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Responsabilidade Social Empresarial (RSE): considerações no capitalismo

contemporâneo

Autora: Juliana Gama dos Santos Tourinho

Resumo: A responsabilidade social deixou de ser um tema restrito a ONGs e ao terceiro setor
e passou a figurar entre as empresas, daí surgindo a Responsabilidade Social Empresarial
(RSE). O objetivo deste artigo é trazer um maior esclarecimento acerca do conceito de RSE,
bem como indicar formas de verificar se uma empresa está ou não sendo socialmente
responsável. Da mesma forma, busca também relacionar a RSE com o ambiente interno de
trabalho e como a mesma pode auxiliar os funcionários durante o seu cotidiano.

Palavras Chave: Responsabilidade Social, Trabalho.

1. Introdução

Nas duas últimas décadas do século XX o Estado Nacional se mostrou inapto e


despreparado para prover a sociedade de saúde, educação e moradia, dentre outros,
principalmente pelo fato de estar afundado em suas dívidas. Em paralelo a isso, a tecnologia e
a era do consumo agravam a pobreza e o desnível social. O desemprego e a redução da renda
passam a fazer parte do vocabulário de todo o mundo.
O aumento da exclusão social, da fome e da miséria leva a população a um
sentimento de abandono, cobrando do Estado Nacional uma postura de comprometimento e
cumprimento de promessas de geração de emprego, saúde, educação, enfim, da sustentação
dos seus indivíduos. Essa cobrança passa a ser maior dentre os países que implementaram o
Welfare State, conhecido no Brasil como o Estado do Bem Estar Social. Como Dupas (2003,
p.71) afirma, “O Estado contemporâneo enfrenta crises internas de várias naturezas, entre as
quais sua própria reforma, a garantia do crescimento econômico auto-sustentado e a questão
do desemprego”.

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È diante desse cenário que diversas sociedades civis começam a atuar, realizando
ações voltadas a preencher esses vazios deixados pelo Estado. Nesse momento surgem as
ONGs (organizações não governamentais), as associações de bairros e movimentos em prol
da cultura e do lazer. Ainda de acordo com Dupas (2003, p. 75), “Trata-se de movimentos de
caráter e interesse específico que imprimem ações visando alcançar seus objetivos e que
buscam legitimidade diante da opinião pública e da sociedade civil”.
As grandes corporações percebem então uma nova possibilidade de atuação, que
aumenta a sua imagem perante toda a sociedade. Essa atuação pode ser vista como uma
reação ao modelo econômico imposto pelas políticas neoliberais. Essa por sua vez, promoveu
a abertura comercial, a internacionalização das empresas e o livre fluxo de capitais. (Dupas,
2003).
A demanda por ações socialmente responsáveis passou gradualmente do Estado para
as empresas inclusive por incentivo das associações civis, também chamadas de terceiro setor.
Com o decorrer das ações, essa prática por parte das empresas passou a ser conhecida como
Responsabilidade Social Empresarial.
As relações entre a empresa e seus funcionários também é reformulada. Não adianta
praticar uma ideologia da porta para fora das organizações, é preciso que o exemplo comece
dentro da mesma. A RSE Interna busca elevar o aumento da qualidade de vida do trabalhador
e na própria qualidade do trabalho que o mesmo realiza.
O modelo da RSE Interna e Externa anteriormente descrito foi o idealizado, mas a
sua implementação ainda esbarra em diversos problemas, dentre os quais podemos citar a
visão de responsabilidade social como estratégia de marketing e os benefícios fiscais para
aqueles que a praticam.
No decorrer deste artigo serão discutidas duas maneiras de atuação da RSE (interna
e externa), bem como algumas questões levantadas para que uma empresa possa ser
socialmente responsável:
- As leis existentes no Brasil incentivam a RSE ou são apenas utilizadas por
aqueles que pensam em reduzir seus custos se dizendo socialmente responsáveis?
- A pressão exercida pela sociedade para que as empresas sejam consideradas
“verdes”1, ou seja, para que ajam de forma ética e responsável influencia a existência
da RSE?

1
As organizações assim chamadas têm presente em suas práticas de gestão ações contínuas voltadas para o meio
ambiente e a sociedade.

2
- A RS é uma política empresarial de ajuda a comunidade buscando uma maior
humanização das empresas?

2. A Responsabilidade Social

Antes de debater as problematizações levantadas, é preciso definir o que vem a ser a


Responsabilidade Social Empresarial (RSE). Para autores como D`Ambrósio & Mello apud
Melo Neto & Froes(1999, p.78), é a “decisão de participar mais diretamente das ações
comunitárias na região em que está presente e minorar possíveis danos ambientais
decorrentes do tipo de atividade que exerce”.
Já para Arruda (2005, p. 72)

“Falar em Responsabilidade Social Corporativa implica examinar


a influência desta sobre os seres humanos que compõem a sociedade, tanto a
parcela que trabalha para e na empresa quanto as parcelas externas à empresa
(...)”.

De acordo com o Instituto Ethos, a Responsabilidade Social começou a ser


valorizada a partir dos anos 80, quando surgiram ações de entidades não governamentais,
institutos de pesquisa e empresas sensibilizadas para a questão. A partir daí surgiram também
as ISO – International Organization for Standartization – que propõem a padronização de
atividades através de certificados. A RSE é uma das metas da ISO com a norma 26000, que
será analisada mais adiante.
Com o passar dos anos, a RSE passou a ser mais conhecida, porém ainda era
vinculada ao terceiro setor e a ações isoladas. Atualmente deixou de ter os danos ambientais
como foco único e se transformou em um conceito que engloba uma gestão consciente e
voltada para a sociedade cujas pessoas foram, são ou serão colaboradores dessas mesmas
empresas.
Cabe aqui ressaltar que a filantropia é algo oposto a RSE. Enquanto a primeira se
consiste em ações isoladas por parte de pessoas físicas ou jurídicas (doações, construções de
escolas, compra de livros, por exemplo) a segunda é um conjunto de práticas utilizadas por
empresas visando melhorias contínuas para a sociedade na qual está inserida. A RSE, por ter
um maior nível de complexidade, requer no mínimo planejamento, tempo e auxílio de
ferramentas como o marketing social (que será discutido mais a frente) para que funcione de
maneira correta.

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Outro cuidado ao se falar de RSE é não confundi-la com uma jogada de marketing
da empresa visando melhorar sua imagem perante o público. De fato a prática da RSE
acarreta nessa melhor visão, porém o marketing social é um cultura a ser implementada no
setor de marketing como um todo da empresa. Para Philip Kotler (2000),

“A orientação do Marketing Societal exige que as empresas


incluam considerações sociais e éticas em suas práticas de marketing. Elas
devem equilibrar e fazer malabarismos com três considerações
freqüentemente conflitantes: lucros para a empresa, satisfação dos desejos
dos consumidores e interesses públicos”.

Para Melo Neto & Froes (1999, p.82),

“a responsabilidade da empresa está diretamente relacionada aos


seguintes fatores, dentre outros:, ao consumo pela empresa dos recursos
naturais de propriedade da humanidade e ao consumo pela empresa dos
capitais financeiros e tecnológicos e pelo uso da capacidade de trabalho que
pertence a pessoas físicas, integrantes daquela sociedade”.

A RSE é a forma encontrada pelas empresas de participar de forma mais ativa na


sociedade, melhorando sua imagem perante a mesma e garantindo bons retornos, uma vez
que está compensando a própria sociedade pelo uso de seus capitais, recursos e afins.

3. A RSE Interna e Externa

O fato é que para alguns autores como Melo Neto & Froes (1999, p.83), “o
exercício da cidadania empresarial pressupõe uma atuação eficaz da empresa em duas
dimensões: a gestão da responsabilidade social interna e a gestão da responsabilidade social
externa”.
A empresa deve procurar perpeturar externamente valores que estejam integrados
no âmbito interno da empresa, caso contrário acabam caindo no velho ditado “faça o que eu
digo mas não faça o que eu faço”. Como esperar que o público acredite nas suas metas sociais
sendo que, internamente, os próprios funcionários não compartilham e apoiam essa visão?
Ao trabalhar a RSE internamente, uma empresa garante, acima de qualquer coisa, o
bem estar dos seus funcionários, que por conseqüência podem refletir na motivação e, por
fim, em uma melhora nos lucros da empresa. A chamada propaganda “boca a boca” é outro
ganho para a empresa: funcionários que se sentem respeitados, satisfeitos com o ambiente

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organizacional e o trabalho em si sentem orgulho de fazer parte da empresa e propagam isso
constantemente. Ações como investir na educação dos funcionários e seus filhos, cursos
profissionalizantes, ginástica laboral, ergonomia e segurança no trabalho são exemplos de
ações que podem parecer simples, mas que são fundamentais para o bem estar dos
funcionários. É uma relação do tipo ganha-ganha, na qual ambos os lados saem satisfeitos.
Externamente, a RSE é de fundamental importância para reduzir as diferenças que
as mesmas podem ter contribuído em acentuar e de recompensar a sociedade pelos recursos
dela utilizados como mão de obra e recursos naturais, dentre outros. Apoio à cultura,
educação, esporte e saúde junto a comunidade, prestar contas a sociedade e investir em
práticas que não agridam o meio ambiente são ações que as empresas podem desenvolver
para demonstrar ao público externo que o mesmo não foi esquecido ou minimizado.
O quadro retrata o cruzamento entre a RSE interna e externa e em qual nível uma
empresa pode ser considerada cidadã, conforme pode ser visto abaixo:
Figura 1– Os estágios de responsabilidade social de uma empresa

Fonte: reproduzido de MELO NETO & FROES (1999, p.84)

Ainda de acordo com este quadro, o número 1 (um) representa empresas sem
consciência social. O número 2 (dois) pertence às empresas que utilizam a RSE como
marketing “para encobrir a má gestão em recursos humanos”. O número 3 (três) é o ideal,
com a RSE externa refletindo o que é praticado internamente. Por fim o número 4 (quatro),
que representa o estágio inicial da RSE para muitas empresas.
Encontrar um equilíbrio entre as duas formas de atuação da Responsabilidade Social
se mostra um desafio para qualquer empresa. Quebrar as premissas que dizem que o objetivo
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da empresa é dar lucro, que investir em Responsabilidade Social é o mesmo que filantropia,
que tudo não passa de jogada de marketing, dentre tantos outros, deve estar sempre na mente
dos investidores nas ações sociais.

4. A Mensuração da RSE

Mas como uma empresa pode se considerar “verde”, ou seja, como mensurar as
atividades dessas organizações? Existem metas a serem batidas ou uma forma de equilíbrio
como o lucro (no qual a receita deve ser maior que a despesa)?
Antes de aprofundar qualquer discussão sobre o tema, é preciso ter claro o conceito
de “empresas verdes”. Talvez este seja uma das principais dificuldades das empresas que
efetivamente são socialmente responsáveis. Não existem fórmulas prontas para definir a RSE
e que ao atingi-las, a empresa se torna “verde”. Contudo, notar se a empresa está presente em
alguns aspectos ajuda a construir a sua imagem.
Autores como Melo Neto & Froes definem em seu livro uma escala em que a
empresa pode ser analisada, atribuindo valores de 0 (nenhum), 1 (baixo), 2 (médio), 3 (alto)
para cada item julgado. Um exemplo pode ser visto na figura abaixo.

Figura 2– escala de mensuração da responsabilidade social

Fonte: reproduzido de MELO NETO & FROES (1999, p.79)


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Após a avaliação de cada item, os autores aconselham que os mesmos sejam
dispostos em uma tabela e distribuídos na empresa. Esta é apenas uma das formas sugeridas.
O grande problema nesta forma e em muitas outras é a confibilidade que deve ser dada a
informação transmitida pela organização. A pessoa que vê este quadro muitas vezes não tem
nenhuma outra garantia (como uma lei ou um certificado) além do que a empresa divulgou.
Uma segunda sugestão de avaliação é a cobinação de indicadores. Além de quadros
promovidos pela própria empresa, cada cidadão deve atentar para algns fatores como:
- Possuir algum ISO que promova o bem estar social
- Se utilizar de alguma lei a favor da responsabilidade social
- Desenvolver projetos que visam o bem estar coletivo e a qualidade de vida da
comunidade.
A seguir apresentamos não fomras concretas de se mensurar a RSE, mas sugestões
de autores e selos, certificados e afins que são largamente reconhecidos no âmbito da
responsabilidade social. A partir do momento em que a empresa analisada possui algum tipo
de certificação conhecido e respeitado, a confiabilidade na mesma tende a aumentar.

4.1. Leis de incentivo a Responsabilidade Social

Embora ainda não exista uma legislação específica para o incentivo explícito da
RSE, é possível perceber movimentos para que o legislativo tome providências para mudar
essa situação. O fato primordial é a atual preocupação mundial com o meio ambiente e a
qualidade de vida da população. Outro fator é a própria cobrança por parte dos consumidores
para que as “suas” empresas estejam desenvolvendo projetos sociais, e não só aqueles
voltados para o lucro empresarial.
Abaixo seguem algumas leis que estão em tramitação pelo Congresso (Fonte:
Instituto Ethos de Responsabilidade Social) e que, mesmo que não sejam a solução ideal, já
podem incentivar a criação de novas e mais efetivas leis:
PL 1305/2003 - dispõe sobre a responsabilidade social das sociedades
empresárias e dá outras providências, criando a Lei de Responsabilidade Social, bem como o
Conselho Nacional de Responsabilidade Social, que será o órgão regulador e fiscalizador.
PL 1351/2003 - estabelece normas para a qualificação de organizações de
responsabilidade sócio-ambiental e dá outras providências.
PL 2110/2003 - dispõe sobre a demonstração social das empresas.

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PL 2304/2003 - altera a Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993, Lei de Licitações
e Contratos da Administração Pública, estabelecendo a responsabilidade social como critério
de desempate em licitações públicas.
Embora a existência de leis não implique em uma correta e concreta existência
da RSE, a adoção das mesmas se faz necessária a medida em que dá respaldo legal contra
ações que venham a prejudicar o meio ambiente e piorar a qualidade de vida de muitas
pessoas.

4.2. ISO 26000

A ISO - International Organization for Standardization – se tornou uma sigla


mundialmente reconhecida e associada principalmente à qualidade de padrão global. Embora
existam algumas designadas ao meio ambiente (ISO 14000), o próximo projeto é desenvolver
uma certificação voltada para o social, que se encontra em fase de desenvolvimento, tendo
sua divulgação planejada para o primeiro semestre de 2008. A proposta dessa ISO é prover
orientação a todas as organizações que queiram se desenvolver socialmente. Por ser um
objetivo ainda bastante vago, é nesse ponto que surgem ainda as maiores discussões. Em
reportagem à Revista Profissional & Negócios, vinculada pelo site RhCentral, os principais
objetivos do projeto podem assim ser definidos:
• Prover um entendimento comum do que significa Responsabilidade Social em
termos global;
• Aumentar a conscientização em relação às práticas dos princípios universais
de Responsabilidade Social;
• Proporcionar uma maior capacidade de participação dos países menos
desenvolvidos, tanto no processo de desenvolvimento da norma, quanto na posterior adoção
por parte desses países.
Vale ressaltar que as ISO são normas de padrão internacional, logo com participação
de diversos países em sua elaboração. Assim foi a primeira reunião, realizada em Salvador
(BA), e que contou com a participação de 43 países. Divergências a parte, o consenso entre a
maioria é a importância que esta medida representa.
A partir do momento em que se institucionalize a realização da RSE, os benefícios
para a sociedade serão ações em maior quantidade das que hoje podem ser observadas.
Existem, de fato, outras ISO (como a 1400, que diz respeito ao meio ambiente) em que a
responsabilidade social é, indiretamente, abordada, mas o fato de se criar uma mais específica

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demonstra que a preocupação quanto ao tema vem crescendo não só entre a população, mas
também entre o empresariado privado.
O caminho até a concretização da ISO 26000 ainda é longo e marcado por
divergências, comuns a qualquer assunto de abrangência mundial. O importante a ser
lembrado é que a análise da existência de uma medida como a ISO pode ajudar o público a
conhecer um pouco mais da personalidade da empresa e em quais questões está envolvida,
para poder assim obter uma forma de analisar se a empresa pode ou não ser considerada
socialmente responsável.

4.3. NBR 16001

Publicada em dezembro de 2004, tornou o Brasil pioneiro na criação de uma norma


voltada para a Responsabilidade Social, aliada ao conceito de desenvolvimento sustentável.
Estabelece quais os pontos primordiais nos quais as empresas devem focar para desenvolver
um sistema de gestão de Responsabilidade Social.
A NBR 16001 é voluntária, não obrigatória e leva em seu corpo preocupações
relativas à:
• Promoção da cidadania
• Promoção do desenvolvimento sustentável
• Transparência das suas atividades

Apesar de todos esses pontos positivos, além de ser mais uma forma de frisar a
empresa e a sociedade que a RSE deve ser exercida e cobrada, é apenas um pequeno passo
diante do longo caminho a ser percorrido. O principal ponto falho desta norma é justamente
por ser voluntária, o que pode levar muitas empresas a só adotá-la perante, por exemplo, uma
forte cobrança dos seus consumidores. O processo de mudança da cultura brasileira e da
própria sociedade é lento, daí a necessidade de leis que “forcem” as empresas a se envolverem
socialmente até que este conceito esteja implícito na prática empresarial como algo natural.

5. A RSE e a questão fiscal

Embora possa ser percebido um crescimento no debate em relação a


Responsabilidade Social Empresarial, ainda é comum encontrar entre as críticas a questão do

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incentivo fiscal. A RSE, para algumas empresas, tem sido usada como um pretexto para obter
junto ao governo, incentivo fiscal na forma de benefícios e isenções.
A crítica tem os seus fundamentos. Em 4 de maio de 2000, através da lei
complementar nº101, o governo pôs em vigor a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A
definição da mesma, de acordo com o próprio Tesouro Nacional é estabelecer:

“normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na


gestão fiscal, mediante ações em que se previnam riscos e corrijam desvios
capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, destacando-se o
planejamento, o controle, a transparência e a responsabilização como
premissas básicas”.

Através do estudo do corpo desta lei é possível perceber que o intuito é permitir o
incentivo de ações voltadas para a responsabilidade social com o auxílio dos governos
federal, estadual e municipal, atuando em conjunto. Contudo, é sabido que no Brasil, devido
a fatores como a impunidade, muitos se aproveitam para desviar verbas de alguns projetos.
Este é o caso desta lei. As acusações de que existem empresas e pessoas se fazendo
valer desta lei para obter um título de “socialmente responsável” sem, no entato, investir um
único centavo. A falta de fiscalização por parte do Ministério Público (sem aqui entrar na
questão das reformas, da falta de agentes, dentre outras, que o país necessita) acaba
contribuindo para este tipo de ação, e no final das contas, as ações promovidas com o
verdadeiro intuito de promover o bem estar social acabam sendo prejudicadas. Têm a sua
imagem deturpada, sem falar na generalização que sofrem com os atos irregulares, o que
acaba por fim diminuindo a crença da população em atos de ajuda social.
Em pesquisa realizada pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e
divulgada pelo jornal Gazeta de Ribeirão em 27/08/2006, é possível perceber que a ação
social promovida com o incentivo fiscal ainda é baixa no país. Na mesma pesquisa, realizada
entre 2000 e 2004, foi possível verificar que apenas 2% do empresariado fazia uso de
incentivos fiscais, sendo que 40% dos empresários justificam tal ação pelo baixo incentivo.
Apesar de muitos dados favoráveis a RSE, uma questão ainda deve ser levantada: as
empresas investiriam mais em responsabilidade social se o incentivo fiscal fosse vantajoso
para as mesmas? O que se pode afirmar é que, mesmo sem o incentivo, há um crescimento em
relação à preocupação com a RSE e que as empresa vêm, efetivamente, fazendo o uso de
ações sociais. Se bem fiscalizado, o incentivo fiscal pode ser um atrativo a mais para as
empresas, beneficiando por tabela a sociedade.

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6. O Marketing Social

Outra questão que vem sendo muito abordada quando se fala em responsabilidade
social é a questão do marketing social (ou corporativo). Para Kotler (1978, p.287), o
marketing social pode ser definido como:

“o projeto, a implementação e o controle de programas que procuram aumentar


a aceitação de uma idéia social num grupo-alvo. Utiliza conceitos de segmentação
de mercado, de pesquisa de consumidores, de configuração de idéias, de
comunicações, de facilitação de incentivos e a teoria da troca, a fim de maximizar a
reação do grupo-alvo”.

Já para Melo Neto & Froes (2001, p.74)

“o verdadeiro marketing social atua fundamentalmente na comunicação


com os funcionários e seus familiares, com ações que visam aumentar
comprovadamente o seu bem-estar social e o da comunidade. Essas ações de médio
e longo prazos garantem sustentabilidade, cidadania, solidariedade e coesão social
(...) a empresa ganha produtividade, credibilidade, respeito, visibilidade e,
sobretudo, vendas maiores”.

Muitas empresas, buscando essa aceitação no grupo de consumidores da atualidade


(os consumidores punem as empresas más e beneficiam as boas), têm feito filantropia
chamando-a de RSE. Ações como estas são erroneamente consideradas marketing social, uma
vez que o mesmo se trata de um conjunto de ações voltadas para melhoria do triângulo
empresa – consumidores - sociedade.
Ao invés de investir em programas contínuos que tragam melhorias para a
sociedade, algumas organizações fazem ações isoladas de efeito não durador, porém
extremamente divulgados em revistas, jornais e outros meios de comunicação. Tais ações
podem ser consideradas como filantropia por alguns autores, que até mesmo consideram este
tipo de ação como marketing social. Contudo se isoladas e não recebendo o suporte
necessário, acabam se extinguindo rapidamente e enquanto a sociedade perde, a empresa
ganha, uma vez que no momento da doação obteve um alto nível de promoção da sua
imagem.
O que deve prevalecer em cada cidadão é o conceito de que o Estado não se encontra
em condições se sustentar toda a população e que, apesar das críticas, a RSE é uma maneira
de se obter diversos benefícios.
Mesmo que se considere que as empresas só fazem tais iniciativas para conquistar
novos consumidores, para melhorar sua imagem, porque são obrigadas ou qualquer que seja o
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motivo é um ponto positivo para a sociedade. A mesma deve saber aproveitar esse momento
em que estamos vivendo para realizar obras e projetos que, sem o auxílio da iniciativa
privada, estariam abandonados por falta de iniciativa do governo.
A ética é outro ponto que deve estar presente ao se falar de Marketing Social.
Quando uma empresa opta por investir na área social, deve ter em mente que é um processo
contínuo que requer tempo e investimento (no mínimo), por isso mesmo deve ser realizada até
o fim. Promover divulgação de ações que não serão realizadas por algum motivo (tempo,
viabilidade etc) bem como fazer uso da filantropia dizendo estar praticando a RSE vai contra
a ética empresarial.
O marketing social, quando bem compreendido, é uma ferramenta importante e que
pode ajudar as empresas a conscientizar o consumidor acerca de suas ações, agregando valor
ao seu produto final.

7. A RSE Interna e a humanização nas empresas

O capitalismo desde o início recebeu as suas críticas, das mais diversas áreas e
intensidades. Para Dupas (2003, p.69)

“essas críticas têm sido, essencialmente, de quatro ordens:


desencantamento do tipo de vida que lhe é associado; fonte de opressão antes a
dominação dos mercados como força impessoal que designa preços, pessoas,
serviços e produtos desejáveis; causador de miséria para os trabalhadores e de
desigualdade de uma forma desconhecida antes da modernidade; incentivo ao
oportunismo que favorece os interesses particulares e se revela destruidor dos laços
sociais e de solidariedade comunitária”.

No cenário gerado pelo capitalismo, as empresas eram vistas como geradoras de


lucro que viam o funcionário como uma máquina, pouco importando a sua qualidade de vida
(em longas jornadas de trabalho) ou as condições nas quais trabalhavam. O avanço da
tecnologia acentuou a falta de saúde do trabalhador, que se vê em computadores e telefones
durante vários horas seguidas em um dia dito “comum” de trabalho. É nesse ambiente que
começaram a surgir novas doenças como LER (lesão por esforço repetitivo) e DORT
(Distúrbios Ortomoleculares).
As empresas, após sofrerem com perda de pessoal e de lucro, passaram então a
olhar seus funcionários como colaboradores que necessitavam se sentir bem no ambiente em
que se encontravam e com a empresa na qual trabalhavam. Passaram então a desenvolver
ações voltadas a humanizar a empresa, ações anteriormente citadas pela RSE Interna, base

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para ser socialmente responsável, levando em consideração que foram os próprios
funcionários os agentes iniciais dos movimentos em prol da RSE. Para Arruda (p.79), “A
economia solidária tem como objetivo buscar a satisfação sustentável das necessidades
materiais e imateriais dos sujeitos humanos que lhe dão sentido”.
Investir internamente é o primeiro passo para que as ações para o público externo
tenham sucesso. Mais uma vez, se a empresa não pratica internamente o que faz
externamente (alto grau de RSE Externa), a tendência é uma desestruturação do quadro de
funcionários: os mesmos passam a se sentir injustiçados, acreditando que a empresa dê mais
valor aos consumidores (fonte de lucro) do que a eles, que fazem a mesma se mover todos os
dias. Uma boa política de Recursos Humanos é um caminho a ser seguido para se conseguir
esse equilíbrio interno.
Hardman apud Arruda (2005, p.81), cita o exemplo da Fersol, empresa agroquímica
de São Paulo. Inicialmente foram desenvolvidas melhoras na remuneração, criação de formas
indiretas de remuneração complementar, tempo para estudo dentro da jornada de trabalho,
estímulo à cooperação para substituir a competição no ambiente de trabalho. O investimento
valeu a pena, pois em poucos anos o capital investido retornou “pelo esforço e o sacrifício
proporcionalmente compartilhados”. A empresa passou então a investir nas famílias dos
trabalhadores através de escolas, atividades para os mais jovens e iniciativas educativas
extracurriculares. Após investir em uma nova política de participação nos lucros e resultados,
a Fersol passou a “investir na mudança das próprias linhas de produtos, para adquar-se a um
projeto agroecológico de produção”.

8. Conclusão

No decorrer deste artigo, foram definidos conceitos como Responsabilidade Social


Empresarial e Responsabilidade Social Interna e Externa. A esfera de atuação da empresa é o
passo inicial para a prática da RSE, mas o conceito fundamental é de que, para ser
socialmente responsável, a empresa deve começar investindo dentro de si mesma.
A RSE externa é mais divugada e conhecida. Peças de tetatro, institutos, hospitais,
enfim, diversas áreas são patrocinadas/recebem incentivo do empresariado privado. A
população acompanha tais ações, porém medi-las (como se faz com o lucro, por exemplo) é
uma difícil tarefa tendo em vista que a única fonte de confiabilidade é a própria empresa, e os
dados envolvidos muitas vezes são difíceis de serem apurados. Nota-se, no entanto, uma nova
vertente que vem trabalhando para desenvolver selos, certificados e normas nas quais as

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empresas devem se submeter para obter o selo de “empresa verde”. Cabe a sociedade apoiar e
divulgar tais causas, além de exigi-las por parte das organizações, para fazer com que as
mesmas se esforçam e invistam para obter aprovações dos mais diversos tipos.
A RSE Interna é ainda pouco conhecida, porém algums empresas já vêm investindo
na mesma. É responsabiliade da empresa promover um ambiente de trabalho que permita o
desenvolvimento de uma boa qualidade de vida. Ações nesse campo devem ir desde
ambientes claros e ventilados até medidas que promovam a satisfação financeira dos seus
funcionários. Possuir dias de relaxamento, garantir o bem das famílias dos funcionários,
espaços de lazer, enfim, todas as medidas que garantam o bem estar no ambiente de trabalho,
satisfazendo o maior número de necessidades possíveis. Um bom pacote elaborado pela
empresa e promovido pela área de Recursos Humanos é um bom começo para qualquer
organização.
O movimento da RSE ainda dá os seus primeiros passos, mas definitivamente tem
promovido ações que colaboram para a qualidade de vida da sociedade. O motivo da ação
ainda causa grande debate entre autores e empresários: seria o interesse no bem estar
coletivo, uma estratégia de marketing, uma pressão da sociedade ou uma ação sem
alternativas que leva uma empresa a apoiar e investir em certa causa? A resposta ainda está
longe de ser obtida, pois um bom empresário, mesmo movido por interesses de marketing,
sabe que prejudica a imagem da corporação ao admitir tal propósito.
O importante, em todo o movimento, é ter claro que, independente de quais sejam
os motivos, a sociedade deve aproveitar a verba oriunda da iniciativa privada. O mundo vive
um momento em que a fome a miséria, sem falar no imenso desequilíbrio da renda (a riqueza
se concentra nas mãos da minoria, enquanto a maioria vive na pobreza), agravam a qualidade
de vida das pessoas. O ambiente de trabalho tem se tornado local de jornadas intensas,
ocasionando o surgimento de doenças como o estresse e piorando a existência de outras,
como uma simples dor de cabeça. O Estado em si se encontra incapaz de atender a todas as
demandas, sendo a iniciativa privada uma saída, mesmo que provisória.

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REFERÊNCIAS

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Investimento privado e desenvolvimento: balanço e desafios. Marta Porto (org) – Ed. Senac.
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Acessado em 03/12/2006 às 17:20.
Rh Central. O desafio da ISO 26000 -
As discussões sobre a elaboração da norma de Responsabilidades Social já começaram. A
única certeza, até então, é que há muito trabalho pela frente. Notícia publicada na Revista
Profissional& Negócios, disponível em

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http://www.rhcentral.com.br/pen/pen.asp?ano=8&numero=88&pagina=48. Acessado em
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