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Euler Jansen1
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Euler Paulo de Moura Jansen é Juiz de Direito da 3ª Vara de Bayeux-PB, professor da ESMA-PB de Direito
Processual Penal e Técnica de Elaboração de Decisões Cíveis, professor da FESMIP-PB nos módulos de Princípios do
Processo Penal e de Sentença Criminal, especialista latu sensu em Direito Processual Civil (PUC-RS) e em Gestão
Jurisdicional de Meios e de Fins (UNIPÊ-PB) e autor do livro “Manual de Sentença Criminal” - Editora Renovar-RJ
em 2006.
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STJ - RHC 5094 / RS – 6ª T – Rel. Min Vicente Leal – Pub. no DJU de 20.05.1996, pg. 16742 – j. 11.12.1995
Idêntico em: STJ - RHC 5805 / SP – 6ª T – Rel. Min Vicente Leal – Pub. no DJU de 02.12.1996, pg 47723 e na RT
740/564. V. U. – J. 08.10.1996.
1. Nos crimes societários complexos, desde que a denúncia narre o fato delituoso de
forma clara, propiciando o exercício da ampla defesa, é dispensável a descrição
minuciosa e individualizada da conduta de cada acusado.
2. Habeas Corpus conhecido. Pedido indeferido”3.
“PENAL - Recolhimento das contribuições previdenciárias – Crime omissivo próprio -
Individualização das condutas - Desnecessidade.
(...)
- No tocante à necessidade de individualização da conduta de cada acusado em crimes
de autoria coletiva, ressalto que não se faz indispensável, bastando a narrativa genérica
do delito, sem que se tolha, evidentemente, o exercício da defesa. Este tem sido o
posicionamento pacífico desta E. Corte.”4.
Em sede de processos-crime para a apuração de tais infrações é comum que os
comerciantes aleguem genericamente as dificuldades financeiras do comércio ou, em
especial, o setor ligado à sua atividade comercial, dizendo que foram praticamente
forçados ao não recolhimento do tributo pelas dificuldades financeiras por que passava.
Esse argumento visa à tese de que a sua omissão dolosa – não recolhimento do
imposto – estaria acobertada pela excludente de ilicitude do estado de necessidade (art.
23, I, e art. 24, ambos do Código Penal). É claro que dificuldades financeiras cabalmente
demonstradas podem se constituir em estado de necessidade que levem a firma
recolhedora à sonegação ou, como amenizam os praticantes, à inadimplência.
“O ônus de provar a inexistência do delito, com fulcro em circunstâncias que afastam
sua antijuridicidade, incumbe ao demandado, não podendo o magistrado conferir valor
absoluto à palavra do réu proclamada em interrogatório, sob pena de subverter-se toda
a essência da sistemática instrutória preconizada pelo ordenamento jurídico pátrio”5.
“ESTADO DE NECESSIDADE. Ônus da prova. O ônus da alegação incumbe a quem a
fizer. Assim, quem apresenta tese exculpante deve prová-la, sob pena de resultar sem
efeito a justificativa. Ainda que o acusado esteja passando por dificuldades, se não
houver prova da extrema necessidade, descabido o reconhecimento da excludente”6.
“Dificuldades financeiras muito graves podem justificar a conduta de quem não cumpre
a obrigação de recolher as contribuições devidas no prazo legal, tendo em vista o
interesse social, igualmente relevante, de manter a empresa em funcionamento. Nessa
hipótese, em casos extremos, parece aceitável dar prioridade ao pagamento da folha de
salários e dos fornecedores, em detrimento dos tributos. O ônus da prova, contudo, é
inteiramente da defesa. Entretanto, o réu não logrou demonstrar a absoluta
incapacidade de pagamento das contribuições previdenciárias descontadas do salário
dos empregados durante o período referido na denúncia”7.
Alguns julgados dos tribunais pátrios entendem que não é o caso de estado de
necessidade, mas de inexigibilidade de conduta diversa, circunstância que exclui a
punibilidade. De qualquer forma, tanto o entendimento supra quanto esse resultam na
absolvição do réu (art. 386, V, do Código de Processo Penal) e pedem prova plena
desses problemas financeiros, a qual se constitui em ônus da defesa que a alega.
“PENAL. Omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias. Dificuldades
financeiras. Inexigibilidade de conduta diversa. (...)
Para que seja reconhecida a excludente de culpabilidade baseada na inexigibilidade de
conduta diversa é preciso que fique devidamente comprovado nos autos a total
impossibilidade de adimplemento da obrigação, cuja prova incumbe ao réu”8.
Simples afirmações genéricas acerca dos problemas econômicos do nosso país
ou da área de comércio ou prestação de serviços da firma que se omitiu em recolher o
tributo não geram a prova suficiente para o reconhecimento do estado de necessidade.
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STJ - HC 13170/RJ – 5ª T. – Rel. Min Edson Vidigal – Pub. no DJU de 11/12/2000, pg. 221 – J. 13/11/2000.
4
STJ - RESP 218986/AL – 5ª T. – Rel. Min. Jorge Scartezzini – Pub. no DJU de 18/12/2000, pg. 225 - J. 13/09/2000.
5
TJPB – Ap. Crim. Nº 2001.010196-6 – CCrim. – Rel. Des. Wilson Pessoa da Cunha.
6
TJRS – Ap. Cr. nº 70002905032 – Câm. Esp. Crim. – Rel. Des. Mª da Graça Carvalho Mottin, J. 23/10/01 – V. U.
7
TRF 4ª Reg. - APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.04.01.042297-3/RS – 8ª T – Rel. Des. Amir Sarti – j. 08.04.02 –
Pub no DJ2 nº 102, 29.05.02, p. 636 – V.U.
8
TRF 4ª Reg. – Ap. Crim. Nº 97.04.47833-0/RS – 1ª T. – Rel. Juiz Guilherme Beltrami – J. 24.04.00 – Pub. no DJ2 nº
94-E, 17.05.2000, p. 52. – V.U.
Há a necessidade da trazida de testemunhas, balancetes que comprovem essa situação,
demonstrativos de bens dos acusados de sonegação e, lembrando o que assevera o
mestre tributarista Hugo de Brito Machado:
“Em uma empresa, grande ou pequena, em crise financeira, na qual o não-pagamento
do tributo é a única forma de permitir o pagamento de empregados e fornecedores, e
assim a única alternativa para manter a empresa funcionando e tentar a superação da
crise, nem sempre se configura o estado de necessidade. Este configurado estará apenas
nos casos em que o empresário, o agente, depende da empresa para sobreviver, por isto
mesmo equiparáveis ao do tradicional exemplo do furto para matar a fome”9.
Não se admite que o comerciante continue a ter carro de luxo, imóveis e contas
bancárias abastardas diante de tais dificuldades financeiras, relegando a segundo plano
as suas obrigações tributárias.
Na prática, os bens pessoais do comerciante restam intocáveis e não se
preocupa ele com sacrificar o seu comércio, pois abre outro, em seu próprio nome ou
com um “testa-de-ferro” ou, como tem se popularizado, um “laranja”, deixando aquele
com dívidas tributárias, civis e trabalhistas.
O melhor remédio para a Justiça ir ao encalço daquele sonegador ou devedor,
quando se trata de dívidas civis, é a utilização, ainda tímida, do instituto da
despersonalização da pessoa jurídica, que persegue os bens particulares daquele
comerciante para a quitação das obrigações do seu comércio.
Por fim, lembramos da importância da conscientização da população, desde
jovem, de que o tributo pago reverte-se na forma de benfeitorias e serviços estatais para
o próprio contribuinte e toda a sociedade e não, como propalam alguns mais injuriosos,
para o chefe do Poder Executivo.
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MACHADO, Hugo de Brito. Algumas questões relativas aos Crimes Contra a Ordem Tributária. Disponível na
Internet, na http://www.acta-diurna.com.br/biblioteca/doutrina/d13.htm, em 03.03.2003.