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Resumo: O artigo analisa algumas das implicações trazidas pelo crescente uso
da comunicação mediada por computador no mundo contemporâneo. Analisa,
também, a natureza do espaço social cibernético criado através dessa prática
comunicacional, o chamado “ciberespaço”. Como reflexão de fundo, essas aná-
lises são acompanhadas por uma discussão a respeito do processo de
virtualização implicado tanto nas questões referentes à comunicação mediada
por computador como às questões referentes ao ciberespaço.
Abstract: The article analyzes some of the implications brought about by the
increasing usage of computer-mediated communication in our contemporary
world. It also analyzes the nature of the social cybernetic space created through
such a communicative practice, the so-called “cyberspace.” As background
reflection, these analyses are accompanied by a discussion on the process of
virtualization implied both in the questions relating to computer-mediated
communication and in questions relating to the cyberspace.
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Para um rápido panorama do que parece estar em jogo na discussão sobre virtualização do
mundo – tanto como um processo de desrealização como também outras posições que se
contrapõem a essa percepção – ver Parente (1993).
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Virtualização e heterogênese
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Mas […] nem por isso o virtual é imaginário. Ele produz efeitos.
Embora não se saiba onde, a conversação telefônica tem “lugar” […].
Embora não se saiba quando, comunicamo-nos efetivamente por ré-
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O virtual, dessa forma, não implica desrealização, pois muitos dos atos
produzidos pelos mecanismos de virtualização são fatos sociais concretos, já
que produzem efeitos na realidade e, assim, não pertencem ao reino do
imaginário, não desaparecem do universo das ações sociais tão logo sejam
desligados os mecanismos tecnológicos que permitiram sua existência “vir-
tual”. Falas digitalizadas que ocorram no ciberespaço podem desaparecer
como sinais magnéticos momentaneamente armazenados em alguns compu-
tadores, mas os efeitos concretos destas falas não desaparecem da mente
dos interlocutores que as mantiveram, nem as decisões no mundo off-line
que possam ser tomadas em função delas. Por fim, é de se perguntar se isso
não ocorre exatamente da mesma forma em nossas conversas face a face?
As conversas face a face não se esvanecem no ar tão logo tenham ocor-
rido? E, se assim o é, existe alguém que se arriscaria a afirmar, em sã
consciência, que elas pertencem ao reino do imaginário?
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O que Lévy parece ter em mente quando esboça essa percepção são
as distinções entre tecnologias molares e tecnologias moleculares, assun-
to abordado mais detidamente em outro de seus textos (Lévy, 1998). Assim,
os meios de comunicação de massa podem ser vistos como tecnologias
molares, já que estas teriam como características “considera[r] as coisas no
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responsiva, fazer ecoar na sua mente os sons da voz de seu interlocutor para
que surja uma reação responsiva, já que tem as sentenças deste integral-
mente escritas à sua frente para poder consultar e refletir. Isso efetivamente
dota os interlocutores de uma melhor capacidade de responder às interpela-
ções que lhes são dirigidas, já que operam com mais controle sobre seu
conteúdo. Outrossim, o receptor, não estando face a face com seu
interlocutor (ou “voz a voz”, como no caso do telefone), não está tão sujeito
àquelas regras informais da comunicação ordinária que coagem pelo não
demasiado vazio, pelo não prolongado silêncio, entre a interpelação do emis-
sor e a reação do receptor. Dessa forma, o período de tempo em que se dá
o processo responsivo pode ser modulada com maior liberdade e, conse-
qüentemente, a resposta, por mais essa razão, pode resultar detentora de
melhor qualidade.
Mas, tendo em vista isso, como pode ser caracterizada a comunicação
mediada por computador? Ela favorece uma atitude de compreensão
responsiva ativa ou uma atitude de compreensão responsiva de ação retar-
dada? Para responder a isso é preciso, antes, retomar a distinção entre as
formas síncrona e assíncrona de comunicação mediada por computador.
Na forma assíncrona não há muito que considerar, pois, evidentemente,
se trata de um tipo de comunicação que necessariamente pressupõe uma
atitude de compreensão responsiva de ação retardada, já que o período de
tempo entre a recepção de uma interpelação e a resposta a ela sempre será
longo o suficiente para que a resposta se dê sob forma de uma ação retar-
dada.
As coisas se complicam quando se trata da forma síncrona de comu-
nicação mediada por computador. Bakhtin diz claramente que “em sua maior
parte” o discurso “lido ou escrito” pressupõe a compreensão responsiva de
ação retardada (Bakhtin, 1997, p. 291). Mas na época em que desenvolveu
estes conceitos – início dos anos 1950 – (Bakhtin, 1997, p. 278), este autor
certamente não imaginaria o posterior surgimento de um tipo de comunica-
ção de longa distância em que mensagens escritas poderiam ser trocadas
quase com a mesma velocidade com que são trocadas mensagens em con-
versas normais. Assim sendo – e levando-se em consideração uma flexibi-
lidade autorizada por Bakhtin no uso da ambivalente expressão: “em sua
maior parte” –, pode-se atribuir à comunicação mediada por computador, de
tipo síncrono, ao menos uma situação de liminariedade entre as duas men-
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Uma das coisas que, como se viu, fica evidente através desse exercício
contrastivo é esta considerável otimização que a linguagem escrita provoca
nos processos de interlocução via comunicação mediada por computador. O
uso maciço do texto escrito digitalizado é, aliás, um dos elementos
constitutivos da Internet, tal como ela se encontra atualmente. Isso ocorre
porque o texto escrito quando codificado em bits2 é, segundo Brian Kahin
2
Para uma explicação bastante didática e divertida sobre o que são bits, ver: Negroponte (1995,
p. 22-24).
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(1997, p. 65), “100 vezes mais eficiente do que a voz para transportar a
mesma informação, e pode usar a mesma infra-estrutura básica” e, além
disso, “os custos de acesso e recuperação da informação são reduzidos à
medida que a informação recuperada se torna mais valorizada, porque ela
pode ser prontamente encontrada e editada”. Essa realidade tem feito com
que alguns analistas considerem a Internet como uma espécie de
ressuscitadora do texto escrito, já que, parafraseando John Hindle (1997, p.
14), ela estaria fazendo pelo texto o que o rádio fez pela voz falada e a
televisão fez pela imagem em movimento. Há até alguns entusiastas da
Internet, como Mike Godwin, que, indo mais longe, vêem nesse fenômeno
uma das principais razões que se podem arrolar para qualificar esse veículo
de comunicação como democrático e libertador:
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Conclusão
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Recebido em 31/12/2003
Aprovado em 01/03/2004
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