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RESENHAS CRITICAS

PATTO, Maria Helena Souza A do fracasso escolar. São Paulo: T. A.


Queiroz, 1990. 385p.

Mana Helena Souza Patto ele- ne como necessário "conhecer, pelo


geu como objeto de estudo, nesta menos em seus aspectos fundamen-
obra, o fracasso escolar das crianças tais, a realidade na qual se engendrou
das camadas populares. Ela justifica uma determinada versão sobre as di-
a sua escolha considerando que a re- ferenças de rendimento escolar exis-
produção e a evasão na escola públi- tentes entre crianças de diferentes
ca de primeiro grau, durante várias origens sociais".
décadas, assumem proporções inacei- Para isso, ela faz uma revisão
táveis e que as diversas tentativas de crítica do discurso que fundamenta a
solucionar esse problema - como as literatura voltada para esse tema -no
reformas educacionais, projetos de que ele "diz", no que ele "não diz" e
pesquisa na área e um conjunto de no que se "contradiz" - e examina as
medidas técnico-administrativas to- raízes históricas e o contexto
madas pelos órgãos oficiais - têm se socioeconômico e político no qual a
mostrado ineficientes ao longo de representação de pessoas das cama-
sessenta anos. das populares se desenvolveu, im-
A sua obra está organizada em pregnada de preconceitos e de este-
duas partes. Na primeira, a autora faz reótipos sociais.
uma revisão crítica da literatura sobre Essa revisão a conduz, necessa-
as causas das desigualdades educa- riamente, a uma análise do advento
cionais na sociedade brasileira e uma das sociedades industriais capitalis-
análise das raízes históricas das con- tas, dos sistemas nacionais de ensino
cepções sobre o fracasso escolar. Na e das Ciências Humanas, especial-
segunda parte, a autora analisa os mente da Psicologia. Nesse contexto,
dados coletados numa pesquisa de tendo como pano de fundo o ideário
campo, na qual observou, na escola, liberal e, conseqüentemente, estando
em casa e no bairro, crianças morado- presente o discurso da crença na pos-
ras da periferia de São Paulo, que são sibilidade de uma sociedade igualitá-
alunos multirrepetentes de uma es- ria e democrática, a escola funciona
cola pública de primeiro grau. como instrumento de ascensão e de
Partindo do princípio de que um prestígio social.
modelo positivista de produção de Nessa época a Psicologia Cien-
conhecimento nas Ciências Humanas tífica, através dos resultados nos tes-
e Sociais não comporta a complexi- tes de inteligência oferece a explica-
dade da vida humana (além de se de- ção e a mensuração das diferenças
ter na aparência dos fenômenos e, individuais, sedimentando a idéia de
portanto, gerar pseudoconhecimen- que os mais capazes ocupam as me-
tos), Patto utiliza o materialismo his- lhores posições na sociedade. Os lu-
tórico como referencial teórico e deti- gares sociais, portanto, seriam ocupa-

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dos com base no mérito e esforço volvidos no processo educativo que
pessoal, e esse seria o único critério nela se desenrola, incluindo os alunos
legítimo de seleção educacional e so- e suas famílias.
cial. Buscando um enquadramento
A autora enfatiza que, na análi- teórico que tivesse como pressuposto
se das dificuldades de aprendizagem a determinação histórico-social da
escolar, a Psicologia, influenciada por ação humana, a autora encontrou no
uma visão organicista das aptidões conceito sociológico de "vida cotidia-
humanas - carregada de pressupos- na" (fundamentado pela pensadora
tos racistas e elitistas - e por uma marxista Agnès Heller), subsídios que
concepção atenta às influências am- a ajudassem a responder às seguin-
bientais, produz, conseqüentemente, tes perguntas: Quem são estas crian-
uma explicação impregnada dessa ças? Como vivem na escola e fora
ambigüidade, que será uma caracte- dela? Como vivem na escola e como
rística presente no discurso sobre as participam do processo que resulta na
causas do fracasso escolar, nos paí- impossibilidade de se escolarizarem?
ses capitalistas ao longo do século Constatando que nas pesquisas
XX, fundamentando, inclusive, a "teo- sobre a escola e sobre o fracasso es-
ria da carência cultural". colar as crianças são reduzidas a nú-
meros frios e impessoais e, conse-
Ao fazer uma análise ideológica qüentemente, tornam-se as grandes
dessa teoria, Patto enumera três cau- ausentes, Patto, convivendo com qua-
sas apontadas, pela teoria, para as di- tro alunos muitirepetentes, deu voz a
ficuldades de aprendizagem das esses sujeitos e revelou o discurso
crianças das camadas populares: as dessas crianças, recusando-se a fazer
suas condições de vida, a inadequa- um discurso "sobre" elas. Assim, a
ção da escola pública em lidar com proposta metodológica utilizada pela
esse aluno concreto, e, por parte da autora possibilitou-lhe confrontar a lei-
professora, a falta de sensibilidade e tura dos profissionais da escola com o
de conhecimento da realidade vivida discurso de seus alunos e de suas
pelos seus alunos, em conseqüência famílias: alguns laudos psicológicos
da distância entre a sua cultura e a dessas crianças com as observações
deles. feitas por ela e por suas auxiliares de
Considerando o fracasso escolar pesquisa em sala de aula e nas casas
como um processo psicossocial com- das crianças, em relação ao fracasso
plexo, e a fim de questionar alguns escolar.
desses conhecimentos ditos "científi- Essa confrontação permitiu à
cos", que fundamentam a teoria da autora elaborar algumas conclusões a
carência cultural das crianças das respeito do tema, fazendo uma revi-
camadas populares, Patto permanece são crítica das teorias do déficit e da
numa escola pública de primeiro grau diferença cultural:
e num bairro da periferia da cidade de
São Paulo, realizando observações - a inadequação da escola de-
em vários contextos e entrevistas corre, principalmente, de sua má qua-
formais e informais com todos os en- lidade, da representação negativa que

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os seus profissionais têm da capaci- dos no processo educativo; mais que
dade dos alunos, conseqüência da isto, sob uma aparente impessoalida-
desvalorização social dos seus usuá- de, pode-se captar a ação constante
rios mais empobrecidos; da subjetividade. A burocracia não
- o fracasso da escola pública tem o poder de eliminar o sujeito; po-
elementar é o resultado inevitável de de, no máximo, amordaçá-lo."
um sistema educacional congenita- A obra de Patto configura-se
mente gerador de obstáculos à reali- como leitura imprescindível aos pes-
zação de seus objetivos; quisadores do fracasso escolar e a
- esse fracasso é administrado todos os educadores comprometidos
por um "discurso científico escudado com a democratização do ensino para
em sua competência, naturaliza esse as camadas populares.
fracasso aos olhos de todos os envol-
vidos no processo";
-".-a rebeldia pulsa no corpo da Maria das Graças de Castro Senna
escola e a contradição é uma cons- Universidade Federal de Minas Gerais
tante no discurso de todos os envolvi- (UFMG)

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