização do
capital nacional brasileiro e os novos entrelaçamentos de capitais nacionais e internacionais que ocorriam nos
mercados financeiros possibilitaram um novo estágio de centralização que foi objetivado pela privatização. O
capital financeiro associou-se ao capital internacional - um processo, no qual as grandes empresas do setor
automotivo jogavam na linha de frente -, e ambos conquistaram uma inequívoca posição de supremacia diante
do capital industrial nacional.52 Em uma primeira fase foram privatizadas sobretudo as empresas do setor
produtivo, em uma segunda fase sobretudo a infraestrutura e os serviços públicos. O ator central da privatização
foi o BNDES que estatizou muitas empresas privadas nos anos 80, modernizou as empresas estatizadas nos anos
90 antes da sua venda e mais tarde concedeu também créditos generosos às empresas privatizadas. Além disso os
estados receberam pagamentos adiantados sobre privatizações planejadas. Surgiram mercados oligopolistas em
vários ramos, nos quais foram privatizadas empresas.53 Se anteriormente bancos estatizados eram responsáveis
pela maior parte da concessão de créditos, o negócio agora era partilhado pelos bancos privados e o mercado
financeiro internacional (aplicações patrimoniais, bolsa de valores, comércio de divisas). Formaram-se
conglomerados financeiros que participaram maciçamente do negócio das privatizações e constituíram
oligopólios em setores importantes.54

Para o comércio de mercadorias a fronteira do território era uma grandeza constitutiva. Taxas
alfandegárias elevadas e outros obstáculos comerciais inibiam a importação de mercadorias. Durante a ditadura
militar a troca de mercadorias com os países vizinhos caiu cada vez mais. A democratização implementou
lentamente uma política comercial mais aberta. Mas a quota de importação, que em 1990 regredira a 4,6%, subiu
apesar do ”surto das importações” em 1996 para meros 7,1%. A quota de exportações, cifrada em 1990 em 7%,
oscilou depois entre 9,6% (1992) e 6,4% (1996) (cf. Tabela A-12). Mas esses reduzidos entrelaçamentos com a
economia exterior do receptáculo continental de poder se relativizam em um exame mais detalhado55 , pois
ramos fracos e organizados apenas nacionalmente foram atingidos em cheio.56 Um exemplo dramático é a Metal

52
Na listagem das maiores empresas privadas de 1997, dois grupos oriundos do setor financeiro, o Bradesco e o Itaúsa
estavam na linha de frente, e com o grupo Moreira Salles um outro grupo do mercado financeiro ocupou o 6º lugar. As
posições 2ª, 3ª e 5ª foram ocupadas respectivamente por grupos do setor automotivo, Fiat, Volkswagen e GM (Exame 1998:
86).
53
Isso se evidenciou de modo especialmente crasso no setor da indústria de fertilizantes, mas também nos setores
siderúrgico e petroquímico (Winckler, Pacheco 1994: 145 ss.). O Grupo Odebrecht controlava em 1998 60% da produção de
termoplásticos e a empresa se encontra em virtude de joint-ventures com a ainda estatal Petrobrás em uma posição
praticamente dominadora do mercado (FSP de 7 de abril de 1998).
54
Em 1997 o Itaúsa ocupou a posição de 372ª maior empresa mundial; o Bradesco ficou em 345º lugar e o Banco do Brasil,
de propriedade do estado, o 178º lugar (www.zerohora.com.br de 27 de julho de 1998).
55
A quota de exportação em si reduzida, mostrada na Tabela A-12 (d/a), já aumenta nitidamente quando se considera as
oscilações da taxa de câmbio ((e/b na Tabela A-12). Se desconsiderarmos os serviços praticamente não-exportáveis, uma
quota de exportações dessarte depurada cifrou-se em 1970 em 18,7, para subir até 1995 a 30,4 ((e/c na Tabela A-12).
56
Em determinados ramos (e.g. na indústria têxtil e de confecções) as importações aumentaram fortemente, ao passo que a
abertura em outros ramos (e.g. no setor automotivo) se deu de forma muito mais lenta. O forte aumento das importações de
bens de capital se reveste de especial importância. Ele se deve a duas causas. Por um lado, sinaliza a compra de novas

69
70
Leve, um fornecedor brasileiro. Cedo Amaral já examinou (1977: 182-189) essa empresa média que
então estava começando a exportar. No início dos anos 90 a CEPAL citou-a mais uma vez como exemplo bem-
sucedido da adaptação de empresas nacionais à pressão da economia mundial (Cepal 1992: 125 ss.). Tanto
maior foi o choque, quando essa empresa modelo foi vendida por US$ 65 milhões a uma empresa alemã (Veja,
de 19 de junho de 1996). O único setor que conseguiu impor regulamentações excepcionais contra a abertura
vertiginosa do mercado depois de 1990 foi a indústria automobilística, estabelecida em rede internacional. Ela
logrou preservar elementos importantes das antigas relações de concorrência. Já desde os anos 50 os grupos
multinacionais conseguiam viver muito bem com a política protecionista. Os seus carros produzidos no país
eram vendidos no mercado protegido por um preço mais caro e com um padrão tecnológico obsoleto. Desde os
anos 80 e a crise do mercado interno foi possível constatar aqui uma mudança e os grupos começaram cada vez
mais a produzir com novas tecnologias e fornecer para o mercado internacional. Mas o mercado nacional ainda
continuava em grande parte muito fechado.57 Ao mesmo tempo houve transformações maciças no processo
produtivo, o que conduziu a ganhos de produtividade e demissões em massa. Desde 1985 esse setor em si
próspero reduziu a sua mão-de-obra na razão de quase um quinto. Ao mesmo tempo ele atraiu também os
maiores investimentos diretos do exterior.

Outra faceta da internacionalização é a formação de um bloco regional na América do Sul. Em 1995


entrou em vigor o MERCOSUL (Mercado Comum do Sul)58, formado pelo Brasil, pela Argentina, pelo Uruguay
e pelo Paraguay. Desde 1996 o Chile e a Bolívia são membros associados. Essa integração econômica visa criar
um espaço intermediário entre o espaço globalizante do mundo e o território das nações (Faria 1998: 188). Ao
passo que o capital financeiro tinha uma orientação inequivocamente global, o MERCOSUL desempenhou um
papel central para a indústria automobilística. As estratégias de acumulação dos grupos visavam todo o espaço
sulamericano; vantagens comparativas, tais como subsídios ou diferenças na taxa de câmbio eram rapidamente
aproveitadas (Pacheco 1998: 154). Enquanto bloco comercial, o MERCOSUL foi bem-sucedido. O comércio
exterior com os Estados-membros aumentou nitidamente, mas também o comércio com países não-membros. No
setor automobilístico foi também possível observar decisões crescentemente integradas dos grupos, no tocante a
investimentos. O grande problema foi a falta de harmonização das políticas econômicas. O processo de
integração foi sempre de novo ameaçado pela oscilação das taxas cambiais. Também não foi possível delimitar o
MERCOSUR como projeto da Zona Interamericana de Livre Comércio ALCA, propagada pelos EUA. O Brasil
oscilou entre a formação de um bloco e a prática de uma política mundial de livre comércio (cf. JEP 2/98)

2.2 O palco nacional do poder


Num primeiro passo, aproximei-me do poder sobre o espaço do Brasil com uma análise estrutural em termos de
evolução da economia política, mas essencialmente em termos de evolução da economia. Essa análise tende a
descrever desenvolvimentos aparentemente inevitáveis e incontornáveis (Fiori 1995a: 18). Contrariando essa
redução da história à explicitação de necessidades estruturais, a política ganha maior peso na análise a seguir.
Com o espaço de possibilidades da ação política a dimensão do concreto, os eventos, as estratégias e lógicas de
ação passam para o primeiro plano. Uma análise dos palcos do poder ocupa-se sobretudo com o espetáculo
oferecido no palco. Em cartaz estão o jogo, seus atores e o resultado da peça encenada. Não obstante será
necessário conceder também à descrição da arquitetura e estática do palco o seu devido lugar, pois do contrário
a peça em cartaz e o jogo que nela se faz [was gespielt wird] não serão compreendidos. Assim se faz mister logo
no início explicar a forma específica do Estado brasileiro, fortemente apoiada no patrimonialismo. Este forma
até hoje por assim dizer o esqueleto do sistema político brasileiro. Ele constituiu um poder sobre o espaço, cujo
ponto nodal é o Estado. Como o controle do Estado se reveste de tão grande importância, os conflitos políticos

tecnologias e com isso de aumentos de produtividade na indústria, por outro, as importações crescentes refletem a crise da
indústria nacional de bens de capital. Entre 1993 e 1995 as exportações do setor aumentaram em 25%, ao passo que as
importações cresceram em 157% (FSP de 16 de janeiro de 1997).
57
Assim a taxa alfandegária para a importação de automóveis foi aumentada em 1995 para 63% (FSP de 23 de outubro de
1997).
58
Em espanhol: MERCOSUR (Mercado Comun del Sur)

70
71
se processam também diferentemente do que em países com uma sociedade civil forte. No modelo social
anglo-saxão a sociedade civil, na qual cidadãos dotados de patrimônio se organizam, representa o contrapeso do
poder estatal.59 Nesse sistema os cidadãos podem em parte tornar-se poderosos também sem o Estado, o que é
impossível no Brasil. Como no Brasil o Estado é o ponto nodal mais importante do poder, uma parte da
sociedade civil - a dominante - está firmemente entrelaçada com o poder estatal e a outra - a oprimida - é
mantida longe do acesso ao poder político e econômico. Nesse sentido Fiori não está equivocado ao estabelecer
uma distinção entre um partido da ordem ou um ”partido do Estado”, que representa os interesses dominantes do
capital, e um ”partido da sociedade civil”, a oposição, excluída desse bloco de poder (Fiori 1995a: 101)60.
Denominar-se sociedade civil seria nessa perspectiva uma expressão da fraqueza, do fato de não fazer parte do
Estado. Tal perspectiva é complementada por um enfoque, segundo o qual a força ou fraqueza de uma
organização civil não se mede em programas ideológicos e também não pelo seu simples tamanho. Muito pelo
contrário, ela resulta da capacidade de poder controlar partes do aparelho de Estado. A hierarquia do poder na
economia política se reflete também na sociedade civil, na qual existem segmentos poderosos e oprimidos. Tal
análise estrutural ajuda a relativizar o uso muitas vezes exageradamente positivo do conceito de sociedade civil,
pois esse uso ignora a estrutura histórica do sistema político e econômico no Brasil, baseado em uma
hierarquização radical e consolidado no decorrer de muitos séculos.

O capital comercial e a coroa portuguesa controlaram o espaço de entrelaçamento econômico. Ao passo


que o feudalismo se baseava em uma nobreza de sustentação fortemente territorial e em um sistema de direitos e
deveres, no patrimonialismo o rei exercia a dominação irrestrita sobre os seus súditos. A sua base de poder
assentava na posse da terra e no controle do comércio. Como esse poder não podia ser exercido apenas por uma
pessoa, a corte real era o lugar no qual o poder se centralizava. Diante dos funcionários e da nobreza da corte os
poderes territoriais se encontravam em uma posição mais fraca; o rei governava, enquanto que os senhores locais
somente exerciam a dominação no âmbito do poder nacionalmente estruturado sobre o espaço (Faoro 1997: cap.
1). Isso constituía uma clara hierarquia da dominação. Politicamente o rei era soberano; economicamente, um
parasita. O poder nacional, o Estado, por sua vez passou a ser uma empresa do rei; poder público e privado,
propriedade pública e privada se misturavam. Os patriarcas, inicialmente o barão do açúcar, mais tarde os barões
do café e da borracha e os coronéis do Nordeste, eram politicamente subordinados e extraíam, enquanto sujeitos
econômicos, à força o excedente dos seus subordinados, necessário para a continuidade do sistema global. A
monetarização dessa extração forçada da mais-valia cedo tornou-se necessária, pois os donos do poder local
ainda estavam muito mais do que a nobreza obrigados a fazer fornecimentos ao rei. O poder local, os
municípios, formaram-se na colônia portuguesa como filiais obedientes do rei (Faoro 1997: 7). Em âmbito local,
nas distantes empresas açucareiras do Nordeste brasileiro, o poder político, econômico e religioso estava
concentrado na rotina cotidiana em uma só mão. O espaço de poder local da sociedade escravista fundamentava-
se na separação de casa grande e senzala. Cada casa era uma república, econômica e politicamente autônoma.
Fora dos dois espaços sociais locais da casa grande e da senzala, por um lado, e do Estado com estrutura
estamental, por outro lado, praticamente não havia nenhuma vida organizada, muito menos ainda uma sociedade
civil (Holanda 1989: 49). A burguesia urbana, que se formou apenas lentamente e contra muitas resistências,
permaneceu estreitamente entrelaçada com as famílias nobres e os latifundiários. Com a formação da nação
surgiu a política nacional enquanto palco autônomo do poder; mas os atores que deveriam atuar nesse palco
precisavam primeiro desenvolver-se para poderem assumir os seus papéis. Passo a passo esses novos senhores
emergentes assumiram a administração do Estado e formaram uma sociedade civil entrelaçada com a velha
estrutura estamental. A burguesia emergente não chegou a formar um estilo de vida próprio, mas absorveu os
velhos modos comportamentais dos senhores agrários, baseados em privilégios. Esses novos senhores, e só eles
formaram no séc. XIX a sociedade civil e a nação (Fernandes 1987: 40 ss.). Atuavam no palco do poder, fosse
em ministérios ou no parlamento. O resto, isto é, a maioria, ficava excluído.61 O Estado, a sociedade e a
59
A concepção hoje amplamente difundida da sociedade civil como esfera autônoma com relação ao Estado tende a encobrir
o forte nexo entre poder econômico e capacidade de ação política (Cardoso 1993: 117 s.).
60
Fernando Henrique Cardoso tencionou gastar em 1998 R$ 73 milhões na campanha eleitoral. Ciro Gomes mencionou R$
23 milhões, Lula R$ 15 milhões. Um fomento dos partidos por parte do Estado fracassou diante da resistência de Fernando
Henrique Cardoso.
61
Nas unidades de produção essa estrutura social hierarquizada se reproduziu. A proibição da impressão de livros, a
inexistência de universidades e a falta quase total de organizações civis impediam o surgimento de uma vida urbana
moderna. Isso começou a mudar somente no fim do séc. XVIII, quando as cidades conquistaram uma certa independência

71
72
sociedade civil estavam estruturados por um poder específico sobre o espaço. Os que dominavam desde o
séc. XVI todas as esferas da vida política, social e econômica, lograram em boa parte manter esse poder até os
dias atuais. Para manter o seu poder, os grupos dominantes recorreram às mais diferentes estratégias, seja por
intermédio do Estado ou por outras vias.

Já no séc. XIX os conflitos ocorriam no palco nacional do poder em vias de constituição, no âmbito de
um sistema bipartidário. Os liberais estavam entrelaçados mais fortemente com os interesses produtivos
territoriais e defendiam, por conseguinte, reformas federativas na direção de uma descentralização.62 Os
conservadores, por sua vez, representavam preponderantemente os interesses dos comerciantes e, com isso, os
interesses escravistas (Faoro 1997: 341 s.). Um palco importante para os conflitos foram as eleições, instituição
nuclear do espaço de poder. Mas muito distantes de representar a vontade de um ”povo”, não importa quão
estreitamente definido, o imperador e a cúpula do Estado eram os que manipulavam as eleições locais de acordo
com os seus interesses. A autoridade eleitoral era instituída pelo Presidente da Província, por sua vez nomeado
pelo ministério. Era dotada de todos os poderes e sua composição determinava o resultado das eleições (Faoro
1997: 370). Assim 19 governos liberais e 15 governos conservadores se sucederam no decorrer de cinqüenta
anos (Faoro 1997: 354). Não obstante os partidos se assemelhassem muito em termos programáticos e não
questionassem o campo do poder, os conflitos foram muito duros. A possibilidade de dispor da burocracia
estatal se revestia de importância decisiva para os respectivos membros dos partidos. Uma terceira força, o
Partido Republicano, minou a monarquia e com isso o sistema bipartidário. Porém nem a proclamação da
república em 1889 mudou qualquer traço do estilo elitista da política. Em 1898 2,7%, em 1930 5,7% da
população tinham o direito ao voto (Cano 1997: 249). Na República Velha, as eleições transcorriam
similarmente às da monarquia. O grupo regionalmente dominante impunha seus candidatos, a oposição ficava
inteiramente excluída. Assim os grupos dominantes nas regiões acertavam de antemão o predomínio de
determinados interesses. Como a oligarquia agrária controlava o aparelho político em todos os lugares e o
governador centralizava regionalmente o poder, só interesses regionais unificados atuavam no plano nacional.
Por isso a estratégia oficialmente denominada ”política dos estados” tornou-se conhecida como ”política dos
governadores”. Esse novo sistema estabilizou em nova composição a estrutura patrimonialista do Estado. O
presidente era fornecido alternadamente por Minas Gerais e São Paulo, os 20 governadores representavam o seu
respectivo estado e se apoiavam reciprocamente contra a oposição interna, sempre existente.

Depois de 1930 a oligarquia agrária perdeu a sua posição política de natureza monopolista e teve de
dividir o poder com os novos interesses industriais e urbanos. Em duas tentativas - interrompidas pelo Estado
Novo (1937 - 1945) o palco democrático se alargou. O campo de poder se tornou mais complexo. Os anos 30
caracterizaram-se por um violento, mas breve relampejo de pluralismo, liberalidade e democracia, mas o
fascismo e o comunismo rapidamente minaram a legitimidade de um sistema liberal-democrático. Por meio da
criação de órgãos e corporações controlados pelo poder central e atuando de forma descentralizada, as
interventorias, o Estado Novo fortaleceu o governo central a expensas das regiões. Depois de 1945 houve um
retorno à democracia, sem anulação da centralização antes efetuada. Um dos dois partidos sustentadores do
sistema, o PSD (Partido Social Democrático) foi o partido do Estado e esteve ao mesmo tempo firmemente
enraizado nas áreas rurais. O segundo partido que sustentava o Estado era o PTB (Partido Trabalhista
Brasileiro), que se apoiava na classe trabalhadora nas cidades. Esses dois partidos, que fizeram coalizações
praticamente até o golpe de 1964, sustentaram o projeto de modernização dos anos 50 e proveram-no de uma
base de legitimação. A eles se contrapunha a UDN (União Democrática Nacional), o partido liberal, igualmente
ancorado nas regiões rurais (Santos 1978: 40 ss.). Na esteira de subseqüentes derrotas eleitorais a UDN tornou-
se oposição subversiva que contornava, sempre que possível, as regras do jogo político, criando assim os pré-
requisitos do golpe militar. A crise econômica e política que causou a ruptura da aliança entre o PTB e o PSD
trouxe pela primeira vez uma polarização entre direita (UDN e PSD) e esquerda (PTB e os novos partidos
urbanos) (Souza 1985).

(Holanda 1989: 57), ensejando o surgimento germinal de uma sociedade civil urbana.
62
Estruturas federativas serviam no Brasil tanto para harmonizar os desejos conflitantes do establishment quanto para
atenuar as diferenças regionais. Inversamente, a centralização apoiou igualmente, em constelações variadas, os dois
processos supramencionados (Souza 1996: 104 ss.).

72
73
A partir de 1964, isto é, sob a ditadura militar, mais uma vez só foram permitidos dois partidos: a
governista ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e a oposição oficial, MDB (Movimento Democrático
Brasileiro). O palco do poder ficou reservado aos atores fiéis ao sistema vigente sob a ditadura militar. Foi um
meio que procurou, baseando-se na sociedade civil tradicional, monopolizar a política no Brasil. Na esteira da
democratização houve uma abertura do sistema político e a estabilização da des-ordem existente precisou agora
ser assegurada de forma indireta. Aqui a mídia enquanto parte importante da sociedade civil no poder,
sustentatora do Estado, desempenhou um papel importante. Estava altamente concentrada e em larga escala
privatizada (Costa 1997: 56 s.). No setor das revistas uma única editora publicava 9 das 10 revistas de tiragem
mais elevada; nos jornais nacionais havia um oligopólio; quatro redes de televisão controlavam praticamente
todo o mercado; as concessões para a operação de emissoras radiofônicas (bem como de televisão) eram dadas
pelo governo quase sempre com base em critérios políticos. O núcleo da sociedade civil empresarial foi formado
durante muito tempo pelos ”sindicatos” orientados por ramos da economia.63 Mas a sua defesa de interesses
estava sempre fixada especificamente em necessidades do respectivo ramo. No contexto da democratização e da
elaboração de uma nova constituição novas estruturas organizacionais se fizeram necessárias. Por isso
associações empresariais orientadas para toda a sociedade, como e.g. a CNI (Confederação Nacional da
Indústria) e a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) adquiriram importância.64

A seguir apresentaremos o espectro partidário brasileiro, tal como ele se configura na atualidade. Em
1982 a ARENA mudou o seu nome para PDS (Partido Democrático Social) e atua depois de outras alterações do
seu nome hoje como PPB (Partido Progressista Brasileiro). Em 1998 esse partido elegeu cinco senadores e 60
deputados federais. Seu programa político tem uma clara orientação direitista, o PPB representa os interesses do
empresariado nacional, sobretudo de São Paulo. A sua figura central é Paulo Maluf, ex-prefeito de São Paulo,
razão pela qual o PPB é naquela cidade, mas também apenas nela um poder determinante.65 O liberal PFL
(Partido da Frente Liberal) abandonou no início dos anos 80 a aliança com os militares e desde então só teve de
abandonar por períodos muito breves os espaços do poder. Pratica com maior habilidade a tradicional política
do ”é dando que se recebe”. Em 1998 ele controlava 32 assentos no Senado e 106 cadeiras na Câmara dos
Deputados, exercendo a dominação sobretudo na Bahia e no Paraná. Pertencem a ele o Vice-Presidente da
República, Marco Maciel, o Presidente do Senado e alguns ministros importantes.66 O PFL é hoje um partido
moderno de direita com presença nacional. Nos últimos tempos o PFL e o PPB, ambos oriundos do partido da
ditadura, da ARENA, voltaram a reaproximar-se. O PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) foi
concebido pelo futuro presidente Fernando Henrique Cardoso no início dos anos 80 como ”partido ônibus”, isto
é, como partido supraclassista, no qual deveria haver espaço para todos. Em 1986 ele conquistou nas eleições
para os governos estaduais e para o Congresso efetivamente uma vitória eleitoral surpreendente. Mas os
interesses contraditórios por ele representados não lhe permitiram traduzir as suas amplas maiorias em medidas
políticas consistentes; o número de deputados federais regrediu continuamente depois de 1986, para cair em
1998 a 81. A sua decadência acompanhou a destruição do velho modo de desenvolvimento centrado no estado-
nação, que era o aglutinador ideológico e institucional do partido. O PSDB (Partido da Social Democracia
Brasileira) foi fundado em 1988 como uma cisão do PMDB, quando o grupo em torno de Mário Covas e
Fernando Henrique Cardoso se viu crescentemente marginalizado no ”ônibus” do PMDB. O elemento ”Social
Democracia” no nome do partido, que remete a um espectro político ainda mais à esquerda no Brasil, deve ser
compreendido basicamente como tentativa de delimitação contra concepções sociais e socialistas mais radicais.
O PSDB é um partido de classe média alta; no início ele foi de orientação mais social liberal, defende hoje o
liberalismo na economia e, mais ainda do que a direita tradicional, os interesses do capital financeiro e do capital
internacional. Uma grande parte dos ministros de Fernando Henrique Cardoso, pertencentes ao PSDB, é
composta por intelectuais atuantes em empresas, estreitamente vinculados a organizações internacionais como o
63
O termo português não distingue entre sindicatos de trabalhadores e sindicatos patronais.
64
Informalmente grupos como e.g. a bancada ruralista, uma associação suprapartidária de 134 dos 513 deputados federais e
de 30 dos 81 senadores sempre tiveram importância. A bancada ruralista foi um grupo central de lobistas que conseguiu e.g.
prorrogações de prazos de pagamentos de dívidas para os (grandes) agricultores.
65
Depois que Maluf desistiu da sua candidatura à presidência em 1998, na esteira de acusações de corrupção, o PPB
integrou-se no plano nacional na coalização governamental.
66
Em 1997 o governador do Paraná e o governador do Acre se filiaram ao PFL, igualmente o ex-prefeito do Rio de Janeiro,
César Maia, o presidente da FIESP, Moreira, e Luís Antônio Medeiros, líder da associação sindical de orientação direitista
Força Sindical.

73
74
Banco Mundial (Oliveira 1998a: 177).67 Com o presidente da república, 14 senadores e 99 deputados
federais o PSDB é ao lado do PFL a força determinante em Brasília. Mas nos estados, ele perdeu influência em
1998, pois estados importantes, como o Rio de Janeiro, o Rio Grande do Sul e Minas Gerais passaram para a
oposição.

Cristalizado durante as grandes greves no ABC68, surgiu um outro bloco social alternativo, formado
pelos excluídos do núcleo do poder estatal, sustentado por operários e politicamente organizado por um partido
próprio, o PT (Partido dos Trabalhadores). Os pobres entraram no palco da esfera pública política não apenas
como objetos, mas como sujeitos (Sader 1988, Ottmann 1995). Ficou célebre uma nova forma de atuação
política criada por mulheres pobres na periferia das grandes cidades (Castela, Novy 1996: 79 s.). Tratou-se de
uma atuação coletiva que não pode ser caracterizada nem como privada nem como pública. As mulheres
empenharam-se no local com meios políticos por melhorias do seu entorno de vida, isto é, com manifestações e
listas de assinaturas em benefício de escolas, canalizações e creches (Novy 1994: 403-410). Os sindicatos
começaram a libertar-se do controle por parte do Estado e passaram a orientar-se segundo modelos de
representação de interesses com autonomia diante do Estado. Durante todos os anos 80 foram grandes o seu
potencial de ameaça e a sua capacidade de promover greves e minar a política governamental. Assim uma
sociedade civil não-tutelada pelo Estado, sem liderança clara e sem programa claro, desafiou os atores clássicos
do estado desenvolvimentista nacional. O fortalecimento desse campo social que se subtraiu ao sistema
bipartidário da ditadura, que simplesmente aceitava a des-ordem, representa uma das maiores inovações sociais
do Brasil. Nos anos 90 o centro e a direita se consolidaram, como já tantas vezes na história do Brasil, como
”partido do Estado” ou partido da ordem. Coube à esquerda, como já há séculos, o papel de oposição. A força
inequivocamente mais forte da esquerda era o PT que se compreendia como partido da sociedade civil e quis,
por conseguinte, representar os interesses subrepresentados no aparelho de estado. Ele foi o braço parlamentar
de um movimento social de amplas dimensões, ao qual pertenciam grupos tão diferentes como sindicatos
autônomos, sobretudo a CUT (Central Única dos Trabalhadores), movimentos populares, movimentos
alternativos da classe média (sobretudo ecologistas e feministas), membros de partidos de esquerda não-filiados
aos partidos comunistas e outros grupos da sociedade civil (cf. Boris 1998). Com o passar dos anos o PT se
aproximou dos partidos convencionais. O número de deputados aumentou continuamente e o partido governou
muitas cidades importantes do Brasil e alguns estados menores.69 Seu maior êxito foi até agora a vitória eleitoral
nas eleições de 1998 para o governo do Estado do Rio Grande do Sul.70

O poder tende a ser localizado, via de regra em algum lugar ”lá em cima”, no topo do Estado. Em
Brasília - cidade projetada pelo comunista Oscar Niemeyer e concluída sob a ditadura militar - a Praça dos Três
Poderes forma na prancheta do urbanista o centro de um traçado urbano que imita os contornos de um avião,
concebido como símbolo do progresso. Mas de fato o poder se concentra - como se diz nas linguagens cotidiana
e jornalística - no Planalto, no palácio presidencial, enquanto espaço geográfico determinado. Esse poder
localizado está nas mãos do presidente ou de um pequeno número de pessoas que têm acesso direto a ele;
baseia-se em um determinado ritual, conforme o qual o detentor do poder exerce o poder (Dreifuss 1989: 34). A
seguir trataremos da perspectiva ”de cima” do poder, tal como ele se corporificou nos governos dos quatro

67
Nos últimos anos, o Banco Mundial concentrou a sua atenção cada vez mais no Estado - num Estado eficiente, mas
absolutamente não no Estado Mínimo (cf. IBRD 1993, 1997).
68
ABC é sigla dos municípios Santo André, São Bernardo e São Caetano. Via de regra o município de Diadema também é
incluído na região do ABC.
69
Em análise crítica o jornal liberal Folha de São Paulo escreveu sobre o PT: ”Dos tempos de um partido que liderou as
greves e contribuiu nos anos 80 para a organização da sociedade civil passaram quase 20 anos até a formação de um partido
que hoje se candidata com chances de êxito aos cargos mais importantes. Nesse tempo o PT se burocratizou, a expensas do
trabalho de organização nos movimentos sociais. Aumentou a importância da sobrevivência dos seus funcionários e dos
interesses institucionais do partido, que segue o padrão sociológico típico do desenvolvimento de aparelhos administrativos”
(FSP de 28 de maio de 1997).
70
Ao lado do PT, os outros partidos maiores de esquerda são o PSB (Partido Socialista Brasileiro), o partido populista de
esquerda PDT (Partido Democrático Trabalhista), os ex-comunistas de Moscou no PPS (Partido Popular Socialista) e o
partido comunista PCdB (Partido Comunista do Brasil). Sobretuto os três primeiros distinguem-se do PT por uma disciplina
partidária interna menor e um programa mais moderado.

74
75
últimos presidentes civis, José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique
Cardoso.71 Mas antes se faz mister esboçar a relação específica com a sociedade civil, para que possamos
compreender a estrutura hierárquica e personalizada do poder no Brasil. Um dos traços distintivos mais
significativos e trágicos da des-ordem brasileira reside no fato de que todas as formas de organização da parcela
oprimida da sociedade sempre foram desapiedadamente combatidas. A oposição sempre insiste no seu status de
sociedade civil, não em último lugar por medo da repressão. Assim as repetidas proibições do partido comunista
sempre obrigaram o movimento operário a defrontar-se com novos problemas de organização (Oliveira 1999).
Sob o governo de Getúlio Vargas surgiu depois de 1930 uma nova forma de organização da sociedade civil,
orientada segundo concepções estamentais do Estado. Essa organização social era bem compatível com a
estrutura patrimonial do Estado, herdada de Portugal. Foi criada e vinculada ao Estado uma sociedade civil
simpática ao regime - em especial, sindicatos. Gramsci diria que essa sociedade civil resp. os seus sindicatos
foram integrados em um ”Estado ampliado” (Gramsci 1971: 160). Com isso o modelo social hierarquizado foi
modificado, mas não alterado na sua estrutura fundamental. A participação no Estado determinava as chances de
poder dispor dos seus próprios recursos privados ou recorrer a recursos públicos. Nos anos 70, como já em
momentos anteriores de crises da história brasileira, a base da sociedade começou a fermentar; múltiplos
experimentos de organização social foram testados, pretendia-se criar uma nova relação entre Estado e
sociedade civil.72 A parte conservadora da sociedade civil age de forma inteiramente distinta, teme a
luminosidade própria da esfera pública e atua em simbiose com o Estado. Especialmente a sociedade civil
conservadora agrupa-se como ”anéis burocráticos” (Cardoso 1993: 119) ao redor do aparelho de estado no
sentido mais estrito. Nesses anéis burocráticos localizam-se segmentos sociais em comissões, conselhos,
institutos e conselhos de sábios com o fim de harmonizar os interesses políticos com as necessidades
econômicas. O empresariado exerceu a sua influência desse modo, sobretuto durante a ditadura militar, mas não
apenas nela, de forma privada e direta (Dreifuss 1989: 40-44). Isso levou a uma regulação ad hoc (Oliveira
1996: 94) que não foi nenhuma regulação centralizada e forte, como poderíamos esperar de uma ditadura militar.
Muito pelo contrário, interesses privados lograram utilizar em seu benefício partes do aparelho de estado. Sob
governos ditatoriais a sociedade civil conservadora não tinha dificuldades em ser parte do Estado ampliado. Mas
no curso do esgotamento da ditadura o discurso liberal da autonomia de Estado e sociedade civil passou a
ganhar em importância.73 Foi esse o momento histórico no qual o movimento de democratização passou para o
centro dos acontecimentos políticos.

Desde 1974 e mais ainda depois de 1979 ocorreu um afrouxamento do regime ditatorial. A maior crise
econômica desde os anos 30 deslegitimara os militares. Depois das eleições de 1982 governadores da oposição
ascenderam ao poder nos estados mais importantes. Num passo adicional um amplo movimento de massas
exigiu a eleição direta do presidente. As ruas tornaram se palco da política, as pessoas passaram a votar ‘com os
pés’. Mas o congresso, que continuou sendo institucionalmente o centro do poder, decidiu, contrariando a
vontade da maiora absoluta da população, eleger indiretamente o presidente por meio de um colégio eleitoral.
No curto prazo os planos do bloco majoritário do PDS não vingaram, pois uma parte do partido saiu e votou,
sob a nova legenda do PFL, juntamente com a oposição. Assim Tancredo Neves foi eleito presidente em 1984, e
não Paulo Maluf, o candidato dos militares. Mas Neves faleceu ainda antes da sua posse e José Sarney, vice-
presidente e um homem da ditadura militar, tornou-se o primeiro presidente civil. Ele simbolizou a ”transição
pactuada” da ”Nova República”. Houve uma mudança de regime sem alteração do bloco de poder. Em grande
parte nem houve uma troca do pessoal que representava esse bloco de poder.74 O leitmotiv da ”Nova República”
71
Dois desses presidentes foram vice-presidentes e se beneficiaram da morte (José Sarney) ou da destituição (Itamar Franco)
do presidente.
72
O exemplo histórico mais conhecido de uma organização social alternativa durante o período colonial foram os quilombos
- territórios livres de escravos fugidos - no hinterland das plantações açucareiras (Becker, Egler 1992: 60). Palmares tornou-
se o emblema da resistência negra (Ribeiro 1995: 295). Mas a Balaiada, a Cabanagem e Canudos também foram levantes
populares importantes (Ribeiro 1995: 319 ss., 356). No séc. XX os imigrantes europeus organizaram-se em São Paulo em
sindicatos e associações vicinais anarquistas e buscaram a autonomia do Estado. A sua resistência contra a demolição dos
bairros operários nas proximidades do centro foi igualmente abafada com violência (Novy 1995: 26-29).
73
As associações dos latifundiários defenderam sobretudo na questão da reforma agrária a autonomia da sociedade civil - e a
sua propriedade. Em matéria de reforma agrária, a Constituição de 1988 é mais conservadora do que a da ditadura militar.
74
Sob o governo de Sarney 93% dos 2000 funcionários supremos responsáveis pelo exercício do poder presidencial
provinham da ditadura militar (Dreifuss 1989: 40).

75
76
foi a continuidade, não a mudança. Porém, com o Plano Cruzado de 1986, um plano heterodoxo de
estabilização75, e com a moratória da dívida Sarney deu inicialmente passos que lhe granjearam popularidade. O
congelamento de salários e preços do Plano Cruzado levou a um aumento do poder aquisitivo e a uma melhoria
da distribuição da renda76, e a moratória da dívida aliviou o orçamento. A euforia subsistente até fins de 1986
assegurou ao PMDB e com isso ao governo de Sarney uma maioria folgada no Congresso Nacional e nos
estados. Depois o plano desmoronou em virtude da sua inconsistência econômica e política. Depois de 1987
políticos tradicionais que também se tinham tornado conhecidos durante a ditadura militar ganharam influência
no Executivo. O fracasso dos planos heterodoxos de estabilização foi creditado a um excesso de
intervencionismo e - apesar da deterioração da distribuição da renda - a uma ”ênfase excessiva nos programas
sociais” Ao invés disso foi perseguida então uma ”política feijão-com-arroz”77, de corte ortodoxo. Isso
fortaleceu o PFL diante do PMDB. Um dos ministros mais importantes de Sarney foi Antônio Carlos Magalhães,
conhecido como ACM, que na sua condição de Ministro das Comunicações era responsável pela concessão de
licenças de operação de emissoras de rádio e televisão, feita segundo critérios políticos. Esse foi um instrumento
central utilizado pelo governo para assegurar-se da ou ”comprar” a lealdade de congressistas. Peritos do PFL
substituíram crescentemente os do PMDB. Os intelectuais descontentes com a sua própria marginalização e a
apropriação do governo Sarney por parte dos conservadores formaram o meio a partir do qual se constituiu em
1988 o PSDB.

As primeiras eleições livres para a presidência da república, realizadas em 1989, ofereceram uma
oportunidade para derrotar o establishment. Ao invés do sindicalista Luís Inácio Lula da Silva, candidato do PT,
ganhou o populista de direita Fernando Collor de Mello, até então uma pessoa amplamente desconhecida. Ele
receitou com o Plano Collor um pacote econômico inesperadamente radical e congelou todas as cadernetas de
poupança, o que levou a um fim de curto prazo da inflação e a uma profunda recessão. O estilo excêntrico de
liderança de Collor levou à subestimação dos seus feitos políticos. Sob ele começou o ataque sistemático à
estrutura do Estado, a transição de uma retórica do livre comércio, da privatização e da economia de mercado
para uma política concreta. Mas já pouco tempo depois da sua posse começaram a circular boatos de que Collor
estaria praticando a corrupção de forma mais desmedida do que os presidentes anteriores. Em 1992 formou-se
um movimento de massas para a sua destituição. Mais uma vez as ruas tornaram-se palco do poder, dessa vez
exitosamente. O protesto de centenas de milhares de brasileiros engajados foi importante para a deslegitimação
de Collor. Mas sem o apoio do empresariado paulista e de quase todos os meios importantes de comunicação as
coisas não teriam chegado a esse ponto. Sempre que no Brasil a corrupção generalizada chega ao conhecimento
público, deve-se supor que interesses concretos de grupos influentes são responsáveis pela publicidade.78
Quando a destituição do cargo foi decidida em fins de 1992 pelo parlamento com maioria avassaladora, foi
constituído sob a liderança do vice-presidente Itamar Franco um governo de ”consenso nacional”, desta vez até
com a participação de Luiza Erundina, membro do PT e ex-prefeita de São Paulo.Os tecnocratas dos escalões
dirigentes, ligados ao PSDB e marginalizados por curto prazo no fim do governo Sarney reconquistaram a sua
influência já durante o governo Collor e depois mais ainda no de Itamar Franco. A equipe do Ministro da
Fazenda Fernando Henrique Cardoso elaborou um plano de estabilização, o Plano Real, que pela primeira vez
apostou expliticamente no acoplamento da moeda nacional, o Real, ao dólar norte-americano, já praticada em

75
A visão de mundo da economia se assemelha a uma religião. Correspondentemente há doutrinas da fé correta (ortodoxas)
e doutrinas contrárias à fé correta (heterodoxas). Ortodoxas são via de regra as doutrinas que crêem na onipotência do
mercado para a regulação da sociedade; heterodoxos, isto é, heréticos, são os instrumentos de política econômica que, como
o Plano Cruzado, prevêem também intervenções no mercado como congelamentos de salários e preços.
76
O plano foi implementado pelos mesmos tecnocratas do Rio que elaboraram posteriormente o Plano Real (Bresser Pereira
1987). Um funcionou quatro anos, o outro dez meses.
77
O feijão com arroz é o prato padrão no Brasil, simples e sem grandes surpresas para o consumidor. [A nota foi escrita para
a edição alemã - O Tradutor]
78
Por um lado, a campanha de 1984, em prol das eleições diretas para a presidência encontrou um amplo respaldo pro
forma, mas segmentos importantes dos grupos dominantes nutriam grandes reservas quanto a uma eleição direta. A
campanha fracassou. Em 1996/97 uma comissão de inquérito chamou a atenção por revelar um esquema complexo de
corrupção (Senado 1997). As revelações foram especialmente constrangedoras para Paulo Maluf, potencial candidato
oponente a Fernando Henrique Cardoso. A comissão descobriu cada vez mais irregularidades, até que Maluf renunciou à sua
candidatura. Depois os trabalhos da comissão estagnaram e ela não chegou a nenhum resultado concreto
(www.senado.gov.br/web/cpif/cpi.htm, 6 de julho de 1998).

76
77
outros países latino-americanos. Depois de anos de insegurança Cardoso prometia estabilidade e
competência. ”Durante a campanha eleitoral Cardoso se referiu sem ambigüidades ao principal traço distintivo
com relação ao seu principal concorrente: ela era intelectual, ao passo que o outro não passava de um simples
metalúrgico” (Oliveira 1998b: 95). Suportado por amplo apoio, ele ganhou as eleições. Transformações
importantes no campo da privatização, da reforma administrativa, da Previdência Social e das aposentadorias
puderam ser implementadas nos quatro anos do seu mandato. Todas essas reformas foram apresentadas até 1998
como incondicionalmente necessárias para a consolidação das finanças públicas.79 Depois se afirmou que as
reformas criariam um novo modelo de Estado e economia, que só no longo prazo mostraria os seus efeitos
positivos. Apesar da crise econômica Fernando Henrique Cardoso ganhou as eleições mais uma vez no primeiro
turno.

Tabela 15: Eleições presidenciais, Brasil

1989 1994 1998


(1)
PPB (2) 8,9 2,7 -
PFL 0,9 - -
diversos partidos de direita 28,5 8,4 2,1
PSDB 9,0 54,3 53,0
PMDB 4,7 4,4 -
PT 17,2 27,0 31,8
diversos partidos de esquerda 15,4 3,2 11,0
(1) no primeiro turno
(2) 1989: PDS
Fonte: Nicolau (1998)

A divisão dos poderes, pilar fundamental de uma democracia liberal e do federalismo, foi sistematicamente
minada no governo de Fernando Henrique Cardoso. A emissão excessiva de medidas provisórias, isto é, de leis
promulgadas pelo Executivo, de vigência temporalmente limitada, e a prática da compra de votos enfraqueceram
o Legislativo. Durante o seu período de cinco anos, José Sarney promulgou a cada décimo terceiro dia uma
medida provisória, Collor a cada quinto dia. Sob o governo de Fernando Henrique Cardoso foram promulgados
em 1995/96 a cada segundo dia duas medidas provisórias (Suassuna 1996).80 Quando ainda era senador, o
próprio Cardoso criticou duramente essas medidas. ”Mas uma coisa é certa: ou o Congresso põe, não importa de
que maneira, um termo ao continuado desrespeito praticado contra ele e a constituição ou é melhor reconhecer
que somente há um poder no país, o do presidente da república. E a partir desse momento esquecemos também
de falar de ‘democracia’” (Cardoso 1998 [REVISÃO: verificar citação no original]). Ao passo que o Poder
Legislativo não cumpre a sua tarefa propriamente dita de deliberar e aprovar leis81, o governo se vale da sua
folgada maioria no Congresso para impor emendas constitucionais. Foram subtraídos aos estados recursos
constitucionalmente assegurados e a base financeira dos governos estaduais continuou sendo estreitada. Ocorreu
uma recentralização por via da política econômica. O direito eleitoral foi adaptado um ano antes das eleições aos
desejos da maioria (FSP de 12 de setembro de 1997).82 A reeleição do presidente, dos governadores e dos

79
Para um balanço crítico dos quatro primeiros anos de governo de Fernando Henrique Cardoso, cf. Lesbaupin (1999).
80
Uma medida tão importante como a do PROER (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema
Financeiro Nacional), o programa para o apoio da reestruturação do sistema bancário, foi reeditada a cada 30 dias na forma
de medida provisória. Tal medida festejou em novembro de 1996 o seu ”aniversário” sem ter sido aprovada (ou rejeitada)
pelo Poder Legislativo (Freitas 1996).
81
De todas as leis aprovadas entre 1989 e 1993 78% tinham a sua origem no Poder Executivo (Diniz 1997: 182).
82
A observância de mecanismos de controle para evitar que titulares de cargos se valham de modo ilegítimo da sua função, é
declarada ”impossível” pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e pelo STF (Supremo Tribunal Federal); 24 dos grupos que
deram uma boa parte das doações oficialmente registradas para a campanha opinaram que doações legais trariam mais
problemas do que vantagens em virtude da grande publicidade, razão pela qual preferem retornar aos métodos ilegais (FSP

77
78
prefeitos, proibida como medida de proteção contra o patrimonialismo, foi possibilitada por uma emenda
constitucional.

O Congresso brasileiro é formado por duas câmaras, o Senado e a Câmara dos Deputados. Se
durante o Império os senadores eram vitalícios, hoje eles têm um mandato de oito anos, portanto o dobro do
tempo de mandato dos deputados. Cada estado elege três senadores. A cada quatro anos são eleitos em cada
estado alternadamente um ou dois senadores segundo o sistema de eleição majoritária no primeiro turno. Nos
últimos anos o Senado ganhou uma influência cada vez maior. Nessa casa encontram se muitos dos políticos
mais influentes, muitos ex-governadores ou políticos que consideram o Senado como plataforma para outros
cargos no Executivo nacional ou regional. Com 43 senadores, o centro no Senado teve mais peso do que a
direita, representada por apenas 25 senadores. Isso se deve fundamentalmente ao fato de que os pequenos
partidos de direita perderam influência em virtude do sistema de eleição majoritária, permitindo ao PSDB
aumentar a sua influência. A presidência do Senado está nas mãos de ACM, embora o PFL com seus apenas 20
senadores não constitua o maior clube na casa. Entrementes a esquerda dispõe de 13 cadeiras, mas isso ainda é
apenas um quinto (cf. Tabela 16). Na Câmara dos Deputados pode-se constatar desenvolvimentos semelhantes
aos do Senado, embora algumas tendências sejam mais pronunciadas (cf. Tabela 17). Deve-se ressaltar a perda
da posição determinante amargada pelo PMDB. O PSDB aumentou a sua influência, consubstanciada hoje em
99 deputados, basicamente a expensas do PMDB. Mais uma vez perderam importância os muitos partidos
pequenos de direita, ao passo que o PPB representa com 60 deputados o quarto maior grupo e o PFL com 106
deputados é o maior grupo. Com 58 deputados, o maior partido de esquerda, o PT, está em quinto lugar. O
crescimento da esquerda diminuiu em 1998, ela não elege praticamente mais de um quinto dos deputados. O
crescimento contínuo não aumentou a influência da esquerda, pois desde 1994 os parlamentares do centro votam
sistematicamente com a direita. Durante o processo de elaboração da constituição em 1987 e 1988, a influência
do PT, então visivelmente menor, foi maior em virtude do comportamento não-unitário do centro e da direita nas
votações.

Tabela 16: Distribuição das cadeiras no Senado, Brasil, 1990 – 1998

1990 1994 1998


PPB (1) 0 6 5
PFL 18 18 20
diversos partidos de direita 8 11 0
DIREITA - TOTAL 26 35 25
PSDB 10 10 16
PMDB 24 23 27
CENTRO- TOTAL 34 33 43
PT 1 5 7
diversos partidos de esquerda 7 8 6
ESQUERDA - TOTAL 8 13 13
TOTAL GERAL 68 81 81
(1) Até 1990 PDS
Fonte: Brasilienausschnittdienst (10/90, 10/94 und 10/98), www.senado.gov.br (24 de abril de 1998)

Tabela 17: Distribuição das cadeiras na Câmara dos Deputados, Brasil, 1986 – 1998

1986 1990 1994 1998


PPB (1) 32 42 52 60
PFL 118 83 89 106
diversos partidos de direita 29 132 92 52
DIREITA – TOTAL 180 227 233 218
de 16 de setembro de 1997, Freitas 1998, FSP de 14 de abril de 1998).

78
79
PSDB 38 62 99
PMDB 260 108 107 82
ESQUERDA - TOTAL 260 146 169 181
PT 16 35 49 58
diversos partidos de esquerda 31 65 62 56
ESQUERDA - TOTAL 47 100 111 114
TOTAL GERAL 487 503 513 513
(1) Até 1990 PDS
Fonte: Nicolau (1998)

As queixas sobre a forma fragmentada e irracional da política brasileira não têm fim. Enquanto ente legislativo,
o Congresso se assemelharia mais a uma ”feira” para a implementação de interesses particularistas de curto
prazo, do que a um ”forum” no qual se define racionalmente a via de desenvolvimento da nação. Explica-se isso
com o clientelismo amplamente difundido, a troca de favores por votos (Banck 1990). De acordo com o Direito
Eleitoral brasileiro são eleitas pessoas que se candidatam em uma chapa do partido. Embora a filiação partidária
de no mínimo um ano seja pré-requisito da candidatura, esta é quase sempre de importância secundária diante
das qualidades e capacidades pessoais. Por isso mudanças de partido praticamente não afetam a honorabilidade e
são perfeitamente habituais.83 Faz parte das tarefas do deputado operar como mediador entre o Poder Executivo
e a população, isto é, comprar a anuência a projetos que tramitam no Congresso mediante concessões feitas à sua
clientela eleitoral. Na eleição do presidente, dos governadores e dos prefeitos reflexões atinentes à política em
geral referindo-se as grandes temas da nação desempenham um papel maior do que nas eleições parlamentares.
Isso se deve ao fato de que os primeiros mandatários dominam, em virtude do sistema presidencialista, diante do
Congresso, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores. Depois de eleito, o Executivo busca
obter a necessária maioria no Legislativo. É certo que este ganhou de iure uma importância muito maior com a
Constituição de 1988, que de facto prescreve um sistema misto entre presidencialismo e parlamentarismo. Mas o
seu modo básico de funcionamento não se alterou.84 O clientelismo é tão difundido e resistente a transformações
por encarnar o elemento relacional na política, a ”casa” na ”rua” no sentido de Da Matta (1991). Mas isso não
infunde ao sistema político o calor e a sensação de se estar abrigado na ”casa”, mas impede que as leis da
igualdade e da restrição do poder sejam implementadas no espaço público. Trata-se de uma ”familiaridade
perversa”, pois ela possibilita aos economicamente poderosos comprar votos no processo político e construir
dessarte relações pessoais. A base eleitoral de deputados normalmente se restringe a uma região na qual eles se
empenham por melhorias da infraestrutura.85 Com a fixação em interesses micropolíticos os poderosos impedem
que o sistema político questione o seu poder econômico e sobretudo a sua propriedade. O clientelismo é uma
forma duradoura e consensual de dominação, pois pode contar amplamente com a anuência dos por ele
prejudicados no longo prazo. Ele subordina interesses de longo prazo, tais como são representados pelos
partidos, aos interesses de curto prazo da organização de uma rede complexa de ”dar e receber”. Por
conseguinte, toda a estrutura do Poder Legislativo está direcionada a um processo de trocas políticas. No
entrelaçamento atual do capital e do Estado ela assume formas sempre novas, como e.g. a inserção
universalizada de consultores empresariais em processos decisórios de natureza política. Um ápice dramático
dessa forma conservadora da ação política foi um escândalo em início de 1997. A Folha de São Paulo pôde
comprovar mediante fitas gravadas que dois (de oito) deputados federais do Acre tinham recebido
respectivamente 200.000 dólares e outras vantagens para votar a favor da emenda constitucional que permite a
reeleição do presidente da república.86 Em três outros houve fortes indícios, mas não provas, pois a continuação
83
Entre 1987 e 1994 25,1% dos deputados mudaram uma vez, 6,2% duas vezes e 24% três ou várias vezes de partido
(Limongi, Figueiredo 1996: 42).
84
”Quem será contra a ‘modernização’ do parlamento? Ninguém. Quem acredita que possa partir dele um controle efetivo
das decisões cotidianas? Ninguém” (Fernando Henrique Cardoso 1991: 168).
85
Aqui os candidatos constróem uma rede complexa de cabos eleitorais que vão na sua respectiva vizinhança de casa em
casa, constróem relações de lealdade e ”trocam votos por favores”. Inerente a essas lealdades quase sempre de curto prazo é
a fraqueza delas estarem constantemente ameaçadas pela revogação. Por essa razão não surpreende o elevado percentual de
deputados que não conseguem reeleger-se. Esse direcionamento para o curto prazo e o enraizamento local dos deputados
representa um obstáculo para medidas relevantes para setores ou a totalidade da sociedade.
86
Com oito deputados federais, o Acre está bem mais representado do que os estados com um contingente populacional

79
80
das investigações foi abortada.87 Como estados pequenos como o Acre não possuem força econômica
própria e sua arrecadação tributária direta é praticamente inexistente, os seus atores dependem em elevado grau
de contribuições legais e ilegais de instâncias externas. Por sua vez o presidente da república, cujo discurso
político gira em torno do conceito da ”modernização”, dependia para a implementação dessa ”modernização” do
apoio das forças políticas mais retrógradas do Brasil.88 O esforço modernizador das partes do establishment
brasiliense interessadas na transformação encontrou seu limite nas alianças necessárias para o apoio de uma tal
política.

A estrutura administrativa burocrática do Estado brasileiro, que se formou, inspirada pelo ideário
positivista, timidamente no séc. XIX e depois no plano dos estados, partindo do Estado do Rio Grande do Sul,
desembocou depois de 1930 no centralismo do estado-nação. O modelo oficial era o estado centralista francês e
a burocracia racional de Max Weber. Esse modelo foi introduzido em 1935, para ocupar o lugar da estrutura
patrimonial do Estado, na qual este era percebido como propriedade de quem exercia a dominação.89 A nova
Constituição Federal de 1988 se inseria na tradição do modelo do Estado racional e burocrático e impôs um
direito unitário do funcionalismo público e da sua remuneração. 400.000 funcionários de organizações estatais
terceirizadas tornaram-se funcionários públicos federais sujeitos a regras administrativas uniformes (Bresser
Pereira 1998a: 4). As idéias do presidente Cardoso caminhavam na direção contrária. Ele desejava a
descentralização e fragmentação do Estado, tal como ela já tinha sido iniciada pelo presidente Kubitschek e
pelos militares.90 A reforma administrativa constituía um elemento central da reforma do Estado na direção de
um Estado ”enxuto”. A descentralização ocorreu tanto como deslocamento do plano nacional para o plano
regional e local quanto como terceirização feita pelo Estado (Mare 1997). As tarefas foram delegadas a
”organizações sociais” (OS) e ”Agências Executivas” definidas em lei. O Estado criou assim para si no seu
entorno uma sociedade civil própria para fins de disponibilização de serviços públicos. Nesta a participação dos
cidadãos era desejada; a não-participação era punida. Assim e.g. escolas que não fundam uma Associação de
Pais recebem menos recursos do Estado. As organizações sociais são responsáveis pelos serviços não-
exclusivos, que abrangem uma grande parte dos serviços públicos nas áreas da saúde, da educação, da cultura
etc. (Lins 1997). As ”agências executivas” são organizações públicas, mas não estatais de direito privado. São
responsáveis pelas atividades exclusivamente disponibilizadas pelo Estado, assim e.g. o INSS (Instituto
Nacional de Seguridade Social). Elas recebem um encargo legal para produzir um serviço para o Executivo. No
maior. Assim os grupos conservadores estão representados muito acima da média na Câmara dos Deputados e no Senado (no
Acre, um deputado representa 52.145 pessoas, em São Paulo 450.664; um senador acreano representa 139.055, um senador
paulista 10.515.491 pessoas). Os deputados federais do pequeno Estado do Acre são um bom exemplo disso. Em 1994 o
PMDB conquistou quatro, o PPB três e o PP (Partido Popular) uma cadeira na Câmara dos Deputados. Em 1997 somente
um era membro do PMDB, os três restantes e o deputado do PP migraram para o PFL que no Acre colaborava com o
governador.
87
A troca de votos no Acre não foi a única transação do governo. ”FHC troca 6.000 cargos contra um voto”, eis a manchete
da FSP em 4 de março de 1997, referindo-se à assunção das despesas de pessoal do Estado do Amapá pelo governo federal
(cf. também Damé 1997). Afirma-se que essas compras de voto teriam sido coordenadas pelo governador do Amazonas.
Os cinco deputados suspeitos de corrupção percorreram carreiras políticas típicas: Zilá Bezerra (1982-1994: PMDB),
responsável pela política de meios de comunicação do governador (1982-1985), coordenadora de política agrícola no Vale
do Juruá (1986), chefe de gabinete (1987-1990), deputada federal (1990-1994), depois mudança para o PFL.
Osmir Lima: PMDB (1982-1994), Presidente do Banco do Estado do Acre (1983-1986), deputado federal (1987-1990),
1994 candidato pelo PMDB, depois das eleições mudança para o PFL.
João Maia: PT (1980-1983), PMDB (1983-1992): deputado federal; mudança de partido para o PP (1992-1994), em 1994
eleição como candidato do PP, depois mudança para o PSDB e depois para o PFL.
Ronivon Santiago: PMDB (1990-1994), PPR (1995-1996), PFL (1997).
Chicão Brígido: PMDB (1992-1997): vereador em Rio Branco (1993-1994), deputado federal (1995-1997).
88
O caráter contraditório da política brasileira é testemunhado pelo fato desse estado especialmente retrógrado estar sendo
governado desde 1999 pelo PT, que também elegeu dois dos três senadores.
89
Já durante o Estado Novo surgiu uma pletora de instituições do Estado central, mas autonomizadas em termos
organizacionais. Juscelino Kubitschek reforçou essa tendência, criando uma série de novos órgãos, instituições e cargos que
administravam os assuntos públicos ao lado da hierarquia estatal. Em 1967 uma reforma administrativa dos militares levou a
uma maior autonomização e flexibilização da administração pública pela criação de fundações e autarquias.
90
”Dessa forma será possível estabelecer uma administração pública gerencial, em que os políticos eleitos e uma alta
burocracia profissional, recrutada e treinada de forma impessoal, possam administrar de forma descentralizada, cobrando
resultados dos servidores públicos (Bresser Pereira 1997).

80
81
caso dos monopólios sobre a exploração de recursos naturais, a produção de bens e serviços antigamente
efetuada pelo Estado, sua quarta função, foi até terceirizada a empresas privadas.91 No núcleo estratégico do
Estado o direito do funcionalismo público continua sendo mantido juntamente com a estabilidade
(www.zerohora.com.br vom 12.8.1999): isso abrange as áreas da segurança, da arrecadação de impostos, do
Banco Central e do Judiciário. O primeiro escalão da burocracia é reestruturado em termos de administração
empresarial, pois um excesso de regras e sobretudo de cogestão sindical configuraria um impedimento ao
monitoramento eficiente. Pretende-se impedir a participação direta do cidadão nas decisões do núcleo
estratégico do Estado. Por isso a legitimação para a tomada de decisões sobre o bem-estar público reduz-se para
os titulares dos cargos decisórios na burocracia estatal à legitimação indiretamente democrática pelo presidente.
No centro da reforma administrativa estavam objetivos de natureza fiscal, vale dizer, a redução dos gastos com
pessoal. A Tabela 18 mostra que estes subiram durante o governo de José Sarney de 3,46% a 6,68% do PIB.
Durante o governo Collor eles caíram para 4,58%. Itamar Franco aumentou os gastos com pessoal; o aumento
salarial concedido por ele, que produziu seus plenos efeitos no orçamento apenas em 1995, conduziu, também
em números absolutos com R$ 46,6 bilhões a um ápice. As despesas estagnaram ligeiramente abaixo desse nível
sob o governo de Fernando Henrique Cardoso. Com isso elas estavam em 1997 um pouco inferiores ao serviço
da dívida (cf. Novy 1998: 235); em 1998 este foi nitidamente superior. O quadro de pessoal, que chegara a um
ponto culminante com 700.000 funcionários durante o governo Sarney, reduziu-se nos anos subseqüentes em
todos os governos. Em 1997 o número de funcionários públicos ativos na administração federal mais estrita era
ligeiramente superior a 500.000.92 Ao passo que os gastos com pessoal não mais oneram o orçamento, é lícito
duvidar diante da redução do funcionalismo se a qualidade dos serviços poderá continuar sendo assegurada. De
qualquer modo 121.150 pessoas atuam na área da saúda e 171.137 pessoas no setor educacional.93

Tabela 18: Gastos de pessoal da União, em bilhões de reais (dezembro de 1997) e situação do funcionalismo

R$ índice em % situação do
(bilhões) (1) do PIB funcionalismo
1987 19,7 100,0 3,46
1988 24,2 122,7 4,26 705.548
1989 29,9 151,6 6,68 712.740
1990 34,4 174,7 6,42 628.305
1991 28,2 143,3 4,83 592.375
1992 23,0 116,7 4,58 620.870
1993 31,1 157,7 4,89 592.897
1994 35,9 181,9 5,06 583.020
1995 46,6 236,5 5,76 567.689
1996 45,3 229,8 5,43 545.656
1997 45,7 231,7 5,47 531.725
1998 (2) 45,8 232,5 526.166 (3)
(1)1987 =100
(2) acumulado de maio de 1997 até abril de 1998
(3) Março de 1998
Fonte: www.mare.gov.br/Publicacoes/Boletim/index.htm (27 de julho de 1998)

91
As inovações tecnológicas na área das telecomunicações e o controle estatal pela via de um órgão de regulamentação
visam impedir a formação de monopólios. Uma disponibilização de serviços competitivamente organizada deve possibilitar
a criação de um Estado enxuto e eficiente - bem na linha de ”Reinventing Government” (Osborne Gaebler 1992) (Bresser
Pereira 1998: 11).
92
Ao passo que em 1987 somente 23,3% de todo o funcionalismo civil federal era formado por aposentados, esse percentual
subiu a 41,7% em 1998.
93
Ao lado dos funcionários federais civis há redondamente 600.000 militares (inclusive a Polícia Militar) (Dreifuss 1989:
26).

81
82
A democratização, compreendida num sentido muito abrangente, ocupou desde a resistência contra a
ditadura militar um papel central em todos os esforços reformistas. Tratava-se de dar à nação enquanto
receptáculo de poder regras que permitissem uma cogestão mais ampla da população. Não se questionava a
concepção do poder soberano, mas aqueles que monopolizavam esse poder. Depois de um longo processo,
intensamente acompanhado pela sociedade civil, foi elaborada em 1988 pela Assembléia Constituinte eleita em
meio à vertigem consumista do Plano Cruzado e claramente determinada pelo predomínio das forças
conservadoras, uma nova Constituição Federal. Embora ela estivesse em muitas áreas, como a reforma agrária, a
política econômica e a posição dos militares, em perfeita continuidade com constituições anteriores, ela colocou
algumas ênfases importantes em áreas isoladas. Em virtude da sua concepção explicitamente liberal dos direitos
de cidadania e do federalismo, ela foi denominada ”constituição cidadã”, mas os direitos sociais também foram
nela ancorados como direitos universais de todos os cidadãos. O PSDB votou em 1988 de modo quase unânime
em favor da constituição (Oliveira 1998a: 175). Mas as numerosas exigências constitucionais no campo da
política social não foram, na sua maioria quase absoluta, implementadas em dispositivos de regulamentação por
via de leis ordinárias. Apesar disso responsabilizou-se, num país com uma das distribuições mais injustas da
renda e do patrimônio e diante de um aumento da desigualdade nos anos 80, em cópia de argumentações
conservadoras dos países industrializados, a ”sobrecarga de demandas” (Mare 1998: 3) ou, como variante latino-
americana, o ”populismo econômico” pela ingovernabilidade desde o fim da ditadura militar (cf. Pereira 1998:
142). Com o Plano Real os municípios e os estados se defrontaram com uma redução dramática das suas
margens de ação.94 Isso está relacionado à estrutura de financiamento dos estados, que funcionou sobretudo nos
anos 80 fundamentalmente por via dos bancos públicos estaduais. Estes eram utilizados para alavancar os
esforços no desenvolvimento regional, sendo agora - assim como o orçamento da União - atingidos de forma
especialmente dura pela política de juros elevados. O pagamento dos juros empurrou alguns bancos públicos
estaduais à falência ou conduziu à sua liquidação ou privatização.

O sistema brasileiro de saúde é um bom exemplo da construção e destruição da dimensão nacional. Na


sua estrutura, não com referência ao seu público-alvo e sua qualidade, o sistema de saúde percorreu no Brasil
uma evolução similar à do sistema de saúde na Europa. Até o início do séc. XX existia somente uma previdência
privada no plano da saúde. O sistema de saúde pública tem a sua origem em caixas de pensão criadas em 1923
por empresas, que ofereciam também assistência social e cuidados médicos. Em 1930 elas foram substituídas
por caixas de pensão sujeitas ao controle estatal e estruturadas segundo segmentos profissionais. No âmbito de
um segmento cada pessoa tinha os mesmos direitos. Ao mesmo tempo foi criado o Ministério da Saúde, cuja
atenção se concentrava sobretudo no combate às epidemias. Desde o princípio a estrutura do sistema público de
saúde era fragmentada e altamente centralizada. Em 1947, com a criação do Ministério da Previdência Social,
tentou-se unificar o sistema de pensões. Em 1967 as diferentes caixas de pensões foram unificadas na criação de
um instituto próprio, o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social), o que levou a uma padronização
nacional dos direitos de aposentadoria. A dispensa de cuidados médicos a todos os integrados no mercado
formal de trabalho transformou-se igualmente em direito do trabalhador. Ao lado da destruição de algumas
caixas de pensão que funcionavam bem, essa ampliação maciça do círculo de beneficiários resultou num grande
ônus financeiro e na redução dos serviços prestados. As pessoas com renda maior começaram a contratar, em
número crescente, seguros particulares. Depois de alguns outros passos na direção da unificação do sistema os
estados e municípios foram inseridos em 1983 por meio de contratos intraestatais na política nacional de saúde
pública. Em 1987 foram dados passos na direção de um sistema unificado, mas descentralizado. As idéias
fundamentais desse sistema foram integradas em 1988 na nova Constituição Federal. Por meio do SUS (Sistema
Unificado de Saúde), a saúde passou a ser um direito de todos os brasileiros, independentemente deles
contribuirem ou não. Com base na constituição (Ministério da Educação 1988: 88) o sistema de saúde baseia-se
nos princípios da universalidade, igualdade e integração de atividades. Já cedo formou-se a resistência a essa
concepção cidadã de saúde. A burocracia nacional da previdência social, cuja dissolução estava prevista na
constituição, colocou-se contra essas idéias e obstaculizou o SUS. Ao mesmo tempo, as forças que pretendiam
fortalecer um sistema privado de saúde ganharam influência com a eleição de Fernando Collor de Mello. A
primeira medida eficaz de Collor foi retardar a introdução do SUS. No lugar de planos de saúde local e
regionalmente integrados apareceu a lógica centralizada da contabilização de ou do pagamento por serviços

94
Com referência à estrutura federativa, os municípios puderam aumentar entre 1980 e 1992 a sua participação nos gastos
sociais do Estado de 11 a 17%; os estados também aumentaram a sua participação de 24 a 27% (Medici 1995: 291).

82
83
prestados. A descentralização do sistema de saúde começou a estagnar e os municípios e estados se viram
sem apoio nacional. Esse estado de coisas deteriorou-se ainda mais a partir de 1994, quando o governo federal
criou para fins de saneamento do orçamento o FSE (Fundo de Estabilização Econômica), que reteve parte da
arrecadação tributária destinada pela constituição aos estados e municípios.95 O seu prolongamento no âmbito do
FEF tornou-se, conforme argumentou o governo, necessário porque as reformas necessárias não eram executadas
com suficiente rapidez e só assim seria possível reduzir a ”vinculação excessiva dos gastos”. As receitas
auferidas pela União a partir desse fundo devem ser utilizadas ”prioritariamente” na área social. Em 1994 86,2%
dos recursos se concentraram também nas áreas da saúde, da previdência social e da educação. Em 1996 esse
índice foi de apenas 70,92%. Em contrapartida, estão crescendo muito os seguros de doença privados,
subsidiados com isenções tributárias. ”Membros de sistemas de previdência privados são essencialmente pessoas
com renda alta e muito alta. Pelo pagamento dos seus prêmios elas recebem incentivos fiscais e subsídios do
estado em volume considerável. Segundo dados do Banco Mundial, esses subsídios cifraram-se em 1995 em 1,5
bilhões de dólares norte-americanos, nada menos de 25% de todo o orçamento federal para o setor de saúde”
(Frankfurter Rundschau, 6 de julho de 1998: 6).

A política habitacional do Estado também evidencia o papel central do Estado no fordismo periférico.
Em 1964 foi criado o SFH (Sistema Financeiro de Habitação) e um banco para o financiamento da casa própria,
o BNH (Banco Nacional de Habitação). Em 1966 entrou em vigor o FGTS, acessível aos trabalhadores em caso
de demissão e para fins de construção ou aquisição da casa própria (Arretche 1998: 70). Até 1986 foram
construídas cerca de 4 milhões de habitações, sendo que a camada baixa só se beneficiou disso em grau restrito,
pois uma grande parte das habitações foi construída para famílias cuja renda mensal era superior a 12 salários
mínimos (Aguerre 1995: 112). As COHABs (Companhia Metropolitana de Habitação) eram encarregadas da
implementação dos programas habitacionais. Seus representantes eram designados pelo prefeito, por sua vez
designado pelo governador. Esse sistema misto centralizado-descentralizado funcionou apesar da sua estrutura
básica autoritária.96 Correspondeu à concepção de Estado da ditadura militar de deixar executar o fornecimento
do serviço a ser prestado de modo descentralizado e centralizar a competência decisória. Formalmente o sistema
era federativo, mas no seu funcionamento real ele era unitário-centralista (Arretche 1998: 75). A democratização
evidenciou as graves falhas da falta de mecanismos para dirimir conflitos entre a União, os estados e municípios.
A burocracia gestora desse sistema complexo foi sistematicamente destruída. O BNH foi dissolvido em 1986 e
as suas funções foram transferidas a um banco estatal, a CEF (Caixa Econômica Federal). O ministério
competente alterou várias vezes o seu nome, para terminar finalmente como Secretaria de Estado junto ao
Ministério de Planejamento (Arretche 1998: 82). As receitas do FGTS caíram de redondamente US$ 2,4 bilhões
para menos da metade em 1993, o número dos empréstimos concedidos caiu também de aproximadamente
230.000 no final dos anos 70 e início dos anos 80 para 32.000 em 1989 (Arretche 1998: 83).97 O espaço
habitacional era financiado agora essencialmente pelo mercado creditício privado, o que foi uma das razões da
atividade reduzida de investimentos do setor privado. Sob o governo de Fernando Henrique Cardoso foi iniciada
a reformulação da política habitacional, por meio do estímulo da criação de órgãos colegiados nos estados.
Como se identificava na corrupção, levada às últimas conseqüências durante o governo Collor, a causa principal
da crise, o governo Cardoso considerou muito positiva a idéia de uma descentralização. A desmontagem da
burocracia central, a dissolução do Ministério da Previdência Social e dos departamentos competentes na CEF
ajudaram a quebrar o poder da burocracia num só golpe. O plano de descentralização do governo já estava
concluído apenas cinco meses após a posse do presidente, em junho de 1995. O lugar do financiamento
centralizado por via da União foi ocupado por uma forma aberta de estatalidade que recorre tanto a meios do
setor privado quanto aos municípios e estados. A instituição política central é agora o governo estadual, ao passo
que a produção do serviço é descentralizada e privatizada; competindo à União tão-somente a elaboração da
legislação geral (Arretche 1998: 86-90).

95
A compensação financeira produz um efeito regionalmente redistributivo no plano estadual via FPE (Fundo de
Participação dos Estados). Esse efeito é apenas reduzido no FPM (Fundo de Participação dos Municípios) (Couto 1996: 44).
96
Entre 1975 e 1982 foram disponilizados aproximadamente US$ 2,5 bilhões por ano, entre 1979 e 1983 foram concedidos
em média 230.000 empréstimos novos por ano (Arretche 1998: 73).
97
Um ponto culminante triste da crise o sistema experimentou no governo Collor cujo ministério concedeu em 1992, durante
o curso do processo de impeachment, financiamentos dimensionados até meados de 1995. Com isso o sistema foi paralisado
por mais de dois anos (Arretche 1998: 84).

83
84

À guisa de resumo, podemos registrar que a política anti-estatal apoiou-se nos anos 90 nas forças que
nos anos 60 tinham subordinado os direitos de cidadania a uma forma ditatorial de governo e promovido a
estatização da economia. Com a crise fiscal e a dificuldade crescente de mobilizar recursos estatais para fins
próprios, a relação da sociedade civil com o Estado também se alterou. Para a parcela economicamente bem-
situada da burguesia o Estado de Bem-Estar Social tornou-se crescentemente menos relevante, chegando mesmo
a ser percebido como obstáculo do desenvolvimento da liberdade do consumidor. Empresas estatais e a
burocracia estatal foram privatizadas. Muitas das mesmas pessoas que tinham ocupado posições no topo do
Estado passaram a atuar no setor terceirizado, seja por encargo do Estado, seja na condição de novos
proprietários. O poder pessoal e controle pelo establishment freqüentemente foi mantido. O que mudou foi a
fragmentação progressiva de uma regulação política em si já não mais homogênea. Isso dificultou a capacidade
de ação política do bloco dominante, embora a fragmentação de instâncias estatais andasse de mãos dadas com
uma concentração privada do poder. No setor dos órgãos de regulação redes informais e privadas parecem
desempenhar um papel importante.98 O entrelaçamento de financiadores, proprietários, administradores,
burocratas e consultores parece ser demasiado estreito e o poder do mercado parece ser demasiado forte. Falta
vontade política para que os órgãos de fiscalização possam cumprir a sua função de controle. Os grandes
empresários nacionais e internacionais, situados na proximidade do bloco de poder, puderam continuar fazendo
valer maciçamente a sua influência.99

98
Um coordenador da política no setor petroquímico, Magalhães, é consultor de uma das empresas interessadas (FSP de 10
de outubro de 1997); o Presidente da Comissão de Reforma do Estado, o ex-ministro Mailson da Nóbrega, é igualmente
consultor. O presidente do banco extremamente lucrativo BBA, ex-presidente do Banco Central, Fernão Bracher, reuniu-se
com o presidente do Banco Central, Pérsio Arida, na véspera de uma inesperada alteração da política do Banco Central.
Arida renunciou depois ao seu cargo (Veja, 22 de março de 1995), mas continuou trabalhando ativamente na aquisição de
empresas estatais. Gustavo Franco, nomeado presidente do Banco Central, nomeou por sua vez um amigo do setor privado
Diretor de Assuntos Internacionais. Laços familiares também desempenham um papel central.
Até a sua morte surpreendente em 1998 o filho do presidente do Senado ACM, Luís Eduardo Magalhães, foi o candidato
com maiores chances de êxito para as eleições presidenciais em 2002. Os irmãos Luiz Carlos Mendonça de Barros, Ministro
das Telecomunicações, e seu irmão José Roberto Mendonça de Barros, Secretário de Comércio Exterior, tiveram de
renunciar simultaneamente devido a conversas telefônicas duvidosas. No PT os irmãos Viana ganharam as eleições no Acre
para o governo do Estado e o Senado; em 1998, no mesmo ano, Eduardo Suplicy se elegeu senador por São Paulo e sua
esposa Marta quase atingiu o índice de 24% nas eleições para o governo estadual (Brasilienausschnittdienst 10/98).
99
De acordo com um prognóstico, várias isenções tributárias custaram em 1997 ao erário da União o valor de R$ 17,3
bilhões, sendo que apenas a Zona Franca de Manaus ficou com 14,5% (FSP de 8 de setembro de 1997). Seguros de
aposentadoria privada podiam ser descontados do imposto de renda (Carvalho, Adache 1998).

84
85

3 Espaço e poder no centro da periferia


”E quando eu cheguei por aqui
eu nada entendi: a dura poesia concreta de suas esquinas,
a deselengância discreta das suas meninas”
(”Sampa” de Caetano Veloso)

São Paulo, a mais importante metrópole da América do Sul, exibe uma arquitetura impressionante: milhares de
edifícios, milhões de automóveis e aproximadamente dez milhões de pessoas encontram-se num espaço estreito,
são os conteúdos espaciais de um receptáculo que não deixa de ter importância também no jogo das forças
globais da atualidade. Trata-se de uma cidade cujo crescimento vertiginoso no séc. XX produziu a sua peculiar
”poesia concreta, dura”, cujo charme efetivamente não salta aos olhos de imediato. Velha e aparentemente a-
histórica, a cidade estende-se sobre o planalto logo atrás da costa íngreme. Uma metrópole, inserida em um
estado que hoje é o centro econômico inconteste do Brasil e há cem anos ainda apresentava extensas áreas
cobertas de mata e uma densidade demográfica muito reduzida. Enquanto locomotiva que impulsiona o Brasil
inteiro, São Paulo tornou-se um espaço de poder econômico que abrange todo o estado. Mas mesmo esse espaço
maior precisou ser primeiramente construído na sua estrutura atual. E como já aconteceu no capítulo precedente,
o nosso objetivo será também agora colocar a produção de São Paulo enquanto espaço de poder no primeiro
plano da nossa análise. São Paulo é um espaço parcial do Brasil, originariamente irrelevante, posteriormente
dominante. Como capitania, província e mais tarde como estado da federação, São Paulo teve uma pletora de
detentores do poder. Foi um território cuja fronteira adquiriu importância apenas aos poucos, por não dividir
estados-nação. O seu poderio derivou em uma primeira fase de uma inserção específica na economia mundial e,
em uma segunda fase, de uma posição peculiar no âmbito do espaço nacional de poder. Nas últimas décadas São
Paulo é denominada a ”Califórnia do Brasil”, porque esse espaço ocupa uma posição nacionalmente
significativa, em larga escala dominante, e isso simultaneamente na agricultura, na indústria e no setor de
serviços. O espaço nacional foi estruturado e hierarquizado a partir de São Paulo; a partir de São Paulo foram
traçadas e derrubadas fronteiras econômicas e político-administrativas. Analogamente ao exame do Brasil,
orientar-me-ei também nesse capítulo pela teoria da regulação. Mas a periodização do desenvolvimento regional
afasta-se da periodização do desenvolvimento nacional. Ao passo que São Paulo foi antes um retardatário na sua
transição ao regime de acumulação extensiva, o regime dominantemente intensivo tem em São Paulo o seu ponto
de partida. O mesmo vale para a crise desse regime de acumulação. Periodizações efetuadas conforme rupturas
refletem um pensamento comparatista-estático. Na realidade as transições de um campo a outro se dão
lentamente e na forma de um processo. Definirei a seguir as rupturas na evolução mais recente de São Paulo em
1914 e 1973. Essas datas não parecem indicar um momento exato de uma transformação radical. As respectivas
rupturas políticas ocorreram posteriormente, mas nos dois momentos as contradições nacionais do velho poder
sobre o espaço já se refletiam nitidamente em São Paulo, seu centro. A última década do antigo poder sobre o
espaço, nacionalmente dominante, isto é, os anos 20 e o período de 1973 a 1982, foram tempos de
intranqüilidades políticas que se concentraram em São Paulo. Juntamente com a crise da antiga forma de
acumulação e regulação, isso levou ao colapso do velho campo de poder e à estruturação rudimentar de um novo
campo. No entanto, referidas a uma forma estrutural, os anos de 1914 e 1973 assinalam uma ruptura, a saber, a
restrição do meio monetário. Na 1ª Guerra Mundial o padrão ouro entrou em colapso, em 1973 foi a vez do
sistema de Bretton Woods. É certo que a região não tem nenhuma influência na política financeira, mas como
São Paulo era o ponto nodal do campo nacional de poder, ela reagiu com maior rapidez e sensibilidade à crise da
moeda. Enquanto espaço de poder político, a nação lograva postergar por meio do monitoramento político a
eclosão da respectiva crise. A Tabela 19 nos apresenta uma primeira sinopse a respeito disso. Se a seguir falo de
São Paulo, refiro-me em primeiro lugar à cidade enquanto município e com isso enquanto unidade territorial-
administrativa no nível mais inferior da federação, com seus quase 10 milhões de habitantes. De outro lado
também chamo São Paulo a região e o estado inteiro. Denomina-se Região Metropolitana de São Paulo (Grande
São Paulo) o espaço de aglomeração com seus aproximadamente 16 milhões de habitantes (Cf. Tabelas A-34 e
A-35). Os diferentes planos, que se sobrepõem à cidade de São Paulo, desempenharam papéis distintos nas

85
86
diferentes constelações de poder sobre o espaço, sendo que até a virada do séc. XIX para o séc. XX a região
ultrapassava a cidade em importância e essa relação de dependência se inverteu no curso do séc. XX. O estado
respondeu por um terço do Produto Nacional; seu PIB ultrapassou em 1997 o limiar dos R$ 211 bilhões,
atingindo assim quase o PIB argentino e ultrapassando o de qualquer outro país sulamericano. A renda anual per
capita caiu de R$ 6.898 (1980) a R$ 5.657 (1992), para mais tarde aumentar para R$ 6.292 (1997)
(www.seade.gov.br ).

86
87
Tabela 19: Sinopse dos modos paulistanos de desenvolvimento, 1554 – 1998

Sistema regional de Trabalho Relações de Estado ampliado Estado ampliado


produção concorrência regional local
1554 – 1850 * subsistência * trabalho para fins de * posição periférica na * Bandeirantes * Bandeirantes
* saques sobrevivência colônia portuguesa * estamentos
cidade pré-capitalista * expedições para saques
* escravismo
1850 – 1914 * germes de um sistema * transição para o trabalho * dominância do capital * ”política dos * embelezamento da
de produção local assalariado, baseado na cafeeiro orientado para o
governadores” cidade
da capital do café à * plantação cafeeira imigração exterior * fomento da produção de * ampliação da
cidade industrial * início da acumulação * reduzidas inovações no * mercado local café infraestrutura
dominantemente extensiva processo de trabalho * política regional de * controle da classe
localização operária
1914 – 1974 * complementação da * mercado de trabalho * dominância do capital * subordinação política ao * municipalização da
estrutura produtiva em corporativista, industrial orientado para a estado-nação e à cidade de infraestrutura
centro econômico do nível regional nacionalmente estruturado economia doméstica São Paulo * aliança para o
Brasil *empresas industriais * intensificação da * monopólios ou crescimento
* acumulação produção oligopólios nacionalmente * hierarquização do
dominantemente intensiva determinantes espaço urbano

a partir de 1974 * metrópole dos serviços * mercado de trabalho * dominância do capital * democratização do * democratização do
(financeiros) competitivo com germes internacional e do capital Estado regional Estado local
A metrópole necessita * crise da indústria de um corporativismo financeiro * des- e recentralização * modelo liberal de
de uma região mundial * elementos de local * abertura para o mercado * alianças locais para o Estado
acumulação intensiva e mundial e centralização crescimento
extensiva desconcentrada

Fonte: adaptação do autor

87
3.1 História dos campos regionais do poder

Gráfico 8: Estado de São Paulo, localidades centrais e regiões vicinais

Fonte: Novy 1997b: 261.

3.1.1 São Paulo pré-capitalista (1554 -1850)


A costa de São Paulo formou a fronteira sul da colonização portuguesa, que se concentrou ao redor da região
equatorial do Nordeste. Os colonizadores portugueses agarraram-se ”como caranguejos à costa” (PMSP et al.
1992: 13)1, pois o espaço de entrelaçamento transatlântico privilegiou a colonização da costa. Mas já em 1554
ocorreram as primeiras fundações de localidades no hinterland da Capitania de São Vicente, pois a agricultura só
podia ser desenvolvida com dificuldade na costa íngreme. Embora a capitania distasse apenas 70 km do porto, o
caminho era penoso: precisava-se vencer a serra íngreme para chegar à planície ondulada a 750 m acima do nível
do mar. Em 1600 havia 6.000 cristãos, cinqüenta anos mais tarde 12.000 (Henshall, Momsen 1974: 40).

Na região de São Paulo, partindo da cidade portuária de São Vicente, o cultivo da cana-de-açúcar não
era nem aproximadamente tão produtivo como no Nordeste do país. Por isso a região e, conseqüentemente, a
pequena colônia jesuítica de São Paulo ficaram em larga escala isoladas durante muitos séculos.Os primeiros
paulistas2 e paulistanos3 produziam seus próprios objetos de uso, e viviam, com exceção da exportação de trigo
no séc. XVII, em nível de subsistência. A economia de subsistência, que seguia o modo indígena de produção,
baseava-se na pecuária e na agricultura. Cada pessoa ou família precisava cuidar da produção dos seus alimentos.
Uma parte da floresta subtropical úmida era derrubada e preparada para a agricultura mediante queimada. As
cinzas serviam como húmus para o cultivo de um grande número de frutas e hortaliças. Depois de exaurido o

1
Cf. os extensos e interessantes relatos de viagem de Lévi-Strauss (1996: 80 e 102 ss.).
2
Habitantes do Estado de São Paulo.
3
Habitantes da cidade de São Paulo.
89

solo, desmatava-se um novo pedaço e o velho campo podia recompor-se. Ao lado da agricultura os moradores
asseguravam a sua subsistência por meio da caça, da pesca e da coleta de frutas. Alguns grupos mantinham
também animais domésticos. Ao lado da subsistência os paulistas viviam da economia baseada em expecições de
saques. Denominava-se bandeirantes os grupos organizados que avançavam rumo ao interior para capturar mão-
de-obra indígena, saquear e capturar escravos fugidos. São Paulo servia-lhes de base para as suas ações,
ganhando assim pela primeira vez importância como colônia. As expedições de saque eram facilitadas por uma
densa rede fluvial cujas águas fluíam para o Norte, na direção do interior (Becker, Egler 1992: 60). Essa rede
fluvial desempenhou um papel decisivo na integração do hinterland (Furtado 1975: 41 s.). É evidente que os
paulistas se envolveram em pesados conflitos com os seus pais-fundadores, os jesuítas, pois estes tinham criado
no vizinho Paraguai grandes missões, as assim chamadas reduções, nas quais objetivos missionários e estratégias
racionais de colonização no longo prazo estavam acima da busca do lucro no curto prazo. A disciplina substituía
a escravidão.4 Assim as missões localizadas na fronteira com a América Espanhola cedo se viram ameaçadas pelo
lado dos paulistas e pelo lado argentino. O fechamento das reduções indígenas em 1767, obtido mediante pressão
maciça de muitos lados, abriu aos bandeirantes grandes áreas novas para as suas expedições saqueadoras e criou
assim a primeira riqueza em São Paulo (PMSP et al. 1992: 26 s.). A partir de 1674 a descoberta de ouro em
Minas Gerais deu início ao próximo surto de desenvolvimento. Uma vez enriquecidos, esses bandeirantes muitas
vezes não retornavam mais a São Paulo, o que levou a progressiva colonização do interior do Brasil. Havia uma
clara divisão do trabalho fundada no gênero. Os homens respondiam pelas expedições de saque para o
hinterland, as mulheres pela agricultura de subsistência. Pela sua presença física constante na economia local,
sobretudo urbana, elas ocupavam uma posição especial. Estavam também em contato permanente com os
escravos e se integravam, portanto, de forma especial na cultura indígena. Ainda na época da Independência, em
1822, 40% das moradoras eram mulheres que viviam sozinhas. Muitas delas trabalhavam como vendedoras de
rua, mas o sistema de abastecimento local transformou-se radicalmente com a introdução do transporte
ferroviário (Dias 1995: 30. 244).

Em 1560 São Paulo foi elevada oficialmente à categoria de vila. Havia um conselho municipal, análogo
ao sistema administrativo de Portugal - inicialmente para 80 moradores, na sua maioria índios (PMSP et al 1992:
16). Quão retirados viviam os paulistas, evidencia-se, não em último lugar, no fato de que a linguagem do
cotidiano era o tupi, não o português (Holanda 1989: 88 ss.). ”O Paulista, por exemplo, figura que dramatizou
como nenhuma a paisagem sertaneja dos primeiros dois séculos de colonização, imprimindo-lhe traços profundos
de sua ação criadora, a casa que ligou a essa paisagem não foi a grande e estável, de pedra e cal, mas a palhoça
quase de caboclo, o casebre quase de cigano, o mucambo quase de negro, que só nos fins do século XVIII, época
de relativa sedentariedade para aqueles nômades se europeizaria na habitação urbana de taipa, ‘isto he’ – explica
Casal – ‘de terra’ e ‘branqueada com tabatinga’.” (Freyre 1951<1936>: 158). Os sacerdotes ou funcionários da
administração vindos de fora muitas vezes se viam obrigados a recorrer a um intérprete para comunicar-se com
os moradores do lugar. Mas embora os portugueses se mesclassem séculos a fio com os aborígines, assumissem
os seus costumes e criassem uma cultura mestiça, a língua portuguesa acabou por prevalecer (Holanda 1989: 96).
A urbanização do Brasil começou muito tardiamente, a de São Paulo ainda mais tarde. Entre 1777 e 1819 São
Paulo era a quarta maior cidade do Brasil, no séc. XIX ela perdeu essa posição com a ascensão de Belém (Morse
1971: 5a). No decorrer do séc. XVIII a população cresceu de 2.500 para 8.000, foram construídos os primeiros
canais, fontes públicas e calçadas. Pouco a pouco a vila se transformou em cidade, iniciando-se um processo de
valorização do solo urbano que expulsou do centro as mulheres pobres que outrora tinham definido o perfil da
cidade (Dias 1995: 242). Depois da proclamação da monarquia, feita em São Paulo, ocorreu uma modernização
político-cultural. Foi fundada em São Paulo em 1827 a Academia de Direito no Largo de São Francisco (PMSP
et al. 1992: 38). Um segundo elemento importante de uma sociedade urbano-burguesa em vias de formação
foram a partir de meados do século os primeiros jornais, que exigiam melhorias da infraestrutura urbana (PMSP
et al. 1992: 38). Surgiram ainda teatros e diversas associações. Isso ocorreu com atraso, pois Portugal sempre
tentara impedir o surgimento de uma sociedade urbano-burguesa independente e, por conseguinte,
potencialmente oposicionista.

Como São Paulo não podia prestar uma contribuição à economia mercantil de Portugal, a região só
estava inserida fracamente em processos supraregionais (Fernandes 1987: 119). Mas os paulistas se
especializaram cedo na captura de escravos indígenas que eram vendidos às plantações açucareiras do Nordeste.
“Portanto, mesmo aquelas comunidades que aparentemente tiveram um desenvolvimento autônomo nessa etapa
da colonização, deveram sua existência indiretamente ao êxito da economia açucareira” (Furtado 1975: 42). Com
a economia mineradora em Minas Gerais a inserção de São Paulo na economia colonial sofreu uma

4
Eram ”colônias excelentes, absolutamente disciplinadas, nas quais a perfeição humana efetivamente foi atingida” (Foucault
1994: 19).

89
90

transformação. ”Localizada a grande distância do litoral, dispersa e em região montanhosa, a população mineira
dependia para tudo de um complexo sistema de transporte. A tropa de mulas constitui autêntica infra-estrutura de
todo o sistema. A quase inexistência de abastecimento local de alimentos, a grande distância por terra que
deviam percorrer todas as mercadorias importadas, a necessidade de vencer grandes caminhadas em região
montanhosa para alcançar os locais de trabalho, tudo contribuía para que o sistema de transporte desempenhasse
um papel básico no funcionamento da economia. Criou-se, assim, um grande mercado para animais de carga”
(Furtado 1975: 76 s.). Os animais de carga eram criados no Sul, reunidos em São Paulo e vendidos aos
comerciantes da região mineira.

”A existência do regime de trabalho escravo impediu, no caso brasileiro, que o colapso da produção de
ouro criasse fricções sociais de maior vulto. A perda maior foi para aqueles que haviam invertido grandes
capitais em escravos e viam a rentabilidade destes baixar dia a dia. O sistema se descapitalizava lentamente, mas
guardava a sua estrutura. Ao contrário do que ocorria no caso da economia açucareira - que defendia até certo
ponto sua rentabilidade conservando uma produção relativamente elevada - na mineração a rentabilidade tendia a
zero e a desagregação das empresas produtivas era total. Muitos dos antigos empresários transformavam-se em
simples faiscadores e com o tempo revertiam à simples economia de subsistência.Uns poucos decênios foi o
suficiente para que se desarticulasse toda a economia da mineração, decaindo os núcleos urbanos e dispersando-
se grande parte de seus elementos numa economia de subsistência, espalhados por uma vasta região em que eram
difíceis as comunidades e isolando-se os pequenos grupos uns dos outros. Essa população relativamente
numerosa encontrará espaço para expandir-se dentro de um regime de subsistência e virá a constituir um dos
principais núcleos demográficos do país. Neste caso, como no da economia pecuária do Nordeste, a expansão
democráfica se prolongará num processo de atrofiamento da economia monetária. Dessa forma, uma região cujo
povoamento se fizera dentro de um sistema de alta produtividade, e em que a mão-de-obra fora um fator
extremamente escasso, involuiu numa massa de população totalmente desarticulada, trabalhando com baixíssima
produtividade numa agricultura de subsistência” (Furtado 1975: 85 s.). Desde o fim do séc. XVIII ocorreu na
região oeste em São Paulo também o cultivo crescente da cana de açúcar. A produção local atingiu seu ápice
entre 1836/37 e 1846/47. Essa produção organizada tornava necessária a maior utilização de mão-de-obra. Em
parte essas pessoas vieram da produção de subsistência, mas a importação de escravos também foi aumentada. A
população escrava aumentou na região entre 1813 e 1836 com o dobro da rapidez do aumento da população livre
(Smith 1990: 294). As terras eram simplesmente ocupadas e utilizadas para a produção, pois o sistema das
sesmarias tinha entrado em colapso. Quando o espaço e o poder se reestruturaram no séc. XIX, a mão-de-obra e
as mulas - duas premissas centrais da produção organizada - existiam em quantidade suficiente. “Dessa forma, a
primeira fase da expansão cafeeira se realiza com base num aproveitamento de recursos preexistentes e
subutilizados” (Furtado 1975: 114). A economia cafeeira partiu no séc. XVIII do Rio de Janeiro. Através do
Vale do Paraíba o café começou a expandir-se no séc. XIX cada vez mais profundamente no Estado de São
Paulo. Na década de 1880 a produção paulista começou a superar a fluminense (Silva 1986: 43). Quando as
principais regiões produtoras finalmente atingiram o noroeste do Estado de São Paulo, o café produzido nessa
zona não era mais embarcado no porto do Rio de Janeiro, mas em Santos, o porto de São Paulo. Para o transporte
dessa colheita de café a ferrovia foi concluída em 1867 a ferrovia de Santos para Jundiaí, no interior (Becker,
Egler 1992: 33). Das vinte ferrovias de São Paulo, duas eram em 1910 de propriedade da União, uma de
propriedade estadual, uma de propriedade do capital estrangeiro e as dezesseis restantes de propriedade do
empresariado nacional (Cano 1998a: 63). O café, novo produto de exportação, levou a uma nova inserção da
região na economia mundial. Nessa região espacialmente restrita surgiu o capitalismo brasileiro moderno. A
produção cafeeira do Brasil aumentou de 0,3 milhões de sacas por ano, na década de 1820, a 2,6 milhões de
sacas na década de 1860 e a 7,2 milhões de sacas por ano na década de 1890 (Silva 1986: 43).

Depois de 1850 o Estado era - com base no novo Lei de Terras- responsável pela venda de ”terras
devolutas” - do gigantesco hinterland brasileiro. Como os índios e os pequenos agricultores não dispunham de
títulos de propriedade, não eram proprietários de direito. Muito pelo contrário, essas terras eram consideradas
propriedade do Estado. O Estado institucionalizou o mercado fundiário em São Paulo, vendendo ou transferindo
essas terras aos produtores - inicialmente de cana de açúcar, depois de café. Estes se desvencilharam dos
moradores dessas regiões em lutas freqüentemente sangrentas (Silva 1986: 64). No curso das vertiginosas
ampliações da produção foram ocupadas regiões sempre novas, a acumulação se deu de forma espacialmente
extensiva: ”diante deles a terra virgem, atrás deles os campos exauridos” (Lévi-Strauss 1996: 84 s.). Os campos
que não mais podiam ser utilizados para o cultivo do café serviram crescentemente à plantação de gêneros
alimentícios (Cano 1998a: 73 s.). Por volta do fim do século o mercado fundiário experimentou um surto,
ocorrendo um aumento maciço dos preços da terra, condicionados pela especulação (Negri et. al. 1988: 11)

90
91

3.1.2 Da capital do café à cidade industrial (1850 - 1914)


A economia cafeeira dinamizou a formação de cidades e assentamentos que serviam de ponto de partida para o
avanço posterior em direção ao Oeste. Isso providenciou, possibilitado pela expansão da rede ferroviária, o
fundamento da urbanização. Em 1929 já existiam 245 municípios (Bizelli 1995: 38 s.). Por ocasião do primeiro
censo da população em 1872 foram contados 32.000 paulistanos. Esse número aumentou em 1890 para 65.000
(PMSP et al. 1992: 45) e em 1920 para 580.000 (Negri et al. 1988: 7). Em 1920, a parcela da população da
cidade de São Paulo no total de habitantes do estado era baixa com 12,6%, mas aumentou até 1940 para 18,5%
(Rolnik et al. 1990: 33: Seade 1993: 30). Essas maciças transformações demográficas só foram possíveis com
base na formação de um regime antes inexistente de acumulação dominantemente extensiva e de uma regulação
estabilizadora. Essa dinâmica foi deslanchada por fatores externos, sobretudo pela demanda do mercado mundial
pelo café. Mas esse impulso induzido pelo mercado mundial conduziu também internamente, no mercado
interno, a transformações fundamentais (Fernandes 1987: 87). As cidades, à frente de todas elas São Paulo,
tornaram-se centros nos quais se comercializava tanto café quanto as mercadorias importadas (Aguerre 1995:
109). Os capitais comercial e financeiro influiram muito nesse processo produtivo.

A unidade produtiva central do regime de acumulação orientado para o exterior foi a plantação de café.
A produção era espacialmente extensiva. A ferrovia revolucionou o uso do espaço, destruiu a antiga
infraestrutura de transportes, reduziu os tempos de transporte, diminuiu os custos de produção na razão de 20%
do preço de exportação e reduziu os rejeitos por meio de um armazenamento mais breve. As técnicas de
produção, determinadas em larga escala por máquinas importadas, mudaram lentamente, sobretudo no Oeste
dinâmico de São Paulo. As novas máquinas permitiram uma ecomomia aproximada de 10% do preço final (Cano
1998a: 42 ss.). O regime de acumulação foi extensivo, o crescimento foi atingido mediante a inclusão de novos
grupos populacionais. O crescimento vertiginoso da população na virada do século andou de mãos dadas com a
formação de uma estrutura econômica local independente, de um sistema regional de produção. Seu pressuposto
foi a consolidação da rede ferroviária e fluvial, do sistema bancário e do comércio. Em 1907 a participação de
São Paulo na produção industrial nacional cifrou-se em 16%, em 1919 em 32% e em 1939 em 41% (Negri et al.
1988: 6). À diferença dos latifundiários em outras regiões do país, os barões do café diversificaram cedo os seus
negócios (cf. Fernandes 1987: 104-113). O capital cafeeiro desenvolveu uma dinâmica que não o limitava apenas
à geração de mais-valia na produção cafeeira. Os cafeicultores foram sócios das primeiras fábricas, latifundiários,
banqueiros, industriais e comerciantes (Cano 1998b: 49). Uma fração de capital crescentemente dominante em
escala nacional constituiu-se ao redor das plantações, baseada no grande excedente a ser gerado nelas. O capital
cafeeiro economicamente poderoso buscava vias para adquirir também o controle da regulação política das suas
atividades econômicas. ”A nova classe formou-se numa luta que se estende em uma frente ampla: aquisição de
terras, recrutamento de mão-de-obra, organização e direção da produção, transporte interno, comercialização nos
portos, contatos oficiais, interferência na política financeira e econômica. A proximidade da capital do país
constituía, evidentemente, uma grande vantagem para os dirigentes da economia cafeeira. Desde cedo eles
compreenderam a enorme importância que podia ter o governo como instrumento de ação econômica. Essa
tendência à subordinação do instrumento político aos interesses de um grupo econômico alcançará sua plenitude
com a conquista da autonomia estadual, ao proclamar-se a República. O governo central estava submetido a
interesses demasiadamente heterogêneos para responder com a necessária prontidão e eficiência aos chamados
dos interesses locais” (Furtado 1975, 115 s.).

A estrutura empresarial foi desde o princípio ainda mais concentrada do que nas outras regiões. 3,5%
das empresas industriais ocuparam em 1919 64,4% dos trabalhadores com uma dimensão média de 368,2
trabalhadores por empresa (Herrlein, Dias 1996: 146). De acordo com critérios como nível salarial,
produtividade e intensidade do capital, a indústria paulistana inicialmente não foi excelente, mas São Paulo e
sobretudo a importante indústria de gêneros alimentícios lideravam no tocante à concentração do capital e às
margens de lucro, o que favoreceu a acumulação (Cano 1998a: 131). De decisiva importância para a conquista da
posição de supremacia nacional foi, ademais, que a indústria paulistana atingiu uma diversificação e integração
locais como nenhuma outra região: já nos anos 20 investia-se em São Paulo, além do setor da indústria de bens
de consumo, em ramos como a produção de cimento, o processamento de metais e aparelhos elétricos (Almeida
1996: 137 s.). O horizonte temporal da valorização do capital era de longo prazo, o sistema bancário, controlado
pelo capital internacional, substituía os intermediários e estava bem desenvolvido no plano local. Ele investia no
sistema ferroviário e de comunicações e financiava o comércio exterior (Pereira 1996: 230). Em 1910 7 dos 14
bancos de São Paulo eram de propriedade estrangeira, detinham 70% dos ativos e concediam 70% dos créditos
(Cano 1998a: 85). Imigrantes proprietários de grandes capitais , que inicialmente ganhavam a vida no comércio
importador, associaram-se à camada dirigente tradicional. Ao lado das suas funções econômicas, essa camada
dirigente também desempenhava papéis centrais na política. Quando por volta do fim do século - forçado por

91
92

elevadas taxas alfandegárias e pela protecionista Lei dos Similares (Cano 1998a: 164) - os preços de importação
aumentaram, a produção local - industrial e de gêneros alimentícios - passou a ser uma alternativa rentável (Silva
1986: 99 ss.). Começou a industrialização substituidora de importações, mais precisamente como regime
extensivo que introduziu princípios capitalistas em setores outrora não-capitalistas. A produção agrícola em vias
de diversificação reduziu a demanda de importação de gêneros alimentícios; sobretudo os aprox. 85.000
japoneses concentraram se como agricultores independentes no cultivo de plantas não-cafeeiras. De 1901/06 a
1925/30 a produção média de açúcar subiu do valor-índice de 100 a 328, a de feijão a 331, a de arroz a 689 e a
de café apenas a 192. Porém a industrialização substituidora de importações5 não reduziu a dependência de
importações, mas alterou apenas a estrutura das mesmas. A partir da virada do século foram importados
crescentemente bens de produção (Cano 1998a: 66-75). A 1ª Guerra Mundial jogou a estratégia de
desenvolvimento orientada para o exterior em uma séria crise e deu um impulso adicional aos esforços locais de
produção. Não tardou que a dinâmica da acumulação conduzisse também no setor dos bens de produção a
processos de substituição, embora isso fosse mais difícil do que nos bens de consumo, devido às exigências de
tamanho e da tecnologia mais complexa. No processamento de metais os bens de produção perfaziam em 1919
34% da produção global paulistana. Esse valor subiu até 1928 a 38% e quase duplicou nos anos 30 (Cano 1998a:
207).

A homogeneidade do capital e a hegemonia regional do capital cafeeiro facilitou também uma atuação
unitária do Estado. Depois do fim do Império o Partido Republicano de São Paulo detinha no plano estadual em
larga escala um monopólio de representação. Juntamente com os partidos republicanos dos outros grandes
estados, à frente de todos o Estado de Minas Gerais, foi possível impor os interesses paulistanos, isto é,
sobretudo os referentes ao café. Isso significou sobretudo para os estados em boas condições financeiras um
fortalecimento econômico e a possibilidade de um desenvolvimento local independente. Os outros se viram
obrigados a subordinar-se às estratégias de Minas Gerais e São Paulo. Em todos os estados, com exceção do Rio
Grande do Sul, esse foi também um sistema que permitiu estabilizar o poder político da oligarquia agrária. São
Paulo beneficiou-se especialmente da descentralização da arrecadação dos impostos sobre a exportação (7% do
valor da exportação), que agora era canalizada diretamente para o erário estadual. O estado paulista procurou
incentivar a acumulação local por meio do fomento da imigração, da regulação do mercado fundiário e da
estabilização do mercado de café. Isso exigiu um Estado crescentemente ativo. A estrutura da arrecadação
tributária favorecia as regiões orientadas para a exportação, razão pela qual a participação de São Paulo na
arrecadação tributária de todos os estados subiu de 29% (1901-1910) a 36% (1921-30).6 O endividamento de São
Paulo respondia por mais da metade da dívida externa de todas as unidades federativas do Brasil (Carvalho 1996:
191: Cano 1998a: 94). Mais tarde do que no Rio Grande do Sul, onde o imposto territorial cedo cumpriu uma
função central, a estrutura da arrecadação deslocou-se também em São Paulo cada vez mais da arrecadação
tributária na direção de receitas de empresas transferidas para o patrimônio público estadual (ferrovias, água,
canais). Tais receitas industriais perfaziam em 1893 1% de todas as receitas e 22% em 1929. A participação da
arrecadação tributária encolheu correspondentemente (Carvalho 1996: 205). No âmbito dos impostos reduziu-se
a dominância dos impostos indiretos. Sobretudo os impostos de exportação caíram de 71% (1893), em números
redondos, para 48% (1929). Impostos diretos, sobre o patrimônio bem como sobre o capital e as rendas
aumentaram nesse período de 20 a 34% (cf. Tabela 20).

Tabela 20: Participação percentual das categorias Impostos Indiretos e Impostos Diretos e de seus subgrupos no
total da Receita dos Impostos do Estado de São Paulo, 1893 – 1929

1893 1905 1914 1923 1929


IMPOSTOS INDIRETOS 77,92 75,24 69,54 45,567 58,34
- Ligados às exportações 70,77 68,36 64,17 33,73 48,26
- Ligados ao consumo 0,00 1,22 1,02 0,87 1,09
- Outros Impostos Indiretos 7,15 5,66 4,35 10,96 8,99
IMPOSTOS DIRETOS 20,01 21,90 25,06 44,13 34,10
- sobre a propriedade 20,01 16,16 19,59 34,22 23,25
- sobre o capital e rendimentos 0,00 5,74 5,47 9,91 10,85
Subtotal 97,93 97,14 94,60 89,69 92,44

5
Tavares (1983: 38-41) restringe o conceito da substituição de importações ao período depois de 1930, quando o capital
industrial adquiriu um peso decisivo.
6
Como, no entanto, o imposto sobre exportações estava sujeito a oscilações maciças, os orçamentos estaduais da República
Velha foram, com exceção de seis anos, sempre deficitários.

92
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Outros tributos 2,07 2,86 5,40 10,31 7,56


Receita dos Impostos 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Fonte: Carvalho 1996: 206

As receitas tributárias serviam sobretudo à política para fortalecer a localização, isto é, ao fomento do
desenvolvimento econômico. Nesse setor os gastos aumentaram em 10% ao ano, em números redondos (Pereira
1996: 217 s.). De início, os gastos estavam concentrados fortemente no setor de canalização, sobretudo das
cidades de São Paulo, Santos e Campinas. Como o capital privado investia em projetos estratégicos de
infraestrutura para a economia, o capital estatal era aqui menos necessário do que em outros estados da
federação. Já nos anos 20 empresas internacionais modernas, que trabalhavam com tecnologias mais complexas,
como a Rhodia, a Ford, a GM, a GE, a Philips, a Pirelli, a Firestone, a Unilever, a Nestlé e a Kodak começaram a
fundar filiais em São Paulo (Cano 1997: 245). 11 das 79 maiores empresas eram controladas por grupos
estrangeiros e detinham 17% do capital (Cano 1998a: 241). Somente a indústria produtora de bens de capital não
conseguiu acompanhar essa expansão, embora ocorresse, não obstante, a construção das primeiras pequenas
siderúrgicas e fábricas de cimento (Mello 1998: 176 s.). Por isso o âmbito das tarefas do Estado pôde ser
estendida relativamente cedo a outras atividades, tais como o fomento da imigração de 1,2 milhões de pessoas e a
infraestrutura social. Apesar disso o significado dos investimentos na infraestrutura social diminuiu
continuamente nos anos subseqüentes, em comparação com os investimentos no transporte ferroviário e marítimo
(Pereira 1996: 238).

Os primeiros prefeitos ocuparam-se mais em embelezar e europeizar São Paulo do que em encontrar
uma resposta ao crescimento rápido. Mas em virtude do grande crescimento foram feitos mesmo assim
investimentos na infraestrutura produtiva; assim sobretudo a rede elétrica local construída por uma empresa
multinacional constituiu uma vantagem concorrencial para a indústria paulistana (Cano 1998a: 206 e 221 s.).
Linhas de bondes, alamedas, mas também mercados abertos surgiram nas primeiras décadas do séc. XX. Uma
transformação duradoura desse período caracterizado por uma grande autonomia do município foi o surgimento
de um sistema administrativo municipal (PMSP et al. 1992: 46-50). O conflito central da época dizia respeito ao
uso da terra na cidade. Em uma economia escravista, a segregação das classes sociais não carecia de expressão
espacial. Muito pelo contrário, a presença de escravos era insubstituível para a qualidade de vida da camada
superior. Mas em uma sociedade de trabalhadores assalariados livres o desejo de segregação espacial aumentou
nitidamente por parte da burguesia. O conflito urbano transformou-se essencialmente em um conflito sobre o
modo de uso privado e público da cidade e a forma da intervenção do planejamento do Estado no nível local. De
início, o crescimento vertiginoso se deu de forma desordenada e conduziu a uma mistura de bairros comerciais,
industriais e residenciais. Com base nos argumentos dos urbanistas, chamava-se a atenção à situação sanitária e
higiênica deficiente nos cortiços dos bairros operários e lamentava-se a corrupção dos costumes nesses bairros
”perigosos”. A camada superior buscava uma hierarquização do espaço com uma clara estrutura local de centro e
periferia. A classe trabalhadora foi expulsa dos bairros próximos ao centro e recebeu espaço habitacional na
periferia da cidade (cf. Novy 1994: 206-208).

A economia do café manteve a economia paulista orientada para o exterior; seus excedentes foram
transferidos para a economia local. A economia cafeeira exigia investimentos que só produziam resultados
depois de alguns anos, o que estabilizava todo o sistema em virtude do longo prazo dos compromissos assumidos
pelos sujeitos econômicos. Celso Furtado explica a ascensão de São Paulo à posição de metrópole nacional a
partir da formação de um mercado local que no caso concreto não se baseava apenas no consumo de luxo da
camada superior, mas levava a investimentos em atividades produtivas (Furtado 1975: 123). O cultivo de plantas
para gêneros alimentícios e a produção industrial serviram ao fornecimento para o mercado local; a integração
nacional dos mercados existia apenas germinalmente, devido à deficiente infraestrutura de transportes. Demais, a
concentração patrimonial, historicamente surgida, também fomentava a formação de monopólios regionais (Cano
1998a: 215 s.). No âmbito estadual o processo de eliminação de pequenas empresas do mercado já começou
cedo, pois elas não estavam em condições de acompanhar as reduções de preços típicas para a acumulação
intensiva (Cano 1998a: 231). Em setores tão importantes como materiais elétricos, química, mecânica e materiais
de transporte a indústria de São Paulo concentrava mais de 50% do valor agregado (Cano 1998a: 258). A balança
comercial de São Paulo com o exterior foi nitidamente positiva, a com o Brasil restante negativa (Cano 1998a:
94). Mas com a crise depois de 1929 essa situação se reverteu em pouco tempo, de modo que São Paulo gerou
superávits inequívocos no comércio interno (Cano 1998a: 129). Ficou sendo mais atraente para os importadores
produzir ao invés de importar. Depois da concorrência estrangeira desaparecer na esteira de 1929, os produtos
foram comercializados crescentemente também no mercado nacional.

93
94

A constituição de um mercado de trabalho se fez acompanhar da formação de um mercado fundiário.


Serviu de estágio prévio da formação de um mercado de trabalho o fomento da imigração ”que tornaria possível
a expansão da produção cafeeira no Estado de São Paulo. O número de imigrantes europeus que entram nesse
Estado sobe de 13 mil, nos anos setenta, para 184 mil no decênio seguinte e 609 mil no último decênio do século.
O total para o último quartel do século foi de 803 mil, sendo 577 mil provenientes da Itália” (Furtado 1975: 128;
cf. Targa 1996a: 69). Diferentemente dos barões do café fixados no status, uma boa parte dos imigrantes estava
interessada na ascensão social. Eram estrangeiros e por conseguinte não se interessavam por terras, mas pelo
acúmulo de um pequeno patrimônio. Como transformavam conscientemente trabalho em dinheiro, assumiram um
papel de arautos dos processos de modernização e capitalização. Seu estilo de vida, crescentemente orientado
segundo o dinheiro, tinha características de ‘consumo conspícuo’ e convidava à imitação de costumes europeus.
Apesar desse papel sócio-culturalmente progressista, eles se adaptaram politicamente ao status quo. Assumiram
uma cultura política baseada em privilégios. A transformação econômica e a constância política evoluíram de
mãos dadas (Fernandes 1987: 125-146). A economia cafeeira baseava-se em grandes plantações e exigia, por
conseguinte, uma produção organizada, de início executada por escravos. A partir de meados do séc. XIX a
imigração de não-africanos, subsidiada pelo governo central, posteriormente pelo governo estadual, possibilitou
a lenta e controlada transição ao trabalho assalariado ”livre”. Mas essa transição ocorreu mais cedo nas antigas
áreas de cultivo do que nas regiões dinâmicas. Na costa a participação dos escravos na população total caiu, no
período de 1836 a 1886, de 15,6% a 2,4%, no Leste e no Vale do Paraíba de 31,1% a 25,7%. Nas áreas de
expansão no Oeste e Norte, nas quais no início do séc. XIX praticamente não se plantava café, a participação dos
escravos aumentou entre 1836 e 1886 em virtude da grande demanda de mão-de-obra de 4,5% para 39,8%
(Targa 1996a: 71). A produção em vias de expansão exigia o aproveitamento pragmático de toda e qualquer
forma possível de produção (Cano 1998a: 51). Isso relativiza a afirmação freqüente de que São Paulo tenha sido
o motor da transição para o trabalho livre assalariado. Perseguindo uma estratégia de preservação inercial do
poder, os barões do café só tomaram o trem do trabalho assalariado ”progressista” quando não lhes restou mais
outra opção. A ameaça do fim da escravatura fez explodir a imigração européia. Sobretudo os italianos
encontraram trabalho na indústria e agricultura de São Paulo (Novy 1994: 167). Em 1901 estimava-se que 90%
dos trabalhadores do Estado de São Paulo eram estrangeiros (Silva 1986: 38 e 92), em 1919 essa fração ainda foi
de 54,3% (Herrlein, Dias 1996: 156). Com a lei dos ”dois terços” que previa que dois terços dos funcionários
devessem ser brasileiros, o emprego de mão-de-obra estrangeira tornou-se mais difícil, aumentando a migração
interna. O movimento sindicalista de orientação anarquista, independente do Estado, organizava os
trabalhadores. O ponto culminante dos conflitos sociais foram as greves de 1917 e 1918, que ocorreram na
esteira de perdas salariais maciças (Herrlein, Dias 1996: 163). Mas os trabalhadores não se defendiam apenas
contra as más condições de trabalho; tentaram também salvar os seus bairros residenciais da ameaça de
demolição.

Os conflitos sociais urbanos puderam acirrar-se a tal ponto porque as estruturas desiguais e arcaicas no
interior fomentavam o êxodo rural. A rígida Lei de Terras e a concentração da propriedade das terras impediram
o surgimento de uma agricultura minifundiária. Por isso 15,5% da população não tinha emprego fixo em 1919 -
um índice quase duas vezes tão grande quanto o do Rio Grande do Sul (Herrlein, Dias 1996: 151); além disso, os
custos salariais no Rio Grande do Sul eram 10,1% mais elevados (Herrlein 1996: 155). As práticas muito
repressivas, sobretudo nas grandes empresas, impediam aumentos salariais. O índice de participação das
mulheres foi elevado, chegando a 30,8% (Herrlein 1996: 158). Em São Paulo, seu nível salarial era menos
claramente inferior ao dos homens do que em outros estados (Cano 1998a: 142). Isso mostra que a dinâmica
regional estava na acumulação extensiva. Ao invés de introduzir novas tecnologias e aumentar a mais-valia
relativa com o contingente disponível de mão-de-obra por meio da intensificação da produção, a acumulação foi
assegurada mediante a extensão da produção com um maior número de assalariados e, conseqüentemente, com
um aumento da mais-valia absoluta. Aqui o emprego crescente de mulheres desempenhou um papel importante
no achatamento do nível salarial global. O processo de urbanização aumentou genericamente a possibilidade do
trabalho informal e criou um espaço social aproveitado sobretudo pelas mulheres para a sua economia cotidiana e
para o comércio nas ruas (Dias 1995: 19). Em 1920 20% de mulheres trabalhavam como autônomas (Aguerre
1995: 109).

3.1.3 A capital econômica do Brasil (1914 - 1974)

A região constituiu-se crescentemente como espaço integrado de poder dotado de identidade própria. São Paulo
tornou-se uma ”região para si” (Lipietz 1998: 157 ss.). Seu centro era indubitavelmente a cidade de São Paulo.

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95

Os processos de urbanização e industrialização avançaram vertiginosamente, a rede rodoviária regional abrangia


em 1946 6 e em 1968 9.267 quilômetros de estradas asfaltadas (Bizelli 1995: 40). De1940 a 1970, a participação
da população urbana na capital do total da população do estado subira continuamente de 18,5% a 33,3%,
estagnando depois durante uma década. Essa posição regionalmente dominante derivou, por um lado, do fato da
primeira fase de industrialização ter provocado uma concentração urbana. Além disso, a posição nacional e
internacional da cidade esteve determinada nessa fase de desenvolvimento orientada para o mercado interno
essencialmente pela sua posição no âmbito do estado-nação. Não obstante, já havia em 1970 fora da Região
Metropolitana de São Paulo 10 cidades que tinham mais de 100.000 habitantes (Caiado 1995: 47). A dinâmica
do regime local de acumulação resultou também em um desenvolvimento demográfico extremamente dinâmico.7

Durante o séc. XX a unidade central de produção passou a ser a empresa industrial, na qual eram
utilizados métodos de produção crescentemente modernos. São Paulo recuperou-se rapidamente da crise
econômica mundial, o número de assalariados na indústria de processamento aumentou de 1928 a 1937 de
100.000 a 157.000 (Aguerre 1995: 109). O regime de acumulação dominantemente intensiva difundiu-se no
Brasil a partir de São Paulo. Com seu desenvolvimento dinâmico por volta da virada do século São Paulo
construíra o fundamento para assumir em um mercado nacional em vias de integração a posição-chave (Cano
1998b: 242). De 1919 a 1970 o Estado de São Paulo logrou aumentar a sua participação na produção industrial
nacional de 32% a 58% (cf. Tabela A-15 e para 1919: Cano, Neto 1986: 181). Com isso o capital industrial de
São Paulo determinou a dinâmica da acumulação. O capital comercial estava subordinado, embora permanecesse
na periferia a mais importante fração de capital. O comércio, os imóveis e a agroindústria foram os segmentos
nos quais as empresas fora do Sudeste se alinhavam entre as maiores empresas nacionais (Cano 1998b: 245 ss.).
A distribuição regional do valor agregado na indústria de processamento mostra a concentração crescente das
atividades econômicas em São Paulo, sendo que esse processo foi especialmente doloroso depois de 1930 para o
Nordeste já incipientemente industrializado, com uma queda de mais de 16 para menos de 6%, e para o Sul, com
uma queda de mais de 16 a pouco menos de 12%. Nos anos 70 começou a inversão da polarização (Cano, Neto
1986: 181, Diniz 1995). São Paulo assumiu também qualitativamente o papel de arauto, implementando
melhorias na estrutura produtiva na direção de processos de produção tecnologicamente mais complexos.8 A
estrutura nacional de produção se complementou, sendo que a maioria dos ramos centrais estavam localizados na
Região Metropolitana de São Paulo. O crescimento industrial conduziu a um aumento de determinados serviços,
sobretudo do comércio. Para o desenvolvimento de um centro nacional e internacional os serviços prestados aos
produtores se revestiam de um interesse especial.9 Em 1941 o Rio de Janeiro ainda era o centro bancário do
Brasil. Mas nas décadas seguintes a cidade assistiu a uma forte redução dos bancos autônomos, ocorrendo uma
concentração do setor bancário em São Paulo.10

A evolução política do Brasil caracteriza-se por um divórcio do poder político e do poder econômico.
Quando São Paulo se tornou predominante na economia e o ponto nodal econômico do espaço de entrelaçamento
econômico, isso não resultou na valorização do espaço de poder político. Durante a República Velha, o Partido
Republicano de São Paulo dominou o estado e juntamente com Minas Gerais a presidência da república. Depois
de 1930 esse acesso direto de São Paulo ao espaço de poder nacional desapareceu. Mas a aparente derrota de São
Paulo inverteu-se logo mais em uma supremacia política indireta do capital industrial paulistano, que superava a
das oligarquias cafeeiras. Foi por meio do poder econômico atribuído ao espaço propulsor do processo de
industrialização que São Paulo começou a influir na política nacional no seu sentido e destruir a diversidade de
outros modos de produção (Ianni 1995: 17). Mesmo no campo da sociedade civil se pôde observar um
deslocamento para longe do Nordeste. Corporificado na Universidade de São Paulo (USP), surgiu um
pensamento modernizador supraclassista cujo núcleo econômico era a industrialização - entrementes também
propagada no âmbito da camada superior paulistana (Ianni 1995: 20 ss.). Os governos federal e estadual

7
Um índice anual de crescimento de 5,18% entre 1950 e 1960 significa que a população aumentou somente nos anos 50 em
65%, 50% dos quais devidos à afluência de habitantes de outros lugares.
8
São Paulo reduziu a sua participação em bens de consumo não-duráveis de 62% (1939) a 37% (1970) e aumentou nesse
mesmo período a sua participação nos bens intermediários de 26% a 34% e dos bens de consumo duráveis e dos bens de
produção de 12% a 29% (Cano 1998b: 291).
9
Das 3.443 empresas estrangeiras no Brasil 2.069 (60%) já tinham em 1978 a sua sede na Região Metropolitana de São
Paulo. No resto do estado estavam sediadas ainda outras 147 empresas (4%). A participação das maiores empresas nacionais
era claramente menor em São Paulo, o que tem a ver com a reduzida participação de empresas estatais (22 das 100 maiores)
(Brant et al. 1989: 25).
10
141 dos 512 bancos tinham a sua sede na capital brasileira de então. 29 dos 90 bancos tinham em 1985 a sua sede em São
Paulo, entre elas todos os grandes bancos privados. Das 15.070 filiais 6.208 estavam localizadas em São Paulo (Correa 1995:
237 s.)

95
96

apoiaram a modernização da infraestrutura de São Paulo, que se tornou assim o centro de um sistema de
produção crescentemente integrado no plano nacional.

Até 1964 foram articulados localmente os problemas sociais e a falta de instalações de infraestrutura por
intermédio do processo político. Sucediam-se prefeitos que investiam mais na infraestrutura física e outros que
preferiam ampliar os serviços de natureza social. O clientelismo, isto é, a troca de votos por melhorias locais, foi
o instrumento essencial para a distribuição de recursos públicos. A Câmara dos Vereadores assumiu um papel
importante de introduzir os desejos da população no processo político. Como a base eleitoral dos vereadores
quase sempre era localmente restrita, o seu trabalho se concentrava em esforços de obter justamente no espaço
geográfico da base o maior número possível de melhorias. Um instrumento refinado de política clientelista foi a
criação de SABs (Sociedades de Amigos do Bairros) que passou a atuar ao lado da Sociedade dos Amigos da
Cidade, que tinha sido fundada em 1934 e era uma associação de profissionais liberais e da camada superior
(PMSP et al. 1992: 72). A associação organizava o voto de um bairro em um candidato. Uma vez eleito, este se
empenhava, a título de contrapartida, junto ao prefeito para criar nesse bairro fiel uma escola ou creche ou
construir um canal ou uma rua. Depois de 1964 formou-se no seio da igreja católica uma nova sociedade civil.
As comunidades eclesiais de base foram o lugar privilegiado da resistência contra a ditadura (Novy 1995: 31). A
partir das iniciativas locais dos pobres surgiram fortes movimentos sociais como o movimento dos sem-terra ou o
movimento em prol da saúde (cf. Novy 1994, cap. E).

Já nos anos 20 foi dado um passo importante na direção de uma estrutura industrial completa com a
instalação da indústria química, da indústria processadora de metais e da indústria de papel e celulose (Negri et
al. 1998: 13). No âmbito do estado a cidade de São Paulo assumiu a liderança inconteste na produção industrial.
Em 1928 a Região Metropolitana de São Paulo ocupava o dobro de assalariados do restante do estado (Negri et
al. 1988: 66). No início do século a indústria de São Paulo orientava-se pelo mercado local. Essa estratégia
endógena cedeu a partir dos anos 30 a uma estratégia direcionada para o mercado nacional. A indústria de São
Paulo não exportava para outras nações, mas conquistou os outros mercados locais da própria nação. A
participação das mercadorias industriais nas exportações regionais de São Paulo aumentou continuamente na
primeira metade do séc. XX. Devido à redução dos custos de transporte e da elevada produtividade da indústria
paulistana, esta última passou a destruir a indústria local dos outros estados no curso de uma integração
interregional, levando numerosas empresas à falência (Cano, Neto 1986: 179 s.). Entre 1900 e 1910 85% das
exportações do Estado de São Paulo - sobretudo o café - ainda iam para o exterior; apenas 15% se destinavam
para os outros estados brasileiros. Em 1960 essa tendência já se invertera: 84% das exportações - sobretudo
produtos industriais - iam para outras regiões do país e apenas 16% se destinavam para o exterior. A integração
nacional do Brasil se deu sob a supremacia econômica de São Paulo. Os interesses paulistanos defenderam a
grande concepção de desenvolvimento regional para o Nordeste (Fernandes 1998: 194-196). De início os grupos
locais dominantes do Nordeste não estavam interessados nessa integração subordinada na economia nacional.
Com numerosos grandes projetos em regiões periféricas, a política regional brasileira criou um espaço national
claramente hierarquizado, cujo centro econômico era São Paulo. A fase da conquista de outros mercados locais
foi seguida pela fase da conquista dos outros capitais locais. Chegou-se a uma centralização do controle e da
propriedade, à homogeneização dos processos produtivos e com isso a um processo de valorização
nacionalmente unitário. O capital paulistano diversificava-se em todo o país. Enquanto o capital paulistano
deslocava a sua produção para fora de São Paulo, as funções de controle concentravam-se crescentemente em
São Paulo.

3.1.4 A metrópole necessita de uma região mundial (a partir de 1974)


No fim do séc. XX São Paulo se apresentava como uma cidade rica cuja riqueza se mostrava na sua ”enorme
coleção de mercadorias” (Marx 1983: 49). O processo de acumulação concentrou no espaço mais estreito
pessoas e mercadorias. Mas como esse espaço era o centro da economia nacional, a crise do desenvolvimento de
São Paulo com vistas ao mercado interno também se fez sentir cedo. Em 1974 encerrou-se o ”milagre econômico
brasileiro” e o campo nacional de poder sofreu uma erosão a partir do centro. Na indústria a participação de São
Paulo na geração do valor agregado nacional se estabilizou a partir de 1987 em 42%, em todo o PIB regional os
índices oscilaram desde então em torno da marca dos 37% (cf. Cano 1998b: 318, Tabela A-14). A estrutura da
produção regional alterou-se nitidamente a partir de 1980. A participação da agricultura e da pecuária aumentou
fortemente na primeira metade dos anos 80 e acabou naquela época se fixando aos poucos em torno da marca dos
5%. A indústria de processamento caiu na razão de quase 7%. Surpreendente foi a estagnação dos serviços
financeiros em torno de 10% (cf. Tabela 21).

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Tabela 21: PIB a Custo de fatores no Estado de São Paulo, segundo setores, 1980-1996, em % (números
arredondados)

Setores e Subsetores de Atividade 1980 1985 1990 1995 1996


Econômica
Agropecuária 3,60 5,06 4,60 4,60 4,85
Indústria 43,12 39,70 37,50 36,75 36,17
transformação 35,37 32,38 29,60 29,47 28,60
serviços 52,44 54,82 57,80 58,64 59,05
Serviços financeiros 10,46 10,44 10,42 10,36 10,33
Fonte: Unicamp 1998: 5

Em 1990, 58 dos 100 maiores grupos privados e 430 das 1000 maiores empresas tinham a sua sede em São
Paulo. O processo de concentração em São Paulo reforçara-se claramente nas maiores empresas privadas,
sobretudo a expensas do Rio de Janeiro, ao passo que nas 1000 maiores empresas fora possível constatar um
processo de descentralização (cf. Tabelas A-36 e A-37). O padrão não-unitário de produção regional era
perfeitamente compatível com processos concentradores de poder econômico, pois no âmbito do estado podia-se
observar um grande processo de concentração na indústria com referência a estruturas de propriedade. A
organização dos mercados era oligopolista. Isso era compreensível nos mercados de produtos de alta tecnologia
como computadores e a indústria de veículos automotores. Mas mesmo em produtos menos complexos,
tradicionalmente fabricados por produtores menores, foi possível observar uma centralização da propriedade. Em
1993 uma empresa (Unilever) detinha uma fatia de 74% do mercado no ramo do sabão em pó, no ramo do sabão
a mesma empresa detinha uma fatia de 62%, no do presunto duas empresas controlavam 68% do mercado
(Oliveira 1998a: 138). Além disso havia os monopólios institucionais e naturais nos setores dos serviços públicos
e da infraestrutura. Com isso o processo de concentração tinha avançado mais na indústria paulistana do que nos
países industrializados. Apesar disso não se observou nos anos 80 nenhum deslocamento maior das relações de
força entre os conglomerados. Mas os lucros concentravam-se nas grandes empresas, das quais dez concentravam
em 1980 7,5% e em 1989 quase 10% dos lucros (Oliveira 1990: 127 ss.).11 O centro de poder da ecomomia
paulistana era formado por grupos empresariais, via de regra vinculados por causa das suas dimensões com o
capital financeiro. Em 1989 os dois maiores conglomerados eram estatais, a saber, nacionais ou estaduais. Dez
conglomerados eram internacionais, 15 paulistanos, do Brasil restante não havia grandes conglomerados que
atuassem em São Paulo (Oliveira 1998a: 150). As empresas estatais apresentaram déficits crônicos até o seu
saneamento antes das privatizações, pois eram sempre restringidas no seu poder de fixação dos preços e de
mercado, à diferença das empresas privadas, e precisavam também no tocante a outras questões tomar decisões
que fossem palatáveis ao bloco de poder enquanto contrários aos princípios da gestão empresarial. As empresas
estrangeiras concentravam-se sobretudo em quatro ramos, nos quais geravam 60% a 70% do seu faturamento: a
indústria de gêneros alimentícios, a indústria mecânica, a indústria química e os materiais de transporte (Oliveira
1998a: 144). Respondiam apenas por 27% da produção das 2.689 maiores empresas, mas embolsavam 40% dos
lucros (Oliveira 1998a: 140).12

A desindustrialização de São Paulo também não foi nenhum processo unitário. Muito pelo contrário,
foram observadas maciças transformações na estrutura industrial paulistana (cf. Unicamp 1998: 10). Alguns
ramos encolheram visivelmente.13 No entanto, considerada na sua totalidade, a produção de bens de consumo
não-duráveis, produzidos em parte crescente no âmbito da agroindústria no interior do estado, evoluiu de forma
dinâmica. O ramo dos gêneros alimentícios pôde aumentar a sua participação do produto total regional de 7,6%
11
As empresas não-organizadas em grandes grupos, nada menos de 1.126 das 2.689 maiores empresas paulistanas, possuíam
em comparação com os 50 conglomerados pouco mais de 15% do patrimônio, respondiam por 22,1% do faturamento e
ocupavam quase 30% dos assalariados. Mas a sua participação nos lucros caiu de 25% (1980) para redondamente 20%
(1989).
12
Nas empresas internacionais ocorreu um deslocamento na direção das empresas japonesas, cuja participação nos lucros de
4,8% (1980) aumentou para 35,5% (1989), ao passo que o segmento norte-americano regrediu e o alemão permaneceu
estável (Oliveira 1998a: 142).
13
A participação da indústria têxtil caiu entre 1980 e 1995 de 6,4% para 3,7% do produto total regional. No setor do
processamento de metais (regressão de 13,3% para 9,0%), dos produtos mecânicos (de 8,3% para 6,4%), da eletrônica e do
material de comunicações (de 9,6% para 8,1%) e da indústria moveleira (de 1,3% para 1%) a evolução também foi
regressiva.

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para 10,2%, valendo o mesmo para a indústria de bebidas e de vinagre (de 1,2% para 3,7%). Aqui os grandes
conglomerados desempenharam um papel central na ascensão de São Paulo à posição de segundo maior produtor
de suco de laranja do mundo. O Estado também se fez notar com iniciativas como o programa de combustível de
origem biológica Pró-Álcool. Isso se deu a expensas dos bens intermediários, dos bens de consumo duráveis e
dos bens de capital. A grande exceção foi aqui a produção de meios de transporte, que pôde aumentar a sua
participação de 12,5% para 16,1%. Nesse sentido, a industrialização do interior não foi uma simples extensão do
espaço de aglomeração da cidade de São Paulo, mas o estado foi um espaço de aglomeração especializado
segundo funções, no qual a Região Metropolitana de São Paulo se concentrava em ramos de alto valor e o
interior no setor agroindustrial (Unicamp 1998: 10). Na cidade de São Paulo a estrutura de produção melhorou
qualitativamente (Rolnik et al. 1990). Mas nas áreas das funções de controle econômico e dos serviços
financeiros a importância da cidade de São Paulo - quarta maior aglomeração do mundo - aumentou. Ela
desenvolveu funções de uma metrópole internacional. A participação de São Paulo no setor financeiro, bancário
e de securitário aumentou em escala nacional de 13,2% para 18,8% e em escala estadual de 54,4% para 61,3%
(Rolnik et al. 1990). A cidade era portanto a metrópole financeira inconteste do Brasil. Por um lado, era uma das
metrópoles internacionais nas quais nenhuma das 500 maiores empresas do mundo tinham a sua sede (Feagin,
Smith 1987: 8). Mas não existia praticamente nenhuma grande empresa que não tivesse uma filial ou um
escritório em São Paulo. Em termos regionais o sistema bancário estava concentrado no Estado de São Paulo. A
participação dos depósitos aumentou em 1988 de 54% para 56%, a dos créditos de 30% a 43%. Somente a
participação das filiais caiu ligeiramente (cf. Tabela A-20).14

Depois dos duros anos da ditatura de 1968 a 1974, a democracia teve de ser conquistada penosamente.
Sob a ditadura as atividades coletivas transcorriam clandestinamente. Só a igreja oferecia um espaço que não era
imediatamente destruído. Com isso os católicos progressistas - no topo, os homens, na base, as mulheres -
prestaram uma contribuição substancial à resistência dos movimentos sociais. Iniciativas autônomas
organizaram-se em torno de especificidades temáticas contra o estado ditatorial. Com a democratização, as
políticas regional e local recobraram a sua autonomia. Isso ficou reservado ao governo estadual. Os estados,
espaço intermediário de poder, tinham sofrido mais sob a política centralizadora da ditadura militar.15 Mas o
governo federal encorajou os estados com a reforma fiscal de 1966 a um endividamento maior. Os bancos
estaduais podiam conceder créditos aos estados, isto é, aos seus acionistas majoritários (Souza 1996: 546). Em
1988 conquistaram novamente competências e autonomia financeira16, mas as receitas financeiras encolheram em
virtude da crise econômica.17 O imposto mais importante continuou sendo o ICMS, do qual 25% precisavam ser
repassados aos municípios (Souza 1996: 543). Os governadores administravam o endividamento crescente
”trocando” a sua anuência a determinados projetos do governo federal contra uma moratória ou repactuações das
dívidas. Sobretudo nos anos 80 São Paulo aproveitou a sua margem de ação para promover uma política de
descentralização das localizações econômicas (Cano 1998b: 325 s.). A estrutura espacial do estado se
transformou. Durante a industrialização a Região Metropolitana de São Paulo era dominante, o que se expressava
no aumento da capacidade econômica e da população. Sobretudo a região do ABC, isto é, a antiga grande região
industrial ao Sul da cidade de São Paulo, tornou-se um importante espaço de poder no Brasil sem enquadrar-se
na estrutura federativa tradicional. Durante muito tempo o conflito entre o capital e o trabalho dominou a região;
o ABC tornou-se célebre pelas greves dos metalúrgicos no fim dos anos 70. Com um índice de filiação de 90%,
os sindicatos constituíam um fator de poder local, mas o desemprego crescente e a opção das empresas pela
transferência das suas unidades produtivas provou um deslocamento cada vez maior do poder para o pólo do
capital. Por isso as estratégias dos representantes dos trabalhadores, fossem eles sindicatos ou o PT, estavam
direcionadas desde o começo dos anos 90 para o consenso. Surgiram atores no ABC como o Fórum da
14
Em termos microregionais as atividades se concentravam na cidade de São Paulo. Entre 1988 e 1995 a participação das
filiais de bancos na cidade da totalidade das filiais no estado aumentou de 29% a 32,2%. A participação dos depósitos
aumentou de forma ainda mais visível, de 60,4% para 73,5%; estagnou e em 1994 até caiu a participação nas operações de
crédito (www.seade.gov.br de 30 de julho de 1997). Se tomarmos São Paulo como região-cerne, constataremos que em 1993
90,34% dos depósitos e 88,64% das operações de créditos do estado foram efetuados em São Paulo. Isso está ligado ao fato
de que empresas tão importantes como o Citibank ou o Chase Manhattan transferiram a sua sede, tanto em virtude das
empresas paulistanas do setor produtivo, quanto em virtude da Bolsa de Valores e de outros serviços financeiros locais, do
Rio para São Paulo (Seade 1995a: 63 ss.). Mas no setor da mídia e da cultura o Rio de Janeiro continuou desempenhando um
papel central.
15
O governo central aumentou a sua participação nas receitas do Estado no período de 1965 a 1974 de 39% para 50,5%, ao
passo que os estados se viram obrigados a restringir a sua participação de 48,1% a 36%. Os municípios aumentaram a sua
participação até ligeiramente de 12,9% a 13,5% (Abrucio, Couto 1996: 42).
16
Em 1988, 22% de todos os repasses da União eram negociadas, em 1990 somente 3,7% e em 1991 novamente 9,2%
(Souza 1996: 544).
17
Nos preços de 1995 as rendas disponíveis se reduziram de R$ 19,9 (1986) a R$ 18,1 bilhões (1994); a renda disponível
per capita caiu, portanto, claramente de R$ 694 para R$ 545 (Arretche 1998: Tabela 5).

98
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Cidadania e o Consórcio Intermunicipal que pretendiam fazer da subregião um espaço de poder autônomo. O
desafio consistia aqui em aproveitar as sinergias subregionais para defender no arcabouço do poder nacional a
posição do ABC como uma das regiões comparativamente mais abastadas. A política desenvolvida contra-
arrestava uma estratégia de achatamento dos salários na esteira da argumentação sobre os ”custos de localização
do ABC” (Daniel 1996: 141 s.).

Um segundo cinturão ao redor da cidade de São Paulo abrangia algumas cidades mais distantes, nas
quais havia freqüentemente um entrelaçamento forte entre áreas de agricultura intensiva e indústria. Como em
amplas partes do Brasil nunca existira um campesinato livre, formaram-se apenas poucas aldeias ao redor de São
Paulo. Em termos espaciais isso se expressou na dominância de cidades na dimensão de 50.000 a 500.000
habitantes, sempre distantes 10 a 50 quilômetros. Esse segundo cinturão ganhou importância como localização
industrial sem abandonar a sua produção agrícola. Nele se concentrava o agrobusiness (Oliveira 1998a: 134).
Com isso o estado não era apenas o centro industrial, mas também agrário do Brasil (Novy 1994: 196 ss.). Com
14%, São Paulo detinha a parcela maior de toda a produção agrícola no Brasil (Rolnik et al. 1990: 26). Assim o
Estado de São Paulo beneficiou-se especialmente da criação do Pró-álcool em 1975. Além disso fomentava
maciçamente o cultivo da soja e a produção conexa de azeite. De grande importância foram também as
plantações de laranja. Em todas essas áreas a concentração da propriedade aumentara vertiginosamente (Oliveira
1998a: 134). O centro agro-industrial mais importante foi Ribeirão Preto, em cuja região circundante se produzia
20% da cana de açúcar, 70% do suco de laranja destinado à exportação e 60% da produção de soja de todo o
estado. Em São Carlos, cidade com 150.000 habitantes que abriga duas grandes universidades, havia empresas de
alta tecnologia e desde 1996 uma moderna fábrica de motores da Volkswagen. Essa posição de liderança de São
Paulo se deve, não em último lugar, à circunstância de que o estado investiu mais dinheiro na pesquisa e no
desenvolvimento do que o governo federal. Foram também responsáveis pelo crescimento da produção de bens
industriais de alto valor no interior do estado a indústria petroquímica e a refinaria em Paulínia e São José dos
Campos (cf. Novy 1994: 200 ss.).18 No entanto, fazem parte do segundo cinturão também cidades dos estados
lindeiros. Sobretudo nos últimos anos essas regiões fronteiriças lograram tirar proveito das vantagens resultantes
da aglomeração no setor da infraestrutura e no tocante à mão-de-obra qualificada em São Paulo, recorrendo ao
mesmo tempo a incentivos maciços dos Estados do Paraná, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Em Rezende (RJ),
poucos quilômetros além da fronteira, a Volkswagen construiu em 1996 uma nova fábrica de caminhões, baseada
numa concepção inteiramente nova de fornecedores. Uberlândia (MG), localizada na rodovia São Paulo-Brasília,
esteve também entre as regiões urbanas em crescimento. Juiz de Fora (MG) foi escolhida em abril de 1996 para
sediar uma montadora dos carros Classe A da Mercedes-Benz. Curitiba, capital paranaense, conseguiu apenas
desde 1994 atrair três montadoras de automóveis para sua região metropolitana (Pivetta 1996).

O terceiro tipo de região que se beneficiou da inversão da polarização em São Paulo foi a grande região
que se estende do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte a São Paulo, Porto Alegre e até Montevideo e Buenos
Aires. Entre 1970 e 1995, a indústria de São Paulo reduziu a sua participação na produção nacional de 58,2% a
49,8%, mas essa regressão foi aproximativamente compensada por ganhos de participação dos Estados do Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais (cf. Tabela 11). Se excluirmos a Região Metropolitana de
São Paulo, sobre a qual recai o ônus principal da desindustrialização no tocante à redução da indústria de
transformação, de 43,5% (1970) a 25,4% (1995), as regiões supracitadas aumentaram nesse período a sua
participação na produção nacional de 33,6% a 51,3%. Isso explica porque uma desconcentração da Região
Metropolitana de São Paulo, na relação entre a capital e o estado, era compatível com uma concentração nacional
continuada num plano espacial mais elevado. O fenômeno certamente tem a ver também com a integração no
âmbito do Mercosul e com o espaço de aglomeração e acumulação que dele resulta germinalmente.

Os dados para o mercado de trabalho no Estado de São Paulo aproximaram-se cada vez mais dos da
Região Metropolitana de São Paulo ou da cidade. O traço distintivo típico do interior do estado, seu perfil de
pólo oposto ao núcleo urbano da região, diluiu-se em virtude do elevado grau de urbanização e industrialização.
O índice de desemprego atingiu em 1995 13,8% no estado e 13,7% na capital. Na Região Metropolitana de São
Paulo ele ficou em 14,6% e no interior do estado em 12,1% (Seade 1998: 92). Persistiram, porém, as diferenças
visíveis nos índices de emprego no setor industrial. A indústria de gêneros alimentícios, têxtil e de confecções
concentra-se no interior do estado, a de processamento de metais no ABC e a indústria química e de borracha na
Região Metropolitana de São Paulo. Nos ramos industriais modernos, classificados em grande parte no item
”outros”, a Região Metropolitana de São Paulo também estava liderando (Seade 1998: 101). Em 1994, 43,5%
18
Se tomarmos como critério as intenções de investimento nos anos seguintes, pode-se observar uma tendência a uma difusão
mais ampla dos investimentos por todo o território nacional. Com 23%, a participação dos investimentos planejados situa-se
claramente abaixo da participação no PIB regional. Mas os investimentos continuam se concentrando em São Paulo
sobretudo no setor de alta tecnologia e nos ramos do futuro (informática e reciclagem).

99
100

dos trabalhadores do setor privado tinham uma carteira de trabalho, somente 11,2% não possuiam esse
documento (Seade 1998: 96).19 Assim a legislação trabalhista e social continuou tendo grande relevância para as
condições de trabalho dos assalariados. A informalização avançara menos do que se supusera. Na Região
Metropolitana deSão Paulo o emprego subiu continuamente, de 5,5 milhões (1985) a redondamente 7,2 milhões
(1997) - e isso apesar dos empregos na indústria terem entrementes, depois de um ápice em 1989, sofrido uma
redução de 2,1 milhões para 1,5 milhões. Assim o processo de desindustrialização foi muito claro com referência
ao nível de emprego. Tais perdas de empregos eram compensadas pelo setor comercial, no qual o nível de
emprego aumentou no período acima mencionado de 0,8 para 1,2 milhões, e no setor de serviços, no qual ele
aumentou de 2,3 para 3,6 milhões. Apesar desses empregos adicionais, o desemprego aumentou de 0,7 para 1,3
milhões (cf. Tabela 31). Se em 1985 ainda 33,1% dos trabalhadores estavam na indústria de transformação, esse
número tinha caído em 1998 para apenas 19,5%20 (cf. Tabela 22). Em contrapartida, o índice de empregos no
setor de serviços aumentou de 40,7% para 52,5%. No caso do índice da população economicamente ativa foi
observado um ligeiro aumento, atribuível ao claro aumento do índice das mulheres economicamente ativas de
43,7% (1985) para 50,5% (1997) (www.seade.gov.b/egi-bin/mulherv98r de 30 de novembro de 1998). A
dinâmica da acumulação deslocou-se novamente na direção da extensão, da ampliação da produção sem aumento
da produtividade. Como nas primeiras décadas do séc. XX, a inserção seletiva e subalterna das mulheres no
mercado de trabalho desempenhou um importante papel em estratégias de acumulação extensiva. Em 1985
12,2% das pessoas economicamente ativas estavam desempregados, em 1997 16% e em 1998 18,3% (Cf. Tabela
A-24).21 Ao passo que uns eram coagidos à inatividade, os outros, que continuaram nos seus empregos,
trabalharam crescentemente mais. Em 1985 somente 35% das pessoas economicamente ativas trabalhavam além
da jornada de trabalho definida em lei, em 1998 esse índice já chegou a 49,8% (www.seade.gov.br/cgi-bin de 14
de maio de 1999). O crescente número de desempregados e o aumento dos vínculos empregatícios informais, seja
sem carteira assinada ou mediante emprego intrafamiliar, evidencia o aumento do assim chamado exército de
reserva da indústria.22 Em termos quantitativos, os programas de desestatização atingiram com especial dureza as
mulheres, pois esse setor era tradicionalmente um espaço de trabalho remunerado feminino menos fortemente
discriminado.23

Tabela 22: Distribuição dos Ocupados, segundo Setor de Atividade Econômica do Trabalho Principal, Região
Metropolitana de São Paulo, 1985-98

1985 1989 1992 1995 1998


ocupados 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
indústria de 33,1 33,4 25,6 23,9 19,5
transformação
construção civil 3,1 3,7 3,4 2,6 2,4
comércio 14,0 15,2 16,2 17,7 16,5
serviços 40,7 40,5 46,6 48,0 52,5
serviços domésticos 8,3 6,4 7,7 7,2 8,7
Outros 0,7 0,5 0,5 0,5 0,4
Fonte: www.seade.gov.br/cgi-bin de 14 maio de 1999
19
Aqui, no entanto, podem ser constatadas dinâmicas distintas. Na indústria as relações formais de trabalho encolheram, no
setor de serviços elas subiram ligeiramente, e na agricultura (bem como na construção civil) ocorreu um surto de
formalização, na esteira da implementação da Constituição Federal. No setor industrial o número de trabalhadores na
economia formal caiu entre 1986 e 1995 de 2,9 para 2,2 milhões; no comércio ele subiu de 0,9 a 1,1 milhões e na agricultura
de 0,1 a 03 milhões (Unicamp 1998: 10).
20
A participação das mulheres no setor industrial reduziu-se por mais da metade, ao passo que a dos homens reduziu-se
apenas em aproximadamente um terço. Aumentou a marginalização das mulheres nesse segmento do mercado de trabalho
com remuneração acima da média.
21
As mulheres foram aqui mais fortemente afetadas do que os homens, pois nelas o índice de desempregados foi em 1985
15,5% e em 1998 21,2%, diante de 10,1% respectivamente 16% entre os homens. O desemprego camuflado não aumentou
entre as mulheres, mas o aberto de modo correspondentemente mais nítido, o que é um indício dos processos de
informalização. Entre os homens aumentou tanto o desemprego aberto quanto o camuflado.
22
Na Região Metropolitana de São Paulo os vínculos empregatícios formais também diminuiram de 3,9 milhões (1985) para
3,5 milhões (1993) (Singer 1996: 127). Se somarmos os que trabalham em relações precárias e os desempregados, poderemos
constatar no breve período de 1989 até 1996 um aumento da população em idade economicamente ativa de 32,6% para
41,8%.
23
As mulheres perderam de 1992 a 1997 2,6 pontos percentuais, os homens no mesmo período também 2,3 pontos
percentuais. A involução dos assalariados contrastou com um nítido aumento dos autônomos (www.seade.gov.brcgi-
bin/mulherv98 de 30 de novembro de 1998).

100
101

Tabela 23: Distribuição dos Ocupados, segundo Posição na Ocupação, Região Metropolitana de São Paulo,
1985-1998

1985 1988 1992 1995 1998


ocupados
assalariados 70,4 72,2 65,3 64,3 61,2
Com carteira 51,7 53,3 44,7 43,5 40,4
Sem carteira 8,5 8,6 9,6 11,4 12,3
Setor privado 60,2 61,9 54,3 54,9 52,7
Setor público 10,1 10,0 10,9 9,4 8,5
Autônomos 15,0 15,3 19,3 19,2 21,1
Empregador 4,2 4,1 4,7 5,9 5,6
Domésticos 8,3 6,4 7,7 7,2 8,7
Fonte: www.seade.gov.br (14 de maio de 1999)

O trabalho dos sindicatos enfrentou dificuldades cada vez maiores. Durante esse período, os conflitos
trabalhistas, mesmo quando objetivavam apenas defender os salários, perderam o seu vigor (Singer 1996: 131).
Nos anos 90 o movimento sindical autônomo, que não lograra institucionalizar estruturas nacionais de parceria
com o empresariado, tentou salvar mediante o recurso a formas de corporativismo local a Região Metropolitana
de São Paulo enquanto localização industrial. As câmaras setoriais foram um exemplo bem-sucedido dessa
estratégia de compensação de interesses. Os sindicatos engajavam-se justamente no cinturão industrial do ABC
com grande intensidade também fora do trabalho, mas estão em uma posição fraca para negociar, em virtude da
crise econômica. Desde 1985 os salários reais diminuíram visivelmente, sendo que de início só se constatou uma
ligeira tendência à diminuição. Houve em seguida uma queda dramática no período de 1989 a 1992, seguida por
uma recuperação na primeira fase do Plano Real. De 1995 a 1998 a tendência foi novamente negativa. Em 1985,
os trabalhadores com vínculo empregatício formal ganhavam 45% mais do que em 1998, os trabalhadores na
economia informal cerca de 19% menos. Apesar disso a renda continuou apresentando desequilíbrios dramáticos.
A fuga para a informalidade permitiu às empresas oferecer empregos não apenas precários, mas também mal
pagos. Entre os assalariados a situação dos grupos mais pobres permaneceu igual durante o Plano Real, entre os
que ganhavam mais a involução da renda se acentuou. A situação de renda de todos os grupos melhorou
visivelmente em 1995, de um só salto, devido ao efeito distributivo condicionado pelo fim da inflação - não
obstante, mesmo com esse salto, os assalariados remanescentes não tenham mais atingido o nível de 1989, pois o
índice de desempregados estava aumentando constantemente (cf. Tabela 25). O crescimento arrastado da
economia levou, por meio das reduções de renda dos ricos e a demissão desproporcional dos assalariados não-
qualificados e com isso mal-remunerados, a uma melhoria perversa da distribuição entre os assalariados (Mattoso
1999: 125). Os mais pobres encontram-se no exército crescente de desempregados.

Tabela 24: Rendimento Médio Real dos Ocupados no Trabalho Principal (1), segundo Posição na Ocupação,
Região Metropolitana de São Paulo, 1985-1998, em Reais (novembro de 1996)

1985 1989 1992 1995 1998


ocupados 1211 1102 706 907 857
assalariados 1255 1104 752 857 876
autônomos 971 1030 522 798 662
com carteira 1320 1139 809 892 912
sem carteira 448 482 351 487 547
assalariados - setor privado 1204 1050 733 813 826
assalariados - setor público 1554 1462 853 1100 1177
Assalariados – indústria 1360 1187 886 938 903
Assalariados – comércio 874 843 533 642 614
Assalariados – serviços 1153 954 663 778 850
Fonte: www.seade.gov.br (14 de maio de 1999)

101
102

Tabela 25: Rendimento Médio Real dos Ocupados no Trabalho Principal, segundo faixas de renda dos ocupados,
Região Metropolitana de São Paulo, 1985-1998, em Reais (novembro de 1998)

1985 1989 1992 1995 1998


10% mais pobres 204 207 112 168 164
quarto mais pobre 371 337 219 300 307
metade com renda menor 681 659 426 501 512
quarto mais rico 1350 1283 788 1003 924
10% mais ricos 2666 2399 1469 2043 1846
Fonte: www.seade.gov.br (14 de maio de 1999)

Nessa seção foi mostrado quão importante é uma análise do espaço e do poder que vai além de um estudo do
espaço-receptáculo nacional e desvela assim a estrutura espacial concreta do Brasil. As análises regionais e locais
são necessárias para a compreensão tanto da parte quanto da totalidade. Apenas lentamente a nação se
transformou, de espaço geográfico-material em espaço de poder com estruturas sócio-econômicas e políticas
concretas. O mesmo aconteceu com os lugares e as regiões concretas do Brasil. A análise regional de São Paulo
permitiu mostrar o significado de vias concretas de desenvolvimento. A região é um lugar de conflitos em torno
da constituição de um espaço de poder e a influência por meio de forças estruturais. Juntamente com o espaço do
poder nacional, a soma desses espaços de poder regional constitui a topologia do campo do poder brasileiro. Sob
a superfície desse campo operou, por sua vez, o poder sobre o espaço que estrutura esses espaços, à medida que
ele criou hierarquias, entrelaçamentos e distribuições. Para Cano (1998a: 29) ocorreu a formação de regiões
econômicas integradas, quando a dinâmica da acumulação foi endogeneizada. Por isso o capital de café, que se
reproduzia regionalmente, lançou as bases da primeira região desse tipo no Brasil. As outras regiões orientadas
para o exterior - a região mineradora e a região açucareira - não lograram por em marcha nenhuma dinâmica
interna e, por conseguinte, não lograram superar o seu caráter de enclaves.

3.2 O espaço de poder do Estado de São Paulo


No curso da formação da nação depois de 1930, os estados e os municípios estavam desacreditados por
representarem os traços provincianos, arcaicos, o atraso e conseqüentemente as oligarquias. Isso vale até hoje
para a ciência. Embora o plano intermediário sempre tenha tido significância histórica, isso se refletiu apenas
parcialmente na atenção científica que lhe foi devotada. Depois de 1930, o estado-nação exerceu com maior
intensidade a sua função moderadora-controladora. Interveio também mais fortemente no plano local, sendo que
essas intervenções serviam amiúde à estabilização do poder local. Quando no curso do movimento
democratizante dos anos 70 o protesto se dirigiu contra o estado central ditatorial, a atenção se deslocou bem
mais fortemente para o plano local do que para o estadual. Estruturas democráticas pareciam ser mais facilmente
implementáveis in loco do que no plano nacional. As estratégias políticas direcionavam-se para o espaço do
poder local e regional, como se fossem receptáculos de poder, e ignoravam assim os entrelaçamento do poder
sobre o espaço. Mas os governadores enquanto detentores do poder no plano intermediário da federação têm a
tarefa importante de serem articuladores de espaços de poder. Esse papel foi cumprido sempre de novo pelos
governadores em situações de crise, que freqüentemente foram também crises do federalismo.

Como São Paulo foi um centro da resistência contra a ditadura militar, o grande partido de oposição
PMDB obteve uma clara vitória nas eleições para governador em 1982, vencidas por Franco Montoro. Montoro,
que em 1988 se transferiu para o PSDB, distinguiu-se de todos os governadores antes e depois dele pela vontade
de uma democratização abrangente. Respaldado por uma esfera pública ampla e radicalizada, ele procurou
implementar medidas sociais reformistas, mas foi em grande parte impedido de realizar esse projeto em virtude
da crise econômica. Mas ele iniciou um programa de descentralização política. Serviços sociais foram
municipalizados onde isso era possível. Disso fazem parte sobretudo os setores de saúde e da educação. Assim os
municípios foram valorizados enquanto poder local. A fraqueza dessa política de democratização por meio de
descentralização consistiu na insuficiente atenção aos problemas sócio-econômicos da democratização. Isso
desacreditou as medidas ou levou a interpretações da descentralização que só pouco tinham a ver com
democratização. Orestes Quércia (PMDB), sucessor de Montoro, continuou a política de Montoro no papel, mas
promoveu simultaneamente um deslocamento substancial das ênfases. A delegação de competências e recursos às
entidades territorial-administrativas se deu segundo critérios clientelistas. Prefeitos simpáticos ao governo

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103

estadual recebiam verbas, prefeitos da oposição não. Assim Quércia colocou quase todos os prefeitos do interior
na sua dependência. Ao passo que a descentralização política dessarte praticada não tinha mais nada em comum
com democratização, Quércia se dedicou também à descentralização da produção e fomentou o interior do estado
a expensas da capital. A infraestrutura foi maciçamente ampliada no interior, levando a um deslocamento de
atividades para fora da capital e na direção do interior. Em termos de tática eleitoreira, essa política deu
resultados, pois o interior assegurou ao seu correligionário Luís Fleury, na época um homem totalmente
desconhecido, a vitória nas eleições para governador em 1990. A gestão de Fleury (1991-1994) se caracterizou
por uma política de expedientes. Decerto isso se deveu em parte à inexperiência do próprio Fleury, mas uma
razão nada secundária foi também a dívida contraída por Quércia para implementar seus ambiciosos projetos de
modernização da infraestrutura.24 A atividade de investimentos foi reduzida, a ampliação do metrô foi suspensa
por quatro anos. Mas ao lado das causas por assim dizer de fabricação caseira, a crise fiscal de São Paulo, bem
como de todos os outros estados brasileiros, tinha as suas raízes na política de juros altos do governo federal
(Melo 1996: 17).25 Em virtude da radical elevação da taxa dos juros, o reembolso de dívidas contraídas de
repente ficou desproporcionalmente caro. Em 1995 o recém-eleito Mário Covas (PSDB) declarou o ”estado de
emergência fiscal”. De início a ação política de Covas consistiu em fazer cortes e realizar privatizações nas mais
diversas áreas. 116.000 funcionários públicos, dos quais 40.000 no setor educacional, foram demitidos (FSP de 3
de agosto de 1997)26, 148 escolas foram fechadas (FSP de 2 de agosto de 1997), estradas e outras instalações
foram privatizadas. Apesar disso a dívida do estado aumentou de R$ 40 bilhões no início do governo Covas para
R$ 75 bilhões em março de 1997, embora as receitas correntes fossem em 1996 superiores às despesas
correntes.27 Com o contrato entre a União e o estado, celebrado em 1997, a primeira assumiu R$ 50,4 bilhões de
dívidas, sobretudo do BANESPA. Ao invés de 2% ao mês, o governo precisava a partir de agora pagar juros
reais de apenas 6% ao ano, durante um período de 30 anos.28 Essa renegociação foi um mecanismo de troca
política que permitiu ao governo federal alcançar dois objetivos: por um lado, um isomorfismo das reformas
propagadas por ele, tais como especialmente a privatização e a redução do funcionalismo, além do plano
nacional; por outro lado, um mecanismo para aprovar projetos concretos de lei e emendas constitucionais no
Congresso. O valor do dinheiro foi negociado politicamente nessa compensação federativa de interesses e
fomentou um processo de recentralização de poder (Melo 1996: 16). Em 1997 o governo estadual começou a
tomar as primeiras medidas direcionadoras de uma política econômica e social, sem poder oferecer uma
regulação consistente de um regime de acumulação regional. Apesar disso Covas ganhou com clara vantagem as
eleições para o governo no segundo turno em 1998.

A população dedica ainda menos atenção à Assembléia Legislativa do que ao Congresso e à Câmara de
Vereadores. O governador encarna o poder do estado da federação. Por isso os deslocamentos contínuos para a
esquerda em grande parte não foram percebidos. Juntos, os partidos de esquerda conquistaram em 1982 apenas 9
e em 1998 já 29 cadeiras. Em 1994 a direita foi claramente enfraquecida em benefício do centro, na esteira da
vitória eleitoral do candidato do PSDB ao governo estadual. Em 1998 ela recuperou o terreno político perdido. O
PFL, até então marginal em São Paulo, pôde se posicionar em 1998 pela primeira vez como força de peso. O
centro chegou mesmo a eleger depois de 1994 o maior número de deputados. Mas o PMDB conservou apenas 8
das suas antigas 42 cadeiras (1982); o PSDB, que elegeu Covas para o governo, elegeu também a bancada mais
numerosa (cf. Tabela 27).

Tabela 26: Eleições para governador, Saõ Paulo, 1982 – 1998 (1) (2), em %

1982 1986 1990 1994 1998


PPB (3) 23,5 17,3 34,3 - 32,2

24
A dívida do estado aumentou sob o governo de Quércia em 43,8%, de R$ 13,9 bilhões para R$ 20 bilhões. Sob Fleury ela
explodiu na razão de 122,5% para R$ 44,5 bilhões (Gentile 1998).
25
Os bancos estaduais de São Paulo respondiam por 60% das dívidas dos dez maiores bancos regionais do Estado brasileiro.
Em 1992 as dívidas ultrapassavam em 60% os seus haveres. Em 1995 o Banco Central interveio em todo o país em onze
bancos estaduais, em virtude do seu endividamento excessivo (Souza 1996: 547).
26
Em dezembro de 1996 o governo estadual tinha 932.000 funcionários públicos, destinando assim 62% das receitas
correntes para gastos com pessoal (Mare, 4 de agosto de de 1997).
27
Esse aumento vertiginoso teve sua origem nos juros elevados. O superávit orçamentário anual primário de 1996, no
montante de R$ 1,3 bilhões, precisava ser pago mensalmente a título de serviço da dívida. O próprio Mário Covas
praticamente não contraíra dívidas novas. O banco estadual BANESPA, altamente endividado, foi colocado em 1995 sob
controle do Banco Central, o que custou R$ 15,6 bilhões aos cofres públicos, segundo estimativas otimistas.
28
A diferença entre taxa de juros de mercado e taxa de juros politicamente negociada foi assumida pela União
(www.fazenda.gov.br/release5e de 2 de julho de 1998).

103
104

PFL - - - - -
diversos partidos de direita 12,5 23,8 - 1,7
PSDB - - 12,0 35,7 23,0
PMDB 44,9 36,1 22,2 8,6 4,3
PT 9,9 9,8 9,6 11,3 22,5
diversos partidos de esquerda - - - 16,9
17,1
(1) sempre depois do primeiro turno
(2) os vencedores do segundo turno sempre estão assinalados em negrito
(3) até 1992: PDS
Fonte: www.seade.gov.br (30 de julho de 1997), Brasilienausschnittsdienst 10/98

Tabela 27: Eleições para a Assembléia Legislativa, São Paulo, 1982 – 1998

1982 1986 1990 1994 1998


PPB (1) 22 11 11 13 11
PFL - 9 8 5 11
diversos partidos de direita 11 14 18 13 14
DIREITA - SOMA 33 34 37 28 36
PSDB - - 9 18 20
PMDB 42 37 19 23 8
CENTRO - SOMA 42 37 28 41 28
PT 9 10 14 16 14
diversos partidos de esquerda - 3 5 6 15
ESQUERDA - SOMA 9 13 19 22 29
(1) até 1992: PDS
Fonte: www.seade.gov.br (13 de abril de 1999)

No decorrer dos anos 80 o governo estadual assumiu em resposta à falência da política habitacional nacional,
tarefas cada vez mais amplas de prestação de serviços públicos. O ponto de partida foi a introdução de novas
formas federativas de organização. O órgão colegiado em nível estadual compunha se paritariamente de
representantes do governo estadual, dos prefeitos e da sociedade civil. Como tão somente o governo estadual era
um bloco homogêneo, ele dominou em São Paulo bem como em outros estados esse grêmio (Arretche 1998:
132). No setor habitacional o governo financiava os seus próprios gastos com um aumento de 1% do ICMS,
destinado à política habitacional e aprovado a cada ano pelo Legislativo estadual. Essa medida lhe permitiu uma
certa independência do ministério, sendo possível aumentar nitidamente os gastos para a construção de
habitações e o número de habitações financiadas.29 Em resumo, as razões do êxito da política habitacional eram,
por um lado, o aumento dos recursos disponíveis e, por outro lado, um aparelho administrativo em boas
condições de funcionamento (Arretche 1998: 104-106). No setor de saúde o governo estadual também foi ativo,
embora o processo de descentralização fosse dificultado pela preferência generalizada de uma municipalização
(Melo 1996: 19). Como havia apenas em São Paulo 636 municípios (Affonso 1996: 7), é compreensível que uma
parte relativamente grande dos municípios não dispusesse da necessária capacidade de organização para assumir
campos de atividades do governo central. Apesar disso o processo de municipalização iniciara em 1996 em 55%
dos municípios (Silva 1996: 86).30 Em termos gerais, a descentralização funcionou lentamente em São Paulo,
pois o governo estadual estava pouco interessado em uma municipalização. Seu poder consistia essencialmente
em trocar favores contra favores com os municípios, de caso para caso.

O processo de modernização econômica levou também a uma modernização da sociedade civil e ao


surgimento de grupos lobistas tipicamente modernos. Estes atuavam sobre o Estado nos planos local e regional
no sentido de apoiar o processo de valorização do capital. Mais ou menos ligados a esses interesses do capital,
associações de produtores rurais e de empresários, as grandes cooperativas, os engenheiros e agrônomos, os
funcionários dirigentes de empresas privadas e sobretudo estatais começaram a manifestar-se como sociedade
29
Se em 1987 foram construídas 3.099 habitações com recursos do governo estadual, esse número chegou em 1992 a 36.704
e em 1994 ainda a 23.935; os gastos na construção de habitações aumentaram de R$ 3,39 per capita (1987) para até R$
17,44 per capita (1991) (Arretche 1998: Tabelas 12 e 13).
30
Em 1980 91 das 123 instituições municipais de saúde estavam localizadas na Grande São Paulo e 32 no interior. Em 1985
o número dessas instituições aumentara na Grande São Paulo para 144 e no interior para 215 (Silva 1996: 85).

104
105

civil regional. Formavam uma rede de modernização que juntamente com as empresas do setor imobiliário e de
construção civil faziam concorrência à elite tradicional dos funcionários públicos, profissionais liberais,
pequenos comerciantes e proprietários de terras. Eles representavam o novo poder econômico e o seu discurso,
apoiado pela imprensa e pelas emissoras radiofônicas locais, girava em torno das idéias da racionalidade e
modernidade (Bizelli 1995: 45). Sem dúvida isso expressa a oposição de interesses entre os grupos dominantes.
Mas o poder tradicional da propriedade fundiária não pode ser subestimado, pois 50 grupos eram proprietários
das terras utilizadas para fins de produção no estado (Bizelli 1995: 44).31

Desde a sua fundação em 192832, a Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP) cumpriu um papel
importante na articulação dos interesses da produção regional. Na esteira da internacionalização e da
desindustrialização ela pertencia às instituições que foram enfraquecidas - juntamente com os sindicatos
fortemente estruturados no setor industrial. São Paulo era sabidamente o lugar do surgimento de um movimento
sindical e democrático independente. A CUT como central sindical estava concentrada em São Paulo,
especialmente no ABC. Mas ela não conseguiu assumir o maior sindicato de industriários, o dos metalúrgicos da
cidade de São Paulo (Rodrigues 1995: 116). Não em último lugar devido a conflitos internos, Luís Antônio
Medeiros e a sua Força Sindical, próxima ao governo, acabou por impor-se. No plano regional, os grupos
populacionais em desvantagem praticamente não dispunham de instituições por meio das quais pudessem
representar os seus interesses. Somente as associações de vizinhança em nível local e o movimento dos sem-terra
como movimento de massas, que foi muito ativo justamente no Estado de São Paulo, ofereceram aos oprimidos
possibilidades de organização. No interior do aparelho de estado eles dependiam da benevolência de governos
locais ou deputados progressistas.

A mídia regionalizada era formada em São Paulo pelo rádio e pela imprensa marrom que representavam
maciçamente os interesses dominantes. Nos últimos anos os meios de comunicação de maior qualidade como a
Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo começaram a informar mais sobre assuntos de interesse local. Os
dois jornais tinham um extenso caderno local. As numerosas universidades, na sua maiora estatais, eram um
espaço tradicional de poder da oposição, sendo que as simpatias se dividiam de forma relativamente harmônica
pelas alternativas radical e reformista. Somente sob o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso a
esquerda acadêmica entrou em uma grave crise, pois um importante segmento dos intelectuais aceitou cargos no
governo. Esse grupo defendeu a posição de que não haveria alternativa ao processo de globalização. Desde então
centros do pensamento crítico como o Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP) ficaram politicamente paralisados e cindidos. Um papel importante foi desempenhado sempre pela
igreja, pois as comunidades eclesiais de base definiram nos anos 70 e no início dos anos 80 ao lado dos
sindicatos, enquanto novos atores, o perfil do palco do Brasil democrático (Eder 1988). A Tabela A-19 mostra
que a filiação a organizações civis em São Paulo foi menor do que em estados meridionais economicamente
menos desenvolvidos (Paraná e Rio Grande do Sul) e praticamente não maior do que nos estados nordestinos,
denominados atrasados. A modernização econômica afetou a sociedade civil de modo bem mais reduzido do que
seria de se supor; o comportamento eleitoral conservador-retrógrado teve as suas raízes em uma sociedade civil
cuja vida não teve um perfil muito mais pronunciado e múltiplo do que nas regiões atrasadas, caracterizadas
como monolíticas. Essa circunstância contém explicações substanciais de paradoxos aparentes do
desenvolvimento em termos de Economia Política. As ambivalências do desenvolvimento brasileiro revelam-se a
partir do seu centro: São Paulo foi uma região moderna, mas não de civilização burguesa.

3.3 O espaço de poder da cidade de São Paulo

No plano dos municípios pôde se observar no Brasil dos anos 80 genericamente um ganho de importância e nos
anos 90 uma perda de importância. A Constituição de 1988 fixou competências ampliadas dos municípios e
fortaleceu com isso a sua posição no arcabouço do poder nacional. Nos anos 80 predominou no plano municipal
o conflito sobre o acesso à cidade. A população na periferia queria uma infraestrutura mínima, como o Estado a
disponibilizava aos bairros de localização mais central. Ocupações de áreas eram iniciativas importantes para
chamar a atenção às precárias condições de vida na periferia. Em 1983 Mário Covas assumiu o governo da

31
Ao passo que o número das empresas agrícolas com menos de 10 ha de área agricultável baixou de 100.198 (1985) para
65.303 (1995) e também o número dos que possuem entre 10 e 100 ha diminuiu em 17%, o número dos proprietários de
terras com mais de 10.000 ha aumentou de 29 para 36 (Esposito 1998).
32
Na época ainda como CIESP.

105
106

cidade como prefeito nomeado pelo governador Montoro, com o objetivo de ”reduzir a distância entre o centro e
a periferia” (PMSP et al. 1992: 120). Colocou a questão social e o problema da periferia no centro da sua
atividade administrativa. Era estimado na periferia, na qual ele freqüentemente ajudava pessoalmente em
mutirões. Na área social, o governo de Covas definiu critérios de aferição para os governos subseqüentes. Ao
passo que as iniciativas informais de base se fortaleceram durante o seu governo, inexistiam canais
institucionalizados de cogestão cidadã. Mas a vantagem de Covas foi a certeza de podercontar com o apoio do
governador. A sua desvantagem foi que segmentos do seu próprio partido - o PMDB - fizeram oposição a ele e
sabotaram a sua política reformista. Covas capitalizou em benefício do seu governo a pressão da população na
luta intra-organizacional pelo poder, contra a administração e setores do seu próprio partido.

Tabella 28: Eleições para prefeito, São Paulo, 1985 – 1996, candidatos mais importantes

1985 1988 1992 1996


PPB(1) - 24,5 37,3 44,9
PFL - - - -
diversos partidos de direita 37,5 - 0,5 0,9
PSDB - - 4,5 14,5
PMDB 34,2 14,2 9,8 1,8
PT 19,7 29,8 23,4 22,8
diversos partidos de esquerda - - - 7,1
(1) Até 1992: PDS
Fonte: www.seade.gov.br (28 de julho de 1997)

Tabela 29: Vereadores, São Paulo, 1985 – 1996

1982 1988 1992 1996


PPB (1) 6 6 20 19
PFL - 4 0 2
diversos partidos de direita 7 8 6 8
DIREITA - SOMA 13 18 26 29
PSDB - 6 8 8
PMDB 15 6 5 4
CENTRO - SOMA 15 12 13 12
PT 5 15 13 10
diversos partidos de esquerda - 8 3 4
ESQUERDA - SOMA 5 23 16 14
(1) Até 1992: PDS
Fonte: www.seade.gov.br (28 de julho de 1997)

Em 1985 o populista de direita Jânio Quadros ganhou surpreendentemente as eleições contra Fernando Henrique
Cardoso, o candidato do establishment de centro-esquerda. No seu estilo de governo, Quadros, que fora presidente da
república em 1960, levou São Paulo de volta aos tempos do autoritarismo e da negligência da questão social. Em
virtude de elevados subsídios por parte da União e do governo estadual ele conseguiu não ficar demasiado para trás
no tocante aos indicadores sociais dos governos Covas e Luiza Erundina. Mas a intensa atividade no setor de
construção civil prejudicou a qualidade da infraestrutura existente; a contratação de funcionários foi feita a expensas
dos seus salários. Assim o grande problema do governo de Jânio Quadros foi a deterioração qualitativa do
abastecimento da população com serviços sociais. Jânio fomentou megaprojetos a expensas dos serviços sociais,
menos visíveis. Em 1988 a deputada estadual Luiza Erundina (PT), oriunda das iniciativas de base, foi eleita
surpreendentemente prefeita de São Paulo, com 30%, em números redondos. A autodenominação ”governo
democrático popular”, adotada pela administração petista, mostrou a proximidade à exigência de democratização
com participação popular. O PT via princípios políticos como não-negociáveis e foi nesse tocante um simpático
contrapeso ao modo tradicional de fazer política. Mas ao mesmo tempo ele se tornou incapaz para fazer acordos. O
governo municipal sentiu isso na carne, pois a Câmara de Vereadores boicotava, sob direção do PSDB, o trabalho do
governo municipal. Depois de erros iniciais o PT reconheceu que precisava chegar a um consenso com a câmara,
caso não quisesse criar graves obstáculos ao seu trabalho. Baseado no clientelismo, mas não em uma aliança dos

106
107

partidos de centro-esquerda, ele conseguiu obter maiorias na Câmara de Vereadores. Mas projetos importantes
fracassaram diante da resistência da câmara, assim por exemplo na área da tributação e da descentralização.

Sob o governo do PT as fronteiras entre o Estado local e a sociedade civil progressista desapareceram por
quatro anos. O governo local tentou em vão institucionalizar determinadas formas de cogestão dos cidadãos.
Pretendeu-se e.g. descentralizar e aproximar do cidadão a administração municipal e o planejamento urbano. Os
movimentos sociais foram incluídos nos processos decisórios (cf. Novy 1994: cap. F). A maior parte dessas medidas
foi inicialmente boicotada pela Câmara dos Vereadores e depois abandonada ou revogada a partir de 1993 por Paulo
Maluf, sucessor de Luiza Erundina. A sua política populista de direita consistiu na privatização de empresas
municipais, em grandes obras, projetos na área social (setores da saúde e habitacional), pequenos, mas com
publicidade maciça; e, por fim, em corrupção. A atividade de construção, visível em muitos lugares estratégicos da
cidade, foi a razão principal da vitória de Celso Pitta, o candidato próximo de Maluf, nas eleições de 1996. Mas Pitta
teve o mesmo destino do que outrora Fleury, sucessor de Quércia. Em virtude da circunstância de não poder tomar
nenhuma medida de impacto, Pitta acabou sendo um dos prefeitos mais impopulares; era um ”fantasma político-
administrativo”, inteiramente dependente do seu padrinho Maluf (FSP de 8 de maio de 1998). Depois de repetidas
críticas de Maluf ao governo municipal, a ruptura se deu em 1998. Pitta saiu do PPB. As muitas mudanças de poder
na cidade eram explicadas com a insatisfação com o sistema político e a tendência dos paulistanos de votar sempre na
oposição, independentemente da sua orientação ideológica (Brant et al. 1989: 188 ss.). A rejeição da des-ordem
estava amplamente difundida. Com efeito, nas eleições para a prefeitura venceram sempre candidatos que eram
oposição ao governo municipal. Mário Covas (PMDB) foi sucedido por Jânio Quadros (PTB) que teve de passar a
prefeitura a Luiza Erundina (PT), que não pôde impedir a eleição do seu arqui-inimigo Paulo Maluf (PPB). Mas em
1996 Maluf conseguiu quebrar essa regra e eleger seu Secretário da Fazenda para a prefeitura. No entanto, a
distribuição dos resultados da eleição por bairros relativiza a tese da gratuidade ideológica no comportamento
eleitoral dos paulistanos. Os bairros Jardim Paulista, Santana, Vila Maria, Santo Amaro e Cidade Ademar são
exemplos de cinco tipos distintos de bairros, sendo que Jardim Paulista representa o tipo de bairro mais rico. A direita
era mais forte nos bairros de classe média do que nos bairros ricos e mais fraca nos bairros pobres. Maluf e Pitta
puderam vencer quando a direita eliminou essa fraqueza (cf. Tabela 31). Os baluartes da esquerda são os bairros
pobres. Com exceção de 1992 foi observado um forte declive entre ricos e pobres, sendo que a proporção de votos
era, em números redondos, o dobro nos bairros pobres do que nas regiões ricas. A base eleitoral do PT continuou
claramente estruturada em termos de espaço social (cf. Tabela 32). O mesmo vale para o centro. Ao passo que
Fernando Henrique Cardoso e José Serra, desde 1988 no PSDB, eram populares entre os ricos, o PMDB populista,
que continuava orientado para o desenvolvimento, era um partido da periferia. Isso mostra que o PSDB e o PMDB
pertenciam a meios políticos fundamentalmente distintos, embora devessem ser classificados quanto à sua ideologia
como partidos de centro (cf. Tabela 33). Sobretudo antes da posse de Fernando Henrique Cardoso, o PT cortejou
com intensidade bem mais nítida o PSDB, o que reflete o aumento da sua orientação na direção do eleitor culto e com
isso, implicitamente, dos ricos. O grau de polarização da cidade de São Paulo se evidencia também na rejeição
dramática do metalúrgico Lula nos bairros residenciais ricos de São Paulo. Em Jardim Paulista, um dos bairros
residenciais mais ricos, 72,1% dos eleitores votaram em Fernando Henrique Cardoso e apenas 14% em Lula. Em São
Miguel Paulista, bairro da periferia, os eleitores já se segmentaram de forma claramente mais simétrica: Cardoso
recebeu 38,4%, Lula 27,4%. Por isso o projeto para o Estado de Fernando Henrique Cardoso foi, em São Paulo,
indubitavelmente apoiado sem reservas pela classe alta, o que é um indício da sua pronunciada consciência de classe
(Tabela 30). Em uma cidade dessarte cindida, a sociedade civil paulistana necessariamente deve estar fortemente
fragmentada em virtude da separação sócio-espacial das várias classes. Além disso, a orientação para o tráfego
individual motorizado e a criminalidade crescente levaram a um esvaziamento do espaço público. Este continuava
sendo de modo apenas restrito um ponto de encontro da sociedade política e civil. As associações de amigos do
bairro, existentes em todos os bairros residenciais, serviam para obter melhorias para o respectivo bairro. Ao passo
que nos bairros pobres estavam em pauta, via de regra, medidas de urbanização como pavimentação de vias públicas,
canais, escolas ou hospitais, o primeiro plano era ocupado nos bairros ricos por questões de qualidade de vida, ruído
e proteção contra a ocupação excessiva das áreas por prédios. Não se deve esquecer nesse contexto que os diferentes
grupos também eram, cada qual à sua maneira, capazes de articular ou impor os seus interesses.

Tabela 30: Resultados de Fernando Henrique Cardoso e Lula nas eleições presidenciais, segundo bairros
selecionados do município de São Paulo, 1994; primeiro turno

Cardoso Lula
Jardim Paulista 72,1 14,0
Santana 57,0 19,4
Vila Maria 53,7 19,4
Itaquera 41,7 25,3

107
108

Cidade Ademar 44,1 26,2


Total 50,3 23,6
Fonte: www.seade.gov.br (14 de abril de 1999)

Tabela 31: Resultados dos candidatos da direita nas eleições para a prefeitura, segundo bairros selecionados do
município de São Paulo, 1985-1996

Quadros Maluf Maluf Pitta


PTB PDS PDS PPB
1985 1988 1992 1996
Jardim Paulista 38,3 28,3 42,0 46,3
Santana 40,1 28,3 41,7 48,0
Vila Maria 48,7 27,7 42,9 53,1
Santo Amaro 35,9 29,1 43,0 50,8
Cidade Ademar 29,5 18,5 31,2 40,4
Total 37,5 24,5 37,3 44,9
Fonte: www.seade.gov.br (14 de abril de 1999)

Tabela 32: Resultados dos candidatos da esquerda nas eleições para a prefeitura, segundo bairros selecionados
do município de São Paulo, 1985-1996

Suplicy Erundina Suplicy Erundina


PT PT PT PT
1985 1988 1992 1996
Jardim Paulista 11,8 20,7 20,8 14,1
Santana 17,2 27,7 22,0 18,5
Vila Maria 16,7 27,7 18,7 15,6
Santo Amaro 19,6 27,7 23,4 18,0
Cidade Ademar 26,9 31,2 22,8 27,5
Total 19,7 29,8 23,4 22,8
Fonte: www.seade.gov.br (14 de abril de 1999)

Tabela 33: Resultados dos candidatos do centro nas eleições para a prefeitura, segundo bairros selecionados do
município de São Paulo, 1985-1996

Cardoso Leiva Aloysio Serra


PMDB PMDB PMDB PSDB
1985 1988 1992 1996
Jardim Paulista 36,1 9,5 8,0 24,6
Santana 34,2 12,2 9,2 16,4
Vila Maria 26,8 13,6 8,6 13,2
Santo Amaro 35,3 27,7 8,3 18,4
Cidade Ademar 29,5 17,3 11,4 12,4
Total 34,2 14,2 9,8 14,5
Fonte: www.seade.gov.br (14 de abril de 1999)

Na Câmara dos Vereadores a esquerda contabilizou uma vitória à maneira de uma avalanche em 1988. Na pessoa
de Eduardo Suplicy, o PT elegera um candidato muito popular para a Câmara; na de Luiza Erundina, a prefeita.
Mas esse deslocamento em benefício da esquerda não foi duradouro. Embora o PT continuasse sendo sem
contestação o segundo partido mais forte, ele perdeu cada vez mais em importância. Por outro lado, o PPB
preencheu esse vácuo. Apoiado na popularidade de Paulo Maluf, ele foi desde 1992 a força determinante no
Executivo e Legislativo. Em termos de legislativos municipais, a Câmara de Vereadores de São Paulo é uma
organização extremamente centralizada, pois um vereador ou uma vereadora representa 181.640 votos (Melo
1996: 17), tendo, por conseguinte, muita influência. Se compararmos os dez candidatos respectivamente mais

108
109

votados em cada região conforme a sua filiação partidária, a amostragem escolhida revelará que o PSDB venceu
nas regiões ricas 17 vezes e nas três outras regiões somadas apenas 10 vezes.33 Nos bairros mais ricos, o PMDB
não venceu nas regiões mais ricas e aumenta depois a sua presença continuamente, para obter com 11 candidatos
nas regiões mais pobres a pontuação mais elevada. O declive entre as regiões, que não pôde ser observado no PT
nas eleições para o Executivo, foi constatado de forma mitigada nas eleições para o Legislativo. Com 3-5-3-8-7 a
tendência aumentava na direção das regiões pobres. O segredo do sucesso do PDS, atualmente PPB, e a grande
diferença com relação ao passado esteve na sua homogeneidade regional. Ao passo que a preferência acabou se
impondo com 11-16-16-13-10 nos velhos bastiões da pequena-burguesia, as fraquezas do partido puderam ser
reduzidas nos bairros pobres (www.seade.gov.br, julho de 1997).

Os estados e municípios reconquistaram a sua importância apenas nos anos 80, isto é, no curso da
democratização. Tanto os atores estatais quanto os da sociedade civil eram importantes no setor de saúde. Do
lado da sociedade civil o movimento pela saúde, apoiado por médicos engajados e pela Pastoral da Saúde da
Igreja Católica, cumpriu um papel importante. Do lado do Estado, deve-se mencionar nesse contexto o programa
de descentralização do governador Montoro, no qual o governo assumiu a co-responsabilidade também nesse
setor. A Secretaria de Estado da Saúde assumiu os postos regionais e criou 65 unidades novas. Na seqüência,
foram elaborados no plano local juntamente com esses postos regionais ”planos municipais de saúde”. Apoiados
pelo governo estadual e no âmbito de um programa nacional, os municípios eram responsáveis pela execução. A
cada trimestre os resultados e as contas eram examinados pelo governo estadual. Quando tudo estava em dia, o
município recebia mais uma verba. Essa execução descentralizada fomentou a participação de conselhos de
saúde e possibilitou aos cidadãos a participação in loco. Esse sistema, criado pelo PMDB e exigido, fomentado e
também controlado pela sociedade civil, serviu de arcabouço organizacional sobre o qual o governo do PT
trabalhou nos anos de 1989 a 1992. Ele impulsionou a municipalização do setor de saúde. Comissões de saúde
enquanto organizações da sociedade civil, que atuavam regionalmente, e conselhos de saúde como órgãos de
cogestão no interior das unidades organizacionais (postos de saúde, hospitais etc.) institucionalizaram os canais
de participação. Havia um conselho municipal de saúde para cada cidade. Em 1989 200.000 pessoas
participaram das eleições para esses conselhos (cf. Novy 1994: 373). Do ponto de vista quantitativo o sistema de
saúde melhorou sensivelmente, mas a partir de 1991 os municípios sentiram a diminuição dos repasses do
governo central, razão pela qual o PT tentou contra-arrestar essa tendência por meio de uma contribuição mais
elevada com recursos da própria prefeitura. Sob o seu sucessor Paulo Maluf a situação se agravou
dramaticamente. Maluf ganhou as eleições com a promessa de reduzir a burocracia do setor público. As medidas
de economia no setor de saúde levaram em 1994 a situações insuportáveis. A argumentação afirmava que o
sistema não seria financiável na sua forma atual. Mas a intenção do governo municipal era precisamente mostrar
isso. A falência do Estado assim documentada justificou abrir também os setores da educação e saúde à iniciativa
privada. Em 1995 o governo apresentou finalmente um projeto de saúde radicalmente novo, o PAS (Plano de
Atendimento de Saúde). A população podia inscrever-se em uma cooperativa da sua escolha, que a partir disso
tinha o direito de receber por pessoa o valor de R$ 10,00 por mês. Por sua vez, as cooperativas de saúde estavam
obrigadas a assumir os cuidados integrais do membro. O sistema funcionava analogamente aos seguros privados
contra doenças, só que nesse caso o município assumiu o financiamento. Tratava-se, portanto, de uma forma de
descentralização e da combinação de elementos privados e públicos de disponibilização do serviço. No âmbito
da cooperativa os médicos eram pagos por serviço, o que visava a minimização de faltas no trabalho. Pessoas
não-domiciliadas em São Paulo não tinham nenhum direito ao serviço. Com o PAS objetivava-se possibilitar aos
grupos privados o acesso ao sistema de saúde pública e institucionalizar a concorrência entre os ofertadores
privados e públicos. De início a satisfação da população diante desse seguro ”público” contra doenças, que
concedia os mesmos direitos de um seguro privado, foi grande. Na campanha de 1996 Maluf pôde vangloriar-se
com a inovação organizacional de uma iniciativa orientada para a qualidade e provar a sua competência na área
social. A criação do PAS foi uma medida que tomou como ponto de partida a crítica generalizada do status quo
intolerável e de exigências feitas cedo pela esquerda no sentido de uma descentralização e autogestão. Mas a
implementação concreta estava em contradição crassa com o espírito da Constituição Federal de 1988 e o direito
à saúde.34 Pouco depois da vitória nas eleições, começaram a aumentar as queixas sobre o tratamento deficiente
dos pacientes e do pessoal e as queixas sobre as dificuldades financeiras da administração municipal de cumprir
os seus compromissos diante das cooperativas. Na práxis as cooperativas funcionavam como empresas e eram
controladas por grupos privados. Os cooperativados, isto é, o pessoal do PAS, eram de fato assalariados, com
33
Baseado em www.seade.gov.br, correlacionei quinze bairros a cinco tipos de regiões e registrei em cada um desses bairros
a filiação partidária dos dez vereadores localmente mais votados. Na primeira região (mais rica) classifiquei Vila Mariana,
Indianópolis, Jardim Paulista; na segunda, Lapa, Butantã e Santana; na terceira, Vila Maria, Tatuapé e Moóca; na quarta,
Capela do Socorro, Ipiranga e Santo Amaro; na quinta, São Miguel Paulista, Itaim Paulista e Guaianases. Para uma
interpretação detalhada cf. Novy 1998: 367.
34
No entanto, os juízes declararam a compatibilidade do PAS com o SUS em termos puramente formais.

109
110

presença obrigatória e a inserção em uma hierarquia rígida, mas sem a proteção das leis trabalhistas. Em virtude
da crise do PAS alguns módulos começaram a reduzir os salários dos cooperativados (FSP 8 de agosto de 1997)
e um hospital inaugurado durante a campanha eleitoral foi fechado (Muggiati 1998).

No tocante à situação habitacional os proprietários de terrenos lograram maximizar os seus ganhos de


valorização e socializar os custos da urbanização, em virtude da ocupação fragmentada e da retenção de
numerosas áreas.35 As empresas imobiliárias vendiam apenas alguns lotes e retinham outros; em seguida os novos
moradores exerciam pressão sobre o governo municipal para que este disponibilizasse a infraestrutura. Depois
disso ter ocorrido, as empresas vendiam os terrenos remanescentes por um preço muitas vezes acima do original.
A expulsão das camadas baixas do centro da cidade deslocou os problemas sociais para a periferia, na qual fora
propagada, justamente sob a ditadura militar, a construção da casa própria como solução dos problemas
habitacionais da maioria pobre da população. No curso da democratização acirrou-se a crítica a uma política
fundiária que privilegiava os titulares de rendas. Nos anos 80 o movimento dos sem-terra, fortemente apoiado
pela Igreja Católica, foi um dos movimentos sociais mais importantes na periferia de São Paulo. Ele foi
essencialmente responsável pela vitória eleitoral de Luiza Erundina. O PT ocupou-se com os diferentes aspectos
do problema habitacional. Por um lado, buscou-se legalizar as habitações já existentes. Nesse tocante a
urbanização das favelas foi a estratégia mais importante. Possibilitava-se aos moradores das favelas a aquisição
de um título de propriedade de terra. Num segundo passo as condições de vida na favela eram melhoradas,
evitando-se assim o método muito criticado do slum clearing36. No quadro de uma política de espaço
habitacional integrada, o governo dedicou também atenção ao espaço público, à criação de parques e praças. Por
fim Luiza Erundina aproveitou uma estratégia de Mário Covas e uma antiga exigência do movimento pela casa
própria, a saber, a construção da casa própria sob o lema da ”ajuda para a auto-ajuda”. Por meio da contribuição
própria, consubstanciada no trabalho, os custos por unidade habitacional foram reduzidos em até 40% (Novy
1994: 309 ss., 368 ss.). O programa da ”construção habitacional em regime de mutirão” foi violentamente
criticado por Maluf, cujo financiador mais importante foi o setor de construção civil. Também aqui uma política
habitacional própria constatava inicialmente que o velho sistema fracassara e inovações radicais, reformas
qualitativas estavam na ordem do dia. O ”Projeto Cingapura”, concebido em analogia a experiências feitas em
Cingapura, foi apresentado como solução do problema das favelas. Esse projeto distinguia-se das estratégias
convencionais de governos conservadores em São Paulo, para as quais a solução do problema das favelas quase
sempre consistira na demolição das mesmas. O planejamento urbanístico da década de 1920 optara pela mesma
estratégia também para os cortiços no centro da cidade. O ”Projeto Cingapura” retomou uma exigência central do
movimento pela casa própria e da esquerda, a saber, o direito de não ser expulso. Muito pelo contrário, a
verticalização tinha por objetivo aumentar o espaço habitacional disponível. Criaram-se habitações alternativas
para o período da construção. Antes do levantamento das casas de vários andares eram realizadas as necessárias
obras de infraestrutura e urbanização da favela. Para habitações de 42 m2 os moradores tinham de pagar uma
espécie de aluguel no valor de R$ 57,00. Esse projeto, denominado ”maior projeto social do país”, visava a
urbanização de 47 das 1900 favelas de São Paulo (em números redondos, 3% de todas as favelas do município),
sobretudo ao lado das principais vias de tráfego e na proximidade dos Shopping Centers e de outros pontos muito
freqüentados. A crítica ao Projeto Cingapura dirigiu-se também aqui contra o estilo autoritário que não envolvia
os moradores afetados na tomada das decisões. Ao mesmo tempo o governo municipal interrompera todos os
outros programas de construção de habitações, sobretudo a construção em regime de mutirão. Por isso 9000
unidades habitacionais estavam construídas apenas pela metade. Um elemento decisivo da estratégia malufista
baseou-se, como no governo federal, no princípio do primado da qualidade sobre a quantidade. Em meados dos
anos 90 havia 1.901.803 favelados em São Paulo. Maluf prometeu 120.000 habitações e construiu 10.479, Pitta
construiu em 1997 3.450 habitações: não havia nenhum nexo entre o problema e a sua solução (Bonfim 1998)!

O PT fez a tentativa de introduzir a tarifa zero nos transportes públicos. Isso representa uma forma de
renda básica local e teria ajudado sobretudo os pobres, que utilizam especialmente os meios de transporte
público. Já que até 24% do custo total correspondiam à despesa com a arrecadação das passagens, teria sido
necessário subsidiar apenas um valor bem mais reduzido. Aqui o governo municipal propôs um financiamento
por meio do aumento do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). Como a maioria das medidas que visam
uma redistribuição, esta também não foi implementada (Singer 1996: 137-160). Além disso havia no transporte
público uma concorrência entre a empresa municipal CMTC (Companhia Metropolitana de Transporte Coletivo)
e as empresas particulares de ônibus. A administração da CMTC era um dos maiores desafios do governo do PT.
A relação com o sindicato controlado pelo PT sempre foi conflitiva. Foram realizadas várias greves que
35
Na época do primeiro crescimento espectacular da cidade (1900 a 1922) a densidade demográfica caiu na parte urbanizada
da cidade de 110 habitantes/ha para 47 habitantes/ha, para cair até 1960 para 24 habitantes/ha (Aguerre 1995: 110).
36
Slum Clearing é a melhoria de um bairro degradado (slum). O resultado é a entrada de novos moradores e a expulsão dos
moradores do bairro para outras áreas.

110
111

paralisaram a cidade. O mix institucional de ofertadores privados e públicos foi refinado por uma
municipalização do transporte público. A partir desse período as empresas receberam somente 20% do seus
custos reembolsados em proporção ao número de passageiros transportados e 80% do pagamento total em
proporção à distancia percorrida. Com isso visava-se reduzir a superlotação dos ônibus. Com a sua crítica do
transporte público e especialmente também da CMTC, Maluf podia contar com o respaldo de amplas partes da
população. Ao invés de impulsionar a difícil tarefa de uma reforma da CMTC, ele aproveitou a oportunidade
para privatizá-la. Com isso ele pôs termo ao arranjo institucional introduzido no setor de saúde com a criação do
PAS. Mas ele preservou a municipalização, isto é, o pagamento das empresas por quilômetro rodado. Com a
privatização o sindicato dos motoristas perdeu em grande parte o seu potencial de ameaça. Em 1997 não foram
os motoristas que ameaçaram entrar em greve, mas os empresários, depois que a administração municipal atrasou
os pagamentos (Huertas 1997). Além disso, o abandono do transporte público por parte da administração
municipal evidenciou-se no maior interesse em fomentar o transporte individual motorizado, que recebeu um
forte impulso com a construção de grandes projetos de avenidas. Mas as medidas fomentadoras do tráfego de
automóveis, cujos efeitos em termos de técnica do tráfego foram visivelmente catastróficos, tiveram a
significativa vantagem indireta de provocar uma valorização dos imóveis nas áreas abertas ao tráfego. Isso não
foi atraente para os moradores já estabelecidos, mas para as empresas imobiliárias interessadas na implementação
de grandes projetos. A ligação orgânica dessas empresas com Maluf estava amplamente documentada (FSP de 6
de agosto de 1997).

A administração municipal petista de 1989 a 1992 estava comprometida com um planejamento


democrático e não queria repetir os erros de um planejamento tecnocrático. Por isso ela partiu de uma concepção
de planejamento que incluía a questão da implementação de medidas. De acordo com essa concepção, cabia ao
órgão de planejamento urbano criar um espaço público no qual se pudesse discutir sobre a configuração da
cidade. Esse enfoque de planejamento não se ocupou mais com a utopia da cidade boa, mas procurou realizar
uma cidade melhor (cf. Castells 1983: 335-337). A Secretaria Municipal de Planejamento (Sempla) do governo
petista viu com razão que um reordenamento da destinação das áreas desempenharia um papel central em uma
estratégia voltada para a inversão das prioridades. O velho Plano Diretor datava de 1971, o novo plano,
apresentado por Jânio Quadros, não foi aprovado pela Câmara de Vereadores, mas não obstante entrou em
vigor37. Mas como os dois planos formulavam os objetivos visados e fixavam os zoneamentos, a sua eficácia foi
extremamente reduzida - não em último lugar, porque destinações individuais eram adaptadas em cada caso. O
modelo do PT consistiu em um reordenamento e uma simplificação integrais da destinação das áreas. No lugar da
fixação de zoneamentos deveria entrar em ação um mecanismo que permitisse utilizar o solo de forma mais
intensa, se a administração municipal fosse indenizada pelos custos infraestruturais advenientes. O modelo
implicava um único coeficiente aproveitamento para toda a cidade, simplificando assim radicalmente a política
de zoneamento38. Na seqüência, a administração municipal definiu uma quantidade de área a ser construída por
região. Os direitos de utilização para um aproveitamento mais intensivo seriam vendidos pela administração
municipal a particulares interessados. Assim teria surgido um mercado para o aproveitamento intensivo de terras
urbanas. Com as receitas assim arrecadadas deveria ser criado espaço habitacional para as camadas baixas.
Apesar de esforços intensos nesse sentido, não foi possível implementar nem a versão originária com o seu efeito
redistributivo claro, nem o princípio como tal (Singer 1996: 161-194).39 Nos anos subseqüentes o alcance do
mecanismo de uma simplificação radical do aproveitamento do solo foi compreendido mais pela direita do que
pela esquerda. No decorrer das ”operações urbanas” já introduzidas pelo PT, foram concedidas licenças especiais
para os investidores contra uma contribuição especial ao erário municipal ou contra investimentos privados
adicionais de interesse público, tais como a instalação de uma praça, a melhoria do arruamento vicinal etc.
Justamente esse mecanismo foi assimilado por Maluf, pois ele permitia uma flexibilização das regras. Em uma
conjuntura nova, em meio a uma nova relação das forças políticas no município, a flexibilidade com a qual o
novo mecanismo foi tornado palatável para o setor imobiliário foi apresentada como inovação social. Mas as
concessões exigidas por Maluf do setor imobiliário não se aproximavam nem de longe dos montantes que o
governo petista tinha objetivado reter, pois este último tinha pensado em embolsar, em números redondos, 70%
dos lucros de valorização obtidos na especulação imobiliária. Eis um exemplo de como técnicas sociais podem
suscitar um efeito contrário, depois de feitas pequenas adaptações.

37
Isso foi possível, pois em fins de 1988 a nova constituição tinha sido promulgada, mas ainda não tinha entrado em vigor.
Mas valia ainda a regulamentação do tempo da ditadura militar, de acordo com a qual a não-ocupação de iniciativas
legislativas apresentadas pelo Executivo, por parte do Legislativo, conduziam automaticamente à sua aprovação.
38
O coeficiente de aproveitamento expressa a relação entre a área coberta e a área total.
39
Em sua retrospectiva, o então Secretário Municipal do Planejamento Paul Singer (1997: 27) credita isso menos à
resistência do setor imobiliário, mas à resistência vinda das próprias fileiras. ”Via de regra”, definições de regras interessam
menos do que medidas concretas.

111
112

O governo petista iniciou já em 1990 um amplo processo de discussão sobre o desenvolvimento da


cidade e o Plano Diretor. Publicou um livro próprio (Rolnik et al. 1990), no qual apresentou um diagnóstico da
cidade que deveria servir de base para a discussão. Sob o governo de Maluf a discussão morreu, e apenas em
1997 Celso Pitta apresentou um novo Plano Diretor, fortemente criticado, cujo argumento central era utilizar as
regiões centrais de modo ainda mais intenso, pois elas ainda conteriam infraestrutura livre. O setor imobiliário
deveria, segundo esse plano, poder comprar da administração municipal um coeficiente de aproveitamento mais
elevado (Sempla 1997). A oposição criticou a falta de uma discussão pública e o fato de que se estaria, mais uma
vez, diante de uma lista de desejos cuja realização não seria possível sem mecanismos para dirimir conflitos.
Zonas residenciais tradicionais, bem situadas e próximas ao centro, temiam ser rodeadas por arranha-céus. Mas
com a apresentação do plano o governo municipal criou para si possibilidades de uma atuação flexível: por um
lado a política convencional de zoneamento permite assegurar a elevada qualidade de vida de bairros residenciais
simpáticos ao governo, mediante medidas de zoneamento, promovendo por assim dizer uma política de guetos
exclusivos (Bógus, Montali 1994: 167). Por outro lado, as possibilidades da troca política com o setor
imobiliário também se flexibilizaram, pois o zoneamento rigoroso podia, se desejado, ser substituído por um
processo de barganha.

Paradoxalmente Mário Covas, o prefeito não eleito da transição a um regime democrático, foi
responsável por importantes ênfases na política em prol da democracia, aceitando a sociedade civil como ator
local autônomo. Mas no governo do seu sucessor Jânio Quadros esses enfoques participativos acabaram sendo
esquecidos. O interesse central do governo petista foi institucionalizar a cogestão e descentralizar o poder. A
sociedade civil estava inserida nos processos decisórios por meio de comissões e conselhos. Maluf rompeu
abertamente com a tradição do PT nas áreas da democracia e da cogestão, empenhando-se por modelos
organizacionais de natureza centralista. Estes não foram apresentados como autoritários e pertencentes à tradição
da ditadura, mas ”à altura dos tempos” e ”empresarialmente eficientes”. As administrações regionais eram um
elemento importante das estruturas clientelistas e serviam como esteios do sistema centralizado de poder.40
Alterações nessa esfera da estatalidade eram sistematicamente impedidas pelo bloco de poder, pois o poder dos
vereadores não consistia tanto na sua influência na Câmara, que se subordinava em ampla escala aos desejos do
Executivo. Mas os vereadores faziam valer a sua influência por meio do envio de pessoas de confiança a
posições centrais da administração municipal. A maioria dos vereadores se apoiava em uma base eleitoral com
forte concentração regional. Por isso as administrações regionais também eram tão importantes, e depois de cada
eleição se negociava duramente sobre quem poderia nomear que administrador regional. Nas administrações
regionais praticava-se abertamente a política do ”é dando que se recebe”, na qual as pessoas importantes da
região precisavam ser atendidas. Se a administração regional trabalhava bem, a reeleição não enfrentava nenhum
obstáculo. Abstração feita de um locutor de rádio, os vereadores mais votados nas eleições de 1996 detinham o
controle sobre uma administração regional. A concessão de cargos segundo critérios puramente pessoais
produziu em toda a estrutura administrativa uma fragmentação e ”privatização do Estado”. A partir de 1997 os
conselhos comunitários deveriam controlar as administrações regionais. Mas à diferença do governo petista,
esses conselhos não se compunham de representantes eleitos pela população, mas eram escolhidos pelo prefeito a
partir de listas propostas por organizações locais da sociedade civil (clubes, SABs etc.). Uma parte da sociedade
civil, simpática ao Estado, tinha o direito de controlar o conselho.

O orçamento paulistano é ’política fundida em números‘. Se no plano discursivo freqüentemente é


difícil compreender os interesses dos atores e as estratégias do poder, estas se tornam meridianamente claras na
análise do orçamento no caso de São Paulo. A repartição dos gastos totais evidencia uma clara diferença entre o
governo petista (1989-1992) e os dois governos de direita antes (Jânio Quadros 1986-1988) e depois dela (Paulo
Maluf, a partir de 1993). Nas tabelas a seguir os dados referentes aos diferentes governos municipais são
apresentados alternadamente com fundo sombreado e fundo claro, para efeitos de maior compreensibilidade. A
política orçamentária de Mário Covas (1983-1985) apresentou semelhanças com a de Luiza Erundina. No setor
educacional as despesas proporcionais apresentavam uma tendência para a queda tanto no governo de Jânio
Quadros como no de Maluf, ao passo que essa tendência era menos nítida nos setores da saúde e habitação.41 Em
contrapartida, no setor ”construções e instalações” esses dois governos apresentavam uma tendência ao aumento
40
Estina (PPB) recebera em Capela do Socorro em 1992 6.729 votos e em 1996 34.572. Paiva (liberal) recebera em Penha
em 1992 661 votos e em 1996 12.767 votos. Faria Lima recebera em 1992 em Jabaquara 455 votos e conquistou, depois de
ter sido administrador regional, 6116 votos nas eleições de 1996 (Novy 1998: 354 s.).
41
Os gastos totais para manutenção e construção de escolas cifraram-se apenas em 4% dos gastos para a construção e
pavimentação de ruas (Nardi 1998). Esses gastos ficaram abaixo dos 25% de gastos no setor educacional prescritos na
Constituição Federal ou dos 30% de gastos no mesmo setor definidos como obrigatórios na Lei Orgânica do Município.
Tudo somado, o valor atingia R$ 327 milhões e teria sido suficiente para construir todas as escolas e creches previstas no
orçamento e não-realizadas (Huertas 1998).

112
113

dos gastos. A política orçamentária do PT foi inversa. Nos setores da educação, saúde e habitação a proporção
aumentou e durante o governo petista os valores ficaram claramente acima dos dos governos direitistas. Uma
primeira referência ao estilo orçamentário populista da direita se pode ver na evolução do item ”construções e
instalações”. No governo de Jânio Quadros a participação percentual no ano das eleições aumentou para 31 (de
15,8), no governo de Maluf já se pôde constatar no ano anterior à eleição um aumento para 21,1 (de 14,9). Em
números absolutos, a queda nos setores de saúde e educação durante o governo de Maluf não é tão nítida; já nas
obras públicas o aumento de 726 milhões para 1.291 milhões de reais é impressionante. A fama de ”construtor”
de Maluf foi tão justificada como a do PT de ter sido o governo ”em prol da educação e da saúde”. As
empreiteiras estavam entre as empresas que deram as maiores contribuições para as campanhas eleitorais de
Maluf.

Tabela 34: Despesas, Município de São Paulo, segundo setores, posições selecionadas, 1980 - 1995, em milhões
de R$ (1996)

1980 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995
gastos totais 3.473 3.357 3.786 3.908 4.744 4.479 5.092 5.338 4.535 4.535 5.109 6.473
educação 449 509 652 536 501 678 795 903 830 635 723 829
saúde 353 386 460 489 658 607 903 888 929 736 802 981
habitação 665 486 590 633 738 648 785 798 731 670 741 985
construções e 514 411 379 616 1.469 425 649 451 639 760 762 1.291
instalações
Fonte: www.seade.gov.br (28 de julho de 1997)

Tabela 35: Despesas, Município de São Paulo, segundo setores, em % dos gastos totais, 1980 - 1995

1980 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995
educação 12,9 15,1 17,2 13,7 10,6 15,1 15,6 16,9 18,3 14,0 14,1 12,8
saúde 10,1 11,4 12,1 12,5 13,9 13,5 17,7 16,6 20,5 16,2 15,1 16,2
habitação 19,1 14,5 15,6 16,1 15,6 14,4 15,4 14,9 16,1 14,8 14,5 15,2
Construções e 14,7 12,2 10,0 15,8 31,0 9,5 12,7 8,4 14,1 16,8 14,9 21,1
instalações
Fonte: www.seade.gov.br (28 de julho de 1997)

Tabela 36: Despesas, Município de São Paulo, segundo tipos de gastos, em % dos gastos totais, 1980 - 1995

1980 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995
pessoal e encargos 23,5 29,2 35,8 23,0 19,3 31,3 28,7 31,6 30,6 24,3 24,0 21,1
sociais
juros + n.d. 16,3 13,8 21,1 14,3 14,4 7,3 7,8 7,2 6,5 16,4 16,0
amortizações
investimentos 23,3 15,0 13,5 18,6 32,6 11,8 16,4 13,8 20,5 20,9 18,7 26,4
Fonte: www.seade.gov.br (28 de julho de 1997)

Tabela 37: Receitas, Município de São Paulo, em % das receitas totais, 1980 - 1995, posições selecionadas
1980 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995
receitas próprias 50,5 42,5 n.d. n.d. 37,7 51,7 48,2 53,0 60,3 53,7 51,1 40,8
receitas tributárias 40,9 33,7 39,2 32,2 26,5 23,2 35,9 36,3 34,6 28,1 39,5 33,5
IPTU 17,4 9,3 9,9 6,5 4,6 2,6 6,7 10,7 4,3 3,6 8,0 8,2
cota-parte do 32,6 31,6 38,1 28,2 25,6 336,0 39,9 27,6 28,0 26,6 30,9 21,7
ICMS
cota-parte do n.d. 35,4 - - 28,8 38,9 43,6 33,9 31,9 38,2 42,5 -
Fundo de
Participação dos
Municípios
Financiamento do 14,2 19,7 7,4 27,6 31,6 8,6 7,1 11,5 6,2 15,1 12,2 28,7
crédito
Fonte: www.seade.gov.br (28 de julho de 1997)

113
114

A distribuição segundo tipos de gastos também revela diferenças claras. Como era de se esperar, os gastos com
pessoal do governo petista foram nitidamente superiores aos dos outros. Mesmo se o levantamento dos gastos
com pessoal é difícil, pode-se inferir as causas dessas despesas elevadas. Elas estão estreitamente relacionadas
com gastos nas áreas da educação e da saúde, isto é, com investimentos em áreas-chave do Estado. Mas mesmo
em outras posições pode-se constatar diferenças importantes. Maluf terceirizou muitos setores (sobretudo os
transportes), razão pela qual os gastos de pessoal aparecem agora em termos meramente contábeis como
pagamentos por serviços prestados por empresas privadas. O PT foi o único governo que logrou reduzir o serviço
da dívida, embora tivesse herdado um endividamento elevado de Jânio Quadros. A política fiscal rigorosa da
esquerda contrastou com o ”populismo econômico” da direita. Os investimentos maciços feitos pelas
administrações de direita, sobretudo no fim dos seus mandatos, foram efetuados sempre por meio de
endividamento. Essa estratégia foi extremamente perigosa diante da política de juros elevados do governo
federal. A estrutura das receitas apenas complementa o quadro já obtido. Mas nesse caso há uma diferença entre
Jânio Quadros e Paulo Maluf. Jânio Quadros, egresso da tradição de governos conservadores, foi responsável por
uma redução da arrecadação tributária de 38,1% a 25,6% das receitas globais do município. Essa é a estratégia
típica de destruição do Estado e da sua capacidade de cumprir os seus compromissos. O PT tentou ampliar o
espaço de atuação local. Até 1991 as receitas tributárias aumentaram nitidamente. Em 1992 foi realizada uma
campanha da mídia contra a proposta da administração municipal de tributar mais os 50.000 maiores terrenos. A
campanha desembocou em um boicote tributário extremamente eficaz que contribuiu, ao lado de problemas de
ordem fiscal, também substancialmente para a deslegitimação do PT (Eder 1997: 168-172). Maluf apoiou esse
boicote e beneficiou-se dele. Mas uma vez eleito, ele não alterou em nada a política tributária de Luiza Erundina.
A sorte do PT, combatido pelos governos federal e estadual e pela parte conservadora da sociedade civil, foi que
a reforma constitucional conduziu inicialmente a montantes mais elevados de pagamentos obrigatórios de
transferência. São Paulo conseguiu assim aumentar a sua participação em 45%.42 A recessão no início dos anos
90 atingiu duramente a administração municipal. A participação dos impostos nas receitas chegou até a aumentar
fortemente no governo de Maluf. Mas em 1995 as receitas caíram em decorrência do ICMS na esteira da
centralização pelo FES. Por isso Maluf se viu obrigado a recorrer na realização dos seus programas ambiciosos
de obras públicas ao financiamento por créditos. Durante o governo de Jânio Quadros o financiamento com
créditos aumentou nos três anos de R$ 234 milhões a R$ 976 milhões e finalmente a R$ 1.103 milhões. Durante
o governo do PT não houve nenhum ciclo eleitoral, o financiamento com créditos permaneceu em nível baixo.
Durante o governo de Maluf ocorreu somente do segundo para o terceiro ano um aumento de R$ 575 milhões
para R$ 1.964 milhões! Já não admira mais que o governo Maluf também não tenha mais fornecido dados sobre
o montante do seu endividamento ao instituto estadual Seade a partir de 1995. A ocultação de dados
orçamentários é parte essencial de uma política orçamentária irresponsável. Tal política, perfeitamente
costumeira em tempos de evolução dinâmica da economia, revelou-se catastrófica durante a acumulação
estagnante combinada com a política de juros altos. Maluf conseguiu iludir os eleitores, mas os problemas
atingiram o seu sucessor com toda a dureza. Desde 1997 Celso Pitta se defronta com sérios problemas
financeiros. De início eles eram considerados problemas de liquidez, mas eles se revelaram cada vez mais como
crise de insolvência.43 As relações de poder sofreram um deslocamento fundamental: da sociedade civil composta
por cidadãos, que faz exigências ao Estado, na direção de algumas empresas que vêem o Estado como cliente
mau pagador, embora façam negócios razoáveis com ele. Com 41,4%, o indicador dos custos de pessoal da
cidade de São Paulo, considerado de central importância pelo governo federal, foi muito baixo (Mare, 4 de
outubro de 1997).44 Mas com base na reforma constitucional de 1988 valia sobretudo para os municípios que o
custo crescente do funcionalismo estava relacionado com a responsabilidade crescente dos municípios (Melo
1996: 19). Municípios que não aumentavam o seu quadro de pessoal não eram necessariamente eficientes, mas
42
No Estado de São Paulo, o aumento dos municípios foi em média apenas de 31%, o que, no entanto, anulou apenas a forte
preferência dada antes aos municípios menores (cf. Novy 1998: 359).
43
As empresas privadas de ônibus, os operadores privados do PAS e as empresas privadas de coleta de lixo ameaçaram tomar
medidas de combate, caso o governo municipal não pagasse. As empresas de ônibus receberam R$ 20 milhões para não
entrar em greve, as cooperativas do PAS R$ 135 milhões, as empreiteiras R$ 13 milhões, para que o ”Projeto Cingapura” não
parasse e as empresas de coleta de lixo R$ 30 milhões, para evitar uma greve. As empreiteiras, entre outras também as do
”Projeto Cingapura”, têm créditos a receber de R$ 330 milhões, R$ 235 milhões oriundos do governo Maluf. Creches são
obrigadas a fechar ou rescindem os seus contratos com o município por causa do atraso de pagamentos. Em 1996 o governo
municipal pagou apenas 67,9% dos recursos previstos no orçamento, até dezembro de 1997 apenas 42,1%.Além disso existe
uma política de terceirização, razão pela qual o número de creches diretamente administradas caiu de 400 (1992) a 293
(1997). A administração municipal fundamenta isso com a flexibilidade maior, possibilitada por essa política. O Secretário
da Fazenda do Município indicou como razões da crise que as receitas do ICMS teriam regredido e que compromissos de
curto prazo no montante de R$ 1,2 bilhões, herdados da administração de Paulo Maluf, deveriam ser pagos (Novy 1998: 360
s.).
44
A cidade pagava 156.000 funcionários, 113.000 na administração pública, 33.000 pensionistas e 10.000 nas empresas
municipais ou em empresas terceirizadas (Huerta 1998).

114
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podem simplesmente ter negligenciado o setor da prestação de serviços públicos.45 Sob o governo de Jânio
Quadros, a dívida consolidada do município de São Paulo saltou de R$ 2,3 bilhões (1986) a R$ 8,3 bilhões
(1989). A administração petista reduziu-a a R$ 2,7 bilhões (1992) e R$ 2,2 bilhões (1993) (www.seade.gov.br de
14 de abril de 1999). Em 1997 toda a dívida do município se cifrava em R$ 9 bilhões, ultrapassando assim o
montante do orçamento municipal. Não apenas no plano do governo federal, mas também na cidade de São Paulo
os governos de direita forçaram o Estado para a armadilha do endividamento.

45
Paulo Maluf e Celso Pitta estão enredados em uma longa lista de acusações que foram em boa parte confirmadas ou não-
refutadas. A gama se estende de fraudes com títulos da dívida municipal, que custaram R$ 10,7 milhões aos cofres da cidade,
até a compra superfaturada de galinhas de parentes de Maluf pela prefeitura e uma declaração de renda falsa de Pitta. Uma
CPI do Congresso ocupou-se com a fraude dos títulos da dívida municipal que trabalhou com eficiência até o momento de
Maluf retirar a sua candidatura à presidência. Depois as irregularidades foram registradas, mas os responsáveis pelas decisões
foram exonerados das acusações mais graves (Novy 1998: 361).

115
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4 O reordenamento da des-ordem

”A burguesia quer ficar rica.


Enquanto houver burgesia,
não haverá poesia”
(”Burguesia” de Cazuza )

As explanações dos capítulos precedentes representaram os poderes sobre o espaço e os espaços de poder no
Brasil, relevando uma dialética de estabilidade e instabilidade na estrutura fundamental da des-ordem. Por um
lado, surgiu a impressão de que nada estaria mudando no Brasil, de que sempre os mesmos grupos estariam
estabilizando com recursos sempre iguais o seu poder por séculos a fio. Nas profundezas da estrutura ocorreria
apenas um ”desenvolvimento do subdesenvolvimento” (Frank 1969), Assim as mudanças, que apesar disso
podem ser constatadas, seriam apenas fenômenos de superfície, de acordo com o princípio de que alguma coisa
deveria mudar para que tudo permanecesse como está. Por outro lado, foi necessário constatar a permanente
sensibilidade a crises de acumulação e regulação. A posição periférica do Brasil parece ainda reforçar as
instabilidades do desenvolvimento capitalista. O freqüente recurso à violência e coerção e a repetida mudança de
regime seriam, por conseguinte, fenômenos de superfície conexos com o campo de poder construído sobre
fundamentos incertos. Os dois capítulos seguintes retomam a discussão sobre o desenvolvimento do Brasil e
resumem-na com vistas à dialética de ordem e des-ordem. De início lançaremos um olhar sistêmico sobre a
estabilidade do Brasil. A análise em termos de teoria da regulação proveu-nos dos fundamentos necessários para
tal fim. Mas o olhar sobre as crises e os seus atores exige uma análise da conjuntura, isto é, a integração da
análise da estrutura e da ação.

4.1 A lenta transformação dos campos do poder

Antes da Independência em 1822 não há como falar de um campo autônomo de poder no Brasil. Os atores in
loco não dispuseram nem política, nem economicamente de uma margem de ação digna de menção. O
colonialismo constituiu a dependência política de Portugal e da sua nobreza, que canalizou o excedente
produzido in loco para a Europa. O palco local era formado pela fazenda e pelo engenho de açúcar, organizados
de modo autoritário-hierárquico e lugares da produção na colônia. Também aqui valia que o grande poder para
dentro da unidade de produção açucareira enfrentava o reduzido poder para fora, no processo de comercialização
no mercado mundial. Esse espaço de entrelaçamento econômico era dominado pelo capital comercial
internacional que monopolizava a importação e exportação de mercadorias. A conquista da América serviu à
transferência transcontinental de riquezas, concebida como empreendimento político-econômico. Como Portugal
era fraco demais para realizá-lo apenas com suas próprias forças, restringiu-se a organizar o espaço de
entrelaçamentos políticos necessário para o redirecionamento - mediante impostos, taxas e monopólios. Controlar
tais redes era mais importante do que trabalhar no próprio processo produtivo. A coroa portuguesa tentou deixar
intocado o campo de poder, assegurar a ”ordem” dos privilégios estamentais hierarquicamente definidos. Mas a
fraqueza externa de Portugal fez com que a supremacia territorial não se consubstanciasse na consolidação
duradoura de seu espaço de poder, nem na Europa nem na América. Os excedentes gerados na colônia
oxigenaram os centros do capital comercial da Europa Ocidental e financiaram o consumo de luxo dos favoritos
da corte lisboeta. Enquanto espaço de entrelaçamento, o comércio mundial dominado pelas potências do centro
determinou as estruturas locais de poder. Nos diferentes sistemas de produção organizados à maneira de um
arquipélago e orientados para a exportação, o preço do açúcar, do ouro e do café era um ponto nodal
determinado por uma instância externa: às vezes fortalecia, em outros momentos enfraquecia esses espaços.
Como o Brasil só podia influir de forma muito restrita no preço das matérias-primas e como além disso os preços
oscilavam fortemente, atribuiu-se ao Brasil uma posição subordinada - periférica - na economia mundial. A
Inglaterra tornou-se potência dominante. No curto prazo, o ouro brasileiro da economia mineradora aliviou
Portugal de medidas de adaptação na esteira da crise da cana de açúcar e seduziu o país a continuar desistindo de
uma política de industrialização protecionista, Como a forma estrutural da concorrência estava orientada para e

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117

dominada por fora, no plano interno a acumulação foi dificultada, bem como foi impedido o surgimento de um
modo de regulação estável.

São Paulo ficava à margem dessas evoluções, pois os entrelaçamentos transatlânticos se concentravam
no espaço que era capaz de produzir excedentes, na região açucareira do Nordeste. Por essa razão o campo
regional de poder em São Paulo organizou-se menos econômica, mas primordialmente militar e politicamente;
baseou-se no exercício direto da violência, no poder das armas, seja para capturar índios ou para manter os
escravos trabalhando. Devido à reduzida complexidade do assentamento dos colonos portugueses, o poder
permaneceu personalizado por muito tempo. Por um lado a Europa desempenhava, pela via das exportações e
importações de mercadorias e do controle político de Portugal, um papel-chave também nessa fase, mas a
dependência de São Paulo era menor do que a do Nordeste, em virtude do grande setor de subsistência. São
Paulo era mais pobre e por isso tinha menos a perder em crises. Só tardiamente o mercado mundial passou a
ganhar importância como instituição econômica central, com o açúcar e o café. Durante séculos, um grupo de
homens de famílias influentes exerceu a dominação local em São Paulo; os bandeirantes eram o grupo mais
dinâmico. Pode-se falar de um bloco de poder regionalmente dominante somente no séc. XIX, quando a
sociedade começa a diferenciar-se. Ele era controlado pelos barões do café. Ao lado do comércio, aumentou o
papel do capital estrangeiro no financiamento do desenvolvimento; aumentou a influência da Inglaterra nos
orçamentos regional e nacional. Ao ingressarem na produção industrial nacional, os barões do café construíram
regionalmente a sua posição dominante e lograram também subordinar a política do governo federal aos seus
interesses.

Em 1822 a Independência lançou as bases para que a dinâmica política começasse doravante a separar-
se da dinâmica econômica. No curso do séc. XIX, a primeira levou à constituição da nação em estado-nação; a
segunda adaptou os entrelaçamentos transatlânticos à realidade pós-colonial, de acordo com a qual a influência
internacional direta devia se dar de forma primacialmente econômica. A influência política de fora para dentro do
território precisava agora exercer-se de forma mediada por intermédio dos detentores nacionais do poder. Isso
levou a uma mudança da forma concreta do capitalismo. O capitalismo comercial dos séculos precedentes
transformou-se crescentemente num regime de acumulação dominantemente extensivo. As relações capitalistas
de produção in loco aumentaram, igualmente os entrelaçamentos creditícios mais estreitos com o exterior. Com
isso mudou a estrutura da dependência. Subsistiram as relações comerciais que o grande comércio controlava e o
Estado beliscava, mas elas perderam em importância diante dos entrelaçamentos de capitais. Com a evolução das
estruturas capitalistas no Brasil e a expansão territorial das relações de mercado aprofundou-se também a
dependência dos centros capitalistas. Bens de produção e instalações de infraestrutura foram criados, mas não
produzidos no Brasil - configurando uma causa adicional da dependência externa. O regime de acumulação
extensiva permaneceu incompleto.

Com o fim do Império a estrutura territorial do antigo bloco de poder se alterou; a formação de um
bloco nacional foi impedida pela descentralização, o fortalecimento do plano nacional postergado por 40 anos.
Na base da fragmentação política havia uma continuidade da dominância social e econômica do velho bloco de
poder. A partir de agora a oligarquia agrária, já não mais proprietária de escravos, baseou o seu poder nos planos
local e regional cada vez mais na propriedade fundiária. Os governadores e os estados eram o ponto nodal
político do poder. A dependência externa deslocou-se do capital comercial comprador e vendedor de
mercadorias na direção do capital financeiro que financiava o endividamento do Estado e investia diretamente na
ampliação da infraestrutura. Com isso aumentou a dependência ”externa” dos atores no plano ”interno”;
aumentou a dependência dos estados do capital britânico. Essa dependência foi mais reduzida na região cafeeira,
pois o grande excedente regionalmente produzido ensejava uma margem de ação. Mesmo na sua metamorfose
em capital industrial e comercial, o capital cafeeiro permaneceu em elevado grau regionalmente controlado.

Entre 1930 e 1980 constituiu-se um regime de acumulação estável e um modo de regulação


relativamente estável, um fordismo periférico. A ação reproduzia-se em lógicas institucionalizadas de ação; estas,
por sua vez, estavam harmonizadas com a forma social e a sua posição na totalidade da estrutura capitalista. O
estado-nação era o ponto nodal da regulação. Para esse tipo de acumulação política ele precisava atuar como
Estado ampliado. Isso facilitava o controle político. A forma concreta era o corporativisimo estatal e a ocupação
de posições no aparelho de estado por atores não-estatais. As empresas harmonizavam as suas próprias
estratégias não somente com o mercado, mas também com a burocracia estatal. A visão do Estado enquanto
protetor de interesses empresariais consolidou-se em forma institucional. Isso se coadunava às mil maravilhas
com a estrutura global. A relação salarial foi igualmente regulamentada de forma essencialmente estatal, seja por
intermédio do salário mínimo ou por intermédio do controle pelos sindicatos. Os conflitos salariais tendiam à
politização, tanto por parte das empresas quanto por parte dos trabalhadores. No Brasil a regulação nunca esteve

117
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vinculada unicamente a relações fordistas de trabalho. A fixação do salário mínimo assegurava apenas um salário
de subsistência, o acoplamento de aumentos de produtividade e evolução do salário real, típico para países
industrializados, praticamente inexistiu no Brasil. Essa regulação estatalmente controlada prestava-se sobretudo a
regimes ditatoriais, mas em regimes democráticos a regulação estatal sempre provocou resistências maciças do
empresariado. A relação de concorrência era determinada nacionalmente mesmo para as empresas
multinacionais, que no entanto concorriam entre si no mercado nacional, estruturado de forma oligopolista. A
lógica de ação das empresas, orientada para o mercado interno, mostrava-se e.g. na dominação maior do mercado
nacional pelas empresas paulistanas. Desde 1956, essa lógica da produção e do comércio de mercadorias para o
mercado interno foi gradualmente minada pela transferência de tecnologia e sobretudo pelo financiamento
externo. A ”internacionalização do mercado interno” e o deslocamento conexo do controle para o exterior foram
uma ameaça constante à reprodução da estrutura produtiva nacional. Por fim o valor do dinheiro foi fixado
nacionalmente, encontrando-se para a inflação uma resposta institucionalizada na indexação.1

Com o modo de desenvolvimento centrado no estado-nação alterou-se a hierarquia, mas não a


composição do bloco de poder que se servia desse campo. Mais uma vez a oligarquia agrária pôde garantir o seu
lugar nesse bloco social concebido como pacto de não-agressão. No entanto, o seu papel foi meramente
defensivo, isto é, ela impediu uma transformação na distribuição da terra. Como novo grupo determinante a
indústria nacional, sobretudo a paulistana, entrou no jogo, e a partir dos anos 50 cada vez mais a indústria
estrangeira. A classe trabalhadora e a camada média não faziam parte do bloco de poder, mas adquiriram, pela
primeira vez na história brasileira, um lugar no jogo do poder. Sobretudo o populismo ampliou as margens de
ação para processos de trocas políticas das classes baixa e média. Esta foi a forma irracional da luta de classes
que era compatível com a estrutura concreta da des-ordem. Com a ”internacionalização do mercado interno”
adquiriram importância aquelas empresas multinacionais que tornavam permeável o recipiente do poder
autônomo nacional, por meio de investimentos diretos, transferência de tecnologias e remessas de lucros.

Nessas décadas São Paulo voltou-se de ”fora” para ”dentro”, do mercado mundial para o mercado
interno. Pôde tornar-se centro do espaço do poder nacional, porque controlava o setor-chave do capital industrial.
Promovia a integração nacional, primeiro como mercado interno, depois como sistema de produção. Ambas as
vezes São Paulo fortaleceu a sua posição central. Ganharam influência os interesses de capital orientados para o
mercado interno, sobretudo do capital industrial representado pela FIESP, acoplado aos interesses da burocracia
estatal nacional. O capital paulistano logrou consolidar a sua supremacia no mercado nacional tanto sob regimes
democráticos quanto sob regimes ditatoriais, a expensas de outros capitais regionais. Isso levou a uma
homogeneização da produção industrial no espaço nacional. A partir de 1974 o campo de poder econômico do
mercado interno, no qual a indústria de São Paulo era dominante, começou a perder importância. O mercado
interno estagnou e o comércio exterior não aumentou suficientemente para dinamizar o desenvolvimento
industrial. São Paulo começou mais uma vez a redirecionar o seu comércio exterior regional, afastando-se do
mercado interno na direção do mercado externo. Os entrelaçamentos econômicos em vias de internacionalização
abriram à cidade de São Paulo a possibilidade de constituir-se em centro de controle e decisões. O campo dos
serviços financeiros tornou-se cada vez mais importante. No campo nacional, dominado pelo regime financeiro,
São Paulo continuou dando as cartas.

Com o Plano Real o bloco dominante encontrou um novo arranjo institucional que abrangia
todas as formas sociais da regulação. A moeda foi regulada privadamente pelos mercados financeiros
internacionais e o Estado foi reestruturado, de modelo burocrático de government para modelo descentralizado
de governance. A concorrência não foi mais determinada pelos oligopólios nacionais no mercado fechado, mas
por oligopólios dominados de fora, que lograram formar-se na esteira da abertura unilateral do mercado. Por fim
o modelo corporativista-autoritário da organização do trabalho entrou em colapso. No seu lugar estabeleceu-se
um modelo competitivo, que foi em parte abertamente repressivo, mas produziu em grande parte um
deslocamento do poder na direção do capital, por meio da violência estrutural do desemprego. Esse foi um modo
de regulação que se distinguia fundamentalmente do fordismo periférico e foi implementado nos últimos anos
com uma rapidez insuspeitada. Tratava-se, no entanto, apenas da imitação de uma ruptura já efetuada em todos
os outros países latino-americanos; o Brasil usou assim o seu espaço de ação para desistir de uma estratégia
autônoma e inserir-se num movimento mais amplo.

1
Se a moeda não cumpre as suas funções de guardar valores e ser critério de aferição do valor, a forma social corre perigo.
Mas no Brasil se viu que a moeda indexada também pode cumprir essa função, quando a moeda nominal já não pode mais
fazê-lo.

118
119

4.2 A imponderabilidade do instante

Numa primeira rodada examinei, por meio da análise estrutural, o poder sobre o espaço e o espaço de poder em
termos cronológicos, como fases evolutivas subseqüentes. Ao foco econômico da análise estrutural foi
contraposta a ênfase em processos políticos na análise do palco do poder construído sobre um campo de poder.
Agora esses dois enfoques serão reunidos em uma análise da conjuntura, pois uma conjuntura é um determinado
tempo espacial no qual coincidem a política e a economia, a ação e a estrutura, eventos regionais e nacionais.
Assim uma análise da conjuntura une momentos aparentemente separados, razão pela qual os eventos e as
estruturas descritas nos capítulos precedentes agora podem ser representados de forma integrada. As análises de
estruturas e de ações e a representação separada dos diferentes planos espaciais são traduzidos para uma análise
simultânea, para tornar consciente a multiplicidade espacial de um momento histórico. Na pauta estão sempre a
contraditoriedade do desenvolvimento, a aparente irracionalidade dos atores e os resultados irracionais, em uma
palavra, a des-ordem da periferia. Devido ao seu estatuto perifério, o capitalismo brasileiro é de difícil regulação.
Isso explica em parte por que os grupos dominantes se aferram teimosamente a privilégios e por que existe uma
grande solidariedade entre as diferentes frações do capital. Florestan Fernandes se vê inclusive levado a não
reconhecer na história mais moderna do Brasil rupturas estruturais, mas apenas crises conjunturais (Fernandes
1987: 262).

Os navegadores portugueses eram guerreiros e aventureiros. Com suas espadas e caravelas eles abriam
caminho para o intercâmbio transatlântico. A civilização européia e a cultura ideal e material foram embarcados
para ultramar. A América forneceu os recursos materiais, os produtos primários e os metais preciosos, destinados
ao processo de produção na Europa. A força de Portugal sempre foi de natureza militar-política. A estrutura do
capitalismo europeu em vias de formação ameaçou Portugal similarmente à América. No plano econômico
Portugal praticamente não conseguia opor nada ao processo da ”destruição criadora”. Nesse dado está a raiz da
sua periferização na Europa. Por isso os donos do poder em Portugal especializaram-se cedo no campo do poder
político. Desenvolveram aqui técnicas de dominação que fizeram afigurar-se suportável aos grupos dominantes
in loco o seu papel periférico em termos mundiais. Essa técnica do poder constituiu o patrimonialismo como
forma de Estado distinta do feudalismo (Faoro 1997, cap. 1). O rei governava soberanamente e controlava os
pontos nodais do poder sobre o espaço, os senhores locais dominavam o espaço de poder das suas propriedades
rurais e eram de resto periféricos na topologia do poder. A primeira grande cesura que influiu na via evolutiva
brasileira por vários séculos foi a revolução portuguesa de 1383/85, 115 anos antes da conquista do Brasil. A
nobreza rural buscou estender seu poder econômico ao campo político. Quis transformar em nova rainha a
sucessora legítima ao trono, que no entanto era aparentada à casa real espanhola. Contra tal se armou a
resistência, amparada no argumento da defesa da soberania nacional. Em uma guerra de dois anos a nobreza rural
foi derrotada, fundando-se a Dinastia de Avis (1385-1580). A Lei de Sesmarias de 1375, que era em si
contraditória e subtraía à nobreza rural a propriedade, mas não a posse da terra, foi utilizada agora para
enfraquecer duradouramente a nobreza rural. A aristocracia territorialmente enraizada foi marginalizada, o nó do
poder estava agora na corte, no rei e nos funcionários e nobres palacianos, que se tornaram o estamento
dominante em Portugal (Faoro 1997: 45). O Estado, representado por esse novo estamento palaciano, tornou-se o
ator-chave do desenvolvimento econômico, as viagens de descobrimento e o colonialismo tornaram-se um
empreendimento estatal. O poder dos agentes da economia, fossem eles banqueiros, comerciantes, artesãos ou
simples camponeses, permaneceu restrito. Qualquer poder duradouro somente podia ser constituído em termos
econômico-políticos. Geograficamente, Portugal encontrava-se em posição vantajosa diante dos países
mediterrâneos, quando a inserção da África e da América na economia européia estava na ordem do dia. Tirou
partido dessa posição para dinamizar o comércio. Este, por sua vez, obedecia cada vez mais a uma lógica do
capitalismo comercial. Era necessário adiantar grandes somas de capital para financiar uma expedição que depois
do seu retorno talvez - frise-se: talvez - se revelasse um negócio altamente lucrativo. A demanda de
financiamento e o elevado risco exigiam uma organização desse empreendimento em termos de capitalismo de
Estado. Mas como o poder estatal estava concentrado nas mãos do estamento palaciano, este precisava participar
das receitas do comércio ultramarino, que beneficiaram a burocracia palaciana, não os produtores portugueses.
Por sua vez, os comerciantes portugueses e aqueles comerciantes que atuavam em Portugal perceberam logo que
sem a sua inserção na corte o seu sucesso econômico não seria duradouramente exitoso. Assim o aparelho
burocrático de Estado institucionalizou-se como minoria alheada da nação, com regras próprias e sem ligação
com o povo, com os governados (Faoro 1997: 93 s.). Nos séculos da dominação portuguesa essa des-ordem foi
também implementada no Brasil.

A primeira impressão dos portugueses foi a de um universo idílico. Mas essa impressão perdurou pouco
(Faoro 1997: 99-104). Cedo ficou evidente a necessidade de uma ordem militar-administrativa para organizar a

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colonização dos trópicos como grande empreendimento comercial. Em Portugal, esse eficiente empreendimento
da transferência de recursos para a Europa serviu apenas para fortalecer a des-ordem estamental parasitária. O
capital comercial transferiu os lucros para o Noroeste Europeu. O endividamento do rei junto às casas comerciais
estrangeiras tornava-o dependente delas, não obstante o seu monopólio político. O rei necessitava dos financistas
para poder manter o estilo de vida da corte lusitana, mesmo se o próprio país praticamente não gerava riqueza
(Faoro 1997: 116 s.). Por meio da doação grandes áreas de terras foram transferidas como unidades
administrativo-burocráticas ou capitanias aos favoritos para fins de utilização. Senhores absolutos in loco, os
capitães e governadores eram, nas relações com o exterior, meros ajudantes de ordens dos reis. Além disso
funcionários públicos específicos tinham competência para cobrar taxas e impostos alfandegários. O barão do
açúcar dominava seu respectivo espaço de poder como proprietário de escravos e patriarca, sem, contudo poder
influir no poder sobre o espaço. Não obstante, tinha muita importância para a colônia, pois por meio dele se
organizava a sujeição direta dos escravos e dos indígenas. No período de florescimento da economia açucareira
ele foi rico, o que lhe permitiu a transferência do estilo opulento de vida da aristocracia européia para a América.
Mas em tempos ruins ele só conseguia sobreviver por meio da exploração ainda maior dos seus subordinados. A
riqueza dos barões do açúcar era medida pela sua propriedade de escravos. O preço de escravos, por sua vez, era
ditado pelo comércio e sua lógica, à qual o barão do açúcar não tinha acesso. O cordão umbilical das relações
monetárias para a Europa fazia-se sentir de forma inequívoca. A Inglaterra estava interessada no livre comércio e
atingiu a sua maior influência no Tratado de Methuen, celebrado com Portugal em 1703, que interrompeu o
desenvolvimento industrial de Portugal (Furtado 1975: 78 s.). Os interesses locais de produção, organizados
como espaço de poder local, receberam apenas uma posição subordinada no campo de poder. O tamanho do
Brasil, as grandes distâncias e o afastamento dos produtores dos centros da administração portuguesa permitiram
uma autonomia da plantação e do engenho açucareiros que sempre era registrada com desagrado. No comércio
internacional, Portugal era um parceiro júnior que só podia beliscar os lucros. Mas o comércio local com sua
grande extensão geográfica abriu também campos de atividades para monopolistas locais que eram, quase
sempre, comerciantes portugueses.

Em 1548 foi instituído na Bahia o Governo-geral com o objetivo da unificação territorial e jurídica
(Faoro 1997: 144). O governador era a primeira representação territorial do poder político no plano espacial que
haveria de ser mais tarde a nação. No plano local os municípios surgiam freqüentemente antes do início da
colonização efetiva. Também aqui a unidade político-administrativa formou-se de acordo com uma lógica do
controle sobre o espaço, ditada de cima para baixo. Um espaço de poder enquanto unidade autônoma, autogerida
dos habitantes era algo desconhecido nesse ordenamento do espaço (Faoro 1997: 146 ss.). Quando o Brasil se
tornou cada vez mais importante para Portugal, o governador se transformou em vice-rei, cuja sede passou a ser a
partir de 1756 o Rio de Janeiro. A decadência da economia colonial na segunda metade do séc. XVIII reforçou
os conflitos sociais e políticos. Posições antiportuguesas e liberais passaram a ser influentes nos grupos
dominantes. Na esteira do movimento independentista norte-americano a liberdade e democracia se afiguraram
os fundamentos adequados do desenvolvimento americano. Em 1807 o príncipe regente fugiu de Napoleão
Bonaparte para o Brasil, acompanhado da corte inteira, aproximadamente entre 10.000 e 15.000 pessoas. O Rio
de Janeiro se transformou em centro do poder, sua população aumentou em apenas dez anos de 50.000 a 110.000
(Faoro 1997: 249). Quando a corte retornou depois do fim das guerras napoleônicas a Lisboa, a velha ordem
colonial desmoronou. O grito de independência porém não foi dado pelo povo brasileiro, mas por D. Pedro,
herdeiro do trono português, que fundou uma monarquia em 1822 sem esperar muito tempo pelo sancionamento
por uma assembléia constituinte. A nova des-ordem assentava no fundamento do patrimonialismo estamental. O
liberalismo do movimento independentista não tardou em esbarrar nos seus limites estruturais (Fernandes 1987:
34 ss.). No campo de poder dado, a liberdade de comércio e a eliminação dos intermediários portugueses eram
possíveis. Mas uma participação mais ampla do povo, uma variante de democratização era praticamente
incompatível com um ordenamento estamental. O zelo revolucionário orientado nessa direção logo se volatilizou.
A aristocratização vertiginosa foi típica para a rápida mudança de mentalidade da burguesia (Faoro 1997: 287).
Como barões do café, não como cidadãos, os representantes dessa classe se tornaram os atores centrais no séc.
XIX. Sem as lideranças antigas e com uma série de atores locais novos, formou-se um bloco de poder nacional
no âmbito do mesmo campo de poder. Já em 1808 a abertura dos portos brasileiros para os navios ingleses e a
conseqüente concessão de direitos de extraterritorialidade e uma tarifa alfandegária preferencial extremamente
reduzida, fixada em 15%, correspondeu aos interesses mais intrínsecos da corte que fugira de Portugal (Pessoa
1983: 24).2 O comércio exterior era de decisiva importância para os latifundiários e comerciantes de escravos,
pois eles importavam todos os bens de consumo importantes, pagos com a exportação do seu produto principal.
Estavam localizados no exterior tanto os mercados de comercialização mais importantes quanto também o

2
Em contrapartida, os mercados britânicos não foram abertos aos produtos brasileiros que concorriam com os das Antilhas
Inglesas (Furtado 1975: 95).

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mercado de aquisição dos bens de consumo, dos quais os grupos economicamente dominantes necessitavam para
satisfazer as suas exigências genericamente maiores do que no passado. A eliminação do comércio intermediário
português estava no interesse dos latifundiários para poder negociar preços menores de importação, um
abastecimento em escala mais larga e melhores condições de crédito, diretamente com a Inglaterra, então
potência dominante.

A preservação da unidade territorial era a tarefa principal do monarca, cujo poder moderador consistia
na compensação dos interesses dos grupos dominantes. Uma nação estamentalmente dirigida parecia ser a forma
mais eficaz para defender a economia escravista, submetida à pressão crescente da Inglaterra. No plano da
economia, o Império (1822-1889) estabilizou um período de transição para um regime de acumulação extensiva;
no da política, a nação consolidou-se como espaço de poder. Diante das contradições maciças entre as diferentes
regiões e o poder central e dentro das regiões, entre as várias frações do capital e os outros grupos
paulatinamente emergentes, a regulação foi quase que forçosamente um muddling through, feita por expedientes.
O imperador era mais poderoso quando se tratava de preservar estruturas historicamente surgidas do que quando
se tratava de implementar novas regulações. As causas eram variadas. A constituição da monarquia
parlamentarista com uma segunda câmara formada por senadores vitalícios assegurava institucionalmente a
dominação das forças mantenedoras do status quo. Isso se deveu, não em último lugar, também à precária
situação financeira do governo central. O Brasil independente defrontava-se com uma elevada dívida externa e
interna. Durante muito tempo ele dependeu quase exclusivamente das receitas alfandegárias, mantidas em
patamares baixos pela Inglaterra até 1844 (Furtado 1975: 42). As bordas do império faziam-se ouvir com
levantes e rebeliões. Mas mesmo quando as províncias passaram a constituir-se como espaço de poder próprio,
não reivindicaram a independência, mas uma maior participação na nação (Faoro 1997: 316 ss.). As fronteiras da
nação podiam também ser usadas por grupos regionais como instrumentos para defender interesses provinciais.
Assim os processos de centralização implementados sob o governo de D. Pedro II não esbarraram em resistência
radical. A polícia e os tribunais, e desde 1850 também a Guarda Nacional, foram subordinadas ao poder central:
o Conselho de Estado, formado por membros vitalícios nomeados pelo imperador, tornou-se o freio institucional
das ocasionais tentativas reformistas empreendidas pela Câmara dos Deputados.

A partir de 1870 a crítica ao Império cresceu, com ela também as forças centrífugas. A reivindicação de
uma república e da descentralização estavam relacionadas com o deslocamento da dinâmica econômica para o
Sul. Os grupos urbanos e o exército, fortemente reduzido e desvalorizado depois da Guerra do Paraguai,
opunham-se declaradamente à monarquia. Mas os barões do café também optaram pela república, ao invés de se
aliarem às forças conservadoras (Furtado 1975: 115 s.). As últimas tinham apostado nos laços unificadores da
economia escravista e do crédito, ao passo que os primeiros pretendiam colocar o capitalismo em novas bases. A
confiança na força da economia capitalista de mercado era tão grande que não se necessitava mais do monarca
como poder moderador: em 1888 a escravidão foi abolida, em 1889 os militares deram um golpe e proclamaram
a república. Sobretudo a oligarquia agrária paulistana assumiu o ideário liberal-federativo, impondo-o também
em uma nova constituição. Como ela de início não estava inserida na estrutura burocrática do Estado, a sua
preservação não lhe foi tão importante. Ela via na autonomia dos estados a chance de poder seguir estratégias
independentes. Mas a euforia liberal durou pouco tempo (Faoro 1997: 468). Os republicanos combatiam a
monarquia e negavam o problema da escravidão, ao passo que os liberais radicais queriam abolir a escravidão e
excetuavam a monarquia das suas críticas ao sistema (Santos 1978: 31). Mas como ambos estavam interessados
em uma transição ordeira, o potencial revolucionário dos modernizadores se dissipou rapidamente (Fernandes
1987: 116). O que ficou foi a destituição do imperador e a liberdade dos escravos de vender a sua força de
trabalho. Mas isso praticamente não equivaleu a uma abertura social, pois os grupos dominantes impediram
esforços maiores na direção da democratização. O governador e o grupo regionalmente dominante impunham os
seus candidatos nas eleições, a oposição ficava excluída. A ”política dos governadores” estabilizou a estrutura
descentralizada do poder. Os grupos regionalmente dominantes apoiavam-se reciprocamente contra a eventual
oposição interna. Esse espaço de poder estava vinculado ao imperialismo britânico, que estruturava o poder
sobre o espaço e intervinha no espaço do poder. O poder sobre o espaço era controlado pelo comércio e crédito
que forneciam ao espaço do poder os seus recursos. Na economia, a profissão de fé entusiasta da liberdade
econômica era subrepticiamente desmentida no importante setor cafeeiro. Sem despedir-se discursivamente do
liberalismo, o Brasil praticou de fato uma política pragmática da regulação do mercado e da construção de um
estado regional fomentador da acumulação (Becker, Egler 1992: 38 ss.). A política monetária expansiva da
década de 1890 - conhecida sob o nome de encilhamento - também não se ateve ao dogma do padrão-ouro e da
neutralidade da moeda (Furtado 1975: 160), o que resultou num surto de desenvolvimento (Cano 1998a: 158 s.)
Mas em resposta à pressão britânica e diante de uma crise econômica, a política econômica foi redirecionada
para uma política de fortalecimento da moeda. Ao lado do crédito de consolidação, concedido em 1898, uma
cláusula de ouro introduzida na cobrança do imposto de importação (1900), uma série de medidas deflacionistas

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e um aumento considerável do valor das exportações (de 26 milhões de libras esterlinas nos anos de 1896 a 1899,
para 37 milhões nos anos de 1900 a 1903) ensejou a reconquista do equilíbrio da economia externa (Furtado
1975: 172; Silva 1986: 99s.).3 Mais uma vez a libra esterlina fixava o valor da moeda.

Quanto à representação dos interesses, os empresários dispunham desde 1904 do Centro Industrial do
Brasil (CIB). Os imigrantes europeus já tinham, em parte, trabalhado na indústria, mas tornaram-se em muitos
casos também transmissores do ideário sindicalista. Num primeiro congresso nacional, realizado em 1906, os
trabalhadores começaram a se formar lentamente como força política, embora sua organização partidária
continuasse difícil em virtude das fortes correntes anarco-sindicalistas (Decca 1997: 201). Num processo de
centralização regional, os estados puderam subordinar os municípios inteiramente aos seus interesses. O coronel
enquanto dono do poder local extraía o seu poder unicamente da delegação do poder pelo governador.
Diferentemente do barão do café, o coronel não tinha nada de aristocrático. Para ele o poder assentava no poder e
na violência legais e ilegais (Oliveira 1987: 49). Num campo de poder no qual o Estado burocrático podia
conceder em larga escala recursos públicos a particulares sem prestar contas, o coronel era um intermediário
político. Estar na oposição era sinônimo de exclusão do campo de poder do Estado e do sistema das trocas
políticas. Por isso o poder local subordinou-se com muito oportunismo ao poder regional respectivamente
dominante (Faoro 1996: 625 ss.).4 Mas a nação continuou como um espaço central de poder. Seu detentor era o
presidente eleito por quatro anos. Na década de 1920 ele abandonou cada vez mais o seu papel moderador,
passando a atuar no sentido da centralização do poder. Pedia-se a mão forte do presidente para suprimir os
conflitos sociais e políticos.5 A nação foi, por conseguinte, percebida como plano de estabilização do poder. Mas
ela foi também percebida como força unificadora que se pode opor ao passado particularista, rural-local (Decca
1997: 73). No lugar de uma ordem localmente fragmentada deveria surgir uma forma centralizada da regulação
no plano nacional, na qual a esfera pública desempenharia um papel importante. O fortalecimento do estado-
nação adotou essa perspectiva e ofereceu assim a possibilidade de produzir a coesão social. Com efeito, a
política dos governadores e o Partido Republicano conseguiam manter apenas penosamente a unidade das forças
dominantes. O Estado assumiu funções de política econômica e tomou uma série de medidas que fomentaram a
indústria (Cano 1998a: 200). O interesse dos comerciantes pela ”tranqüilidade e ordem” e pelos produtos
importados baratos opunha-se diametralmente ao dos industriais. A associação comercial cindiu-se em 1927 e em
1928 surgiu o Centro de Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP) (Decca 1997: 135 ss.). Como os conflitos
políticos se radicalizavam, o Estado buscou assegurar a ordem pública por meio de uma série de leis sociais.6 Um
comércio operado em vias organizadas importava mais aos comerciantes do que a exploração incontida no
processo produtivo. Os industriais assustaram-se diante do que se lhes afigurava falta de capacidade de
imposição do Estado (Decca 1997: 176). Os representantes dos trabalhadores esperavam, mediante o abandono
da luta de classes, por uma aliança de modernização com os industriais nacionais, isto é, por uma revolução
”burguesa” contra a oligarquia, o imperialismo e o feudalismo” (Decca 1997: 102 s.). Mas os industriais
emergentes não eram suficientemente fortes para impor os seus interesses contra os trabalhadores, sem ajuda da
oligarquia rural. Ao invés de substituir revolucionariamente o velho bloco de poder, associaram-se a ele e
absorveram a sua forma de dominação política (Fernandes 1987: 203 ss.).

Com a 1ª Guerra Mundial abriram-se campos de ação nacional em quase todos os países maiores da
periferia (Feldbauer et al. 1995). Não só o comércio, mas também o padrão-ouro organizado pela Grã-Bretanha
entraram em colapso, tornando evidente a crise da hegemonia britânica. Em 1916 foi introduzido no Brasil o
primeiro Código Civil que fixou as regras do Direito de Contratos. A soberania do estado-nação baseou-se nessas
duas colunas, na moeda e no direito. Já durante a guerra ocorreram algumas transformações importantes. Por
necessidade aumentou não apenas a produção de bens de consumo, mas também a produção de bens de

3
Uma primeira desvalorização maciça ocorreu em 1891 de aprox. 27 a aprox. 15 pence por mil-réis. Depois a taxa de câmbio
despencou para uma relação de 9:1, para subir em 1916 mais uma vez a mais de 16,1, devido ao fortalecimento da posição
brasileira no mercado mundial na esteira da guerra mundial. Nos anos 20 ela despencou definitivamente e atingiu em 1928
um ponto baixo na relação de 5:1 (Silva 1986: 29).
4
À guisa de ilustração: ”Em política, eu sou intransigente: voto no governo”. Ou: ”O governo mudou, mas eu não mudo: fico
com o governo” (Faoro 1997: 631).
5
As greves de 1917 e 1918 foram um primeiro ponto culminante de uma série de movimentos sociais de protesto e
conduziram a um deslocamento da relação de forças (Fiori 1995: 79); a regulamentação do mercado de trabalho pelo estado
policial provou ser crescentemente ineficaz.
6
Em 1919 foi promulgada uma primeira lei sobre acidentes no trabalho. Em 1923 foram promulgadas uma lei de proteção
contra demissão e uma lei que instituía uma caixa de pensão para os ferroviários, em 1925 foi promulgada uma lei para os
comerciários e em 1927 foi regulamentado, contra a resistência maciça do empresariado (Decca 1997: 195), o trabalho
infantil (Novy 1998: 152).

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produção, em ramos como o processamento de metais e ferro.7 Na esteira dos aumentos de preços ocorreram em
1916 e 1917 reduções do salário real e lucros elevados, posteriormente em parte reinvestidos (Cano 1998a: 172 e
192). Os trabalhadores reagiram às perdas do poder aquisitivo com os primeiros grandes movimentos grevistas.
O centro dessa nova dinâmica foi São Paulo, que pôde durante a guerra aumentar a sua participação, na produção
geral, na exportação de mercadorias industriais para outras regiões do país de22,7 % (1914) para 39,5% (1917).
Depois da guerra essa participação caiu para 24,2%, mas o potencial regional para a substituição das importações
já existia (Cano 1998a: 187). Se o grande salto quantitativo da indústria paulistana iniciou-se nos anos de 1905 a
1907, os anos 20 assistiram às necessárias transformações qualitativas, à medida que a produção se diversificava
e se formava, ainda que rudimentarmente, o setor de bens de produção (Cano 1998a: 269).

A regulação acompanhava de modo claudicante as transformações fundamentais da dinâmica da


acumulação. Ainda nos anos 20 o estado central procurou manter o padrão-ouro, mas perdeu em 1929 em três
meses, devido à fuga de capitais, todas as suas reservas de ouro acumuladas nos anos anteriores (Furtado 1975:
185). Estava subtraída a base ao velho campo de poder. Os preços do café caíram de 22,5 cents/libra para 8
cents/libra em 1931 (Altvater 1987: 204). Em decorrência disso, o pagamento dos juros e da amortização da
dívida foi interrompido e a dívida externa renegociada.8 Mas com isso a oligarquia agrária não entrava
automaticamente em crise. Estavam previstas eleições para 1930 e a pauta dos grupos dominantes era business
as usual, isto é, ocorreu uma luta pelo controle do espaço de poder nacional com as conhecidas e reconhecidas
regras de jogo da manipulação. Sob a liderança de Washington Luis, o Partido Republicano de São Paulo quis
impor o seu candidato Júlio Prestes contra a vontade de Minas Gerais e setores importantes da opinião pública.
Mas a intranqüilidade na esfera pública até então raras vezes tinha logrado obter êxitos políticos. Tivesse tudo
transcorrido normalmente, o poder econômico de São Paulo ter-se-ia constituído também como poder político.
Talvez tivesse ocorrido assim uma autêntica centralização dos poderes econômico e político, iniciando-se uma
revolução burguesa no sentido europeu (Fiori 1995a: 83 s.). De início os industriais paulistanos apoiaram esses
esforços. Mas a Aliança Liberal, que era oposição em São Paulo, quis abolir a ordem dos partidos republicanos,
com o apoio de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. Seu candidato Getúlio Vargas, político dirigente do Rio
Grande do Sul e ex-ministro de Washington Luis, perdeu as eleições. Mas em outubro ele chegou ao poder num
golpe sem violência, com apoio dos militares. Assim o levante sem derramamento de sangue de 1930, a
”revolução burguesa” do Brasil, não foi respaldado pelos industriais; tampouco foi uma revolução contra a
oligarquia agrária. Ele foi uma revolução que favoreceu a modernização conservadora.

O fim da República Velha já se prenunciara com o levante militar de 1922 e a marcha dos militares
orientados para a transformação pelo Brasil. Um novo campo de poder evidenciou ser necessário para estar à
altura dos desafios dos tempos. A modernização foi concebida aqui como uma tarefa nacional, isto é, direcionada
para dentro, visando a aproximação com o povo. Daí o estreito acoplamento de modernismo e nacionalismo no
Brasil (Lahuerta 1997: 114). Oito anos mais tarde, a constante pressão das ruas e o meio urbano crítico em vias
de surgimento foram suficientemente fortes para derrubar um regime, mas demasiado fracos para participar da
configuração da nova ordem. Essa foi a única mudança de regime na qual o ideário liberal não foi ponto de
referência utópico central de uma ordem melhor, embora a organização mantenedora fosse a Aliança Liberal. Em
oposição à des-ordem existente, o povo apoiou os rebeldes, não importando o que estes pudessem representar
(Faoro 1997: 683 ss.). Ao lado do liberalismo, o positivismo com sua lógica modernizadora centralista, tal como
ele já tinha sido praticado exitosamente no Rio Grande do Sul na República Velha, foi um fator determinante
(Bosi 1999: cap. 9). As formas radicalizadas da oposição foram o fascismo, de um lado, e o socialismo, de outro.

O élan originariamente anti-oligárquico de Vargas dissipou-se imediatamente, pois ninguém queria


enfraquecer efetivamente o setor que gerava as divisas. Por isso Vargas também nunca rompeu com os ”velhos”
interesses cafeeiros. Como a aliança na qual ele se baseou, a sua política econômica foi contraditória.9 Os passos
exitosos na direção da industrialização lhe foram impostos pelas condições gerais protecionistas da economia
mundial. De início, a política industrial serviu para apoiar a agricultura e era desenvolvida ad hoc (Fausto 1981:
48 s.). Baseado na poupança interna, Vargas quis ampliar o setor de bens de produção. A participação do café no
total das exportações caiu de 68,8% a 42,1%, mas continuou tendo uma importância central (Fausto 1981: 105).
7
A produção de ferro aumentou de modestas 4.267 toneladas para 11.748 toneladas (1918); 5.936 novas empresas surgiram
entre 1915 e 1919 (Cano 1998a: 182 s.).
8
Quando o Brasil repetiu essa medida em 1937, não houve nenhuma sanção por parte dos credores, o que se explica
basicamente a partir da composição da dívida externa: 65% dos créditos estrangeiros vinham da Grã-Bretanha e apenas 30%
dos EUA. Para os últimos, o Brasil era mais importante como parceiro comercial do que como devedor. Acrescia ainda o
interesse norte-americano em não perder o Brasil como aliado militar.
9
No longo prazo ela consistia em uma estratégia de industrialização, mas no curto prazo a política monetária e fiscal foi
restritiva (Fiori 1995a: 93).

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Em 1932 a oligarquia agrária e os industriais de São Paulo rebelaram-se contra o estado central e a sua política
econômica pouco clara, que levaria, conforme pensavam, a degradação de São Paulo. São Paulo julgou-se mais
uma vez suficientemente forte para assumir ao lado da supremacia econômica também o mando político. Mas
Vargas impôs, na tradição da estratégia clássica do establishment brasileiro, preservadora do status quo, uma
compensação de interesses. O estado burocrático deveria preservar-se diante do poder econômico uma certa
margem de ação, para poder continuar deixando participar do bloco hegemônico membros regional e socialmente
periféricos do bloco de poder. Mas Vargas também incluiu os grupos dominantes de São Paulo no novo velho
sistema do poder, abrindo-lhes um acesso privilegiado à burocracia. O Estado continuou se empenhando na
tarefa de desorganizar a classe trabalhadora e, caso necessário, oprimi-la. Mas não houve nenhuma hegemonia
social e política do capital paulistano, em que pese a sua dominância econômica. Embora economicamente cada
vez mais insignificante, a oligarquia agrária pôde estabilizar o seu poder político, formando um bastião contra as
tentativas de São Paulo de impulsionar a homogeneização da nação nas dimensões espacial e social. Ao invés de
um fordismo da produção de massa para o consumo das massas, dominado por São Paulo, a oligarquia agrária
logrou introduzir um fordismo periférico, cujos esforços de homogeneização esbarravam nos interesses vitais da
oligarquia agrária. A ”revolução conservadora” de 1930 antecipou-se a duas outras evoluções possíveis. A
primeira era a assunção total do poder por São Paulo e a concentração do poder naquela parte do Brasil que
estava se modernizando vertiginosamente. A opção magnificada no plano ideológico, mas de fato destituída de
realismo, era uma revolução comunista. Não obstante, a classe trabalhadora e os oficiais reformistas foram
marginalizados gradualmente no decorrer dos anos 30. A luta de classes foi solucionada com meios coercitivos.
Isso também não foi minimamente mudado com a introdução do sufrágio universal na Constituição de 1934,
ocorrida pela primeira vez na história do Brasil, pois já em 1937 o estado de emergência entrou em vigor. O
estado-nação autoritário possibilitou em 1935 depois de um golpe malogrado a proibição do Partido Comunista,
o desmantelamento das organizações autônomas da classe trabalhadora e de outras organizações progressistas da
sociedade civil. Getúlio Vargas governou ditatorialmente no Estado Novo. No lugar dos governadores eleitos
estavam os ”interventores” nomeados pelo presidente. No plano local as capitais estaduais reconquistaram a sua
autonomia apenas a partir de 1953, pois até então os prefeitos eram nomeados pelos governadores. Mas as
câmaras de vereadores já se constituiram em 1948 e tornaram-se canais de diálogo entre associações de bairro e
o Poder Executivo (PMSPet al. 1992: 72). Jânio Quadros tornou-se o primeiro prefeito eleito de São Paulo e
introduziu uma nova forma da ação política, o populismo de direita.

Nas ondas da derrota do fascismo, o Brasil experimentou em 1945 uma nova euforia liberal. O governo
de orientação liberal (1945-1950) proibiu novamente o Partido Comunista e acreditava poder colocar no lugar da
des-ordem periférica multissecular uma ordem ocidental: uma economia democrática de mercado em aliança com
os EUA. Mas mais uma vez Vargas cruzou os sonhos do establishment. Em 1950 ele chegou ao poder com o seu
PTB, por via democrática, abandonando o poder apenas em 1954 ao suicidar-se. Permitiu assim a entrada em
cena do populismo enquanto estratégica política irracional, mas poderosa. Diant da des-ordem do Brasil, essa era
a única alternativa historicamente viável à política do establishment. Vargas, Quadros e Collor foram todos
políticos que permaneceram corpos estranhos no establishment, embora a sua política servisse perfeitamente aos
interesses dos grupos dominantes. A política de industrialização foi financiada sob o regime de Vargas com a
poupança existente no próprio Brasil e realocações de recursos, o que a distinguiu da maioria das estratégias
anteriores e posteriores; germinalmente, ela também foi financiada já por via inflacionária. O setor privado
deveria ser fomentado por serviços e produtos subsidiados da indústria nacionalizada, na qual se esperava
elevados aumentos de produtividade do trabalho (Oliveira 1989: 80). Mas essa estratégia esbarrou em uma
resistência maciça. Acresceu o fim da Guerra da Coréia e, paralelamente, o fim do surto exportador para
produtos brasileiros no período do pós-guerra. Isso levou a protestos da classe trabalhadora e em 1953 à grande
greve dos metalúrgicos em São Paulo, o que facilitou a desmoralização de Vargas. Extensos segmentos do bloco
dominante e sobretudo os EUA minaram a sua política econômica nacionalista. As restrições externas,
concretizadas em dificuldades do balanço de pagamentos, acirraram-se a partir de 1954 (Tavares 1983: 35 ss.).
Depois do suicídio de Vargas o establishment achou que teria chegado a hora para assumir a administração do
Estado. Mas após dois anos de governos de transição de orientação liberal e de uma política do laissez-faire
Juscelino Kubitschek (1956-1960) assumiu o poder. O seu governo continuou a aliança do PSD, partido da
oligarquia agrária, e do PTB, partido do trabalhismo, e com isso a estratégia de desenvolvimento centrada no
estado-nação, mas optou por caminhos bem distintos dos de Vargas: a saber, pelo endividamento externo e pelo
financiamento por via da inflação, o que representou uma forma de financiamento flexível no curto prazo.
Kubitschek pretendeu realizar em cinco o desenvolvimento de cinqüenta anos e recorreu para tal fim ao tripé, à
trípode aliança entre os capitais internacional, nacional e estatal. A solidariedade entre os diferentes grupos de
capitais deveria permitir um desenvolvimento nacional harmônico. Com a ”internacionalização do mercado
interno” as empresas multinacionais tornaram-se atores principais da exploração do mercado doméstico por meio
de bens de consumo duráveis. Conexamente as organizações financeiras internacionais e os EUA tornaram-se os

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atores que diante de dificuldades crônicas com o balanço de pagamentos podiam demarcar as fronteiras de
caminhos possíveis de desenvolvimento. Kubitschek se viu repetidas vezes obrigado a tomar conhecimento do
poder do Fundo Monetário Internacional, que quis impedir o financiamento da estratégia de desenvolvimento
nacional (Oliveira 1989: 82-90). Mas o seu governo transcorreu sem grandes confrontos internos ou externos.
Não obstante, ele não conseguiu impor o seu candidato para a sucessão e o carismático Jânio Quadros, um
político populista não-convencional de São Paulo, foi eleito presidente como candidato da UDN. Quadros usou o
cargo de governador de São Paulo como trampolim para a presidência da república em 1960. Tinha chegado ao
governo de São Paulo graças à sua posição de prefeito da capital do estado (Furtado 1997b: 192-196). Quando o
crescimento econômico arrefeceu nos anos 60, o pacto baseado no desenvolvimento nacional começou a
esboroar-se pela primeira vez. Depois da renúncia de Quadros e sob a presidência de João Goulart os
conservadores tentaram fazer tudo para fechar os canais da participação política e econômica dos trabalhadores e
posteriormente também do movimento dos trabalhadores rurais, que tinham sido criados pelo populismo
varguista. Os progressistas, por sua vez, pareceram poder participar pela primeira vez do poder nacional. Mas as
reivindicações radicais referentes à reforma agrária e ao controle do capital estrangeiro não estavam - não em
último lugar devido à manifesta fraqueza de Goulart enquanto líder político - nem integrados em um projeto de
Estado (que Estado queremos?) nem em um projeto hegemônico (que sociedade queremos?) (Oliveira 1989: 90
ss.).

As diferentes medidas de estabilização, todas fracassadas (1954/55, 1958/59, 1961 e 1963) foram
momentos decisivos dos conflitos sociais, pois visavam a distribuição do valor adicionado (Fiori 1995: 97). A
dinâmica industrial determinava os espaços da ação política. Kubitschek dispunha desses espaços e fazia uso
deles, Goulart dispunha deles em grau muito menor e não fazia nenhum uso deles. Os conservadores passaram a
preparar coerentemente um golpe. Quando este não foi possível com meios constitucionais, pois João Goulart
reconquistou os seus direitos presidenciais por via de um referendo, o golpe militar foi a única alternativa. Com o
golpe militar de 1964 atingiu-se uma nova, última e agora antidemocrática etapa da centralização do poder do
estado-nação. A ”Revolução de Abril” realizou o que os conservadores quase tinham atingido em 1954. Os
militares e os seus suportes civis assumiram o poder para reduzir a influência do Estado e realizar reformas
liberais. Na realidade ocorreu, no entanto, uma modernização conservadora comandada pelo Estado e a ascensão
do Brasil à condição de poder regional (Becker, Egler 1992: cap. 4). Contrariando o ideário liberal, isso levou no
tocante à estrutura espacial do Estado a um enfraquecimento do federalismo, pois os governadores, à frente de
todos Leonel Brizola no Rio Grande do Sul e Miguel Arraes em Pernambuco, tinham criado espaços de poder
regional da oposição. Por isso os militares se interessaram especialmente pelo enfraquecimento do plano
estadual. De resto, os militares também cimentaram a estrutura burocrática do Estado e cuidaram unicamente
para que os canais de acesso permanecessem fechados ao povo e facilitassem a imposição dos interesses do
capital. Partes do capital nacional caíram para fora do bloco dominante na recessão provocada pelos militares
nos anos de 1964 a 1967. Institucionalmente, os militares lançaram as bases de um capitalismo financeiro. Em
1967/73, com o ”milagre brasileiro”, foi empreendida pela última vez a tentativa de salvar por meio do
crescimento e da centralização o velho poder sobre o espaço (Oliveira 1989: 91-107). Mas dessa vez os militares
não deviam apenas assumir o papel do árbitro, mas além disso participar do jogo, mais precisamente na condição
de atores decisivos.

O fordismo periférico não se baseou em um novo bloco de poder, mas o velho bloco de poder foi
preservado em uma nova hierarquia. O capital industrial dominava, mas a oligarquia agrária cuidou de garantir a
sua posição nesse bloco social concebido como pacto de não-agressão. Ela agiu de modo exclusivamente
defensivo, isto é, impediu uma transformação da distribuição da terra. A classe trabalhadora e a classe média não
faziam parte do bloco de poder, mas conquistaram pela primeira vez na história do Brasil um lugar no jogo do
poder. Sobretudo o populismo ampliou as margens de ação para os processos de trocas políticas das camadas
baixa e média. Como novo grupo determinante entrou a indústria nacional, sobretudo paulistana, e a partir dos
anos 50 também a indústria estrangeira. Por intermédio do capital produtivo e financeiro o espaço ”externo”, que
tinha perdido a sua importância no universo das mercadorias, começou novamente a fazer valer a sua dinâmica
determinadora. O fracasso do fordismo periférico esteve vinculado a essa vulnerabilidade de ”fora”; não foi
possível impulsionar um processo de acumulação autônomo, internamente financiado. A dependência externa de
investimentos diretos e créditos provou ser fatal na nova crise. O campo do poder nacional sofreu uma erosão.

”Fomos felizes e não sabíamos”, eis uma afirmação freqüentemente usada à saciedade nos anos 80 por
adeptos da ditadura militar. Um olhar sobre os dados macro-econômicos permite compreender essa nostalgia,
pois os mortos da repressão não figuram nas estatísticas oficiais. Mas é estranho que hoje, 25 anos depois,
mesmo opositores veementes do regime militar se lembram com certa melancolia dos últimos anos da ditadura,
dos anos de uma resistência heróica, dos tempos nos quais as utopias de um mundo melhor orientavam

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poderosamente a ação e serviam de estímulo. O que aconteceu no palco do poder e nas profundezas da estrutura
do poder, para que tantas esperanças fossem decepcionadas? No Brasil, o estado-nação foi o palco central da luta
pela hegemonia entre 1930 e 1980. Nas instituições do Estado os diferentes atores se encontravam; nelas se
efetuava uma ponderação dos interesses conflitantes. Tudo isso ficou cada vez mais difícil na ditadura militar, as
lutas entre os grupos dominantes se acirraram. Na visão de muitos empresários, os tecnocratas e militares no
aparelho de estado estavam ficando demasiado poderosos. O liberalismo e a desestatização pareciam vir ao
encontro dos seus interesses, pois a luta de classes por enquanto tinha sido ganha. Em 1974 a fase mais dura da
ditadura e repressão chegou ao fim. A igreja católica, em si um esteio do Estado, tornou-se cada vez mais porta-
voz da sociedade e ponto de aglutinação da oposição. Ao mesmo tempo a classe trabalhadora começou - tão logo
a repressão arrefeceu - a manifestar-se publicamente, e isso justamente no ramo central do desenvolvimento
industrial. Entre 1967 e 1973 a indústria automobilística cresceu anualmente na razão de 24%, para encolher nos
anos subseqüentes (Pacheco 1998: 58). O crescimento e a crise concentraram-se na região industrial do ABC e
permitiram à classe trabalhadora local fazer se ouvir mais uma vez de forma perceptível. Esse movimento foi
basicamente apoiado por migrantes. Foram os nordestinos, a mão-de-obra desprezada, mas necessária do milagre
econômico em São Paulo, que começaram a questionar a des-ordem da ditadura. Os guetos dos nordestinos
trouxeram a questão regional como uma questão social a São Paulo e redefiniram o problema do espaço e do
poder: não como luta entre espaços geográficos, isto é, entre o pobre Nordeste e o rico Sudeste, mas como
espaços sociais de poder de classes conflitantes (Oliveira 1998a: 119 s.).

Métodos distintos de medição nas indexações serviam genericamente para beneficiar determinados
valores, sobretudo os do setor financeiro, contra os salários. Por fim, os índices inflacionários falsificados pelo
governo e, conseqüentemente, os aumentos salariais demasiado baixos da indústria metalúrgica paulistana
provocaram o primeiro grande protesto público contra a ditadura militar (Novy 1994: 28-31). Em 1977, 1978 e
1980 as grandes greves dos metalúrgicos, desenvolvidas pelos sindicados em si oficiais, tornaram-se pontos de
cristalização da resistência. Repentina e inesperadamente evidenciou-se a existência de uma dinâmica social
considerável. A aliança das classes média e baixa desenvolveu uma força produtiva insuspeitada. A abertura do
momento impeliu quase todos os críticos do sistema à ação. Estagnou a reflexão sobre a sociedade brasileira, que
conquistara nas décadas anteriores uma maturidade considerável. A interpretação dos acontecimentos foi deixada
a cargo de outros agentes, pois a atualidade política exigia o engajamento. O establishment subestimara a raiva
acumulada diante do sistema vigente e a radicalidade do desejo de mudança. A luta de classes atingiu uma nova
dinâmica e uma nova qualidade, pois a classe trabalhadora organizou-se pela primeira vez em um partido próprio
e, em ligação orgânica com esse partido, em uma central sindical e em iniciativas de base. A des-ordem
tradicional foi questionada pelos trabalhadores e pelo movimento em prol da democracia. Formou-se um bloco
de poder alternativo e segmentos importantes do bloco dominante simpatizaram, se não com a forma alternativa
de organização, ao menos com uma boa parte das reivindicações desse movimento. Os grupos responsáveis pela
saída dos militares queriam também estar representados no novo governo. Empresários assumiram posições-
chave em ministérios, na indústria estatizada e nos bancos estatais.10 Mas muitos peritos, intelectuais e
professores universitários quiseram prestar uma contribuição ao primeiro governo democrático. Com isso a
distribuição extremamente desigual tornou-se um tema prenhe de conflitos, e isso mais ainda na esteira da crise
do endividamento. A ditadura militar estava deslegitimada. Por isso a exigência de eleições diretas para a
presidência da república organizou-se num poderoso movimento. Mas ao invés da eleição direta, José Sarney
tornou-se presidente depois da morte de Tancredo Neves, eleito por um colégio eleitoral. Sarney era um político
da ditadura militar e simbolizava a ”transição pactuada” para a ”Nova República”, cujo leitmotiv passou a ser a
continuidade, não a mudança. Mas o bloco de poder que assumiu o Executivo com Sarney sabia que só teria
chances de ser reconhecido como legítimo com um governo que se mostrasse aberto às reivindicações da
sociedade civil. Os anos 70 e 80 foram caracterizados no Brasil pela consciência de viver em uma sociedade
conflitiva. O oponente era claramente identificável: os militares e os grupos a eles aliados. Os militares e não a
burguesia liberal que tinha em parte desejado, em parte financiado e em parte executado o golpe de 1964 foram
transformados em bode expiatório. Os movimentos sociais viam na questão social o problema principal e a
maioria deles advogava implicitamente uma ou outra variante do socialismo. Democracia e socialismo, a aliança
das camadas média e baixa: eis a receita do sucesso dos movimentos sociais dos anos 80.11
10
Sete ministérios eram ocupados por militares. Dois terços dos deputados federais tinham como fonte principal da sua
receita as suas empresas, 42% eram proprietários de terras (Dreifuss 1989: 40).
11
Mas com a popularização do conceito de ”sociedade civil” ocorreu aos poucos uma mudança organizacional maciça. No
curso do ”movimento antiditadura” parecia fazer sentido seguir a tradição liberal e falar de sociedade civil como setor
autônomo com relação ao Estado. Mas infelizmente esse termo apresentou um perfil conceitual apenas muito difuso. Isso é
quase sempre o melhor pré-requisito para a apropriação de conceitos, facilitou o ataque ao estado desenvolvimentista e deu
poder ao empresariado, que sempre cultivara uma atitude pragmática diante de valores democráticos (Costa 1997: 34 s.). A
inserção do fenômeno das organizações de bairros em uma análise global da política, do Estado e da economia no Brasil foi

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O meio científico do fim dos anos 70 era fortemente cunhado pelo marxismo. Apesar disso faltaram no
fim da ditadura análises de economia política que interpretassem a conjuntura específica. Uma exceção saliente
foi a tese de doutorado de José Luís Fiori de 1985, publicada apenas dez anos depois, em 1995. Esse vácuo foi
preenchido pelos assim chamados pós-marxistas que fizeram com que uma interpretação da conjuntura de
orientação liberal de esquerda fosse considerada socialmente aceitável. Foram intelectuais paulistanos moderados
em torno de Fernando Henrique Cardoso (Lehmann 1990: 71-76) que descobriram a suposta originalidade do
liberalismo e internacionalismo. Eles centraram a sua crítica, baseada no modelo do estado desenvolvimentista
burocrático-autoritário, no aspecto do autoritarismo estatal. Desse modo eles lançaram uma névoa sobre a des-
ordem da periferia e localizaram de forma grosseiramente superficial o Estado como fonte única de todos os
males, cujas causas devem ser buscadas na estrutura profunda do campo de poder. Mas assim foi possível, no
âmbito do PMDB, construir uma ampla aliança em prol da democratização sem provocar a resistência aberta dos
militares. O campo discursivo estruturava-se dessarte em torno de uma crítica genérica do palco do estado
desenvolvimentista, ameaçado de implodir com a crise fiscal do Estado.12 O Estado não dispunha mais de
dinheiro para servir de mediador entre interesses conflitantes. Por meio da democratização do Estado e da
descentralização de processos decisórios parecia possível no início dos anos 80 construir um belo novo palco: a
classe trabalhadora reivindicava o seu lugar no sistema político nacional. Os esforços do movimento sindical
visavam uma regulação territorial nova das relações de trabalho, cujos elementos nucleares eram, referidos ao
Estado, uma legislação trabalhista e social nacionalmente unitária e, referidos à sociedade civil, processos
nacionais de negociação de interesses, especialmente no tocante a contratos coletivos de trabalho. Os
empresários resistiam contra os iminentes aumentos salariais. Por um lado, combatiam diretamente aumentos do
salário nominal, conforme mostrava o grande número de greves. Por outro, eles minaram o valor desses
aumentos do salário nominal, aquecendo a inflação. Em virtude da estrutura oligopolista do mercado, isso foi
simples para o empresariado (Pereira 1998: 142 s.).

Em 1982 o PMBD obteve um grande sucesso nas eleições para governador. Mas os governos dispostos
a reformas assumiram as administrações estaduais num momento extremamente desfavorável, pois o país estava
mergulhado em uma crise econômica e fiscal. Como a oposição, que mal chegara ao poder, quis assumir um
papel construtivo depois de duas décadas de crítica, a análise sistêmica da margem de ação não estava na agenda
imediata. A administração do espaço de poder substituiu a reflexão sobre o poder sobre o espaço. Medidas de
política social e democrática, em cuja inexistência se identificava a fraqueza principal da ditadura militar, foram
implementadas pragmaticamente. A crise não permitiu que essas medidas fossem muito bem-sucedidas. Apesar
disso as vitórias eleitorais do PMDB foram mais uma vez continuadas. Mas dessa vez já se fez necessária uma

impedida pelo conceito liberal de sociedade civil. Como os pobres muitas vezes não dispunham de uma formação escolar
suficiente, estavam sempre em posição de inferioridade diante de peritos da administração pública; e como não tinham
representantes fortes dos seus interesses, perderam influência política no final dos anos 80. As exigências de melhorias da
infraestrutura, tão determinantes no início dos anos 80, eram rechaçadas crescentemente com a menção dos cofres vazios.
Tudo isso levou a uma perda de importância das organizações de bairro e com isso a uma renovada marginalização dos
pobres. ”Depois dessa crítica a radicalidade de um discurso democrático não é apenas uma questão de ‘alcance temático’,
mas igualmente uma questão de ‘referência aos destinatários’.” (Heins 1992: 239). Hoje são reduzidas as possibilidades dos
pobres de defender o Estado de Bem-Estar Social, de fraca presença, e os direitos fundamentais sociais elementares.
Sindicatos, igrejas e organizações de bairros estão enfraquecidas, os movimentos ambientalista e feminista restringem-se a
segmentos da classe média. Talvez o único ”porta-voz” dos pobres seja hoje o MST (Movimento Sem-Terra), que no entanto
se subtrai ao conceito de sociedade civil, orientado segundo o consenso.
12
José Luís Fiori (1995: 112) reconhecera já em 1984 quão fundamental fora a crise dos anos 80: “[...] a crise interna se
acentua no âmbito de uma crise geral do sistema capitalista e da hegemonia norte-americana. Sem alternativas, o regime
perde, progressivamente, suas principais lealdades. Depois dos liberais, da Igreja e da classe média desertam os empresários,
as lideranças regionais e o próprio capital estrangeiro, que recua ante as condições de insolvência interna e externa do Estado
desenvolvimentista. No limite, o próprio Estado recua, desativando seus gastos e investimentos em obediência a um novo
plano estabilizador. Renasce a luta interna da classe dominante com uma virulência inédita e por suas brechas cresce, de
forma autônoma, um movimento social amplo que exige melhores condições de vida e maior participação política.
Na confluência dos desencantos dos vitoriosos de ontem com o sofrimento dos derrotados de sempre germina uma realidade
de contornos ainda imprecisos. O que parece certo, em nosso entender, é que o Estado desenvolvimentista levou ao seu limite
suas potencialidades e contradições, enfrentando, hoje, o desafio de um ciclo que parece exaurido e de uma tendência que
aponta para sua implosão ou reformulação integral.
Sem nenhuma pretensão explicativa, que pecaria pelo simplismo, parece-nos contudo significativo que, depois de 60 anos,
dolarize-se, obrigatoriamente, a economia nacional. Forçado pelos fatos, nosso dinheiro volta a submeter-se a um padrão
monetário internacional. Na hora da crise, portanto, e diante de um futuro incerto, extingue-se a eficácia do principal suporte
dessa longa e heterodoxa ‘acumulação politizada‘, cuja lei de valorização teve sua raiz mais profunda na liberdade de decisão
estatal sobre o valor do dinheiro e do direito. Extingue-se esse poder na hora em que, muito provavelmente, assistimos à
implosão do Estado desenvolvimentista.“

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manipulação maciça, como ela se configurou na manipulação do Plano Cruzado para além das eleições de 1986.
Isso estabilizou o poder do PMDB e desacreditou o sistema democrático. No interior do PMDB a ala liberal de
esquerda amargou um duro golpe com a derrota de Fernando Henrique Cardoso nas eleições para a prefeitura de
São Paulo em 1985. O zelo reformista do establishment recebeu uma ducha igualmente fria como o radicalismo
dos liberais de esquerda. Jânio Quadros, o novo velho prefeito de São Paulo, era um direitista tradicional, e o
novo governador de São Paulo, Orestes Quércia, não era nenhum político de esquerda. Ambos defendiam uma
política oportunista-pragmática de aliança com o governo federal e consolidaram a aliança com os
conservadores. No Congresso 3 a 12% dos deputados eleitos se viam em 1986 como representantes dos
interesses dos trabalhadores, 32 a 45% dos deputados como representantes do empresariado (Diniz 1997: 94 s.).
Embora esse lobby empresarial fosse muito poderoso no Congresso, ele não estava organizado em termos
partidários, mas distribuía-se pelos diferentes partidos de centro e direita. Importava prioritariamente impedir as
reformas e ainda não importava impor contrareformas. A Constituição de 1988 mereceu com razão o apelido
”constituição cidadã”. Seu conteúdo refletia ainda outra conjuntura, disposta a transformações e tributária do
modelo do estado desenvolvimentista nacional. De início, a esquerda criticou veementemente essa constituição e
ignorou que ela já continha mais reformas do que o establishment estava disposto a conceder. Assim os esforços
em emendá-la iniciaram, por parte da direita, já no momento da sua entrada em vigor.

A decepção diante do PMDB e da Nova República, que parecia envelhecida depois de pouco tempo,
brindou a esquerda com uma vitória enorme e inesperada nas eleições municipais de 1988. Sobretudo em São
Paulo abriram-se perspectivas de um projeto alternativo de Estado. Luiza Erundina começou a governar em São
Paulo quando a campanha eleitoral para as primeiras eleições livres para a presidência depois de 29 anos estava
por iniciar. Assim São Paulo se transformou na vitrine da política nacional. Medidas locais causaram um impacto
nacional. Mas os êxitos naturalmente foram modestos no primeiro ano do governo: a dívida deixada pelo prefeito
anterior era tão grande quanto a inexperiência administrativa do PT. A administração municipal de São Paulo
certamente não foi responsável pela derrota apertada de Lula, embora sobretudo São Paulo tenha votado
claramente em Collor. Mas a administração de Luiza Eruindina não foi tão convincente a ponto de demonstrar
sem sombra de dúvidas a competência administrativa do PT. A administração petista buscou a
”institucionalização da cogestão dos cidadãos” (cf. Novy 1994: cap. F). Atingiu esse objetivo em parte, mediante
a criação de comissões e conselhos; de resto, o Legislativo boicotou esse processo. Foram quase sempre ações
concertadas de atores da sociedade civil, nas quais a administração municipal moderou entre interesses
conflitantes, convidando os segmentos organizados da população para a participação, seja no conflito com os
camelôs, no sistema de transporte, nas negociações sobre um novo Plano Diretor ou no Foro da Cidade (Singer
1996). Havia uma preferência por comissões paritárias, formadas via de regra por parceiros da sociedade e
membros do governo. Isso levou à negligência diante da camada baixa, dificilmente organizável, produzindo
resultados negativos nas eleições municipais de 1992. Com a derrota, os canais de participação secaram. Sader
(1997: 178 ss.) opina que ao lado da fixação no Estado a tarefa de governos de esquerda deveria estar também na
”socialização do poder” e num processo de conscientização. Aqui processos mais amplos de participação,
sobretudo a inserção da população pobre não-organizada - como e.g. no ”Orçamento Participativo” em Porto
Alegre, capital meridional do Brasil (Genro, Ubiratan 1997, Schwaiger 1996) - certamente teriam sido de
serventia. No curto prazo não foi possível fazer com que camadas mais amplas da população experimentassem a
melhoria das condições materiais de vida.

Nas primeiras eleições livres para a presidência da república depois de 29 anos, realizadas em 1989,
duas concepções de mudança se enfrentaram: a do messiânico e autoritário Fernando Collor de Mello, um
candidato amplamente desconhecido, e a do sindicalista Lula, candidato do PT e apoiado pelas organizações da
sociedade civil. O establishment, o ”partido do Estado” não se entusiasmou com Collor, mas apoiou-o como
única alternativa a Lula, representante dos eternos perdedores reunidos na autonomeada ”sociedade civil” e
portador de um programa democrático-socialista. Apoiado pela mídia para a qual ACM tinha sido responsável
como Ministro das Comunicações nos anos precedentes, Collor ganhou a eleição com os votos dos pobres.
Mesmo os 45% dos votos obtidos por Lula foram um forte choque para o establishment. Mas os grupos
dominantes permaneceram cindidos. Setores importantes do empresariado temiam o programa de Collor,
antiestatizante e orientado para o exterior. Mas a maior parte temia ainda mais um ganho decisivo de poder para
o bloco alternativo. No plano da liderança da opinião pública podia-se falar em 1989 ainda de um certo
equilíbrio. Questões sociais e democráticas eram importantes para a população. Ao mesmo tempo ganharam
influência os esforços discursivos em prol da inversão semântica: os ”verdadeiros” progressistas seriam os que se
empenhariam pela mudança do status quo, por sua vez marcado pela excessiva presença do Estado, campo no
qual os grupos dominantes estariam privilegiados. Reformas estruturais seriam, por conseguinte, as que
reduzissem a influência do Estado e contribuissem dessarte para a maior justiça social. Essa análise em termos de
Economia Política não foi além da superfície. A estrutura profunda do poder não entrou no seu foco.

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Encontrar outro arranjo estrutural consistente é uma questão de ”achado”, e a busca pode demorar
muitos anos, como foi efetivamente o caso no Brasil. Que soluções estavam disponíveis no início dos anos 80?
No plano internacional o modelo do Estado de Bem-Estar Social, baseado no keynesianismo, foi até anos 80
adentro o modelo determinante para a América Latina de orientação democrática. Mas desde 1973, com a
presença dos Chicago Boys no Chile e depois com as vitórias eleitorais de Margareth Thatcher e Ronald Reagan,
a opção liberal de um anti-Estado de Bem-Estar Social passou a ter uma influência crescente. No plano nacional
brasileiro esse processo ocorreu com defasagem temporal. No início dos anos 80, com a perda de legitimidade do
establishment, reformas democráticas e keynesianas afiguravam-se inevitáveis. Uma estratégia de
desenvolvimento de orientação social e responsável em termos de política orçamentária teria significado que o
estado desenvolvimentista democrático estaria no centro da regulação, que as relações de trabalho seriam
desenvolvidas conforme critérios de parceria dos diferentes atores sociais (empresários, assalariados e Estado),
que a estrutura oligopolista do mercado seria quebrada por uma abertura seletiva dos mercados e que o dinheiro
nacional seria utilizado para a redistribuição e para o monitoramento da atividade creditícia. Em duas palavras: o
fordismo periférico deveria se transformar em fordismo ”verdadeiro”. A Constituição de 1988 testemunha quão
fortes foram ainda, mesmo no final dos anos 80, as esperanças depositadas nesse caminho de desenvolvimento
centrado no estado-nação e no Estado de Bem-Estar Social. O nacionalismo e o Estado de Bem-Estar Social
eram perfeitamente compatíveis com a modernização; mais ainda, sobretudo as contribuições estatais de natureza
social eram um elemento central dessa modernização. Mas o conflito em torno da hegemonia tomou outro rumo
nos anos 90, fortemente influenciado por fatores externos: no plano ideológico, pela queda do muro e a crise do
Estado de Bem-Estar Social na Europa; no plano político, pela concentração do capital na esteira da
desregulamentação dos mercados financeiros. Registremos aqui tão-somente que no início dos anos 90 um
modelo de desenvolvimento nacional centrado no Estado de Bem-Estar Social ainda teria sido perfeitamente
compatível com a estrutura vigente.

As propostas de privatização e cortes das despesas do setor público só puderam ser implementadas
tímida e assistematicamente nos anos 80, mas a política de juros elevados lançou as bases para uma
reestruturação de corte neoliberal. ”O dinheiro é uma arma que confunde o adversário. Os responsáveis pelas
decisões chegaram ao consenso de tirar proveito dessa confusão, apresentando com sucesso a inflação como
resultado de um política econômica que em tempos de recessão se aferrara a idéias exageradas com relação ao
orçamento e aos salários. Essa retórica econômica, da qual os especialistas nas universidades bem como nas
organizações internacionais se serviram, torce a realidade mediante a inversão das responsabilidades. Ela deu
foros de credibilidade à idéia de que o assim chamado insucesso do combate à inflação nos anos 80 seria devido
sobretudo a uma certa tradição de ”populismo econômico” do qual as democracias latino-americanas não se
tinham conseguido libertar” (Pereira 1998: 142). Se houve um ”populismo econômico”, o quintil mais rico foi o
único segmento ”populista” bem-sucedido da população (cf. Tabela 10, supra). Todos os outros tentaram
proteger-se ruidosamente, mas em ampla escala sem eficácia, contra a erosão da sua renda real. A crise da
ditadura militar rompeu os laços unificadores de um poder sobre o espaço nacional. O campo de poder
estruturado em torno do estado-nação perdeu seu ponto nodal claramente localizado. Nos anos 90 o consenso
inicial para a reforma e democratização do campo do poder estatal cedeu a uma política empenhada em deslocar
esse campo de poder. A autonomia nacional da política financeira domesticara a violência do dinheiro e permitira
o ganho de significado de outros campos, como o da intervenção estatal e da política salarial. Mas com a perda
dessa autonomia estiolaram-se também as fontes tradicionais do poder. A esquerda tentou adaptar e ”reformar” o
velho campo nacional. Quis servir-se do estado-nação mediante a democratização, com vistas aos seus interesses.
Mas a atuação no campo da política econômica e social de orientação nacional e democrática tornou-se cada vez
mais difícil, pois era minada pela política financeira. Diante da inflação, toda e qualquer medida de política
social e salarial provou ser uma vitória aparente. Isso explica também o fracasso dos diferentes políticos
reformistas no decorrer dos anos 80. Ao passo que foi possível realizar alguns experimentos interessantes nos
planos local e regional durante os anos 80, podendo-se constatar uma alteração da estatalidade, os conservadores
boicotaram no plano nacional toda e qualquer tentativa construtiva de restabelecer novamente a capacidade de
atuação do estado nacional. A espiral inflacionária impedia que a concentração patrimonial pudesse ser afetada
em virtude de reivindicações e exigências sociais. Mas a política financeira inflacionária foi atribuída ao Estado,
o que lhe rendeu a perda da legitimidade. Em virtude da sua incapacidade na política econômica, o Estado era
colocado cada vez mais no pelourinho (Pereira 1998: 148). Ao passo que a esquerda hiperativa fazia operações
miúdas de conserto do palco, a direita passou a deslocar o campo e subtrair assim o chão ao palco.

No interior do bloco de poder nacional ocorreu nos anos 80, por força de uma política de
desvalorização, primeiro um fortalecimento dos exportadores, conseqüentemente da indústria nacional e
multinacional em boas condições de competitividade. A política dos juros elevados concentrou o poder

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130

crescentemente no capital financeiro de orientação internacional, que desde 1989 estava trabalhando abertamente
na direção de uma alteração fundamental do modo de regulação. Por isso ele tinha uma especial ojeriza contra o
Estado e a nação enquanto pontos nodais consubstanciados na Constituição de 1988. Collor contribuiu de modo
relevante para a manutenção da des-ordem, submetendo, com sua má administração e os cortes no orçamento, o
velho campo de poder a uma erosão em tempo recorde. Os setores que içaram Collor à presidência
envergonharam-se diante do seu presidente ”irracional”, mas registraram com alegria a irracionalidade da
estabilização da des-ordem dos últimos quinhentos anos. Depois da deposição de Collor o seu vice Itamar Franco
governou ad interim durante dois anos com um governo respaldado por amplo consenso. Somente o PT
permaneceu na oposição, embora um membro do PT fosse para o governo. A desideologicização dos debates
políticos, saudada por todos os lados, foi na realidade uma despolitização. A campanha do conhecido sociólogo
Betinho pelo combate à fome é paradigmática desse novo estilo de política. A partir de agora mesmo as ONGs e
boa parte da esquerda colocaram a crítica das estruturas entre parênteses, em benefício de sucessos pragmáticos
no curto prazo. Com isso a sociedade civil outrora progressista e oposicionista foi incluída no poder sobre o
espaço ou sobreviveu à sombra e à margem desse poder, enquanto oposição ”razoável” e ”disposta à
cooperação” (Fernandes 1987: 212). Ela teve o mesmo destino dos anos 30. Uma outra tentativa de cogestão da
regulação foram as câmaras setoriais, organizações de compensações de interesses, nas quais os salários, preços
e outros índices de gestão empresarial eram negociados entre os empresários e a classe trabalhadora (Diniz 1996:
25). Foi possível negociar reduções da carga tributária com o governo federal e definir objetivos de
produtividade para estimular o consumo de automóveis. A produção de automóveis subiu de um milhão (1992)
para 1,6 milhões, em números arredondados (1994). O ”milagre econômico” (Oliveira 1998a: 178-187)
politicamente negociado deveu-se em parte à assunção dos custos por toda a população e à circunstância de que a
indústria automobilística continuava sendo o ramo central da indústria brasileira, mesmo depois da crise do
fordismo periférico. Sob Fernando Henrique Cardoso as câmaras setoriais, que tinham beneficiado tanto os
grupos de empresas quanto os trabalhadores, foram definidos como não-conformes ao mercado. Essa forma
corporativista de compensação de interesses foi marginalizada e os incentivos foram concedidos agora
diretamente nas formas do fomento do estabelecimento de empresas, isenções de impostos e política
alfandegária, o que configurou em primeiro plano um subsídio ao capital.

A desmontagem do poder sobre o espaço, centrado no Estado, não se deu apenas no plano nacional. No
plano local, Paulo Maluf implementou um projeto hegemônico com dois objetivos. Por um lado ele queria
combater o PT e os trabalhadores organizados. Aqui o PSDB local, que facilitou com a sua política não-
diferenciada de oposição a destituição do PT do governo municipal nas eleições de 1992, ajudou
substancialmente, mas não conseguiu impedir sua própria marginalização na política municipal. Desde 1993 o
PSDB formava juntamente com o PT, ao invés do PPB, a bancada da oposição na Câmara de Vereadores. Essa
batalha na luta de classes foi vencida e o PT foi impedido em São Paulo de transformar a maior cidade do país
em projeto piloto de uma política alternativa. A direita tinha uma clara consciência do potencial poder de
irradiação de uma ”São Paulo vermelha”. Com efeito, mesmo a cidade de Porto Alegre, muito menor e menos
importante, exerce essa função germinalmente. Por isso a direita investiu maciçamente na destituição do PT nas
eleições. Por outro lado, o projeto de Estado de Maluf consistia em assumir partes importantes de modelos
esquerdistas de organização. À diferença de antigamente, quando havia uma discussão ideológica entre a
esquerda e a direita sobre maiores investimentos na área social ou em ”obras”, Maluf logrou evitar nas eleições
de 1996 justamente esse confronto, apresentando em tática ofensiva programas sociais inovadores. A direita
conseguiu ocupar ”temas sociais”, isto é, os temas outrora associados com a esquerda mudaram de lado. Dois
projetos sociais, o PAS e o ”Projeto Cingapura” permitiram a Maluf impor o seu sucessor (Abrucio, Couto 1996:
41). Maluf conseguiu assim desideologicizar o discurso político. O seu lema tecnocrático ”O povo quer menos
discussão, menos política e mais resultados” formava o centro de um discurso antidemocrático (cf. Novy 1998:
cap. 6.3.2.). O governo municipal do PPB apoiou politicamente o governo federal formado pela coalizão entre o
PSDB e o PFL, embora o PPB e o PSDB fossem concorrentes nos planos local e regional. As diferenças
estruturais entre os modelos de Estado eram extremamente reduzidas nos planos nacional e local. O projeto
hegemônico de Maluf consistia em impossibilitar a cogestão ativa dos cidadãos, dificultando o acesso à
informação e com isso a realização de uma discussão pública racional. O modelo da tecnocracia neutra
desembocou num isolamento do processo decisório. A legitimação do complexo hierárquico-autoritário de poder
e saber se deu apenas de forma indiretamente democrática. A condução do Estado, orientada por padrões de
centralismo e eficiência, foi acoplada a uma política assistencial e de bem-estar social meramente simbólica, pois
quantitativamente insignificante.

Em 1994 ocorreu no plano nacional o colapso definitivo do velho campo de poder, que já se prenunciara
com a eleição de Collor. À primeira vista parecia em 1994 que o establishment estaria agora finalmente disposto
a aceitar Lula como presidente, pois o seu programa de forte inspiração socialdemocrata assustava menos do que

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o programa muito mais radical de 1989. Mas a dianteira nas pesquisas dissolveu-se com a queda do índice da
inflação na esteira da introdução do Plano Real. O resultado do êxito da política de dolarização e liberalização
foi que o seu inventor, Fernando Henrique Cardoso, chegasse quase que sem esforço ao poder, respaldado pela
aliança entre o PSDB e o PFL. Com o Plano Real os grupos dominantes se despediram definitivamente do velho
campo de poder. Abriram assim mão das vantagens desse campo orientado para a compensação de interesses, o
que acelerou a eliminação de frações mais fracas, menores do capital nacional do bloco de poder. Assim a
desindustrialização enfraqueceu a indústria nacional diante dos importadores e dos grupos orientados segundo o
mercado de capitais; em parte foi também observada uma metamorfose entre os proprietários de capitais, pois
proprietários de empresas de produção se tornaram rentiers no mercado financeiro. À guisa de compensação pela
eliminação do núcleo do bloco de poder, ofereceu-se a esses grupos no curto prazo uma fonte alternativa de
receita por meio dos lucros elevados propiciados pelo mercado financeiro. Essa parte da classe média apoiou o
modelo garantidor do patrimônio, defendido pelo Plano Real. A estabilidade da moeda consolidou a legitimidade
do novo modelo político de um Estado mínimo, pois só esse modelo poderia produzir a estabilidade do valor da
moeda (Pereira 1998: 148).

Sem dúvida a regulação da moeda está no centro das novas reformas estruturais. A defesa da
rentabilidade das aplicações financeiras foi o objetivo principal. Por isso as taxas de câmbio estáveis e os juros
elevados formaram o núcleo da regulação. Evidenciou-se no modo, pelo qual o Plano Real foi defendido, quão
subordinados eram os outros objetivos. A política fiscal serviu ao financiamento da política da moeda forte. A
quota tributária que já aumentara nos anos 90, foi aumentada ainda mais para defender o Real. O financiamento
da des-ordem exigiu impostos tão ”irracionais” como o imposto sobre o cheque, violentamente criticado pela
burguesia e pelos empresários, ou o aumento do imposto de renda na razão de 10%. Só assim o Estado conseguia
atender as reivindicações que lhe eram apresentadas. O estabelecimento de indústrias e a compra de empresas
estatais foram subsidiados, assim como a posse de títulos de dívida do tesouro. O déficit orçamentário, cujo
represamento fora outrora o objetivo supremo da política econômica do governo, aumentou fortemente apesar da
venda das grandes estatais. A conseqüência quase que forçosa foi a necessidade de cortar os recursos para gastos
sociais por ocasião de cada crise nova. A abertura para o mercado mundial esteve também em segundo plano
diante da regulação da moeda. A indústria automobilística, ramo industrial central do Brasil, controlado por
grandes conglomerados internacionais, já se protegeu novamente em 1995 mediante uma elevada taxa
alfandegária. Por ocasião da segunda ”crise asiática” o governo reagiu com barreiras comerciais não-
alfandegárias, como genericamente o pragmatismo na política comercial se opunha ao dogmatismo na política
monetária. As transformações no campo da regulação do trabalho tinham levado em primeiro lugar a um
enfraquecimento dos trabalhadores organizados e a uma maior dependência de todos os assalariados das suas
respectivas empresas, devido a desregulamentação no direito trabalhista e o aumento do desemprego. O
crescimento econômico extremamente modesto dos últimos anos assinalou um limite do modelo. Em uma
economia em vias de estagnação, as margens de lucro só podiam ser aumentadas mediante uma redução ainda
maior da quota salarial. A distribuição da renda se deteriorou, necessariamente.

Enquanto centro da resistência contra a ditadura, São Paulo oscilou nos anos 80 entre projetos de Estado
comprometidos com o populismo de direita e de esquerda e projetos de Estado de esquerda; mas nenhuma força
social dispunha de um projeto hegemônico que abrangesse o Estado e o setor privado. As oscilações e
inseguranças foram correspondentemente fortes. O governo local estava nas mãos da direita, o regional era
controlado pelo centro. Todos os quatro governadores paulistas do período pós-autoritário saíram das fileiras do
PMDB, Franco Montoro e Mário Covas mudaram-se mais tarde para o PSDB, ao passo que Fleury encerrou o
seu mandato como membro do PMDB e Quércia continuou dominando o PMDB de São Paulo. Dessa
continuidade resultou também a reduzida autonomia dos campos discursivos e organizacionais da região. Não
obstante, é possível identificar alguns elementos específicos do campo regional. São Paulo beneficiou-se do fato
de ser centro da estratégia de desenvolvimento nacional, sua base de poder era a indústria, com ajuda da qual foi
possível hierarquizar o espaço nacional. Nos anos 80 esses interesses industriais entraram em crise crescente,
juntamente com o modelo de desenvolvimento nacional. Desde então era possível observar um processo de
desindustrialização que transcorria simultaneamente a uma internacionalização das estruturas de propriedade. A
fração dominante do capital foi a internacional, que assegurou para si os setores mais lucrativos da economia
paulistana e fortaleceu a sua posição-chave mediante a compra de empresas estatais. Seu parceiro era o capital
financeiro nacional, que via de regra conseguia impor-se em decisões de política econômica na concorrência com
o capital industrial. Por seu lado ele se subordinou incondicionalmente ao sistema internacional financeiro ou
está estreitissimamente entrelaçado com ele desde o fim dos controles dos fluxos de capitais. Ao mesmo tempo
alguns novos executivos sonhavam com uma forma de política econômica nacional, centrada no monopólio
estatal. Assim Benjamin Steinbruch, para citar um exemplo, diretor-presidente da CNS, da Eletropaulo
Metropolitana e da CVRD afirmou que o processo de concentração ainda está longe de ter sido concluído, pois a

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indústria nacional ainda não é realmente competitiva em escala internacional. “Os nossos gigantes empresariais,
em termos mundiais, ainda são pequenos, e disso ninguém mais tem dúvidas. É por isso que o nosso novo
capitalismo deve estimular que esses grupos se unam, minimizem as suas diferenças e se engajem em
megaprojetos, dentro e fora do país, destinados a realizar objetivos nacionais que são maiores e mais fortes que
os meros objetivos empresariais” (Steinbruch 1998).

Uma das regras fundamentais da estabilização da dominação é a inexistência de uma mera seqüência de
grupos e sistemas produtivos dominantes, como as teorias gradualistas de procedência liberal e marxista
freqüentemente sugerem. Muito pelo contrário, o novo, a solução recém-encontrada, contém sempre elementos
do velho. ”Isso levou a pensar que ainda quando a ‘sociedade tradicional’ haja transformado em grande medida
sua face econômica, contudo, alguns de seus grupos não perderam o controle do sistema de poder, apesar de
terem sido obrigados a estabelecer um sistema complexo de alianças com os novos grupos que surgiram.”
(Cardoso, Faletto 1979: 13). Para dominar o seu próprio espaço de poder, fazia-se mister a liderança ideológica
na formação da opinião pública local. Mas isso praticamente não era possível, precisamente por causa da
regulação que abria fissuras no espaço de poder, que se caracterizava pela sujeição ao regime internacional. A
classe dominante brasileira continuou sendo o ”parceiro júnior”13 do capital internacional. Mas ela se viu, muito
mais do que no passado, privada de instrumentos autônomos de poder, dependendo, por conseguinte, da
benevolência dos parceiros internacionais na execução da sua política nacional. Foram implementadas
contrareformas que novamente faziam da distinção entre ”interno” e ”externo” uma fronteira definidora. O novo
campo atribuiu o papel-chave à regulação da moeda que era definida ”externamente” e se operava de forma
crescentemente privada. Alterações externas, fossem elas a ”crise asiática” ou a ”crise russa”, tornaram-se mais
uma vez os fatores definidores do espaço do poder interno. Os atores nos campos locais, regionais e nacionais do
poder sobre o espaço olharam mais uma vez ”para fora” para reconhecer a sua posição no arcabouço do poder
interno. Nesse modo de regulação, as possibilidades da criação de uma hegemonia para dentro eram
extremamente difíceis. Por isso a essência da hegemonia visada baseou-se também - assim como nos cinco
séculos transcorridos - em grau bem mais elevado no enfraquecimento do adversário do que no fortalecimento da
própria posição. A mensagem central era: nem tudo está cor-de-rosa no momento, mas de outro modo tudo seria
muito pior.

Nos últimos dez anos foram constatadas transformações maciças no seio da esquerda, devendo-se
distinguir aqui basicamente entre duas correntes. O primeiro grupo organizou-se de forma mais ou menos
orgânica em torno do PT, da CUT e de setores dos movimentos sociais. Nos anos 80 o PT era considerado
radical por não aceitar a ”transição pactuada” e a conexa restauração da des-ordem enquanto estrutura antisocial,
mas nos anos 90 esses grupos ”progressistas” foram crescentemente etiquetados ”conservadores”, por serem
contra as planejadas reformas estruturais.14 Nos últimos anos esse bloco perdeu a dimensão da utopia, pois não
foi possível ancorar o socialismo no campo discursivo e organizacional da atualidade. Os ”radicais de outrora”
oscilavam entre a assunção da posição da terceira via à la Tony Blair e a defesa recalcitrante de uma velha ordem
que eles mesmos nem tinham criado e que no fundo era uma des-ordem.15 Como a esquerda conquistou cada vez
mais mandatos nos diferentes legislativos, poder-se-ia supor que a sua influência sobre a tomada das decisões
tivesse aumentado. Mas o contrário é o caso, pois desde 1994 os partidos de centro votam regularmente ao lado
da direita, dando assim ao governo e ao presidente uma base muito ampla no Legislativo. A esquerda não
encontrou nenhuma estratégia para sair do isolamento provocado por esse pacto.16

13
Esse conceito foi introduzido por Fernando Henrique Cardoso já no início dos anos 60, quando ele constatou a falta de
capacidade do empresariado para realizar uma revolução burguesa nacional autônoma. Hoje a esperança deveria consistir em
ascender, de um país do Terceiro Mundo, a um estatuto comparável ao do Canadá - ou da Áustria: dependente, mas
desenvolvido (cf. Fiori 1997: 181).
14
Os assim chamados ”progressistas de outrora” pretendiam conservar o Estado enquanto Estado ativo, o que era, no
vocabulário dos seus críticos, sinônimo de consolidação do status quo. Com isso eles defenderiam os interesses dos grupos
favorecidos pelo sistema vigente: dos funcionários e dos assalariados na economia formal. Seriam, portanto, corporativistas.
Essa linha de argumentação ajudou Collor a ganhar as eleições e ganhou desde então muita força.
15
Para ela parece comprovar-se a verdade do que Giulio Andreotti, a velha raposa da política italiana, membro de um partido
que esteve 40 anos no governo, afirmou: ”O poder desgasta a quem não o tem”.
16
Nas eleições municipais de 1996 a esquerda obteve êxitos no primeiro turno. Em sete capitais estaduais o PT entrou no
segundo turno, mas ganhou somente uma vez (FSP 17.11.1996), pois os candidatos de centro-direita se aliavam
regularmente. Em conseqüência disso os partidos de esquerda tentaram em 1998 na medida do possível apresentar candidatos
que expressassem alianças. O PDT e o PT chegaram no plano nacional a um consenso quanto à chapa formada por Lula
(presidente - PT) e Leonel Brizola (vice-presidente - PDT).

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O segundo grupo que se organizou no PMDB e posteriormente no PSDB e que foi engrossado sempre
de novo por simpatizantes do PT17 foi a ala reformista que não gostava da globalização, mas aceitava-a como
inevitável. Justamente no PSDB os interesses do capital financeiro estão fortemente representados. A direita, em
São Paulo concretamente o PPB, defendeu os interesses do capital produtivo nacional. Por isso Antônio Delfim
Netto, porta-voz do PPB em assuntos econômicos, foi também um dos principais críticos do Plano Real que
enfraqueceu a indústria nacional no mercado doméstico, com sua política da moeda forte e dos juros elevados. A
indústria nacional dependia do crescimento das exportações, que se revelava difícil em virtude da taxa de câmbio
desfavorável. A crítica permanente ao governo não impediu o PPB de cosustentar em larga escala as
contrareformas. Ele parecia adaptar-se à circunstância de que a sua clientela mais importante se transformava
cada vez mais em grupo de rentiers ligados aos interesses do capital financeiro. Os proprietários de patrimônios
estavam interessados em uma moeda forte e nos juros elevados. Isso explica porque ocorreu, apesar das tensões
iniciais uma coalização de interesses entre o PSDB e o PPB no plano nacional. Assim o conflito entre o PSDB e
o PPB em torno do governo estadual de São Paulo foi em parte unicamente um conflito entre grupos distintos do
mesmo bloco de poder. O PSDB regional seguia aqui uma concepção do Estado que se orientava mais segundo o
modelo nacional de um Estado enxuto, ”regulador” e de uma prestação de serviços públicos realizada pela
sociedade civil e pelo setor privado. Aqui o PSDB via de forma antes positiva a participação em si, sobretudo a
da classe média, desde que o quadro geral da ordem social não fosse colocado em cheque. Inversamente, Maluf
defendeu um modelo mais fortemente centralista, explicitamente comprometido com ideais tecnocráticos e a
democracia plebiscitária, que promovia a terceirização exclusivamente para o setor privado, sem inclusão da
sociedade civil. O modelo do PSDB procurou assegurar a concordância das grandes massas por meio de uma
política social liberal de participação sem redistribuição, permitindo a participação de cidadãos economicamente
protegidos. Por isso o modelo progressista de cogestão no plano regional, defendido pelo PSDB, não estava em
oposição ao modelo do governo federal, também do PSDB, mas consistia no fato dele ser implementado de
modo ”mais honesto”, isto é, com menos consideração dos interesses particularistas no bloco de poder. A
esquerda justificou seu pragmatismo com a ética da responsabilidade de Max Weber ou com a ”paixão pelo
possível” (Cardoso, Faletto 1976: 212). No fundo esse grupo defendia uma posição muito convencional e em
parte dogmaticamente marxista do economicismo. A única diferença residia no fato de que agora o
desenvolvimento das forças produtivas, ao invés de depender do Estado, era determinado exclusivamente pelo
mercado. Ao invés de defender esse desenvolvimento das forças produtivas em nome do empresariado nacional,
isso foi feito em nome da globalização do capital. A utopia da qual esse grupo era tributário não era mais o
socialismo, mas uma modernidade abstrata em delimitação contra o velho e o atraso (Jaguaribe 1990). São Paulo
representava a modernidade econômica, muitos dos que implementaram as contrareformas em Brasília vinham de
São Paulo. Nesse sentido se pode afirmar também que o governo federal em Brasília era ocupado por uma
vanguarda brasileira. Mas infelizmente ela se colocou na tradição de uma ”vanguarda do atraso” (Oliveira
1998b).

As contrareformas implementaram transformações institucionais que estabilizaram a estrutura atrasada


do poder nos novos tempos. A única revolução para a qual os grupos dominantes sempre se podiam mobilizar,
ainda que com dificuldade, era a preservação da estrutura social por meio de uma dinamização do
desenvolvimento capitalista. Assim a democratização e a capitalização se tornaram incompatíveis (Oliveira
1998b: 88). A visível elitização da política estava relacionada com a polarização no mercado de trabalho que
criou um pequeno número de empregos altamente qualificados no setor de alta tecnologia, concentrado em São
Paulo, e empurrou simultaneamente a maioria da população para empregos precários, freqüentemente sem
segurança com referência aos direitos trabalhistas e sociais. Isso produziu em algumas pessoas a sensação de
viver numa época de possibilidades ilimitadas, ao passo que generalizou na maioria absoluta um sentimento
generalizado de insegurança (Novy, Mattl 1999). A falta de uma base material fomentou a individualização e a
tentativa de garantir-se no curto prazo. A opção de longo prazo de um ”jogo de soma mais”, no qual toda a
sociedade ganharia, no sentido de conquistar direitos sociais de cidadania, foi destruída nos últimos anos e os
defensores dessa posição foram marginalizados. Por várias razões, a crítica do quadro estrutural da des-ordem do
poder sobre o espaço foi considerada ilusória, não sendo, por conseguinte, desenvolvida. Todas as capacidades
intelectuais disponíveis dos governantes foram mobilizadas para compatibilizar o progresso econômico e a
inércia na política social (Fernandes 1987: 360). Juntamente com os velhos donos do poder, aqueles que tinham
sido convertidos de radicais em contrareformadores entronizaram o pragmatismo no lugar das visões da
transformação das estruturas. Já que a experiência ensinava que as grandes transformações não seriam possíveis,
os esforços contrareformadores estariam contribuindo para amenizar a desordem. Já que a pobreza não podia ser
abolida, a assistência seria ao menos organizada de forma mais eficiente... Mas o paradoxo do poder consiste no

17
O atual Ministro do Planejamento Antônio Kandir, o Secretário do Trabalho de São Paulo Walter Barelli, o sociólogo
Francisco Weffort, hoje Ministro da Cultura, e seu secretário José Álvaro Moisés são apenas alguns exemplos conhecidos.

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fato de que o resultado da eliminação da des-ordem do foco de atenção é que mesmo os objetivos modestos que
os contrareformadores se propõem não são atingidos, pois, devido à contraditoriedade da des-ordem, um
planejamento racional dessarte limitado não logra ultrapassar uma modernização da desordem. Como ele
legitima a des-ordem, surgida no decorrer de muitos séculos, como natural, a racionalidade oficialmente
aplaudida se desmascara como medularmente irracional: pagamentos de bilhões a título de serviço da dívida
servem ao saneamento das finanças públicas, cortes na área social servem para calçar no longo prazo os serviços
sociais, um fortalecimento da concentração nacional do capital privado serve à soberania nacional etc. No novo
campo dominante da racionalidade toda e qualquer ação política se reduziu à administração da des-ordem. Em
decorrência disso, reduziram-se as diferenças entre administradores de esquerda e direita.

Maluf representou em São Paulo a política do clientelismo e populismo no sentido clássico, ao passo
que o PSDB encarnou a direita moderna que tentou desvencilhar-se dessas formas da política. Mas em ambos os
casos - e aqui residem as semelhanças estruturais - tratou-se de projetos hegemônicos que incluíam a população
pobre apenas esporádica ou simbolicamente. A inserção isonômica mediante a garantia de direitos sociais de
cidadania não estava na agenda, foi até criticada como um dos principais males da ”constituição cidadã”. Para
Krebs (1997) o pragmatismo constatável na política é expressão da perplexidade. Socialdemocratas tornaram-se
liberais, liberais conservadores vestiram a fantasia socialdemocrata. No caso do Brasil, parece plausível falar de
socialdemocratas liberais, no caso do PSDB, e de liberais com tinturas sociais, nos casos do PPB e do PFL. No
fundo os dois grupos apenas estavam interessados em preservar o poder em uma situação historicamente aberta,
na qual as implicações da ação não podiam ser bem avaliadas. Em si a aliança entre o PSDB e o PFL, entre
paulistas e nordestinos, entre intelectuais e políticos provincianos, entre a alta burguesia industrial e os
latifundiários não representa nada de novo no Brasil. O ”idealismo liberal” uniu-se ao ”realismo conservador”
(Cf. Fernandes 1987: 50). Assim Fernando Henrique Cardoso possibilitou aos grupos dominantes tão-somente
implementar a velha fórmula da estabilização do poder em um novo contexto. Num momento de crise de
legitimação da direita tradicional, ele e o seu PSDB forneceram a renovação necessária para o autoritarismo
antisocial do establishment (Fiori 1997: 21). O PSDB tinha sido fundado em 1988 como partido reformista de
esquerda que inscreveu a democratização nas suas diferentes facetas na sua bandeira. Reivindicou no seu
programa, entre outras coisas, a descentralização das decisões até as unidades administrativas menores, o
fortalecimento do parlamento diante do Poder Executivo, um fortalecimento do Judiciário, um controle maior da
polícia e o combate à corrupção. Em todas essas áreas, não apenas na política econômica, o desenvolvimento nos
últimos anos enseja graves preocupações.18 A estabilização da des-ordem esteve em primeiro plano.

Durante séculos a fio os grupos dominantes sempre se aliaram quando a participação da sociedade era
reivindicada mais maciçamente ”a partir de baixo”. Mas não se recomenda fundamentar demais a crítica dessa
política dominante em princípios, como e.g. na fixação no mercado ou na política em defesa da moeda forte, pois
a afinidade a posições ideológicas é reduzida. Maluf mostrou isso com especial clareza ao questionar o
significado de direita e esquerda, conseqüentemente a importância das ideologias. Pode-se imaginar
perfeitamente que o papel do Estado será submetido nos próximos anos a uma transformação fundamental e que
a re-estatização seja promovida novamente pelos grupos que até pouco tempo atrás entoaram hinos de louvor ao
estado mínimo. A resposta à desideologicização não deve ser buscada no plano das técnicas sociais, mas na
crítica da des-ordem estrutural e na composição do bloco de poder. Um bloco de poder nunca encontra
dificuldades em configurar medidas institucionais em conformidade com os interesses, tampouco em fazer
pequenas concessões de ordem material a partir de uma posição de poder. Mesmo estruturas da regulação,
mesmo alterações estruturais individuais em um modo de regulação não estão infensas a produzirem efeitos de
estabilização do bloco de poder. Por isso a perda das eleições para a prefeitura de São Paulo em 1992 e 1996 e
para o governo do Estado de São Paulo em 1998 foram uma autêntica derrota para a esquerda.

Mas uma fraqueza maior e efetiva derrota da esquerda foram registradas em São Paulo no campo da
sociedade civil. A crise dramática das iniciativas de base e o aburguesamento do setor acadêmico da sociedade
civil enfraqueceram o campo organizacional e discursivo para um projeto contra-hegemônico. O espaço social de
uma sociedade civil alternativa que ainda fez de Mário Covas um prefeito progressista entre 1983 a 1985, à
medida que se exercia uma pressão de baixo para cima, esse espaço de poder faltou em 1994. Por isso o
governador Covas prestou uma contribuição muito limitada no sentido de abrir o tradicional espaço de poder
para baixo. À medida que a classe baixa era marginalizada, o sistema político ficou ameaçado de ser governado
18
O número crescente de conflitos e atos de violência politicamente motivados e denunciados por organizações de defesa dos
direitos humanos, sobretudo na zona rural, é outro fato a ensejar graves preocupações: em 1991 40 pessoas morreram em
conflitos fundiários, em 1992 35, em 1993 42, em 1994 36, em 1995 39 e em 1997 47 (Brasilienausschnittdienst 6/96: 26;
www.jb.com.br, 4 de agosto de 1999). O semanário alemão Die Zeit reporta na sua edição de 26 de abril de 1996 21.394
casos de trabalho escravo.

134
135

por segmentos concorrentes do establishment. O círculo de destinatários da participação se estreitou (Heins


1992). Dependendo da honorabilidade dos governantes, o establishment se empenhava mais ou menos
vigorosamente por uma política assistencialista de natureza compensatória. Mesmo a idéia da igualdade enquanto
ideal político foi esquecida por esse gerenciamento pragmático da política. As elites gerenciavam a ”estrutura do
conhecimento e do poder”, os pobres administravam a sua pobreza. Tanto mais significativo foi o fortalecimento
do MST (Movimento Sem Terra), que criticava ruidosamente a des-ordem e organizava os oprimidos. Ele
procura tornar realidade, em lugares reais, a utopia de uma sociedade socialista. Mas mesmo a resistência à des-
ordem permanece vinculada à estrutura irracional profunda. Muitas dimensões da práxis do movimento estão
comprometidas com o pensamento hierárquico, dominado pelos homens e orientado segundo a idéia do
progresso, próprio do sistema dominante. Mas o grande mérito do MST reside na problematização das estruturas
profundas e na compreensão da práxis como uma atividade transformadora das estruturas.

135
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5 As pessoas fazem história e geografia

”Os homens (e as mulheres (AN)) fazem a sua própria história,


mas eles não a fazem de livre e espontânea vontade,
em circunstâncias que eles mesmos escolheram,
mas em circunstâncias presentes
sem mediação, dadas e
transmitidas pela
tradição”
(Marx 1965: 9).

Como praticamente nenhuma outra citação, as palavras no início de ”O 18º Brumário de Louis Bonaparte” (Marx
1965) remetem à integração de estrutura e ação. Grandes construções teóricas como a da teoria da estruturação
de Anthony Giddens foram inspiradas pela idéia de que os homens e as mulheres agem no quadro de estruturas
organicamente surgidas no passado. Uma análise do poder sobre o espaço vai um passo além e enfatiza que as
pessoas não fazem apenas história, mas também geografia. Assim o ponto forte da re-interpretação do
desenvolvimento brasileiro aqui efetuada reside no enfoque explicitamente histórico-geográfico. No capítulo
conclusivo os resultados mais importantes são mais uma vez resumidos, com ênfase nas suas implicações
conceituais para pesquisas em outros contextos. Ao proceder assim, chamo a atenção à limitação das análises
sociológicas que não vão além da superfície. Ao passo que no trabalho realizado até agora o objetivo era gerar
teoria, desenvolve-se aqui também uma crítica do discurso dominante nas ciências sociais e regionais. A des-
ordem da periferia somente pode ser reconhecida por uma análise em profundidade que opera em nível mais
elevado de abstração. A relevância prática de análises do espaço de poder não se mede em recomendações de
ação, mas em descobertas [Einsichten] acerca das margens de ação que ultrapassam o bom senso superficial.
Vistas de perto, discussões acaloradas revelam levar a equívocos. Contradições pomposas evidenciam-se então
como meramente aparentes, quando reconhecemos o poder sobre o espaço como fator propulsor da des-ordem na
periferia.

5.1 As aparências enganam...


5.1.1 Mercado e Estado

A primeira discussão, tão difundida quão simultaneamente superficial, tem como objeto o par de termos opostos
mercado e Estado. A presente análise do poder sobre o espaço mostrou que os mercados foram e são criados e
regulados pelo Estado. A forma concreta da regulação orientou-se na história do Brasil sempre segundo as
relações de força respectivamente predominantes, isto é, os mercados estavam via de regra, como a sociedade
enquanto totalidade, estruturados de modo muito assimétrico. Analisar o mercado isoladamente seduz a vê-lo
como ”um verdadeiro Eden dos direitos humanos inatos”. Como Marx enfatiza, ”[a] única coisa que domina aqui
é liberdade, igualdade, propriedade e Bentham” (1983<1867>: 189). No entanto, os mercados não podem ser
”livres” do seu entorno social e do Estado e são, por essa razão, apenas uma forma de regulação ao lado de
outras.1 Para o mercado mais importante, o de trabalho, vale adicionalmente que ele fundamenta uma relação de
autoridade que estabelece um limite ao reino da liberdade e ao ideal burguês da igualdade (Bowles, Gintis 1986:
72). A força de trabalho deve ser vendida para que os trabalhadores possam consumir. Por sua vez, as normas de
consumo fornecem o fundamento de chances e estilos de vida. Vamos agora sistematizar esses argumentos mais
uma vez, mais especificamente na síntese do material empírico. Sob o modo de desenvolvimento orientado para
fora, o Estado criou em 1850 os mercados fundiário e de trabalho. Com isso foram encerradas décadas de
insegurança nas transações econômicas de mão-de-obra e terras. Foram criadas duas ”mercadorias fictícias”
(Polanyi 1978: 183). Isso se deu de um modo que não colocou em risco, mas até consolidou a estrutura
dominante do poder e da produção. O livre acesso à terra foi abortado, a distribuição desta transformada em
1
Em princípio os mercados são capitalistas nas sociedades capitalistas. Por isso os produtores estão separados do seu
produto, a sua força de trabalho se transforma em mercadoria, produz-se mais-valia, por sua vez apropriada privadamente (cf.
Röttger 1997: 33-39).

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monopólio do Estado. Destituídos de qualquer acesso à terra e aos meios de produção, os escravos não se
tornaram agricultores, cidadãos ou empresários, mas por força da coerção, mão-de-obra nas grandes plantações
capitalistas de café e nas grandes fábricas. A intervenção no mercado se deu nas primeiras três décadas do séc.
XX sobretudo no setor que era importante para os grupos dominantes, na estabilização do preço do café. A força
autodestrutiva inerente aos mercados foi atenuada pela política de sustentação do café. O intervencionismo
estatal pode ser interpretado como resposta pragmática ao fracasso da regulação pelo mercado. As reformas
estruturais do Estado do pós-guerra - reforma agrária, política redistribucionista, industrialização - foram reações
adicionais a esse fracasso do mercado, mas foram implementadas apenas fragmentariamente. Na atual fase de
abertura para o mercado mundial os problemas e reflexões dos anos 30 parecem ter caído no esquecimento. Ao
invés de um fracasso do mercado, parece que estamos agora diante de um fracasso do Estado; e reformas
estruturais significam hoje o contrário do que os estruturalistas da CEPAL tinham em mente nos anos 50. Hoje a
desmontagem de instituições impeditivas do mercado está na ordem do dia (Fiori 1995a: XIV). Ocorre que o
Estado neoliberal é tudo menos um laissez-faire ou um estado mínimo. O sistema de mercado e o
intervencionismo não se excluem de modo nenhum. ”Enquanto o sistema não estiver estabelecido, os liberais
devem conclamar e conclamarão sem hesitar por intervenções estatais para fins de seu estabelecimento, e tão
logo isso tenha ocorrido, eles conclamarão por intervenções estatais para o fim de preservá-lo” (Polanyi 1978:
206). Atualmente estão na agenda o seguro-aposentadoria, a educação e a saúde, que são claramente também
”mercadorias fictícias” percebidas durante o modelo orientado para o desenvolvimento e até há pouco tempo
como tarefas nucleares do Estado. O modo pelo qual a qualidade do seguro-aposentadoria, da educação e da
saúde estão atualmente vinculados à renda financeira revela o caráter cimentador do poder, próprio dessas
contrareformas. O plano de frente foi ocupado pela inserção de novas áreas na esfera da lógica da mercadoria. A
transformação em mercadorias de áreas até agora subtraídas a essa lógica deverá ajudar a impedir uma iminente
crise de valorização do capital.

5.1.1 Liberalismo e intervenção do Estado


Nenhuma outra ideologia ocupou com tanta renitência um papel-chave no discurso oficial e dominante do Brasil
como o liberalismo. Ele sempre foi parte da ideologia oficial, mas é simultaneamente uma ”idéia fora do lugar”,
o que explica a sua reduzida eficácia prática. Cidadãos-proprietários [Besitzbürger] livres e interagentes não
formam o fundamento da sociedade brasileira. Apesar disso o liberalismo desempenhou no séc. XIX um papel
construtivo no processo de formação da nacionalidade (Fernandes 1987: 34 ss.). Já no séc. XVIII, o Brasil imitou
a potência dirigente também no plano ideológico, pois os isomorfismos discursivo e organizacional sempre
desempenharam um papel importante. Mas a estrutura de poder no Brasil adaptou essas influências externas de
forma autônoma, razão pela qual o ”liberalismo real”2 brasileiro é tão contraditório e irracional como a realidade
à qual se refere. A estatalidade brasileira fundamentou-se nacionalmente no patrimonialismo enquanto forma
estamental autoritária de Estado e localmente na dominância da plantação e do engenho de açúcar enquanto
dominação político-econômica total exercida pelo barão açucareiro. O liberalismo inspirou os escravagistas na
sua luta contra Portugal. Como nacionalismo antilusitano ele se jogou sem delongas nos braços do imperialismo
britânico. A libertação liberal do Estado português não desembocou em nenhuma democratização da sociedade
nacional, pois a escravidão somente foi substituída pelo mercado livre de trabalho. No fim do séc. XIX o
”liberalismo real” acabou se impondo definitivamente com a República Velha. Apesar da sua retórica antiestatal,
os liberais nunca lograram criar um espaço autônomo da sociedade civil e cedo se viram obrigados a recorrer ao
intervencionismo estatal para sustentar o café. A oligarquia agrária dominava os espaços do poder
descentralizado e reprimia os germes de uma sociedade civil e da divisão dos poderes. No regime de acumulação
dominantemente intensivo o empresariado assegurou para si com um discurso liberal e uma prática
intervencionista as suas margens de lucro pela via dos incentivos concedidos pelo Estado. Nesse tocante os
barões do café não se distinguiram dos industriais que a partir de 1930 ocuparam o seu lugar no topo da
hierarquia do bloco de poder. A socialização dos custos e das perdas permaneceu um traço distintivo estrutural
de uma camada dirigente que sempre foi apenas parcialmente liberal. Os políticos e o estamento do
funcionalismo público garantiram para si a sua renda mediante o pagamento de receitas que se manifestavam na
2
Termo cunhado na esteira de ”socialismo real” e para estabelecer uma distinção contra a denominação ”mercantilismo”, que
o liberal peruano Hernando de Soto (1987: 201 ss.) utilizou para caracterizar o sistema econômico latino-americano da
década de 1980. Ele é também o ”liberalismo real” enquanto liberalismo daquele partido que como Partido da Frente Liberal
(PFL) atualmente é a maior força na aliança governamental: ”The modernizing - and modernist - conception of political
development espoused by the Cardoso family is, to quote a famous article, an example of ‘ideas out of place’ (Schwarz): the
slave owners were liberals, the bringers of foreign capital were nationalists, and now the modernizers wish to bring
citizenship under the aegis of a political system which guarantees rights only to those endowed with wealth and power”
(Lehmann 1990: 75). Santos (1978) reflete sobre a ”práxis do liberalismo”.

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distribuição política do dinheiro. Finalmente os liberais e suas idéias acerca de uma economia de mercado
chegaram por um breve período ao poder em 1945. Depois da sua destituição por via eleitoral, ocorrida poucos
anos mais tarde, eles minaram a estratégia nacional-populista de Getúlio Vargas sem poderem oferecer uma
alternativa. O ”liberalismo real” foi finalmente levado às últimas conseqüências pela ditadura militar: recheada
de defensores do liberalismo econômico, ela realizou um processo maciço de estatização, somente permitido a
uma ditadura de direita que não sofreu sanções internacionais. Mas os militares conduziram o Estado a uma crise
fiscal da qual ele ainda não se recuperara duas décadas mais tarde. Nos anos 80 o liberalismo foi proposto mais
uma vez como solução, dessa vez na forma da privatização do estado-nação. O ”liberalismo real” dos anos 90 é
sem dúvida mais ambicioso está mais próximo ao liberalismo ”puro”, isto é, ao liberalismo desejado por Hayek e
Friedman, do que as formas anteriores do liberalismo brasileiro. Atualmente está em pauta uma capitalização
integral da sociedade, o que se dá por via da privatização, mas também por parcerias entre o Estado e a
sociedade civil no sentido de uma nova governance.

”Neoliberalismo” é uma palavra cujo núcleo pode ser desmascarado somente com dificuldade. Por esse
motivo desistiu-se nesse trabalho na medida do possível denominar determinadas políticas econômicas
neoliberais. Isso não em último lugar, porque todos os últimos presidentes se distanciaram dele. Sarney quis fazer
”tudo pelo social”, Collor foi um ”liberal social” e Fernando Henrique Cardoso obviamente não é um neoliberal,
mas um ”socialdemocrata”. Por essa razão pretendo orientar-me na argumentação a seguir segundo um enfoque
estreito, mas de perfil claro [prägnant] de neoliberalismo, tal como ele foi desenvolvido por Michel Foucault.3 O
neoliberalismo inaugura novas liberdades, pois abandona tudo a processos sociais de negociação. Pode-se falar
de tudo, enquanto essas negociações se moverem apenas no chão de cálculos de custos e benefícios. Por meio da
restrição ao que é ”realista” essas novas liberdades possibilitam novas formas de controle que não funcionam
nem pela via da repressão nem pela da inserção hegemônica (Lemke 1997: 254 s.).

Nos últimos anos, a reestruturação organizacional do Estado transcorreu analogamente à reestruturação


do discurso como uma combinação de transformação e constância. O núcleo duro ou, como se costuma dizer,
estratégico do Estado continua sendo dirigido segundo formas autoritárias - em parte arcaicas, em parte
modernas. A parte militarizada do Estado, o Estado de Segurança, e a alta administração enquanto núcleo
estratégico do bloco de poder preservam-se partes substanciais dos privilégios amplamente criticados dos
”servidores públicos”, tais como altos ordenados, estabilidade ou promoções etc. Compete à alta burocracia,
conduzida agora como em uma gestão empresarial, a tarefa de dirigir o Estado. A implementação é terceirizada a
organizações sociais semi-estatais ou semi-sociais nas quais imperam as mesmas condições precárias do mercado
de trabalho restante, de estatuto privado. Mas essa modernização do Estado foi extremamente seletiva. Sob um
governo obsessionado com a modernização como o de Fernando Henrique Cardoso, o clientelismo no
Legislativo reduziu-se unicamente em virtude da falta de recursos públicos a serem distribuídos. O mandato de
quatro anos foi pontuado por uma pletora de escândalos cujo ponto culminante foi a compra de votos para a
emenda constitucional que assegurou ao presidente a possibilidade de recandidatura. Isso não causa admiração,
pois genericamente o Congresso é dominado pelas mesmas forças que tinham refinado o clientelismo durante
muitas décadas. No Executivo foi possível desacoplar em larga escala o núcleo duro da política econômica e o
technopol que o implementou da sociedade civil e dos acontecimentos políticos em geral (Fiori 1997: 13). O
novo discurso autoritário vê agora na excessiva participação democrática um risco de ”governabilidade” (Becker
1998a: 13). Menos democracia permitiria uma condução mais eficiente do Estado. O novo modelo de
estatalidade - governance - define as diferentes áreas da disponibilização de serviços públicos como mercados.
Neles, os atores competentes seriam o setor privado e em algumas áreas parciais também as ONGs, pois
ofereceriam serviços de forma eficiente, eficaz e em elevado nível de qualidade. Mas o setor privado otimizaria
apenas a eficiência individual, razão pela qual competiria ao Estado enquanto regulador definir as regras no
sentido de que a eficiência econômica global ficasse assegurada. Esse modelo de ”direção” e ”implementação” é
a inovação institucional que define o perfil da discussão da reforma do Estado. Muitas das mais variadas críticas
do modelo burocrático-estatal são levados em consideração nesse novo arranjo institucional: a participação da
sociedade civil deve ser assegurada mediante a inserção das ONGs, as regras burocráticas rígidas são substituídas
por um modus operandi mais descentralizado, mais flexível e orientado por resultados. Mas ao mesmo tempo
trata-se apenas daquelas reformas que não põem em cheque nem a estrutura fundamental do poder nem o bloco
de poder. No setor da prestação de serviços públicos a administração é reestruturada na direção do tipo
organizacional da empresa. As organizações sociais são uma forma organizacional que o governo denomina não-
estatal, mas pública, uma forma mista entre o Estado e a sociedade. Mas a configuração concreta define a sua
eficácia, pois trata-se, em virtude da composição do conselho administrativo, do poder de normatização e do

3
As conferências de Foucault sobre esse tema infelizmente existem apenas em forma de fitas (cf. Lemke 1997, Schmid
1991).

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monopólio de recursos, de uma estatização da sociedade. A sociedade civil, outrora independente e


freqüentemente oposicionista no curso da democratização, é encarregada da disponibilização dos serviços
públicos e se torna assim parte oficial do Estado ampliado. Mas, argumentando na esteira de Foucault, o Estado e
sociedade civil, isto é, o Estado ampliado, estão sujeitos crescentemente ao mesmo cálculo. O poder exerce uma
influência especialmente profunda para dentro dessas organizações de base.4 Em última instância, essa forma de
estatização da sociedade fomenta a simultânea economicização do Estado e da sociedade. Organizações estatais e
da sociedade civil são tratadas como empresas. Chega-se a uma ampliação conseqüente da forma econômica para
a dimensão do social. Elimina-se a diferença entre a economia e a dimensão social. ”Deve-se registrar que
esquemas de análise econômica e critérios decisórios de natureza econômica são transferidos aqui a áreas que
não são ou não são exclusivamente áreas econômicas ou que se credenciam até pela sua diferença com relação a
uma racionalidade econômica [...]. Nessa perspectiva, a economia não é uma área claramente delimitada e bem
caracterizada da existência humana, mas abrange em princípio todas as formas da ação e do comportamento
humanos” (Lemke 1997: 248). O neoliberalismo encoraja os indivíduos à ação empreendedora. O desejo de ter
espaços de configuração individual do trabalho e da vida e os empenhos em ter autonomia são respondidos com
uma oferta de participação. Por um lado, o poder sobre o espaço se subtrai ao acesso da ação individual; por
outro, a configuração concreta da estrutura adquire maior multiplicidade, ”O ‘preço’ dessa participação é que as
próprias pessoas precisam assumir a responsabilidade por essas atividades - e pelo seu fracasso” (Lemke 1997:
254). ”A generalização da forma econômica preenche duas tarefas importantes: em primeiro lugar ela funciona
como princípio analítico, examinando áreas e formas de ação não-econômicas por meio de categorias
econômicas. As relações sociais e o comportamento individual são decifrados segundo critérios econômicos e no
âmbito de um horizonte de inteligibilidade econômica. Em segundo lugar, o sistema de coordenadas econômicas
possui também um caráter programático, à medida que ele permite a avaliação crítica das práticas
governamentais com base em conceitos de mercado: ele permite examiná-las, criticá-las por excesso e abuso e
filtrá-las segundo o jogo de oferta e demanda. Ao passo que o liberalismo clássico instou o governo a respeitar a
forma do mercado, o mercado, nessa concepção, já não é mais o princípio da autolimitação do governo, mas o
princípio que se volta contra o governo, ‘uma espécie de tribunal econômico permanente’” (Lemke 1997: 248).
Trata-se de uma ”homogeneização da política” que abrange toda a América Latina. Esse isomorfismo conduz a
programas e formas organizacionais unitárias - a uma estrutura unitária do poder -, o que não exige
incondicionalmente um centro unitário de decisões - um detentor do poder. Muito pelo contrário, o poder é
atualmente mais eficaz do que sob a ditadura. Não está simplesmente vinculado a um detentor localizado do
poder, do qual ele emana e pode, por conseguinte, ser simplesmente combatido. A perda de popularidade de
Fernando Henrique Cardoso não abalou a estrutura do poder. O que o professor de sociologia realizou no Brasil,
foi realizado em outros países latino-americanos por bonvivants, militares ou empresários. Isso assinala o
aparecimento e a imposição de um modelo, em escala mundial e nas áreas mais distintas imagináveis: do fim do
tratamento central, burocrático, orientado segundo regras e por conseguinte sempre igual e universalmente
aplicável, de problemas. Tal tratamento é substituído por um gerenciamento de problemas que se orienta
segundo resultados, se monitora a si mesmo e considera o respectivo contexto. O consenso atual - e esta é
simultaneamente uma das contradições - consiste na valorização positiva do concreto, da diferença, do
automonitoramento e do contexto, mas para sujeitar simultaneamente essa mesma concretude, autonomia e
variedade a um princípio universalmente válido: o da lógica do mercado capitalista. Chega-se à aplicação
generalizada de princípios de utilitarismo individual que passam a determinar o estilo de vida, juntamente com o
princípio da concorrência.

À guisa de resumo, podemos registrar que as discussões liberais tradicionais em torno de mais ou menos
Estado e mercado e as diferentes variações de um mix de Estado e mercado continuam aferradas ao plano
institucional, sem referir-se ao plano estrutural. Mas uma análise do poder sobre o espaço ultrapasssa a dicotomia
mercado-Estado e desvela as forças estruturais, à frente de todas a do capital. As forças produtivas do atual poder
sobre o espaço impulsionam a intensificação da produção capitalista e a interiorização do cálculo do lucro.
Depois da capitalização integral dos espaços físicos do território, forças fragmentadamente descentralizadas
passam a atuar hoje. Elas não estacam junto aos municípios e às ONGs, mas penetram nas cabeças das pessoas
para adaptar e instrumentalizá-las. ”Se essa hipótese for correta e a estratégia neoliberal consistir na substituição
dos tradicionais mecanismos rígidos de regulamentação pelo desenvolvimento de técnicas de autoregulação, será
imprescindível para a análise política transformar em objeto da análise as capacidades de automonitoramento de
um ‘indivíduo autônomo’ e o seu acoplamento a formas de dominação política e exploração econômica” (Lemke
1997: 256).

4
”It is a peculiar twist, then, that those small development organizations can operate on a grass-roots level, those often
considered to be the most effetive and certainly the most sensitive to local populations, appear to be potentially the most
dangerous if a Foucauldian sense of power is used do exame development” (DuBois 1991: 19).

139
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5.1.3 Poder e saber

Os intelectuais sempre foram de grande importância na evolução do Brasil. Talvez esse respeito quase
”reverente” pelos intelectuais seja o traço distintivo de uma nação subdesenvolvida (Tavares 1998: 45). Fato é
que os intelectuais sempre se interessaram fortemente pela política. Sobretudo nos anos 80 quase todos eram
politicamente ativos, até ”hiperativos” (Fiori 1995a: XI). A ala radical dos intelectuais, orientada para a
participação, apoiou os movimentos sociais na construção de um contrapoder. A ala moderada, centrada no
Estado - isto é, basicamente todos os intelectuais à exceção do PT e dos sindicatos próximos a ele - partiu de uma
visão instrumental do Estado, de uma visão que via no Estado um ator neutro que utilizava os instrumentos que
os detentores de posições no Estado queriam ver utilizados. No reordenamento atual da estatalidade, o campo do
saber e do poder está experimentando uma transformação maciça na direção de um campo de governance.
Quanto aos aspectos da organização e do discurso, os elementos nucleares dessa inovação originam-se no Brasil
de iniciativas de base que se formaram nos anos 70 na resistência contra o Estado autoritário e reivindicaram uma
forma de Estado não-tecnocrática, não-burocrática e descentralizada. Esse campo de saber-poder remontava a
Paulo Freire e à teologia da libertação, não discriminava o saber popular e dava aos atores das camadas inferiores
tempo e espaço para que articulassem o seu saber e deixassem que ele adquirisse eficácia (Novy 1988). Em
analogia à compreensão do espaço Freire identificava em uma concepção do saber como receptáculo a estrutura
fundamental de um campo repressivo de saber-poder. Os pobres seriam apenas receptáculos a serem preenchidos
pelo docente (Freire 1984: 57); a educação se transformaria em caderneta de poupança, capital humano. Alguns
dos elementos discursivos de Freire foram aceitos pela direita como crítica, absorvidos com adaptações e
transformados em pontos nodais no novo campo de saber-poder. Poder e saber deverão, nessa perspectiva, partir
de baixo e utilizar os recursos locais e o saber local para a solução do respectivo problema. Mas essa
multiplicidade local de situações e propostas de solução é avaliada segundo critérios unitários que
sobrevalorizam a dimensão monetário-financeira e se concentram em soluções técnicas. Com isso elas sujeitam
aspectos não-monetários e oposicionistas a uma lógica quantitativa. No caso da prestação do serviço público o
governo busca decididamente a participação da sociedade civil e de atores descentralizados. O campo do saber
estatal é constituído como um mercado, no qual o Poder Executivo dá as regras referentes ao valor de mercado
do saber. Mas estas são obrigadas a submeter-se a critérios rigorosamente acadêmicos de prestação do serviço,
dever de responsabilidade e prestação de contas, razão pela qual extensos segmentos de potenciais prestadores de
serviços se vêem liminarmente excluídos. Os mediadores com formação acadêmica (intermediários) entre os
grupos-alvo da prestação do serviço público e das instâncias decisórias estatais são valorizados, o que explica a
concordância de importante parcela dos intelectuais com a reforma atual do Estado. No regime de governance,
os intermediários podem assumir o papel dos funcionários de carreira cujo número está regredindo
substancialmente diante do número de funcionários durante o regime de government. De resto eles são, à
diferença do funcionalismo público, intermediários em situação bem mais precária, pois a sua posição
privilegiada nunca está duradouramente assegurada, mas precisa ser constantemente conquistada. Isso aumenta a
insegurança individual e com isso a pressão ao conformismo. Esses intermediários são oriundos do mesmo meio
cultural que nos anos 80 estava orientado na direção das iniciativas de base, que então estavam surgindo
poderosamente. Nessa conjuntura muitos desses intelectuais foram advogados da base, seja como arquitetos,
advogados ou médicos. O enfraquecimento da base ensejou o desaparecimento da identificação com os setores
inferiores, a profissionalização aumentou a dependência dos financiadores. O novo campo de saber-poder não é
neutro, plano e aberto, mas inclinado e repleto de obstáculos que alguns podem vencer com maior facilidade do
que outros. A configuração discursiva e organizacional do novo campo, organizado à semelhança do mercado e
academicizado, fomenta a ”elitização” na era da ”Nova Renascença”. Esse campo que se baseia em recursos ”de
baixo” usa o potencial criativo da base para vivificar um saber acadêmico exangüe. Ao mesmo tempo ele
marginaliza a base. No âmbito de uma ”cultura de projetos” predomina a coerção à apresentação de êxitos no
curto prazo, o que contradiz a natureza de processos de desenvolvimento (Novy 1997a). Projetos opõem-se a
processos, sendo que a lógica do primeiro domina o processo de desenvolvimento. A lógica da implementação
racional do projeto está em contradição com a opressão multissecular à qual os ”grupos-alvo” de projetos quase
sempre estiveram expostos no âmbito da governance. A consciência coletiva dos oprimidos se caracteriza pela
cultura do silêncio, ”pelo roubo da linguagem, pela destruição da identidade cultural dos oprimidos, pela sua
redução à existência de animais domésticos, inconscientes, indefesos, destituídos de esperança” (Lange 1984:
11). Como essas estruturas podem ser rompidas no curto prazo por um gerenciamento de projetos que pode ser
extremamente profissional, mas atua apenas na superfície? O desenvolvimento como intervenção temporalmente
limitada opõe-se assim ao desenvolvimento compreendido como processo histórico-geográfico,
conseqüentemente quase sempre lento. O presente trabalho mostrou o poder desse processo. O poder sobre o
espaço pesa sobre os ombros dos atores, fomenta a atuação rotinizada e reproduz injustiças. No entanto, isso não
é uma lei da natureza, mas resultado do ordenamento de instituições e técnicas sociais no âmbito de uma
estrutura de poder. Em Porto Alegre essa cooperação de Estado e sociedade civil foi organizada diferentemente.

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Como a elaboração do Orçamento Participativo foi democratizada enquanto ponto nodal no campo do poder
local, a lógica excludente da disponibilização descentralizada dos serviços também podia ser mantida dentro de
certos limites. No campo discursivo, no qual os novos intermediários da prestação do serviço se movem
normalmente, falta um conceito de estrutura. Muito pelo contrário tudo gira em torno de técnicas sociais. Mas
estas facilmente acabam sendo apropriadas pelos interesses da estrutura do poder. Com isso os intermediários
entram no mesmo beco sem saída do saber tecnocrático muitas vezes criticado, predominante no planejamento
urbano e territorial nos tempos da ditadura militar. Do mesmo modo como a burocracia estatal no passado, os
novos intermediários da sociedade civil partem de um saber ”neutro” e de uma competência profissional
”neutra”. As conseqüências para o processo de desenvolvimento são fatais, sobretudo porque se trata hoje, no
caso desses intermediários, de pessoas oriundas de um espaço social que precisou ser constituído a duras penas
na luta contra o Estado autoritário: da sociedade civil enquanto espaço de poder com uma lógica de ação
germinalmente distinta da do Estado e do capital e com um certo potencial emancipatório.

5.1.2 Centralização e descentralização


Por volta da virada do séc. XIX para o séc. XX Vilfredo Pareto elaborou uma concepção de estrutura
espacial de ordenamentos sociais, descrevendo um traço distintivo estrutural que parece ser pertinente para uma
compreensão precisa do desenvolvimento do Brasil: ”Em toda e qualquer sociedade humana duas forças se
antagonizam: uma, que poderíamos denominar centrípeta, impele à concentração do poder central; a outra, que
poderíamos denominar centrífuga, impele na direção da sua divisão. O ponto de gravidade dessas duas forças se
desloca em meio a um eterno vaivém, ora para um lado, ora para o outro, nem sempre de modo igual e regular,
mas conforme a época de modo diferente, e essas oscilações manifestam-se por meio de muitos e
multiplicíssimos fenômenos” (Pareto 1975: 311). Para Pareto a alternância entre regulação centralista e
descentralizada constitui uma ordem natural; teleologicamente uma fase de centralização é seguida por outra de
descentralização. Não há dúvida que durante extensos períodos do séc. XX houve uma centralização em escala
mundial. Mas assim como as tendências de centralização foram fortíssimas sobretudo depois da 2ª Guerra
Mundial e da vitória dos bolcheviques na Rússia em 1917, assim uma revolução ”rumo à descentralização
começou com igual força desde os anos 70, relativamente sem influências bélicas. No Brasil as coisas não se
passaram diferentemente. De acordo com um esquema político simples, a fase de consolidação do poder central
(1822-1889) foi seguida por uma fase de descentralização (1889-1930), que conduziu em uma medida até então
desconhecida à centralização no plano do estado-nação (1930-1980) (Ianni 1996: 160), conforme resume a tabela
a seguir.

Tabela 38: Dinâmica espacial como ”eterno retorno” de centralização e descentralização

dinâmica espacial

1822 – 1889 * centralização monárquica para a defesa da economia escravista


assegura a unidade do Estado
CENTRALIZAÇÃO * deslocamento do centro econômico (Nordeste: açúcar; Centro:
mineração; Sudeste: café)
1889 – 1930 * descentralização e aumento da autonomia financeira dos estados da
federação
DES-CENTRALIZAÇÃO * centralização econômica crescente em São Paulo

1930 – 1980 * centralização do poder decisório no estado-nação


* supremacia econômica, mas não política de São Paulo
CENTRALIZAÇÃO * germes de uma integração territorial e social
* preservação da autonomia regional dos grupos dominantes
a partir de 1980 * descentralização e fortalecimento do federalismo
* fragmentação do território e heterogeneização da estrutura social
DES-CENTRALIZAÇÃO * globalização e homogeneização das frações de capitais (subordinação
ao capital internacional)
* deslocamento da dinâmica econômica na direção do Sul (Mercosul)
Fonte: Adaptação do autor

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Os campos sombreados na representação acima mostram a dinâmica espacial como processo cíclico.
Isso implica o ”eterno retorno” de uma ordem aparentemente incontestável, por assim dizer natural. Pareto quis
mostrar os elementos de preservação do desenvolvimento social além dos tempos. De acordo com essa posição, a
fase atual de descentralização deveria conter elementos da fase de 1889 a 1930. Com efeito o poder sobre o
espaço se assemelha, pois trata-se do mesmo padrão básico. Ele é um dispositivo formado pela dominação local
dos senhores de engenho e dos fazendeiros e por um receptáculo nacional de poder, cuja estrutura é perpassada
pela lógica local autoritário-hierárquica (Fernandes 1987: 58 s.). Hoje como no passado há sistemas de produção
locais, orientados para fora, o que reforça a tendência à fragmentação do território. A falta de uma política social
unitária fomenta a heterogeneização da estrutura social. As reformas constitucionais de 1894 e 1988 fortaleceram
os elementos federativos e com isso os estados. Ao mesmo tempo muitos dados sugerem que a história não deve
ser vista como processo cíclico, mas como ”irrepetível”, e que a geografia não como dada, mas produzida, pois
em áreas importantes o processo atual se distingue do do séc. XIX e do incipiente séc. XX. A lógica
descentralizadora da República Velha baseou-se em uma estrutura distinta dos esforços de descentralização na
década de 1980. Em alguns pontos importantes - industrialização, urbanização, possibilidades de participação da
sociedade civil, Estado de Bem-Estar Social rudimentarmente existente - a estrutura nacional que atualmente está
sendo enfraquecida é, não obstante o processo de desconstrução ao qual ela vem sendo submetida,
inequivocamente mais poderosa do que a estrutura nacional do Império. Os efeitos sobre a estrutura local e
nacional do capital também são diferentes. Na República Velha a oligarquia agrária dominava, predominando
nacionalmente o capital cafeeiro e internacionalmente os capitais comercial e financeiro. Mas atualmente o
capital internacionalmente competitivo, apoiado por um capital financeiro (restritamente) nacional, assumiu a
posição de supremacia. A descentralização política da República Velha significou a subordinação completa dos
municípios e de todas as forças políticas locais e regionais divergentes ao poder central do governador. A
descentralização definida na Constituição de 1988 fortaleceu o poder local, os municípios, assim como os
estados. A descentralização política sob a República Velha lançou os fundamentos da consolidação da
centralização econômica em São Paulo. A centralização política, e com isso a subordinação do espaço político de
São Paulo ao poder central reforçou os processos de centralização econômica pelo capital industrial paulistano.
Na sua fase final, que iniciou com a criação da SUDENE em 1959, iniciou-se um processo crescentemente mais
nítido de descentralização econômica no espaço, que no entanto não excluiu a continuação da concentração do
capital nacional. A descentralização política dos anos 80 fomentou finalmente as atividades de política
econômica das unidades descentralizadas. Mas isso não conduziu ao equilíbrio regional muitas vezes discutido.
Muito pelo contrário, pode-se constatar uma desconcentração concentrada em benefício dos estados vizinhos ao
Estado de São Paulo e a expensas da periferia. Com referência ao Estado de São Paulo evidencia-se que a
concentração na Grande São Paulo entre 1920 e 1980 foi devida a uma condensação do espaço de
entrelaçamento. A desconcentração concentrada conduz a uma redução quantitativa da importância e a uma
desindustrialização na Grande São Paulo. Ao mesmo tempos os cinturões ao redor da capital e sobretudo da
Região Metropolitana se expandem, isto é, expande-se o espaço de aglomeração.

Centralização é, por conseguinte, um conceito relativo que carece de algumas especificações e demanda
uma análise dialética (Ianni 1996: 51-86). Em primeiro lugar, deve-se clarificar o alcance da validade. A
centralização em um plano pode perfeitamente andar de mãos dadas com descentralizações em outros planos. Os
empenhos de centralização por parte dos estados nacionais no quadro do fordismo periférico só foram possíveis
em meio a uma estrutura descentralizada da economia mundial. De início isso se deu pela via da crise econômica
mundial, depois por via da guerra. Ambas enfraqueceram o nexo de relações do mercado mundial. Mas o regime
de Bretton Woods também se baseou na soberania dos estados nacionais e limitou o poder do mercado e da
moeda mundiais sobre o espaço. Uma situação similar vale com referência à espacialidade da estrutura social.
Sob a Velha República a descentralização significava o impedimento da democracia local. Competia ao estado-
nação a implementação dos direitos democráticos fundamentais, como e.g. do sufrágio universal. O acoplamento
de democracia e descentralização, efetuado nos anos 80 em oposição à ditadura militar, de modo nenhum é uma
alternativa cogente. Justamente num país como o Brasil o poder local sempre foi autoritário. De início foram os
representantes da coroa juntamente com os barões do açúcar, posteriormente os latifundiários. Os interesses
locais, sobretudo do espaço rural, eram via de regra os da oligarquia agrária, representados no plano central
como interesses territoriais gerais da unidade descentralizada. O maior proprietário de terras falava em nome da e
pela região. O parlamento era uma coleção de tais interesses regionais, que na verdade tinham um interesse
central em comum: preservar a estrutura social. Nessa contradição baseava a convicção de que o progresso e a
democratização deveriam ser implementados contra os interesses locais. Isso orientou a Revolução de 30 assim
como a marcha dos militares revolucionários e o planejamento regional. Sob a coordenação de Celso Furtado
iniciou-se no âmbito da SUDENE o planejamento racional do desenvolvimento regional do Nordeste. Mas esse
acesso ignorou a circunstância de que o plano central sempre se posicionou funcionalmente em favor da des-
ordem descentralizada. A estrutura do estado-nação nunca se libertou do patrimonialismo português e abriu

142
143

portanto ao establishment e ao empresariado um acesso privilegiado ao Estado. Por fim a formação de uma
associação supranacional como o MERCOSUL pode fomentar - nos planos espaciais inferiores - processos de
centralização ou descentralização. No Brasil atual os dois processos podem ser observados. No plano nacional
chega-se a uma centralização do poder junto ao Executivo (a expensas do Legislativo e da sociedade civil).
Depois de 1994, com o Plano Real, ocorreu no Brasil uma recentralização por via da política monetária. No
plano regional se pode, por sua vez, observar um engajamento mais intenso, à medida que estados e municípios
se tornam participantes ativos na concorrência continental, conforme testemunham a ”guerra fiscal” entre os
estados e municípios. A estratégia conservadora de descentralização combina a centralização política com a
descentralização administrativa. Isso assegura a coesão do governo e focaliza ao mesmo tempo a administração.
Sobretudo o modelo malufista e em parte também o do governo central se orientaram por essa estratégia. O
estado-nação transfere a regulação dos conflitos sociais e a administração da escassez ao plano local; dissolve-se
a concepção de direitos sociais de cidadania, nacionalmente vigentes, e com isso a concepção do território como
espaço socialmente homogeneizador (Bava 1996: 54). Assim a centralização é um fenômeno a ser diferenciado
segundo processo e planos, que não pode ser apreendido com uma dinâmica espacial simplificadora. Por essa
razão o pêndulo de Pareto e os fenômenos cíclicos conexos somente podem ser ponto de partida da pesquisa.
Atinge-se melhor o objetivo integrando esses fenômenos cíclicos em um modelo dialético de produção do
espaço, no qual se examina a contraditoriedade da (des)centralização.

5.1.3 Globalização e fragmentação


Durante as três últimas décadas a UNICAMP foi um centro de reflexão crítica. As suas análises sempre
tiveram uma orientação implicitamente geográfica, mas privilegiavam sem exceção uma análise especificamente
espacial, a saber, o vaivém entre os pólos interno e externo enquanto dialética de fatores nacionais e
internacionais.5 Na esteira da tradição cepalina e ampliando essa tradição, constituiu-se assim uma escola
independente de economia regional. A citação extensa de autores como Cano, Pacheco ou Negri evidencia a
importância desse grupo para o presente trabalho. A discussão com essa conceitualização regionalista do
estruturalismo de Celso Furtado é importante, embora uma análise do poder sobre o espaço permita mostrar as
fraquezas dessa teorização dos dois momentos da dialética. A concepção cepalina padece do defeito de eliminar
o poder do foco da análise, assim como a concepção do poder padece por pensar unilateralmente o espaço. O
pensamento de Furtado gira em torno da formação da nação, a sua crítica da política econômica das últimas
décadas aponta para a circunstância desse processo de construção ter sido ”interrompido” (Furtado 1992).
Situado nessa tradição, Pacheco se ocupa da ”fragmentação da nação” (Pacheco 1998; para uma crítica, v. Cano
1998b: 309) e Cano (1998b: 349 ss.) situa o problema na ”falência do estado-nação”. A nação enquanto
receptáculo fornece a referência do discurso espacial, assim como a competência de ação se localiza no estado
nacional. O campo discursivo da UNICAMP e em ampla escala de toda a pesquisa regional brasileira concentra-
se em torno da pergunta pelas distribuições espaciais a que isso leva. Alguns falam aqui de uma inversão da
polarização (Townroe, Keen 1984), outros de um processo de ”desconcentração concentrada” (cf. Pacheco 1998:
208 ss.). Uns temem maiores disparidades regionais e outros chamam a atenção à relevância da dinâmica na
região dominante. Mas todas essas discussões permanecem no plano superficial da distribuição espacial. Atribui-
se, por sua vez, ao Estado o papel de intervir nessa distribuição. Estamos aqui diante da representação
hobbesiana de um detentor soberano do poder. Na concepção cepalina isso é complementado pela concepção do
planejamento territorial científico neutro enquanto forma de intervenção racional.

O enfraquecimento da dimensão nacional é hoje percebido amplamente como um problema e parece


andar de mãos dadas com um fortalecimento de outros planos - do local e do global. O acréscimo de importância
da dimensão local é atestado por evoluções como a descentralização política e a ”especialização flexível” de
sistemas produtivos locais e regionais. Mas as conseqüências espaciais do fenômeno designado com o conceito
espacial ”globalização” são muito mais complexas do que parecem ser à primeira vista. Esse discurso ideológico
coisifica o poder produtivo do capital e redefine-o como poder de mercados globais. Recorre a conceitos
5
”Compreendemos a relação entre fatores externos e internos como uma totalidade complexa, cuja unidade estrutural não se
fundamenta apenas em formas externas de exploração e coerção, mas se enraíza em coincidências de interesses das classes
dominantes local e internacional e é claramente questionada pelos grupos e classes localmente dominados” (Cardoso, Faletto
1976: 216). Para análises espaciais esse procedimento é muito interessante do ponto de vista metódico, pois correlaciona dois
planos espaciais. Mas o que caracteriza o enfoque especificamente espacial na citação acima é a utilização de ‘local’ no
sentido de ‘nacional’. Cardoso e Faletto não conhecem nenhuma geografia subnacional. Assim como a dialética de
internacional e nacional é constitutiva para eles, assim a aplicação análoga da dialética ao vaivém entre a nação e a região é
desconhecida. Mas em outros autores como Faoro, Furtado e Frank encontra-se, sempre de novo, uma análise regionalizada.

143
144

foucauldianos para glorificar esse poder como intocável (cf. Novy, Mattl 1999). Seguindo o discurso da
globalização, a dinâmica econômica produz um espaço de entrelaçamento que extrai as suas regras da lógica do
sistema econômico. Tenta-se tirar o poder do território ou dissolver o território, para desistir com isso da
regulação política racional. A maioria da população deve assim perder o seu estatuto de sujeitos políticos e ser
degradada em meros suportes de estruturas. Num espaço de entrelaçamento econômico global resta-lhes apenas a
adaptação aos mecanismos de coerção inerentes à realidade [Sachzwänge], dados como grandezas de orientação
pela estrutura. O sujeito da história é tão-somente o capital e aqueles que agem em seu nome. Cada espaço ativa
os recursos com os quais ele pode concorrer na concorrência global. Se esses recursos são valiosos, chega-se à
valorização do espaço local, de resto condenado à marginalidade. Isso resulta em um padrão espacial que se
assemelha à estrutura de arquipélago do Brasil colonial. De fato, são produzidos cada vez mais nas mais distintas
partes do país produtos individuais em regime de especialização. Mas esse modo de apreciação ignora o fato de
que os campos histórico-geográficos têm a sua inércia também na área da produção. Lá houve durante a evolução
orientada para o mercado interno a formação de entrelaçamentos fortes dominados por São Paulo, que ainda
permanecem substancialmente preservados. Por isso as localizações em São Paulo ou nos estados vizinhos
continuam especialmente atraentes - sobretudo para o financiamento, o controle e a decisão de ações econômicas.

Tanto a CEPAL quanto a UNICAMP somente conhecem a desordem [Unordnung] e nenhuma des-
ordem [Un-Ordnung] [ATENÇÃO, REVISÃO DA EDITORA: aqui e a seguir a distinção entre ‘desordem’ e
‘des-ordem’ deve ser rigorosamente mantida, sob pena de confusão. Nos casos anteriores a grafia ‘des-ordem’,
sempre que surgir, deverá ser respeitada. O tradutor]. Elas identificam a distribuição injusta das terras e da renda
como uma mazela. A desordem é um problema ”estrutural” que poderia ser solucionado mediante uma boa
intervenção. É certo que a endogeneização do campo econômico - a orientação para o mercado doméstico - não
conduz automaticamente a uma ordem estável e muito menos ainda a uma ordem justa na periferia, mas ela pode
reduzir a desordem. À medida que todas as decisões passam pela esfera do estado nacional, torna-se nele também
possível um planejamento do desenvolvimento, da região e da economia. À medida que a dinâmica da
acumulação é interiorizada, os pontos nodais da regulação da moeda e do trabalho, da tomada de decisões sobre
investimentos e financiamentos, concentram-se no espaço-receptáculo nacional. A acumulação e regulação
ocorrem no mesmo espaço e reagem ao mesmo centro de comando do poder. Foi possível acomodar os conflitos
entre a acumulação e a regulação nessa constelação histórica concreta de um campo do estado-nação. Em uma
conjuntura específica, esse campo de poder possibilitou um papel progressista de saber-poder que definiu a
desordem da periferia como des-ordem, possibilitando a sua critica. A SUDENE, as Ligas Camponesas e outros
movimentos de base na periferia nacional não foram nenhuma farsa (Oliveira 1987: 18), mas o palco no qual elas
atuavam foi o estatuto provisório de uma situação exceçional. Em conseqüência da crise dos anos 60,
desestruturaram-se a regulação democrática do estado-nação e, na sua esteira, também o fundamento do saber-
poder racional. Os pressupostos dessa intervenção política específica se dissolveram e se tornaram apesar disso o
fundamento da formação científica de planejadores. Em meio a um processo de descontextualização os métodos
e instrumentos utilizados foram inseridos na práxis do planejamento autoritário, dominante depois de 1964. Essa
tecnocracia usou a ideologia do planejamento neutro com o ônus restritivo irracional de não tematizar o poder.
Sob a ditadura, os planejadores ainda precisavam ser forçados a deixar o poder sobre o espaço fora do foco do
seu trabalho. No decorrer dos anos 80 e 90 o saber acerca da des-ordem da periferia se perdeu sem nenhuma
coerção e informalmente. Não são poucos os funcionários ”esquerdistas” da UNICAMP que trabalham no
governo de Fernando Henrique Cardoso.

Uma outra conceitualização do espaço e do poder é igualmente necessária para superar esses desvios
teóricos e políticos. Assim o conceito da glocalização parece adequado para compreender as transformações
espaciais. Tanto na localização quanto na globalização estão em pauta apenas aspectos parciais de um processo
econômico abrangente (cf. Krätke 1996). A expansão para novos espaços geográficos ainda não integralmente
dominados pelo capital e a valorização de espaços sociais nas regiões nucleares do capitalismo são estratégias
perfeitamente compatíveis.6 Vale o princípio ”Anything goes”, enquanto der lucro. Por isso é mais adequado
”apreender a contraditoriedade da concorrência global e da competitividade local (ou regional) como uma
relação de ”articulação” de relações globais e locais. Por isso as tendências modernas da sociedade mundial são
antes uma ‘glocalização’ do que uma ‘globalização’” (Altvater, Mahnkopf 1996: 30). Na UNICAMP o Estado é
visto como detentor do poder e a nação é percebida como um receptáculo - permeável. A concepção da
glocalização sugere a desimportância da nação. Mas as duas perspectivas compartilham uma visão - em parte
nostálgica - do estado-nação como bloco homogêneo do fator político. Disso resulta freqüentemente a exigência
de uma repolitização ou de um desejável primado da política sobre a lógica unificadora do capital ou do
6
”The point is that these different spatial dynamics are not contradictory or incompatible, we should not consider one as an
emergent and another as a residual tendency. They are all contemporaneous, reflecting new articulations of global mobility
and local fixity, new geographical options in the present corporate repertoire” (Amin, Robins 1990: 28).

144
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mercado.7 Mas na realidade o espaço político também se transforma na direção do espaço de entrelaçamento. A
fragmentação do espaço político expressa-se na descentralização do estado-nação e no fortalecimento de
instâncias reguladoras supranacionais em um sistema global de governance (Jessop 1997). Sobretudo os
aplicadores nacionais e internacionais do capital de curto prazo são atores políticos que lograram impor a
desregulamentação dos mercados de divisas e podem atuar hoje em meio a um espaço global de entrelaçamento.
Em virtude dos mercados desregulamentados de divisas, os ricos têm hoje as mãos livres para promover a
”evasão de capitais”, outrora ilegal. Pode-se observar essa fragmentação também no plano microregional: se no
passado a regulação local da economia local era possível, como isso foi praticado exitosamente na ”Viena
vermelha” do entre-guerras e já bem menos exitosamente na Inglaterra do início dos anos 80, no âmbito do ”local
Socialism” (Becker, Novy 1999), nas últimas décadas o espaço da economia local estendeu-se na maioria das
grandes cidades e em todas as global cities definitivamente além das fronteiras políticas (cf. Feldbauer et al.
1997). Por isso o território político clássico da cidade perdeu uma parcela grande do seu poder. Uma nova forma
de território, todo o espaço de aglomeração - assim por exemplo a Grande São Paulo - tem maior peso na
concorrência entre as localizações. Mas a correspondente territorialidade, um espaço delimitado de poder com
competências claras, falta em larga escala ou baseia-se em mecanismos informais e freqüentemente ineficazes.

De decisiva importância para a crítica da teoria econômica do cepalismo foi a falsa separação de
economia e política, de Estado e capital. Na esteira da argumentação de Tavares, que fala de um capitalismo
financeiro, Oliveira chama a atenção à crescente dependência da valorização do capital do ” fundo público”
(1989: 94 s., 1998).8 O capital necessita de um Estado forte para poder saber de antemão de modo confiável quão
elevados serão os seus subsídios. Se num primeiro passo de ”desestatização” o território foi destituído de poder,
ele deve, num segundo passo, ser colocado sobre pés novos. Isoladamente, a empreitada liberal de uma
autonomização do processo de valorização capitalista e de uma redução da influência do Estado está condenada
ao fracasso. Por isso os liberais apressam-se em retornar com demasiada rapidez ao regaço do Estado. Fazem
isso tão mais à vontade, quanto mais as forças oposicionistas estão marginalizadas no Estado. A valorização do
capital freqüentemente não é rentável sem subsídios maciços por parte do Estado. Esse argumento vale sobretudo
para a política maciça de subsídios estatais que atingiu todos os planos da federação brasileira e mina o estado
fiscal, na forma da ”guerra fiscal”.9 Hoje o fundo público disponibiliza os seus recursos mais exclusivamente
para a valorização do capital do que nos tempos do fordismo orientado para o mercado doméstico. Mas como a
reprodução do capital se dá em nível global, a nação enquanto soma dos seus habitantes passa a ser a perdedora.
O estado-nação enquanto capitalista financeiro, que arrecada tributos da população para subsidiar o processo de
acumulação, transforma-se na antítese do estado-nação (Oliveira 1989: 5). A política não serve ao aumento
direto, mas talvez ao aumento indireto do bem-estar local, pela via do apoio do processo de valorização: a
infraestrutura econômica necessária, a pesquisa e o desenvolvimento devem ser disponibilizados in loco. As
outras áreas têm uma relação muito menos direta com a estabilidade do processo de valorização; por essa razão a
demanda de regulação por via dos territórios, isto é, dos donos do espaço, parece ser menor. Disso resulta a
crença egocêntrica e errônea da burguesia de poder viver sem os outros, mormente sem o Estado (Oliveira
1998b: 95). Sua riqueza se lhe afigura como fonte financeira da coletividade e do Estado, e não inversamente a
coletividade enquanto nação como fonte da sua riqueza. Disso resulta o aspecto da irracionalidade da des-ordem,
que consiste em sondar constantemente os limites dos subsídios pagos ao capital a expensas dos trabalhadores
sem que se chegue a uma crise de subconsumo. Mas em uma área o estado-nação assumiu um novo papel. Os
bancos centrais dão hoje garantias do patrimônio que se encontra no território do Estado e defendem o seu valor
por meio de uma política de juros elevados e do fortalecimento da moeda. A taxa de câmbio e a taxa de juros
configuram dois instrumentos centrais de política que, por um lado, só podem ser definidos com autonomia
restrita no atual regime da desregulamentação dos mercados de capitais, mas que, por outro lado, definem o valor
de um país. Uma crise da moeda se torna assim rapidamente uma crise de um espaço de poder. A burguesia
reconhece então, o mais tardar, quão pouco ela está desacoplada do espaço, e procura novamente a mão protetora
do Estado. Em uma tal crise maciça, como ela afetou em 1997 quase todos os ”mercados emergentes”, evidencia-
se a hierarquia dos espaços de poder na economia mundial. A moeda e o fundo público - ambos inteiramente
vinculados a um território - criam uma hierarquia global que impede redes dispersas do espaço de entrelaçamento
e externalizações ainda maiores dos espaços centrais de poder, para além das regiões centrais. A dinâmica dos
espaços de entrelaçamento, que implode territórios, parece ser mais fraca do que as estruturas territoriais que se
consolidam ao longo de 500 anos. Não existe um fim da des-ordem, um desaparecimento do ”Terceiro Mundo”;
7
Não muito distante disso está também a nova orientação ideológica defendida pelo Banco Mundial, na direção de um
”Estado forte” (IBRD 1997).
8
Nesse sentido a virada fundamental da política keynesiana desde 1930 consistiu no fato de que a intervenção do Estado se
dava ex ante e não ex post, tornando-se assim parte do cálculo de valorização do capital (Oliveira 1987: 102 ss.).
9
Os donativos fiscais foram em parte usados para lucros extraordinários. Vale genericamente a regra de que empresas
multinacionais estão em grande parte isentas do pagamento de impostos.

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146

mesmo depois da modernização da periferia, esta permancece à margem da ordem global. Mas é verdade afirmar
que a des-ordem somente aparece na periferia? Será que as diferentes seções desse capítulo não evidenciaram
uma estrutura constante, a saber, o poder produtivo do capital que enquanto estrutura profunda é responsável
pela des-ordem da periferia? Na parte final do presente trabalho tentaremos examinar agora a estrutura dessa des-
ordem do capital que não é apenas periférica, mas abrange o mundo inteiro.

5.2 A des-ordem do capital

5.2.1 Da des-ordem da periferia à des-ordem do capital


Assim como extensos setores da Sociologia e da Economia, o pensamento cepalino padece de grosseiras
simplificações com referência ao espaço. O cepalismo define comumente o espaço político enquanto espaço de
poder com ajuda do conceito de território. Refere-se assim a uma região claramente delimitável na qual um
determinado poder governa soberanamente. A fronteira é um aspecto importante do território. O presente
trabalho mostrou que a nação brasileira foi construída em um processo multissecular, não representando o espaço
único de poder. Politicamente, o enfraquecimento dos espaços de poder subnacionais também foi uma estratégia
política para ”criar um poder soberano capaz de dominar um território extenso e governar um povo” (Nunes
1996: 32). Por um lado, estava na pauta a destituição do poder de detentores locais do poder, mas não foi
efetuada uma análise de vários planos. Depois da degradação do fator local a dialética de ‘local’ e ‘nacional’ caiu
novamente no esquecimento. O fator nacional foi construído como modernidade e progresso sem que se
percebesse que os fatores arcaicos se apropriaram desse novo poder sobre o espaço e transferiram toda a carga de
”reacionarismo e atraso do local” para o plano nacional. Por isso é também enganoso ver os fatores nacional ou
local como o plano espacial ”melhor”, sem efetuar uma análise do poder sobre o espaço. Freqüentemente
deparamo-nos com uma certa nostalgia da ”Era Vargas”, dominada pelo estado-nação (Cano 1997: 253 s.; Cano
1998b: 309), o que só pode ser interpretado como simplificação economicista. Na base disso está mais uma vez a
concepção hobbesiana do detentor soberano do poder, isto é, do detentor ditatorial e personalizado do poder
(aqui também a semelhança com Vargas), que se preocupa com o seu espaço-receptáculo.

Por outro lado, o espaço econômico do comércio, dos investimentos, da produção e do consumo podem
ser melhor compreendidos como espaço de entrelaçamento. Trata-se então de um regime de acumulação ou de
um sistema produtivo com entrelaçamentos econômicos espacialmente condensados.10 Do ponto de vista
quantitativo, a maior parte das interações deve ocorrer em um espaço concreto. Sob pontos de vista qualitativos o
controle sobre o processo produtivo tem importância decisiva. O controle in loco será maior se as indústrias de
bens de consumo e de bens de produção estiverem fortemente entrelaçadas em termos espaciais e não
dependerem do exterior. O financiamento do desenvolvimento espacial também deveria ser controlado in loco,
para que se pudesse falar de um regime de acumulação. Não há limites fixos no espaço econômico da economia
capitalista mundial: a economia interage potencialmente de modo a abranger o mundo inteiro. Ocorrem contudo
condensações nesse espaço de entrelaçamento, formam-se pontos nodais, centros e bordas. Por isso também o
espaço de entrelaçamento tende a ter fronteiras, embora elas possam permanecer difusas e determinadas
atividades sempre se possam difundir. Mas num exame mais acurado mesmo as fronteiras do territórios são bem
menos nítidas e delimitadas do que parece. Num território o poder de prefeitos, governadores e presidentes se
sobrepõe crescentemente a poderes supranacionais que definem as regras de um território. Por isso dever-se-ia
falar não apenas sobre o território, mas também sobre a territorialidade enquanto produção de territórios
definidos sempre apenas por tempo limitado: fluxo e definição de processos sociais no espaço, enquanto
dialética.

No fordismo enquanto modo de desenvolvimento orientado para o mercado interno os espaços político e
econômico coincidiram em grande parte (Becker 1998b: 122). Nas economias centrais o espaço político entrou
em crise, quando o espaço econômico começou a expandir-se além das fronteiras nacionais. Não esqueçamos, a
esse propósito, que a partir dos anos 50 e 60 os investimentos produtivos (sobretudo transferências de unidades
industriais e investimentos diretos) foram o primeiro passo. Com os mercados de eurodólares o capital financeiro
começou a internacionalizar-se nos anos 70 (Novy et al. 1999). Nesse novo espaço de entrelaçamento econômico
as cidades - world e global cities -, aparentemente separadas dos seus respectivos territórios, constituem pontos
nodais centrais. O espaço econômico tornou-se maior, em parte até global. Concentrações de empresas e

10
A distinção entre regime de acumulação e sistema produtivo baseia-se nos diferentes enfoques da Escola de Paris e da
Escola de Grenoble , ambas regulacionistas(cf. Becker 1999).

146
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mercados globais financeiros conduzem a entrelaçamentos espacialmente mais extensos, mas simultaneamente,
com vistas ao aspecto do controle, mais estreitos. Ao mesmo tempo a estrutura interna do espaço econômico é
mais fragmentadora do que na fase do fordismo. Os recursos da política regional se encolhem devido à crise
fiscal do Estado.

Tal como efetuada pela CEPAL, a conceitualização da periferia concentrou-se em espaços e situou a
des-ordem na periferia. Como ela examinou o vaivém dos fatores interno e externo, atribuiu à questão da
endogeneização da dinâmica econômica um papel-chave. O critério decisivo de periodização passou a ser a
pergunta se um regime de acumulação seria orientado para fora ou para dentro. De acordo com essa visão, a
endogeneização da dinâmica econômica na América Latina em geral e a constituição de um sistema econômico
local em São Paulo constituíram a ruptura mais importante na história econômica da América Latina. Oliveira
(1987: 24) criticou o acoplamento do poder ao espaço, feito pela CEPAL, pois ele não efetua nenhuma análise
das classes e elimina assim também do foco o conflito entre o capital e o trabalho, central na periferia. Para ele, a
des-ordem da periferia não reside apenas na hierarquia de espaços, centro-periferia, mas na hierarquia de classes
sociais. Sociedades capitalistas constituem uma des-ordem, pois a força produtiva do capital é inerentemente
contraditória. Essas contradições só se manifestam mais maciçamente na periferia. Mas a mera endogeneização
do desenvolvimento não supera a des-ordem da periferia; para tal se faz mister superar a lógica da acumulação,
da apropriação da mais-valia. Essa crítica do pensamento cepalino se prolonga, portanto, em uma análise do
poder sobre o espaço, feita em termos de economia política. Tal análise de modo nenhum significa a negação das
importantes descobertas do cepalismo em muitas áreas; muito pelo contrário, trata-se de uma superação
[Aufhebung] num quadro conceitual mais abrangente e crítico. A teoria da regulação fornece aqui o ponto de
partida. É certo que no seu centro não está a superação do capitalismo, mas a transição a formações capitalistas
respectivamente novas. Mas Aglietta define diferentes formas de acordo com a forma da apropriação da mais-
valia, à qual subjazem formas respectivamente distintas da luta de classes. A acumulação extensiva busca a
apropriação da mais-valia absoluta e o aumento da mais-valia relativa por meio de aumentos de produtividade; a
acumulação intensiva baseia-se no barateamento dos bens salariais e em uma nova norma de consumo da classe
trabalhadora (Aglietta 1987: 68 ss.). ”A partir de um determinado ponto, os dois tipos do regime de acumulação
atingem limites sócio-econômicos da ampliação do mercado interno. Argumentando em termos de imanência
sistêmica, colocam-se então fundamentalmente duas alternativas: a maior orientação da acumulação segundo a
economia externa ou o deslocamento dos limites sócio-econômicos.” (Becker 1999). No Brasil pôde ser
observado uma combinação, como reação à crise de acumulação de 1964. Ocorreu uma orientação regional
externa da acumulação dominada por São Paulo no sentido de uma dominação integral da periferia nacional. A
política industrial regional praticada sob os militares possibilitou a manutenção do campo de poder do estado-
nação até a crise do endividamento. A acumulação, que continuou funcionando até 1982, significou a
estabilização da des-ordem. Depois o campo de poder desmoronou. Primeiro a acumulação parou, após o fim do
financiamento externo, depois a regulação começou a decompor-se. Aqui a periodização cepalina prova ser útil,
pois a renovada orientação externa obriga a constatar uma nova fase de desenvolvimento. A velada orientação
externa do capital paulistano assumiu um caráter aberto. Mas a urbanização, constitutiva da intensificação no
fordismo periférico, e a complementação do setor de bens de produção também foram concluídas. Várias
estratégias de acumulação ocuparam o lugar de um regime dominante de acumulação. Num país de dimensões
continentais como o Brasil a exportação nunca pode substituir inteiramente o consumo doméstico. Com
referência à acumulação, isso significa uma combinação de extensificação e intensificação. A primeira consiste
na relocação de prestações sociais, outrora de competência do Estado de Bem-Estar Social, para a esfera privada
a ser organizada na sua maior parte pelas mulheres. Além disso chega-se a uma extensão da lógica do capital e
do mercado a áreas até há pouco tempo subtraídas ao mercado. A natureza e o corpo humano são valorizados
pela biotecnologia e pela tecnologia genética. Aqui iniciam também as tendências de intensificação, pois o
cálculo dos benefícios encontra aplicação em áreas sempre novas, normatizando e disciplinando estilos de vida.

Um modo de regulação designa a combinação estabilizada de manifestações concretas das formas


estruturais Estado, moeda, trabalho e concorrência. Referi-me no presente trabalho muitas vezes a formas
estruturais, mas utilizei o conceito de modo de regulação mais raramente. Isso tem a ver com o fato de que a
concepção do modo de regulação se baseia, assim como o do regime de acumulação, no campo de estado-nação
do fordismo. Nessa situação representações hobbesianas de soberania não são inteiramente erradas. Mas na
estrutura atual esse enfeixamento historicamente incomum se dissolve, aumentando a multiplicidade dos atores
intervenientes. Diferentes planos espaciais influem na regulação. Por isso todo e qualquer modo de regulação é
no fundo um ordenamento específico de regulações em planos espaciais distintos. Atividades distintas enfeixam-
se em planos respectivamente distintos.11 Já no modo de desenvolvimento descentralizado da República Velha,

11
A regulação sempre é um fenômeno de vários planos, podendo, portanto, ser melhor apreendida com o conceito mais

147
148

orientado para fora, o plano nacional enquanto elemento unificador desempenhou um papel mais importante para
a estrutura global do que comumente se admitiu. Para o modo de desenvolvimento do fordismo tropical, centrado
no estado nacional, a não-intervenção de atores globais no período de 1930 a 1953 evidenciou ser de importância
decisiva. E mesmo na fase atual de esvaziamento do estado-nação a perda de poder do mesmo em benefício dos
municípios e dos atores globais de modo nenhum é irrevogável. Muito pelo contrário, pode-se observar
tendências à recentralização. Enquanto ator nacional, o Banco Central dispõe do recurso-chave moeda e
regulamenta o acesso às fontes de financiamento.

As opiniões divergem no tocante à hierarquia das diferentes formas estruturais que constituem um modo
de regulação. Como sugere o conceito de fordismo, os regulacionistas atribuem à relação salarial uma posição
determinante entre as formas sociais (Hübner 1990: 177 ss.). Já Becker (1998b: 120 s.) atribui a posição
dominante ao Estado, pois este é tanto parte da regulação quanto a instância que deve sancionar o conjunto de
regras e normas. Na condição de campo, é expressão de compromissos de classe estabilizados em termos
espacio-temporais, o que, no entanto, não deve ser confundido apressadamente com determinados governos ou
regimes. Mais especificamente, ele atribui o primado à moeda (Becker 1999). Em Oliveira podemos encontrar
idéias semelhantes. Assim ele vê a libra britânica no séc. XIX como ”moeda, por assim dizer”, o que veio
acompanhado de um elevado índice de financiamento externo (Oliveira 1989: 17; para a relativização da tese cf.
Cano 1998a: 241). O núcleo do período depois de 1930 consiste no fato de que a moeda nacional se torna o
equivalente geral de toda a economia nacional. Por meio dos reduzidos entrelaçamentos externos constitui-se um
espaço autônomo de reprodução do capital. D - M - D’ (dinheiro - mercadoria – mais dinheiro) é o caminho que
o capital precisa percorrer para reproduzir-se. No início e no fim desse processo está o dinheiro. A realização da
apropriação da mais-valia se dá ex post e por via do dinheiro. Se a apropriação da mais-valia e a determinação do
valor da moeda ocorrem no mesmo espaço, pode-se falar de um regime de acumulação. Oliveira (1987: 27) vê
uma região como um espaço no qual ocorre uma forma específica de reprodução do capital. Por isso pode haver
diferentes regiões num espaço monetário, como foi o caso com a região do açúcar e do algodão no Nordeste e a
região cafeeira no Sudeste. Em termos econômicos, trata-se de espaços de poder com uma forma própria, tanto
da acumulação do capital quanto da luta de classes (Oliveira 1987: 29). Mas a partir de um determinado
momento da integração do capital, que no Brasil chegara com a política regional da SUDENE, uma lógica - a do
capital industrial paulistano - passou a sobrepor-se às diversas lógicas dos outros planos espaciais. Esses esçaços
perdem então a sua forma regionalmente específica e submetem-se ao poder da fração dominante do capital. Com
isso não se encerra toda e qualquer especificidade regional, muito menos ainda são superadas as diferenças
regionais. A concepção da homogeneização não é ”demasiado” abstrata, como critica Pacheco (1998: 26). Na
realidade, a homogeneização em termos de economia política, presente na concepção do poder sobre o espaço, se
refere a algo inteiramente distinto do que a distribuição no espaço, colocada em primeiro plano por Pacheco. A
homogeneização da acumulação e regulação significa, muito pelo contrário, uma tendência ao predomínio de
uma determinada lógica de valorização do capital, o que não significa outra coisa senão que o consumo e a
produção nesses espaços seguem uma lógica unificadora, observam critérios idênticos e operam com as mesmas
tecnologias, seja nos automóveis ou na Coca-Cola. O campo do estado-nação da ditadura militar criou uma tal
homogeneização - e casualmente também a homogeneização regional analisada por Pacheco. Mas esta baseou-se
em uma fusão dos capitais estatal e privado e na assunção de tarefas de capitalismo financeiro por parte do
estado nacional. Um exemplo atual são os subsídios concedidos às montadoras de automóveis, que criam
complexos regionalizados de produção fora de São Paulo. Mas essa descentralização da produção significa a
inserção das regiões favorecidas no processo global de valorização dessas empresas multinacionais. Ocorre que a
homogeneização não vale apenas para a acumulação, mas também para a luta de classes e a regulação. Se a crise
do estado-nação incluía a esperança por modelos políticos descentralizados e plurais, a crise da acumulação e a
crise fiscal conduziram a uma homogeneização radical, implementada no curtíssimo prazo, do modelo de Estado
em todos os planos espaciais. Abstração feita de ”aldeias gaulesas” isoladas, sobretudo no Rio Grande do Sul, a
nação foi homogeneizada politicamente, e isso segundo a lógica de um poder global sobre o espaço. Estamos
aqui diante de abstrações da economia política que são estranhas à visão de mundo da CEPAL, destituída do
elemento ‘poder’.

Diante da globalização, essas explanações sobre a dissolução das regiões e a homogeneização nacional
no ápice do fordismo periférico podem ser continuadas em grau mais abstrato. Os investimentos diretos
efetuados nos anos 90 no Brasil por grupos industriais estrangeiros fizeram com que estes agora determinem o
processo de acumulação. A sua valorização do capital está sujeita a uma lógica que integra o mundo inteiro e
conduz, por conseguinte - seguindo a argumentação de Oliveira - à dissolução da nação. A partir de outra
aberto do dispositivo (cf. Becker, Raza, em vias re publicação). Já tentei algo semelhante em uma análise do discurso:
procurei valer-me da concepção do dispositivo para por de manifesto as estruturas do discurso (Novy, Mattl 1999). Essa
análise baseou-se no conceito foucauldiano de dispositivo (cf. Foucault 1978: 119 s.)

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perspectiva, a análise da economia política chega ao mesmo resultado, pois a internacionalização da moeda e do
financiamento produz um efeito idêntico. A dolarização, efetuada radicalmente pela Argentina e, por prudência,
apenas germinalmente pelo Brasil, por prudência, significa o acoplamento a um espaço monetário estrangeiro
que se desmascara como espaço de poder. A autonomia nacional se dissolve. Competências decisórias fluem para
fora do país assim como o capital em fuga. A raiz da fragmentação está na circunstância de que o valor da moeda
é definido em lugar distinto do do processo produtivo. Sem uma análise dos regimes financeiro e monetário,
revela-se inócua a esperança por uma política industrial e regional nacional que um esclarecido detentor do poder
deve realizar com um ”projeto nacional” (Pacheco 1998: 268). Mas a história reserva uma lição: a des-ordem da
periferia e do capital não exclui a possibilidade da simultaneidade da fragmentação e do crescimento. Contra
teorias apressadas da crise e do colapso se deve registrar com Cardoso e Faletto (1977: 225): ”No curso da sua
explicitação, essa forma de desenvolvimento gera tanto na periferia quanto no centro periodicamente o bem-estar
e a pobreza, a acumulação e a escassez do capital, empregos para uns e desemprego para os outros”.

5.2.2 Transformação e constância do poder sobre o espaço

A força das estruturas evidenciou as dificuldades simplesmente incomensuráveis de iniciar mudanças


que transformem as instituições e estruturas de modo a melhorar as condições de vida da maioria da população.
Esse conhecimento ensina a ser sempre pessimista com vistas a transformações. No entanto, para não cairmos em
uma postura cínica deslavada, faz-se mister contrapor a esse pessimismo um otimismo da ação, da possibilidade
de transformação. Esse trabalho se orientou pelo empenho em evitar deficiências elementares nas explicações
convencionais da desigualdade no Brasil. Havia, por um lado, a convicção de que a mera constatação da
desigualdade para a qual os sociólogos apontam com referência a tempos e espaços sempre novos era
imprescindível, mas insuficiente.12 Além disso não quis sucumbir nem a simplificações politicistas nem a
simplificações economicistas. O economicismo tende a explicações funcionalistas que ex post facto subordinam
tudo a uma lógica funcional - à frente de todas as lógicas, à do capital. Sob a camuflagem de uma ciência crítica,
isso produz justificativas ex post e enseja a elaboração de uma simplória história dos vencedores. Já a
simplificação politicista consiste na afirmação de que em países tão distintos como a Indonésia, a Rússia, o Brasil
e a Venezuela só os detentores locais do poder e os fatores endógenos seriam responsáveis, genericamente pelo
subdesenvolvimento e especificamente pela crise de 1997/98 (cf. Krugman 1999: 158 ss.). Ao invés disso
procurei oferecer no âmbito da análise da conjuntura uma explicação estrutural-estratégica que explica o poder
com o número de opções muito desigualmente distribuídas, disponíveis aos diferentes atores. Essa pluralidade de
opções resulta de uma determinada estrutura.

O poder concretiza-se no espaço. Necessita do espaço para utilizá-lo, destruí-lo e produzi-lo. Sem o
conhecimento desse poder sobre o espaço não há como compreender os processos de desenvolvimento. Mas ao
mesmo tempo esse conhecimento é um instrumento de poder, se ele não for criticamente reflexivo. Permite
realizar tão-somente transformações institucionais ou transformações estruturais parciais (técnicas sociais) que
assegurem a permanência das estruturas de poder na sua totalidade. O caso brasileiro mostra o espaço restrito
aberto para a modificação das relaçoes de poder pela via da técnica social. Nas fases áureas da discussão
democrática, nos anos 50 e 80, os reformistas tinham uma posição socialmente reconhecida. Com a SUDENE o
governo central brasileiro apoiou a partir de fins dos anos 50 uma tentativa amplamente dimensionada de
modernização reformista da sociedade nordestina. Sobretudo na onda de um movimento de massas, algumas
reformas foram possíveis em esferas parciais da estrutura social. As estruturas multisseculares de uma sociedade
escravagista e latifundiária começaram a se por em movimento - a tal ponto, que grupos importantes viram o
golpe de 1964 como única saída. Nos anos 80 os esforços socialreformistas experimentaram um renovado
incentivo, pois o regime ditatorial e com ele o establishment estavam desacreditados. No plano local foram
implementadas numerosas reformas consideráveis da estatalidade, mais uma vez na onda de um amplo
movimento de massas. A cogestão dos cidadãos, a elaboração do Orçamento Participativo e investimentos
maciços na infraestrutura pública abriram o Estado local para camadas mais amplas da população. Em algumas
áreas isoladas houve tentativas de reduzir a dominação corporificada na forma centralista-tecnocrática do estado-
nação. Ignorou-se aqui, contudo, que formas estruturais somente se estabilizam se a estrutura total for
transformada. Por um lado, a totalidade das configurações estruturais concretas se alterou, por outro lado a
estrutura fundamental capitalista permaneceu intocada. Uma razão essencial do resultado problemático das

12
Uma análise estrutural é importante porque estamos diante do paradoxo de que há, por um lado, um amplo consenso social
quanto à necessidade de superar a pobreza, o subdesenvolvimento e a impotência. Por outro lado, a pobreza persiste e as
injustiças aumentam.

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transformações em vias de realização está na avaliação errônea da hierarquia das formas estruturais. Atribuiu-se
excessiva importância à inserção internacional (mercado interno versus mercado externo), ao Estado (Estado
versus mercado), à democratização das relações de trabalho e da distribuição do produto social (eficiência versus
justiça) e ao plano espacial (nação versus região/dimensão local). Mas o processo de concentração maciça pela
via das empresas multinacionais e dos mercados financeiros foi colocado entre parênteses. Em boa parte, a
transformação do regime monetário nem foi percebida. Mas a partir daí a estrutura do poder foi deslocada tão
maciçamente que os conflitos acima mencionados se tornaram secundários. Esse foi o ponto decisivo, em razão
do qual o bloco de poder logrou conservar a sua dominância em meio aos conflitos dos anos 80 e 90. Por isso o
Brasil é um exemplo triste de consolidação do poder.

No primeiro capítulo efetuei uma transição da dualidade de estrutura e ação de Anthony Giddens para
uma análise da ação, da instituição e da estrutura, desenvolvida em três etapas. O plano da ação descreve aqui
práticas concretas. Instituições são lógicas e rotinas de ação consolidadas que extraem a sua força estruturante
apenas da reprodução da ação. Instituições são reflexivamente referidas à ação, ao passo que estruturas - Giddens
fala de princípios estruturais - subtraem-se ao simples acesso mediante ações. Isso permite estabelecer uma
distinção entre tipos de lógicas consolidadas da ação, transformáveis com maior ou menor dificuldade. As
primeiras são estruturas no sentido supramencionado, as segundas instituições. Vimos, no entanto, que atrás de
estruturas pode haver ainda estruturas mais profundas, ”estruturas profundas” em níveis mais elevados de
abstração. Melhor ainda do que numa análise em três etapas, uma análise histórico-geográfica deveria ser uma
análise de estruturas realizada em várias etapas. Deve-se, por conseguinte, examinar sempre até que
profundidade que transformação avança ou em que nível se deve falar de constância. Instituições, estruturas e
estruturas profundas indicam sempre graus de consolidação de lógicas de ação. As transições são fluidas, não
obstante as distinções são importantes, pois indicam graus distintos de abertura ao enfoque transformador de
estruturas. Com referência às estruturas capitalistas e ao bloco de poder, podemos falar no Brasil de estruturas
cimentadas do poder sobre o espaço. Justamente no momento no qual a dinâmica dos movimentos sociais
arrefeceu, a eficácia das reformas sociais também se alterou. O mais tardar desde 1994 as reformas sociais estão
subordinadas ao primado da factibilidade, entendendo-se por isso a aceitação da estrutura do poder, sobretudo do
ordenamento extremamente desigual da propriedade e da renda. A partir desse momento empenhos
socialreformistas passaram a ter cada vez mais um gosto duvidoso, pois manifestavam-se como estratégias
superficiais de transformação que preservavam ou consolidavam a profundidade da estrutura. Isso resultou da
desconsideração de nexos das estruturas profundas e não obstante representou uma ação transformadora da
estrutura. Sobretudo na área da estatalidade pode se falar de uma transformação duradoura da estrutura, de uma
modernização - conservadora - da des-ordem. Do mesmo modo puderam ser constatadas modificações nas outras
formas estruturais.

No início dos anos 80, na esteira da democratização em curso tanto no Brasil quanto em escala mundial
a abertura dos campos de poder foi avaliada como muito grande. O primado da política dominava o campo
discursivo. Mas a inflação foi um preceptor que golpeou duramente o élan progressista. Toda e qualquer
tentativa de transformação - quer contemplasse salários mais elevados, quer tivesse em mente maiores prestações
de serviços sociais - era minada pela perda do valor da moeda. Por fim, o primado da política começou a
produzir seus plenos efeitos justamente no momento no qual um presidente ”pragmático” insistiu enfaticamente
nos limites da ação política diante da globalização. A reconfiguração do modo de regulação na direção de um
modelo flexível, dependente do exterior, ocorrida até então apenas germinalmente, foi implementada depois de
1994 de forma inesperadamente vertiginosa. Com isso Fernando Henrique Cardoso, que tem uma forte inclinação
a reduções economicistas na sua visão dos problemas, comprovou a pertinência da tese da abertura dos campos
sociais e do espaço existente de possibilidades da política. A regulação brasileira no final dos anos 90 distingue-
se radicalmente da do final dos anos 80. Comprova-se a veracidade da tese de que existe uma margem de
possibilidades políticas - de abrangência distinta nos diferentes contextos espacio-temporais -, para transformar
estruturas existentes. Mas essa afirmação não pretende advogar um voluntarismo ou politicismo simplório. A
abertura dos campos sociais é seletiva sob vários aspectos. Por um lado, a velha regulação deve estar em uma
crise ”grande”, profunda, para que sejam possíveis transformações de tão longo alcance e tanta radicalidade
como as implementadas no Brasil nos últimos anos. Por outro lado, a abertura tem uma amplitude diferente para
os diferentes tipos de transformações. Em escala internacional, as transformações que se afiguram radicais e
novas no caso do Brasil nem o são. O Brasil copiou o modelo unitário de regulação mundialmente vigente, trata-
se de isomorfismo, de uma unificação organizacional. No sentido do enfoque estrutural-estratégico a tese da
abertura vale apenas para tais casos nos quais a estratégia desenvolvida também considera a estrutura. A
estratégia desenvolvida deve efetuar as transformações individuais das formas estruturais de tal modo que elas ao
menos sejam compatíveis no curto prazo. Tal procedimento é mais fácil quando se copia outros casos, nos quais

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isso já foi praticado. Por essa razão não admira que a transformação que se afigura radical em perspectiva
nacional seja uma mera cópia em perspectiva internacional.

5.2.3 Hegemonia social-liberal?


O feito do governo Fernando Henrique Cardoso parece consistir em ter estabilizado a des-ordem num
novo arcabouço institucional. Depois de anos de confusão e insegurança, a supremacia política parece novamente
estabilizada; a direita logrou fazer algumas conquistas de grande impacto. As suas vitórias eleitorais em todos os
níveis da federação marginalizaram a esquerda e remeteram-na a alguns pequenos espaços de poder em alguns
municípios maiores e em alguns poucos estados. De resto o rolo compressor da contrareforma revogou partes
substanciais da constituição cidadã. Uma ordem capitalista de mercado foi imposta também em áreas nas quais
isso há dez anos ainda parecia impossível. O espaço de poder denominado Brasil é regulado hoje por um
conjunto inteiramente novo de instituições. Como o poder burocrático do Estado é reprimido em benefício de
uma lógica do mercado capitalista, o bloco de poder se vale de outras instituições para impor o seu poder. Torna-
se crescentemente mais fácil para ele empurrar a camada baixa e a camada média cada vez mais para fora do do
campo da cidadania social. É lícito falar aqui de uma dominação estabilizada? Diferentemente de blocos
anteriores de poder, a aliança em torno de Fernando Henrique Cardoso não quis somente a dominação, baseada
na coação, mas também a hegemonia. Os grupos dominantes quiseram governar com a anuência de partes
importantes da sociedade civil (Oliveira 1998a: 159 ss.). Com efeito, mesmo segmentos substanciais da esquerda
aceitaram o campo discursivo da crítica liberal do Estado. Com o seu desmonte liberal do Estado, o governo
criou um novo quadro no qual um retorno à política do Estado de Bem-Estar Social à maneira do fordismo ficou
impossibilitado. A nova regulação estatal de governance ficou inequivocamente sujeita ao regime da moeda. O
campo dos conflitos sociais deslocou-se duradouramente. Quem continua falando de direitos sociais, Estado de
Bem-Estar Social e indústria nacional é considerado um dinossauro, um fóssil de eras há muito passadas. Essa
regra básica é aceita hoje crescentemente no Brasil, na América Latina e no espaço anglosaxão como inconteste e
natural, o que é um claro indício da consolidação da hegemonia neoliberal. O fato desse novo campo entrementes
ser administrado nos países vizinhos da Argentina e do Chile por governos de centro-esquerda reforça o poder da
hegemonia social-liberal.

Mas até que ponto se pode falar de hegemonia, diante de crises continuadas? Hegemonia é um estado de
supremacia que deve abranger a política, mas também a economia e sociedade. Um projeto político carece tanto
de legitimação no processo político quanto da garantia da acumulação. Precisamente aqui reside o grande, quase
insuperável problema de economias periféricas dependentes de tecnologias e financiamentos externos. Essa
dependência significa uma restrição das opções abertas aos grupos nacionalmente dominantes. No caso de crises
e outras instabilidades não resta aos senhores supremos da nação, aos donos do poder nacional, nada senão
apelar à comunidade mundial e à sua solidariedade, como Fernando Henrique Cardoso teve de fazer poucas
semanas antes das eleições (www.jb.com.br de 11 de setembro de 1998). No ponto culminante da campanha
eleitoral o establishment se preocupava mais com Washington e os mercados financeiros internacionais do que
com o adversário político nacional. Não há imagem melhor do irracionalismo dessa des-ordem. Em tais situações
extremas o imperador se desmascarou como homem nu e revelou que as suas novas vestes eram uma fraude. As
velhas fronteiras da des-ordem brasileira, na linha de frente os problemas com o balanço de pagamentos
revelaram a superficialidade e vida breve da modernização e do progresso sob o Plano Real. Por isso a
estabilização econômica é sempre apenas precária. Isso é diferente com referência aos grupos politicamente
dominantes com a sua experiência de 500 anos de estabilização da dominação. A luta de classes orientou a ação
da burguesia brasileira, a preservação do poder no curto prazo, orientada segundo os interesses particularistas,
ocupava o primeiro plano, não uma missão histórica da modernização e capitalização da economia e sociedade.
Por isso, esta última sempre foi cumprida apenas parcialmente e sempre foi interrompida quando membros
centrais do bloco de poder estavam correndo perigo. Se a preservação da estrutura do poder é o princípio
universalmente determinante do bloco de poder, a democracia e a participação só podem ser uma concessão
aceita em fases de conjuntura econômica favorável. Mas a participação ampla da população leva forçosamente a
crises estruturais, chamando as forças da ordem para o campo de batalha. Por isso a democracia pode ser abolida
por uma ditadura ou restringida radicalmente no seu âmbito de vigência. A estratégia hegemônica social-liberal
baseia-se em não restringir procedimentos formalmente democráticos, mas minimizar a margem de ação
democrática por meio de um espartilho fiscal e jurídico. Ora, esse novo campo político está estruturado de tal
modo que a política praticada é em grande parte destituída de alternativas. Por isso os elementos de hegemonia
que atualmente podem ser identificados têm muito a ver com a destruição de alternativas - um expediente sempre
usado com extrema eficácia no decorrer da história. Na sua realização, a burguesia se caracteriza por uma clara
consciência do seu interesse próprio, que os grupos oprimidos alcançaram apenas em situações históricas

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excepcionais. Além disso os proprietários de patrimônios dispõem de uma função de veto, podendo ditar os
limites de reformas, sempre que necessário. Assim o novo projeto de Estado deve ser considerado bem-sucedido
enquanto projeto de destruição. A nova ordem institucional de uma governance social-liberal adquire um caráter
crescentemente estrutural, isto é, duradouro, que se subtrai aos efeitos da ação e é aceito como evidente e
destituído de alternativas.

Apesar disso não foi possível, em que pesem as muitas intervenções associadas a uma multiplicação das
linhas de cisão que atravessam a sociedade, estabelecer um regime coerente de acumulação com um
correspondente modo de regulação social e política, o que levou Krebs a constatar um fracasso do
neoliberalismo. O que Krebs (1997: 13 s.) constatou com vistas à Europa, valeu no Brasil também para a aliança
do PFL e do PSDB: ”Novas camadas de lideranças devem ser incorporadas ao bloco dominante junto ao poder
por meio de cooptações e recrutamentos, contribuindo dessarte à consolidação do projeto hegemônico do
neoliberalismo, que apresenta várias rachaduras. Na perspectiva do eixo temporal, uma fase de desarticulação
seletiva de práticas estatais é seguida agora pela tentativa de uma rearticulação da ação estatal. Na perspectiva do
eixo espacial, cristalizam-se uma desintegração territorial aparentemente anárquica e a difusão em redes
geográficas, com hierarquias minuciosamente graduadas, embora controvertidas. Na perspectiva qualitativa o
Estado Provedor [Fürsorgestaat] antecipativo, dotado de competências decisórias, é multiplicado,
descentralizado, fragmentado em sistemas procedurais de negociação de governance - com simultânea contração
às assim chamadas áreas nucleares do Estado (políticas interna e externa, política monetária). Estimulado por
reflexões de Bob Jessop, eu falaria de uma fase de re-estatização ou de rearticulação da estatalidade, que segue a
política de crise induzida pelo Estado e característica do neoliberalismo.” O Plano Real preparou o solo para essa
nova estatalidade, um regime social-liberal.

A argumentação acima focalizou a discussão política oficial e a derrota de um projeto oposicionista de


sociedade. Mesmo a esquerda age hoje em grande parte no campo do liberalismo social. Oliveira também avaliou
durante algum tempo como fortes as chances do atual bloco de poder de se tornar hegemônico, mas modificou a
sua argumentação nos últimos tempos (Oliveira 1998a). À medida que ele dirige a sua atenção às classes
oprimidas, ele fala de totalitarismo ao invés de hegemonia, pois os dominantes não estariam interessados em
hegemonia no sentido da combinação de pressão e consenso com relação às classes dominadas. A hegemonia
pressuporia uma integração dos oprimidos no campo semântico dos dominandores. Mas a ”falsa consciência” da
burguesia brasileira não deseja que os dominados se assemelhem a ela. Deseja mantê-los na sua alteridade. Esse
é o sentido profundo da exclusão e a causa do apartheid social no Brasil. A desuniversalização da dominância
desdemocratiza e se transmuda em totalitarismo. Elementos totalitários podem ser claramente identificados na
democracia das elites, que é orquestrada pela mídia e sugere um consenso social. Qualquer dinossauro que se
posicione fora do campo social-liberal é declarado imediatamente out. A política enquanto reflexão fundamental
sobre o bem-estar da coletividade é vista como traição de esforços pragmáticos, a crítica do status quo é
considerada antidemocrática, divergências de opinião somente são desejadas com referência a detalhes e a
liberdade de opinião é privada do seu fundamento material. A integração das massas na sociedade se dá por meio
da sua participação - apenas marginalizada - no mercado de consumo. Trata-se de uma integração passiva, da
geração de uma mercadoria sem a ilusão da liberdade, do consumo na prisão de uma ordem totalitária. Oliveira
(1998: 95 s.) chama dessarte a atenção ao perigo de um apartheid social e de uma elitização cultural. Já na
Renascença o progresso social e cultural foi possível a expensas da maioria da população; ”não obstante, esses
portadores da cultura permaneceram uma pequena elite cujas idéias continuaram estreitamente vinculadas aos
interesses sociais e políticos da classe dominante” (Deppe 1987: 346 ss.). Mesmo na ”Nova Renascença” na era
da globalização, uma grande parte da população é excluída e a elite cultural é sustentada por uma classe
patrimonial relativamente grande. Esses grupos continuam dispondo da capacidade de fazer história e geografia.
Mas essa capacidade está sendo crescentemente negada à gente simples do povo. Na afirmação do poder de todas
as pessoas - também das incultas, sem posses e aparentemente sem poder - está a raiz da compreensão dos
processos sociais. Manter consciente essa descoberta ameaçada de cair no esquecimento é uma das tarefas
centrais do pensamento teórico.

5.2.4 Os oprimidos também fazem história e geografia

Por um lado, a análise da estrutura evidenciou as dificuldades de projetos hegemônicos na periferia.


Mas hoje a supremacia da compreensão liberal de regulação que hipostasia ideologicamente e absolutiza o setor
privado e a economia de mercado, restringe as margens de ação mais nitidamente do que em outras épocas.
Enquanto não se formarem outras forças no plano internacional que implodam essa supremacia, a busca de novos

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projetos hegemônicos deve ser empreendida com uma elevada dose de modéstia. Isso vale tanto mais para as
estratégias antihegemônicas de ‘empoderamento’ [Ermächtigung, ‘empowerment’]. Passaram os tempos da
vontade eufórica de transformação quando tudo girava em torno das questões ‘reforma ou revolução’. O poder
concreto sobre o espaço restringe as opções da oposição. Durante o primeiro mandato presidencial de Fernando
Henrique Cardoso, a força do bloco dominante residiu em duas coisas: em primeiro lugar num discurso público e
publicado que se caracterizou por um grau de uniformidade digno de espanto em uma democracia. O consenso
que se formou em torno da política da estabilidade fundamentou um ”pensamento único” (Fiori 1997: 100) que
abortava todo e qualquer debate e eliminava o poder estrutural do foco da percepção pública. Em segundo lugar
toda e qualquer alternativa ao status quo foi apresentada como carente de credibilidade. A oposição, embora no
fundo aliviada do ônus da responsabilidade pela crise, está intrinsecamente cindida. Apesar disso quero mostrar
no fim desse trabalho dois campos de ação nos quais práticas antihegemônicas são possíveis e podem surgir
projetos antihegemônicos. Um é a crítica dos espaços de poder existente, o outro a criação de novos espaços de
poder. Esser e outros (1994) denominam essa estratégia política ”reformismo radical”. ”O termo ‘reformismo’
aponta para o fato de que transformações sociais que objetivam a superação da dominação e exploração não
podem ser atingidas mediante a conquista de posições na estrutura do poder dominante, mas apenas mediante
transformações fundamentais do modo dominante de vida e de socialização. Estas devem ser dimensionadas no
sentido de não trocar, mas dissolver relações institucionalizadas de poder, e isso tanto na esfera do Estado quanto
na da sociedade ‘civil’. [....] ‘O termo ‘radical’ significa que uma política emancipadora, mesmo quando
compreendida como processo gradual e demorado, deve visar liminarmente a superação das formas sociais e das
suas manifestações institucionais e reconhece como seu princípio fundamental a prática crítica dessas formas e
manifestações. Isso pressupõe em última instância que os atores possuam um conceito teórico das relações
sociais existentes, que não pode ser elaborado sem a crítica da economia política” (Esser et al. 1994: 226 s.). A
crítica do ”pensamento único” parte hoje essencialmente dos que continuam efetuando análises de economia
política e receberam muito espaço no presente trabalho. Trata-se de um movimento social que se coloca em
oposição radical ao bloco de poder existente. Apesar da pressão maciça na direção do conformismo e do
raciocínio no curto prazo, os membros desse movimento preservaram um horizonte mais longo e mais largo,
insistindo, portanto, no fato das sociedades serem histórico-geograficamente contingentes, vale dizer, passíveis
de transformação nos seus fundamentos. No âmbito da esquerda liberal, cuja pátria é o PSDB, acabou por impor-
se com Fernando Henrique Cardoso a convicção de que a esquerda não deveria mais trabalhar na elaboração de
uma alternativa, mas influir sobre a configuração concreta dos desafios formulados pela globalização. Com isso a
esquerda liberal entrou em concorrência com a direita quanto à melhor forma de efetuar essa modernização,
considerada incontestavelmente necessária na sua essência. O conflito entre o PSDB e o PFL ocorreu no interior
do próprio governo (Leite 1996: 32 s.). Essa esquerda aceitou a estrutura de poder dada e tentou possibilitar uma
mudança social por meio de reformas institucionais com simultânea constância da estrutura profunda do poder.
Restringiu seu campo de ação a mudanças institucionais e estruturais autorizadas pelo bloco de poder. Mas essa
radicalização do PSDB para a direita não encontrou uma delimitação clara no PT; resultou nesse último partido
nos últimos anos em uma aproximação crescente às contrareformas neoliberais do PSDB. Porém a análise dos
espaços de poder mostrou quão problemática é a cooperação com o bloco de poder existente e quão reduzida é a
margem de ação de um governo de centro-esquerda que faz coalizão com a direita. Em comparação com os
governos precedentes, a avaliação do político Fernando Henrique Cardoso - na sua auto-avaliação um homem de
centro-esquerda - é mais negativa do que a de muitos dos seus precedessores. Sobretudo depois do golpe militar,
executado por medo de uma esquerda demasiado forte, a direita empreendeu uma política econômica e social
nacionalista com um regime de acumulação relativamente consistente, no qual o Estado atuava como capitalista
geral [Gesamtkapitalist]. Apesar dos efeitos sociais extremamente problemáticos, essa estratégia voltada para o
lucro, que não afetou a estrutura de poder mas apesar disso se interessou pelo desenvolvimento da produção
nacional,deve ser avaliada mais positivamente do que a estratégia econômica atual determinada pelos rentiers
desinteressados pela produção nacional. Atualmente, a dimensão nacional se reduz como espaço de poder em
larga escala à garantia do patrimônio dos nacionais e estrangeiros que já são ricos, devido à política de
fortalecimento da moeda e juros elevados. ”Em tempos históricos como esse a responsabilidade do intelectual
está na radicalização da crítica, naturalmente sem otimismo ingênuo, pois a avalanche neoliberal não é de
natureza meramente retórica, mas claramente um processo profundamente enraizado nas nossas sociedades. De
acordo com a lição de Adorno a nossa tarefa consiste em radicalizar, no sentido de cobrar também o que o
conceito promete: no caso em exame, as promessas contidas na democracia. Um outro grande clássico, Gramsci,
recomendou ativar em tempos de crise o ‘pessimismo da razão’ para ajudar o ‘otimismo da vontade’ que só pode
surgir por meio da ação das classes dominadas” (Oliveira 1998b: 96).

Já chamei a atenção à circunstância determinante no Brasil de que a capacidade de inércia vale mais
para o bloco de poder e a estrutura fundamental capitalista do que para estruturas e instituições concretas.
Quando a burguesia brasileira se sente ameaçada, ela sempre assume imediatamente uma clara posição de classe

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154

e localiza um claro inimigo de classe. Ela domina as estratégias da luta de classes para a eliminação de todo e
qualquer questionamento da des-ordem vigente ”a partir de baixo”. Cazuza ainda pôde cantar nos anos 80: ”A
burguesia fede - e enquanto houver burguesia, não haverá poesia”. Mas esse discurso desafiador antiburguês
perdeu-se nos anos 80. Ocorreu uma valorização do empresariado, uma orientação da classe média nacional
segundo os padrões da classe média global e uma desvalorização da classe trabalhadora. Os primeiros
representam o Brasil moderno, os últimos o Brasil retrógrado. ”Fecha-se, assim, o ciclo: A vítima passa a ser
causadora dos males da região e a ”nova solução”, quase tão velha como a Sé de Braga, será a ‘mentalidade
empresarial’, a acumulação privada beneficiada pelos incentivos do Estado e pela exploração de uma mão-de-
obra carente de quase todas as condições capazes de fazer dela algo mais que o velho e sofrido instrumentum
vocale dos tempos de escravidão”(Cardoso, Müller 1977: 204). A luta de classes é feita por pessoas, o
‘empoderamento’ e o ‘desapoderamento’ são meios e resultados das lutas sociais. Por isso a pergunta pelos
donos do poder não desempenha um papel irrelevante. Ela é sempre também uma pergunta pelo território
dominado pelos donos do poder: quem tem poder onde, pois o poder é exercido em espaços físicos e sociais.
Michel Foucault desclassifica a posse do poder enquanto objetivo político. Só na perspectiva de uma
ultrapassada posição soberana, o poder estaria localizado ”lá em cima” e corporificado na sua posse. Muito mais
pertinente seria uma análise dos campos, das estruturas do poder. Aqui se ignora por um lado a produção dessa
ordem global e, por outro, a circunstância de que o postulado auto-movimento global-economicista é a astúcia de
um poder que se quer tornar irreconhecível. Foucault ainda escreveu contra a concepção do poder que localizava
o poder simploriamente no seu detentor soberano, no estado desenvolvimentista, e postulou uma visão do poder
enquanto força, rede e movimento. Mas hoje o contrário parece estar na agenda: a aparente fluidez e atopia
[Ortlosigkeit] do poder no sentido de um foucauldianismo vulgar é tão amplamente aceita e presta um serviço tão
relevante à des-ordem vigente que parece ser necessário lembrar que o poder não se consolida apenas em
estruturas, mas é também feito por atores (Novy, Mattl 1999).

O presente trabalho enfatizou em muitas passagens o significado da política, da posse do poder. No


plano local a análise do orçamento mostrou quão importante é ser dono do poder. Em São Paulo a gestão dos
governos esquerdistas e direitistas revelou diferenças fundamentais. Governos de direita contraíam dívidas para
construir ruas, o governo de esquerda investiu sem endividamento nos setores educacional e de saúde. Essa
inversão de prioridades ampliou as opções de ação dos pobres, essa margem de configuração de detentores do
poder é significativa. O engajamento político é importante também no conflito em torno de detentores de poder
em determinados espaços e tempos políticos. A análise do orçamento e de setores permite inferir que um governo
petista durante uma década sem dúvida teria mudado São Paulo para melhor. Quem exerce o poder sobre um
território estabelece uma distinção com vistas ao desenvolvimento institucional e estrutural. A visão
convencional de esquerda e direita, de acampamentos políticos definidos por oposições fundamentais entre si,
não perdeu a sua atualidade. A análise nacional fornece um quadro mais diferenciado dos detentores do poder.
Por um lado é imprescindível ocupar determinadas posições para implementar determinadas políticas. Foi
necessário o governo de Fernando Henrique Cardoso para implementar também no Brasil as contrareformas, de
resto já efetuadas na América Latina. Apesar da retórica economicista, as transformações estruturais dos últimos
anos são um indício do ”primado da política”. Mas isso não significa simplesmente que a ação política sempre
seja determinante. Muito pelo contrário evidenciou-se que existem formas da ação política que reforçam -
voluntária ou involuntariamente - a des-ordem. O acesso à ação fomentado por uma formação universitária
tecnicista e neutra nega as estruturas do poder. Nos anos 90 uma boa parte dos donos do poder do segundo plano,
isto é, dos que elaboravam as reformas em detalhe, era formada por jovens acadêmicos politicamente
inexperientes. Eles elaboraram inovações ”puras” sem consideração nem conhecimento da subjacente estrutura
de poder. Já os donos do poder do primeiro plano dominavam a arte de preservar a estrutura profunda do espaço
do poder e sobretudo a dominância do bloco de poder mediante modificações aparentemente miúdas das
propostas de soluções tecnocráticas. Uma medida consistiu na disponibilização de recursos demasiado reduzidos,
o que impediu a reforma ou, pior ainda, canalizou-a muitas vezes para canais reacionários. Essa foi a estratégia
predominante no plano nacional. A segunda medida foi a concentração das competências decisórias junto aos
velhos donos do poder, o que foi a estratégia predominante na cidade de São Paulo. Por essa razão ocorreram lá
terceirizações e privatizações maciças na administração pública, mas não houve nenhuma descentralização
política, nenhuma partilha do poder por meio da partilha do espaço.

A segunda estratégia antihegemônica deve consistir no fortalecimento de espaços alternativos de poder.


Mas antes disso importa defender a democracia enquanto condição geral central da ação transformadora. Esse
espaço democrático-público que o movimento democrático apoiado pela base arrancou desde o final dos anos 70
aos simpatizantes dos militares, que hoje estão todos reunidos no e em torno do bloco de poder, é a grande
conquista dos movimentos sociais, pois o bloco social dominante é tão reacionário no Brasil que a defesa da
democracia e dos direitos de cidadania contra o ”liberalismo real”, sempre vulnerável à ditadura, deve ser um

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objetivo essencial mínimo dos movimentos sociais e democráticos. A acumulação, que não funciona bem,
fortalece as forças reacionárias e os projetos antidemocráticos. Por isso a esquerda não deve perder de vista a
defesa da democracia como programa reformista mínimo. Além disso ela deve, aproveitando a multiplicidade de
espaços de poder que a sociedade civil conquistou no transcurso da democratização, efetivar em áreas parciais
um modelo distinto do ”liberalismo real” predominante. Para tal fim se oferecem no campo político, em virtude
das relações de poder no plano nacional e quase sempre também no plano regional, sobretudo os grandes
municípios e alguns estados - especialmente o Rio Grande do Sul. Com efeito, governos de esquerda, conforme
mostra o exemplo de São Paulo, puderam iniciar uma série de desenvolvimentos positivos. O modo de lidar com
o consenso assinala a última relação de tensão que deve ser apresentada nesse trabalho comprometido com a
argumentação dialética. Embora o consenso recentemente tenha sido desmascarado como um campo
problemático do saber-poder, o consenso, o diálogo e a comunicação constituem concepções-chave nos
territórios dominados por forças antihegemônicas. Paul Singer (1996) chama com razão a atenção ao fato de que
no âmbito de uma estrutura global capitalista um governo de esquerda não deve governar para a sua clientela,
mas para toda a população do território. ”São Paulo para todos” foi também o lema do governo petista. No
quadro da des-ordem existente, isto é, do capitalismo, a esquerda deve melhorar a qualidade de vida da
população. Para tal fim ela depende da cooperação dos empresários, razão pela qual faz sentido que os governos
de esquerda apostem em soluções negociadas, em comissões, em instâncias intermediárias semi-estatais e da
sociedade civil. Mas para poder negociar eficazmente com os grupos dominantes, a esquerda não pode abrir mão
do seu potencial de ameaça. Só se estiver claro que não se busca uma solução de compromisso a qualquer preço
e que medidas essenciais em caso de emergência também serão impostas contra a resistência, os grupos
dominantes podem ser levados a negociações sérias. Essa espécie de política consensual oferece um campo de
ação para um reformismo radical.

Depois de 1990, o capitalismo brindou o Brasil com uma coleção inimaginada de mercadorias: tinha-se
a impressão de que tudo podia ser comprado. Em meio a esse entusiasmo generalizado diante da felicidade que
as tecnologias, culturas e o capital trouxeram de fora ao país, o pensamento crítico e com ele também a ocupação
com os que vivem na base da sociedade se perderam por algum tempo. Essa nova visão do mundo - levípede,
pois desinculada de qualquer lugar - enraizou-se profundamente na autocompreensão intelectual. Lutar contra
essa supremacia ideológica é tudo menos fácil. Mas uma parte integrante, inalienável da busca de alternativas é a
elaboração de uma contracultura no campo da sociedade civil. Deveriam ser criados espaços de liberdade para
outras formas de vida e de pensamento, dever-se-ia fomentar a autonomia. Eis a lição a ser extraída tanto de uma
análise gramsciana quanto de uma análise foucauldiana do poder. Esses espaços sociais, que se subtraem a uma
coação à valorização e ao sucesso no curto prazo, poderiam ser germes de uma alternativa social. Um primeiro
passo nessa direção é não seguir o pensamento único, mas pensar ”além” - no sentido temporal e espacial de
‘além’. Mais claramente do que Foucault, Gramsci chama a atenção ao fato de que essa aliança deve englobar os
intelectuais e a classe trabalhadora, as classes média e baixa. Não importa iniciar a luta de classes; as classes
dominantes já operam uma luta não-declarada de exclusão há muito tempo. Importa, muito pelo contrário e num
primeiro passo, traçar um limite à desmedida dos dominadores. A cultura popular alternativa no Brasil, a música
popular, o cinema novo, os movimentos estudantis e sindicais e as comunidades eclesiais de base, todos esses
movimentos populares dos anos 70 e 80 conferiram ao Brasil uma identidade, um orgulho e foram os primeiros
passos de uma revolução cultural. A aliança que surgiu nos ”outros espaços” da ditadura militar - nas
comunidades de base e nos sindicatos - constituiu a ”inovação social” mais duradoura do Brasil. Assim nos anos
80 o fortalecimento das margens de ação na esfera local e a experimentação na cidade ocuparam o primeiro
plano da política emancipadora. No final dos anos 90, desiludida quanto às possibilidades de uma transformação
em profundidade, a esquerda pensa cada vez menos sobre o grande passo para frente. Trata-se, muito pelo
contrário, de resistir, concretamente de defender a nação e a soberania (Becker 1995; Fiori 1999) Em ambos os
casos, seja nas inovações sociais locais dos anos 80 ou na defesa do fator nacional nos anos 90, a criação de um
espaço de poder autônomo esteve na agenda. A luta multissecular pela constituição da nação explica os vínculos
racionais e emocionais dos brasileiros com esse plano espacial. Historicamente, a formação da nação sempre foi
mais do que apenas uma concepção culturalista e chauvinista. Ela foi a forma mais eficaz de um esforço coletivo
de fazer história e geografia. Nesse conflito não só os donos do poder, mas também os oprimidos foram atores
importantes que participavam da configuração concreta do espaço social do território. Apesar disso devemos
dirigir a um nacionalismo fundamentado em argumentos de economia política a pergunta se a história da
libertação, historicamente vinculada à nação, também permanecerá forçosamente localizada nesse plano, pois a
constituição de uma forma política estruturada em rede, na qual se age em diferentes planos espaciais, me parece
mais provável. A história de 500 anos de espaço e poder torna compreensível a freqüente mudança dos planos
espaciais que se afigura apropriada para uma política progressista. Mas o que une as inovações sociais locais e a
defesa da dimensão nacional é o objetivo de fomentar a autodeterminação e participação da população. Só depois
de uma análise conjuntural saberemos dizer com pertinência em qual dos diferentes planos espaciais a ação

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política é especialmente promissora. Mas parece estar fora de dúvida para a América do Sul que um grau maior
de autodeterminação nacional é o pressuposto para impulsionar o esforço coletivo de fazer história e geografia
nos diferentes planos.

A ação social resulta do jogo de espaço e poder; e é justamente em situações de crise que os diferentes
planos espaciais devem ser reordenados e relacionados entre si. No entanto, essa nova estrutura duradoura não
resulta unicamente do desejo dos grupos dominantes, mas do entrechoque de interesses dominantes e oprimidos.
Só porque os grupos em desvantagem praticamente não conseguem estabelecer-se no bloco de poder não pode
surgir a impressão de que a sua atuação não produziria nenhuma influência no curso do mundo. Justamente a
dinâmica social das décadas de 1920 e 1930, que preparou o caminho para melhorias duradouras, relativiza as
derrotas mais recentes na esteira do novo surto de democratização. Projetos dominantes de Estado e sociedade
formam-se apenas em reação a inquietações sociais, projetos alternativos de sociedade e ameaças concretas.
Assim os movimentos sociais influenciam, nos espaços nacionais, mas também nos espaços locais e regionais de
poder, na conformação de uma nova estrutura social. Embora um olhar competente sobre o Brasil só seja
possível se ele abarcar vários planos ao mesmo tempo, podemos extrair uma lição substancial da reflexão sobre a
nação brasileira: na análise de processos econômicos se deve pensar sempre também ao mesmo tempo na
participação de toda a população da vida social e dos seus frutos (Sampaio 1999: 416). Na reflexão sobre a nação
o povo, a gente simples, foi percebido como vítima de estruturas e simultaneamente como sujeito da
transformação social; por conseguinte, o empowerment, o ‘empoderamento’ (Friedmann 1992) surgiu como
alternativa ao desenvolvimento. O fundamento de uma alternativa social deveria ser buscado justamente num
enfoque de respeito diante do povo brasileiro, diante da gente simples do povo. Quem não quis tomar
conhecimento da insatisfação que vinha ”de baixo” nas décadas de 1920, 1930 ou 1970 não compreendeu a
respectiva conjuntura. Justamente os intelectuais oriundos da classe média deveriam hoje levar novamente a sério
a cultura das pessoas simples, sem idealizá-la de forma culturalista e ingênua: as forças sociais da mudança não
virão apenas dos espaços virtuais da Internet, desse novo espaço global da classe média. Para que as mudanças
ocorram, são necessárias as margens da sociedade, sejam elas favelas, comunidades indígenas ou grupos de hip
hop. Das Ciências Sociais espera-se hoje que elas compreendam esses espaços para transformar a sociedade.

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168
169

7 Anexo

7.1 Tabelas

Tabela A-1: Investimentos britânicos, em milhões de libras esterlinas, 1825 – 1913

Ano Investimentos
totais
1825 4,0
1840 6,9
1865 20,3
1875 30,9
1885 47,6
1895 93,0
1905 122,9
1913 254,8
Fonte: Silva 1986: 30

Tabela A-2: Demonstrativo da Receita e despesa geral do Império, média por quinquênio, 1823 - 1885,
respectivamente média de cinco (ou sete) anos, em contos

Exercício Receita Despesa Saldo


(média anual)

1823 – 1830 9.114 10.864 -1.750


1830 – 1835 17.014 14.554 +2.460
1835 – 1840 14.440 18.067 -3.627
1840 – 1845 18.855 26.190 -7.335
1845 – 1850 26.584 26.459 +125
1850 – 1855 35.275 36.521 -1.246
1855 – 1860 45.653 47.539 -1.886
1860 – 1865 52.591 60.449 -7.858
1865 – 1870 75.278 140.243 -64.965
1870 – 1875 105.300 114.173 -8.873
1875 – 1880 110.506 149.135 -38.629
1880 – 1885 130.336 148.772 -18.436
Fonte: Pessoa 1983: 102-104.

169
170

Tabela A-3: Balanço comercial – saldos, 1891-1928, em contos

Ano Taxa de câmbio* Saldo


1891 14 29/32 6,4
1895 9 15/16 37,5
1900 9½ 205,4
1905 15 7/64 230,5
1910 16 13/64 233,6
1915 12 29/64 459,3
1920 14 15/32 -325,0
1925 6 1/6 645,2
1928 5 18/32 275,8
* Mil-Reis para pence
Fonte: Silva 1986: 29

Tabela A-4: Participação das 10 maiores empresas nos setores da economia brasileira, em 1968 (in %)

capital capital capital


estrangeiro estatal privado
infraestrutura 17,2 73,1 9,7
semi-acabados 34,6 52,0 13,4
bens de capital 72,6 - 27,4
bens de consumo duráveis 78,3 - 21,7
bens de consumo não-duráveis 53,4 6,4 40,2
comércio 7,0 - 91,8
Serviços 8,2 - 91,8
Fonte: Serra. In: Senghaas 1980: 132

Tabela A-5: Créditos privado por instituição, Brasil, 1964 – 1970

Tipo 1964 (1) 1970 (1) crescimento (2)


sistema bancário 79,9 56,6 14,7
- bancos comerciais 54,4 37,1 13,9
- Banco do Brasil 25,5 19,5 16,0
Organizações de desenvolvimento 14,0 9,6 13,9
bancos de investimentos (3) 6,0 17,9 45,6
SFH (4) - 14,3
outros (sobretudo caixas - 1,6
econômicas)
TOTAL 100,0 100,0 21,4
(1) participação dos créditos privados em %
(2) crescimento anual médio
(3) bancos de investimentos + empresas financiadoras de investimentos
(4) Sistema Financeiro de Habitação
Fonte: Tavares 1983: 224

170
171

Tabela A-6: ´Haveres financeiros em poder do público, Brasil, 1964 – 1970

crescimento 1964 1970


anual
1964/70
ativos monetários 5,7 88,4 61,1
- moeda-papel 2,5 18,8 10,9
- depósitos à vista 6,4 69,6 50,2
ativos não-monetários 37,5 11,6 38,9
poupança - 3,2
depósitos a prazo 33,0 2,7 7,3
Letras de Importacão 4,2 -
Aceites Cambiais 36,4 4,0 13,6
Empréstimos hipotecários - 2,8
ORTN 78,6 0,7 10,9
títulos da dívida pública - 1,1
TOTAL 12,4 100,0 100,0
Fonte: Tavares 1983: 229

Tabela A-7: Investimentos estrangeiros diretos no Brasil, 1947 -1988, em milhões de US$ correntes [???]

Ano Afluência reinvestimentos estoque [??] (1)


1947-54 107 366 5.971
1955-61 716 251 8.610
1962-65 177 262 9.548
1966-69 388 236 10.936
1970-73 1.558 1.262 14.698
1974-77 3.548 3.016 20.336
1978-82 4.908 4.404 22.520
1983-86 2.198 1.795 26.600
1987-88 2.659 1.090 30.349
(1) a preços de 1986
Fonte: Fritsch, Franco 1991: 23

Tabela A-8: Número das empresas estatais fundadas no Brasil entre 1941 e 1976

Período União Estados Municípios Total


1941-50 7 6 30 13
1951-60 12 24 1 37
1961-65 19 46 3 68
1966-70 33 42 4 79
1971-76 67 59 5 131
Total 138 177 13 328
Fonte: Becker, Egler 1992: 96

171
172

Tabela A-9: Gastos da União entre 1994 e 1998, em bilhões de R$ (junho de 1999), valores arredondados

1995 1996 1997 1998


Administração 27,15 25,27 28,30 29,00
Administração fiscal 155,60 178,88 258,89 348,83
Planejamento 3,93 4,17 2,87 2,67
Ciência e Tecnologia 1,59 1,52 1,18 0,93
Agricultura 5,83 3,98 6,14 4,51
Telecomunicações 0,01 0,048 0,06 0,04
Defesa 3,98 3,73 2,97 3,17
Desenvolvimento Regional 24,61 25,52 27,48 31,80
Educação 10,27 9,63 9,77 10,12
Cultura 0,068 0,20 0,11 0,09
Energia 1,05 0,83 1,29 1,32
Desenvolvimento Urbano e Habitação 0,11 0,34 0,50 0,34
Fomento da economia 0,08 0,16 0,12 0,14
Política externa 0,54 0,53 0,51 0,50
Saúde 15,45 14,10 15,89 15,24
Proteção no trabalho 5,13 5,70 5,61 6,18
Assistência Social 1,32 1,55 2,41 3,38
Previdência Social 66,42 72,92 74,64 82,95
Transportes 2,28 3,10 3,80 3,76
Outros gastos 91,29 87,88 96,94 101,34
Total 401,28 425,96 523,59 629,97
Fonte: www.camara.gov.br

Tabela A-10: Resultados das privatizações, segundo períodos e espécies de resultados, Brasil, em milhões de US$

Período Empresas Receitas Receitas Receitas


privatizada líquidas totais líquidas/
s Receitas totais
1991/92 18 49 415 1,2
1993/94 15 1.590 4.593 34,6
1995 8 327 1.003 32,6
1996 11 3.057 4.080 74,9
1997 4 4.073 4.265 95,5
Gesamt 56 9.096 17.956 50,6
Fonte: www.bndes.gov.br/pndnew

Tabela A-11: Lucros de diferentes tipos de capital, Brasil, de 1992 a 1997

1992 1993 1994 1995 1996 1997


50 maiores empresas estatais -4.236 -4.211 1.512 -2.902 2.629 7.214
500 maiores empresas privadas 581 4.467 1.813 8.000 7.668 6.864
relação estatais/privadas -729,1% -94,3% 10,9% -36,3% 34,3% 105,1%
Fonte: Exame 1998: 18

Tabela A-12: Exportações brasileiras de 1970 a 1994, em bilhões de US$, valores arredondados

1970 1975 1980 1985 1990 1994


(a) PIB em US$ correntes (1) 42,3 129,1 237,3 210,9 437,2 565,1
(b) PIB em US$ correntes de 1985 86,5 139,8 198,0 210,9 231,3 254,2

172
173

(c) PIB agricultura e indústria de 41,0 71,5 100,6 100,7 108,9 120,3
1985
(d) Exportações em US$ correntes 2,7 8,6 20,1 25,6 31,0 42,7
(e) Exportações em US$ de 1985 7,7 15,1 23,1 25,6 27,5 36,6
coeficiente de exportações I 6,5 6,6 8,5 12,1 7,1 7,6
d/a em % (2)
coeficiente de exportações II 8,9 10,8 11,7 12,1 11,9 14,4
e/b em %
coeficiente de exportações III 18,7 21,2 22,9 25,4 25,2 30,4
e/c em %
(1) em bilhões
(2) Erro de arredondamento
Fonte: Pacheco 1998: 87

173
174

Tabela A-13: Indústria de transformação: participação regional no VTI, Brasil, 1939 a 1995

1939 1949 1959 1970 1975 1980 1985 1989 1995


NO 1,1 7,0 0,9 0,8 1,3 2,4 2,5 n.d. n.d.
NE 10,9 9,1 6,9 5,7 6,6 8,1 8,6 8,1 8,1
MG 7,6 6,6 5,8 6,5 6,3 7,7 8,2 8,2 8,8
ES 0,3 0,4 0,3 0,5 0,6 0,9 1,2 n.d. n.d.
RJ 25,5 20,6 17,6 15,5 13,5 10,6 9,5 10,3 8,6
SP 40,7 48,9 55,6 58,2 55,9 53,4 51,9 50,2 49,8
GSP(2) 26,3 32,4 41,0 43,5 38,8 33,6 29,4 28,8 25,4
INT(1) 14,4 16,5 14,6 14,7 17,1 19,8 22,5 21,4 24,4
PR 2,3 2,9 3,1 3,1 4,0 4,4 4,9 5,3 5,5
SC 2,1 2,4 2,2 2,6 3,3 4,1 3,9 4,0 4,4
RS 9,1 7,9 7,0 6,3 7,5 7,3 7,9 7,8 8,2
CO(1) 0,4 0,5 0,6 0,8 1,0 1,1 1,4 n.d. n.d.
Brasil = 100, n.d. = dados não disponíveis
GSP = Grande São Paulo, INT = Interior de São Paulo (outras siglas v. Gráfico 7),
Fonte: Cano 1998b: 327

174
175

Tabela A-14: Participação regional na produção econômica, Brasil, 1939 a 1995

PIB total 1939 1949 1959 1970 1980 1985 1990 1995
NO* 2,6 1,7 2,0 2,2 3,2 4,1 4,4 4,6
NE 16,7 13,9 14,4 12,0 12,2 13,7 13,6 13,4
MG 10,0 10,4 7,9 8,3 9,4 9,7 9,0 9,1
ES 1,2 1,3 0,8 1,2 1,5 1,7 1,5 1,6
RJ 20,9 19,5 18,5 16,1 13,6 11,6 12,3 10,3
SP 31,2 36,4 37,9 39,5 37,7 35,8 36,4 36,6
PR 2,9 4,0 5,4 5,5 5,9 6,2 5,4 6,7
SC 2,2 2,5 2,4 2,8 3,3 3,3 3,2 3,3
RS 10,2 8,6 8,4 8,7 8,1 7,9 6,9 7,3
CO 2,1 1,7 2,3 2,7 3,6 3,7 4,2 4,7
DF - - - 1,0 1,5 2,3 4,1 2,4
Brasil =100% (siglas: v Gráfico 7)
* NO: incluio Estado do Tocantins em 1985-1995
* CO: inclui o Estado do Tocantins em 1939-1985, exclui o DF
Fonte: Cano 1998b: 318

175
176

Tabela A-15: Participação regional na produção econômica, Brasil, 1939 a 1995

PIB agricultura 1939 1949 1959 1970 1980 1985 1990 1995
NO* 3,3 1,7 2,4 4,1 5,0 6,5 8,5 7,6
NE 23,0 19,3 27,9 20,9 19,5 20,6 20,7 22,0
MG 15,3 17,3 10,5 11,9 16,3 17,0 13,8 14,1
ES 2,2 2,4 1,6 1,9 2,1 2,9 1,8 2,0
RJ 4,8 4,9 4,1 2,4 2,0 1,8 2,0 1,8
SP 24,7 30,0 21,9 18,0 14,2 16,7 24,0 23,6
PR 4,9 6,9 11,6 12,1 11,7 11,9 9,2 8,6
SC 3,7 3,9 4,1 5,4 5,2 4,3 4,1 4,1
RS 13,6 10,4 11,2 15,9 12,6 10,9 8,9 9,0
CO* 4,5 3,2 4,7 7,4 11,4 7,4 7,0 7,1
DF - - - 0,0 0,0 0,0 0,0 0,1

PIB indústria 1939 1949 1959 1970 1980 1985 1990 1995
NO* 2,3 0,9 1,2 1,1 3,0 4,0 4,4 4,5
NE 12,1 9,7 7,5 7,0 9,5 12,0 12,4 11,5
MG 8,0 6,9 6,1 6,9 8,7 8,7 9,1 9,1
ES 0,4 0,5 0,3 0,5 1,2 1,4 1,5 1,5
RJ 26,9 20,0 17,4 15,2 11,9 11,8 10,5 9,4
SP 36,4 47,9 54,4 56,4 47,9 44,0 43,6 41,0
PR 2,2 2,8 3,0 3,0 4,9 5,2 5,0 8,0
SC 2,0 2,6 2,4 2,6 3,9 3,6 3,3 4,0
RS 8,7 8,0 6,9 6,3 7,4 6,9 6,4 6,9
CO* 1,0 0,7 0,8 0,9 1,7 2,1 3,3 3,6
DF - - - 0,1 0,5 0,3 0,5 0,5

PIB serviços 1939 1949 1959 1970 1980 1985 1990 1995
NO* 2,4 2,0 2,3 2,3 2,8 3,5 3,8 4,1
NE 14,9 13,0 12,7 1,2 12,4 13,6 13,0 12,8
MG 7,8 8,3 7,8 8,2 8,4 8,9 8,0 8,1
ES 0,9 1,0 0,7 1,4 1,5 1,7 1,4 1,5
RJ 27,6 26,7 24,8 20,6 18,2 13,9 15,4 12,6
SP 32,7 33,8 35,4 35,0 34,8 32,9 33,9 36,7
PR 2,1 3,1 4,2 5,3 5,4 5,7 4,9 5,6
SC 1,5 1,8 1,8 2,1 2,2 2,8 2,8 2,7
RS 8,9 8,0 8,1 8,2 7,5 8,0 7,0 7,2
CO* 1,2 1,3 2,2 2,5 3,3 4,4 4,3 4,8
DF - - - 2,2 3,5 4,6 5,5 3,9
Brasil =100% (siglas: v. Gráfico 7)
* NO: incluio Estado do Tocantins em 1985-1995
* CO: inclui o Estado do Tocantins em 1939-1985, exclui o DF
Fonte: Cano 1998b: 318

176
177

Tabela A-16: Índice de nível de emprego, Brasil, 1984 a 1997

Total Indústria de comércio serviços construção


transformação civil
1984 Dez 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
1989 Dez 117,49 120,37 124,23 119,71 114,86
1990 Dez 112,81 110,70 121,49 117,13 105,50
1991 Dez 109,99 105,79 115,88 115,76 103,60
1992 Dez 106,87 100,31 112,10 113,76 98,93
1993 Dez 107,60 101,06 114,18 114,86 97,08
1994 Dez 108,94 102,63 116,83 116,39 95,50
1995 Dez 107,07 98,05 116,30 115,91 92,64
1996 Dez 105,77 95,59 115,83 115,24 91,28
1997 Nov 106,72 95,46 118,14 116,18 93,84
Fonte: www.bcb.gov.br/htms/histbole.htm de 7.7.1998

Tabela A-17: Distribuição percentual da população escrava pelas sub-regiões de São Paulo, 1836 - 1886

Jahr Leste e Litoral Central Oeste e


Paraíba Norte
1836 31,1 15,6 48,8 4,5
1854 28,9 13,2 40,6 17,2
1886 25,7 2,4 31,8 39,8
Fonte: Targa 1996a: 71

Tabela A-18: Participação percentual dos grupos e subgrupos da Receita Total do Estado de São Paulo de 1893 a
1929

1893 1905 1914 1923 1929


Receitas Ordinárias 97,30 61,61 89,90 97,46 94,08
- Receita does Impostos 96,02 42,46 82,98 69,51 72,02
- Receitas Industriais 1,15 19,08 6,56 27,91 22,04
- Receitas patrimoniais 0,13 0,07 0,36 0,04 0,02
Receitas Extraordinárias (1) 2,70 38,39 10,10 2,54 5,92
Receita Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
(1) Sobretudo a partir de compensações em casos de cancelamento de dívidas ou a partir de lucros cambiais
Fonte: Carvalho 1996: 205

Tabela A-19: Gastos por funções do Estado de São Paulo, de 1893 a 1929, em Contos (1912)

1893 1897 1912 1916 1929


PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO 15.970 17.260 23.850 10.746 39.319
ECONÔMICO
Agricultura 4.497 5.30 7.589 2.052 7.784
Indústria e comércio 39 31 165 25 219
Infraestrutura e Serviços 11.433 12.198 16.096 8.668 31.317
Energia e Recursos Minerais 421 478 796 1.549 1.343
Habitação e Urbanismo 0 0 0 0 348
Saneamento Público 9.369 9.798 7.409 2.744 4.940
Comunicações 0 0 0 0 1.022
DESPESA GERAL DO ESTADO 49.900 48.522 96.643 62.190 162.834
Fonte: Pereira 1996: 238

177
178

Tabela A-20: Participação Regional do Estado de São Paulo em Relação ao Brasil nos Depósitos Totais, Operações
Totais, Operações de Crédito e Agências Bancárias, 1988 - 1993

Anos Depósitos Operações Agências


Totais de Crédito Bancárias
1988 54,42 30,28 29,21
1989 51,48 34,88 27,62
1990 53,47 36,85 28,26
1991 53,33 36,74 28,66
1992 54,62 40,46 28,76
1993 56,25 42,89 28,87
Fonte: Seade 1995: 62

Tabela A-21: Setor bancário em São Paulo (Capital e Estado), 1988 a 1995

1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995


Agências Bancárias
Capital 1.268 1.377 1.447 1.489 1.546 1.572 1.610 1.601
Estado 4.378 4.550 4.718 4.778 4.879 4.925 5.001 4.977
% 29,0 30,3 30,7 31,2 31,7 31,9 32,2 32,2
Depósitos Totais (1)
Capital 55,1 69,2 36,4 38,6 60,7 73,9 58,1 82,2
Estado 91,2 106,8 52,4 56,3 80.,8 104,6 79,1 111,8
% 60,4 64,8 69,5 68,6 75,1 70,7 73,5 73,5
Operações de Crédito (1)
Capital 51,5 51,3 49,7 54,3 67,6 82,1 51,4 58,3
Estado 71,9 68,8 65,0 69,8 82,4 101,3 72,3 83,2
% 71,6 74,6 76,5 77,8 82,0 81,0 71,0 70,1
(1) em bilhões de R$
Fonte: www.seade.gov.br (30.7.1997)

Tabela A-22: Trabalhadores com carteira assinada no Estado de São Paulo, de 1986 a 1995, por setores

Ano Indústria Construção Comércio Serviços Agricultura e outros Ignorado Total


civil Pecuária
1986 2.922.504 277.667 907.397 3.158.666 103.373 46.744 0 7.416.351
1990 2.595.021 304.681 982.043 3.186.057 129.654 436.528 0 7.633.984
1994 2.353.444 363.256 1.057.664 3.481.050 305.955 0 276.027 7.837.396
1995 2.201.319 347.096 1.094.085 3.684.960 323.247 57.570 57.570 7.708.277
Fonte: Unicamp 1998: 14

178
179

Tabela A-23: Estimativa da população total, em idade ativa, economicamente ativa, ocupada e desempregada,
Grande São Paulo, de 1985 a 1997, em milhares

Populações 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997

População Total 14.804 15.078 15.358 15.642 15.897 16.070 16.309 16.545 16.771
População em idade ativa 10.562 10.758 10.979 11.254 11.541 11.897 12.259 12.574 12.891 13.146 13.453 13.687 13.914
População economicamente 6.369 6.659 6.774 6.911 7.052 7.162 7.515 7.733 7.915 7.980 8.220 8.459 8.585
ativa
Ocupados 5.592 6.020 6.151 6.241 6.438 6.424 6.636 6.558 6.759 6.847 7.135 7.182 7.220
Indústria 1.834 2.089 2.079 2.010 2.125 2.004 1.878 1.731 1.703 1.732 1.762 1.623 1.523
Comércio 788 834 892 880 953 1.028 1.082 1.069 1.102 1.157 1.213 1.235 1.220
Serviços 2.276 2.372 2.454 2.596 2.659 2.730 2.980 3.017 3.224 3.211 3.396 3.490 3.624
Outros (1) 694 716 726 755 701 662 696 741 730 746 736 834 853
Desempregados 777 639 623 670 614 738 879 1.175 1.156 1.133 1.085 1.277 1.365
aberto 484 399 427 484 459 530 594 711 681 710 740 846 884
oculto 293 240 196 186 155 208 285 464 475 423 345 431 481
Pelo trabalho precário 185 133 115 124 106 143 218 356 372 319 271 321 129
Pelo desalento 108 107 81 62 49 65 67 108 103 104 74 110 129
Inativos 4.193 4.099 4.205 4.345 4.489 4.735 4.744 4.841 4.976 5.166 5.233 5.228 5.329
(1) compreende serventes e empregadas

Fonte: Unicamp 1998: 12

Tabela A-24: Taxa de Desemprego na Grande São Paulo, de 1985 a 1998, em %

1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998
Total 12,2 9,6 9,2 9,7 8,7 10,3 11,7 15,2 14,6 14,2 13,2 15,1 16,0 18,3
Fonte:www.seade.gov.br/cgi-bin de 22.1.1999

Tabela A-25: Rendimento Médio Real Anual (1) das Mulheres Ocupadas no Trabalho Principal, segundo
Posição na Ocupação , de 1989 a 1996, Grande São Paulo, em Reais (Novembro de 1996)

1989 1992 1996


Ocupadas 874 597 585
Indústria 857 636 596
Com carteira assinada 898 726 656
Sem carteira assinada 444 336 344
Comércio 888 547 523
Serviços 1080 740 721
Com carteira assinada (setor 992 738 683
privado)
Sem carteira assinada (setor 438 328 399
privad)
Assalaridadas do setor público 1477 987 852
Serviços Domésticos 306 222 275
Fonte: www.seade.gov.br (27.7.1997)

179
180

Tabela A-26: Rendimento Médio Real Anual (1) dos Homens Ocupados no Trabalho Principal, segundo
Posição na Ocupação, de 1989 a 1996, Grande São Paulo, em Reais (Nov.96)

1989 1992 1996


Ocupados 1607 1075 995
Indústria 1718 1264 1063
Com carteira assinada 1718 1298 1046
Sem carteira assinada 703 580 549
Comércio 1466 839 858
Serviços 1633 1068 1042
Com carteira assinada (setor 1434 1006 863
privado)
Sem carteira assinada (setor 671 458 578
privado)
Assalariados do setor público 2006 1394 1291
Construção civil 1220 811 755
Fonte: www.seade.gov.br (27.7.1997)

Tabela A-27: Rendas disponíveis do Estado de São Paulo, administração pública, 1986-94, em milhões de R$
(valores arredondados)

1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994


Média 1987-
94
Rec. Orçamentária 24.072 21.922 20.425 25.823 26.050 23.219 22.901 25.319 22.859 ...
Despesas com transf. a 4.135 3.529 3.572 5.255 5.572 4.821 4.244 4.117 4.772 ...
municípios *
Rec. Estadual disponível 19.937 18.393 16.853 20.568 20.478 18.398 18.657 21.202 18.087 ...
População (1.000 hab.) 28.729 29.343 29.943 30.529 31.097 31.648 32.183 32.701 33.207 ...
Rec. Disponível per capita (R$) 694 627 563 674 659 581 580 648 545 610
Fonte: Arretche 1998: Tabela 5

Tabela A-28: Gastos em habitação, São Paulo, 1986-94, em R$ (dezembro de 95)

1986 1987 1988 1989 1990 1991 199 1993 1994 Médi Média
2 a 1991-4
1987-
90
Gastos em 95 98 210 233 248 548 487 407 488 ... ...
habitação(1)
PIB (1) n.d. 193.131 188.386 196.803 187.480 184.7 181. 190. 199.9 ... ...
97 895 057 73
Percentual do n.d. 0,05 0,11 0,12 0,13 0,30 0,27 0,21 0,24 0,10 0,26
PIB, em %
População n.d. 28.903 29.517 30.144 30.783 31.43 32.1 32.6 33.16 ... ...
6 03 69 2
Gastos per capita n.d. 3,39 7,13 7,73 8,05 17,44 15,1 12,4 14,71 6,57 14,94
7 4
(1) em milhões de R$
Fonte: Arretche (1998): Tabela 12

180
181

Tabela A-29: Participação das pessoas acima de 18 anos de idade, ativas em uma ou várias associações, em diferentes
estados brasileiros em 1988

RS PR SP BA PE CE
Filiados a Sindicatos 12,46 12,83 8,30 8,58 11,13 9,66
Filiados a As. de 6,31 6,08 3,79 2,25 2,62 2,17
Empregados
Filiados a Partidos Políticos 5,36 4,45 2,42 4,78 2,59 3,57
Filiados a As. de Bairro ou 3,71 2,43 1,07 2,38 2,37 2,45
de Moradores
Filiados a As. Relig. ou 27,77 9,67 3,55 2,28 2,11 1,83
Filantrópicas
Filiados a As. Esportivas ou 20,76 9,55 8,91 2,89 3,04 1,19
Culturais
Taxa média de filiação 15,27 9,00 5,61 4,63 4,77 4,18
Total de declarantes 5.685.649 5.140.305 20.061.204 5.953.738 3.893.830 3.359.015
siglas: v. Gráfico 7
Fonte: Arretche 1998: Tabela 4

Tabela A-30: Gastos, Cidade de São Paulo, segundo setores, posições selecionadas dos anos de 1980 a 1995, em
milhões de R$ (1996)

1980 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995
Gastos totais 3.473 3.357 3.786 3.908 4.744 4.479 5.092 5.338 4.535 4.535 5.109 6.473
Educação 449 509 652 536 501 678 795 903 830 635 723 829
Saúde 353 386 460 489 658 607 903 888 929 736 802 981
Habitação 665 486 590 633 738 648 785 798 731 670 741 985
Obras e instalações 514 411 379 616 1.469 425 649 451 639 760 762 1.291
Fonte: www.seade.gov.br (28.7.1997)

Tabela A-31: Endividamento do Município de São Paulo nos anos de 1980 a 1995, em milhões de R$ (1996),
posições selecionadas

1980 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995
Dívida fundada 1.574 2.397 2.352 4.137 5.880 8,276 4.545 4.551 2.722 n.d. n.d. n.d.
Dívida flutuante 576 738 879 816 1.397 878 1.337 852 950 n.d. n.d. n.d.
Fonte: www.seade.gov.br (28.7.1997)

181
182

Tabela A-32: Despesas do Município de São Paulo, por tipos de gastos, posições selecionadas, 1980 a 1995, em
milhões de R$ (1996)

1980 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995
Despesas totais 3.473 3.357 3.786 3.908 4.744 4.479 5.092 5.338 4.535 4.535 5.109 6.473
Com pessoal 817 981 1.357 900 914 1.402 1.461 1.689 1.389 1.103 1.228 1.363
Encargos da divida 186 321 195 367 379 104 76 164 58 21 187 106
Amortização da n.d. 227 326 457 300 541 295 250 269 274 651 931
divida
Encargos e n.d. 548 521 824 679 645 371 414 327 295 838 1037
amortização
Investimentos 808 504 513 728 1.547 530 833 737 928 948 955 1.709

Despesas correntes 2.100 2.487 2.913 2.587 2.845 3.336 3.407 4.014 3.932 3.253 3.353 3.712
Despesas de capital 1.374 869 873 1.321 1.899 1.144 1.685 1.324 1.287 1.282 1.756 2.761
Manutenção 1.510 1.695 2.105 1.854 2.008 2.354 2.780 2.976 2.942 2.416 2.597 2.947

Fonte: www.seade.gov.br (28.7.1997)

Tabela A-33: Participação do Estado de São Paulo no PIB nacional, segundo setores, de 1980 a 1996, em %

Ano Agricultura e pecuária Indústria Serviços Total


1980 13.99 45,91 40,65 40.09
1981 14,93 44,78 39.84 38,92
1982 15,02 44,77 40.50 39,28
1983 16,55 43,87 39.72 38.61
1984 15.98 43,99 39.28 38.44
1985 16,90 44.11 39.15 38.48
1986 15,59 43.36 39.89 38.87
1987 17,25 42.99 40.40 38.87
1988 14.97 43.23 38.91 37.89
1989 14,38 43.40 39.23 38.05
1990 15,42 42,57 37.15 36.70
1991 15,48 42,61 36.89 36.48
1992 14,72 42,47 36.83 36.10
1993 14,88 42.81 37.61 36.83
1994 14,16 42,78 38,51 37.13
1995 13.96 42.18 38.61 36.90
19961 - - - 36.72
(1) dados provisórios
Fonte: Unicamp 1998: 3

182
183

Tabela A-34: Taxa de Crescimento – vegetativo e migratório, Município de São Paulo, 1940/50, 1990/2000

Anos Período Total Vegetativo Migratório


1940/50 Decenal 68,74% 15,85% 49,89%
Anual 5,20% 1,48% 4,14%
1950/60 Decenal 72,37% 28,71% 43,66%
Anual 5,60% 2,49% 3,76%
1960/70 Decenal 56,37% 21,11% 35,26%
Anual 4,57% 2,69% 3,17%
1970/80 Decenal 43,35% 24,10% 19,25%
Anual 3,67% 2,18% 1,78%
1980/90 Decenal 33,99% 16,33% 17,66%
Anual 2,97% 1,52% 1,64%

Fonte: Rolnik et al. 1990: 43.

Tabela A-35: Evolução da população da Cidade de São Paulo, da Região Metropolitana de São Paulo e do Estado de
São Paulo, de 1940 a 1991

Ano SP (capital) Grande SP SP (Estado) capital/estado


1920 579.033 4.592.188 0.126
1940 1.326.261 1.568.045 7.180.316 0.185
1950 2.198.096 2.662.786 9.134.423 0.241
1960 3.666.701 4.739.406 12.823.806 0.285
1970 5.924.615 8.139.730 17.771.948 0.333
1980 8.493.226 12.588.745 25.040.712 0.339
1991 9.626.894 15.416.416 31.546.473 0.305

Fonte: Rolnik et al. 1990:32; SEADE 1993:30.97.

Tabela A-36: Os 100 maiores grupos privados, por região, em1978 e 1990

Região 1978 1990


Sudeste 81 82
- São Paulo 48 58
- Rio de Janeiro 27 15
Sul 12 10
Nordeste 7 7
Norte - -
Centro-Oeste - 1
Total 100 100
Fonte: Neto 1995: 379

183
184

Tabela A-37: As 1000 maiores empresas, por região, em 1975 e 1990, em %

Região 1978 1990


Sudeste 80 68
- São Paulo 54 43
- Rio de Janeiro 21 16
Sul 11 15
Nordeste 6 11
Norte 1 3
Centro-Oeste 2 3
Total 100 100
Fonte: Neto 1995: 379

184
185

7.2 Jornais, revistas e endereços de Internet utilizados

www.uol.com.br/fsp (FSP – Folha de São Paulo)


www.jb.com.br (Jornal do Brasil)
www.zerohora.com.br (Zero Hora)
www.estado.com.br (O Estado de São Paulo)
gwww.gazeta.com.br (Gazeta Mercantil)
www2.uol.com.br/veja (Veja)
www2.uol.com.br/exame (Exame)
www.zaz.com.br/istoe (Istoe)
www.uol.com.br/ft (FT – Folha da Tarde)
home.t-online.de/home/brasilien/aktuell.htm (Brasilienausschnittsdienst – monatlicher Pressedienst)
www.monde-diplomatique.fr (Le Monde Diplomatique)
www.glpnews.com/TP/DieZeit.html (Die Zeit)
www.fr-aktuell.de (Frankfurter Rundschau)
www.ft.com (Financial Times)
www.economist.com (The Economist)

7.3 Endereços da Internet utilizados com maior freqüência

www.ibge.gov.br (IBGE)
www.ipea.gov.br (IPEA, especialmente. www.ipeadata.gov.br )
www.fazenda.gov.br (Ministério da Fazenda)
www.bcb.gov.br (Banco Central, especialmente Boletim do Banco Central)
www.planejamento.gov.br (Ministério do Planejamento)
www.mare.gov.br (Ministério da Reforma Administrativa - Mare)
www.brazil.gov.br (Governo Federal)
www.camara.gov.br (Congresso)
www.senado.gov.br (Senado)
www.bndes.gov.br (BNDES)
www.seade.gov.br (SEADE - Instituto Estadual de Pesquisa)
www.sep.sp.gov.br (Secretaria de Planejamento do Estado de São Paulo)
www.dieese.org.br (Instituto de Pesquisas Econômicas dos Sindicatos)
www.emprego.sp.gov.br (Informações sobre o mercado de trabalho - SP)
www.sercomtel.com.br/bernardo (Deputado Paulo Bernardo, PT-PR)
www.worldbank.org (Banco Mundial)
www.rau.edu.uy/mercosur (Mercosul, Homepage)
www.prodam.sp.gov.br (Prefeitura Municipal de São Paulo)

185
186

7.4 Entrevistas gravadas em fita

Antonio Alves, Secretário Municipal de Cultura de Rio Branco (1993-1996) (5.12.1996)


Antônio Zaire, Comerciante em Xapuri, com museu particular (24.11.1996)
Carlos Strabelli, Assessor da Câmara dos Vereadores de São Paulo, ativista na Região Leste de São Paulo
(15.10.1996)
Cláudia Pimenta, Assessora da Câmara dos Vereadores de São Paulo, ativista na Região Leste de São Paulo
(19.10.1996)
Dercy Telles, Cooperativa Agroextrativista de Xapuri (24.11.1996)
Fernando Michelotti, Engenheiro agrônomo, Cooperativa Agroextrativista de Xapuri (29.12.1996
Francisco de Oliveira, Professor de Sociologia, USP (11.12.1996, 4.11.1997)
Gomercindo Rodrigues, ex-consultor da CAEX
Iraiton de Lima, assessor da senadora Marina da Silva (PT-AC) (23.11.1996)
Irma Ignes Boff, religiosa de Xapuri (21.11.1996)
João Batista, funcionário da CMTC, assessor da Câmara de Vereadores para assuntos de transportes e assessor do
sindicato dos motoristas de ônibus
João Jorge, Presidente da AMBS -Xapuri (26.11.1996)
Jorge Viana, Prefeito de Rio Branco (1993- 1996) (3.7.1997)
José Antonio Fialho Alonso, assessor do Prefeito de Porto Alegre (24.6.1997)
Mancio Lima Cordeiro, Secretário Municipal da Fazenda de Rio Branco (1993 - 1996) (30.6.1997)
Manuel Estébio, Membro fundador do CTA - Rio Branco (4.12.1996)
Marina Teles, Seringueira, Pimenteira-Acre (25.11.1996)
Antonio Monteiro Neto, Vereador, Secretário Municipal da Agricultura - Rio Branco (1993-1996)
Paul Singer, Professor de Economia, USP, Secretário Municipal de Planejamento de São Paulo de 1989 a 1992
(10.12.1996)
Regina Kipper, Secretária de Planejamento (1.7.1997)
Raimundo Mendes de Barros, Vereador de Xapuri (24.11.1996)
Raimundo, Agente cultural, Museu da Borracha, Rio Branco (5.7.1997)
Roberto Ferres, Urbanista, Doutorando da Universidade de São Carlos (18.6.1997)
Simone Martinolli, Funcionária do Departamento de Urbanismo de São Paulo e Rio Branco (12.3.1997)

7.5 Siglas das organizações citadas, dos instrumentos e de outros conceitos45

ABC Grande Santo André, São Bernardo und São Caetano


ACM Antonio Carlos Magalhães, Presidente do Senado
ARENA Aliança pela Renovação Nacional
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BIP Produto Interno Bruto
BNH Banco Nacional da Habitação
CEPAL Comisión Económica para América Latina
45
Para as siglas dos estados brasileiros, v. gráfico 7.

186
187

CEF Caixa Econômica Federal


CIB Centro Industrial do Brasil
CIESP Centro de Indústrias do Estado de São Paulo
CGT Central Geral dos Trabalhadores
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
CMTC Companhia Metropolitana de Transporte Coletivo
CNI Confederação Nacional de Indústrias
CNS Companhia Nacional Siderúrgica, primeira grande usina siderúrgica em Volta Redonda
COHAB Companhia Metropolitana de Habitação
CUT Central Unica dos Trabalhadores
CVRD Companhia da Vale do Rio Doce , maior empresa mineradora do Brasil
FEF Fundo de Estabilização Econômica
FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
FHC Fernando Henrique Cardoso
FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FSE Fundo Social de Emergência
ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
ILO International Labour Organisation
INPS Instituto Nacional de Previdência Social
IPTU Imposto Predial e Terrenos Urbanos
ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros
MARE Ministerio de Administração e de Reforma do Estado
MST Movimento Sem Terra
NGO Nongovernmental Organisation
OS Organização Social
PAS Plano de Atendimento de Saúde
PCdoB Partido Comunista do Brasil
PDS Partido Democratico Social
PDT Partido Democrático Trabalhista
PFL Partido da Frente Liberal
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
Proer Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional
PP Partido Popular
PPB Partido Progressista Brasileiro
PRN Partido da Renovação Nacional
PSB Partido Socialista Brasileira
PSD Partido Social Democrático
PSDB Partido da Socialdemocracia Brasileira
PT Partido dos Trabalhadores

187
188

PTB Partido Trabalhista Brasileiro


R$ Real; Reais –moeda brasileira desde 1994
SAB Sociedade de Amigos de Bairro
SEADE Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
SFH Sistema Financeiro de Habitação
STF Supremo Tribunal Federal
SUDENE - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
SUS Sistema Unificado de Saúde
TSE Tribunal Superior Eleitoral
Unicamp Universidade de Campinas
USP Universidade de São Paulo

188

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