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TECNOLOGIA, ORGANIZAÇÃO E PRODUTIVIDADE NA

CONSTRUÇÃO

Sérgio Roberto Leusin de Amorim

TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS


PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS
REQUISITOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR EM CIÊNCIAS
EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO.

Aprovado por:

Paulo Rodrigues Lima, D.Sc.


(Presidente)

Mário César Rodriguez Vidal, Dr.Ing.

José Manoel Carvalho, Ph.D.

Luís Fernando M. Heineck, Ph.D.

Carlos Torres Formoso, Ph.D.

RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL,


MAIO DE 1995
ii

Ficha catalográfica:

AMORIM, Sérgio R. Leusin de

Tecnologia, Organização e Produtividade na


Construção. (Rio de Janeiro), 1995.
X . 201p. 29,7 cm (COPPE/UFRJ, D.Sc. Engenharia
de Produção, 1995)
Tese - Universidade Federal do Rio de Janeiro -
COPPE

1. Engenharia do Produto 2. Tecnologia 3.


Construção
I. COPPE UFRJ II. Título (série)
iii

Resumo da tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos


necessários para a obtenção do grau de Doutor (D.Sc.) em Ciências em
Engenharia de Produção.

TECNOLOGIA, ORGANIZAÇÃO E PRODUTIVIDADE NA


CONSTRUÇÃO.

Sérgio Roberto Leusin de Amorim


Maio de 1995

Orientador: Paulo Rodrigues Lima


Co-orientador: Mário César Vidal
Programa: Engenharia de Produção

Este trabalho analisa as relações entre a tecnologia, as formas


organizacionais e a produtividade na Construção Civil, subsetor das
edificações. Enfocamos a empresa como o palco dos processos de
renovação e o mercado como o seu ambiente. Nossa hipótese central é
que, neste subsetor, as inovações tecnológicas se dão, preferencialmente,
na forma de mudanças organizacionais ou de utilização de novos insumos.
Neste último caso, se consubstancia um processo de transferência de
trabalho e valor para os fornecedores das construtoras, condicionado pela
política tecnológica do Estado e pela extrema variabilidade da produção,
tanto quantitativa, como tipológica e geográfica.

Essas alterações nas estruturas das empresas indicam um progressivo


abandono das formas organizacionais derivadas dos padrões fordistas e do
paradigma da indústria mecânica, em troca de um novo modelo de
organização que privilegia a integração técnica e a comunicação. Neste
processo, a progênie da produtividade desloca-se da operação de trabalho
para a eficiência da organização. Identificamos, em decorrência, um reforço
do processo de transformação das estruturas produtivas e a necessidade de
uma abordagem mais integrada de toda a cadeia produtiva das edificações.
iv

Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as partial fulfillment of the


requirements for the degree of Doctor of Sciences (D.Sc.)

TECHNOLOGY, ORGANIZATION AND PRODUCTIVITY IN


CONSTRUCTION

Sérgio Roberto Leusin de Amorim


May, 1995

Thesis supervisor: Paulo Rodrigues Lima


Co- supervisor: Mário César Rodriguez Vidal
Department: Engineering of Production

This study deals with the relationships between technology, organization


models and productivity in the building sector. We focus the firm, since it is
the main site of the renovation process, and consider the market as its
environment. Our hypothesis is that, in this segment , the technological
innovations happens mainly through organizational changes or by the
introduction new components, rather than manufacturing process changes.
The renovation of the materials and supplies feature a work and value
transfer from the contractors to their suppliers, which, by its turn, is modeled
by the government intervention and by the extreme variability of the building
production, either in the quantity, in the typology or the geographic
distribution.

These modifications in the organizational structure reveals a progressive


disregard of the standards based in Ford’s concepts and the mechanical
industry paradigm, in exchange of a new organization model committed with
the technical integration and much intense communication. In this process
the productivity potential source shifts from the work operations to the global
organization efficiency. As a result , we identify an increased changing
v

movement in the production structures, with an integrated approach


throughout the chain production.
vi

Sumário

Introdução................................................................. 01

Cap. I: As edificações na Construção


A importância das edificações..................................... 5
Segmentação do mercado ........................................... 7
Predominância de uma estratégia imobiliária
nas empresas............................................................. 14
Quadro atual: a reorganização do
mercado e das empresas.......................................... 18

Cap. II: Tecnologia & Construção


A tecnologia da Construção ...................................... 24
O desenvolvimento técnico da construção................. 26
O Estado e a tecnologia da construção ..................... 30
Meios e instrumentos da política tecnológica............. 42
A gestão urbana e o desenvolvimento da indústria
da construção............................................................ 47.
A ruptura econômica do modelo ................................ 68

Cap. III: Inovação tecnológica nas edificações


Identificação e caracterização da inovação ............... 72
Inovação tecnológica e organização industrial........... 76
A inovação das edificações face aos modelos
teóricos ...................................................................... 82

Cap. IV: Produtividade nas edificações


Produtividade e variabilidade de produtos ................. 92
Produtividade da construção e produtividade
da obra ..................................................................... 102
Perdas e desperdícios na construção ...................... 108
Controle e gerenciamento da produção nas
edificações .............................................................. 115
vii

Cap. V: Organização na Construção


Modelos de organização: do “Taylorismo”
aos “níveis decisórios”. ............................................ 125
A cadeia de produção na construção .......................136
Organização e segmentação do mercado ...............143
Uma releitura da flexibilidade para
a construção .............................................................149

Cap. VI: Comunicação e integração técnica


A questão da comunicação.......................................153
O projeto da obra e o projeto do edifício...................158
Dispersão e convergência.........................................163
Gestão da informação nas edificações .....................168
Engenharia simultânea e integração técnica na
Construção................................................................174

Cap. VII: Conclusões e perspectivas


Novas estratégias para o setor: a predominância da
produção e a importância da integração técnica ......182
Formas organizacionais adequadas à integração
técnica.......................................................................185
O conceito de “concepção partilhada” ......................190

Bibliografia ..............................................................196
viii

Índices de Figuras

FIGURA I-1 UNIDADES FINANCIADAS PELO FGTS E SBPE 21


FIGURA I-2 FINANCIAMENTOS PARA EDIFICAÇÕES (SBPE E SFH) 22
FIGURA I-3 PRODUÇÃO DE IMÓVEIS NO MUNICÍPIODO RIO DE JANEIRO 23
FIGURA I-4 PRODUÇÃO NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO E FINANCIAMENTOS TOTAIS.24
FIGURA I-5 PARTICIPAÇÃO DAS EMPRESAS NO MERCADO POR FAIXA DE CAPITAL 31
FIGURA I-6 PARTICIPAÇÃO NO MERCADO SEGUNDO O PORTE DO QUADRO TÉCNICO. 32
FIGURA I-7 PARTICIPAÇÃO NO MERCADO, POR QUADRO TÉCNICO, EXCLUSIVE OS
PROFISSIONAIS AUTÔNOMOS. 33
FIGURA III-1 HEGEMONIAS NAS INOVAÇÕES 101
FIGURA V-1 MODELO DE ORGANOGRAMA TÍPICO DA ESTRUTURA HIERÁRQUICA 141
FIGURA V-2 ORGANIZAÇÃO MATRICIAL TÍPICA 144
FIGURA V-3 RELAÇÃO PROJETOS/EMPRESA -TIPO A 145
FIGURA V-4 RELAÇÃO PROJETOS/EMPRESA -TIPO B 146
FIGURA V-5 RELAÇÃO PROJETOS/ EMPRESA -TIPO C 146
FIGURA V-6 A RELAÇÃO PROJETO - EMPRESA HÍBRIDA 148
FIGURA V-7 :ORGANIZAÇÃO POR NÍVEIS DECISÓRIOS SUPERPOSTOS 149
FIGURA V-8 UMA ORGANIZAÇÃO HÍBRIDA PROJETO - NÍVEIS HIERÁRQUICOS 151
FIGURA V-9 MATRIZ DE RELAÇÕES INTERSETORIAIS DA CONSTRUÇÃO, 153
FIGURA V-10 FLUXOGRAMA TÍPICO NA ÁREA DAS EDIFICAÇÕES, MERCADO DE
INCORPORAÇÃO. 156
FIGURA V-11 CRONOGRAMA TÍPICO DE EMPREENDIMENTO NO MERCADO DE
INCORPORAÇÃO. 157
FIGURA VI-1: ORIGEM DOS PROJETOS NAS CONSTRUTORAS. 177

Índice de tabelas

TABELA I-1 A) PARTICIPAÇÃO DAS EDIFICAÇÕES NA CONSTRUÇÃO. XV16


TABELA I-2 SEGMENTOS DE ATUAÇÃO DAS EMPRESAS 20
TABELA I-3 PRODUÇÃO DE IMÓVEIS NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO 24
TABELA III-1 NÍVEIS E OBJETIVOS DA INOVAÇÃO 95
TABELA IV-1 TAXONOMIA DAS PERDAS NA CONSTRUÇÃO. 127
TABELA V-1 INTERFACES NO MERCADO DE EMPREITADA PÚBLICA 160
TABELA V-2 INTERFACES NO MERCADO DE EMPREITADA PRIVADA 161
TABELA -V-3 INTERFACES NO MERCADO DE INCORPORAÇÃO 162
TABELA V-4 INTERFACES NUMA ORGANIZAÇÃO “POR PROJETO” 163
TABELA VI-1 FORMAS GENÉRICAS DE COMUNICAÇÃO. 186
TABELA VI-2 COMUNICAÇÕES DOCUMENTADAS. 187
TABELA VI-3 : INFORMATIZAÇÃO NAS COMUNICAÇÕES 189
ix

Agradecimentos

Indicar todos que colaboraram para esse trabalho é quase


impossível. Ao longo dos anos, muitos cederam-me
documentos ou dados, leram e comentaram textos,
expressaram opiniões ou, simplesmente, conversamos, às
vezes sem nos darmos conta que ali nascia uma idéia, ou
estava o complemento que faltava à uma parte dos meus
estudos. Outros deram um apoio menos explícito mas, nem
por isso, menos importante: familiares e amigos que
suportaram humores descabidos e períodos de ausência,
colegas que tiveram uma maior carga de trabalho por conta
de meu afastamento e que me viabilizaram um maior
dedicação a essa tarefa. Equivaleria a quase toda minha
lista telefônica !

Mas alguns, pelo valor da contribuição, são muito


importantes. Mesmo correndo o inevitável risco da injustiça,
cito Mário Vidal e Paulo Rodrigues Lima, que me acolheram
fraternalmente em meu retorno à COPPE e orientaram esse
trabalho; Jacotte Bobroff , que não só abriu-me as portas
para um estágio no LATTS-ENPC, na França, como
contribuiu decisivamente para a formulação do trabalho;
Phillipe Zarifian, cujas opiniões deram um novo rumo às
conclusões; Baroni, técnico do CREA que gentilmente
tabulou dados de outro modo inacessíveis; Hélio Contreras,
que teve a paciência de revisar um texto tão pouco poético.
E muitos de meus colegas da Associação Nacional de
x

Tecnologia do Ambiente Construído, com quem venho


discutindo esse tema desde da fundação da ANTAC.

De todos, destaco aqueles que sofreram a pior carga: a


convivência de alguém pouco disponível, sempre enfurnado
em computadores e montes de papéis. À eles dedico
qualquer valor desse trabalho. À minha esposa e meus
filhos, Márcia , Felipe e Maria.

Introdução

Na construção civil, à semelhança dos outros setores industriais, existe um


contínuo processo de inovação tecnológica. Mesmo que sua velocidade seja
diferenciada e seus impactos menos evidentes, a reformulação dos
processos produtivos e das condições de concorrência repercutem na forma
de organização do setor, nas estratégias empresariais decorrentes e no
conteúdo do trabalho das diversas categorias profissionais que dele
participam.

O objetivo desse trabalho foi estudar as relações entre a tecnologia, as


formas organizacionais e a produtividade na Construção, mais
particularmente no subsetor das edificações, responsável por uma parcela
significativa do produto total e ainda mais importante quanto à absorção de
mão de obra. A importância do subsetor e o processo de reorganização por
que ele passa no momento é descrita no Capítulo I.

Centramos nossas análises na empresa, pois ela é o ponto de passagem


obrigatório para a análise das transformações dos processos de produção e
suas relações de trabalho. Ainda que fortemente sujeita às influências de
aspectos políticos e econômicos mais amplos, a empresa é o palco dessas
xi

mudanças e o mercado é o seu ambiente de sobrevivência, norteando suas


decisões mas, também, espelhando suas estratégias.

Nossa hipótese central é que no subsetor de edificações da construção civil,


as inovações tecnológicas ocorrem, preferencialmente, através de
mudanças organizacionais e novos insumos, num processo de transferência
de trabalho e valor para seus setores fornecedores, sendo afetadas pela
política tecnológica do Estado e pela extrema variabilidade da produção,
tanto tipológica, como geográfica e volumétrica. Os meios e s instrumentos
para a intervenção estatal nem sempre são evidentes, frequentemente
funcionando por vias indiretas, como descrevemos no Capítulo II.

Recentemente vem diminuindo o papel do Estado e sua influência já não é


mais preponderante, caraterizando-se a força dos instrumentos clássicos de
mercado, o que vem aproximando as estratégias das empresas de
construção daquelas utilizadas em outros setores. Nesse quadro, mais
competitivo, a inovação tecnológica define os contornos de um dos campos
de concorrência, refletindo-se em formas organizacionais mais adequadas
às suas exigências, como abordaremos no Capítulo III.

Essas mudanças organizacionais significam o progressivo abandono de


formas derivadas dos padrões fordistas e do paradigma da indústria
mecânica, inclusive de seus métodos de controle e mensuração da
produção, em troca de um novo modelo de organização que privilegia a
integração técnica e a comunicação. Neste processo, descrito no Capítulo
IV, a progênie da produtividade desloca-se da operação de trabalho para a
eficiência da organização, reforçando o processo de transformação das
estruturas produtivas e enfatizando a necessidade de uma abordagem
integrada de toda a cadeia produtiva das edificações.
xii

Na sua forma tradicional, a produção dos edifícios passa por uma seqüência
de etapas, cada uma sob responsabilidade e comando diferentes, cabendo
unicamente ao projeto a função de dar um sentido a todos esses esforços.
No quadro que surge, as alterações organizacionais buscam reordenar toda
a cadeia de produção para obter uma melhor produtividade, redistribuindo
as tarefas entre os diversos participantes do processo de produção e
reforçando a importância da etapa de concepção do produto, como
descrevemos no Capítulo V.

Porém a nova organização depende de uma circulação de informações


entre os participantes do processo muito maior que nos sistemas
tradicionais, de modo a viabilizar a implantação de um objetivo comum a
todo o sistema. A questão da comunicação ao longo da cadeia e a busca de
uma integração técnica compõem um elemento central dessa estrutura,
abordado no Capítulo VI.

Finalmente, nas conclusões, procuramos caracterizar as linhas estratégicas


das empresas face ao quadro atual, apresentando algumas alternativas e
analisando seus possíveis desdobramentos, bem como os fatores que
podem vir a alterar a sua dinâmica.

A transformação que descrevemos não é um processo radical, brusco, mas


uma “revolução mansa” que chega devagar e, por isso, não deixa sinais
muito claros do que está por vir. A dificuldade em delinear este movimento
é agravada pela fraqueza dos dados relativos à Construção Civil brasileira.
As classificações usuais do IBGE não permitem realizar um bom
acompanhamento do desempenho do setor, estando muito desatualizadas,
pois seu último trabalho de peso, o Censo da Construção, embora só tenha
sido publicado em 1990, está baseado em levantamentos de 1985. Além
disso, os setores que fornecem insumos e equipamentos para a Construção
xiii

também não dispõem de estatísticas diferenciadas que permitam


estabelecer a qualidade e a quantidade desse intercâmbio.

Finalmente, as estatísticas municipais quanto à licenciamentos e “habite-se”


de obras também são incompletas, não permitindo por exemplo, verificar a
correta distribuição do mercado entre as empresas.

Essas dificuldades nos levaram a procurar bases de dados pouco usuais,


tais como os dados fornecidos pelo CREAA, Conselho Regional de
Engenharia Arquitetura e Agronomia e pelo SINDUSCON RJ, Sindicato da
Indústria da Construção (patronal), enfrentando as diferenças de
metodologia desses levantamentos. Infelizmente a precisão dessas
comparações fica prejudicada e não permite quantificar as relações que
desejávamos, embora possibilitem, a nosso ver, identificar as suas principais
tendências. Para isso frequentemente tomamos o Município do Rio de
Janeiro como exemplo, nos aproveitando do fato que os dados cariocas
estão relativamente mais detalhados e acessíveis que os dados nacionais.

Além destas fontes de informação, incorporamos os resultados de algumas


pesquisas que realizamos anteriormente e observações pessoais ao longo
de um exercício profissional que nos colocou em permanente contato com a
realidade dos canteiros e suas atividades preparatórias, inclusive o projeto,
destacando-se no passado recente, a participação em atividades
patrocinadas por alguns órgãos de classe que nos permitiram ampliar o
contexto das observações.
xiv

: As edificações na Construção

A construção civil articula um grande conjunto industrial, caracterizado por


PROCHNIK 1 como um macrocomplexo econômico, composto pelo setor de
construção propriamente dito e seus fornecedores de materiais e serviços.
Como vimos, incluem-se nele a construção pesada, as edificações, os
fornecedores exclusivos e outros vinculados, também, a setores diversos,
tais como indústrias químicas e metalúrgicas. Entre as áreas que compõem
este macrocomplexo a principal é a construção civil, responsável por 70%
do valor do produto e 80% do emprego.

Há varias maneiras de diferenciar os setores finais da construção:


PROCHNIK, por exemplo, os subdivide em "construção de edificações,
construção pesada, montagem industrial e serviços de construção",
enquanto o IBGE 2 separa ainda a construção pesada em "obras viárias" e
"grandes estruturas" ( basicamente barragens ), além de incluir um setor de
"Serviços para a Construção", constituído por subempreiteiros.

Para nossas análises preferimos agregar estas duas subdivisões da


construção pesada, pois este modo não só reflete melhor a distribuição
efetiva das empresas nos mercados, onde as grandes empreiteiras
dedicam-se indiferentemente a estes tipos de obra, como respeita a
diferenciação apresentada acima. Assim sendo, adotamos apenas dois
grandes sub-setores: edificações e construção pesada, considerando ainda
que os “Serviços da Construção” devem ser enquadrados em cada um
deles, respeitando a sua afinidade de mercado.

1 PROCHNIK, Victor, O macrocomplexo da construção civil, (Texto para discussão no107),


Rio de Janeiro, UFRJ - Instituto de Economia Industrial, 1987,143 p.
2 Ver o Censo da Construção, IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, "Censo
da Construção - 1985", Rio de Janeiro, IBGE, 1990
xv

Entre estes setores finais do macrocomplexo uma grande parcela da mão


de obra absorvida e da produção realizada corresponde ao segmento das
edificações, como vemos nos quadros comparativos (Tabela I-1
Participação das edificações na construção ), elaborados a partir do Censo
da Construção:
Ano Pessoal ocupado Receitas Valor adicionado
1980 48% 42% 41%
1985 30% 22% 20%
Tabela 0-A a) Participação das edificações na construção.

Ano Pessoal ocupado Receitas Valor adicionado


1980 59% 50% 49%
1985 38% 27% 24%
Tabela I.1.b) Participação das edificações no setor de obras (exclusive serviços)
Fonte: Censo da Construção, IBGE, 1990

A nosso ver a subdivisão "Serviços da Construção" indicado pelo Censo da


Construção reduz indevidamente a importância das Edificações, já que
estes serviços, por incluírem as subempreitadas, atendem, também, as
próprias Edificações, ou seja, eles são parte integrante da produção do
setor. Por isto a avaliação da importância das edificações, respeitando-se a
classificação do IBGE, será mais adequada se compararmos o “Setor de
Obras” com o de “Edificações” e não com a “Construção” em geral.

Neste caso, as edificações correspondem a cerca da metade do setor de


obras em termos de receita e a quase 2/3 quanto a de absorção de
pessoal. A desproporção entre pessoal e receita revela sua menor
produtividade, no sentido econômico do termo, face à Construção Pesada.
Nesta tabela também podemos observar que no período analisado as
perdas dos valores adicionados (-25%) foram relativamente maiores que a
diminuição de pessoal (-21%), ou seja, a produtividade nas edificações
distanciou-se ainda mais dos índices da construção pesada. Isso é um
xvi

indicativo de que o seu progresso técnico foi mais lento que no outro sub-
setor.

A segmentação do mercado

Embora a tecnologia básica em todo o sub-setor das edificações seja


bastante semelhante, inclusive quanto aos seus processos de trabalho, o
mesmo não acontece com as formas de organização e as estratégias
empresariais: verifica-se uma diferenciação que corresponde à
segmentação do mercado. Podemos distinguir que em alguns destes
segmentos estes aspectos estão mais vinculados à questão fundiária,
enquanto em outros as formas de contratação são mais importantes

Desde o final da década de 70 diversos autores3 apresentaram a divisão do


mercado da Construção em “formal” e “informal”, sendo este último
constituído pelas construções realizadas sem os trâmites oficiais, ou seja,
basicamente, em favelas e loteamentos irregulares, fosse por
autoconstrução ou não.

Pela sua própria característica marginal a produção deste segmento nunca


pode ser mensurada de modo preciso mas todos estes autores destacam
sua importância não só por ser a forma majoritária de atendimento da
demanda de baixa renda como por atingir um volume total em área e

3 A lista é extensa mas destacamos: LIMA, Maria Helena Beozzo, “Em busca da casa
própria: autoconstrução na periferia do Rio de Janeiro”, in. VALADARES, Licia, Habitação
em Questão, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1980; MASCARÓ, Juan Luis e Lucia R. de
MASCARÓ, A construção na economia Nacional, Ed. PINI, SP, 1980; JACOBI, Pedro,
o
“Autoconstrução: mitos e contradições”, Espaços e Debates, ano 1 N : 3, set. 1981, Cortez
Editora; VALADARES, Licia, Repensando a Habitação no Brasil, Zahar Editores, Rio de
Janeiro, 1982; AZEVEDO, Sérgio, Habitação e poder, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1982
; TREIGER, Bertha e BINS, Patrícia Grillo, “Dos conjuntos Habitacionais à rua”, in Morar
na Metrópole, Iplan Rio, Rio de Janeiro, 1988. Além destes trabalhos lembramos também
dos autores Carlos Nelson Ferreira dos Santos, Raquel Rolnik, Nabil Bonduki que em
diversas ocasiões manifestaram-se a respeito.
xvii

número de unidades significativo: há um certo consenso que este mercado


seria responsável por cerca da metade dos domicílios urbanos, atingindo até
80% nas faixas de baixa renda, embora em valor global da produção sua
parcela seja seguramente muito inferior.

Mesmo que desde então continue à margem das estatísticas nada nos leva
a crer na redução de sua importância relativa, ao contrário, visivelmente há
um crescimento das ocupações informais, apesar de alguns esforços das
municipalidades em regularizar esta produção. Aparentemente os custos
decorrentes da legalização mantém a população pouco interessada e
quando ela ocorre costuma ser posterior à obra, atingindo apenas o imóvel e
não a fase de execução.

Além da ausência de dados estatísticos a dispersão, a variabilidade e a


multiplicidade dos agentes produtores também dificultam a análise do setor
informal. Com efeito ele engloba um universo que vai desde o
autoconstrutor até verdadeiras “empresas” totalmente à margem da lei,
atuando inclusive no parcelamento da terra.

Já a parcela “formal” das edificações se organiza em torno de mercados


bem definidos:
• A incorporação privada de edifícios, onde podemos identificar dois
segmentos distintos, um voltado para a habitação de classe média
e alta, outro para os imóveis comerciais;
• A construção de imóveis para terceiros, em geral de uso
administrativo, comercial ou industrial, um mercado caracterizado
como “empreitada para cliente privado”;
• As edificação de uso público, sejam de habitação ou para outros
usos.
xviii

Existe uma certa especialização das empresas em um ou dois segmentos


do mercados. Por exemplo, a partir da observação de suas obras usuais

podemos afirmar que existe uma forte especialização das empresas que
operam no mercado privado de incorporação, com algumas poucas
operando também no mercado privado de empreitada e, muito mais
raramente, no mercado público, nesse caso em disputa com as grandes
empreiteiras.

Entretanto as estatísticas disponíveis 4 não permitem diferenciar esta


segmentação, de modo que não podemos realizar uma quantificação que
reflita a importância relativa de cada parcela ou relacionar suas
caracterísitcas por segmento, tal como porte ou capital. A Tabela I-2
Segmentos de atuação das empresas”, resume a divisão usual das
empresas por tipo de mercado.

Tipo de empresa Segmento mercado


Obras Edifícios Empreit. Incorpor.
pesadas públicos edif. priv. de edif
Grandes empreiteiros
Construt. especializados
Construt. incorporadores

Presença esporádica
Presença freqüente
Tabela 0-B Segmentos de atuação das empresas

4 Além do IBGE as outras fontes usuais são o SINDUSCON RJ- Sindicato da Indústria da
Construção Civil no Estado do Rio de Janeiro (patronal), a ADEMI - Associação de
Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário, as prefeituras, através de seus
departamentos de edificações e , finalmente, o CREAA, Conselho Regional de Engenharia
Arquitetura e Agrtonomia. Cada um destes sistemas levanta dados sobre seu campo de
atuação, nem sempre comparáveis.
xix

No segmento do mercado de empreitadas privadas as formas de


contratação são bastante semelhantes, baseadas em preços por
“empreitada” de preço global ou custos unitários, há empresas que operam
em ambos.

Encontramos também algumas grandes empreiteiras atuando no mercado


de edifícios públicos mas é significativo que quando elas decidem investir
no mercado de incorporação privada o fazem através de subsidiárias
totalmente independentes, organizadas de modo diverso da empresa
principal.

Esta constatação reforça a hipótese de dependência entre a forma


organizacional da empresa ( e, consequentemente, seus modos de
operação) e os seus resultados em cada segmento do mercado. Evidencia
também uma certa rigidez destas organizações, incapazes de se adaptarem
às exigências diferentes destes mercados, tema que desenvolveremos ao
analisarmos a questão da flexibilidade da produção na Construção.

Além da forma organizacional também a estratégia da empresa depende do


segmento de mercado, correspondendo a cada conjugação uma
formulação ideal para sua estrutura e suas práticas. No caso do mercado de
incorporação e construção ela estaria profundamente vinculada à questão
fundiária, como o demonstraram os estudos de VARGAS5 , enquanto nos
outros as etapas de captação de serviços e da execução propriamente dita
são primordiais.

Neste caso a dinâmica do setor como um todo estaria vinculada ao peso


relativo que cada segmento tem sobre a demanda. Embora, de novo, a falta

5 VARGAS, Nilton, “Organização de trabalho e capital - um estudo da construção


habitacional”, Tese de mestrado em Engenharia de Produção, COPPE UFRJ, Rio de
Janeiro, 1979, 142p.
xx

de estatísticas impeça uma quantificação precisa deste, podemos


acompanhá-lo de modo indireto através das disponibilidades de
financiamento e investimento e compará-las à produção de imóveis.

Unidades:
350.000
300.000
250.000
200.000 FGTS
150.000 SBPE
100.000
50.000
-
1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990
Figura 0-A Unidades financiadas pelo FGTS e SBPE
Fonte: BNH (até 1984); ABECIP (1985 para FGTS e 1985 a 1990 para SBPE); CEF (1986 a
1990 para FGTS)

A partir de meados dos anos 80 ocorreu uma virtual falência dos


investimentos na área da habitação popular, como indica a Figura I-1, que
representa a produção financiada pelo FGTS e SBPE (Sistema Brasileiro de
Poupança e Empréstimo, que administra os recursos das cadernetas de
poupança). Já o gráfico da Figura I-2 indica que a disponibilidade de
financiamentos aumentou até 1988 e a aprtir daí decresceu violentamente,
apesar de um pico em 1991. Esse investimento pontual seria ocasionado
por uma série de obras inicadas no governo Collor mas que, segundo fontes
internas da CEF, nunca teriam sido terminadas.
xxi

F i n a n c i a m e n to s (U S $ m i l h a r e s)
4 5 0 .0 0 0
4 0 0 .0 0 0 4 0 0 .7 6 9
3 5 0 .0 0 0
3 0 0 .0 0 0
2 8 1 .0 8 3
2 5 0 .0 0 0 2 3 7 .6 1 0
2 3 1 .2 3 2
2 0 0 .0 0 0
1 5 0 .0 0 0
1 0 0 .0 0 0 1 0 2 .6 6 2 9 9 .7 0 6 1 0 8 .6 6 0
5 0 .0 0 0 5 9 .6 5 7 5 7 .9 6 4
2 2 .8
0
1985 1987 1989 1991 1993

Figura 0-B Financiamentos para edificações (SBPE e SFH)


Fonte: ABECIP, ADEMI, BNH, in O GLOBO, 23 de março de 1994

Podemos observar que não há uma relação direta entre o nível de


financiamento federal e a produção efetiva, o que significa que a origem dos
recursos tem variado, bem como a importância do da participação do Estado
também. Após um longo período de ajuste, a relação entre recursos
próprios das construtoras e financiamento oficial, que segundo fontes do
mercado anteriormente seria em torno de 30% e 70%, respectivamente,
inverte-se, passando os primeiros a serem largamente majoritários.

Este movimento corresponde a uma retomada do crescimento da produção


sinalizada a partir de 1992 e que, desde então, tem se mantido constante. A
Figura I-3 Produção de imóveis no Municípiodo Rio de Janeiro”, embora
restrito a este Município, indica a produção total em m2 , espelha esta
tendência. Note-se que se o pico de investimentos de 1991 fosse
concretizado o aumento da produção nos anos seguintes deveria ser
proporcionalmente maior, dada a decalagem entre o início das obras e a sua
entrega. A esse respeito devemos considerar também que a produção
levantada pelo SINDUSCON e pela ADEMI baseia-se nos “habite-se”
xxii

concedidos, mas as obras oficiais de habitação popular, por serem


frequentemente realizadas em terrenos sem regularização fundiária,
raramente recebem esse documento.

Produção de imóveis no Rio de Janeiro

3.500.000
3.000.000
2.500.000
2.000.000
m2

1.500.000
1.000.000
500.000
0
1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993
Figura 0-C Produção de imóveis no Municípiodo Rio de Janeiro
Fontes: ADEMI, IDEG e SINDUSCON RJ.

Na Tabela I-3, Produção de Imóveis no Município do Rio de Janeiro, essa


produção é detalhada, separando-se as áreas licenciadas por obra . Na
verdade, elas representam apenas uma intenção de construir e estão
sujeitas a movimentos especulativos e de defesa do incorporador, como os
decorrentes de possíveis alterações na legislação que possam vir a diminuir
o potencial de aproveitamento do terreno. A produção efetiva é
representada pelos “habite-se”, total de imóveis que recebem a licença para
ocupação. Destaca-se a importância das edificações residenciais, que
respondem por cerca de 73% do total, percebendo-se um leve tendência de
crescimento nesta proporção nos últimos anos.
xxiii

Área licenciada (m2) Área de "habite-se" (m2)


Imóveis Total de Imóveis Total de Resid/ total
Ano residenciais imóveis residenciais imóveis (%)
1980 4.414.173 5.941.037 2.103.634 2.997.670 70,18
1981 4.527.454 5.783.460 1.902.553 2.661.806 71,48
1982 4.913.640 6.175.101 2.302.141 3.432.998 67,06
1983 4.482.507 5.709.347 2.361.123 3.071.137 76,88
1984 2.021.092 2.488.915 2.494.954 3.027.108 82,42
1985 1.775.112 2.478.858 1.718.785 2.498.826 68,78
1986 2.450.201 2.953.508 1.063.779 1.571.313 67,70
1987 2.280.065 2.936.124 936.312 1.241.484 75,42
1988 1.788.646 2.264.942 1.108.043 1.433.937 77,27
1989 2.440.531 3.172.079 1.258.454 1.624.224 77,48
1990 2.351.007 3.330.237 993.891 1.319.986 75,30
1991 2.035.849 2.693.878 727.898 891.675 81,63
1992 2.185.005 3.043.533 780.465 1.067.206 73,13
1993 1.731.568 2.627.034 1.164.687 1.493.828 77,97
Tabela 0-C Produção de Imóveis no Município do Rio de Janeiro
Fonte: ADEMI ,IDEG, SINDUSCON RJ

A comparação entre as disponibilidades de financiamento e a produção


efetiva no Rio de Janeiro na Figura corrobara a hipótese de que a
participação relativa do capital sob controle do Estado diminui, pelos menos
quanto às obras realizadas neste município, pois, apesar da oferta
substancialmente maior em 1991 o volume de obras nos anos seguintes não
cresceu na mesma proporção. Ou seja, não há uma ligação direta entre uma
maior disponibilidade financeira em nível nacional e a produção local, ainda
que algum efeito positivo lhe possa ser atribuído.
xxiv

450.000

400.000

350.000
333.024
317.208
300.000 295.351 293.612 304.353
269.388 262.703
250.000 247.886
226.494
200.000

150.000

100.000 Financ . em US$


milhares
50.000 V ol. Prod. em
dez enas de m2
0
1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993
Figura 0-D Produção No Município do Rio de Janeiro e financiamentos
totais.
2
Obs.: A produção foi baseada no total de “habite-se” e está representada em dezenas de m
para facilitar a visualização.
Fontes: ver Figura I.3 e Tabela I-3 Produção de Imóveis no Município do Rio de Janeiro

A predominância de um “estratégia imobiliária” nas empresas.

A grande participação das edificações residenciais neste total (ver Tabela I-


3) realça ainda mais a importância da valorização daqueles atributos dos
produtos vinculados ao lote na formulação da estratégia das empresas. Com
efeito é enorme o impacto na valoração dos produtos dos fatores
localização, orientação, acessibilidade a serviços e outros atrativos
“geográficos” que podemos designar de “atributos fundiários” do produto.
Embora ele também esteja presente nos imóveis comerciais e industriais
nestes ela não chega a extremos tais como refletir no preço de venda
pequenas diferenças de posição das unidades em um mesmo imóvel,
comuns no caso de prédios multifamiliares, onde algumas características
do apartamento, tais como ser ou não voltado para o mar, ter vista, estar em
andar alto ou não, provocam uma forte diferenciação de produto refletida em
diferenças de preço às vezes muito elevadas, mesmo se a planta baixa, ou
seja o “desenho do produto” seja exatamente o mesmo.
xxv

A extrema individualidade do produto decorre dessa dependência em


relação à localização e repercute sobre as estratégias de conformação do
produto das empresas, que passam a ser modeladas não apenas por
condicionantes mercadológicas e exigências de desempenho mas, também,
por uma “estratégia imobiliária”, que venha a possibilitar rendas
monopolísticas vinculadas a estes “atributos fundiários”.

Nos setores industriais mais modernos, essa possibilidade de exploração


monopolística, ainda que transitória, vincula-se à capacidade de apresentar
produtos inovadores que atendam a demandas até então inexistentes ou
inatendidas e, às vezes, isso chega a ser uma vantagem decisiva para o
sucesso da empresa. Mas, nas edificações, os ganhos de “ser o primeiro no
mercado” raramente são totalmente absorvidos pelo empreendedor direto,
pois, ao mesmo tempo, há um movimento inverso de dispersão de
benefícios. Na verdade, os maiores dividendos derivados da abertura de um
“novo mercado” são decorrencia da sobrevalorização dos terrenos vizinhos,
pouco importando se pertencem ou não ao mesmo proprietário.

Mesmo no caso de inovações de produto, como um novo tipo de


apartamento, com novos equipamentos agregados, tais como, por exemplo,
os chamados “edifícios inteligentes”, eles estarão sempre associados à uma
localização e, a médio e longo prazo, uma parte importante dos possíveis
ganhos diferenciais da inovação vai se transferir para o entorno imediato, ao
invés de serem integralmente absorvidos pela empresa responsável pelo
investimento inicial.

Essa peculiaridade tem origem nas sistemáticas de avaliação dos imóveis


que, refletindo uma lógica dos consumidores, considera os valores médios
dos imóveis de uma região como um dos fatores para estabelecer o seu
preço. Desse modo, ao estabelecer um patamar de preço médio por m2
xxvi

mais elevado para a sua vizinhança o novo produto termina por beneficiar
essas áreas contíguas.

Somente se for possível a repetição destes produtos na mesma vizinhança


a empresa pioneira poderá ter um retorno “mais exclusivo” da inovação
proposta. Mas, como para isto é necessário a compra de grandes extensões
de terreno, essa estratégia é limitada, seja pelos seus custos, seja pela
disponibilidade de lotes. Apesar dessas dificuldades, podemos identificar
este comportamento no proprietário que estoca uma parcela do terreno
para aguardar os resultados da comercialização da primeira parte das
unidades, situação comum em alguns lançamentos na Zona Sul do Rio de
Janeiro.

Como resultado desta extrema individualidade dos produtos, a Construção


já foi chamada de “indústria de protótipos” 6 e o contexto da concorrência
entre empresas desenvolve-se de modo diferente dos setores de “produção
em massa”, tais como eletroeletrônicos ou automóveis. Nestes,
caracterizados como “setores de produção modernos”, ao menos nos países
mais desenvolvidos, segundo VELTZ e ZARIFIAN7, a competição atual
ocorre em três dimensões: na variedade (dos produtos) , nos prazos (para
entrega ou de pedidos ou lançamentos de novos produtos) e na inovação (
como um processo contínuo de domínio de mercados emergentes e na
renovação de antigos).

Esses três aspectos se interligam na exigência de uma maior flexibilidade da


estrutura produtiva para que ela seja capaz de fornecer os produtos em

6 GALLON, Elie,” Du “juste temps “au “juste a temps” “, in Travail et productivité dans le
Bâtiment, Rapport du Seminaire, Plan Construction, Paris, s.d.
7 VELTZ, Pierre; ZARIFIAN, Philipe, “Modèle systemique et flexibilité”, texto interno LATTS
ENPC, Paris, 1993. Ver também “Vers une sociologie de l’organisation industrielle: un
itinnéraire de recherche” Rapport pour l’habilitation à diriger des rechcerches, Université
Paris X, Nanterre, 1992
xxvii

conformidade com os desejos dos consumidores, o mais rápido possível,


para usufruir as vantagens de um período hegemônico neste mercado.
Porém, na Construção, a variedade é imbricada à localização e a
flexibilidade da estrutura produtiva vai depender de sua capacidade de atuar
em diversas localidades e, como veremos adiante, em mercados diversos.

Também os processos de inovação, que detalharemos mais tarde, tomam


características próprias, deslocando-se dos produtos para os processos, não
só pela vinculação dos primeiros à questão da localização, como pelo
pequeno controle da gerência sobre a habilidade dos operários.

Já no que diz respeito à concorrência na dimensão dos prazos, enquanto na


indústria de produção em massa eles se traduzem pela busca de redução
do período de desenvolvimento de produtos, incluindo-se as etapas de
produção e oferta inicial, nas edificações ela se limita à redução da etapa de
projeto até a comercialização, minimizando o risco comercial.

Neste aspecto interfere uma caraterística brasileira peculiar, ainda que


conjuntural, que são os custos absurdamente altos dos empréstimos para
produção e que levam as empresas a preferirem executar as obras na
medida das suas disponibilidades financeiras, sejam próprias ou dos
clientes, evitando o endividamento. Resultam prazos de execução que nem
sempre correspondem aos ideais de eficiência técnica na aplicação dos
recursos.

Com efeito, na situação atual do mercado, sem fontes importantes de


financiamento, a questão dos prazos apresenta-se de modo invertido em
relação à indústria em geral: quanto maiores, melhor, pois será mais fácil
adequar os desembolsos à capacidade financeira do cliente. Um exemplo
são os “Planos 100”, onde a construção chega a se prolongar por 36
meses, com financiamentos estendendo-se até 100 meses. Outra tática
xxviii

comercial é vender o produto “na planta”, só iniciando a execução após um


período de “capitalização” em torno de 6 meses, durante o qual os clientes
completam um valor pré-definido.

Somente nos mercados de empreitadas privadas e de prédios comerciais é


que a lógica da busca de redução de prazos de execução assemelha-se ao
quadro geral da indústria, ainda que com restrições localizadas. Neles o
produto não é um bem de consumo durável mas sim um investimento de
capital fixo, com retornos potenciais às vezes elevados que justificam uma
inversão rápida.

Quadro atual: a reorganização das empresas

Já em 1987 PROCHNIK8 previra que a Construção Civil deveria passar por


uma reorganização, segundo ele, buscando uma maior mecanização ,
apontando como motivos para esse movimento a escassez relativa de
alguns produtos, maiores exigências dos consumidores e a competição
entre empresas. Embora nem todos esses prognósticos tenham se
realizado, as mudanças que apontamos levaram efetivamente a um
reordenamento das estruturas do setor.

Entretanto, a caracterização precisa dos movimentos de reorganização das


empresas é bastante difícil, devido a ausência de estatísticas que reflitam
suas mudanças. Uma das poucas séries de dados confiáveis é fornecida
pelo CREAA - Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia,
através de seu cadastro geral, atualizado anualmente e de seus registros de
ART - Anotação de Responsabilidade Técnica.

Apesar de suas limitações que não permitem, por exemplo, comparar


diretamente os dados dessa fonte com outras bases de dados, pois são
xxix

elaborados a partir de critérios diferentes, desde 1986 este sistema tem


seguido uma metodologia bastante homogênea, entre outros motivos devido
a uma série de convênios com os municípios que obrigaram a apresentação
da ART para a obtenção das licenças de obra. Ainda que este universo não
corresponda a todas as obras de edificações, pelo menos no caso do
Município do Rio de Janeiro, ele reflete uma parcela majoritária da produção
legalizada e, dentro de seus limites, deve indicar as tendências dentro da
amostra.

Como através das informações da ART é possível selecionar os registros


por tipo de obra e por endereço, cruzando-os com os dados do cadastro da
mesma empresa, chegamos a ter um quadro da movimentação das
empresas no período 86 a 93.

A primeira tentativa de caraterizar a distribuição das empresas é relacionar o


capital registrado e a sua participação no mercado, considerando-se o
volume de produção, expresso em m2 de obra, e não o valor. Desse modo
evitaríamos os desvios causados pela valorização desigual da terra e da
sofisticação relativa dos imóveis de luxo. É uma metodologia comum na
indústria automobilística, onde a participação de cada uma no mercado é
definida pelo número de unidades e não pelo valor de vendas. Para manter
a homogeneidade, cruzamos os dados unicamente da ART, ou seja, não
consideramos os dados de produção da ADEMI apresentados na Tabela I-3
Produção de Imóveis no Município do Rio de Janeiro. Embora a ART tenha
uma relação direta com os pedidos de licenciamento, na verdade ela reflete
um universo de projeto mais amplo, pois nem todos os serviços chegam a
ser licenciados.

8 PROCHNIK, opus cit., pág 114


xxx

O resultado está expresso na Figura I-5 Participação das empresas no


mercado por faixa de capital, onde verificamos uma variação aparentemente
contrária a qualquer lógica que vincule mercado ao porte da empresa.
Ocorre que na Construção, em particular nas edificações, o conceito de
porte da empresa não se liga forçosamente à faixa de capital, pois há casos
em que ele é relativamente baixo, mas a empresa tem muitos empregados.

P a rt ic ip a ç ã o n o m e rc a d o

9 0 ,0 0 % F a ix a d e
c a p it a l:
8 0 ,0 0 %

7 0 ,0 0 %

6 0 ,0 0 %
3 0 .0 0 0
5 0 ,0 0 % 1 3 0 .0 0 0
2 7 0 .0 0 0
4 0 ,0 0 %
1 .3 0 0 .0 0 0

3 0 ,0 0 % 2 .7 0 0 .0 0 0
5 .3 0 0 .0 0 0
2 0 ,0 0 % >5300000

1 0 ,0 0 %

0 ,0 0 %
1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993

Figura 0-E Participação das empresas no mercado por faixa de capital


Fonte: CREAA
Obs.: Capital indicado em UFIR. Uma UFIR equivalia, em nov. de 1994, a US$0,76.

Para conceituar o melhor indicador do “porte”, devemos considerar dois


aspectos do setor. Em primeiro, que há construtoras que operam
majoritariamente com capital de terceiros, sejam investidores, consumidores
ou uma instituição de financiamento. Além disso, é grande a participação de
subempreiteiros e pessoal contratado informalmente (sem carteira) ou de
outros modos indiretos, o que distorce a classificação por número de
empregados. Desse modo, julgamos mais representativo do porte das
estruturas das empresas o número de profissionais (engenheiros e
arquitetos) no quadro técnico. Com efeito, ao cruzarmos o tamanho do
quadro técnico com o volume registrado de obras ele resulta em padrões de
xxxi

comportamento mais racional, como mostra a Figura I-6 Participação no


mercado segundo o porte do quadro técnico.

%Mercado por quadro técnico, inclusive autônomos


Numero de
70% prof. técnicos:
60%

50%
<5

40% <15
<50
30%
>50

20% A utonom.

10%

0%
1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993

Figura 0-F Participação no mercado segundo o porte do quadro


técnico.
Fonte: CREAA

Verifica-se neste gráfico que as empresas de mais de 50 profissionais


técnicos (engenheiros ou arquitetos) , após um pico em 1988, apresentaram
uma constante tendência de queda, até virtualmente desaparecer em 1993.
Já as empresas de até 5 técnicos crescem entre 1987 e 1990, começando a
perder mercado quando os autônomos aumentam sua fatia., provavelmente
indicando uma tendência a uma certa “informalização” . Já o
comportamento das empresas dos segmentos de até 15 e de até 50
profissionais é mais estável, com variações pequenas que não podemos
caraterizar de modo mais preciso.

Esse gráfico considera o mercado total, inclusive a parcela executada por


profissionais autônomos. Se excluirmos essa parte, a divisão altera-se um
pouco, como demonstra a figura 0-g, mas torna ainda mais nítidos alguns
dos aspectos indicados.
xxxii

Mercado de empresas - divisão por quadro técnico


100%

90%

80%

70%

60% <5
<15
50% <50
40% >50

30%

20%

10%

0%
1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993

Figura 0-G Participação no mercado, por quadro técnico, exclusive os


profissionais autônomos.
Fonte: CREAA

A queda da participação das “grandes empresas” coincide com a queda na


disponibilidade de financiamentos (ver gráfico I.1) e o seu pico relativo em
1991 e 1992 pode ser vinculado exatamente à disponibilidade momentânea
de financiamentos em 1991, uma vez que os seus efeitos em geral
prolongam-se no ano seguinte. Aparentemente, ao término das obras
contratadas por estas grandes empresas, a sua penetração no mercado
teria se reduzido drasticamente.

Já a parcela das empresas de até 5 profissionais técnicos cresce, ou seja,


além de ter havido uma certa informalização do mercado as empresas
restantes também diminuíram, ocorrendo um maior número de empresas
com menor quadro técnico, responsáveis por uma parcela crescente do
mercado “formal”. Finalmente, as empresas dos segmentos “até 15” e “até
50” parecem ser mais estáveis, o que pode significar uma menor
dependência de fatores externos.
xxxiii

O conjunto dessas informações permite assegurar que passamos por


mudanças importantes no período de 1987 a 1990, consolidando-se a partir
daí uma nova situação de mercado, quando diminuem as alterações
relativas, provavelmente em conseqüência da menor intervenção do Estado,
sempre sujeita a variações súbitas, por exigências políticas e que
detalheremos no capítulo seguinte.

O esgotamento do modelo de financiamento largamente baseado em fundos


públicos foi, a nosso ver, o principal fator para um movimento de
reorganização de suas relações internas e externas, nas empresas mais
dinâmicas do mercado, visando a maximizar seus ganhos através de um
controle mais eficaz de todo o processo de produção, anteriormente muito
segmentado. Outros aspectos, que abordaremos adiante, também
contribuem para consolidar essa tendência.

Esta estratégia é comparável em suas grandes linhas à de construtoras


européias, em passado recente, mas fica condicionada pelas
particularidades do mercado e condições de tecnologia e de mercado de
trabalho no Brasil, que desenvolveremos a seguir.

O sucesso dessas empresas pioneiras pode ser expresso pelo crescimento


de sua presença no mercado e pelos seguidos prêmios empresariais, tais
como “Melhor empresa do Ano”, concedido a algumas delas pela crítica
especializada.

Cap.II: Tecnologia e Construção

“Tecnologia da construção é algo tão


comum que se colocarmos uma placa no
meio da selva amazônica oferecendo
xxxiv

emprego de pedreiro sempre vai aparecer


algum.”
(Engenheiro de obra, anônimo)

A tecnologia da Construção

“Saber construir” é um conceito tão difuso quanto a própria Construção.


Talvez por isso a afirmativa de um engenheiro de obra, travestido de “peão”
pela lida diária em um contexto embrutecido, não cause estranheza a
ninguém: ao expressá-la, em uma reunião sindical, não houve contestação.
Mas se à amplitude geográfica da dispersão desta tecnologia correspondem
conceitos elásticos do termo, a prática termina por restringi-los a visões
localizadas, ora no campo dos materiais, ora no dos procedimentos para a
execução, mais raramente na administração e organização do trabalho.

Talvez a associação mais freqüente seja de Tecnologia da Construção a


materiais e estruturas: concreto, impermeabilizantes, coberturas e
revestimentos são os temas usuais dos textos nela indexados. Autores
clássicos neste domínio, como Gérard BLACHÈRE9, incorrem nesta
limitação em vários textos, resumindo essa área à questão dos materiais de
construção e dos processos de execução, deixando de lado o que Ruy
GAMA10 chamou, apropriadamente, de “tecnologia do trabalho”. Junto com
as tecnologias do objeto do trabalho, dos meios do trabalho e a tecnologia
básica, elas comporiam a “ciência do trabalho produtivo”.

Este conceito, mais amplo que as traduções correntes do termo inglês


technology cujos significados variam segundo o contexto em que ele é
xxxv

aplicado, adequa-se muito bem à Construção, mais particularmente às


edificações, onde o trabalho humano ainda é preponderante e pouco
decodificado em normas e procedimentos de serviço, com uma grande parte
do conhecimento necessário à execução das tarefas ainda sob domínio
exclusivo dos operários. Mesmo que esta predominância tenda a ser
ultrapassada, o fato de até agora não existir um controle estrito da técnica
de execução, largamente dependente da habilidade dos trabalhadores, tem
limitado as formas de organização do trabalho nos canteiros, tecendo uma
imbricação profunda entre elas e as alternativas de meios de trabalho.

Esta dependência de um “saber operário”, ainda que ele se apresente como


uma habilidade ou destreza, é um dos fatores que caracteriza os dois sub-
setores em que a Construção costuma ser dividida: as edificações e as
obras pesadas, tais como estradas, barragens, pontes etc. . Nestas a
mecanização já se impôs e através dela se configura um controle do
trabalho mais eficaz, tanto assim que o planejamento nas obras pesadas
utiliza mais freqüentemente a unidade de hora-máquina que o homem-hora,
essa ainda a medida básica nos canteiros de edifícios.

A diferenciação nas estratégias empresariais e formas de organização


nestes sub-setores respeita esta característica, resultando lógicas
específicas para cada um deles, apesar da tecnologia dos materiais e dos
meios de trabalho pouco diferirem. Deste modo, no sub-setor de “obras
pesadas” podemos identificar sistemas “mais industrializados”,
correspondendo à maior mecanização, enquanto nas edificações a maior
dependência do trabalho humano enfatiza a questão organizacional.

9 Entre outros textos deste autor ver Savoir Bâtir ... ; e Tecnologías de la Construction
Industrializada, Col.” Tecnología e Arquitetura”, Ed. Gustavo Gili, Barcelona, 1977
10 GAMA, Ruy, “A Tecnologia em Questão”, Revista USP, vol. 7, set./out./nov. 1990, pag. 43
a 48
xxxvi

A segunda grande diferença entre estes sub-setores é a importância de


seu “insumo básico”, o local da obra. Enquanto nas obras pesadas ele é
sobretudo uma situação geográfica, não implicando em rendas agregadas
potenciais, nas edificações o lote, com suas características e benefícios
intrínsecos, joga um papel fundamental na valorização e diferenciação do
produto, que se reflete nas estratégias e na organização das empresas.

Conjugados, a dependência do saber operário e a importância da “lógica


fundiária” na estratégia das empresas vão compor a especificidade das
edificações face a outros setores industriais, que faz com que técnicas
intensificadoras da qualidade e produtividade neles desenvolvidas não
possam ser facilmente transpostas.

O desenvolvimento técnico da construção

Apesar de sua importância na economia o sub-setor de edificações


freqüentemente é apresentado como uma área tecnologicamente "atrasada"
. É uma assertiva tão comum que há freqüentes reportagens fora dos meios
acadêmicos que ressaltam os seus desperdícios crônicos de materiais e
mão de obra, onde a imagem de que “a cada três andares joga-se fora um”
tem sido explorada à exaustão nos jornais e televisões. Aparentemente esta
proporção é uma abordagem simplista e redutora dos estudos de Tarcísio
de Paula PINTO11 , onde ele demonstra que em determinadas fases da obra
o volume de entulho gerado corresponde a cerca de 1/3 do volume do
material empregado.

Uma má compreensão dos processos produtivos levou a uma generalização


dessa abordagem pelos meios de comunicação, passando uma imagem

11 PINTO, Tarcísio de Paula “Utilização de resíduos de construção -Estudo em


argamassas”. Dissertação de mestrado EESC/USP
xxxvii

negativa para a Construção. Como veremos, ainda que ela não seja
desprovida de fundamento, a competição entre os diferentes setores da
economia não permite que um deles distancie-se demasiado dos demais.
Tampouco as discrepâncias entre este setor e os demais segmentos
industriais são uma exclusividade brasileira.

Uma das formas de aferir o grau de desenvolvimento de um setor tem sido a


comparação de seus índices de produtividade, em termos estritamente
econômicos 12 representado pela relação do valor adicionado e número de
empregados, com a média geral. PROCHNIK13 observa que esta não é
uma característica única do Brasil, citando estudos que demonstram que
também nos Estados Unidos há uma sensível diferença na produtividade
deste setor comparativamente aos demais. Do mesmo modo MARGIRIER14
constata que em quatro países europeus a Construção apresenta um
desempenho de 8% (no Reino Unido) a 19% (na Itália) abaixo da média
geral da indústria.

Estas comparações devem se tomadas com o devido cuidado, evitando-se


comparações cruzadas entre países, pois as metodologias de mensuração e
as realidades das condições de trabalho diferem bastantes e podem induzir
a comparações incorretas: por exemplo, uma carga horária de trabalho
desigual leva a índices gerais de produtividade muito discrepantes. De
qualquer forma os diferentes estudos apontam para uma mesma direção:

12 Nos referimos aqui à medida geral de produtividade, expressa pela relação do valor
adicionado a produção e quantidade de trabalhadores, Ver BACHA, Edmar L. , "Emprego
e salários na indústria de transformação", 1949/1969, in 25 anos de Pesquisa
Econômica, IPEA, Rio de Janeiro, 1988, e SABÓIA, João, "Salário e produtividade na
indústria brasileira, os efeitos da política salarial no longo prazo", Pesquisa e
Planejamento Econômica, vol. 20, no3 , IPEA, Rio de Janeiro, dezembro de 1990.
13 PROCHINIK, opus cit , pag. 98 a 101
14 MARGIRIER, Gilles, “Le Secteur du Bâtiment et des travaux publics dans la crise:
comparaison entre France, RFA, Italie, Royaume-Uni”, pág 82 in Europe et Chantiers,
Actes du Colloque, Plan Construction, Paris, 1988, pág 57 a 137.
xxxviii

que a Construção, efetivamente, teria uma menor eficiência no


aproveitamento do trabalho que a média das demais indústrias.

MARGIRIER levanta a hipótese que esta desvantagem tem sido


compensada por uma elevação de preços no setor mais rápida que na
indústria, de maneira a garantir uma rentabilidade competitiva, explicando
assim a sobrevivência do setor em um quadro de competição, apesar da
manutenção deste diferencial. A nosso ver, esta elevação seria viabilizada
pelos aspectos monopolísticos derivados da exploração da terra urbana, ou
seja uma vantagem derivada do lote e de seu componente geográfico que
permite o repasse dos custos crescentes, por sua vez derivados deste
menor aproveitamento relativo do trabalho.

Outra forma de comparar o grau de desenvolvimento entre setores,


apresentada por PROCHNIK no mesmo trabalho, é o peso das etapas finais
de uma cadeia produtiva no valor adicionado total e na absorção da mão-de-
obra. Uma participação menor do segmento final no valor adicionado total
da cadeia corresponde a uma maior sofisticação técnica de seus
fornecedores, ou seja, estes indicadores podem ser considerados
parâmetros inversamente proporcionais ao grau de desenvolvimento
tecnológico. Na Construção, essas etapas têm uma participação bem
superior à média de outras áreas industriais no Brasil, atingindo 70% do
valor do produto e 80% do emprego.

Os motivos que levam a essa constante defasagem entre a Construção e


outros segmentos da economia ainda não foram claramente enunciados,
embora dois aspectos sejam constantemente indicados: a grande dispersão
geográfica da produção e a sua imensa variação nos produtos, decorrente
da necessidade de adaptá-la aos diferentes locais de implantação e
programas de necessidades. Com efeito, o cotidiano das edificações é
xxxix

radicalmente diferente de uma indústria típica, onde existem grandes séries


de produtos idênticos. Mesmo a comparação com um estaleiro, bastante
freqüente, apesar de apresentar alguns pontos similares, também é
incompleta, pois, nestes a repetição das tarefas é maior, o valor do produto
é muito superior e a produção se dá em uma unidade fabril bem definida,
com grandes recursos investidos em um parque fixo, a ser amortizado a
longo prazo.

Essas peculiaridades das edificações certamente repercutem de modo


negativo na sua produtividade, se comparada com outros setores
supostamente "mais modernos". Entretanto, a competição entre os diversos
segmentos da economia impede que um deles tenha uma performance
muito inferior aos demais, a não ser em situações específicas, tais como
uma oferta excessiva de mão de obra, uma grande vantagem comparativa
de localização ou outras condições que limitem a concorrência. Em geral
são restrições geográficas de mercado ou derivadas da ausência de
alternativas de trabalho ou de insumos.

Como este não é o caso das edificações que na sua maioria ocorrem nos
centros urbanos e estão sujeitas, portanto, a competir com outros setores
econômicos, tanto nas opções de investimento como nas ofertas de
emprego, suas condições de rentabilidade e de condições de trabalho não
podem ser muito diferentes da média geral.

Deste modo, mesmo que um pouco defasado, também nas edificações


ocorre uma busca pelo progresso técnico, visando a acompanhar os
movimentos gerais da economia e manter a sua atratividade de capitais e
mão-de-obra. Ao analisarmos mais detidamente as características deste
movimento, verificamos que, embora lento, o processo de inovação
xl

tecnológica está presente e corresponde a formalizações teóricas próprias já


consolidadas.

No caso brasileiro, porém, a intervenção do Estado limitou as condições de


concorrência, evitando que a competição através do mercado exercesse
toda a sua influência. A interferência estatal na Construção, direta ou
indireta, é comum em diversos países e corresponde à sua importância
como setor econômico de resposta rápida aos investimentos, com grande
potencial gerador de empregos a curto prazo. O que diferencia o caso
brasileiro foi uma política tecnológica "atrasada" para a construção, mais
particularmente para as edificações, privilegiando a todo custo técnicas
intensivas em mão de obra e implementada através de diversos artifícios e
instrumentos legais e administrativos nos variados níveis governamentais,
sob a justificativa de que ela propiciaria mais empregos. Já nas intervenções
européias o objetivo primordial era atender à demanda de habitação social,
“pois essa era uma das condições sine qua non para que a venda em massa
de bens duráveis pudesse se realizar”15.

O Estado e a tecnologia da construção

As intervenções do Estado Brasileiro tiveram um papel preponderante para


a conformação do desempenho e da estrutura atual da construção civil
brasileira, particularmente nas edificações. Suas repercussões foram
imensas e bastante estudadas quanto aos seus resultados quantitativos e
na qualidade de vida 16. mas, no Brasil, como no exterior, raramente é
explicitada uma associação entre política tecnológica e o setor de
construção civil . Os trabalhos sobre a atuação governamental no

15TERTRE,Christian du; Technologie, Flexibilité, Emploi; Éditions L’Harmattan, Paris, 1989,


315 p.;pág. 140
16 Entre outros pesquisadores que discutiram esta intervenção destacamos: Gabriel Bolaffi,
Sérgio Azevedo, Carlos Nelson dos Santos e Lícia Valadares. Oportunamente citaremos
alguns de seus trabalhos.
xli

desenvolvimento tecnológico em geral restringem-se aos setores de ponta,


ou "alta tecnologia": informática, biotecnologia, mecânica fina etc. Quando
se discute construção, a abordagem mais freqüente é ressaltar o seu papel
como absorvedora de mão de obra, como se a qualidade da força de
trabalho deste setor e da produção resultante fossem desvinculadas da
competição com o restante da economia.

Entretanto, também quanto às definições relativas à tecnologia da


construção podemos distinguir claramente a intervenção do Estado. Seja de
modo explícito, em discursos ou planos oficiais, seja de modo implícito, nas
normas administrativas pertinentes, essa intervenção tem se mostrado
surpreendentemente homogênea desde a criação do BNH, Banco Nacional
de Habitação.

Considerando-se a importância do setor na economia de qualquer país, é


natural que o Estado procure direcionar seu desenvolvimento, como o
mostram os diversos estudos17 a respeito nos países europeus e no Japão,
onde é clara a existência de uma política oficial para o desenvolvimento
técnico do setor, com modelos diferenciados. Em oposição ao caso
brasileiro, até recentemente centralizador e autoritário, França, Alemanha e
Itália têm reforçado sua indústria da construção através de instrumentos
largamente difundidos de apoio ao desenvolvimento de novas técnicas, a
qualificação e retreinamento de pessoal, afora outros incentivos indiretos.
Como afirma CAMPINOS DUBERNET: “a construção habitacional é
provavelmente ( o setor) onde a intervenção do Estado se deu com maior
ruptura com as práticas anteriores”. 18

17Destacamos “Europe et Chantiers”, Actes du colloque, opus cit, div aut e o livro de
HASEGAWA, Fumio, Built by Japan, John Wiley & Sons, New York, 1988.
18CAMPINOS DUBERNET, Myriam; Emploi et Gestion da la Main d’oeuvre dans le BTP,
CEREQ, Paris, 1985, pág. 48 (trad. do autor)
xlii

O Japão, baseado em um quadro industrial fortemente oligopolizado seguiu


um caminho híbrido, com uma grande centralização empresarial,
decorrência de uma estrutura industrial muito verticalizada e concentrada,
mas com as atividades de pesquisa e desenvolvimento disseminadas por
empresas e instituições de pesquisa aplicada com caráter regional ou até
mesmo municipal.

No caso brasileiro o marco inicial desta fase de forte intervenção do Estado


foi a criação do BNH, em 21 de agosto de 1964, através da Lei no 4.380,
que o estabelecia claramente como um instrumento para a implementação
de uma política de construção e popularização da propriedade:

"O Governo Federal, através do Ministro do Planejamento, formulará a


política nacional de habitação e de planejamento territorial,
coordenando a ação dos órgãos públicos e orientando a iniciativa
privada no sentido de estimular a construção de habitações de
interesse social e o financiamento de aquisição da casa própria,
especialmente pelas classes de baixa renda."19

Era o coroamento de uma série de esforços governamentais e de outras


entidades da sociedade civil, tais como IAB, Clube de Engenharia e outros,
no sentido de centralizar as ações do Estado no campo habitacional e
urbano. Outras intenções, entretanto, foram acrescentadas, destacando-se
a busca pelo aumento da oferta de empregos, tal como expressa o
encaminhamento do Plano Nacional de Habitação ao Presidente Castelo
Branco, que afirma: "poderá atuar brilhantemente na abertura de frentes de
trabalho;"20

19 In GAP Habitação Popular: Inventário da ação governamental , Ed. FINEP/Projeto, São


Paulo, 1985.
20 In AZEVEDO, Sergio, Habitação e Poder, pag. 60, Zahar Editores, Rio de janeiro, 1982.
xliii

Para atingir este segundo objetivo, foram adotados uma série de


mecanismos de modo garantir o uso de tecnologias "tradicionais", baseada
na premissa de que deste modo ocorreria uma "geração de grande
quantidade de empregos formais para mão de obra não qualificada..."21 .
xliv

Nunca ficou claro a partir de que estudos ou indicativos esta decisão foi
tomada. Apesar disto, ela "tornou-se tão arraigada que nem mesmo nos
anos de 1971/73 - quando em São Paulo houve uma crise de mão-de-obra
para a construção provocada pelo "boom" de obras públicas - mudou-se de
orientação"22. Decorrente, a nosso ver, de uma análise simplista da relação
homem hora/ m2 no sistema convencional face a sistemas pré-fabricados,
esta decisão manteve-se inalterada até 1978 e apesar de não ser
claramente enunciada ela ainda permeia diversos instrumentos das políticas
públicas para o setor.

Somente bem mais tarde, em meados da década de 80, MASCARÓ 23


desenvolveu uma análise mais aprofundada da relação entre tecnologia e
nível de emprego, ao comparar a solução tradicional com a pré-fabricação
pesada, concluindo que ambas eram inadequadas ao Brasil , pois se a
primeira não conseguiria os níveis de produção necessários, a segunda
dependeria de uma grande disponibilidade de capital, inexistente para nós.
Na época uma terceira opção, baseada em uma industrialização “aberta”
ainda não estava completamente delineada e, talvez por isso, não foi
analisada de modo mais aprofundado.

Entretanto essas comparações entre as diversas alternativas tecnológicas


consideram apenas as condições internas ao setor , excluindo assim os
seus verdadeiros fatores de sucesso: seus usuários, a sociedade ou, mais
exatamente, as condições de mercado e a competição geral da economia.
Como afirma CARVALHO :

“A opção por não automatizar pode se revelar ainda mais custosa


socialmente, à medida que venha a redundar em perda de
competitividade da indústria, com a conseqüente redução de
mercados, produção e emprego”.24
xlv

É interessante notar que a intervenção do Estado já era em si uma mudança


de seu papel 25. Até então o governo federal nunca definira regras rígidas
sobre qual tecnologia deveria ser adotada e a produção habitacional era o
resultado da ação de vários órgãos que nela atuavam de forma
descentralizada, tais como os Institutos de Aposentadoria e a Fundação da
Casa Popular. Ao adotar a construção habitacional como meta de governo
ela passa a fazer parte de uma estratégia mais ampla, centralizadora e mais
autoritária.

Este modelo choca-se com a principal característica tecnológica da


construção civil. Tanto há vinte anos, como agora, ela é um setor de
tecnologia difusa, sem grandes dificuldades de acesso às técnicas mais
recentes. A sua estrutura de produção também é dispersa, dificultando,
muitas vezes, a sua caracterização. Paradoxalmente, o Estado brasileiro
adotou um sistema rígido, impondo um único padrão tecnológico, a partir de
critérios pouco claros e menos estudados, quando este tipo de política tem
sido associado justamente às áreas de alta tecnologia, com caráter
estratégico ou de segurança nacional 26, centralizada em um número
relativamente pequeno de empresas ou instituições de pesquisa.

Neste aspecto, a política adotada assemelha-se ao conceito de "mission


oriented project" (projeto voltado a uma meta) apresentado por ERGAS 27,
onde um objetivo estratégico nacional sobrepõe-se aos objetivos imediatos
do programa. Do mesmo modo que ao lançar um programa espacial não
interessa tanto ao governo americano o seu resultado em si, mas sim a
supremacia tecnológica que dele deriva, no programa habitacional brasileiro
a meta real não seria a construção de residências mas a criação de
empregos e outros aspectos de caráter ideológicos.28
xlvi

Porém, num exemplo talvez único no mundo, foi adotada uma política
tecnológica "às avessas" pois seu objetivo foi, declaradamente, evitar a
inovação, quando em outros países a busca pelo progresso técnico tem sido
primordial nas políticas tecnológicas de qualquer setor. Baseado na
premissa de que através de processos inovadores é possível atingir "uma
sociedade que responda às mudanças e aos desafios"29, políticas
inovadoras têm sido encorajadas como um meio para melhorar a
competitividade internacional e, também, a qualidade de vida dos
trabalhadores, inclusive na construção.

Esta opção pelo "atraso" contrariava também as políticas implementadas em


outros setores da economia nacional, "mais modernos” e mais abertos à
competição internacional, resultando progressivamente em uma enorme
diferença entre as suas condições de trabalho e remuneração e as
existentes na Construção ". Os impactos negativos desta diferença hoje são
claros, materializando-se numa paradoxal falta de mão-de-obra qualificada,
mesmo em período de forte queda na produção. Não se trata aqui de
exemplo isolado: por razões diversas este fenômeno tem sido identificado
na Europa30 e esforços de modernização técnica foram a resposta
encontrada para fazer face a este problema, pois são os ganhos de
produtividade decorrentes deste processo que geram os recursos para as
melhorias necessárias, sem necessariamente ocorrerem aumentos nos
custos dos produtos.

Também no Japão ocorre o mesmo problema e a mesma atitude, conforme


expressa HASEGAWA31:

"If these technologies ( de inovação e robotização) are applied


systematically, it will become possible to achieve on construction sites
the comfortable working conditions achieved in many manufacturing
xlvii

plants, and thus to attract young talent workers from others industries
or straight from school" 32

Quanto a uma possível redução da oferta de empregos, ela seria


compensada pelo aumento da produção decorrente da maior demanda
resultante da queda de preços relativa, provocada pela maior produtividade
e aumento da massa salarial, componente obrigatório desta mesma
política33. A OCDE afirma que "o crescimento da produção pode ser
suficiente para anular os efeitos da redução de ocupação, derivados de
aumentos de produtividade."34

Porém, essa afirmativa é discutível se analisada à luz da evolução do nível


de emprego, comparado ao crescimento da produtividade na indústria
brasileira pois, como demonstram FEIJÓ e CARVALHO no estudo relativo
ao período de 1985 a 1991, em nosso caso “o crescimento de produtividade
deu-se às custas do emprego”35. Na verdade, os eventuais benefícios de
uma alternativa tecnológica não são automaticamente repassados à
sociedade: cabe ao Estado, como expressão do poder político, mediar este
processo, balanceando os ganhos setorizados. MUSCAT e FLEURY36
apresentam os casos da industrialização japonesa e coreana como
exemplos desta mediação estatal entre a indústria e sociedade. Entretanto,
outros estudos, abrangendo os países europeus e os USA, desvinculam o
crescimento da produtividade da queda de emprego e, ao contrário, chegam
a afirmar que “o crescimento da produtividade teve um efeito positivo sobre
o emprego, uma vez que preservou ou aumentou a competitividade dos
gêneros industriais” 37

No Japão a opção para sustentar o nível de emprego geral foi manter um


certo grau de ineficiência em setores terciários e da agricultura e
agroindústria e, ao mesmo tempo, protegê-los da concorrência externa. Já
xlviii

na Coréia “em troca de subsídios o Estado impôs padrões de desempenho


sobre as empresas privadas”38, limitando a importação e obrigando a
investimentos em tecnologia nacional.

Em ambos os casos cabe destacar o vigoroso investimento educacional


para sustentação destas políticas e outras ações do Estado que evitaram
que os ganhos derivados dos aumentos de produtividade fossem desviados
ou apropriados de modo desigual. Inversamente, no período brasileiro
estudado por Carvalho, o Estado desempenhou o papel de bloquear as
ações dos trabalhadores e outros grupos sociais que justamente buscavam
redistribuir socialmente estes ganhos. É interessante notar que VILLELA39
aponta um forte aumento da produtividade brasileira (de 13,4%), em
particular dos setores mais expostos à concorrência externa, no período de
1990 a 1992, ou seja a partir de quando esta intervenção cessa, ou pelo
menos diminui fortemente, indicando a ineficácia desse gênero de
intervenção.

No Brasil, o Estado, na área das edificações, não exerceu este papel


mediador e, embora justificasse a opção tecnológica com o argumento,
nunca provado, da maior criação de empregos pelas técnicas tradicionais, a
política habitacional não expressava nenhuma preocupação com a eficiência
das construções e, por tabela, com a redução dos custos de produção. Ao
contrário, sempre que estes se elevavam, os limites de financiamento eram
aumentados de modo a não se configurarem como um limite de preço
efetivo e os benefícios para a sociedade deste esforço financeiro
terminaram por serem apropriados, majoritariamente, pelos proprietários dos
lotes ou incorporadores, em decorrência da lógica peculiar do mercado
imobiliário.
xlix

Finalmente, uma maior eficiência do fator trabalho é fundamental para a


melhoria salarial efetiva, não inflacionária e somente a redução do custo
unitário do trabalho viabiliza salários brutos mais elevados. O estudo de
FEIJÓ e CARVALHO40 é significativo, pois demonstra que os setores que
tem a média salarial mais alta são os de maior produtividade, corroborando
a teoria do salário-eficiência, segundo a qual existiria uma vinculação entre o
desempenho do trabalhador e o padrão relativo de remuneração.

Em 1978 o BNH aparentemente muda seu discurso, talvez como


decorrência da pressão dos construtores que buscavam melhorar suas
margens de lucro, então principiando a diminuir, ou da redução na oferta de
mão-de-obra então ocorrida, à época encarada de modo conjuntural. O
Banco promove, então, algumas iniciativas no sentido de buscar alternativas
tecnológicas, destacando-se o "Simpósio sobre Barateamento da
Construção Habitacional", em Salvador, e o subsequente canteiro
experimental em Narandiba.41 É significativo, entretanto que, entre todos os
métodos e processos então apresentados, apenas um foi alvo de
investimento expressivo por parte do Banco: o solo-cimento.

Baseado em uso intensivo de mão-de-obra, esta técnica construtiva nunca


atingiu uma boa popularidade, apesar dos esforços do Banco que alardeava
seu baixo custo. Na verdade, essa vantagem era derivada da remuneração
aviltantedos trabalhadores, às vezes nem sequer considerada nas planilhas
demonstrativas, como no caso de obras em regime de mutirão.

A nosso ver, o solo-cimento nunca se afirmou como uma tecnologia passível


de substituir em larga escala o método convencional, porque não atendia
nem aos requisitos de produção das empresas nem, tampouco, dos
autoconstrutores, ávidos por construir um teto, rapidamente. Mas, como é
l

um processo construtivo que absorve muita mão-de-obra, teve contínuos


investimentos de pesquisa até a extinção do BNH.

Já os outros processos não despertaram o mesmo interesse do BNH,


recebendo pouco apoio financeiro e, na prática, sofrendo sérias restrições
ao uso, salvo, talvez, quando um interesse espúrio obrigava a uma solução
técnica diferenciada, de modo a permitir o direcionamento de uma
concorrência.

O BNH, e posteriormente a CEF, nunca incentivaram verdadeiramente o uso


de nenhuma solução construtiva moderna, mesmo após os discursos de
1978. Não houve continuidade no apoio a nenhum projeto de novas
tecnologias, sendo a intervenção federal, neste aspecto, um bom exemplo
da ineficiência desse tipo de ação estatal, apontada por ERGAS42 e
ROTHWELL43. Elas foram sempre limitadas a "compra de protótipos",
modelos de construção que raramente chegavam a uma série de produção,
pois esta não era garantida e estava sujeita a todas as limitações
apresentadas. Nos raros casos em que houve compra ou financiamento de
produções expressivas44 não houve preocupação qualitativa, sendo provável
que a opção técnica tivesse mais a ver com uma "predefinição" do
construtor através do artifício da falta de similaridade, do que o desejo de
melhor desempenho, pois este nunca foi aferido. Foi o caso, por exemplo,
dos conjuntos construídos por processo a base de gesso e cimento, pela
COHAB SP, recentemente demolidos por serem inabitáveis e perigosos.

Para aferir o desempenho era necessário uma infra-estrutura técnica, com


investimentos em centros de pesquisa e universidades, mas este
instrumento de incentivo tecnológico também foi fortemente direcionado.
Como já dissemos, o maior investimento na área foi vinculado ao solo-
cimento, objeto de pesquisas sistemáticas pelo CEPED- Bahia, CETEC-MG
li

e outros trabalhos mais limitados. Recebeu também financiamentos para


diversas séries de produção em todo o Brasil, inclusive pela distribuição de
cerca de 2000 máquinas às Prefeituras e associações de moradores, com
posterior assistência técnica e aferição de desempenho pelos órgãos de
pesquisa. Nenhuma outra tecnologia recebeu do Banco o mesmo
investimento, de modo constante, em que pesem algumas iniciativas junto
ao IPT de S. Paulo, tal como o PROCONTROL, programa de controle de
qualidade da construção.

Rotineiramente, as maiores dificuldades para o uso das novas tecnologias


eram resultado de práticas administrativas dos órgãos financeiro, incluindo-
se aí a sistemática de contratação e de planejamento por parte do BNH e
posteriormente, pela CEF, Caixa Econômica Federal, no momento atual
ainda a principal gerenciadora dos recursos estatais e daqueles captados
pelo Sistema Financeiro de Poupança e Empréstimo e pelo FGTS. Como
veremos, a maior parte das restrições delas derivadas continuam presentes.
lii

Meios e instrumentos da política tecnológica

Práticas administrativas são um dos instrumentos ao alcance do Estado


para implementar uma política tecnológica. ROTHWELL45 a inclui nas
quatro principais maneiras de um governo influenciar as opções
tecnológicas:

• O poder de compra;
• O investimento direto, ou através de subsídios para as empresas
inovadoras;
• Através de legislação e outros regulamentos que regem a oferta de
serviços;
• Apoio a infra-estrutura tecnológica básica em universidades e
institutos de pesquisa

Delas destaca como a mais importante o poder de compra, associando


ineficiência aos investimentos diretos, no que é seguido por ERGAS46,
quando ele questiona os resultados dos "mission oriented project".

O BNH implantou, virtualmente, a centralização do poder de compra na área


habitacional nas mãos do governo federal. Ao extinguir os Institutos
isolados de previdência e criar o FGTS (Fundo de Garantia de Tempo de
Serviço) ele monopolizou os recursos disponíveis nas faixas de renda mais
baixa. Por outro lado, o SBPE, Sistema Brasileiro de Poupança e
Empréstimo, dependia de suas regulamentações e sujeitava-se ao seu
controle. Progressivamente ocorreu uma centralização dos recursos
destinados à faixa dos estratos médios na CEF, mas até a sua extinção, o
BNH, atuando então como banco de segunda linha47, ditava as regras e
disponibilidades oferecidas ao mercado privado.
liii

Disto resultou um virtual monopólio do poder financeiro na área imobiliária,


pois não só as compras diretas eram realizadas pelo BNH, mesmo se
lastreadas em recursos do Tesouro, como todo o mercado privado e
grande parte dos Estados e Municípios dependiam do refinanciamento do
Banco, submetendo-se, por conseguinte, às suas normas.

Dentre elas, destacamos duas: as limitações do cronograma físico


financeiro e a forma de contratação individualizada, por projeto. Ao financiar
uma obra, o BNH exigia, tal como a CEF ainda hoje o faz, o cumprimento de
um cronograma físico-financeiro, onde a cada etapa de obra corresponde
um determinado percentual máximo do valor total contratado, calcado no
método convencional, poderia ser liberado.

Sob a justificativa de serem necessárias garantias reais, apesar do terreno


já estar obrigatoriamente hipotecado ao Banco, a liberação era limitada ao
que corresponderia, teoricamente, ao valor agregado ao lote por uma etapa
equivalente, considerando-se uma construção tradicional, através de um
orçamento de referência, independente do sistema construtivo empregado
e mesmo que o valor do lote excedesse as parcelas iniciais, situação
comum inclusive nas faixas de renda mais baixas.

É interessante notar que estas regras são pouco divulgadas e não estão
claramente expostas em nenhum documento da CEF para uso do público
externo. O único indicativo, para o possível pretendente a um financiamento
é, nos manuais de solicitação de financiamentos, um cronograma que deve
seguir o modelo padronizado da CEF, organizado a partir de um sistema
convencional e no qual não são admitidas inclusões de itens 48 (podem
apenas ser suprimidos). Já nos documentos internos , tais como Ordens de
Serviço e fichas de avaliação de projetos, elas surgem claramente. Por
exemplo, no modelo de parecer de análise e avaliação definitiva de
liv

engenharia , "Plano Empresário Popular", no item 4.6 há um quadro relativo


a sistema construtivo, se convencional ou não e outro, item 8.2, onde deve
ser indicado "se os percentuais constantes do cronograma estão dentro dos
parâmetros usuais"49, subtendendo-se que estes são os da construção
tradicional.

Este procedimento, repetido em todas as linhas de financiamento desde o


BNH, engessa as alternativas tecnológicas em um fluxo de caixa que não
permite grandes desembolsos iniciais. Como qualquer processo não
intensivo de mão-de-obra depende de investimentos em máquinas e melhor
planejamento, o que significa maiores despesas já na implantação do
canteiro, a única alternativa é o construtor financiar esta diferença por outros
meios, sempre com um custo financeiro muito mais elevado, dificultando
demasiado e, às vezes, até mesmo inviabilizando as inovações.

Esta situação permanece até hoje, através das normas da CEF.

Além disso, a contratação individualizada por projeto, em geral com


produção única ou com uma série muito pequena, não permite ao construtor
elaborar um programa de trabalho de médio e longo prazo com um mínimo
de segurança, capaz de amortizar mais suavemente os custos de
investimentos de uma possível inovação técnica. Este aspecto foi resolvido,
ou pelo menos fortemente atenuado, em outros países, através de
programas plurianuais de financiamento, onde coexistem a contratação
individual com programas nos quais as empresas concorrem a lotes de
construção em determinada região, com dimensões e prazos relativamente
extensos.

Ao garantir volumes mais elevados com prazos mais longos, esse gênero de
contratação facilita o investimento tecnológico. Outras exigências e
vantagens foram também foram agregadas a este tipo de contrato,
lv

incentivando a competição entre empresas e premiando as iniciativas


inovadoras, através de benefícios fiscais ou outros meios indiretos, levando
ao aumento da produtividade e a melhorias de desempenho, principalmente
quanto ao consumo de energia.

Com efeito, a legislação ambiental, energética e de segurança de trabalho,


bem como outros regulamentos governamentais são um importante
instrumento de incentivo à renovação técnica. Na Europa, como nos USA, a
questão energética tem alavancado a busca por soluções técnicas mais
eficazes, devido ao alto consumo dos sistemas de aquecimento necessários
para fazer face a um inverno rigoroso.

Implicando, na maior parte das vezes, no uso de materiais mais caros, as


exigências de um melhor desempenho térmico tem induzido a níveis de
economia e desperdício muito mais limitados e, consequentemente, a um
melhor planejamento e controle. Deste modo, seus efeitos não se limitam ao
índice de consumo energético da habitação, mas repercutem positivamente
na organização de todo o canteiro.

No Brasil, a legislação que regula o direito de construir ainda é bastante


confusa e incipiente a respeito do desempenho dos edifícios. Segundo a
Constituição Federal, deveria ser estruturada em dois níveis principais: o
federal e o municipal, cabendo ao estado funções auxiliares. Ao nível federal
estariam afetas as questões ligadas ao consumidor, ou sejam, a qualidade e
ao desempenho das edificações, enquanto ao nível municipal estão
vinculados a legislação urbanística, ou sejam, aspectos de densidade
urbana, tipologia de uso etc. Uma leitura atenta do artigo 30, inciso VII da
Constituição Federal, relativo às atribuições municipais na matéria, nos
esclarece que "o planejamento, controle do uso, do parcelamento e da
ocupação do solo urbano" são "competência própria, exclusiva, que não
lvi

comporta interferência nem da União nem do Estado"50. Já a proteção do


consumidor está contida no Código de Defesa do Consumidor51, de âmbito
Federal.

Isto nos leva a crer que aos municípios não cabe, a princípio, legislar sobre
as condições internas das edificações, mas somente sobre aquelas que
dizem respeito ao uso do solo, tais como gabaritos máximos (e não
tipológicos), relação de unidades por área de terreno (densidade), taxa de
ocupação do lote e tipologia de uso. Estes parâmetros tem pouca influência
direta sobre a tecnologia da construção, sendo, em tese, bastante neutros
quanto a seus impactos sobre os processos construtivos e a qualidade dos
edifícios ainda que, às vezes, tenham alguma influência indireta, como
veremos adiante.

Entretanto, ao percorrermos a legislação municipal típica, seja do Rio de


Janeiro, seja de São Paulo ou de outra cidade qualquer, nos deparamos
com uma enorme preocupação quanto às condições das unidades.
Acreditamos que isto seja derivado de um período em que, não havendo
uma legislação adequada de proteção ao consumidor, as estruturas
municipais, mais próximas dos usuários comuns, foram em seu socorro.

Talvez por isso os Códigos de Obras costumam definir aspectos internos


das unidades que não são de modo algum ligados às atribuições
constitucionais dos municípios em relação ao uso do solo, tais como
condições de ventilação e iluminação, vãos de acesso e até mesmo
espessuras mínimas de parede.

Naturalmente, os Códigos são baseados em critérios extraídos das obras


tradicionais, resultando em empecilhos ao uso de novos materiais., No lugar
de especificarem o nível desejável ou mínimo de desempenho das
edificações em seus diferentes aspectos, estes Códigos estipulam uma
lvii

tipologia ou uma morfologia de solução, como no caso das espessuras


mínimas de paredes e lajes, onde, ao invés de definirem níveis de absorção
sonora e de resistência ao fogo para as paredes divisórias e lajes nas
diferentes condições de uso, eles apenas definem uma dimensão mínima,
correspondente à que seria recomendável nas soluções clássicas, sendo
ainda freqüente a indicação do material, como no caso das escadas de
emergência.

Esse gênero de definições que não considera o resultado para o usuário


mas, simplesmente, repete a solução conservadora, limita as opções
construtivas. Já as exigências de desempenho induzem a um processo
técnico de seleção e regulam a concorrência com resultados positivos em
termos de qualidade e produtividade. Como vemos, mesmo no nível da
legislação municipal há um direcionamento para o uso de tecnologias
tradicionais.

A gestão urbana e o desenvolvimento da construção

Os exemplos apontados indicam parte dos fortes reflexos das políticas


públicas de desenvolvimento e ordenação do espaço urbano no setor da
construção civil. As condicionantes da legislação afetam direta ou
indiretamente os processos produtivos do setor, inclusive quanto à
concepção do produto, refletindo-se em níveis de preço, em valor e no
volume de produção. Entretanto, as ligações de causa e efeito destas
lviii

condicionantes com o setor não estão bem delineadas e os instrumentos


tradicionais de gestão urbana não costumam considerá-los adequadamente.

Se analisarmos um Código de Obras Municipal típico52 veremos que, em


maior ou menor detalhe, eles definem um novo desenho urbano a ser
alcançado, descrevem os usos ali permitidos e fazem outras exigências
sobre o produto (o edifício e suas unidades) a ser oferecido ao mercado. Em
geral, porém, desconsideram os processos necessários para a sua
obtenção. Respeitadas as suas particularidades, a legislação urbana
compõe, à semelhança do que ocorre nos projetos arquitetônicos, um ”
projeto de produto” e não um “projeto de fabricação”. Este talvez esteja
parcialmente descrito em um texto justificativo esquecido nas gavetas da
Câmara Municipal.

Ainda à semelhança de outros projetos da área das edificações, nem


sempre as necessidades deste “processo de fabricação da cidade” são
adequadamente consideradas nessa etapa de concepção, perdendo-se
assim algumas oportunidades valiosas de dinamizar e enriquecer o seu
desenvolvimento, além dos eventuais prejuízos econômicos advindos da
restrição à atividade produtiva. Espelha-se ainda nos Códigos e na prática
do pessoal técnico encarregado de sua aplicação uma visão limitada às
práticas especulativas “selvagens”, como se todos os empreendedores
estivessem sistematicamente decididos a burlar as regras para maximizar
seus lucros na primeira oportunidade.

Ë claro que todos os investidores desejam ter o maior lucro possível, isto faz
parte da lógica do sistema em que vivemos, mas há uma simbiose entre a
lei “falha” e a prática predatória. Ao não estabelecer claramente um padrão
qualitativo para o ambiente urbano e suas unidades, preferindo definir
padrões de solução, expressos em características rígidas que o produto que
lix

regulamenta deve atender, mesmo o legislador mais competente termina


por deixar aberta a possibilidade de ser encontrado “um jeitinho” para
ultrapassar os limites nela expressos. E todos farão isso, sem remorsos,
pois não há uma ligação clara, evidente a qualquer cidadão, entre o que
deva ser o “projeto da cidade” e as exigências comumente realizadas.

Embora a intenção de uma cidade melhor possa estar presente nas


proposições legais, ela fica camuflada por termos técnicos, índices
calculados não sabemos como e fórmulas de resultado duvidoso, criando
um descompromisso entre o seu resultado e as práticas do dia a dia.
Iguala, assim, todos os investidores no patamar da especulação e não no
do desenvolvimento urbano, dificultando a competição em bases mais
favoráveis ao consumidor, que forçosamente vai sofrer o resultado concreto
destas ações.

Variedade da produção e diversidade urbana

Ao estabelecer critérios estreitos para as soluções, ao invés de exigir


padrões mínimos de desempenho, seja em termos construtivos ou de uso e
ocupação do solo, a legislação diminui as opções possíveis de serem
oferecidas ao mercado. Em grande parte dos casos ela termina por induzir
a uma única alternativa, pois estabelece uma rentabilidade diferenciada e,
segundo a lógica de nosso sistema, a selecionada será sempre a de
retorno mais alto. Deste modo, contribui tanto para a redução da
diversidade urbana como para diminuir a competitividade interna na
lx

indústria da construção, pois elimina uma das principais dimensões da


concorrência entre empresas: a variedade na oferta de produtos.

Diversos autores53destacam a capacidade de ofertar produtos diferenciados


e inovadores como uma das principais vias de competição e,
conseqüentemente, de inovação e progresso técnico nas indústrias. Ao
reduzir o universo de soluções possíveis a um número restrito até mesmo a
uma única, a legislação urbana bloqueia este processo que tem
apresentado fortes benefícios para os consumidores e, indiretamente, para
os trabalhadores na produção.

Não é nosso objetivo discutir se uma maior ou menor diversidade do espaço


urbano em termos de uso e ocupação é benéfica para a cidade e seus
moradores, até por que isso deveria ser uma decisão de um nível
representativo da sociedade e não uma “questão técnica”. Pretendemos
apenas indicar que os efeitos da legislação que reduz esta variedade vão
bem além dos seus objetivos explícitos.

Os dois níveis da diversidade e da flexibilidade

A divisão da atribuições da Constituição Federal, ainda que pouco


respeitada na prática, reflete-se em dois níveis da legislação urbana: o da
cidade propriamente, expressos nas leis de zoneamento e uso do solo, nos
projetos de alinhamento (P.A.), projetos de estruturação urbana e outros
instrumentos legais assemelhados. Neste conjunto de leis e decretos são
definidos os usos permitidos conforme o local, as taxas máximas de
ocupação e outros parâmetros que embora também repercutam
indiretamente sobre o edifício fundamentalmente pretendem disciplinar a
dimensão urbana.
lxi

O segundo nível trata das unidades constitutivas do espaço urbano, ou


sejam os edifícios e as condições da edificação, através , por exemplo, do
Regulamento de Construção de Edificações Residenciais Multifamiliares 54
e outros editos que regulam as características desejáveis em termos de
unidades construídas, tais com condições de iluminação e ventilação etc.

Este dois níveis refletem-se na variabilidade do produto das edificações: o


primeiro leva a uma certa “padronização” das soluções arquitetônicas mais
gerais, tais como volumetria e tipologia predial. Um exemplo são as grandes
áreas da cidade onde todos os prédios tem aspecto semelhante, mesmo
que seus revestimentos e soluções de fachada tentem compor uma
diferenciação. Sublimando-se a monotonia decorrente, essa padronização
poderia até ser benéfica para a racionalização das obras, se ela pudesse
levar a uma real repetição dos processos construtivos, mas a variabilidade
dos lotes impede que isto ocorra em larga escala, mesmo que,
eventualmente, existam locais propícios a essa repetição.

Mas se a padronização não beneficia os processos construtivos, ela dá


uma certa estabilidade à tipologia de produtos pois, reduzindo o universo de
soluções de aproveitamento possível, ela leva a limites mais estreitos a
variação dos produtos e, consequentemente, a uma menor competição
neste nível.

Já os controles sobre as condições das edificações tem um impacto mais


importante sobre as escolhas técnicas no processo construtivo. Suas
restrições costumam ser mais fortes quanto ao dimensionamento dos
componentes arquitetônicos e materiais, afetando a conformação do
produto em questões tais como tamanho de janelas e varandas e atingindo
até mesmo a seleção de materiais possíveis.
lxii

É claro que a escolha dos materiais e processos utilizados nas obras não
depende exclusivamente dos aspectos legais decorrentes destes Códigos
mas, eles dificultam uma escolha baseada unicamente no desempenho
qualitativo, pois uma alternativa não prevista dependerá de um “jeitinho” em
algum nível da fiscalização a ser compensado de algum modo . Configuram-
se assim como um dos empecilhos a uma melhora das condições do
produto-edifício e de suas condições de produção e trabalho , daí a
importância de nos determos na análise de alguns deles, como ilustração
deste impacto.

Impacto das diretrizes legais para as condições das edificações

Embora a lista de itens que se refletem sobre o desempenho da construção


e suas possibilidades de desenvolvimento seja extensa, vamos nos restringir
a considerar mais detidamente os efeitos de apenas alguns deles, extraídos
da legislação carioca, mas que ilustram bem seus efeitos indiretos.

O efeito principal das exigências legais parece ser a elevação dos custos
das obras, pois implicam em áreas de construção maiores e, às vezes,
dificultam o uso de soluções construtivas mais racionais. Ao elevar o
patamar de preços há uma diminuição das escalas de produção, ao mesmo
tempo que os limites do mercado não permitem agregar novos itens aos
produtos, salvo nos segmentos de luxo, restringindo indiretamente a
diversidade dos produtos e, por extensão, a competição.

Estacionamento:

É considerado um parâmetro polêmico, uma vez que a legislação carioca


exige um número de vagas considerado exagerado, o que é corroborado
lxiii

pelo número de vagas ociosas nos edifícios novos. Estabelecida em época


de euforia econômica, ela está distante da realidade da classe
média atual e implica em custos adicionais elevados. Por exemplo um
apartamento pequeno na região da Tijuca de sala e dois quartos deve ter,
no mínimo, uma vaga. Considerando-se que esta unidade terá
2
aproximadamente 75 m de área e a garagem cerca de 30m2 (25 m2
vaga, acrescida de 20% relativos a circulações e paredes), verificamos que
as garagens chegam a atingir 40% da área líquida de venda ou 25% da área
total do imóvel.

A exigência parte do princípio que todos os novos moradores terão carro, o


que é estatisticamente incorreto. Os índices para a definição de garagens
dependeriam de estudos aprofundados sobre a distribuição da demanda por
faixa de renda e outras avaliações prospectivas, acerca das possibilidades
de progressão do consumo de automóveis, que nunca foram realizadas.
Mas o seu resultado seria extremamente aleatório, dada a quantidade de
variáveis tanto macroeconômicas como quanto a distribuição espacial desta
demanda e até mesmo da qualidade dos transportes públicos: se eles forem
melhores, a pressão pelo automóvel particular será menor. Além disto,
qualquer que fosse o índice, ele corresponderia a um engessamento de
soluções, reduzindo a diversidade e a concorrência.

Um critério interessante a ser considerado para a questão é o de que o


custo deste equipamento, a garagem, deve ser isolado do custo da unidade
residencial . Nada mais justo, pois nem todos possuem carros, assim
apenas os que o desejarem devem arcar com isto e melhor ainda, saberão
qual o seu custo real. A princípio, a quantidade de vagas a ser oferecida
deveria, então, ser objeto de pesquisa específica do incorporador, o maior
interessado em atender as demandas do mercado.
lxiv

Ocorre que no passado recente, por força da omissão do poder público no


controle ao estacionamento irregular, optou-se pela solução mais fácil: impor
altos índices de vagas por unidades, provavelmente com o intuito de que
este excesso fosse deslocado para atender também a demanda
preexistente, resultado de construções mais antigas, quando não havia
ainda a relativa popularização atual do consumo de veículos.

É interessante notar que em outros países a atitude foi bastante diferente,


optando-se por reprimir o estacionamento irregular, deste modo criando
mercado para a construção de garagens, fossem elas nos próprios edifícios,
fossem em construções específicas, para atender à demanda histórica. Em
outros casos foram tomadas medidas de controle diretamente sobre a
demanda de veículos, como em Tóquio, onde só é permitido o
licenciamento de veículos que comprovem possuir vagas para o
estacionamento, sejam elas públicas ou privadas.

Uma vez que, no Brasil, hoje em dia, este controle do trânsito é uma
atribuição municipal, nada impediria uma adequada articulação neste
sentido. Ou seja, trata-se de custear as vagas por aqueles que as
efetivamente usam, seja pela venda direta, seja por meio de taxas que
remunerem o Município pelas áreas eventualmente oferecidas. Uma política
fiscal diferenciada, através do IPVA - Imposto sobre Veículos Automotivos e
IPTU - Imposto Predial eTerritorial Urbano, poderia ser implementada para
otimizar este processo.

Nesta ótica o que interessa é a oferta global de estacionamento numa


determinada área e não a sua vinculação com determinado apartamento ou
sala, Assim sendo também deveriam ser autorizadas formas diferenciadas
de operação da garagem, admitindo-se uso de sistemas mecânicos, tais
como “pallets” para otimizar seu aproveitamento, bem como, também,
lxv

através de novas formas de vinculação entre o estacionamento e o imóvel,


tais como:

• as garagens serem um bem condominial, a ser explorado por


todos, ou seja as vagas serão alugadas aos moradores ou a
outros interessados, se aprouver aos condôminos, reduzindo
assim o custo mensal dos moradores sem veículos, ou;
• as garagens serem vendidas separadamente, com direito à quota
do terreno, reduzindo o custo inicial das unidades residenciais.

Elevadores

0s elevadores são um item significativo do orçamento de um edifício,


oscilando em torno de 6 a 8% do custo global em soluções típicas de dois
elevadores. Seu dimensionamento de elevadores segue as definições das
Normas Brasileiras. A legislação também segue estas Normas,
estabelecendo que prédios com mais de seis pavimentos tenham no mínimo
dois elevadores. A princípio, uma Norma deve representar um consenso
entre consumidores e fabricantes do produto e, por isso, estaria sujeita a
poucos questionamentos.

Infelizmente não é a prática corrente em nosso país, onde na maior parte


dos casos são os fabricantes de um produto que ditam as diretrizes para o
estabelecimento das normas, aproveitando-se da freqüente ausência de
outras instituições que representem os interesses dos consumidores nos
Comitês Técnicos, encarregados da elaboração das Normas. Mesmo as
Universidades pouco participam deste processo e o resultado são padrões
de fabricação, de qualidade e de segurança razoáveis, mas que nem
sempre representam rigorosamente os desejos dos usuários, até por serem,
em geral, baseadas em dados de outros países, com outras culturas.
lxvi

O conceito de tempo de espera, por exemplo, tem um significado


radicalmente diferente para um americano e para um brasileiro e nem por
isto foram realizadas pesquisas para estabelecer quais os parâmetros
aceitáveis nas diversas situações de uso de elevadores. Se a espera em
um edifício comercial provavelmente deve ser semelhante no Brasil ou na
Europa, temos dúvidas se os mesmos critérios devem ser obedecidos numa
edificação residencial.

Outros pontos da definição deste equipamento também poderiam ser


reavaliados, porém seria necessário um trabalho que foge a este escopo. O
importante é que novos padrões de operação possam ser sugeridos e,
eventualmente, aceitos pelos órgãos municipais, desde que tecnicamente
justificados, visando a baratear seu custo.

Destaco entre estes padrões:

• Cálculo de dimensionamento diferenciado para edifícios de


pouca altura, até 5 pavimentos, tomando por base parte da
demanda ( por exemplo 80%);
• uso de apenas um elevador para edifícios de menor altura, por
exemplo até 8 pavtos, respeitados os cálculos de demanda;
• velocidades e tempos de escoamento (retirada de toda a
população) mais alongados para edifícios residenciais e para
edifícios baixos, até 5 pavimentos.
• dimensionamento interno adequado à ergonomia do brasileiro;
• padronização dos equipamentos;
• liberdade para definir as áreas destinadas às instalações
mecânicas, hoje rigidamente estipuladas.
lxvii

Através dessas recomendações, estimamos que seja possível reduzir


significativamente o custo deste equipamento em uma obra residencial
típica.

Áreas comuns:

A legislação municipal carioca estabelece uma série de equipamentos


comuns que devem existir nos edifícios multifamiliares. São:

• áreas de recreação, com 3 m2 por unidade e 40 m2 no mínimo;


• sanitários para funcionários;
• vestiários e refeitórios ( com mínimo de 0,15 m2 por unidade ou
12 m2) para edifícios com mais de 50 unidades residenciais;
• área de administração para edifícios com mais de 800 m2 da
ATE - Área Total Edificada, com no mínimo 4 m2 ou 0,5 % do
ATE, até o limite de 50 m2 .
• portarias (para edifícios com mais de 21 unidades)

Estabelece ainda que, caso haja moradia para o zelador, ela deve atender
regras específicas que, na prática, podem levar a esta unidade a ser a maior
do prédio, ou seja seus padrões são superiores aos exigidos para os
consumidores comuns!

As áreas de recreação, tal como as garagens, também são o resultado da


má gerência urbana anterior, que permitiu loteamentos sem as devidas
áreas de lazer. Ao privatizarem estas áreas, estabeleceram um sistema de
guetos, um incentivo ao acirramento da individualização da sociedade de
consumo, eliminando espaços de convivência democrática.

Se, por um lado, podemos aceitar isto como uma solução emergencial, ela
não deve ser tomada como uma regra geral nem como um objetivo. As
lxviii

administrações municipais mais recente tem se caracterizado, aliás, por um


esforço de recuperação destes espaços. Assim é incoerente a manutenção
desta exigência, para toda a cidade . É muito diferente a situação de
Copacabana e da Zona Oeste ou da maior parte da Zona Norte, onde ainda
há possibilidade de evitarmos este modelo elitista.

Quanto aos itens relativos à facilidades para os funcionários, eles estão


visivelmente superdimensionados. Um prédio pequeno, a partir de 801m2
certamente terá apenas um ou dois funcionários e no entanto seu sanitário
equivale ao de um edifício com 80 unidades e terá obrigatoriamente um
refeitório com a mesma relação.

A forma como estes parâmetros foram estabelecidos não considera um


devido escalonamento, impondo patamares mínimos muito elevados. Para
dois funcionários, banheiros com as mesmas dimensões mínimas definidas
para as unidades, são suficientes. Nesse caso, deveria ser exigida uma
concordância graduada entre porte do edifício, padrão de serviços e
dimensionamento destes itens. Vestiários de 12m2 podem atender ,
simultaneamente, a 5 pessoas com conforto e raros são os edifícios em que
haja troca de turnos com cinco funcionários. Quanto aos refeitórios, a área
mínima corresponde a um atendimento de 12 pessoas, também um
evidente exagero.

Quanto à sala para administração, as relações também sofrem certa


2 2
incoerência. Embora 4 m correspondam a 0,5 % de 800 m , exigêwncia
atual do Cóidigo carioca, para que serve uma sala de dois por dois?
Acrescente-se que salas de reunião devem ter no mínimo largura de 2,5m,
pela mesma lei, e verificamos a incoerência desta prescrição. Por outro
lado, se for um prédio de mais de 10.000m2 , podemos encontrar cerca de
lxix

cem proprietários e, neste caso, a sala mínima prescrita, com 50 m2 , será


insuficiente para alojá-los...

Finalmente, podemos questionar também a relação destas exigências com a


área edificada, já que o número de unidades tem um impacto maior sobre
as necessidades de serviço. Verifica-se que estes aspectos estão mal
estabelecidos, levando na maior parte dos casos, a áreas desperdiçadas
embora haja, em algumas situações extremas, subdimensionamentos.
Tomados isoladamente, estas exigências tem pouca importância no
conjunto de uma obra média. Porém o seu conjunto termina impondo a
construção de um pavimento de uso comum, acrescentando, numa obra
típica, cerca de 12% de área construída, com o correspondente aumento de
custo.

Escadas de emergência

As escadas prediais são reguladas em parte pelo Município e, na maioria


dos casos, pelo Código de Segurança Contra Incêndio e Pânico, de âmbito
estadual. Elas devem ser “enclausuradas”, ou seja completamente isoladas
dos outros compartimentos do edifício, com acesso através de uma
antecâmara ventilada, estando isentas desta exigências apenas as
edificações de qualquer tipo com menos de 3 pavimentos e menos de
900m2, ou as habitacionais de até 5 pavimentos.

Verifica-se que os dispositivos deste Código com respeito a escadas é


superior ao exigido pelos padrões europeus e americanos55 para prédios de
baixa altura . Por outro lado as exigências são semelhantes seja para o
edifício de 6 ou 30 pavimentos, o que, por si só, revela sua incoerência
técnica. Analisando-se a situação atual, verificamos que para os grandes
edifícios, onde justamente a atuação dos bombeiros é mais difícil, ele está
lxx

subdimensionado, enquanto nas obras residenciais está


superdimensionado.

Mandam as regras da boa arquitetura e da segurança que as escadas


sejam dimensionadas de acordo com a população prevista, dentro de
tempos de escoamento ou fuga coerentes com o porte do prédio. O Código
adota padrões mínimos, muito elevados para construções pequenas e
deficiente para as grandes.

Se considerarmos a metodologia de cálculo de fluxos usual, verificamos que


em um edifício residencial ao alcance dos equipamentos comuns dos
bombeiros as exigências poderiam ser suavizadas, sem prejuízo da
segurança, dispensando-se a antecâmara para até 8 pavimentos e
permitindo escadas de 1m de largura para prédios com até 5 pavimentos,
resguardado um tempo de evacuação de 3 minutos. Entretanto, caso não
haja elevador, a largura mínima deve ser de 1,20m, o mínimo adequado
para um fluxo bidirecional, respeitando-se ainda o cálculo de escoamento.

Espessuras mínimas de paredes e lajes e entrepisos mínimos

O Código atual estabelece que as lajes devem ter um espessura mínima de


15 cm e as paredes de 13 cm, se internas à unidade, e de 18 cm se forem
externas. São medidas usuais para lajes de concreto moldadas in loco, ou
com lajotas pré-fabricadas, e nas paredes correspondem às medidas da
alvenaria de tijolos cerâmicos clássicos. Estas exigências restringem a
utilização de materiais alternativos, tais como as paredes de gesso
cartonado, solução mais comum nas divisórias internas nos USA, ou então
exigem que elas se adaptem a essas medidas, sem o correspondente
desempenho qualitativo.
lxxi

Entretanto, é evidente que as dimensões das paredes devem a capacidade


do material que as compõe em atender a especificações de resistência,
atenuação acústica, resistência ao fogo etc. Nada nos garante que uma
espessura determinada, de qualquer material que seja, cumpra os requisitos
ideais.

Ao estabelecer como critério o dimensionamento geométrico do elemento, a


legislação atual permite que seja aprovada uma construção inadequada ao
usuário e ainda restringe a aplicação de materiais mais desenvolvidos, que
poderiam cumprir estes parâmetros de uso com economia e melhor
eficiência na obra.

Se considerarmos ainda que há limitações quanto ao pé-direito (altura livre


entre piso e lajes acabados) e em muitos caso quanto ao entrepiso
(distância entre dois pisos acabados de pavimentos contíguos), ou de
gabarito (limites máximos de altura do prédio em relação ao meio fio ou ao
nível do mar), as definições de lajes podem impedir o uso de soluções que
exijam maior altura final, embora com vantagens operacionais ou de custo.

Nada nos garante entretanto que os 15 cm mínimos atendam a um


conveniente isolamento acústico do vizinho superior, como quase todos os
usuários já tiveram a oportunidade de verificar. Na prática, o entrepiso de
2,75m virou um padrão e os gabaritos são calculados para que atendam a
esta dimensão: se o projetista adotar outra, dificilmente será atingido o limite
de área construída do terreno.

Aberturas e áreas de ventilação

As condições de ventilação das unidades são definidas através de


proporções entre área do cômodo, profundidade em relação à fachada e
lxxii

altura da verga da abertura. Não há diferenças se é um edifício alto, sujeito


a maior pressão de vento, se a orientação solar é mais favorável ou não, se
a largura da rua permite melhor insolação e renovação do ar, enfim as reais
condições da unidade.

Do mesmo modo as áreas internas de ventilação também independem de


sua situação real e do desempenho efetivo. Como as seções mínimas das
janelas, elas são estipuladas a partir de uma “prática histórica média”
baseada porém em condições de uso, de materiais e de tecnologias
diferentes das possibilidades atuais e algumas vezes afastadas dos hábitos
culturais do usuário.

Essas “práticas históricas médias” atuam como limites conservadores, mas


não impedem situações inadequadas para os usuários. Na verdade são
limites “por baixo”, desobrigando os construtores de esforços de
desenvolvimento tecnológico que poderiam trazer vantagens se pudessem
ser adequadamente compensados.

O impacto das diretrizes urbanas

Também as diretrizes urbanas podem contribuir, ainda que indiretamente,


para a restrição das alternativas construtivas, constituindo-se em fator de
resistência a novas técnicas. Por exemplo, ao definir um padrão edificado
como o de melhor rendimento dentro das opções possíveis em um lote, ela
cria obstáculos à padronização de soluções construtivas, pois a cada lote
forçosamente ocorrerão outros padrões ideais, já que os lotes são por
natureza diferenciados.

Às vezes isto não é explícito, mas ao analisarmos as alternativas de taxa de


ocupação e áreas máximas de construção, em geral a segunda é o
lxxiii

resultado da área passível de ocupação multiplicada pelo gabarito do lote,


ou seja, há apenas uma solução possível para atingirmos o limite: uma
lâmina seguindo os limites da taxa de ocupação. É o caso do Código de
Obras do Rio de Janeiro: o decreto 322 de 3 de março de 1976, definiu em
seu artigo 96 a fórmula para o cálculo da Área Total Edificável (ATE) através
da fórmula:

ATE= N x 0,7 x S

onde N é o coeficiente para a região da obra e S a área do lote. Ocorre que


a taxa de ocupação corresponde, nos casos de aplicação desta fórmula, a
70%, ou seja 0,7 da área do lote, logo a área máxima só será atingida se
tivermos uma construção que atinja esse limite de ocupação em todos os
pavimentos. A solução ótima quanto ao aproveitamento do terreno será
sempre a mesma: um prisma cuja projeção é 0,7 do lote. Mesmo em áreas
onde esta fórmula não é aplicada a sua sistemática se repete em outros
instrumentos com o mesmo efeito.

Qualquer solução que procure padronizar ou coordenar medidas significa


reduzir um pouco a taxa de ocupação, resultando em menor
aproveitamento, uma "sobra" do direito de construção que multiplicada pelo
número de pavimentos pode ser expressiva. Esta sobra implica em custo
adicional nas unidades, pois o valor do terreno será rateado entre elas e
sendo o custo do terreno um fator importante para a definição do valor de
venda, chegando a responder por 40%, soluções que não maximizem seu
aproveitamento estarão em desvantagem. Deste modo, a falta de
variedades possíveis para atingirmos o limite de densidade urbana desejável
leva a dificuldades adicionais para soluções técnicas mais competitivas e
diferenciadas, além de induzir a uma discutível padronização da volumetria
urbana.
lxxiv

Caso a solução construtiva ideal não seja um múltiplo da dimensão do lote,


o que na prática raramente ocorre, haverá uma perda, seja de
aproveitamento do terreno, seja de produtividade na construção, em ambos
os casos sempre repassada aos usuários. A coordenação entre lote e
solução construtiva seria muito mais fácil caso o ATE fosse inferior à
multiplicação da área máxima de ocupação pelo número de pavimentos
admitido, o que eqüivaleria a aumentar a diversidade urbana resultante e,
por extensão, a flexibilidade de produtos e a competitividade na construção.

A questão da oferta de lotes

De todos os aspectos da legislação urbana certamente o de maior impacto


sobre a indústria da construção é o parcelamento do solo, pois trata-se do
insumo básico, sem o qual é impossível realizar qualquer edifício.

Aqui verificamos uma certa sobreposição de atribuições legais, pois a


Constituição em seu artigo 21, XX, declara que compete à União “instituir
diretrizes para o desenvolvimento urbano “, mas deixa a cargo do Município
“a política de desenvolvimento urbano”, e submetendo a propriedade urbana
(art. 182 δ1o ) ao processo urbanístico de planejamento. Em decorrência
dessa dualidade de poderes, existe uma legislação federal ( lei 6.766 e
complementares) de parcelamento do solo que traz diversas exigências
que, a princípio, poderiam ser vistas como atribuição dos Municípios.

O conjunto da legislação, federal e municipal, obriga, no caso do Rio de


Janeiro, a uma enorme lista de exigências qualquer parcelamento de solo,
vinculando-o a realização de obras em prazo não superior a dois anos.
Estas obrigações, embora a princípio sejam válidas, terminam por dificultar a
oferta de novos lotes, tornando este insumo básico da construção uma
“oferta escassa” em relação à demanda, situação agravada pelo custo
lxxv

negativo do estoque, pois, até o momento, as possibilidades de taxação dos


lotes e áreas ociosas em poder privado criadas pela Constituição não foram
utilizadas.

Sendo um “insumo escasso” viabiliza-se uma prática especulatória a partir


dos detentores de seus direitos, resultando uma situação peculiar onde os
maiores rendimentos da construção não vem da obra em si mas, de certo
modo, da venda dos “direitos de construção” a ela vinculados: é na “quota
de terreno” que se realizam os maiores lucros do empreendedor.

As políticas públicas recentes de desenvolvimento urbano e da construção


tem se pautado por um distanciamento deste aspecto. Ao contrário, temos
assistido diversas tentativas e propostas de incentivo ao setor, quase
sempre baseadas na idéia de que falta financiamento para escoar a
produção, quando na realidade é o insumo básico, o lote, que está escasso,
encarecendo e, por conseguinte, tornando insuficiente, o nível de
financiamento existente.

Mesmo que este nível seja, de fato, abaixo do necessário para atender à
carência de habitações, na situação atual qualquer aumento de oferta
financeira na ponta de consumo será, na sua maior parte, absorvido pelos
detentores deste “insumo escasso”, não sendo repassado aos usuários,
nem produzindo o desejado aumento de produção. Ao contrário, um maior
nível de financiamento servirá principalmente para inflacionar o valor da
terra, terminando por ser necessário um novo teto de financiamentos, num
círculo vicioso que assistimos desde os tempos do BNH.

Para incrementar a construção civil será muito mais eficiente atuar sobre a
oferta de lotes, tanto através do incentivo da criação de novos lotes, como
através de mecanismos que elevem os custos do estoque da terra. O
barateamento relativo dessa maior oferta terá um impacto muito forte no
lxxvi

preço de venda, tendo em vista seu peso na composição usual de preços


das unidades, resultando em um crescimento não inflacionário do mercado.
Além disto, ao deslocar o foco da realização de lucros da valorização da
terra para a produção, os impactos sobre a qualidade das obras e dos
serviços de construção será positivo, pois aumentará a concorrência nos
itens do edifício desvinculados da localização.

Hoje em dia, a manutenção destes estoques é altamente lucrativa, pois o


proprietário se beneficia dos investimentos, públicos ou privados, realizados
no entorno. Para dinamizar a construção e, por tabela, o desenvolvimento
urbano, torna-se necessário uma correta articulação entre o custo do
estoque e o custo da produção de lotes. No momento, este último sofre os
efeitos da imputação de valores derivados de um grande número de
investimentos previamente exigidos do empreendedor, da escassez da
oferta ou, ainda, da combinação de ambos fatores.

Neste quadro, o tratamento dispensado ao “produtor de lotes” é muito


diferente ao do “produtor de edifícios”, devendo aquele cumprir exigências
mais fortes. Um exemplo extremo permite compreender a extensão desta
desigualdade: é possível comercializar legalmente um prédio em projeto,
sem revestimentos, sem instalações, sem divisões internas (vide o caso dos
“shoppings”..) sem prazo definido de entrega, porém não é permitido a
realização de loteamentos “simplificados” na mesma medida.

Desenvolvimento da Construção e desenvolvimento urbano

Através dos exemplos apresentados fica clara a vinculação entre o


desenvolvimento da construção e desenvolvimento urbano, dependendo o
primeiro de diversos aspectos legais pertinentes, seja diretamente, seja
pelos efeitos secundários da legislação, destacando-se o impacto a respeito
lxxvii

da produção de lotes, tais como exigências muito severas ou, ainda, pela
falta de regras que impeçam práticas especulativas predatórias, como no
caso do custo negativo para o estoque de lotes.

Uma maior oferta de financiamento na ponta de consumo das edificação


pode ser contraproducente e outras ações, mais simples, podem ter um
reflexo positivo mais forte. Entre estas destacamos o incentivo a oferta de
lotes e a correta interpretação das atribuições constitucionais, deixando o
nível qualitativo das unidades ser disciplinado apenas pelo sistema de
normatização, Código do Consumidor e legislação conexa.

A vinculação do desenvolvimento da construção ao desenvolvimento urbano


não é porém uma relação unívoca: a cidade certamente se beneficiará de
edificações melhores e mais baratas, permitindo padrões de moradia mais
dignos à maioria da população, ainda que menos elitizados. Deste modo, é
preciso inserir a preocupação com as necessidades e a dinâmica desta
indústria no corpo de leis que regem o crescimento das cidades. Não basta
desenhar a cidade, temos que dizer como realizá-la.

Neste aspecto, o governo federal tem aplicado muito pouco o seu poder
para normatizar o desempenho das construções. Até hoje não foi
implementada a coordenação modular dos componentes, projeto de 1978, e
inexistem normas de desempenho ambiental56, que poderiam reduzir muito
a demanda de energia para refrigeração nos grandes centros e estabelecer
novos padrões de eficiência para a obra, na medida que novos materiais
fossem incorporados , de modo semelhante ao que ocorreu no Hemisfério
Norte, com legislação similar.

Longe de caracterizar uma ausência de política, esta falta de ação é uma


política, pois reforça o conservadorismo, evitando as comparações de
desempenho que poderiam levar a uma opção construtiva mais eficiente.
lxxviii

A ruptura econômica do modelo tecnológico:

Vimos que a política tecnológica do Estado brasileiro para a construção foi


resultante das ações de seus diferentes níveis de governo, com um
objetivo inicial explícito, mas posteriormente pouco enunciado claramente,
tendo se mantido refratária à mudanças, apesar das profundas alterações
em nosso quadro sócio-econômico e do fracasso no atendimento de seus
objetivos. Além de não atender a demanda habitacional, verifica-se que as
alternativas adotadas também não foram capazes de manter uma certa
estabilidade na absorção da mão-de-obra.

O conjunto de medidas adotadas, seguindo o modelo de "mission oriented


project ", correspondeu a uma postura autoritária e centralizadora. O choque
com um sistema produtivo difuso e muito dependente de recursos
financeiros externos levou a uma situação de estagnação técnica,
impedindo assim que ganhos de produtividade e progressos qualitativos
importantes ocorressem neste setor, obrigado a permanecer à margem do
processo de modernização que ocorreu na maior parte da economia
brasileira, ainda que com intensidades variadas.

Mas a queda brusca na disponibilidade de financiamento de origem ou


controle estatal, consolidada a partir de 1990, veio romper com o equilíbrio
do sistema, como caracterizamos no capítulo I, ao apresentar o quadro de
reorganização das empresas.

A construção passou a enfrentar custos crescentes, sem possibilidades de


repasses ao consumidor, devido à recessão generalizada e à supressão dos
financiamentos que permitiam os repasses de custos. A diminuição da
produção implicou em dificuldades adicionais para a reprodução da mão-de-
obra, uma vez que ela é tradicionalmente formada nos canteiros57. Deste
lxxix

modo, se não há canteiros não há formação, ocorrendo envelhecimento da


força de trabalho e dificultando uma eventual retomada.

Por outro lado a política de super-exploração de mão-de-obra que vinha


sendo adotada58 pelas empresas também encontra-se visivelmente
esgotada, pois exauriu a sua própria força de trabalho. Perdeu também sua
competitividade face a outros setores, até mesmo para o mercado de
trabalho informal, não oferecendo maiores atrativos para aqueles que estão
ingressando na força de trabalho.

O modelo centralizador, orientado por objetivos políticos, esbarrou na


realidade de um mercado dinâmico e resistente a uma alteração de sua
lógica, mas ainda fraco para implementar uma sistemática de produção
independente do Estado. Quando o financiamento oficial perde muito de
sua importância, e em consequência diminui a força da intervenção do
Estado, o reordenamento do sistema pode se dar de acordo com os
interesses daqueles diretamente envolvidos, e os instrumentos clássicos de
mercado voltam a ter sua plena eficácia. Essa situação é semelhante ao que
ocorreu na França em meados da década de 1970,quando “o fim das
grandes demandas do Estado e a modificação dos processos de
urbanização obrigaram as empresas do setor a modificar radicalmente seu
comportamento” 59 (trad. do autor).

A ruptura deste sistema baseado em um financiamento ao consumo


crescente e subsidiado levou ao impasse o modelo tecnológico a ele
associado, até então imposto ao setor, tornando necessária uma nova
mudança na função do Estado, para a retomada de seu papel de mediador
entre os interesses imediatos das empresas e os da sociedade como um
todo, mas respeitando, ao mesmo tempo, as características peculiares do
setor: difusão técnica e flexibilidade de produção.
lxxx

Neste quadro, o papel da inovação tecnológica será fundamental, como


afirma HASEGAWA 60, ao colocar o desenvolvimento técnico como parte
essencial da estratégia dos construtores japoneses. As justificativas que ele
apresenta são: o aumento da competição, devido aos custos crescentes; a
difusão técnica no tecido social; a defesa dos recursos naturais e a
crescente diversificação e especialização dos edifícios. Todas elas estão
presentes em maior ou menor grau no caso brasileiro, acrescidas das
nossas conhecidas deficiências da mão-de-obra.

A esse respeito é interessante lembrar que o tempo de formação de um


montador de pré-fabricados é de cerca de quinze dias, enquanto um
pedreiro clássico despende 4 anos para atingir um bom nível61. Um
montador é treinado a partir de informações escritas, largamente
codificadas, sendo uma exigência corriqueira que ele tenha um grau de
instrução acima do patamar da alfabetização. Já o pedreiro clássico tem
uma formação empírica e depende de um grande período para desenvolver
suas habilidades e absorver um conhecimento ainda não normatizado.

A indução de um processo de inovação tecnológico consistente e


largamente difundido entre as empresas, acompanhado da necessária
formação e requalificação da mão-de-obra, pode ser uma via para sair
deste impasse.

A inovação tecnológica nas edificações

“Na construção fazemos todo dia


uma coisa nova, mas fazemos
sempre a mesma coisa.”
( Mestre de obra , anônimo)

Identificação e caracterização da inovação nas edificações.


lxxxi

A primeira dificuldade para abordar as inovações, na Construção, é


caraterizar ou identificar o que é um "produto novo" e o que é uma inovação
de processo. Cada produto é formalmente diferenciado e poderia ser
chamado de "novo", porém ele é executado com os mesmos insumos e
materiais, através do mesmo processo, logo é "velho". Mesmo a introdução
de novos insumos, tais como novas esquadrias e revestimentos nem
sempre o caracterizam como "inovador" .Do mesmo modo, há muitas
inovações de processo que não exigem novos equipamentos, limitando-se à
substituição de insumos. Antes de nos estendermos na análise da inovação
nas edificações, é preciso estabelecer os limites de inovação e aí
encontramos pontos de vista diferenciados, conforme a visão do analista.

Para o mercado, "novo" é algo que incorpora de modo perceptível ao


usuário uma qualidade ou uso diferenciado dos modelos preexistentes. Na
área do edifício, particularmente no mercado de incorporação privado, com
frequência isto ocorre pela agregação de serviços ao produto, ainda que
com alguma adaptação espacial e formal dos produtos : é o caso dos
“residence-services”, “apart-hotéis” etc. O produto também pode ser
inovador como resultado da incorporação de novos equipamentos, tais
como controles ambientais e energéticos mais sofisticados nos "edifícios
inteligentes". É quando a inovação é mais evidente, pois incorpora novas
tecnologias ao produto, repercutindo no seu processo de produção,
inclusive pela inserção de novas categorias profissionais nas equipes de
projeto e de execução.

Já a introdução de novos produtos, na forma de insumos para a construção,


não altera o produto final de modo evidente para o usuário, embora possa
repercutir em suas características imbricadas, tais como a manutenção.
Entretanto, se vinculados à novas tecnologias, podem levar à novas formas
lxxxii

de organização e vice-versa, o que seria uma inovação para o construtor e


seus fornecedores.

Conjugados com novas soluções em termos de projeto, os novos insumos,


podem, também, provocar uma alteração significativa nos patamares de
preço, levando a novos padrões de concorrência entre empresas e
resultando numa vantagem perceptível ao usuário. Neste caso, o que seria
apenas uma “inovação de processo” ganha contornos de "inovações de
produto", pois levou a um modelo mais barato, certamente diferenciado dos
anteriores em alguns aspectos.

Seguindo este raciocínio, as inovações de novos insumos podem ser


consideradas "inovações de processo" para a construção. São produtos
para a construção e não produtos da construção . Nos trabalhos de COSTA
62 e de SLAUGHTER 63, todos os casos identificados foram classificados
deste modo. Já os “novos produtos “da construção, que sejam resultado
unicamente da agregação de serviços ou redesenho de produto, não
provocam por si só nenhuma alteração significativa nas estruturas de
produção, não se consubstanciando como uma inovação tecnológica”, nem
provocando, tampouco, inovações organizacionais, embora possam ser
importantes como um instrumento de alavancamento de vendas e, em
decorrência, da produção.

Já os produtos “da construção” tecnologicamente inovadores podem ter


para o leigo um aspecto tradicional, diferenciando-se por seu desempenho
apenas na produção, mesmo que em geral eles também diferenciem-se ao
longo do uso. A diferença de desempenho na produção e, por conseguinte,
no mercado, pode ser um fator de impulso para as mudanças no setor, daí
sua importância. Ao exigirem alterações na produção, eles terminam por
afetar toda a sua estrutura num processo de realimentação contínuo. Um
lxxxiii

bom exemplo dessa situação é a utilização de materiais com maior custo


unitário, mas que levam a melhores desempenhos. Por serem mais caros,
eles devem ter um controle de desperdício mais estrito, obrigando a
procedimentos novos, com reflexo nas formas organizacionais da empresa.

Esta formulação corresponde aos casos indicados por COSTA e NAM em


seus estudos. No trabalho brasileiro, a totalidade dos casos foram de
inovações no processo, enquanto no americano, embora não estejam
diretamente classificadas deste modo, foi possível verificar apenas 2
inovações de produto, entre os 32 casos descritos. Em ambos estudos, a
maioria dos proponentes era vinculada à etapa de projeto, sendo
fundamental a participação dos fornecedores para o desenvolvimento dos
processos.

Estes estudos não se estenderam sobre os reflexos destas inovações na


organização da produção, ainda que COSTA tenha indicado a sua
existência e também a possibilidade de que ocorram casos limitados a este
nível, nos quais há uma reestruturação da produção sem incorporação de
novos insumos ou equipamentos ou, pelo menos, em que estes não eram o
objetivo central da mudança.

Podemos, então, distinguir três níveis de inovação na construção: as que


ocorrem no nível dos produtos da construção; as existentes no processo de
produção, sejam pela introdução de novos equipamentos mas, também,
como resultado de novos insumos ( produtos para a construção) e,
finalmente, as inovações ao nível da organização da estrutura de produção.
Embora, à primeira vista, este último nível possa ser considerado uma
variante do segundo, veremos que, apesar de interrelacionados, ele tem
características próprias que o diferenciam das inovações quanto aos meios
lxxxiv

e insumos da produção e pode prescindir de que eles sejam alterados. O


quadro a seguir resume e exemplifica o exposto.

Níveis de inovação:
• Nos produtos da Construção, por exemplo, um novo tipo
de imóvel, tal como o prédio “inteligente”;
• Nos produtos para a Construção (insumos e
equipamentos), como no caso de um novo tipo de
revestimento ou um novo equipamento de transporte;
• Na organização da produção, por exemplo, um novo
modelo de gerência do trabalho ou do projeto.

Inovação e organização industrial

As inovações tecnológicas ou de produto há muito tempo tem sido parte da


estatégia de expansão ou consolidação das empresas. À medida que essas
estratégias evoluiram, passando de um plano mais imediatista para níveis
de maior alcance social e mercadológico, seus objetivos e as necessidades
que as impulsionaram tem se modificado.

Nos estágios iniciais da produção industrial, onde o preço e a expansão dos


mercados eram a questão primordial da concorrência, os maiores esforços
de pesquisa e desenvolvimento se voltaram para a obtenção de processos
mais eficientes e de produtos “pioneiros”, capazes de abrir e expandir as
fronteiras de consumo. Ao longo do tempo, as formas de produção e de
competição assumiram uma crescente complexidade que repercutiu
claramentes na organizações deste sistema, numa relação simbiótica e, em
decorrência, as inovações tecnológicas passaram a ser a resposta a
objetivos mais amplos.
lxxxv

DOSI64 define inovação como "a procura e a descoberta , experimentação,


desenvolvimento , imitação e adoção de novos produtos, novos processos
de produção e novas formas organizacionais". Esta busca seria pautada
pela incerteza de resultados, pela dependência da Ciência, por uma
crescente coletivização das atividades de pesquisa, por melhoramentos
incrementais e por desenvolver-se de modo cumulativo. Como veremos,
este modelo teórico também pode ser adaptado às inovações nas
edificações.

Nele estão claramente explicitado três níveis de desenvolvimento das


inovações: produtos, processos e organização. A cada um deles
corresponde um alcance ou um efeito diferenciado, mesmo que geralmente
um processo de inovação perpasse mais de um nível. Na verdade,
dificilmente haverá uma inovação importante em um destes níveis que não
seja associada a alterações nos outros, porém, as repercussões de cada um
deles se darão de maneira mais intensa sobre determinados aspectos do
sistema produtivo.

Neste quadro, as inovações no processo de produção visam sobretudo um


maior grau de controle e de intensidade do trabalho. Ainda que as
condições de trabalho e o desgaste físico resultantes sejam mais
adequados ou suportáveis, estas inovações se pautam por uma aceleração
dos ritmos diretos ou indiretos, aumentando o rendimento real dos
trabalhadores. Este aspecto foi apontado, entre outros, por CARVALHO, ao
analisar os resultado da implantação da automatização nas linhas de
montagem no Brasil :

“A adoção da nova tecnologia abriu a oportunidade - aproveitada


pelas empresas - de introduzir certos mecanismos na organização da
produção que aumentaram significativamente o controle técnico
lxxxvi

sobre o conteúdo, o ritmo e a intensidade do trabalho, em detrimento


da capacidade dos trabalhadores de produção de influir sobre o que
acontece na fábrica.” 65 (grifos no original)

No caso, tratava-se de uma intensificação direta e, como de hábito,


viabilizada por melhores condições de trabalho, tanto pelo menor esforço
físico necessário ao desempenho das tarefas, como por melhores condições
ambientais em geral. Este exemplo insere-se perfeitamente na lógica do
modelo “taylorysta” de organização da produção, pois nele há uma “disputa
permanente pelo uso do tempo dos trabalhadores”66, e a inovação visa,
primordialmente, obter um ganho de produtividade direta do trabalho,
mediante uma maior absorção de sua disponibilidade efetiva, em termos de
tempo, nas tarefas.

Entretanto, nem sempre esta intensificação se dá diretamente sobre os


tempos de produção no seu sentido clássico, vinculados às tarefas de
operação propriamente ditas. Ela também pode ocorrer através de uma
diminuição dos “tempos conexos”, ou seja, na redução das paradas para
ajustes, para manutenção ou troca de equipamentos e pessoal ou, ainda, no
tempo de treinamento da mão-de-obra. Um exemplo é apresentado por
TERTRE, na França, ao estudar uma empresa de pré-fabricados de
concreto, onde em decorrência da introdução de processos automatizados
“a intensidade do trabalho se transfere das tarefas consideradas como
diretamente produtivas para as tarefas de regulagem.” 67 (tradução do autor)

Esse crescimento da importância das tarefas de regulagem ou troca de


equipamentos está diretamente vinculado às estratégias de competição
empresarial, através das inovações de produtos. Com efeito, a busca das
vantagens oriundas da introdução de novos produtos, que podemos chamar
de renda monopolística da inovação, tem levado a uma crescente variedade
lxxxvii

na produção e, consequentemente, uma constante renovação de


procedimentos e equipamentos necessários.

As inovações de produto talvez sejam as mais evidentes para os


consumidores, mas até a década de 70 seu papel nas estratégias das
empresas era limitado à abertura de novos mercados, ou renovação de
áreas ameaçadas por um competidor emergente. Elas já se caracterizavam
como uma ação destinada a melhorar a competitividade da empresa:
produtos novos e melhores, passíveis de abrirem novos mercados, de
preferência criando novas demandas, a partir da identificação de
necessidades dos consumidores ainda não atendidas.

Entretanto, o ritmo das inovações de produto acelerou-se rapidamente a


partir de meados da década de 80. Buscando atender a demandas cada vez
mais sofisticadas, as indústrias se obrigaram a uma crescente variabilidade
de produto. A concorrência começa a se dar, então, em termos da
capacidade de gerar novos produtos mais rapidamente que os competidores
e de modo cada vez mais segmentado, conforme os “desejos” sempre
renovados da clientela.

Essa concorrência a nível dos produtos estabeleceu o que VELTZ et


ZARIFIAN68 chamaram de três modos de competição nas organização
industriail contemporânea: pela variedade; pelo tempo e pela inovação. Eles
vieram se juntar à competição de preços e desempenho de produtos que
eram dominantes na fase anterior e, segundo esses autores, atualmente
seriam os modos de competição fundamentais nos setores industriais mais
avançados.

A competição pela variedade, segundo estes autores, “não é característica


do contexto atual, sendo o seu símbolo o modelo de variedade introduzido
pela General Motors nos anos 20, rompendo com a estandardização da
lxxxviii

Ford”. O que diferencia o período mais recente é a sua intensidade,


exigindo cada vez mais da capacidade da empresas de gerar novos
produtos a custos aceitáveis e a intervalos cada vez menores.

Estes períodos cada vez mais diminutos entre a identificação da demanda


do mercado, seja ela evidente ou potencial, e o seu atendimento,
caracterizam a “competição pelo tempo”. Nesse enfoque, todos os esforços
que reduzirem os prazos entre solicitação e atendimento viabilizam uma
maior flexibilidade, melhorando a competitividade.

Para possibilitar esse aprimoramento contínuo, é necessário uma


capacidade constante de inovar, daí o terceiro modo de competição, “pela
inovação”. Ela distingue-se do modo de competição “por variedade” porque,
em tese, é possível diferenciar os produtos sem inová-los tecnologicamente.
Diferencia-se também do modo de competição “pelo tempo” porque
depende, fundamentalmente, da capacidade da empresa para antecipar-se
ao mercado, de sua habilidade em identificar necessidades futuras e
preparar-se para preencher essas demandas, antes que a concorrência as
detecte.

Essa capacidade da empresa não é forçosamente vinculada à seus meios


de produção disponíveis. Ela depende, essencialmente, da maneira como
ela é organizada, de seu poder de mobilização e aplicação eficiente de seus
recursos humanos e técnicos, do bom uso de sua “memória técnica”. Ela
vincula-se, assim, à organização da sua estrutura de produção e
gerenciamento, muitas vezes extrapolando os limites da empresa para
atingir sua plena eficiência.

Juntos, esses dois níveis de competição, pelo tempo e pela inovação,


exigem uma organização flexível, capaz de adaptar-se à demandas de
produção e de produtos variáveis, em prazos sempre menores: é o terceiro
lxxxix

nível da inovação, a organizacional, que vem criar uma nova ordem capaz
de atender a essas condicionantes. Corresponde a uma visão estruturalista ,
onde “a produção de uma inovação é um ato de criação de ordem”69 e,
assim, ela “depende da desordem da estrutura do sistema. Como corolário
dessa assertiva, podemos dizer que os sistemas inovadores são aqueles
que estão em perpétua desordem”70.

Essa “perpétua desordem” nada mais é que uma organização peculiar,


“mutante” ou “flexível”, como é comumente chamada, onde os seus valores
e procedimentos internos são continuamente reavaliados. Para atingi-la, é
preciso alterar a estrutura atual e para manter-se competitivo é preciso
continuar mudando de modo a sustentar uma elevada capacidade de
inovação, ou seja, uma alta competitividade. O modelo organizacional mais
adequado a estas novas formas de concorrência não deveria mais ser
rigidamente “ordenado”, mas guardar em si uma certa entropia, coexistindo
com objetivos comuns a toda estrutura.

Um aspecto interessante dessa abordagem dos níveis de inovação é


constatar que a cada um deles correspondem objetivos específicos, que, por
sua vez, irão modelar determinadas características das empresas
envolvidas, como resumimos na tabela 0-a. Essas associações permitem
que, a partir da identificação de um ponto fraco da empresa, seja possível
direcionar os esforços necessários a melhorar seu desempenho no aspecto
respectivo, evitando-se intervenções excessivamente amplas.
xc

Nível da inovação Objetivos associados principais


Produto Competitividade: prazos e variedade dos
produtos
Processo Produtividade: controle e intensificação do
trabalho
Organizacionais Flexibilidade: capacidade de adaptação a um
mercado “mutante”
Tabela 0-A Níveis e objetivos da inovação

A inovação nas edificações face aos modelos teóricos .

O quadro atual de reorganização no setor das edificações nos indica que os


processos de inovação na construção devem acelerar-se em decorrência de
uma menor intervenção do Estado e das novas condições de concorrência
que começam a se estabelecer. Embora no Brasil esse processo seja
recente ele não deve ser visto como um fenômeno isolado de uma
tendência mais ampla, como TATUM diagnosticou em 1987, ao afirmar que
“a tecnologia avançada e a habilidade para inovar podem ser a principal
área de competição na construção”71, Entretanto, para avaliarmos
corretamente seus impactos é conveniente adaptar a taxinomia das
inovações ao nosso campo de estudo específico, de modo a facilitar a
identificação e caracterização de seus fatores e sua dinâmica .

A construção civil caracteriza-se por realizar produtos únicos tendo


GALLON 72 a qualificado como uma "indústria de protótipos". O conceito de
protótipo traz em si a idéia de um processo aberto a inovações ou, pelo
menos, uma maior flexibilidade para introduzi-las. Paradoxalmente,
verificamos enorme semelhança entre os canteiros de obra no Brasil, quase
todos baseados na mesma organização de mão de obra e bastante
limitados quanto à variabilidade das soluções técnicas adotadas: é evidente,
por exemplo, a predominância do concreto moldado "in loco" e da alvenaria
de tijolos.
xci

Esta limitação de soluções construtivas e de tipologia de produtos a


conjuntos limitados é substancialmente intensa no mercado de incorporação
privadas, onde é fácil de indentificar o que cada empresa define como seu
"padrão de obra" , refletido em um número limitado de opções de materiais
e mesmo de soluções arquitetônicas presentes em seus edifícios. Ele
corresponde a uma estratégia das construtoras para contrapor-se a grande
variação dos seus produtos: é mais fácil dominar um universo restrito de
soluções, incorporando-as então a seus acervos técnicos e procedimentos
administrativos. Daí a restrição a novos procedimentos ou processos, só os
acrescentando de modo paulatino, sempre baseados em uma experiência
anterior. Como veremos no capítulo IV isto é claramente refletido nos
procedimentos gerenciais e afeta, inclusive, as alternativas de projeto.

Encontramos nesta característica dois aspectos dos processos de inovação


apontados por DOSI 73: a prática de melhoramentos incrementais e o caráter
cumulativo na apreensão do conhecimento e formulação das inovações.
Aparentemente são caraterísticas universais da construção: ao analisar 10
casos de inovações na construção americana, NAM 74 conclui que elas
surgem, predominantemente, de tecnologias anteriormente utilizadas pelos
projetistas ou construtores. Do mesmo modo, em estudo desenvolvido no
Rio Grande do Norte, COSTA75 afirma que os novos materiais e
componentes "não apresentam inovações radicais e podem ser
classificados, em sua maioria, como inovações incrementais".

Numa argumentação interessante TERTRE 76 desenvolve a afirmativa de


GALLON e apresenta a construção como uma "indústria da forma", em
contraposição às "indústrias de série" . Ele afirma que nela, por depender de
uma produção variável na forma, os ganhos de produtividade são vinculados
à intensidade do trabalho, daí a ênfase das empresas na questão
xcii

organizacional e não tanto nos processos e produtos, procedimento


caraterístico das indústrias “de serie”, com uma produção com maior escala.

Isto explica o pequeno interesse das construtoras no desenvolvimento de


produtos: os maiores investimentos realizados por estas empresas
costumam ser orientados para novas formas de gerência e controles,
inclusive de qualidade. Um exemplo são as duas empresas que receberam
os prêmios "Construtora do ano" em 1992 e 1993, ambas com uma
estratégia de marketing fortemente centrada na questão da qualidade.

Como resultado, a questão tecnológica, no sentido estrito de produtos e


processos, como apresentado por COSTA, fica subordinada aos
fornecedores de equipamentos e materiais, correspondendo assim ao
modelo de "setor dominado pelos fornecedores" , sugerido por PAVITT77.
Deles que surgem as inovações tecnológicas que serão noticiadas na
construção, hipótese para a qual já havíamos colhido indícios em 198178.
Naquela ocasião, verificamos que as indústrias ligadas aos materiais e
equipamentos para construção vinham sendo objeto de constantes
investimentos estrangeiros, um forte indicativo de sua lucratividade e
competitividade. Atualmente, apesar da falta de estatísticas específicas,
pois o setor não é agregado convenientemente nos sistemas do IBGE e
similares, podemos afirmar com segurança que grande parte dos
fornecedores para a construção é de origem multinacional, com fortes
oligopólios já identificados na área de tintas, gesso e cimento.

PROCHNIK , a partir de evidências qualitativas, também apontou um maior


progresso técnico na área dos materiais do que nos processos de
construção, provocando uma "diminuição do valor agregado nas obras, com
o concomitante aumento de peso dos setores que produzem materiais de
construção."79 O relativo desinteresse das construtoras pelos ganhos
xciii

decorrentes destes aumentos de produtividade seriam explicados por


VARGAS80 e pelo próprio PROCHNIK, entre outros, que indicaram que os
maiores ganhos das construtoras não eram provenientes da construção em
si, mas decorrentes da sobrevalorização dos terrenos. Essa situação,
entretanto, já não corresponderia à tendência atual, como vimos no Capítulo
I.

PROCHNIK também aborda o aspecto de que a escala de produção


alcançada pelas empresas de materiais e produtos para a construção
tornou-se suficiente para que algumas delas sustentem esforços de
pesquisa e desenvolvimento de modo autônomo. Considera ainda que a
competição entre sub-setores concorrentes é tal que incentivou a criação de
associações de produtores para a divulgação de materiais que são poucos
diferenciados entre si. É o caso do cimento, da cal, da cerâmica e das
estruturas metálicas.

Alguns destes materiais e "famílias de produto" são pouco diferenciados,


não possibilitando muita concorrência entre eles, mas, sim, com produtos
alternativos, de outros sub-setores. Deste modo, mesmo que oligopolizados,
eles devem se organizar para enfrentar a concorrência com o produto
sucedâneo ou alternativo. É o caso, por exemplo, das estruturas de aço,
que podem substituir as similares de concreto ou vice e versa, bem como
dos blocos de concreto face à cerâmica, dos aglomerantes à base de cal e
seus sucedâneos à base de cimento etc. . Nessa situação é freqüente a
hegemonia regional de um fabricante mas, ainda assim, ele sofrerá a
competição de outros fabricante do ramo alternativo.

A "dominação" pelos fornecedores não é entretanto uma posição unívoca,


de força: estes fornecedores têm suas estratégias dependentes do setor-
cliente, no caso, as edificações. A hegemonia se expressa por um maior
xciv

dinamismo nas inovações, sendo, também, o resultado da escala de


produção, como PROCHNIK aventou. Ao atender a diversas obras e
construtoras freqüentemente estas empresas atingem um volume que as
incluem no grupo de "indústria de escala" , existindo, porém, situações em
que elas se caraterizam como "fornecedores especializados", de acordo
com a conceituação expressa por PAVITT 81.

Nesta categoria encontramos os fabricantes de máquinas e equipamentos


pesados, de formas, de sistemas de transporte etc. Sua hegemonia deriva
de um conhecimento altamente especializado sobre determinados
processos, continuamente aperfeiçoados pelo atendimento a diferentes
situações, de diversos clientes. Atuam deste modo como irradiadores ou
difusores de tecnologia, dispersando entre sua clientela um conhecimento
oriundo das experiências de terceiros.

É interessante avaliar corretamente a importância do usuário - proprietário


neste processo de inovação. Há uma tendência natural para acreditarmos
que a adoção de uma novidade inicia-se pela aceitação do "proprietário",
aquele que deve efetivamente utilizar a obra. Em seu estudo, NAM 82
realça que "a noção de que a demanda do proprietário sempre precede no
processo de inovação da construção é em grande parte um mito". Embora
o exemplo seja americano, a transposição para o Brasil tem fortes
evidências de continuar válida.

Como vimos, no Brasil há uma forte segmentação da cadeia de produção e,


consequentemente, das obrigações dos fornecedores intermediários frente
ao consumidor final, ainda muito concentradas sobre a ponta de venda. É
recente, ainda, o impacto do Código do Consumidor, que estabelece
claramente a regressão de responsabilidades. Além disso, são poucas as
edificações produzidas "sob encomenda" do cliente, sendo a maior parte
xcv

voltada para um mercado consumidor em geral. A "personalização" é mais


freqüente na área pública e nas grandes corporações, que, inclusive,
costumam encomendar os projetos a especialistas e somente depois licitar
a obra. Deste modo, o "proprietário" no momento da obra confunde-se com
o construtor e suas decisões estarão dependentes tanto da lógica comercial
como das necessidades da produção.

Por isso, fatores ligados aos fornecedores ou seja, "technology-push", em


conjunto com fatores de demanda, ou seja "market-pull", têm um papel
crítico neste processo." DOSI 83 ressalta que diversos estudos de MOWERY
e ROSENBERG, FREEMAN e outros já esclareceram que os fatores
vinculados ao ambiente de operação, tais como demanda e preços
relativos são instrumentos que modelam a velocidade do progresso técnico,
a sua trajetória e os critérios de seleção de tecnologia. Segundo este ponto
de vista, o conceito de demanda do mercado para a inovação só se aplicaria
em situações de progresso incremental.

Isto nos leva a crer que nos casos onde a tecnologia preexistente é capaz
de ser facilmente adaptada a uma nova situação os construtores podem
conduzir este processo mas, quando há introdução de uma nova tecnologia,
são os fornecedores que determinam as definições necessárias, como
resumido na figura 0-a.

Tecnologia preexistente > os construtores podem


adaptada conduzir este processo

Introdução de uma > os fornecedores


nova tecnologia determinam as definições
necessárias. .
Figura 0-A Hegemonias nas inovações
xcvi

Nos dois casos desse gênero relatados por NAM, a iniciativa partiu dos
fornecedores e eles executaram as principais tarefas de desenvolvimento
necessárias. No Brasil temos diversos exemplos em que o fornecedor de um
novo material ou equipamento, ao iniciar sua distribuição, tem a
preocupação de uma extensa assistência técnica, orientando os novos
usuários nos procedimentos necessários ao sucesso de sua utilização. Esse
é um procedimento bastante comum na área de aditivos para concretos e
argamassas e na indústria cerâmica .

Já houve, também, casos em que os fornecedores incentivaram terceiros a


implantarem “empresas de aplicação especializadas”, estabelecendo uma
rede de parceiros que prestam os serviços que os consumidores necessitam
e divulgam a sua tecnologia, ainda que limitando-se à interface de seus
produtos com o restante da obra. O poder de sua estrutura de vendas em
geral é suficiente para sensibilizar esses pequenos investidores e dá
margem a que o fornecedor tenha um efetivo poder de controle sobre os
prestadores de serviços. Exemplos deste procedimento podem ser
apontados na área de forros, de coberturas metálicas, de esquadrias
metálicas e de revestimentos argamassados especiais.

O quadro descrito até aqui aplica-se apenas às inovações tecnológicas no


seu sentido estrito, de produtos ou equipamentos e processos de
fabricação, o que poderíamos chamar de "hardware" da construção.
Quando incluímos as inovações nas técnicas organizacionais, há uma
modificação sensível e são as construtoras que direcionam o processo.

Esta separação não é absoluta pois há uma relação de interdependência


entre a tecnologia e as formas organizacionais: tanto novas organizações
são propícias a novos equipamentos e processos, como para a adoção de
alguns destes é necessário alterar a organização. CALLON84 aprofundou a
xcvii

análise dessa relação, levando-a até o nível dos “dispositivos técnicos”,


componentes constituídos pelos artefatos técnicos e seus programas, onde
identificou uma capacidade de distribuir os papéis dos outros integrantes da
organização. Exemplos dessa interação ocorreram na introdução de pré-
moldados em escala industrial e do CAD - Projeto Assistido por
Computador, onde, para atingir o sucesso, ambos impuseram a
necessidade de novas estruturas gerenciais, com toda uma série de novos
procedimentos.

Esta relação entre algumas tecnologias "centrais" para o tipo de negócio e


a predisposição para favorecer determinados tipos de organização já foi
apontada por WOODWARD 85. A descrição da implantação dos sistemas de
EDI - Troca de dados informatizados, na construção francesa por
MAYÈRE86, é um caso paradigmático desta interação, demonstrando como
essa nova tecnologia joga um papel essencial para modelar uma
organização adequada à objetivos de qualidade total e flexibilidade.

Também CAMPAGNAC associa a introdução do CAD - Projeto Assistido por


Computador “à desestabilização das formas de gestão baseadas na
normatização do tempo e na definição e rotinização de procedimentos” 87
(trad. do autor). Finalmente, o relato da experiência do Synchrotron, por
GUFFOND et LECONTE88, descreve uma situação de profunda interação
entre tecnologia e forma de organização e gerenciamento do projeto. Nos
dois próximos capítulos vamos analisar algumas situações brasileiras que
reforçam essa idéia de vinculação entre tecnologia e forma organizacional.

Produtividade nas edificações

A produtividade e variabilidade na Construção


xcviii

Diversas vezes, ao do longo do Cap. II, tomamos os índices de


produtividade como um indicador do desenvolvimento técnico da
Construção, particularmente como um meio de comparar o desempenho
deste setor em relação a outros. Para isso nos utilizamos do conceito
clássico , adotado pelos sistemas de contas nacionais, onde este índice
refere-se à produtividade do trabalho, representada pelo valor
adicionado/pessoal ocupado89. Como vimos, o desempenho relativamente
inferior da Construção não é uma característica exclusivamente brasileira:
além dos estudos já citados, também CAMPINOS DUBERNET90 indica que
na Europa o setor da construção tem uma média inferior à da indústria,
sendo entre 7 a 8% abaixo, na Alemanha e na Inglaterra; de 15 a 19%
abaixo, na Itália e França.

Se para efeito de comparações intersetoriais esta abordagem genérica é


satisfatória, quando se trata de elaborar análises intrasetoriais há uma
grande dificuldade em adequar os conceitos de produtividade à construção.
Em que pese a enorme variedade de trabalhos sobre a questão da
produtividade (MEIRELLES 91 indicou 29.363 referências indexadas apenas
em um banco de dados internacional e mais 39.043 se a palavra chave
fosse "performance", freqüentemente um sinônimo), quando procuramos
mensurar esta variável na construção as dificuldades são enormes.

A conceituação genérica de produtividade seria, segundo a OECE92:


"quociente de uma produção por um dos fatores de produção". Esta
definição implica em:

a) mensurar a produção ;
b) compara-la a um fator de produção predefinido.

Enquanto na Economia a medida de produção é usualmente transformada


em valor da produção, na Engenharia, modernamente, essa prática não tem
xcix

sido aceita, sendo preferível que ela seja estabelecida em termos físicos,
pois no primeiro caso ela estaria sujeita a uma infinidade de variáveis,
particularmente no Brasil, onde a moeda não pode ser um valor de
referência seguro.

A predefinição dos fatores de produção pressupõe um perfeito


conhecimento do processo de produção e sua relativa estabilidade, ao
menos ao longo do período a ser analisado. Essas condições são comuns
nos processo industriais "de série ou de escala", de acordo com a definição
de PAVITT93, particularmente nos processos de produção "Tayloristas" .
GALLON conclui que nestes processos a produtividade "serve para medir a
eficácia da execução individualizada e submetida às especificações
técnicas. Mas a noção de produtividade, fora do processo “Taylorista”, não
leva em conta a organização do trabalho"94.

Se a produtividade é uma medida estabelecida em relação a um dos fatores


de produção, não obrigatoriamente o trabalho, ela está sujeita a variação
destes fatores e "a medida de sua evolução perde seu sentido se há
alterações importantes no processo de produção, tais como uma mudança
tecnológica ou de composição de mão-de-obra"95. Entre outros fatores
importantes a serem considerados deve-se incluir a "qualidade", termo de
significado às vezes bastante subjetivo : todos sabem o que é mas poucos
conseguem defini-la...

Finalmente, para ter um significado relevante, a medida da produção deve


ser relacionada com o tempo despendido, às condições de trabalho e à
qualificação dos trabalhadores. Com efeito, “um dos inconvenientes de
utilizar a produtividade da mão-de-obra, como se fosse praticamente a
expressão única da produtividade, é o fato de que esse indicador incorpora
c

não apenas as melhorias de eficácia dos trabalhadores como, também,


efeitos de substituição de mão-de-obra por outros insumos”96.

Daí ter surgido o conceito de produtividade multifatorial , “que representa a


mudança no produto por unidade combinada de trabalho, capital e
insumos”97. Desse modo é possível avaliar os efeitos de todos os insumos,
evitando-se uma visão distorcida que apenas um deles poderia fornecer.
Quando adotamos um indicador parcial, por exemplo, do trabalho, é
possível “confundir crescimento da produtividade com substituição de um
fator de produção pelo outro” 98. Já no enfoque multifatorial clássico, o
problema é a tradução de todos os recursos em um medida monetária,
única referencia comum possível, a qual pode ser válida num período de
tempo restrito, mas em séries longas está sujeita a variações de preços que
as distorcem completamente.

Também devemos considerar que até séries históricas de um mesmo índice


podem mascarar condições de produção muito diferentes, pois os processos
executivos podem ter grandes variações. Deste modo, a demanda final de
homem-hora por produto, tão utilizada em comparações do tipo “nos
Estados Unidos são necessários 8 homens hora por m2 de construção e no
Brasil são precisos 48”, esquecem, neste exemplo, que o trabalho embutido
em componentes pré-processados é enorme.

MEIRELLES apresentou uma crítica contundente às abordagens comuns de


produtividade, demonstrando os limites dos modelos de aferição tipo "caixa
preta", onde não se questiona os antecedentes históricos da produção,
enfatizando a concepção marxista de produtividade como "uma relação
entre os valores de uso resultantes de um processo de produção e o
trabalho socialmente necessário à realização deste processo" 99. Na medida
que este trabalho é “social” ele extrapola os limites de um processo de
ci

produção determinado, abrangendo todos os recursos indiretos do trabalho


humano que o possibilitam. Exemplificando, é preciso considerar o plantio
das árvores (e o seu tempo de crescimento) na análise da produtividade da
indústria madereira.

Trata-se porém de um conceito muito genérico, aplicável em visões


estratégicas, mas que repercute pouco no "chão da fábrica" ou nos
canteiros de obras, onde a gerência sempre está às voltas com o objetivo de
aumentar a produção com o menor acréscimo de recursos empregados. Ali
é necessário uma medida destas relações, ainda que limitada, pois para ter
um significado relevante, a medida da produção também deve ser
relacionada com o tempo despendido, às condições de trabalho e à
qualificação da mão-de-obra.

Ocorre que nas edificações a variabilidade destas condições é imensa, fato


agravado pelo domínio ainda restrito por parte da gerência do processo de
produção, onde uma parcela importante ainda está sob controle do
trabalhador. A "gerência científica" de Taylor, fundamento inicial dos
procedimentos administrativos industriais, é baseada na transferência do
conhecimento operário para a gerência, a qual passa a ter então condições
para definir rigidamente todos os procedimentos das tarefas. Esta
transferência só foi possível pela observação de situações repetitivas que
geraram estatísticas e outros dados que permitiram construir um acervo de
conhecimento que viabilizaram estas predefinições rígidas do processo de
trabalho. Entretanto, na construção isto não ocorreu.

Embora a evolução tecnológica da construção tenha sido muito grande


neste século, a apreensão do "saber operário" foi restrita, dificultada ao
extremo pela falta de repetividade de suas operações, característica do fato
de ser "indústria de protótipos". A engenharia da construção desenvolveu-
cii

se, mas as técnicas de execução ainda tem uma grande parcela pendentes
da prática do operário, pois são derivadas de uma formação que é muito
mais uma "habilitação" do que uma "qualificação". O operário da construção
desenvolve "habilidades", tanto assim que freqüentemente são analfabetos
sem que isto os prejudique demasiado no exercício das funções tradicionais.

Esta situação reflete-se claramente na prática do canteiro, onde é comum o


engenheiro chamar o mestre e os encarregados, ou até mesmo os oficiais,
para definir prazos e consumos de materiais. Em geral ele tem mais
confiança neste tipo de conhecimento do que nas bases de dados
disponíveis , que refletem as médias históricas de desempenho e devem
ser adaptadas a cada nova situação, sendo usadas como uma referência,
mas a avaliação final do novo serviço é quase sempre feita com a
participação dos mestres e encarregados, ou seja seus operários mais
especializados.

As dificuldades de estabelecer previamente os tempos de trabalho e a


variabilidade das condições de contratação levaram as empresas a adaptar
sua gerência às diferentes solicitações. Deste modo "conforme o caso, para
realizar a mesma tarefa, é possível alocar uma grande carga horária a
trabalhadores de baixa qualificação, ou um volume de horas menor a um
pessoal mais qualificado. A combinação será definida em função da
rentabilidade que ela supostamente deve produzir e a disponibilidade de
determinadas qualificações." 100

A conjugação da grande variação dos fatores de produção com as


dificuldades de apropriação do saber operário pela gerência conduz a um
quadro onde "não é possível identificar as produções similares, nem fatores
ciii

de produção comparáveis, nem tampouco isolar a contribuição específica de


cada aspecto nos ganhos de produtividade" 101.

Estas características da construção impediram de a ela serem adaptadas,


com sucesso, técnicas gerenciais e de produção oriundas de outras áreas,
particularmente no caso brasileiro, onde, como vimos anteriormente, a
atuação do Estado foi tecnologicamente retrógrada. O caminho da
industrialização pesada da construção, largamente baseada na pré-
fabricação em concreto, resultou em uma adaptação ruim de seus produtos
às exigências do mercado, devido em grande parte, à variabilidade que se
exige de seus produtos, tendo se restringido a alguns nichos do mercado,
mesmo no exterior.

TERTRE relaciona esse fracasso da pré-fabricação pesada na França a


uma demanda de capital excessiva para a grande maioria das pequenas e
médias construtoras, exatamente a parcela mais dinâmica do mercado, à
falta de redistribuição dos ganhos de produtividade decorrentes pelos
grandes grupos e a intervenção desastrada do Estado, que definiu
incentivos ao uso dessa tecnologia, mas não ofereceu os recursos
financeiros na medida que ela exigia102.

No Brasil, a opção pela pré-fabricação pesada, além de inadequado devido


à sua demanda excessiva por capital, como bem ressaltou MASCARÓ103, as
empresas que insistiram nesta via pagaram um preço alto, como no caso da
Engefusa, chegando às vezes a falência, como no caso da ESUSA, ambas
empresas pioneiras da industrialização da construção no Estado do Rio de
Janeiro.

Face a esta situação e considerando a lógica capitalista de nosso sistema,


como poderiam as empresas buscar maiores ganhos? VARGAS104 apontou
a adoção pelas empresas de uma política de "depredação da força de
civ

trabalho", que se traduzia em salários insuficientes para a subsistência,


jornadas de trabalho excessivas e condições laborais precárias.

Na verdade, essa não foi uma política exclusiva deste setor: CARVALHO
ressalta que nos anos 70 se impôs, no Brasil, “um certo padrão de uso e
controle da força de trabalho”, viabilizado pelas condições econômicas e
políticas então existentes, cuja “característica mais importante consistiu na
exploração predatória da força de trabalho”105. O que diferencia a
Construção foi a intensidade deste processo que nela chegou ao extremo
de prejudicar a dinâmica de renovação da mão-de-obra, afugentando os
trabalhadores do setor e desqualificando o conjunto.

Este caminho porém esgotou-se, seja porque a depredação teria restringido


demasiado a mão-de-obra qualificada , seja porque ao estabelecer
patamares de remuneração e de condições de trabalho tão ruins, a
construção foi preterida pelos operários e pelos possíveis pretendentes a
uma vaga, em favor de outros setores, mesmo na economia informal: são
comuns as afirmativas do tipo "é melhor ser camelô que operário da
construção".

Embora por motivos um pouco diferentes, também na Europa a construção


tem perdido a competição com outros setores, seja na produtividade, seja
na atração dos que ingressam no mercado de trabalho 106, o que, segundo
BOBROFF107 tem levado as empresas a um "novo modelo de
organização", onde a racionalidade do sistema substitui a racionalização de
cada nível da cadeia de produção. Neste novo sistema, segundo DAHAN,
"não se fala mais de produtividade na empresa, mas de sua eficácia, da
performance da organização ao ajustar o trabalho disponível a instabilidade
da produção"108.
cv

Deslocar a questão da eficiência do nível do trabalho do operário para o


nível da empresa como um todo não significa abandonar a busca por uma
maior produtividade. Na verdade, é uma troca da intensificação direta do
trabalho por novos modelos organizacionais que levam a este objetivo por
meios indiretos, talvez de modo menos agressivo, atingindo, em paralelo,
uma maior flexibilização da estrutura de produção.

Porém, em termos do significado da produtividade e das práticas gerenciais


essa alteração é fundamental: ao invés de enfocar o “posto de trabalho”, ou
a “operação” , a busca pelo melhor desempenho, inclusive do fator trabalho,
deve se pautar pela eficiência da organização, restringindo radicalmente os
conceitos clássicos “Tayloristas”, baseados nas operações concretas de
trabalho.

Num contexto largamente dependente do trabalho humano direto, é natural


que a medida de sua eficiência fosse baseada na sua economia, sendo que
este sistema pode ser rapidamente adaptado ao desenvolvimento da
mecanização intensiva., também baseada em operações simples.
Simplesmente a hora-máquina passou a ter preempção sobre o homem-
hora nos estudos de otimização. Em ambos os casos, a eficiência na
aplicação dos recursos é expressa pela “economia do tempo”.

ZARIFIAN destaca que no contexto taylorysta é a produtividade local das


operações que norteia as tarefas de produção, na medida em que as
operações mecânicas ainda dependem largamente da intervenção humana.
Porém, ele destaca que:

“Essa produtividade repousa claramente sobre uma economia do


tempo. Mas esta não se resume à cronometrarem pura: ela é uma
definição, às vezes complexa, de todos os parâmetros que intervêm
na execução do processo de trabalho e de sua combinação, sendo a
cvi

sua forma ótima a combinação que define “como fazer o trabalho o


mais rápido possível”... “109

Em decorrência, a abordagem Taylorista está umbilicalmente ligada ao


conceito de posto de trabalho, a unidade organizacional básica. A
produtividade seria a resultante da soma de suas medidas individuais, em
cada posto de trabalho. Assim, ela não considera adequadamente os
tempos de coordenação, os ajustes e outras atividades indiretas, mas
fundamentais para a produção.

Na construção, particularmente, o tempo dedicado a essas tarefas é muito


elevado, em decorrência da variabilidade das condições de produção e dos
produtos. HEINECK110, ao consolidar da bibliografia a respeito, indica que a
classificação do tempo gasto nas obras em tempos produtivos, auxiliares e
improdutivos se dá na proporção de 33% para cada.

Essas distribuição segue o critério de que tempo produtivo é aquele


empregado em tarefa que incorpora valor à edificação, seja diretamente,
seja através de materiais ou componentes; tempos auxiliares “são os
necessários para que existam os primeiros” mas que não ficam incorporados
ao edifício, tais como preparação de canteiros, formas etc. Finalmente, os
tempos improdutivos nada acrescentam ao prédio, nem são rigorosamente
necessários para a produção, com exceção dos tempos de descanso
metabólico dos operários.

A elevada proporção dos tempos auxiliares liga-se diretamente às


condicionantes de produção muito variáveis, já os tempos improdutivos
indicam um grande potencial interno para obter ganhos de produtividade,
mas em contrapartida, são a expressão de que a sistemática de controle
atual é inadequada para atingir um grau de eficiência comparável a outros
setores industriais.
cvii

Produtividade da construção e produtividade da obra

Outro fator a considerar é que a produtividade da construção não deve ser


confundida com a produtividade da obra. Com efeito, não existe obra sem
escritório, ordens de compras, contratações, enfim todo um conjunto de
atividades de cunho administrativo ou de planejamento que são essenciais e
que estão mais na esfera dos serviços que na produção industrial. Nos
orçamentos de obra esses custos indiretos são estimados a partir de médias
percentuais sobre o faturamento e chegam a atingir 30% do valor da
obra111, sendo usuais valores de 20%, ou seja, considerando-se que o
custo da mão-de-obra do canteiro é cerca de 1/3 do custo da obra estes
serviços podem ter um peso na formação do preço da obra próximo ao dos
“tempos produtivos” reais! LIMMER112 detalha um exemplo onde os “custos
indiretos empresariais”, correspondentes aos serviços da administração
central e que excluem o lucro, imposto de renda e contribuição social, é de
18,6%, incidindo sobre o custo total (custos diretos mais indiretos) do
empreendimento.

Desse modo uma parcela significativa da produtividade na construção está


mais próxima dos conceitos aplicados à área de serviços que dos usuais na
produção industrial. Neles, a medida física da produção não representa
integralmente a dimensão e natureza do trabalho: é difícil avaliar a produção
de um Departamento de Compras pelo número de licitações, ou mesmo
pelo peso dos materiais ou outra medida do gênero. Além disso, deve ser
considerado o resultado qualitativo destes serviços, que, no exemplo
apresentado, poderia ser avaliado pelo prazo decorrido entre a solicitação e
o atendimento de um pedido, ou se a média de preços pagos situa-se
abaixo ou acima da média real do mercado.

A eficiência geral da empresa de construção depende, assim, dessas


atividades acessórias, mas fundamentais, e talvez ali resida uma parcela
cviii

significativa dos componentes de seu desempenho geral. Mas a lógica


destes “setores de serviço” distingue-se do restante da empresa, com
características próprias bem definidas.

Em primeiro lugar, seus produtos são intangíveis: ordens de compra,


atendimento ao público externo, administração e apoios diversos ao público
interno, largamente baseados no processamento de informações. Nessa
área não existem estoques físicos dos produtos, por isso a variável chave é
o tempo de resposta às solicitações. Há um forte contato com o público
externo, tais como fornecedores de materiais, compradores dos imóveis, e
“vendedores” de lotes ou projetos, investidores, com ênfase nos primeiros, e
a maior parte dos serviços que presta a estes “clientes” ocorre após o
atendimento, ou seja há um trabalho de retaguarda importante.

A importância desta área explicaria em parte o movimento de bipolarização


do mercado nos países mais desenvolvidos, onde cada vez mais ocorre
uma concentração de empresas nos extremos dos segmentos do setor: um
número diminuto de grandes empresas responsável por uma grande fatia do
mercado e um grande número de pequenas empresas, responsável por
outra grande fatia desse mercado, com poucas empresas nos estratos de
porte médio113.

Embora no Brasil este movimento não esteja ainda claramente definido, o


crescimento recente das pequenas empresas é notável, bem como a perda
de mercado das empresas médias, conforme vimos no Cap. I. Nele também
associamos ao crescimento das grandes empresas à disponibilidade de
financiamentos, pois elas teriam um melhor acesso a esses capitais. Se a
oferta financeira crescer, parecem fortes as possibilidades desse fenômeno
de bipolarização se reproduzir em nosso país.
cix

Essa hipótese é reforçada com o estudo de ESPINAL114 quanto à


produtividade das empresas na indústria de transformação brasileira,
considerando-se os indicadores de produtividade multifatoriais, onde ela
afirma que “é no quartil superior (considerando-se o porte das empresas)
que aparece o maior número de setores com crescimento positivo da PTF”
(Produtividade Total de Fatores-Não-Capital).”

A hipótese de que haveria uma economia de escala vinculada ao porte da


empresa pode ser contestada a partir do fato que ela levaria, a longo prazo,
à existência de uma única empresa em qualquer mercado, Entretanto esses
processos de ganhos de escala tem limites, ainda que variáveis conforme
cada setor. TERTRE , a partir de um arrazoado teórico de Y.MORVAN,
afirma que existiria uma “dimensão mínima ótima”,115 onde as possibilidades
de redução de custos seriam as maiores mas que, a partir desse limite
crítico, seria possível admitir a existência de um patamar, onde a questão do
porte não implicaria em reduções de custo e que, em certos casos, além
deste patamar, poderiam ocorrer deseconomias de escala, ou seja, os
instrumentos de controle e coordenação seriam excessivamente caros,
eliminando os benefícios decorrentes do maior volume.

Porém a questão das economias de escala na Construção tem


particularidades e pertinência diferentes da indústria de série. Desde seu
enunciado por Adam Smith, a discussão sobre os custos médios tem se
pautado por vinculá-la claramente ao volume de produtos realizados, que
possibilitam maior especialização e levam a um efeito de aprendizado. Este
tipo clássico é a “economia de escala produto-específica”116 .

Embora tenha sido a inspiração para as tentativas de industrialização da


Construção no pós-guerra europeu, levando ao conceito de pré-fabricação
pesada, este caminho de ganhos de produtividade não teve sucesso neste
cx

setor e hoje em dia este tipo de economia de escala raramente ocorre na


Construção, onde os produtos são extremamente individualizados.

A exceção são os edifícios altos, onde a repetição de pavimentos-tipo


provoca um efeito aprendizado nas equipes, melhorando o desempenhos
das equipes à medida em que a obra “sobe”. Mas, neste caso, ela seria
mais próxima do conceito de “economia de escala dinâmica” 117 onde o
aprendizado e a evolução do conhecimento dos processos por parte dos
trabalhadores integra a curva da experiência, com melhor aproveitamento
dos tempos e outros recursos da empresa.

Do mesmo modo, as “economias de escala específicas à planta”118,


derivadas da otimização do uso dos equipamentos, não tem uma
significação importante nos canteiros, em parte devido à mecanização ainda
incipiente, mesmo dos transportes na construção, no caso brasileiro. Nos
países mais desenvolvidos este item já foi quase completamente
mecanizado e se encaminha para a automatização. Outro fator é a política
de minimização dos investimentos fixos, adotada pelas empresas, que
cxi

preferem alugar os equipamentos, ao invés de comprá-los. Nesse caso, as


economias de escala resultantes são igualmente divididas entre todos os
locatários, eliminando os possíveis ganhos comparativos.

Outro gênero de economia é a “multiplanta”119, onde se busca otimizar a


distribuição geográfica das usinas , o que guarda alguma semelhança com a
multiplicação dos canteiros de obra. Mas, à semelhança da locação de
equipamentos na Construção, esse fator de possíveis ganhos diferenciais é
anulado pela sua universalidade no contexto competitivo.

Finalmente, podem ser identificadas as “economias de escopo”120 ou “ de


variedade”121, ligadas à produção de vários produtos em uma mesma planta
ou organização, resultando na otimização do uso dos recursos. Face à
ausência dos investimentos fixos, essa estratégia nas obras também é rara,
podendo ser identificada apenas em algumas empresas que começam a
utilizar uma central de insumos e componentes, atendendo a várias obras,
onde são produzidos conjuntos hidráulicos, partes de esquadrias e
coberturas e outros componentes cujo porte permita um transporte
razoavelmente fácil. Além disso, a economia de escopo tem um papel
importante nas atividades de apoio, nos escritórios e administração central.

A idéia de economia de variedade vincula-se também ao conceito de


flexibilidade, pois ela representa a capacidade da empresa em manter um
leque de ofertas diferenciado, em diversos mercados. A sua teoria geral122,
foi baseada sobre empresas de serviços de “capital reversível”, onde é
possível passar de um produto ou de um mercado a outro sem custos
cxii

irrecuperáveis, situação semelhante à encontrada na área das edificações,


onde o único custo fixo importante é o investimento no terreno. Mas, como
os lotes costumam ter uma valorização constante, este fator acaba tendo
“custo negativo”.

Essa descrição das possíveis economias de escala internas à firma mostra


que há poucas vantagens relativas das grandes empresas vinculadas ao
canteiro, à produção em si. Mas se existe uma tendência à bipolarização,
ela deve se relacionar a algum tipo de economia derivada do porte que, a
nosso ver, é decorrente, em grande parte, das “atividades de apoio”. Além
de propiciar um rendimento mais elevado do trabalho nestas atividades, a
concentração também amplia o potencial de captação de serviços pelas
grandes empresas, pois aumenta a sua “exposição” aos consumidores.
Este aspecto termina por aumentar ainda mais a eficiência desses setores.

Finalmente TERTRE inclui na sua taxonomia das economias de escala a


“economia de substituição” , derivada da troca de insumos e processos que
levem à melhor produtividade. Na verdade, ela representa a capacidade
das empresas de inovarem e se adaptarem a novas condições. Ao
tratarmos da questão das inovações, no capítulo anterior, vimos que essa
habilidade situa-se principalmente nos extremos dos estratos de porte das
empresas: de um lado, grandes conglomerados com capacidade financeira
para pesquisa e desenvolvimento; de outro, pequenas empresas atuando
em “nichos especializados”. Este quadro articula-se perfeitamente com a
hipótese de bipolarização exposta anteriormente.

Perdas, desperdícios e falhas na construção

A discussão da produtividade não pode deixar de abordar a questão das


perdas, desperdícios e falhas ao longo do processo produtivo. Estamos
cxiii

habituados a considerá-las vinculadas principalmente à materiais e


particularidades do processo produtivo, mas diversos trabalhos apresentam
a forte correlação dos sistemas organizacionais e de gerenciamento com os
níveis de perdas de trabalho e de materiais.

Se há trabalho mal aproveitado ou retrabalho, significa que a produtividade


poderia ser mais elevada e os indícios apontam que a construção brasileira
tem um enorme potencial de ganhos "no seu quintal" , resultado da
ineficiência destes sistemas. Como afirma JURAN: "o desperdício crônico é
uma oportunidade de melhoramento" 123.

A primeira demonstração desta ineficiência é o alto volume de entulho


gerado nas obras tradicionais, que, segundo PINTO124, atinge pouco mais
de 18% do peso total de material empregado e corresponde a 10% do custo
total da obra. Neste total estão incluídas as perdas diretas, ou seja o custo
dos materiais perdidos, e as perdas indiretas ou ocultas, relativas aos
custos dos materiais mal empregados, tal como em espessuras
exageradas. Também estão incluídas, sem distinção, as perdas de
processamento, aquelas já esperadas em decorrência da escolha de
determinado material ou procedimento e as perdas "inesperadas", resultado
de erros ao longo do processo, possivelmente evitáveis.

FRANCHI 125 e outros pesquisadores do NORIE -UFRGS desenvolveram


uma análise bastante detalhada desta questão, classificando as perdas
segundo sua origem nas diferentes atividades da construção e concluindo
que "a maior incidência de perdas é definida pelos procedimentos
específicos de administração do material ou das atividades que envolvem o
uso do mesmo"126. Neste trabalho os pesquisadores adotaram o conceito
de WYATT de perdas inevitáveis, cuja origem deve-se a fatores que fogem
ao controle do construtor ou onde o custo de correção é superior ao da
cxiv

perda, e as evitáveis, que corresponderiam efetivamente ao desperdício e


concluíram ainda que "uma elevada parcela das perdas existentes são
evitáveis" 127.

Nesses trabalhos não há uma clara distinção entre perdas e falhas, sendo
que nos levantamentos os resultados se confundem e, para o cálculo de
perdas totais, essa diferenciação é realmente sem pertinência. Entretanto, a
“falha” não faz parte do processo de produção, mesmo que nenhum
processo seja imune à sua ocorrência. Elas são eventos em que um produto
ou serviço não atendeu às solicitações e, mesmo que seja possível
estabelecer uma freqüência estatística, elas são de natureza imprevisível.
Porém, podemos constatar que toda “falha”, seja de serviço ou de produto,
implica em uma “perda” de trabalho e/ou material, embora nem toda perda
seja realmente uma falha.

Se considerarmos que a construção é uma obra intencional, planejada, as


perdas realmente inevitáveis serão necessariamente muito poucas, pois
mesmo a influência das intempéries podem ser, na sua maior parte,
controladas, o problema é o custo da proteção. Mesmo as deficiências de
projeto, em geral falhas no seu sentido exato, poderiam teoricamente
sempre serem corrigidas, através de um melhor planejamento ou controle.
Logo não se trata de uma "divisão natural", mas sim de uma classificação a
partir de uma relação custo - benefício, como WYATT128 ponderou, sujeita
também a regulamentos e diversos instrumentos legais que muitas vezes
se sobrepõe a uma análise financeira imediata. A análise custo-benefício
deve incorporar a avaliação ambiental e social, daí a freqüente necessidade
de intermediação do Estado.

Deste modo, julgamos mais conveniente seguir o conceito único de perda,


sempre vinculado à intencionalidade e racionalidade do sistema: se elas são
cxv

elevadas no momento é por que os custos para sua eliminação eram


superiores aos custos financeiros e sociais indiretos da sua manutenção. É
a partir do momento em que estes custos, principalmente os sociais,
aumentam e atingem patamares incompatíveis com o mercado e com as
exigências da força de trabalho que as perdas tornam-se um problema:
antes elas eram uma solução, pois faziam parte intrínseca do processo de
produção que, bem ou mal, atendia à demanda...

Quanto à origem das perdas julgamos mais adequado caracterizar aquelas


passíveis de identificação e correção antes da execução e as que, por
serem estreitamente dependentes do processo de execução em si, só serão
verificadas durante a produção. As primeiras são "falhas de projeto", as
segundas "falhas de execução". Em um outro nível, podemos ainda
distinguir também falhas ocorridas no projeto ou na execução, mas que são
o resultado de uma erro de informação ou de decisão gerencial: na verdade
são "falhas de gerenciamento".

É importante notar que esta classificação não leva em conta o momento ou


a atividade onde ocorreu a falha, mas sua origem. Assim, falhas na
recepção de materiais, compras, ou na própria execução podem ser
consideradas como "falha de projeto", mesmo que tenham ocorrido durante
o período de execução, desde que tenham sido causadas por erros ou
omissões de projeto.

Apesar destas três categorias abrangerem todas as possibilidades de falhas


na construção, atribuir as responsabilidades dos problemas surgidos nas
obras não é, porém, uma tarefa fácil, pois supõe identificar e caracterizar a
origem real do problema, não se limitando aos sintomas. Se ele é evidente,
tal como uma conexão mal ajustada ou mesmo um cômodo mal
dimensionado para finalidade a que se destina, isto não é difícil. Mas como
cxvi

caracterizar um detalhe de execução complicada, que exige do operário um


esforço físico excessivo ou um número demasiado de horas para conseguir
realizá-lo? Cabe então distinguir as “perdas ou falhas evidentes” das “perdas
ou falhas ocultas”.

Em uma construtora tivemos a oportunidade de assistir a um exemplo


esclarecedor: operários que participavam de uma reunião com a gerência
para avaliar uma premiação de produtividade queixaram-se que
determinado detalhe de revestimento era de execução problemática,
obrigando-os a ficar em uma posição incômoda por muito tempo. Afora o
desgaste físico resultante, estavam insatisfeitos por que no sistema adotado
pela empresa isto os prejudicava financeiramente, por diminuir os índices de
produção e, consequentemente, a premiação. Era uma solução que
diminuía os resultados, provavelmente sem uma contrapartida proporcional,
mas que só foi identificada a partir do momento em que os operários
sentiram-se lesados.

Outro exemplo é a quebra de tijolos: este componente pode ser considerado


como o módulo básico da construção tradicional, pois é o seu menor
elemento. Adotar medidas sem preocupar-se com seu dimensionamento
implica forçosamente em quebras que poderiam ser evitadas, assim sendo,
até que ponto o desperdício de material decorrente dos cortes é uma
inevitabilidade do processo ou uma deficiência de projeto? Também os
atrasos no fornecimento de detalhes que implicam em perdas de horas de
trabalho, ou os erros que exigem retrabalho de serviços já terminados, são
deficiências de projeto, mas, dificilmente, são detectados pelos sistemas de
apropriação de custos em uso. No exemplo citado, uma das reivindicações
apresentadas pelos operários era que estes fatores fossem excluídos dos
cálculos da premiação, o que exigia toda uma sistemática diferente para a
contabilidade interna da obra...
cxvii

A importância das falhas ocultas é tamanha que levou a inclusão no Código


de Defesa do Consumidor129 do artigo 26, voltado à questão dos vícios
ocultos, cuja prazo decadencial ou de prescrição do direito a reclamações
inicia-se apenas a partir do momento em que ele se evidencia, ampliando
consideravelmente as obrigações de garantia dos construtores.

Finalmente, há os problemas na etapa de uso mas que são derivados do


projeto: especificações de serviços e de materiais deficientes ou
inadequados podem aumentar os custos de manutenção e o volume de
equipes de correção. Soluções arquitetônicas que não atendem às
necessidades dos usuários podem exigir reformas precoces ou
compensações dispendiosas. Em uma série de levantamentos que
realizamos,130 de 3 a 5% do custo das obras eram gastos no
acompanhamento pós-entrega da obra e obtivemos relatos de outras
construtoras onde este valor seria muito mais elevado.

HAMMARLUND131, em pesquisa realizada na Suécia, atribui ao projeto 51%


dos custos das "falhas externas de qualidade", em oposição às falhas
internas, aquelas que ocorrem antes da entrega. Nestas, o projeto teria uma
participação de 20%, enquanto o gerenciamento seria o maior responsável,
com 34%. Já CAVALERA132 aponta o projeto como responsável por 34 a
51% dos problemas da construção, variando conforme o país, todos eles
europeus.

A conjugação das diferentes classes de problemas de perdas permite


montar uma taxonomia das perdas na Construção, resumida na tabela 0-a .
Por ela podemos verificar que as únicas perdas realmente “inevitáveis” ou
justificáveis são as de execução, decorrentes de métodos e processos.
cxviii

Classe da perda Tipologia Características


Gênero Evitáveis O custo de correção é inferior ao
custo da perda
Inevitáveis Custo de correção superior às perdas,
Origem fora de controle.
Origem Projeto Decorrente de erro de concepção ou
de formulação de condicionantes
Execução Decorrentes de falha (de procedimento,
falha técnica de material ou
equipamento) ou decorrentes de
métodos e processos.
Gerenciamento Vinculada a processamento deficiente
da informação e descoordenação.
Natureza Ocultas Detecção só é possível após um
sinistro ou através de modificações de
controle
Evidentes Detecção fácil pelos sistemas de
controle existentes.
Condição Internas Ocorrem antes da entrega da obra ao
cliente.
Externas Ocorrem após a entrega da obra ao
cliente.
Tabela 0-A Taxonomia das perdas na construção.

Por outro lado, ao analisar os problemas encontrados na elaboração dos


projetos, no Brasil, FRUET concluiu que "o problema central reside na falta
de integração entre projetistas e processo construtivo" 133. Esta integração
pode ser caracterizada como uma "falha de gerenciamento", pois é a
gerência quem deve estabelecer os parâmetros e condicionantes desejáveis
para os projetistas e exercer uma adequada coordenação. Entretanto,
devido ao fracionamento da cadeia de produção, o gerenciamento também
ocorre de modo parcelado, com objetivos conflitantes.

No quadro atual, cada etapa não tem como contratante o seu usuário
verdadeiro, aquele que vai depender de sua qualidade para realizar sua
parte. O “cliente” da etapa é um participante com pouca influência na
formulação deste contrato. Deste modo, o arquiteto faz os primeiros estudos
cxix

para o incorporador, que os repassa ao construtor, que contrata outros


projetistas que devem fornecer os projetos para os subempreiteiros.

Esta descontinuidade de objetivos ou descompromisso com a qualidade


permanece ao longo da obra, onde o carpinteiro deixa a forma torta e o
pedreiro tem que "descontar na massa", num círculo infindável de
irresponsabilidade. Para compreendermos esta aparente desordem é
conveniente traçar um quadro da situação atual do gerenciamento nas
edificações.

Controle e gerenciamento da produção nas edificações

O controle e gerenciamento da produção é o lado visível da questão da


produtividade nas edificações. Através do acompanhamento dos índices de
produção, da análise do quadro técnico disponível e dos métodos de
controle empregados, podemos avaliar o grau de desenvolvimento técnico
da gerência da produção e do projeto nas edificações.

Em nossa pesquisa sobre "Métodos de Controle de Produção nas


Edificações"134, verificamos que a construção dispõe de uma base técnica
diminuta, expressa pela pequena participação de pessoal de nível superior
e administrativo, em torno de 3% do contingente, em oposição a uma
grande quantidade de serventes ( pessoal não -qualificado), em torno de
45% do total de funcionários ou 52% dos operários.

Esta situação é agravada pela rotatividade da mão-de-obra (apenas 30%


dos funcionários têm mais de três anos de casa), o que dificulta a paulatina
transferência da habilidade operária, na forma de conhecimento, aos níveis
hierárquicos superiores. Esta rotatividade é inversamente proporcional à
qualificação, com as empresas resguardando os funcionários de nível mais
elevado.
cxx

Há uma pronunciada concentração de tarefas sobre o engenheiro de obra,


talvez devido a esta restrição da base técnica. Verdadeiro super-homem, ele
deve planejar, distribuir tarefas, calcular insumos, conferir desenhos,
resolver problemas de mão-de-obra e outros serviços, freqüentemente com
pouco apoio administrativo. Os setores de planejamento que encontramos
pouco colaboravam com os engenheiros no planejamento real dos serviços,
dedicando-se, na verdade, ao controle de custos e a fiscalizar o serviço do
engenheiro.

A base do controle da produção nas empresas pesquisadas, seja nas


entrevistas, seja nos questionários é a apropriação de custos, em geral por
tipo de serviço. Sua fundamentação é a divisão ou parcelização do trabalho,
de acordo com os preceitos “taylorystas” e sua unidade de conta é uma
“operação”, por exemplo: revestir 1m2 de parede, montar uma aduela,
concretar 1m3 de pilar.

Este sistema pretende indicar valores de consumo de materiais e gasto de


mão-de-obra para a realização de determinado serviço, através de uma
média histórica. Ou seja, é apropriado o consumo de determinado item, tal
como execução de alvenaria de 1/2 vez, em diversas obras e depois,
através da divisão do consumido pelo produzido, obtêm-se uma
"composição de custo unitário" que indica, por exemplo, quantos homens-
hora de determinada qualificação, quantos tijolos, quantos kg. de cimento
etc. são necessários para construir uma unidade de medição de produto, por
exemplo, um m2 de parede.

Entretanto, se aparentemente é fácil mensurar a quantidade de materiais


consumidos, é difícil exercer um controle rígido sobre a mão-de-obra no
canteiro, seja em tempo, seja em ritmo e na qualidade de serviço, pois o
espaço de trabalho é disperso e não existem controles qualitativos
cxxi

regulares. Mesmo o controle dos materiais, segundo cada serviço, pode ser
difícil se há tarefas sendo executadas em diversos locais: como garantir que
a distribuição de argamassa se deu de forma homogênea, por exemplo?

Além disso, os índices de consumo de materiais embutem as perdas


naturais de processamento e os "desperdícios históricos". Como estas
composições são elaboradas a partir do consumo mensurado nas obras e
não em situações ideais, elas refletem a falta de controle existente e seus
elevados desperdícios, os quais tenderão a se repetir sem serem
detectados.

Na verdade, estas composições, de uso unânime entre as construtoras, não


refletem a variabilidade dos produtos e dos fatores de produção mas
"pasteurizam" as diferenças e indicam uma média que só se reproduz..."na
média"! Em nossa pesquisa encontramos variações de 300% num mesmo
item, na mesma construtora. Mesmo quando restringimos a aferição a uma
mesma equipe, na mesma obra, a simples mudança tipológica do serviço,
por exemplo uma parede com maior número de arestas, as diferenças
atingiram 75%. Do mesmo modo, PINTO135 verificou que as diferenças entre
os valores projetados e consumos realizados para alguns itens variavam de
-39% a mais 200% em exemplos de revestimentos.

Entre construtoras também há grandes diferenças, a começar pela maneira


de parcelar a obra: nos casos estudados, verificamos que duas
construtoras que se dedicam a obras semelhantes adotaram sistemas de
controle muito desiguais, no qual um dispunha de 88 itens e outro 215,
sendo que apenas 7 tinham correspondência na composição, porém com
variações de valores entre 33% a 84%.

Ou seja, o mesmo item, tal como "contrapiso", mesmo que executado com
os mesmos materiais, exigiria quantidades e volumes de trabalho muito
cxxii

diferentes, o que, a primeira vista, é uma incoerência . Na verdade as


diferenças existem porque os métodos de organização do trabalho são
diferentes, resultando em indicadores de desempenhos e consumos
desiguais, tal como FRANCHI136 também apontou.

Finalmente, se compararmos os padrões de divisão da obra destas


composições, tal como chegam à obra e a maneira como o trabalho é
efetivamente realizado, vamos encontrar dois mundos totalmente diferentes:
o do planejamento do edifício e a realidade do canteiro. No primeiro, o
2
prédio é transformado, ou traduzido em medidas unitárias tais como m ou
m3 ou metros lineares de canalização etc. Na obra, ao definir o trabalho a
ser realizado no dia a dia, os engenheiros estabelecem “tarefas”, alocadas
por equipes e dimensionadas para preencherem um período de uma jornada
ou, no mínimo, meia jornada.

Essa parcelização do produto, segundo critérios que nada tem a ver com a
execução, evidencia uma ruptura entre o canteiro e os setores de projeto e
planejamento, entre produção e concepção, fator repetidamente apontado
por diversos pesquisadores como a maior fonte de problemas na
construção137. Se transposta para a indústria automobilística, esse
procedimento equivaleria a mensurar a produção de bancos dos
2
automóveis através dos “m de estofados”, ao invés de quantificar
unidades tipológicas...

Em algumas construtoras, o engenheiro, ao término da semana deve


preparar um relatório, onde, de novo, a realidade do canteiro vai ser
traduzida em unidades que pouco representam o trabalho efetivo realizado e
não transmitem o seu grau de dificuldade ou detalhe, ou seja, a intensidade
do trabalho.
cxxiii

Esta sistemática, apesar de tudo, é eficiente se restringir-se a um mesmo


"padrão de obra", tal como nos referimos anteriormente. Ele é o universo
restrito, de soluções conhecidas e testadas, onde a empresa atua, daí a
especialização em certos tipos de produtos e soluções construtivas,
evidenciada na maior parte das empresas.

Mesmo que nos casos estudados estes métodos tenham atingido uma
razoável precisão, com margens de erro nos orçamentos prediais em torno
de 5%, este método ainda está muito distante de ser um auxiliar eficaz para
o projeto ou para a inovação.

Sendo uma sistemática conservadora por natureza, pois é baseada em


experiências anteriores, ela não é confiável para avaliar novas situações,
sejam de produtos ou de desenho, onde não existem parâmetros de
comparação com uma execução anterior. Mesmo a realização de protótipos
está sujeita a erros, pois dificilmente eles reproduzem as reais condições da
produção, onde a forma de organização tem um papel tão importante.

Estes sistemas também não se realimentam adequadamente com as


experiências passadas, pois falta uma documentação sistemática dos erros
e acertos, algo que reflita a intensidade do trabalho conforme cada solução.
Além disso, em geral, os setores de planejamento, nas suas análises
rotineiras, só se preocupam em indicar as discrepâncias que ultrapassam os
limites aceitáveis, sendo raras as ocasiões em que procuram identificar a
causa de um índice melhor que o usual, por exemplo, não ter sido
necessário todo o consumo de material ou trabalho anteriormente estimado.

Também em caso de insucesso ou de dificuldade para a execução, esta


informação não é repassada de modo sistemático para os participantes
anteriores da cadeia de produção, inclusive os responsáveis pelo projeto,
cxxiv

especificação e de planejamento, os quais só recebem comentários


informais, "filtrados" pelos executores, ainda que de modo inconsciente.

O conjunto de instrumentos de controle e gerenciamento baseados nas


composições históricas não tem capacidade para representar todas as
nuances da realidade do canteiro. É uma forma de gestão tradicional, pouco
ligada à gestão concreta da produção, conduzindo, nos termos de
ZARIFIAN, a uma lógica “de direção pelo retrovisor138”:

“ao invés de considerar a evolução permanente da situação da


empresa e ter um sistema que “veja em avanço”, que faça hipóteses
regulares sobre o futuro, os sistemas tradicionais transportam o
presente ao passado, olhando para trás para ver se respeitamos o
que foi planejado na época dos orçamentos pré-estabelecidos.”139

A prática dos setores de planejamento e controle de somente destacar os


“excessos do consumo” explica em parte a pequena margem de erro dos
orçamentos: ela induz a um “gerenciamento por desvio”, pois, se um item
ultrapassou os limites de custo e a faixa de tolerância admitida, o valor
excedente deve ser descontado em algum outro. Como os componentes de
custo de materiais são mais rígidos, é comum que este desconto se faça
sobre a parcela de mão-de-obra, seja negociando preços menores com os
pequenos subempreiteiros, seja simplesmente pressionando os operários a
realizarem algumas tarefas em menos tempo.

Como, devido aos problemas de variabilidade que já descrevemos, não há


uma decodificação do trabalho na construção que permita estabelecer com
segurança o “tempo médio da tarefa”, nesse setor não chegou a ser
implantada plenamente a “gerência científica Taylorista” e boa parte dos
métodos de administração do pessoal é de cunho nitidamente repressivo,
fortalecidos por uma política de forte rotatividade de pessoal. CARVALHO
cxxv

apontou que uma situação semelhante também ocorreu na indústria


automobilística brasileira na década de 70:

“Nem sempre o aumento da produção por trabalhador tem de passar


por sistemas científicos que visam à eficiência da tarefa. A
eficiência da coerção pode se revelar mais lucrativa. ... O poder dos
mestres no “corpo a corpo” com os operários, especialmente numa
conjuntura repressiva pode revelar resultados tão produtivos que
torne desnecessária a utilização de métodos sofisticados e caros de
estruturação de cargos, sobretudo em empresas de menor porte.”
(Grifos no original)140

Porém, a viabilidade da manutenção destes métodos repressivos não


depende unicamente de sua eficiência nos limites da empresa: outras forças
sociais também interferem, restringindo a sua utilização, e a evolução dos
mercados também pode ter um efeito indireto positivo. É o caso da
competição em termos de qualidade, que levou a uma maior participação
dos operários no processo produtivo e a melhores condições de trabalho.
Em consequência de uma maior democratização das relações de trabalho e
de estruturas sindicais mais eficientes ela tem contribuído para políticas de
organização e recursos humanos menos autoritárias em diversos setores,
criando um novo patamar de competição entre estes segmentos industriais
e de serviços “mais modernos” e aqueles que, como a Construção, ainda
fazem largo uso da repressão como instrumento de organização do
trabalho.

Nestes outros setores a mudança de métodos e formas de organização


levaram a novas formas de conceber o controle e o gerenciamento da
produção, distanciando-se da visão unitária vinculada à operação de
trabalho. A partir dos anos 80, aparecem diversas tentativas de estabelecer
cxxvi

uma metodologia de custo mais apropriada às novas estruturas que se


implantaram, destacando-se o sucesso dos sistemas de contabilidade à
base de atividades.

MEVELLEC apresenta a evolução dos sistemas de custo, desde seu modelo


inicial, onde a noção de custo substitui a de valor. No contexto dos
primórdios da industrialização, dada a preponderância do fator trabalho na
composição de custos de produção “o custo se afirmou como o substituto
natural do valor (na verdade representado pelo preço de mercado) e este
foi “esquecido” quando foram criadas as arquiteturas dos primeiros sistemas
de custo mais elaborados.” 141

Nestes sistemas, que este autor classificou de “modelos iniciais”, a única


unidade de trabalho considerada é a da mão-de-obra direta e todos eles se
utilizam do conceito de custo por homem-hora, perfeitamente de acordo com
as concepções Tayloristas.

Progressivamente, com a sofisticação dos processos industriais, surge o


que este autor chama de modelo “degradé” (gradual) onde “passamos da
noção de custo direto para a de custo da produção. Mas, como o trabalho
ainda é a única reserva de valor tentamos controlar o consumo dos outros
recursos, vinculando-os à mão-de-obra direta, o que se traduz pelas taxas
sobre o custo horário.Os conceitos de taxa de custo e de valor do trabalho
extrapolaram dos limites da contabilidade, estruturando todo o sistema de
controle e medida de desempenho da empresa.”142

Somente na década de 80 este modelo começa a ser questionado,


reavaliando-se os elementos que constituem o valor dos produtos, a partir
de uma situação de economia baseada numa oferta crescente de bens, que
levou à estratégias comerciais e industriais muito mais sofisticadas que as
cxxvii

do período anterior, englobando noções de qualidade, atendimento ao


cliente , serviços pós vendas etc , padrões que os sistemas contábeis
“graduais” (degradées) já não tinham mais condições para avaliar
corretamente.

Numa situação de maior grau de competição, os sistemas de custeio


tradicional “falham por que afastam a atenção dos gerentes de fatores que
são críticos para a eficiência da produção. Faz-se um uso ineficiente dos
fatores básicos de produção, levando a gerência a adotar estratégias que
inibem o melhoramento da manufatura.”143

Neste contexto, os sistemas de custo à base de atividades “reintroduziram


explicitamente o conceito de valor”144, baseando-se no princípio que ”o valor
se materializa em certos atributos, materiais ou imateriais”, logo a estratégia
da empresa consiste em determinar que atributos agregam valor e como
desenvolver os meios necessários para atingi-los. Daí que os sistemas de
controle devem refletir essa nova abordagem a partir da constatação de
que:

“os produtos não consomem custos. Eles consomem atividades e são


as atividades que consomem os custos. Todo custo pode, então, ser
considerado diretamente ligado à atividade que o consome.”145

Essa metodologia ainda é bastante recente e não encontramos nenhum


exemplo concreto de sua aplicação na Construção, salvo para os estudos
de curvas ABC - Activity Based Costs, usualmente limitados à analise das
etapas que respondem pela maior parte dos custos do produto ou serviço.
Mas, mesmo neste caso, os exemplos encontrados146, embora sigam uma
metodologia inicial de divisão por atividades, numa segunda etapa retomam
cxxviii

a idéia de unidade que vincula a operação de trabalho à mensuração por


unidade de serviço.

Pelas suas caraterísticas de abrangerem todas as etapas envolvidas no


ciclo de produção e permitirem variadas análises de alternativas de solução
de modo expedito, os sistemas de custo baseados em atividades parecem
ter amplas possibilidades de atender de maneira mais precisa e eficiente às
necessidades da Construção, carecendo, porém, de um esforço de
desenvolvimento para adaptar essa metodologia às condições do setor.

: Construção e Organização Industrial

Modelos de organização industrial.

Até um passado mais ou menos recente, as empresas industriais


costumavam apresentar uma organização de sua estrutura bastante
semelhante, de uma maneira, que, erroneamente, poderia ser chamada de
“natural”, tal sua popularidade. Na verdade, sua única “naturalidade”
consistia em refletir as condições sócio-técnicas existentes naquele
momento. Há trinta anos, se conhecêssemos uma empresa sem um “diretor”
e uma hierarquia piramidal bastante longa, certamente isto seria motivo de
estranheza, pois não corresponderia ao padrão dominante. Podemos dizer
que havia um “modelo de organização” hegemônico, ao qual todos estavam
tão habituados que poucas vezes essa idéia era questionada.

Ressaltamos que, neste caso, a idéia de “modelo” não é uma receita pronta
para ser seguida, ou uma formação rígida, mas uma tipologia da dinâmica
das relações socio-técnicas que delimitam as caraterísticas da organização,
como define VELTZ:
cxxix

“... é uma articulação das dimensões técnicas sociais e econômicas


de um universo de produção,... reunindo as suas dimensões sociais e
cognitivas.”147
Estas estruturas sócio-cognitivas sofrem descontinuidades históricas,
decorrentes da evolução ou transformação mais ou menos súbita de seus
componentes.

Se é uma tipologia, um modelo não pode ser rebatido sobre um conjunto de


técnicas gerenciais, mas, ao contrário, trata-se de procurar qual modelo
representa ou sintetiza de modo mais exato a situação existente, ainda que
isso implique em algumas simplificações. Ele representa assim uma meta ou
“o ponto de equilíbrio de um jogo de forças que se passa no cerne da
organização produtiva e não apenas sobre as supraestruturas de gestão”148.

O interesse de buscarmos uma taxonomia da organização é a maior


facilidade de compreendermos as articulações socio-técnicas das diferentes
situações com que nos deparamos nas análises das estruturas
organizacionais das empresa. Nesse sentido, VELTZ e ZARIFIAN , em
seus diferentes textos, apresentaram quatro modelos que analisaremos
adiante, tecendo uma análise de sua adaptabilidade ao quadro brasileiro.
Mas se é possível uma tipologia das formas de articulação, deve haver uma
correlação entre a hegemonia de uma delas e estes componentes sócio-
técnicos do sistema produtivo, ou seja: o tipo dominante seria mais
adequado à determinada situação, representando um novo ponto de
equilíbrio destes componentes, mais eficiente que os outros.

Entretanto, a existência dos modelos não é necessariamente excludente.


Sendo formas dinâmicas, as organizações incorporam as caraterísticas de
suas transformações, por vezes coexistindo fatores de modelos diferentes.
cxxx

Para descrever a organização industrial do princípio deste século há uma


unanimidade em torno do modelo “taylorista149”, ou “clássico”150 ou ainda
“vertical”151, variando as denominações conforme os autores, embora o
conteúdo da descrição seja o mesmo: baseado no conceito da operação
como unidade básica e na separação entre concepção e execução,
refletindo-se numa hierarquização rígida, com separação por setores ou
funções especializadas, tal como representado no organograma da figura 0-
a modelo de organograma típico da estrutura hierárquica.

Gerência

Assessorias

Chefia de Chefia de Chefia de


Setor Setor Setor

Figura 0-A Modelo de organograma típico da estrutura hierárquica

Embora as bases deste modelo tenham surgido ainda no Séc. XVIII, é a


partir do final do Século XIX, quando os engenheiros mecânicos tomam a si
a racionalização econômica da produção, que ele se impõe. Talvez,
refletindo a origem destes especialistas neste modelo, a “busca pela
eficiência se calcou na produtividade do trabalho ou, de maneira mais
precisa, na produtividade das operações de trabalho.... O trabalho em si era
tratado como um objeto, passível de ser separado das pessoas que o
cxxxi

realizavam, que eram apenas agentes a serem instruídos na realização


eficiente dessas operações ”152.

O foco na produtividade do trabalho não permite uma visão de outros fatores


importantes , como a qualidade, e o privilégio das operações de trabalho se
tornou ultrapassado pela crescente importância das máquinas. Neste novo
contexto, as paradas de ajustes e manutenção, bem como a coordenação
ao longo da linha de produção, passam a ter um peso maior que a
produtividade das operações isoladas: a eficiência global não é mais a soma
de resultados locais, mas depende, sobretudo, da capacidade de
coordenação entre operações: surge daí o segundo modelo, “de
cooperação” ou “horizontal”.

Esta nova abordagem permite incluir na discussão da eficiência outros


aspectos tais como prazos e qualidade de produto. A sua visão da
produtividade, mais globalizante, traz o foco para a organização como um
todo e “onde primava a eficiência da operação reina agora a eficiência inter-
operações. A eficiência se torna intersticial , ... diretamente ligada à
densidade das interrelações que o taylorismo buscava economizar ”153.

Largamente desenvolvido no Japão, esse modelo articula as diferentes


áreas de saber especializado, dependendo de formas de comunicação e
pretendendo atingir a “integração técnica”, para obter uma qualidade
sempre renovada. Ele questiona uma das bases do taylorismo, a divisão
entre concepção e execução do trabalho. A cooperação leva a um trabalho
coletivo, diferente da coletivização do trabalho do modelo anterior, porque “a
eficiência em si não é mais dissecável em unidades individuais” 154. Ela
privilegia também a capacidade de aprendizado como um instrumento para
melhoria da produção mas não como um treinamento na operação ,
cxxxii

ampliando a visão para uma qualificação capaz de atender a solicitações


diversas, polivalentes.

A popularização desse modelo está intimamente ligada a um contexto de


competição de produtos, onde o preço frequentemente desempenha um
papel secundário ou acessório. Mas a concorrência intensa neste nível
levou a uma nova dimensão de competitividade, a inovação. Se
anteriormente, nos modelos tayloristas ela se dava por “patamares“, agora
ela surge como uma necessidade permanente, daí ser um objetivo da
empresa melhorar sua “capacidade” neste campo e diminuir o tempo de
desenvolvimento de novos produtos, responsável por uma parcela cada vez
maior da sua eficiência global.

A resposta a este novo desafio se dá em dois modelos de organização


emergentes: a organização “por projeto” e por “níveis decisórios
superpostos”155. Eles coexistem com o modelo cooperativo e não é possível,
no momento, antever a predominância de algum deles.

A noção de organização por projeto é antiga, tendo sido apropriada das


grandes obras de engenharia. O que diferencia a situação atual é a sua
implantação em áreas de indústrias “de série”, em resposta à minimização
do tempo de desenvolvimento e o fato de considerar o ciclo de concepção -
cxxxiii

produção -distribuição como um problema organizacional único156. Nesta


nova situação, sua eficiência baseia-se fortemente na pertinência da
antecipação, ou seja, na capacidade de antever problemas e soluções,
resultado de uma integração técnica muito forte, a “engenharia simultânea”.

Porém, a organização por projeto é instável por natureza, pois vincula-se a


eventos e após seu término deve ser reorganizada. Por isso, nas empresas
convivem estruturas funcionais mais permanentes, “alimentadoras” das
equipes de projeto, surgindo aí situações de conflito. A conjugação destas
duas estruturas resulta na chamada estrutura matricial, representada na
figura V-2.

G e r e n c ia

C o o rd .P ro j

Função Função Função Função


P r o je t o A

P r o je t o B

Figura 0-B Organização matricial típica

Outro aspecto importante da organização por projeto é a relação entre o


projeto e a empresa, aspecto estudado por MIDLER157. Sendo, a princípio,
uma estrutura que congrega vários participantes, é possível que o projeto
seja menor, maior ou inteiramente contido pela
empresa, como representamos nos esquemas a seguir.
cxxxiv

Proj A

Proj. B

Proj C
Empresa

Figura 0-C Relação Projetos/empresa -Tipo A

No primeiro tipo, (figura 0-c) a empresa participa de vários projetos


relativamente pequenos, sendo que alguns deles podem até mesmo
estarem inteiramente contidos na sua estrutura, enquanto outro serão
divididos com terceiros, mas a liderança mantém-se dentro dos limites da
empresa. É o caso da indústria automobilística.

Já no segundo tipo, o projeto é dividido entre várias empresas e se


sobrepõe a elas, às vezes existindo uma figura jurídica responsável pela sua
coordenação, como no caso dos consórcios, invertendo a hierarquia do tipo
precedente. É o caso de algumas grandes obras de engenharia. (Ver figura
0-d)

Empresa B

Empresa B

Projeto

Empresa A

Empresa D

Figura 0-D Relação Projetos/empresa -Tipo B


cxxxv

Finalmente, na terceira configuração (figura 0-e) a empresa é maior que os


vários projetos que realiza. É o caso típico das grandes construtoras-
incorporadoras, bem como da indústria farmacêutica, em que vários projetos
desenrolam-se em paralelo.

Proj. E
Proj. A Projeto B
Projeto A Proj. B

Projeto CProj. D
Projeto
Proj. C D

Empresa
EMPRESA

Figura 0-E Relação Projetos/ empresa -Tipo C

Cada configuração implica em estratégias e formas organizacionais


diferentes, com problemas específicos. Por exemplo, no Tipo C é
conveniente um planejamento dos prazos, de modo a que os recursos
humanos possam ser transferidos de um projeto que se encerra para outro
que se inicia, evitando-se os ônus de prazo e custo, resultantes da
rotatividade de pessoal caso, ocorra uma descontinuidade de serviços.

Já no tipo B essa ruptura é inerente à sua natureza e a estabilidade de


pessoal depende da capacidade da empresa atuar em diversos projetos.
Porém, isto pode levar à conflitos de pessoal, já que para ser relocado o
profissional precisa estar em ligação com sua estrutura de origem e manter
uma vinculação com sua “cultura”. Essa situação só consegue ser minorada
em projetos de longa duração.
cxxxvi

Finalmente, no Tipo A existe uma situação mista, onde a equipe da empresa


central tem uma certa estabilidade e as das empresas secundárias sofrem
as dificuldades associadas ao Tipo B, tais como a estabilização do pessoal.
De certo modo essa situação é encontrada nas empresas construtoras que
costumam subempreitar trechos de suas obras ou serviços técnicos.

Essa análise nos leva a sugerir um quarto tipo, híbrido, onde uma empresa
lidera diversos projetos, cada um em parceria com terceiros, como
representado na figura 0-f. PROENÇA158 apresenta uma situação parecida
na indústria informática italiana, caracterizando uma “empresa sol” em torno
da qual se articulam algumas secundárias, os “planetas”.

Fornec/
subemp.

Projeto A
Projeto B

Empresa sol
Projeto C

Figura 0-F A Relação Projeto - empresa Híbrida

A tensão inerente às estruturas organizadas “por projeto” pode vir a


prejudicar a sua eficácia e a manutenção de uma equipe bem qualificada,
essencial para políticas baseadas na inovação permanente. Já o quarto
modelo de organização, chamado de “níveis decisórios superpostos”, tem
sua vantagem exatamente na estabilidade e na capacidade permanente de
inovação . Embora ainda inacabado e com uma caraterização ainda
cxxxvii

deficiente, pois até o momento ainda é pouco aplicado, seu caráter


inovador indica um grande potencial de desenvolvimento.

Sua idéia central é uma organização em “camadas” onde cada um tem uma
atribuição de nível decisório , ou seja: determinados aspectos do
funcionamento da firma são integralmente atribuídos a um nível, conforme
esquematizado na figura 0-g. Por exemplo, ao nível inicial, o “chão de
fábrica” é atribuída a capacidade de decisão sobre o “como fazer”,
enquanto à alta gerência cabe o planejamento de metas.

Base de O b je t iv o s
Dados

N iv e l e s t r a t é g ic o

N iv e l g e r e n c ia l

N iv e l o p e r a c io n a l

Figura 0-G :Organização por níveis decisórios superpostos

Essa proposta vem sendo posta em prática em algumas empresas


européias,159 mas já se constatou que sua viabilidade liga-se à existência
de um sistema de informações capaz de alimentar todo o conjunto acessível
a todos os participantes , de modo que os objetivos não sejam conflitantes e
as decisões sejam coordenadas. Não basta um sistema capaz de transmitir
as comunicações, é preciso uma sistemática que busque o “acordo comum”
e coordene todos as metas, suprimindo objetivos parcelizados.
cxxxviii

Este sistema deve tornar possível uma base comum de dados e um


conjunto de objetivos homogêneo. A informática joga aqui um papel
fundamental e esse modelo não seria operacional sem uma sofisticada
estrutura para o tratamento da informação.

Suas principais vantagens160 são uma enorme flexibilidade e coerência nas


ações da empresa, pois coexistem várias “temporalidades paralelas” ,
dedicadas a diversas abordagens de um mesmo problema, conforme cada
nível decisório. Todas porém, seguindo as orientações do mercado e
aproveitando ao máximo as suas potencialidades em relação às
oportunidades que surgem. Dessa coerência resulta uma maior eficiência
no aproveitamento dos recursos. Nesse modelo a produtividade se
estabelece não sobre a operação ou sobre a comunicação, no eventos
intersticiais, mas é uma qualidade global da organização.

Sua adaptação para a Construção ainda está pendente e apresenta


algumas dificuldades específicas. Sendo uma produção individualizada,
certamente que uma organização desse gênero na construção teria que
guardar alguma relação com a tipologia “por projeto”. O cruzamento destas
duas tipologias organizacionais talvez seja uma estrutura seguindo o
desenho dos níveis superpostos, mas com equipes “inter-camadas”
organizadas por projeto nos níveis de gerência e operação, articuladas com
o ambiente maior da empresa através de um sistema unificado de
comunicação de objetivos e bases de dados, de modo a garantir a
coerência ao todo(ver figura 0-h).
cxxxix

Sistemas de
comunicação e
bases de dados

Nível estratégico

Nível gerencial

Nível operacioncial
Proj A Proj B Proj C

Figura 0-H Uma organização híbrida projeto - níveis hierárquicos

A cadeia de produção na construção

Antes de analisarmos a situação atual da organização na Construção,


convém examinarmos a inserção das edificações no quadro mais amplo de
sua cadeia de produção, estudando os limites do que ZARIFIAN definiu
como o “espaço global de produção” deste subsetor161e suas imbricações
com outros setores.

Segundo o conceito apresentado por esse autor, o espaço global da


produção é integrado pelas atividades de concepção e renovação dos
sistemas de produção, as atividades de colocá-lo em operação e as de
gerenciamento e controle. Ainda acrescentaremos a essas três atividades a
concepção de produto e o acompanhamento de seu ciclo de vida, a nosso
ver partes fundamentais do processo de produção.

Os limites deste espaço ampliado da produção não são claramente


demarcados, tampouco essas atividades tem uma linearidade temporal. Se
cxl

perguntarmos a diversos engenheiros ou arquitetos o que é o projeto do


edifício, provavelmente quase todos o definiriam como uma das fases da
construção, representado por um conjunto de desenhos, definição que não
é desvinculada da realidade, pois esta é a sua forma clássica.

Como a produção das edificações é parte de um grande complexo, esta


fase "clássica" sofre as múltiplas condicionantes decorrentes das interações
entre todo o conjunto: ao idealizar o projeto, o arquiteto, muitas vezes sem
se dar conta disto, procura atender a estes requisitos. Por exemplo, está
limitado às soluções de materiais existentes, à disponibilidade de
equipamentos etc. .

É evidente que o projeto não é uma atividade desvinculada deste todo, ao


contrário ele, de certa modo, está disperso por toda a cadeia de produção
do complexo, seja quando o projetista da olaria define um novo desenho de
um bloco de concreto, seja quando o fornecedor de um pré-moldado prevê
as condições de transporte da peça, enfim, sempre que alguém concebe
algo relativo à edificação estará contribuindo para o projeto do edifício, como
parte de uma cadeia que se inicia na produção de matérias-primas.

Nas edificações, a temporalidade da concepção se dá ao longo de toda a


cadeia, com responsabilidades diferentes e de modo muito mais disperso
que, por exemplo, na indústria automobilística, onde os fornecedores de
componentes tem uma vinculação muito mais forte com os novos produtos,
frequentemente detendo ou desenvolvendo tecnologia específicas e
colaborando ativamente na sua concepção.
cxli

0,2
Extração
M ineral Cim ento
0,1 1,8
0,5 5,7
Q uím icos
0,2 diversos
0,2
5,9

0,2

Fiação Brita, Pedra,


7,8 Benef. N /ferr.
0,4 3,4 0,3
0,04
0,1
0,2

O utros Prod. O larias Artefatos de


Min.N /Metal.. 0,2 cimento
0,5 1,4 0,7 6,4 1,6 6,2

4,8
Lam inados de 0,5
2,0
aço 6,2
19,9 0,9

6,2
1,5

6,0
Estrut. metál.
Serrarias
3,4 9,5
7,2

1,4
5,7
Elementos
Q uím icos Artef. de
0,1 madeira
Vidro 1,9 3,3
2,4
0,2 1,1 0,5

Automobil.
0,2 Construção
64,0 0

Figura 0-I Matriz de relações intersetoriais da construção,


extraído de PROCHNIK, opus cit pag: 6, que esclarece: “Dentro de cada
retângulo, o número à esquerda representa o total das compras do setor e o à
direita o total das vendas, sempre em bilhões de cruzeiros de 1975. Os
números sobre as linhas que ligam os retângulos representam o total das
compras do setor para onde aponta a seta, feitas no outro setor. As linhas
tracejadas indicam transações entre setores que não pertencem ao mesmo
macrocomplexo, ao contrário das linhas cheias.”
cxlii

Gerenciar o projeto do edifício não se limita, assim, ao "desenho do prédio"


mas inclui procurar melhores desempenhos ao longo desta cadeia, de modo
a permitir uma interferência maior nos resultados da etapa final, onde de
certo modo diversos de seus componentes já estarão preestabelecidos,
embutidos nos seus insumos. Os limites desta intervenção dependem,
fundamentalmente, do grau de integração ao longo desta cadeia.

Ela não é, porém, um esquema linear simples, com cada atividade


ocorrendo após a outra: PROCHNIK destaca que no macrocomplexo da
Construção existem diversas cadeias de produção, cada uma associada à
seu processo produtivo mais importante. No caso da Construção, elas se
estruturam a partir das matérias primas: cimento, cerâmica e cal, insumos
químicos, extração mineral, insumos metálicos e madeira.

Todas elas convergem para a Construção e interrelacionam-se pouco e o


esquema representativo destas cadeia é semelhante a uma árvore invertida,
com poucas ligações entre os diversos ramos, cada um deles constituindo-
se de modo bastante linear. (Ver figura 0-i)

As ligações entre estes "ramos", expressas pelos volumes de vendas, são


relativamente pequenas, se comparadas com os volumes globais,
representados pelos números internos dos retângulos. Deste modo, a
articulação é quase inteiramente baseada no mercado da Construção,
onde, frequentemente, os ramos são concorrentes, já que existe a
possibilidade de um produto de uma cadeia ser substituído por outro de
outra cadeia, como o concreto pelo aço162. Esta pequena "ramificação" da
cadeia de produção da Construção continua presente na etapa final das
edificações.

Também na França, BOBROFF163 ressalta a existência da linearidade na


cadeia de edificações, onde cada etapa de produção e de projeto
cxliii

pressupõe o final da anterior, com raros momentos de interação e


contemporaneidade de execução, ocorrendo, assim, pouca integração entre
os participantes do processo. A observação encaixa-se perfeitamente no
caso brasileiro.

Em pesquisa que realizamos164 em 27 empresas, aprofundada através de


três estudos de caso em construtoras no Estado do Rio de Janeiro,
verificamos que esta linearidade continua ao longo de todo o processo de
produção do edifício. Um dos aspectos que a representa melhor são as
matrizes de comunicação entre os participantes da obra, que detalharemos
adiante. Outro aspecto é a linearidade da execução da obra em si: todos os
engenheiros de obra entrevistados demonstraram que organizam um serviço
após o outro, evitando que coexistam no mesmo espaço dois serviços
diferentes. Um terceiro aspecto é a seqüência usual de realização do
projeto.

Na figura figura 0-j apresentamos um exemplo típico de Fluxograma de


desenvolvimento de obras, extraído dos estudos de caso acima referido.
Neles podemos constatar a linearidade dos serviços e a ausência de um
sistema significativo de realimentação de informações. Na maior parte dos
casos, o retorno de informações acontece em decorrência da recusa de
soluções por um nível decisório mais alto, devendo a etapa ser reiniciada.
cxliv

In íc io

V iab ilid ad e
A rq u itetô n ic a

V iab ilid ad e
ec on ô m ic a

A p rov.
N eg ativa
D iretor.

A n tep rojeto C on trole O rç am en to


A rq u itetô n ic o in ic ial

A p rov.
N eg ativa
d ir etor .

P os itiva

P rojeto d e P rojetos
P roj. form as
in s talaç õ es c om p lem .

In s talaç ã o d o
c an teir o
P r ojeto d e P r oj. exec .
arm aç ã o ar q u itetô n ic o

P lan ejam en to C om p ras OBRA

C on trole

Figura 0-J Fluxograma típico na área das edificações, mercado de incorporação.


cxlv

Esta linearidade é evidenciada também nos cronogramas de barra (gráficos


de Gantt), muito utilizados para o planejamento das obras 165: há poucos
itens simultâneos, em geral restritos àqueles que não dividem o mesmo
espaço do canteiro de obras, por exemplo, a fabricação das esquadrias
metálicas, realizada em outro estabelecimento. Mesmo as etapas de projeto
não costumam ter simultaneidade, como mostra o exemplo do cronograma
da figura 0-k.

Meses 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 15 18 21 24
Etapas
Viabilidade
Est. Preliminar
Anteprojetos
Arquitetura
Instalação
Estrutura
Proj. Executivo
Arquitetura
Instalação
Estrutura
Planej. obra
Obra

Figura 0-K Cronograma típico de empreendimento no mercado de incorporação.

Nas normas brasileiras relativas aos serviços técnicos de construção


também são poucas as recomendações relativas à coordenação dos
trabalhos, elemento fundamental para a existência de uma simultaneidade
de serviços, limitando-se a NB144 a estabelecer que, "no caso em que o
projeto arquitetônico for o determinante da construção ", o seu autor deve
coordenar os demais projetos. A redação sugere, por exclusão, que nos
demais casos esta coordenação não é necessária, o que significaria que
nem sempre cabe ao projeto arquitetônico definir a construção!
cxlvi

Organização e segmentação do mercado

Embora a linearidade da cadeia seja uma constante nos diversos


segmentos do mercado, existem variações significativas na seqüência e no
conteúdo das atividades. Talvez em decorrência de uma certa
especialização das empresas, podemos identificar semelhanças de
comportamento, segundo cada área de atuação e sua a forma de
contratação predominante.

No capítulo I já apresentamos os três principais segmentos do mercado de


edificações: as incorporações privadas, as empreitadas para terceiros e as
construções para órgãos públicos. Basicamente, o que os diferencia é a
forma de contratação e as relações conseqüentes com o contratante e com
o público usuário, ou consumidor.

Na incorporação privada, o construtor oferece um produto acabado ou ainda


em produção a um mercado. Este é o segmento que mais se aproxima do
conceito de indústria de consumo. Já nas empreitadas privadas, em geral, é
o cliente quem contrata e financia a obra, sendo ele mesmo o usuário final,
pelo menos na forma de pessoa jurídica. Nas obras públicas, a contratação
costuma ser por meio de concorrências e nem sempre o órgão contratante é
o usuário final. Neste segmento, com frequência os usuários são terceiros,
como é o caso das obras habitacionais de baixa renda, este aliás um caso
peculiar onde a extrema carência dos consumidores finais impedem que as
regras usuais de mercado tenham qualquer validade nessa relação produtor
- consumidor.

Além das atividades serem realizadas de modo seqüencial, os “atores“ deste


processo também mudam, pois cada tarefa é atribuída a um participante
diferente deste processo, através de um lógica baseada principalmente no
critério de “ofício”, ou área de conhecimento. Assim, sucedem-se ao longo
cxlvii

da cadeia, o arquiteto, o engenheiro calculista, o orçamentista, enfim, todos


os especialistas que participam desta “corrida de revezamento”, repleta de
pontos de ruptura, sempre que uma tarefa tem que ser adaptada a um novo
contrato, com um novo participante.

O grau de interação varia conforme o segmento de mercado em questão,


sendo maior no dedicado às incorporações privadas, porque nele há uma
distância menor entre o cliente (proprietário incorporador) e o sistema de
produção, que, atualmente, na maioria dos casos, é parte do mesmo
conglomerado ou da mesma empresa.

A diferença desses processos fica clara ao analisarmos o quadro de


“interfaces” que relaciona atividades onde participam mais de um destes
atores. Nas Tabelas V.1 a 3 , a seguir, mostramos exemplos de cada
situação, extraídos dos levantamentos para os estudos de caso,
anteriormente indicados166.

Nestas tabelas podemos notar que no mercado de empreitada pública (


tabela 0-a) há uma ruptura completa no momento da concorrência ou
tomada de preço, ocorrendo realmente uma “troca de equipe” , com
pequena participação dos projetistas na fase subsequente. No segmento
cxlviii

dedicado às empreitadas privadas (tabela 0-b) , embora possa existir uma


tomada de preço, ela tem mais um caráter de estudos de preço e há uma
certa interação entre o promotor, o candidato a construtor e os projetistas.
Finalmente, no mercado incorporador (tabela -0-c) essa interação é mais
forte e a transição concepção-obra é mais suave , apesar de uma
participação ainda restrita das equipes de projeto na obra e vice versa.

Concepção Execução

Acompanhamento
Projeto executivo
Estudos de custo

Direção da obra
Planej. canteiro
Planej da obra
Concorrência
Est. de viabi,
Est. Prelim.
anteprojeto

Entrega
Execução
Programa

Cliente e agentes
Incorporador
Gerenciador
Arquiteto
Orçamentista
eng.estrutural
Eng. instalações
Construtora
Direção comercial
Arquitetura
Direção técnica
Planejamento
Eng. de obra
Pessoal de obra
Subcontratados

Tabela 0-A Interfaces no mercado de empreitada pública


cxlix

Concep. Execução

Acompanhamento
Tomada de Preço
Projeto executivo
Estudos de custo

Direção da obra
Planej. canteiro
Planej da obra
Est. de viabi,
Est. Prelim.
anteprojeto

Entrega
Execução
Promotor/cliente
Coord ou gerenc.
Arquiteto
Orçamentista
eng.estrutural
Eng. instalações
Construtora
Direção comercial
Arquitetura
Direção técnica
Planejamento
Eng. de obra
Pessoal de obra
Subcontratados

Tabela 0-B Interfaces no mercado de empreitada privada

No mercado de empreitada privada podemos identificar uma fase de


transição entre concepção e execução, no momento dos estudos de preço e
contratação do construtor. Nessa ocasião é comum que este último sugira
pequenas alterações do projeto, que lhe permitam oferecer preços ou
prazos menores. Ao longo da obra, esse comportamento também pode
ocorrer, dependendo do grau de detalhamento e qualidade do projeto inicial.
Finalmente, essa interação cliente-construtor é forte na entrega da obra, não
só pela verificação final mas, também por que o cliente deve inteirar-se de
detalhes da operação e manutenção do edifício.
cl

Concepção Execução

Acompanhamento
Projeto executivo
Estudos de custo

Direção da obra
Planej. canteiro
Planej da obra
Est. de viabi,
Est. Prelim.
anteprojeto

Entrega
Execução
Programa
Dir. Com./Promotor
Arquitetura
Eng.estrutural
Eng. instalações
Direção técnica
Planejamento
Eng. de obra
Pessoal de obra
Subcontratados

Tabela -0-C Interfaces no mercado de incorporação

Comparando-se esses quadros com outros de mesmo gênero,


apresentados por BOBROFF167, vemos que a situação francesa é bastante
semelhante nas obras “tradicionais”, mas que em outras empresas, mais
inovadoras, há uma integração mais forte, buscando antecipar a entrada no
projeto do pessoal especializado, de modo bem próximo aos conceitos de
“engenharia simultânea”168, resultado de uma organização do tipo “por
projeto”, caraterizada, segundo essa autora, pela existência de uma
diagonal larga nestes quadros, como sintetizado na tabela 0-d.
cli

Fases

Estudo de viabilidade

Planej. do canteiro
Projeto executivo
Est. Preliminar

Planej. Obra
Anteprojeto

Execução
Intervenientes
Incorporador
Arquiteto
Eng. de Instalações
Eng. Estrutural
Departo de Planejamento
Eng. de Obra
Legenda:
Participacão integral
Acompanhamento
Tabela 0-D Interfaces numa organização “por projeto”

Releitura da Flexibilidade na Construção

Quando a competição entre empresas dedicadas à produção em larga


escala deslocou o seu eixo principal da questão do custo para o das
qualidades do produto, a questão da flexibilidade dos equipamentos
começou a ganhar importância nas estratégias empresariais. De um quadro
de produção amplamente massificada e padronizada, folclorizada na frase
atribuída a Ford “faremos carros de todas as cores, desde que sejam
pretos”, a competição passou a exigir uma crescente diferenciação de
produtos que, num primeiro momento, repercutiu em exigências de
maquinário capaz de passar de um modelo a outro, com um mínimo de
adaptações.
clii

Essa capacidade de produção variada constitui o primeiro tipo de


flexibilidade, a flexibilidade técnica, apoiada principalmente nos
equipamentos. Mas, como vimos no Capítulo III, a competição passou a
incluir outros campos e a se dar através de outros modos, como VELTZ e
ZARIFIAN169 apresentaram: à competição pela variedade se somaram a
disputa pelos prazos e pela inovação. Cada um desses campos passa a
exigir uma capacitação específica e por isso a flexibilidade vai assumir
novos contornos, não se limitando à questão dos equipamentos, ao seu
lado “técnico”.

Além disso, devemos considerar as especificidades da Construção que


modelam cada um destes modos. Já demonstramos que a variedade de
produtos vincula-se primordialmente à questão da localização. Esta seria
talvez o principal diferenciador entre produtos similares em outros quesitos,
ou pelo menos aquele que tem maior impacto sobre o preço de venda ,ou
valor de mercado. Como resultado, a obtenção de variedade de produtos na
Construção passa a se traduzir não apenas pela oferta de produtos
diferenciados, mas, fundamentalmente, pela presença da empresa em
diversas áreas da cidade.

Essa característica repercute no sistema de produção, não tanto em


equipamentos flexíveis mas em equipamentos móveis, para atender uma
demanda que também se desloca. Dessa forma, as exigências de
flexibilidade em termos do maquinário não devem ser atendida apenas por
equipamentos capazes de produzir diversas alternativas de produtos, mas,
também, que sejam capazes de se deslocarem rapidamente de uma obra
para outra. O tempo de deslocamento e de colocação em serviço são as
características da máquina que viabilizam, ou não, uma redução dos tempos
intersticiais, foco maior da produtividade.
cliii

É claro que isso não elimina a busca por maquinário capaz de atender a
solicitações diversas. Mas a mecanização da construção ainda é incipiente e
a principal estratégia de intensificar o trabalho na obra tem sido externalizá-
lo, através da substituição de um produto que precise de processamento no
canteiro por outro que possa ser aplicado diretamente. É o caso das
argamassas prontas, dos pré-moldados, dos revestimentos já agrupados e
com adesivos pré-aplicados, das esquadrias pré-montadas, enfim, de uma
infinidade de exemplos que surgem em volume crescente170 e que levaram
FARAH a identificar uma “tendência (que) consiste na transferência de uma
fração do processo construtivo do canteiro de obras para o setor produtor de
materiais de construção ou para centrais de produção organizadas pelas
próprias construtoras.” 171

Face a esse processo de deslocamento de trabalho no plano dos


componentes, a principal atividade a ser mecanizada na obra é o transporte
de todo os tipos de materiais, inclusive concreto e argamassas pré-
misturadas, e equipamentos, tais como formas e andaimes.

Outro aspecto a ser afetado pela busca de flexibilidade é a necessidade de


uma polivalência dos operários, evitando-se os tempos de adaptação dos
novos trabalhadores a seus novos postos e conseqüentes perdas. Este
aspecto leva à exigência de uma maior qualificação e possibilita também
mais motivação, dentro de uma ótica de enriquecimento de cargos, trazendo
em si outro benefício, que é o aumento da produtividade localizada, ainda
que não seja este sua meta precípua.

Já a competição pelo “tempo”, ou seja nos prazos de entrega, também


toma características peculiares na Construção, onde ela não se traduz pela
busca da diminuição do tempo entre a emissão do pedido, a fabricação e a
entrega, o “ciclo curto industrial”, como colocam VELTZ e ZARIFIAN172.
cliv

Este ciclo é fortemente ligado ao “tempo de reconversão” , período


necessário para se proceder às alterações do maquinário para atender às
novas exigências.

Mas nas edificações esse “tempo de reconversão” assume outra natureza,


pois não há muitos equipamentos e quase nenhum depende de um ajuste
fino, são mais próximos do conceito de ferramentas, algo a ser operado
diuturnamente. Essa adaptação do sistema produtivo se dá no projeto, ao
serem definidos parâmetros, na concepção, adequados aos sistemas
disponíveis.

Como em todos os ciclos da edificação existe a “concepção”, pois são


produtos únicos e, na maior parte dos casos, as obras só começam a ser
executadas após sua venda ou concorrência (no mercado de empreitadas) a
velocidade do “ciclo curto” é vinculada aos critérios e necessidades do
cliente, em especial sua capacidade financeira.

Deste modo, a competição pelo tempo deve se dar primordialmente na fase


de concepção do produto, incluindo-se aí não só o projeto arquitetônico
como todas as etapas de definição de características do produto e
posteriormente, de avaliação de custos e definição dos sistemas de
planejamento e de produção. Em suma, dos “serviços de apoio”, onde se
localiza uma parcela crucial da produtividade da organização.

Assim sendo, resta a inovação como um modo preferencial de competição


na Construção. Através dela seria possível obter ganhos diferenciados em
relação à concorrência, intensificando o aproveitamento do trabalho e
estabelecendo novos patamares de custos e preços ou ainda propondo
produtos capazes de criar e atender novas demandas.
clv

Neste modo de competição é importante diferenciar a inovação nos


produtos destinada à sua diferenciação no mercado e os produtos
inovadores, que visam estabelecer novos parâmetros para o mercado.
Nessa dimensão que analisamos, o que importa são esses produtos e
equipamentos capazes de levar a novos patamares de eficiência ou, até
mesmo, possibilitar mercados com caráter monopolístico, ainda que
temporário, decorrentes de sua exclusividade inicial.

Mas verificamos que a inovação, em termos de produtos para a construção,


é dependente dos fornecedores, os quais detêm a tecnologia e a escala de
produção mais adequadas. E que no plano interno do setor ela vem se
desenvolvendo sobretudo através de mudanças organizacionais, visando
não só obter uma intensificação do trabalho, através da redução dos tempos
e atividades intersticiais, como para melhorar a eficiência das tarefas de
apoio em geral.

VELTZ e ZARIFIAN definiram a flexibilidade como “a aptidão da


organização em construir e desenvolver, em tempo real, uma capacidade
coletiva de adaptação e antecipação”173 . Face ao quadro exposto, podemos
afirmar que na Construção ela está diretamente ligada à capacidade de
colocar em operação o mais rápido possível a estrutura produtiva mais
conveniente a cada projeto. Uma qualidade da organização que depende
profundamente de seu potencial para se colocar internamente de acordo em
torno de seus objetivos, ou seja: de sua capacidade de comunicação,
aprendizado e memória.

: Comunicação e integração técnica

A questão da Comunicação
clvi

Os pontos levantados até agora realçam, de modo particularmente intenso,


o papel das estruturas de comunicação e de tratamento da informação na
busca pela eficiência nas edificações, como em outros setores industriais.
Mas os novos modelos organizacionais, tipo “por projeto” ou “por níveis
decisórios”, dependem de uma forte convergência de objetivos e linguagem
entre os participantes de todo o processo e só se viabilizam a partir da
existência de um sistema de comunicação que vá além da simples
armazengem de dados, sujeitos ao acesso discricionário de um operador,
como nos sistemas clássicos.

Neste novo quadro, a comunicação é um evento que não mais se limita a


transmitir a informação, mas compõe “um processo pelo qual uma idéia é
transferida de uma fonte a um receptor com a intenção de alterar seu
comportamento” 174. VELTZ e ZARIFIAN ainda ampliam essa conceito ao
incluir um objetivo qualitativo para o processo, estipulando que “essa
comunicação não se reduz à transmissão de mensagens mas,
fundamentalmente, consiste em atingir o acordo sobre os objetivos comuns
e sobre as interações entre as atividades necessárias à realização deste
objetivos”175.

Se o objetivo é o “acordo” ou melhor, a convergência de objetivos e


linguagens, é claro que se trata de um processo interativo, não apenas uma
emissão da fonte para o receptor, caracterizando-se como uma série de
“transações” entre os diferentes atores. E para que seja atingido um estado
de concordância será necessário aperfeiçoar o tratamento das informações
e homogeneizar suas terminologias e os objetivos de cada participante para
que todos "falem a mesma língua" ao longo da cadeia de produção,
evitando-se as rupturas a cada “passagem de bastão”, a cada vez que um
ator transfere tarefas para o seguinte.
clvii

O conjunto de transações que carateriza o processo de comunicação pode


ser delimitado, constituindo um sistema composto por dispositivos técnicos
e seus atores. AKRICH , CALLON e LATOUR atribuíram a esse conjunto o
nome de “dispositivo de interessamento”176 e observaram que eles não são
“neutros” , interagindo com os seus operadores, daí serem caracterizados
por estes autores como “dispositivos sócio-técnicos”. Na acepção de
CALLON ,“o dispositivo é comparável a um programa de ação coordenando
um conjunto de papéis complementares, atribuídos a atores não humanos (
que constituem o dispositivo) e pelos humanos (difusores, uitilisadores, ... )
ou outros não humanos (acessórios, sistemas integrados) que compõe os
periféricos ou suas extensões”177.

Se estes sistemas (ou conforme os autores, dispositivos) não são neutros


em relação aos objetivos, é importante definir os limites e a influência de
cada conjunto para tornar possível o planejamento e aumentar a
capacidade de antecipação. GUFFOND e LECONTE afirmam que:

“mais importante que se prender à intensidade, ao ritmo ou à


profundidade da transformação importa sobretudo conhecer e
experimentar os modos de ação, os processos de aprendizado e os
sistemas (“dispositifs”, no original) de gerenciamento afim de criar as
condições de sucesso e de generalização”178 (da inovação).

Entretanto a compreensão destes sistemas deve se dar a partir da visão que


cada ator tem dos seus componentes ou “objetos” pois eles, “à parte de sua
materialidade, existem pela representação que os atores lhes atribuem.
Assim cada categoria de ator vai elaborar sua representação do mesmo
objeto. E é a unidade física do objeto, a sua materialidade, que vai contribuir
fortemente à convergência das representações.”, conforme JEANTET179.
clviii

Aos componentes técnicos do sistema de informação cabe então parcela


substancial da convergência de objetivos da organização e de toda a rede
socio-técnica da qual ela faz parte. Mas é preciso ter em conta não só sua
definição física, como a percepção que os usuários constroem sobre eles, a
partir da sua interação com as necessidades de seus operadores ou
consumidores. Um bom exemplo são os controles de produção existentes
na obra: como os seus operadores, os engenheiros e encarregados, não os
utilizam nas suas tarefas do dia a dia é comum não os executarem de modo
adequado, pois lhes atribuem um grau de inutilidade que os leva a resistir a
empregar seu tempo nessa tarefa.

Mas, à cada “transação” correponde, em geral, uma “tradução”180 entre os


universos dos atores envolvidos, pois os significados dos objetos variam
conforme a percepção dos usuários. Isso é evidente ao compararmos os
diferentes projetos e respectivas maneiras de segmentar o edifício, ao
longo do processo de concepção e execução: na arquitetura ele é dividido
em blocos e pavimentos para se obter uma representação mais fácil. Na
ocasião do planejamento e orçamentação, é transformado em unidades de
medida , tais como m2 , m3 , associadas à materiais e serviços. Já na obra,
o engenheiro o fraciona em tarefas, adequadas à jornada de trabalho dos
operários, mas ainda terá que efetuar sua tradução para os documentos de
controle que seguem o padrão ou a “linguagem” do planejamento.

Essa variabilidade pode levar a disfunções, quando o significado original


perde consistência, sendo preciso criar instâncias que diminuam essa
possibilidade e reduzam os “ruídos” na transmissão de informações. Em
outras palavras, é preciso que os atores tenham um código comum, uma
linguagem de representação das situações abordadas que seja a mais
uniforme possivel, para garantir a uniformidade dos objetivos da cadeia de
produção, ou seja sua convergência .
clix

Mas, em consequência da especialização do trabalho, inclusive intelectual,


ao longo da cadeia das edificações vamos encontrar diversas linguagens
especializadas, cada uma correspondendo a uma área de domínio
específica. Elas estão presentes na série de jargões profissionais
encontrados em cada categoria e se refletem nas normas gráficas de
representação, onde cada categoria técnica tem um conjunto separado, de
compreensão difícil até para outros técnicos que não atuem na área.

Ao longo do processo de produção, o edifício é representado de modo


diferenciado, conforme cada especialidade técnica e será traduzido para
cada uma das suas respectivas linguagens, acrescido das suas respectivas
competências. No capítulo IV já nos referimos à divisão entre o mundo do
planejamento do produto e a realidade do canteiro, mas essa separação se
inicia bem antes e se diversifica ao longo de todo o processo de produção
do edifício.

O arquiteto divide e representa o seu objeto de trabalho através uma lógica


“mongeana” onde o fundamental é a facilidade de desenho e articulação das
informações no âmbito imediato da apresentação da concepação do
produto. Posteriormente, no planejamento, o edifício será particionado em
2 3
m , m , e outras medidas que facilitam a sua mensuração e correlação
com homens-hora e máquina-hora. Já no canteiro o engenheiro fará uma
nova partição baseada em jornadas de trabalho ou tarefas, adequadas ao
planejamento do trabalho naquele contexto, sendo necessário traduzi-las de
volta nos relatórios de controle de produção.

BOULIER181 destaca que ao engenheiro cabe gerir três categorias de tempo


diferentes na contabilidade do trabalho: o “tempo material” ou contábil, que é
constituído pelas horas gastas, de maneira geral; o “tempo trabalhado”,
onde devem ser diferenciadas as qualificações e o “tempo físico”182 ou
clx

tempo que se escoa, que corresponde ao planejamento, mas não pode ser
objeto de nenhuma contabilidade, pois um dia perdido nem sempre pode ser
recuperado. Ele se relaciona com o objeto de trabalho e provoca situações
tais como, estar adiantado no cronograma apesar de ter dispendido horas
demais, ou estar atrasado, mas ter saldo de horas contabilizadas.

O projeto da obra e o projeto do edifício

Como vemos, na situação atual ao longo do processo de produção do


edifício, há uma verdadeira babel de linguagens especializadas desde sua
etapa inicial, a concepção ou projeto até a entrega da obra aos usuários. O "
Roteiro para normalização de projeto arquitetônico" 183 do IAB - Instituto dos
Arquitetos do Brasil define projeto como intenção, desígnio, sendo o projeto
arquitetônico "..o conjunto de documentos que define previamente esta
intenção e,... virtualmente reproduz toda a sua configuração futura". Embora
esta definição seja referente à arquitetura ,ela pode ser estendida a todos os
projetos complementares na área de edificações.

Trata-se assim de um "projeto do produto", ou seja, uma descrição


promenorizada da conformação final do bem desejado, com pouca ou
nenhuma informação sobre "como realizá-lo". A edificação distingue-se,
assim, de outras áreas onde o projeto completo engloba tanto a idealização
do produto como a definição do processo de produção. A tendência
industrial mais recente184 é de uma integração cada vez maior entre estes
dois momentos do projeto, havendo casos em que o projeto do produto é
dependente do processo: é a partir dos limites dos equipamentos
disponíveis que surge o desenho do produto.

As Normas Brasileiras de projeto do edifício também dão pouco destaque à


etapa de realização: definem apenas que "no grau que lhe for adequado
(grifo nosso) deverá conter todos os elementos para a realização da
clxi

obra"185, listando então 30 projetos "de produto" necessários e 1 (um) item


acerca de "processos de construção e montagem". Também nas Práticas
DASP186, norma legal para a contratação de projetos pelo serviço público
federal, encontramos uma definição correspondente, acrescida de que
"quando for solicitado pelo contratante, o projeto executivo será integrado
por um cronograma onde estejam demonstradas as etapas lógicas de
execução", ou seja, a preocupação com o processo é uma excepcionalidade
a ser solicitada especialmente.

As normas refletem uma situação que é evidente para qualquer um que


frequente de modo regular os canteiros de obra: raras são as vezes que ali
encontramos um projetista, seja arquiteto, calculista ou engenheiro de
instalações e com menor frequência ainda vemos um documento que deva
ser remetido de volta aos idealizadores do edifício.

Entretanto, a dissociação entre concepção e a execução na construção é


relativamente recente, sendo, em geral, vinculada aos surgimento das
indústrias de escala e da massificação da produção na década de trinta,
ainda neste século, embora MITCHELL187 sugira que este processo tenha
se iniciado na Inglaterra, ainda no final do século XVII. As afirmativas não
chegam a ser conflitantes, pois ambos os casos ocorreram em momentos
de forte aumento na produção de habitações, no século XVII causada pelo
incêndio de Londres, no nosso século pelos programas de saneamento e
habitação da social democracia europeia, sendo que em ambos as
estruturas de produção tiveram que adaptar-se rapidamente à demanda.
MITCHELL ressalta o aprofundamento desta separação, na Inglaterra, no
princípio do século, quando há novo impulso nas edificações em Londres.

CASTRO consolida a análise desta dissociação que se refletiu na atribuição


de diferentes responsabilidades das categorias dos arquitetos e dos
clxii

engenheiros, sintetizada no Congresso do CIAM em 1933, ressaltando os


"novos papéis assumidos na produção, o comando da concepção e o
comando da execução"188, então respectivamente atribuídos aos arquitetos
e engenheiros. Hoje verifica-se na prática que esta separação não mais
segue a divisão por categorias, mas colocando de um lado os arquitetos ou
engenheiros "de projeto", onde se incluem os calculistas e outros
especialistas responsáveis pelos projetos complementares, e de outro, os
engenheiros "de obra", que muitas vezes são arquitetos que se dedicaram a
“tocar obra”189.

Fragmentar a concepção e a execução inseria-se na lógica da indústria


manufatureira que ainda se desenvolvia e se ofisticava no princípio deste
século. Quando TAYLOR apresentou sua proposta de gerência científica,
esta parcelização do trabalho passou a ter um corpo teórico e uma
justificativa econômica, atendendo ao paradigma mecânico. BRAVERMAN
190 ressaltou o caráter de apropriação do conhecimento operário pela
gerência e a consequente estratégia de uma progressiva divisão do
trabalho, em parcelas cada vez menores e com controle decrescente do
operário sobre o processo.

A separação das funções reflete-se perfeitamente nas formas de


contratação dos arquitetos e, em 1984 , conforme pesquisa realizada pelo
DIEESE191, verificamos que a maioria estava atuando na área de "serviços
técnicos para a construção" e não "construção", sejam vinculados à
empresas de serviços técnicos (43%), ou exercendo a prestação de
serviços como autônomos (30%) , embora dedicados à área de edificações.
Ela também nos indica que, na ocasião, 53% dos arquitetos ocupados
estavam empregados na área de projetos de edificações e apenas outros
20% em execução de obras. Como vemos, a área de edificações absorvia
73% dos arquitetos ativos.
clxiii

Aparentemente o quadro não teve muitas alterações: nos levantamentos 192


que realizamos, quase todos os projetos são subcontratados a terceiros,
sendo a arquitetura o único que atingiu uma participação importante como
serviço próprio. Longe de ser uma contradição, isto se explica porque é
através dela que se estabelece o "padrão construtivo" da empresa.
Contratá-lo fora significa correr maiores riscos de introdução de novas
soluções, ou pelo menos, exigirá adaptações. Outras construtoras
costumam contratar seus projetos sempre com os mesmos projetistas,
numa tentativa de estabelecer este vínculo entre êles e o seu próprio
"padrão". Entretanto, como a forma de contratação e as atribuições
permanecem as mesmas, isto colabora muito pouco para a redução dos
problemas.

90
80
70
60 Propria
50
Fornecedor
40
30 Externo
20
10
0

Figura 0-A: Origem dos projetos nas construtoras.


Fonte: Métodos de controle de produção e de produtividade nas edificações, do autor

NAVEIRO identifica no estabelecimento destes "Departamentos de


Arquitetura" próprios algo semelhante ao que ocorreu na indústria da
manufatura, onde a "questão de adequar a fabricação ao processo foi
resolvida através de uma decisão organizacional: estendeu-se a fase de
clxiv

concepção até o planejamento do processo," cabendo a estes


departamentos de arquitetura "traduzir os projetos e adequa-los aos meios e
processos disponíveis pela empresa" 193.

Entretanto, a forma convencional de desenvolvimento de projeto ainda está


longe de uma verdadeira coordenação de objetivos e metas: CASTELLS
ressalta que "o que se denomina projeto executivo não passa de uma
superposição de projetos, não nascidos em conjunto e sem garantia de
compatibilidade" 194.

Mas também há uma atividade de projeto vinculada ao canteiro, em geral


sob responsabilidade do engenheiro de obra, mais raramente com
participação dos setores de planejamento. Menos visível, pois ela não é
considerada uma etapa em si, ela inicia-se com o projeto do canteiro
propriamente dito e continua ao longo da obra em todas os momentos de
planejamento dos serviços, ainda que na maior parte das vezes ela resuma-
se a uma conversa entre mestre e engenheiro e alguns cálculos de
consumo. Espalhada ao longo da execução, sem caracterizar-se como uma
etapa autônoma na forma tradicional de projeto, ainda assim ela
corresponde ao "projeto do processo" existente em outras indústrias mais
sofisticadas tecnologicamente.

Podemos também chamá-la de "projeto da obra", diferenciando-o assim do


"projeto do edifício". A dissociação entre concepção e execução atinge aqui
o seu limite: são dois momentos separados da produção, com atores
distintos e pouca comunicação entre eles, como veremos adiante.

Dispersão e convergência

A matriz intersetorial apresentada na Fig. V-9 apresenta as relações dentro


do macrocomplexo da construção como um sistema interligado, ou seja, um
tipo de rede, onde as setas representam as vinculações entre os
clxv

subsetores. Mas elas são, na maioria, simples transações comerciais


com poucas trocas de informação e tecnologia. Isto a diferencia do
conceito geral de rede tecno-econômica, apresentado por CALLON 195.
Porém, apesar da fraqueza de suas interações técnicas, muitos dos
conceitos secundários destas redes, tal como o grau de convergência ou
divergência, podem ser adaptados ao nosso objeto de estudo de modo a
facilitar a compreensão de sua dinâmica.

CALLON estruturou seu conceito de rede a partir de três pólos: o científico,


responsável pelo conhecimento básico; o técnico, ao qual cabe a concepção
e a execução de produtos e o pólo do mercado. Do mesmo modo, para
abrangermos todas as interações técnicas e comerciais da construção
devemos incluir setores que não estão representados na Fig. V-9, tais como
órgãos de pesquisa e outros que, de certo modo, configuram um pólo
científico ou que, embora pertençam ao pólo técnico, realizam atividades
técnicas acessórias, tais como normatização ou certificação.

As relações entre os participantes destes três pólos, seja internamente com


um deles, seja entre oriundos de pólos diferentes, ocorrem através de
transações comerciais, financeiras, de pessoal ocupado ou de informações,
sendo que em geral elas são mistas, envolvendo dois ou três aspectos em
proporções diferenciadas. Mesmo a venda de um produto, operação
tipicamente comercial, sempre embute um componente técnico nas
qualidades e exigências operacionais do bem comercializado, pois qualquer
que seja o produto é necessário um determinado conhecimento para
operacionalizá-lo.

Deste modo, é possível avaliar o grau de integração da rede através do


acompanhamento destas transações de todos os gêneros. É claro que as
comerciais , as financeiras e boa parte dos deslocamentos de pessoal são
clxvi

identificadas de modo mais fácil, pois já estão caracterizadas nas


estatísticas econômicas, mas também as trocas de informações são
passíveis de avaliação, ainda que por meios indiretos, tais como referências
técnicas, convênios, publicações etc.

Isto, porém, traça uma imagem quantitativa e ainda reflete pouco a


qualidade da transação, sendo necessário um tipo de classificação que
reflita a sua eficiência. CALLON associou a convergência ou divergência da
rede a este aspecto, sendo a rede tanto mais eficiente quanto maior a
primeira. Esta qualidade seria, no seu entender, o resultado direto de um
sistema de circulação de informações eficiente e homogêneo, onde todos
"falem a mesma língua" e tenham objetivos alinhados, não conflitantes.

Não é o caso da construção brasileira, onde a circulação de informações


por meio de publicações ou de centros de disseminação técnica é ainda
restrita, sendo mais comum que ela ocorra através do deslocamento de
pessoal empregado. Talvez devido ao excessivo fracionamento da cadeia
de produção os objetivos dos diversos participantes são em grande parte
conflituosos e as interações entre os diferentes "ramos" da rede, além de
serem relativamente pequenas, ocorrem quase que exclusivamente através
de transações comerciais (venda de produtos), fato agravado pelo pequeno
conteúdo técnico destes produtos, que na sua maioria são pouco
processados.

Desta fraca interligação, tanto técnica e comercial, resulta o distanciamento


dos objetivos das empresas e dificuldades de comunicação. Ao longo de
cada "ramo" há um linguajar técnico específico relativo a seus materiais e
processos e pouco conhecimento acerca do que se desenvolve em outro
"ramo”, onde pode existir um material ou produto sucedâneo. As empresas
estão organizadas em torno de tecnologias de processo, e não voltadas ao
clxvii

atendimento de necessidades das construtoras ou do consumidor final, com


metas limitadas às transações mais imediatas. A proliferação de produtos de
má qualidade e desconformes com as normas é uma das facetas desta falta
de uma meta comum: de certa forma êles atendem ao objetivo de lucro
imediato do fabricante, o qual pouco se importa com os resultados adiante.

Outra característica da construção é a sua dispersão do seu conhecimento


especializado, com uma mão-de-obra qualificada bem distribuída e grande
liberdade de circulação do conhecimento, resultado da mobilidade da mão-
de-obra, tanto operários como técnicos, e da pequena incidência de
sistemas de produto patenteáveis no setor final de edificações. A ênfase das
construtoras na questão organizacional e o fato de ser um "setor dominado
pelos fornecedores", como vimos anteriormente, deixa espaço para que
estes últimos atuem na disseminação técnica, através da assistência ao
uso de seus produtos.

É frequente que os fornecedores de materiais e equipamentos sejam


responsáveis pelos projetos complementares específicos, tal como no caso
dos elevadores 196. Além disso também é comum que fabricantes de um
material que dependa de processamento no canteiro ou por terceiros
organizem subempreiteiros especializados, aos quais repassam as técnicas
de execução e exercem certo contrôle qualitativo. Por exemplo, os grandes
fornecedores de alumínio para esquadrias assessoram serralharias de
pequeno e médio porte e direcionam para êles contratos captados por sua
rede de assistência técnica ao projeto.

Desse modo estes fornecedores tem uma atuação considerável na


disseminação de conhecimentos especializados, inclusive repassando a
novos clientes soluções desenvolvidas para outros usuários, às vezes com a
sua participação. Apesar da importância desta via de comunicação, ela
clxviii

esbarra nas limitações da organização por "ramos" vinculados à tecnologia


dos processos. Não existem fornecedores, por exemplo, de esquadrias, mas
sim de esquadrias de alumínio, ou de ferro ou de madeira, cada um
vinculado a um dos "ramos". Cabe ao projetista, na situação atual,
diferenciar as qualidades de cada uma para especificar a mais conveniente
a cada caso. Como o seu conhecimento é limitado, esta escolha nem
sempre será a melhor. Ao invés de especificar um determinado
desempenho e buscar o produto que atenda seus limites, ele compara as
possibilidades de solução de modo subjetivo, priorizando determinados
aspectos e custos baseado principalmente em experiências anteriores, suas
ou de terceiros, apresentadas pelos fornecedores.

Vemos, assim, dois movimentos contrários: um divergente, resultado do


fracionamento do macro complexo em ramos isolados e algumas vezes
competitivos; outro, de dispersão de conhecimento, ou seja convergente,
resultado da mobilidade do pessoal ocupado e da atuação dos
fornecedores. O segundo, entretanto é, no momento, muito mais fraco que o
primeiro, não sendo capaz de suprimir os aspectos negativos do primeiro.
Acrescente-se a isto que os órgãos técnicos e científicos que deveriam
colaborar para convergência do sistema através de uma circulação de
informações mais intensa e normatização dos processos e produtos ainda
são incipientes e tendem a refletir a especialização dos ramos, com algumas
raras exceções, tais como o IPT, Instituto de Pesquisas Tecnológicas de
São Paulo e o COBRACON, Comitê Brasileiro de Normatização da
Construção, vinculado à ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas.

Gestão da informação nas edificações

Na situação atual das edificações no Brasil, na fase da execução da


construção as formas de transmissão da informação ainda são,
primordialmente, verbais e, mesmo nos degraus acima da cadeia de
clxix

produção, ela ainda é pouco documentada. As informações refletem deste


modo a qualidade do gerenciamento do projeto: a transmissão de uma
ordem ou informação é uma transação entre os seus participantes, como tal
sujeita a distorções ou "ruídos", cada vez que ocorre uma troca, cada vez
que alguém a recebe e, forçosamente, a interpreta.

Sendo a construção uma atividade desenvolvida por um grande número de


participantes, o processamento da informação assume uma grande
importância. A sua disseminação e qualidade podem indicar a
confiabilidade do sistema que transmite as ordens de serviço, a sua
convergência de metas, bem como eventuais concentrações ou "gargalos" .

Um dos meios de avaliarmos a qualidade da comunicação é através da


análise do processamento da informação ao longo da cadeia de produção.
DEFORGE 197 já afirmou que "o desenho completo é uma ordem" , ou seja,
o projeto é em essência uma ordem de serviço e, como tal, uma
informação a ser transmitida. FERRO198 também ressalta esta papel do
projeto ao dizer que "no canteiro ... a razão prioritária é a comunicação" .

Mas na mão de cada ator por onde transita essa ordem de serviço é
acrescida pelas suas competências localizadas, resultando numa crescente
complexidade. Além disso, se a cadeia de transmissão for longa ela é
sujeita a falhas tanto na ida (ordem) quanto no retorno (controle), estando
também mais exposta aos “ruídos” que surgem a cada interface ou
“tradução”, alterando o conteúdo da comunicação. Da mesma maneira, se
essa cadeia for “rígida”, ou seja, muito burocratizada e hierarquizada, os
ruídos deturpam o conteúdo e atrasam a sua transmissão, enquanto numa
cadeia mais “flexível”, com várias possibilidades de encaminhamento da
ordem, alguns ruídos podem ser criativos, pois vão criar novas
possibilidades de solução.
clxx

Podemos identificar nestas constatações duas caraterísticas desejáveis


para a cadeia de produção: uma menor extensão, levando a menores níveis
hierárquicos; e uma maior flexibilidade, o que significa uma organização
mais participativa, com amplo acesso à informação por parte de todos os
seus integrantes.

Para isso, é importante que as “filtragens” individuais sejam eliminadas e o


acesso e valoração das informações sejam coletivizados. A cada vez que
uma informação depende da avaliação discricionária de um integrante da
cadeia, ela está sujeita a uma avaliação individual e, possivelmente, pode
ser contrária aos objetivos gerais do projeto. Um exemplo é quando o
engenheiro resolve um problema na obra, mas não comunica aos projetistas
que a solução proposta originalmente não era satisfatória, situação bastante
comum nos canteiros. Como ele resolveu o problema, julga que seus efeitos
negativos cessaram, mas os projetistas continuarão, eventualmente, a julgar
aceitável a primeira solução.

Em 1992, na pesquisa sobre métodos de contrôle, elaboramos uma matriz


para estabelecer um quadro das ligações entre os diferentes participantes
do processo de produção. Nessa tabela as empresas informaram se
usualmente não existe comunicação, ou se ela existe e é apenas verbal, ou
se é documentada, seja escrita ou desenhada (gráfica), ou ainda se ela é
informatizada.

A tabela 0-a formas genéricas de comunicação., representa a matriz completa,


ou seja, quais os percentuais encontrados nas respostas que indicam
comunicação de qualquer tipo entre os setores em questão. Na tabela 0-b
comunicações documentadas., temos a matriz das situações em que a
comunicação é documentada, seja escrita, desenhada ou informatizada e,
clxxi

finalmente, a tabela 0-c : informatização nas comunicações, mostra os casos


em que ela se dá por meio informatizado.

Comunic

Projeto
Planejam. 84
Eng. obra 89 95
Mestre 47 47 100
Encarr. 37 26 100 89
Oficiais 11 11 79 95 95
Auxiliares 5,3 5,3 63 89 89 84
Dept. Pess. 5,3 32 84 63 47 42 37
Subemprei. 21 26 95 100 79 26 21 26
Depto.Comp. 37 63 89 37 21 5,3 5,3 21 37
Tabela 0-A Formas genéricas de comunicação.

Embora esta relação não seja unívoca, podendo se dar de um modo em um


sentido e, de outro, no sentido oposto , nossos levantamentos não foram
elaborados considerando esta hipótese, identificando apenas qual o tipo que
ocorre, sem determinar o sentido. Os resultados nos levam a crer, que
embora pudesse acrescentar algumas informações, a falta de identificação
do sentido não foi uma perda significativa.

O quadro geral confirma a concentração de tarefas sobre o engenheiro da


obra: êle participa de 80% dos casos, excluídos os auxiliares (serventes). A
penetração do projeto, como uma ordem de serviço, é inversamente
proporcional à qualificação do destinatário: apenas 37% recebem instruções
através deste documento, o qual também atinge menos da metade dos
mestres. Estes, pela natureza de sua atividade, deveriam ter um sólido
conhecimento do produto a ser executado.
clxxii

As ligações do planejamento com o pessoal de produção seguem este


mesmo padrão, sendo enfatizadas pela função de controle de custo
exercido por este setor: Das informações que circulam entre o planejamento
e os mestres e encarregados, muitas se referem apenas a alocação de
pessoal, para efeito de apropriação de custo.

Quando analisamos o quadro de informações documentadas, sejam


gráficas ou informatizadas, a disseminação é muito menor, como demonstra
a tabela 0-b. O pessoal de produção praticamente só recebe instruções
documentadas do Departamento de Pessoal. É interessante que mesmo os
empreiteiros tem uma fraca documentação de seus contatos com seus
contratantes, evidenciando uma organização ainda menor. Também é
significativo que nem todos os engenheiros se comuniquem adequadamente
com o setor de projeto: aparentemente 30% deste fluxo se dão de modo
bastante informal...

Graf/info

Projeto
Planejam. 58
Eng. obra 68 74
Mestre 26 21 21
Encarr. 21 11 16 0
Oficiais 0 0 5,3 0 0
Auxiliares 0 0 0 0 0 0
Depto. Pess. 5,3 32 63 26 26 21 16
Subemprei. 21 26 63 5,3 0 0 0 11
Depto.Comp. 21 58 68 0 0 0 0 5,3 26

Tabela 0-B Comunicações documentadas.


clxxiii

De modo geral, a informatização também é pouco presente (ver tabela 0-c) .


É importante ressaltar que a forma como foi aplicado o questionário induziu
a excluir os caso de utilização do computador limitada a um só setor.
Empresas que não se comunicam por meios informatizados podem estar
utilizando-os para processamentos parciais, limitados à determinadas
seções. Nosso interesse entretanto neste levantamento eram os meios de
tratamento da informação, daí a penetração aparentemente pequena da
informática.

Mesmo nas atividades propícias à utilização da informática como meio para


comunicação e tratamento da informação, tais como os contrôles de
pessoal e de custos, ainda é incipiente a plena disseminação desta
ferramenta pelo conjunto de tarefas e setores das empresas. Embora as
construtoras entrevistadas nos estudos de caso utilizem computadores para
as tarefas de controle, a informatização, aparentemente, está restrita ao
processamento de dados e as bases de dados costumam ser de acesso
restrito aos setores de planejamento, não se estendendo como um meio de
comunicação e disseminação da informação. Na ocasião deste
levantamento, não nos deparamos com o uso do Projeto Assistido por
Computador (CAD), nem com ligações em rede das diversas unidades, o
que revela uma utilização do potencial destes equipamentos ainda restrita.
Posteriormente, ao longo de 1994, foi possível perceber um grande
crescimento do CAD, com várias construtoras implantando ou ampliando
seus sistemas e impondo a seus fornecedores de serviços a utilização de
determinados programas, tais como o AUTOCAD. Porém, a extensão dessa
prática ainda depende de uma avaliação mais precisa.

É significativo que o percentual de empresas que utilizam o computador no


setor de compras seja o dobro do uso nos setores de pessoal, o que
significa que o uso do equipamento no controle de custos dos materiais
clxxiv

está mais difundido e mais desenvolvido que sua presença no controle


técnico e no planejamento da obra.
to to
Proj. Planj. Eng.o Mest. Enc.. Ofic. Auxil. Dep Sub- De
bra Pess emp. comp
Projeto 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Planejam. 5.3 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Eng. obra 0 11 0 0 0 0 0 0 0 0
Mestre 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Encarr. 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Oficiais 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Auxiliares 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Dept. Pess. 0 5.3 5.3 0 0 0 0 0 0 0
Subemprei. 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Deto.Comp. 0 11 5.3 0 0 0 0 0 0 0
Tabela 0-C : Informatização nas comunicações

Engenharia simultânea e integração técnica

Como vimos, o quadro de variabilidade nas edificações prolonga-se dos


produtos às suas formas organizacionais. Sendo uma "indústria de
protótipos", já que seus produtos são quase sempre únicos ou com séries
de produção diminutas, a variabilidade de seu objeto de trabalho torna de
pouco valor qualquer esforço de aferição de tempos de produção pois o
objeto não se repetirá199. Em decorrência, novas formas de gerenciamento
do projeto são necessárias, de modo a permitir uma progressiva integração
clxxv

das funções de produção e concepção, com o objetivo centralizado em uma


maior produtividade em termos de empresa, e não em termos de
trabalhador, de acordo com a premissa de que estes ganhos se dão nas
atividades “intersticiais”.

Uma maior integração do processo de produção significa, em primeiro


lugar, fazer o projeto do produto em conjunto com o projeto do processo, o
que, nas indústrias de manufatura, é chamado de "engenharia
simultânea"200. Um de seus aspectos é a verticalização das empresas, fato
claramente identificado nos países onde o setor é mais desenvolvido, como
HASEGAWA201 indica, ao destacar a grande concentração da construção
japonesa. Do mesmo modo ao analisar as transformações recentes na
indústria da construção européia, D'IRIBARNE afirma: "a pressão
generalizada sobre os preços levou as empresas que tiveram a
possibilidade estratégica a alargar suas bases constitutivas dos valores
agregados, se possível apoiando-se sobre todo o ciclo produtivo. Deste
modo elas tenderam a integrar em suas atividades a concepção e a
comercialização, ou seja, o financiamento da produção." 202

Esta estratégia pode ser facilmente identificada no comportamento das


grandes empresas de construção no Brasil que recentemente passaram a
exercer um gerenciamento de projeto mais efetivo e a financiar com
recursos próprios a comercialização de seus produtos. Uma de suas
premissas básicas é que "na fase de desenvolvimento do conceito de um
produto ( o equivalente aos estudos de viabilidade e preliminar para as
edificações) despende-se somente 1% do custo total do projeto, mas
determinam-se 70% do custo do ciclo de vida do produto. Quando a fase de
desenvolvimento é completada (ou seja, quando é finalizado o projeto
executivo) 7% do custo do desenvolvimento foram gastos, mas 85% do
custo do ciclo de vida do produto já estão determinados"203. É nas etapas
clxxvi

preliminares que reside o maior potencial de reduções de custo, através da


análise de alternativas de solução mais adequadas e maior construtibilidade.

Quase como uma decorrência deste conceito, verifica-se que "quanto mais
tarde são realizadas mudanças nos projetos, mais onerosas elas se
tornarão"204, sendo, a princípio, mais econômico um projeto mais
detalhado, que inclua toda as atividades a serem realizadas durante a
execução do produto.

Em conseqüência os departamentos técnicos das construtoras, através das


funções de projeto e de planejamento agora integradas, passam a
defrontar-se com questões de planejamento de produção que anteriormente
eram restritas ao canteiro, a serem resolvidas entre o engenheiro da obra , o
mestre e operários. O "como executar" precede a ordem de serviço e o
projeto do produto deve contemplar a sua "construtibilidade"205, a sua
facilidade de execução. Em outros termos: o processo de trabalho,
entendido como um conhecimento técnico, deve ser incorporado ao projeto.

Entretanto, se esse movimento não for acompanhado de uma restruturação


de todo o sistema, corre-se o risco de que os investimentos necessários
para um projeto tão elaborado não sejam possíveis de amortização em um
único empreendimento e ocorra uma situação onde “os ganhos de
produtividade são consumidos pela matéria cinza” 206 . BOBROFF percebe
aí um limite para as novas organizações “por projeto”, questionando se as
mudanças que ela implica nos diferentes ofícios da construção não
terminam por consumir os investimentos nas etapas preparatórias e
sugerindo que um novo modelo organizacional começa a se estabelecer na
construção francesa. Isto significa alterar profundamente as atribuições dos
diversos segmentos profissionais e seu modo de inserção na cadeia
produtiva.
clxxvii

Resulta que, na Construção como em outros setores industriais, a questão


da integração tem seus limites ampliados além do campo estrito da
produção. Ao analisar esse ponto ZARIFIAN207 , partindo das duas formas
“canônicas” da integração, a integração técnica e a integração pela
organização da produção, apresentou quatro manifestações diferentes
desse fenômeno na organização.

A primeira delas é a integração técnica propriamente dita, “a conjugação de


elementos técnicos antes separados em um mesmo conjunto apto a realizar
uma pluralidade de operações”. Ela pode ser direta, quando há uma ligação
desses diferentes elementos em um mesmo dispositivo ou indireta, quando
ela decorre de uma circulação interativa do objeto de trabalho entre os
sucessivos dispositivos. Em ambos os casos ela pode ocasionar problemas
ou impor limites ao potencial de flexibilidade do sistema.

A segunda forma é a integração pela organização da produção, onde a


prioridade é dada à questão dos objetivos comuns ao conjunto de funções.
É uma abordagem dos fluxos internos da organização de modo inverso aos
modelos clássicos, indo no sentido da comercialização para as atividades
produtivas e de concepção.

A terceira forma é a integração relacional, entendida como a criação de


uma rede complexa onde a unidade de trabalho (“atelier”, no original) é o
elemento de atração e estimulação, centro de vários “nós” da estrutura
relacional da rede: por ali passa não só a execução como a concepção e a
relação cliente-fornecedor. Configura uma dupla rede de relações, uma
interna, vinculada ao gerenciamento da empresa e outra externa, ligada aos
fornecedores e clientes, resultando em uma “capacidade de integrar a partir
de problemas a resolver e não a partir de objetos”. São as questões postas
clxxviii

pela competitividade do ambiente externo que norteiam essa integração ,


resultando em uma grande flexibilidade do sistema.

Finalmente, temos a integração informacional, compreendida no processo


de integração dos sistemas de informação e comunicação, profundamente
vinculada à informática e constituindo o suporte necessário à integração
relacional. ZARIFIAN atenta ainda que a flexibilidade dos sistemas de
produção depende prioritariamente da qualidade da relação entre integração
relacional e informacional, muito mais do que dos sistemas de produção tipo
“just in time”.

Essas quatro formas de integração não são excludentes, articulando-se de


modo diferenciado de acordo com as necessidades de cada sistema
produtivo e suas características gerenciais. Delas surgem duas estratégias
de integração: a via da fusão ou absorção, caminho da integração
tradicional ou engenharia simultânea, onde duas ou mais etapas são
absorvidas em uma só, e uma segunda alternativa, da integração pela
comunicação, onde supõe-se uma repartição das informações e tarefas de
modo que sejam assegurados a coordenação de objetivos comuns e os
recursos necessários a cada centro ou unidade de serviço.

Nesse caso, não há uma absorção de uma etapa por outra, mas a
conjugação dos esforços comuns de diversos atores em torno de um
problema, viabilizada por uma estrutura comunicacional sofisticada e
articulada em um modelo organizacional com maior grau de autonomia para
seus integrantes.

A informática desempenha um papel fundamental nesses novos modelos.


Ela viabilizou os meios para atingir a capacidade de comunicação e
armazenamento de informações necessários às novas propostas
organizacionais, surgindo como um “fator favorável não somente a uma
clxxix

gestão mais integrada do processo como, também, da reconfiguração do


espaço organizacional da produção”.208

RICHTER acrescenta que “a utilização de técnicas de informação e de


comunicação aumenta as chances de atingir uma organização e uma
coordenação mais exatas das diferentes tarefas a executar e a uma
cooperação mais individualizada no quadro de uma melhor divisão social do
trabalho”209.

Essa utilização da informática nas edificações vai bem além de seu lado de
maior impacto para o leigo, o Projeto Assistido por Computador (CAD). Na
verdade, após um primeiro instante na década de 70, em que tudo indicava
uma rápida substituição da representação gráfica pela informatizada, a
realidade mostrou-se diferente, talvez pelas dificuldades da interface
homem-máquina com a tecnologia então disponível. Mas já em 1987,
CAMPAGNAC, PICON e VELTZ210 indicavam os horizontes que essa nova
tecnologia abria em termos de reorganização da concepção e da produção
do edifício. Posteriormente, em 1990, CAMPAGNAC, BOBROFF e CARO211,
ao analisarem as transformações estruturais de duas grandes construtoras
francesas, também as vincularam ao processo de informatização que elas
levavam a cabo.

Apesar das dificuldades iniciais de utilização, é importante destacar que o


CAD foi um dos fatores que levaram a essa reorganização, numa relação
inseparável entre causa e efeito. Estabeleceram-se possibilidades de uma
integração pela precisão, mas o CAD também criou maiores demandas de
coordenação, para maximizar sua produtividade interna. Sendo uma
resposta à crescente demanda de produtividade e exatidão na concepção,
ele trouxe consigo grandes exigências de coordenação, que para serem
ultrapassadas exigem novas formas organizacionais.
clxxx

Na sua forma mais desenvolvida, no momento, o CAD é um arquivo


eletrônico de desenhos cujas funções extrapolam a concepção e incluiu a
dualidade de ser “ um espaço de estocagem de dados intangível, protegido
e protetor e um espaço de comunicação aberto, efêmero e constante.” 212O
“arquivo eletrônico” nada mais é que uma base de dados acessível por
todos os participantes, ainda que de modo controlado e que estipula níveis
de acesso a cada grupo de intervenientes ou áreas de domínio. Surgiu
como uma resposta às dificuldades de coordenar as diferentes linguagens
das diversas áreas especializadas da construção, de modo a melhorar o
rendimento de uma ferramenta, a princípio cara, mas extrapolou de sua
funções, pois permite atingir níveis muito mais altos de confiabilidade no
projeto e no planejamento.

Ao mesmo tempo, para que funcione realmente, ele depende de uma


padronização dos seus protocolos, criando-se uma linguagem comum. Nos
USA surgiu em dezembro de 1991 uma associação encarregada deste
desenvolvimento, o CABDS213, que, desde então, vem coordenando o
estabelecimento de um padrão de comunicação a respeito. Na Europa,
como nos USA, também se encontram diversos sistemas proprietários, mas
a maior parte deles limita-se a transmissão e gerenciamento de dados, a
chamada EDI - Eletronic Data Interchange214, inexistindo, ainda, uma
padronização efetiva.

Verifica-se que a questão da informatização da construção evoluiu do


projeto assistido por computador para um sistema que integrasse todos os
participantes, baseado na EDI. Embora recente, tendo sido delineado em
torno de 1992, suas potencialidades parecem ser muito altas, exatamente
por que busca responder a demanda de um novo padrão organizacional,
mais integrado. Como afirma MIDLER 215:
clxxxi

Vemos que o estágio ( do desenvolvimento das formas de


organização) seguinte nos leva não ao robustecimento do projeto
mas a uma recomposição interna dos ofícios: uma nova divisão de
tarefas, evolução das relações hierárquicas, novos objetivos e
métodos, ... Um estágio que chamaremos de “concepção integrada”
(grifo no original).

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