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ARTIGO ARTICLE 855

A filosofia de Platão e o debate bioético


sobre o fim da vida: interseções no campo
da Saúde Pública

Plato’s philosophy and the bioethical debate


on the end of life: intersections in Public Health

Rodrigo Siqueira-Batista 1,2,3


Fermin Roland Schramm 2,4

Abstract Introdução

1 Núcleo de Estudos em This article discusses bioethical aspects of med- A morte é um dos mais genuínos problemas da
Filosofia e Saúde, Fundação
ical futility, focusing on some of its intersections condição humana, tendo demandado esforços
Educacional Serra dos
Órgãos, Teresópolis, Brasil. in public health. Starting from a demarcation para o seu equacionamento ao longo da Histó-
2 Departamento de Ciências of finitude in the core of the philosophical and ria do pensamento ocidental 1. Ainda antes do
Sociais, Escola Nacional
bioethical debate on the end of life, we confront nascimento da filosofia – ocorrido por volta do
de Saúde Pública,
Fundação Oswaldo Cruz, the contemporary criticism regarding medical século VI a.C. – já podiam ser percebidos mati-
Rio de Janeiro, Brasil. futility with the ideas of Plato (427-347 B.C.), a zes relativos à finitude, como o referido em ver-
3 Comissão de Bioética,
philosopher who proposed significant consider- sos da Ilíada e da Odisséia 2,3.
Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho, ations on numerous features of the medicine of Um mote tão arcaico foi capaz de perpassar
Universidade Federal his time. We thus explore novel theoretic refer- a cultura no Ocidente, influenciando decisiva-
do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, Brasil.
ences to guide the disputes related to this essen- mente suas mais díspares faces, como o mito, a
4 Instituto Nacional do tial problem, the implications of which are de- filosofia, a ciência e a arte 4. Do ponto de vista
Câncer, (INCA), Ministério cisive to health and life. filosófico, diferentes autores trataram do signi-
da Saúde – Brasil.
ficado da morte: pensadores como Michel de
Correspondência Bioethics; Medical Futility; Death; Public Health Montaigne – para o qual filosofar é aprender a
Rodrigo Siqueira-Batista morrer 5 – e Martin Heidegger – que viu no ho-
Av. Alberto Torres 111,
Teresópolis, RJ mem mortal aquele que é capaz de olhar em
25964-000, Brasil. direção ao divino 6 – afirmam a finitude como
anaximandro@hotmail.com
instância inalienável à dimensão humana; por
outro lado, filósofos como Baruch Spinosa – o
qual, em sua Ética, veda à filosofia a possibili-
dade de uma vocação para pensar no passa-
mento 7 – e G. W. F. Hegel que, em sua Fenome-
nologia do Espírito 8, articula um poderoso dis-
curso com vistas à superação da morte, negam
a primazia da finitude como questão primeva
da existência humana. Mesmo que haja uma
impossibilidade consubstancial para a reflexão
sobre o próprio fim, o saber-se mortal é um dos
esteios da experiência que o homem tem de si

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mesmo 1. Assim pois tal temática, que pode ser preendida como: (1) uma ética aplicada aos
considerada visceral à filosofia, ganhou dife- problemas levantados pelas ciências da saúde
rentes contornos na segunda metade do século e da vida; (2) um genuíno movimento cultural,
XX, graças à inserção de novos elementos no cujos aspectos de maior relevância incluem a
panorama espiritual, podendo-se mencionar: secularização difusa, o acentuado pluralismo e
(1) a “crise” da razão experimentada sobretudo a grande valorização da autonomia individual
no período pós-guerra, com as influências do 12 , ou ainda, preferencialmente, em concor-

existencialismo de Jean-Paul Sartre 9 e o niilis- dância ao formulado por Miguel Kottow 18; (3)
mo – cujas raízes podem ser encontradas já em como a disciplina que se refere à moralidade
Friedrich Nietszche 10 –, (2) as novas possibili- dos atos humanos que podem alterar, de forma
dades de atuação terapêutica da medicina, irreversível, os processos, também irreversí-
conseqüentes aos “avanços” obtidos pela bio- veis, dos sistemas vivos. Esta última concepção
tecnociência 11 – e (3) a emergência de uma tem como vantagens ser simultaneamente am-
“nova” disciplina, a Bioética 12. pla e suficientemente precisa, por não restrin-
O termo bioética foi alcunhado pelo onco- gir a bioética ao âmbito biomédico – permitin-
logista Van Rensslaer Potter em 1970 13,14, ao se do a inclusão de aspectos como o trato com os
referir à deterioração das interações no binô- animais, as práticas que envolvem o uso de bio-
mio homem-natureza, em uma conotação mar- tecnologias e as intervenções sobre o meio am-
cadamente ecológica. Na concepção de Potter, biente – além de não olvidar o quesito irrever-
o ser humano se portaria como um câncer para sibilidade em sua estreita correlação com o sa-
a natureza, possuindo uma ação extremamen- ber-fazer constituído pela vigência do paradig-
te deletéria sobre esta última. A necessidade de ma biotecnocientífico e suas aplicações biotec-
rever esta atitude, sob pena de extinção da vida nológicas 17.
no planeta, encontra-se nas raízes do nascente Independentemente da delimitação que se
campo do saber, configurando-se um sentido forneça ao campo de estudo da bioética, é mis-
de ciência da sobrevivência. Dessa feita, a bioé- ter que esta seja reconhecida, por um lado, co-
tica poderia ser vista como uma nova ética cien- mo disciplina afim à filosofia possuindo, assim,
tífica, cujos objetivos primevos seriam garantir uma metodologia própria, consistente em uti-
a perpetuação da espécie humana e sua quali- lizar uma série de “ferramentas” conceituais,
dade de vida – a partir da preservação da bios- como o rigor terminológico em relação aos ter-
fera –, a resolução de problemas sanitários e a mos e princípios empregados, a textura lógica
construção de uma biologia capaz de estender do discurso e a sua força argumentativa – he-
seus horizontes para a indagação de normas e rança da tradição analítica; e, por outro lado,
valores, indo além do seu repertório descritivo como uma possível reconfiguração multi e in-
tradicional 15,16. Sem embargo, alguns desdo- terdisciplinar de temas e problemas que impli-
bramentos evolutivos para esse neologismo in- cariam a cooperação de disciplinas não estrita-
cluíram ética da vida, ética da qualidade de vi- mente filosóficas.
da, ética biomédica e ética aplicada ao campo Entretanto, aqui será adotado o ponto de
da biomedicina e da saúde, originando proble- vista que considera a bioética como âmbito
mas referentes à extensão de seu campo se- pertencente, de direito, à própria filosofia; em
mântico: “(a) algumas [definições] são dema- particular, à filosofia moral, pois isso parece
siado abrangentes, como ‘ética da vida’, que dei- mais adequado para poder dar conta da dupla
xa entender que toda ética é necessariamente atividade – ao mesmo tempo descritiva e nor-
uma bioética, o que é falso se entendermos a mativa – da bioética, quando aplicada aos con-
bioética num sentido estrito e não lato; (b) ou- flitos de interesses e valores, o que pressupõe o
tras demasiado restritas, como ‘ética biomédica’, manejo de diferentes formas de se pensar o pro-
que na prática acaba se confundindo com a éti- blema em pauta – no caso, o termo da existên-
ca médica tradicionalmente entendida e esque- cia – promovendo a adequada formulação das
ce a reconfiguração da ética acontecida com o questões.
surgimento das éticas aplicadas e a bioética No amplo horizonte representado pela bioé-
graças às novas interrogações sobre os processos tica, uma das frentes de debate é precisamente
do viver, adoecer e morrer, que emergem com os o fim da vida, ganhando força as discussões so-
avanços da biomedicina e a emergente socieda- bre eutanásia, distanásia, até onde intervir sem
de de ‘consumidores’” 17 (p. 26). agredir, o que, em um primeiro momento, pa-
A intensificação dos debates sobre a natu- rece apontar para uma preeminência dos as-
reza da bioética acabou por imputar profundas pectos individuais – foco naquele que morre –,
transformações em relação ao conceito inicial- em detrimento das perspectivas que levam em
mente proposto, podendo ser atualmente com- consideração a sociedade. Entretanto, o ques-

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tionamento dessa visão é uma das dimensões O debate bioético sobre o fim da vida:
tomadas pela bioética na problematização da interseções com a saúde pública
morte, sendo importante a seguinte demarca-
ção: a abrangência das discussões perpassa Intimamente relacionada à morte está a ques-
não somente os pontos relativos ao indivíduo – tão do processo de morrer, o qual evoca indaga-
como no caso das decisões terapêuticas em ções relativas ao sofrimento e à qualidade de
unidades de terapia intensiva – mas também as vida 23. Falecer ganha contornos de “partida”,
situações em que entram em jogo aspectos cru- implica o deixar de fazer parte deste único
ciais concernentes às populações – como na mundo conhecido, afastando-se do convívio
distribuição de recursos em saúde, no contexto de pessoas queridas. Morrer causa temor, é o
de uma sociedade – como a brasileira –, que es- desconhecido que está por vir, situando o ho-
tá “envelhecendo” rapidamente. Este aspecto mem diante de seu próprio ocaso, relação esta
tem marcada relevância, uma vez que a aloca- chamada por M. Heidegger de Sein zum Tode,
ção de recursos no setor público de saúde utili- ou seja, ser-para-a-morte 6. Se à vida pode-se
za como importante critério a distribuição dos atribuir a afirmação do ser, sua positividade, o
bens sociais de acordo com considerações so- ocaso institui o não-ser, o limite do que não po-
ciais e políticas, devendo o Estado assumir tal de ser reconhecido, sequer pensado, como o
gerência, definindo as prioridades e os modos demarcado por Françoise Dastur: “de Aristóte-
para a sua correta utilização 19,20,21. No que se les a Hegel, essa negatividade absoluta, essa
refere à realidade no Brasil, é importante expli- ruptura radical, esse impensável puro e simples
citar que o aumento da expectativa de vida tem que é a morte se vêem convertidos em ‘não-ser
permitido que um maior número de pessoas relativo’ e ‘negatividade determinada’, em rup-
esteja sujeita ao adoecimento por enfermida- tura ‘substituível’ e em simples limite do que po-
des crônico-degenerativas, o que implica mui- de ser pensado: o que, no final das contas, teste-
tas vezes em um processo de morrer mais pro- munha a incapacidade metafísica de enfrentar
longado e mais correlacionável à assistência verdadeiramente a morte” 1 (p. 56).
médica especializada, internação hospitalar de Se esse não-ser está para além do que pode
longa duração e emprego de aparato tecnológi- ser verdadeiramente pensado, o mesmo não se
co de alto custo para manutenção da vida. Esse aplicaria ao processo de morrer, o qual está mui-
conjunto de fatores delimita, destarte, uma in- tas vezes relacionado, no âmbito das inquieta-
questionável interface do fim da vida com a ções humanas, à idéia do sofrimento imposto
saúde pública. por uma doença grave e mitigante. Nesta situa-
O panorama encontra-se assim montado: ção, a perspectiva de extinção da vida de forma
há um problema central da vida – a morte –, o insidiosa, possibilita a adoção de uma postura
qual vem sendo matizado em novas nuanças – reflexiva, com revisão de conceitos e paradig-
entre as quais a da bioética, albergando uma mas por parte daqueles que experimentam a
infrene e intrínseca necessidade de estimular proximidade da morte – quer enfermos, fami-
as discussões – com uma série de possíveis in- liares, ou profissionais.
terseções no âmbito da saúde pública, como Esta árida realidade é também perceptível
nos aspectos relativos à justiça como eqüidade na atuação do médico diante do paciente que
e à alocação de recursos 21,22. Apesar da inegá- morre 24. É realmente difícil se lidar com a idéia
vel atualidade deste contexto, alguns pontos de morte 8 – e com seu processo –, o qual pode
do maior interesse para a discussão podem ser conter um sem número de aspectos dolorosos.
recolocados, em uma lídima atitude filosófica, Não seria diferente entre os médicos e demais
a partir dos referenciais teóricos de um perío- profissionais de saúde. Torna-se, posto isso,
do tão longínquo quanto o século IV a.C. – a fi- necessário refletir sobre o processo – afinal, ele
losofia de Platão –, obviamente sem procurar o é inerente à prática médica –, postar-se ade-
estabelecimento de uma linha de continuidade quadamente, quando ele estiver em curso, e
entre um e outro momento, o que seria, no mí- poder falar sobre ele com o enfermo que mor-
nimo, ingênuo. Em que medida a(s) pergun- re. A própria tessitura arquetípica da mitologia
ta(s) formulada(s) por um pensador da Anti- traz luz sobre essa questão se, por exemplo, é
güidade poderia(m) contribuir para o debate lembrada a narrativa sobre Asclépio, o deus
bioético sobre o fim da vida, uma temática que grego filho de Febo Apolo, que no seu aprendi-
se mostra um “fruto” tão contemporâneo? Per- zado com o centauro Quíron teria adquirido a
correr o caminho em busca desta resposta é, habilidade de ressuscitar os mortos; ou seja, há
precisamente, o escopo do presente artigo. uma perspectiva segundo a qual o deus da me-
dicina, aquele que deveria cuidar e, às vezes,
curar, almeja – e eventualmente consegue – de-

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ter a morte, vencendo-a. É interessante perce- para descrever a morte “suave” do imperador
ber no mito, o já implícito desejo de sobrepujar Augusto 30. Conceito relacionado à eutanásia,
a finitude, muitas vezes tão inerente à postura o suicídio assistido é descrito quando uma pes-
médica, mesmo nos dias de hoje 25. Esta pro- soa gravemente acometida por uma moléstia
blemática atitude é fruto, muito provavelmen- incurável, sendo incapaz de tornar fato sua dis-
te, da ferida narcísica evocada por uma ingê- posição de morrer, solicita o auxílio de outra.
nua prepotência em relação ao binômio vida- Neste último caso o enfermo está sempre cons-
morte 26, algo que se inicia ainda nos primeiros ciente, manifestando claramente sua opção pe-
anos do curso médico. No entanto, imaginar la morte – na eutanásia nem sempre o doente
que a medicina consista apenas em um “com- encontra-se cônscio, como no caso de um pa-
bate” à morte pode gerar estes e outros confli- ciente terminal e em coma que está sendo man-
tos no médico que assiste ao doente, sendo tido vivo em um ventilador mecânico, o qual é
mencionável a amarga sensação de impotên- desligado, ocasionando a morte. Com base nes-
cia diante de um mal incurável 27. sas conjecturas, poderia se diferenciar os se-
Exatamente na confluência entre a percep- guintes “tipos” de eutanásia:
ção médica sobre o processo de morrer e as • Quanto ao ato em si 31: a eutanásia ativa –
questões levantadas pela biotecnociência estão conduta deliberada de provocar a morte sem
colocados pontos que representam o coração sofrimento do paciente, por fins humanitários
do debate 28: a obstinação terapêutica – dista- (p. ex., utilização de uma injeção letal) –, a eu-
násia –, a eutanásia e o suicídio assistido. Ve- tanásia passiva – quando a morte ocorre por
ja-se um pouco mais de perto o fulcro destas omissão em se iniciar uma ação médica (p. ex.,
questões. deixar de se acoplar um paciente em insuficiên-
A aplicação de novas tecnologias à medici- cia respiratória ao ventilador artificial) – e eu-
na trouxe em seu âmago todo um repertório de tanásia de duplo efeito – quando a morte é ace-
manutenção das funções biológicas, com am- lerada como conseqüência de ações médicas
plas possibilidades para salvar um sem núme- não visando ao êxito letal, mas sim o alívio do
ro de vidas. Neste âmbito, um dos elementos sofrimento de um paciente (p. ex., emprego de
de destaque é a biotecnociência, capaz de ir ao uma dose de morfina para dor que gera, secun-
encontro do “velho” desejo humano de vencer dariamente, depressão respiratória e o óbito).
a morte. A aplicação irresponsável desta última • Quanto ao consentimento do paciente 32: a
situa-se no âmago da postura adotada por al- eutanásia voluntária – a qual atende uma von-
guns médicos de manter artificialmente o en- tade expressa do doente, sendo, portanto, um
fermo moribundo com os sistemas orgânicos sinônimo do suicídio assistido –, eutanásia in-
em funcionamento, por meio do emprego de voluntária – quando o ato é realizado contra a
toda a ciência e tecnologia disponíveis, com a vontade do enfermo (o que é sinônimo de ho-
obtenção de uma nova “vitória” sobre a morte micídio) – e eutanásia não voluntária – quan-
a cada momento, a despeito de todo o sofri- do a morte é levada a cabo sem que se conheça
mento causado. Sobre isso exatamente se as- a vontade do paciente.
senta o conceito de distanásia (δις = dificulda- Há problemas em ambos os conceitos – dis-
de, privação // δισθανής = adjetivo: que morre tanásia e eutanásia. Enquanto o primeiro é
duas vezes; no latim, dis dá idéia de separação pouco conhecido entre os profissionais de saú-
e negação), palavra inicialmente proposta por de – ainda que muito praticado nas UTIs –, a
Morcache, em 1904, que pode ser entendida palavra eutanásia possui uma intensa polisse-
como a manutenção da vida por meio de trata- mia, o que promove inúmeros equívocos 33.
mentos desproporcionais – ou seja, como sinô- Um exemplo é a confusão de conceitos como
nimo de obstinação terapêutica – levando a um eutanásia e ortotanásia, este último um termo
processo de morrer prolongado e com sofri- impreciso que significaria a morte no seu tem-
mento físico ou psicológico 29. po certo, sem os tratamentos desproporcionais –
Colocando-se em posição diametralmente distanásia – e sem abreviação do processo de
oposta à obstinação terapêutica está a eutaná- morrer – eutanásia 34; o difícil, neste caso, é ca-
sia, termo originário do grego que pode ser tra- racterizar o que seria esse “tempo certo”. Ade-
duzido como boa morte – ευ = adv. bem // re- mais, há também confusão com termos como
gular, justamente // com bondade, com bene- homicídio por piedade e suicídio, o que acaba
volência // felizmente; θáνατος = morte – e que por propiciar um caráter pejorativo à palavra,
acabou por ganhar enorme relevância no de- trazendo grande prejuízo ao debate.
bate ético do fim da vida: o vocábulo tem “raí- Estabelecidas estas colocações acerca da
zes” ainda na Antigüidade, tendo sido inicial- terminologia, põe-se em discussão alguns as-
mente utilizado por Suetônio, no século II d.C., pectos de interseção entre a bioética do fim da

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vida e a saúde coletiva. As UTIs – chamadas de É mister que as necessidades legítimas se-
as modernas catedrais do sofrimento humano jam minimamente satisfeitas – de acordo com
33 – vêm albergando, cada vez mais, elevadas os anseios do próprio titular da existência 22 –,
tecnologia e complexidade, implicando gastos devendo-se evitar, cabalmente, que os recur-
de grande magnitude. Se é compreendido que sos sejam desperdiçados com caprichos e con-
os recursos para alocação na saúde não são in- dutas questionáveis, em relação à promoção,
finitos, surge o problema de como melhor apli- prevenção e restabelecimento da saúde e da
cá-los para esta finalidade – manutenção da vi- qualidade de vida. Torna-se possível, na tessi-
da – sem detrimento para outras ações tradi- tura deste horizonte, apreciar a situação brasi-
cionalmente de grande relevância em saúde leira no âmago da discussão em curso. É fato
pública – por exemplo, a vacinação. Uma boa reconhecido que há um progressivo e acentua-
forma de trazer luz sobre essa questão é a dis- do envelhecimento da população no país, abrin-
tinção de três níveis de alocação de recursos do a perspectiva de que um maior contingente
proposta por Miguel Kottow 18: uma macrodis- de pessoas cheguem à senectude, tornando-se
tribuição, a qual se define pelo critério das dis- mais suscetíveis às moléstias crônicas – como
ponibilidades, o conceito de proteção sanitária as neoplasias – e, por conseguinte, a um pro-
e o direito à atenção médica; uma mesodistri- cesso de morrer, em tese, mais “prolongado” e
bução, que se pauta na aplicação de critérios sujeito à intervenção terapêutica de alta com-
sociais para dispor o orçamento sanitário na- plexidade e custo 35. Um emprego consciencio-
cional entre os diferentes grupos que com- so e bem planejado dos recursos, capaz de con-
põem a sociedade; e uma microdistribuição, templar estes meandros, deve ser a tônica da
que se concretiza no ato médico individualiza- gerência em saúde, cabendo uma reflexão so-
do, abarcando os referenciais de planejamento bre a irresponsabilidade de se disponibilizar re-
dos recursos humanos e técnicos. As três ins- cursos já tão escassos para a manutenção de
tâncias têm dominância sobre a interseção enfermos sem reais possibilidades de restabe-
saúde pública-bioética do fim da vida, mas é lecimento da saúde e de um adequado nível de
sobretudo em relação à microdistribuição que vida, submetendo-os a um processo de morrer
recai a maior parte do problema, uma vez que doloroso, angustiante, desnecessário e caro.
até 75% dos gastos com saúde referem-se a es- Uma sociedade como a brasileira poderia arcar
te nível, com implicações no mínimo trágicas com este ônus? Provavelmente não, sobretudo
na gestão, na medida em que necessidades ir- se é vislumbrado que os doentes com exíguas
refutáveis eventualmente deixam de ser con- possibilidades de recuperação – e que são ar-
templadas. rastados para o calvário da distanásia – podem
Outro ponto a ser mencionado refere-se à ocupar leitos úteis a pacientes com grandes
limitação evidenciada nos discursos sobre a chances de restabelecimento. Percebe-se, as-
justiça, desde que se pretendam universalmen- sim, que nesta postura, além dos absurdos já
te aplicáveis 20,22. A justiça sanitária em um delineados, encontra-se também embutida a
país como o Brasil – cuja população é consti- possibilidade de que um maior porcentual da
tuída por grande contingente de pobres e mi- população seja excluído da adequada assistên-
seráveis – não pode partir dos mesmos pressu- cia à saúde 32, aguçando injustiças em uma ní-
postos empregados nas nações do primeiro tida retroalimentação de desigualdades 36. Sob
mundo. Torna-se, pois, necessário um conceito este foco torna-se claro que o debate sobre a
mais exeqüível – ou factível – para a realidade bioética do fim da vida, longe de ser uma ques-
latino-americana, como o proposto por Kot- tão apenas relativa ao indivíduo – aquele que
tow: “uma possível definição que encarna uma morre –, apresenta uma importantíssima inter-
ordem justa e que contempla as diversas falên- face no âmbito da saúde pública.
cias da pobreza é a seguinte: ‘Justiça é o orde- Um equacionamento das questões sobre o
namento social que permite a cada membro co- fim da vida em termos do seu impacto sobre a
brir suas necessidades e manter abertas suas sociedade, pode ser encontrado no diálogo A
opções de projeto de vida’ (...) Não haverá uma República do filósofo grego Platão 37. No Livro
ordem social justa na medida em que persistam III dessa obra é elaborada uma censura aberta
segmentos sociais que não conseguem solucio- ao emprego da arte médica como forma de
nar suas necessidades básicas, porquanto uma prolongar a vida, caso o enfermo esteja acome-
das tarefas essenciais de toda a sociedade é tido por moléstia incurável. Para isso, utiliza
coordenar esforços para que todos os seus mem- uma bela e coesa argumentação, a qual se
bros solucionem seus requerimentos de um mo- mantém ainda, de certa forma, extremamente
do que não poderiam fazê-lo individualmen- atual, no sentido de se negar a morte no bojo
te” 20 (p. 70). de um prolongamento da vida a todo custo, o

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que se coloca em rota de colisão com a própria tecidas considerações sobre a composição ínti-
condição de finitude do homem. Nesse aspec- ma do corpo humano, o qual teria sua matéria
to, uma análise um pouco mais detalhada so- redutível a triângulos passíveis de rearranjos,
bre as ponderações presentes no terceiro livro fato este com grandes implicações sobre a du-
de A República, poderá trazer relevantes subsí- rabilidade física – leia-se também finitude – do
dios teóricos às reflexões sobre os problemas homem 44,45.
relativos à obstinação terapêutica – distanásia. O alcance curativo da medicina é, para Pla-
tão, intimamente relacionado às causas e à his-
tória natural das enfermidades, bem como à
Livro III de A República: constituição daquele que adoece. Em relação a
uma crítica à obstinação terapêutica estes aspectos tem importância capital o reper-
tório de triângulos que compõe a intimidade
Platão é, indubitavelmente, um dos filósofos do corpo humano, conforme as discussões pre-
mais importantes na história do Ocidente e, ao sentes no diálogo Timeu. Cada pessoa ao nas-
lado de Aristóteles, é considerado um expoente cer detém uma quantidade e arranjo de seus
maior do pensamento na Antigüidade. Como triângulos, os quais facultam um tempo de vi-
um homem atento ao seu próprio tempo, Pla- da esperado e que não tem como ser prorroga-
tão demonstrou preocupação com vários as- do 44,45. Assim também são as doenças: elas
pectos da vida espiritual grega, elaborando re- têm um curso próprio – uma história natural –,
flexões sobre a arte, a política, a matemática, a segundo o qual o tempo de sua duração e o de-
natureza e a medicina, entre outros assuntos senlace encontram-se preestabelecidos. Assim,
38. Em relação a esta última há inúmeras refe- nas palavras do próprio filósofo: “de regra, a
rências no pensamento platônico, podendo-se constituição das doenças apresenta alguma se-
comentar como pontos importantes: melhança com a dos seres vivos, pois a composi-
• A preocupação com o tratamento para as ção destas condiciona uma duração regulada
mais diferentes moléstias do homem – como o para a espécie em geral, nascendo cada pessoa
exposto em diálogos como o Cármides 38,39, o com o tempo de vida fixado pelo destino, exce-
Fedro 41 e A República 37, nos quais Platão ex- ção feita para os acidentes inevitáveis de origem
põe suas idéias acerca da terapia pela palavra; externa, pois desde o nascimento os triângulos
neste caso, as palavras são phármakon, no du- de qualquer ser vivo se conglutinam de maneira
plo sentido que o termo encerra: “veneno” e que possam resistir até um determinado limite,
“remédio”; nas mãos do sofista são um tóxico além do qual ninguém consegue prolongar a vi-
mortal, mas, quando usadas pelo filósofo, po- da. O mesmo se passa com a constituição das
dem se constituir em um profícuo bálsamo te- doenças” 45 (p. 100).
rapêutico – como o estabelecido no passo 270b Há um determinismo inerente à constitui-
do Fedro: “[Sócrates] A medicina está no mes- ção humana e ao desenrolar da doença, o qual
mo caso da retórica. [Fedro] Como assim? [Só- torna limitado o alcance dos tratamentos pres-
crates] Em ambas terás de analisar a natureza: critos. Na continuação deste mesmo passo do
na primeira, a do corpo; na outra, a da alma, se Timeu, Platão critica o uso de medicamentos
quiseres vencer a rotina e a experiência para al- para a contenção de doenças leves – as quais
cançar a arte. No caso do corpo, a fim de deixá- devem ser deixadas livres para seguir seu pró-
lo forte e saudável, graças à alimentação e aos prio curso –, enfatizando que os fármacos de-
remédios; no da alma, por meio do ensino e de vem ser empregados apenas nos casos “mais
instituições legais, comunicar-lhe convicções e graves”, ou seja, naqueles em que há “grande
a virtude com que pretendes adorná-la [grifo perigo” para o doente 45. As moléstias não de-
nosso]” 41 (p. 70). vem, assim, ser irritadas com o uso de remé-
É exatamente nesse sentido que Platão qua- dios, o que traz mais prejuízos que benefícios
lifica a filosofia como uma genuína medicina para aquele que sofre. Ainda mais, se a enfer-
da alma; midade for incurável – ou seja, mortal –, não
• A tomada do método hipocrático como pa- deve ser prolongada a vida “artificialmente”
radigma para a dialética – no passo 270c-d do por meio de modalidades terapêuticas – aqui,
Fedro 42; do erudito ateniense provém o teste- não restritas aos fármacos, mas também às
munho antigo mais famoso sobre o Hipócrates práticas como a dieta e a ginástica – de acordo
histórico 43; com o exposto em A República: “[Sócrates] (...)
• O fecundo trabalho de fisiologia e fisiopa- Heródico, que era mestre de ginástica, tornou-se
tologia realizado no diálogo Timeu 44, no qual enfermeiro, e, misturando o exercício básico
há descrição das funções – nos estados de saú- com a medicina, atormentou-se primeiro e aci-
de e doença – de vários órgãos, são igualmente ma de tudo a si mesmo, e depois a muitos ou-

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tros. [Glauco] Como assim? – Perguntou ele. [Só- para aquele que ganha a vida com o próprio es-
crates] Dilatando a sua própria morte – respon- forço – o artesão – torna-se impossível arras-
di eu. Acompanhando passo a passo a sua doen- tar-se pela existência a prorrogar seu tempo de
ça, que era mortal, sem ser, ao que parece, capaz vida – com dietas e ginástica –, conduta que
de se curar, atravessou a vida a tratar-se, sem se subtrairia a possibilidade de trabalhar “para
ocupar de mais nada, estafando-se a ver que seu sustento”, o de sua família, bem como para
não se desviasse da dieta habitual, custando-lhe o bem da pólis. Para aqueles que são ricos a si-
a morrer, devido ao seu saber, até que atingiu a tuação não é tão explícita, no entender de Pla-
velhice [grifo nosso]” 37 (p. 141). tão: “ao passo que quem é rico, como dizíamos,
Nesta passagem, Platão renega a atuação não tem nenhuma ocupação premente dessa es-
de Heródico, o qual adotou um “combinado” de pécie, de que possa ser forçado a abster-se, sem
ginástica e dieta para protelar sua moléstia in- que a vida se lhe torne impossível” 37 (p. 143).
curável. Para isso utiliza o seu saber, ou seja, ex- A vida tornar-se impossível diz respeito, ao
plicita-se aqui um uso no mínimo criticável – que parece, mais propriamente à possibilidade
para não dizer reprovável – de determinadas de se manter – e cuidar dos seus –, o que tem
técnicas para perpetuar a sua vida que já se es- grandes implicações sobre a viabilidade da pó-
vai. Este emprego equivocado do seu saber aca- lis. Ao contrário, os abastados poderiam, em
bou por “atormentar” a si mesmo e a outros, no princípio, submeter-se a tais práticas, uma vez
contexto de um vagar pela vida doente – su- que sua condição econômica facultaria a op-
bentendendo-se aqui que tenha sofrido e feito ção por não trabalhar e produzir. Mas, o pro-
sofrer com isto. Neste sentido, seria muito mais blema não se encerra tão simplesmente: mes-
pertinente se declinar em buscar, de forma mo os ricos têm graves conseqüências pela ado-
“ensandecida”, o tratamento da moléstia, uma ção de uma atitude afim ao realizado por Heró-
vez que a morte, no caso de doenças incuráveis, dico. O prolongamento “artificial” da vida ori-
pode ser muito mais redentora que algoz: “(...) gina “fadiga cerebral”, a qual dificulta o pensa-
se o seu corpo [do homem atingido por enfermi- mento e embota a reflexão 37. Assim, a doença
dade mortal] não é capaz de resistir, a morte li- é “cultivada”, possibilitando que os doentes se
berta-o de dificuldades [grifo nosso]” 37 (p. 142). tornem poliqueixosos e incapazes de exercer
A opção pela morte pode ser mais razoável uma série de atividades. Esses problemas aca-
nestas circunstâncias, as quais se referem a mo- bam por dificultar – e até mesmo impossibili-
léstias não passíveis de cura. A indagação que tar – a atividade política dos homens: “(...) mas
se impõe é: seria esta uma vida que vale a pena àquele que é incapaz de viver no círculo de ação
ser vivida? Para Platão provavelmente não, uma que lhe foi adstrito, entendia que não se devia
vez que no bojo desta mesma passagem é feito aplicar terapêutica, uma vez que nada lucrava
o seguinte comentário: “(...) a ninguém é dado com isso, nem o próprio, nem o Estado” 37 (p. 143).
vagar para passar a vida doente, a tratar-se. O Neste aspecto, mesmo o rico que não preci-
ridículo desta situação, sentimo-lo nos artífices, sa trabalhar para subsistir, pode ter impedido
mas não o sentimos nos ricos e nos que aparen- o seu desempenho das funções legislativas e
tam ser felizes” 37 (p. 145). executivas na cidade. A vida, neste contexto,
Torna-se claro neste excerto uma legítima vale a pena ser vivida? A resposta é igualmente
preocupação política. Isso não poderia ser di- não, uma vez que, para o homem da Grécia
ferente, uma vez que em A República a questão clássica, a plenitude da existência é alcançada
proposta é “o que é a justiça?”, e quais as suas no fulcro da pólis, na atuação enquanto cida-
implicações na organização da sociedade (pó- dão 46,47,48. Um grego de Atenas – cidade que ex-
lis = cidade-estado). Nesse diálogo, que trans- perimentou o apogeu da democracia 49 – com-
corre entre Sócrates, Polemarco, Trasímaco, preende que o alcance máximo de sua vida é
Glauco e Adimanto – estes dois últimos irmãos obtido no exercício de direitos e deveres políti-
de Platão – é discutido tal conceito, o qual é cos, empreendendo debates na ágora, como o
aplicável em termos individuais e coletivos, citado pelo próprio Platão na Carta Sétima: “ou-
com vistas à construção de uma pólis – e de trora, em minha juventude, experimentei o que
uma sociedade – mais justas. experimentam tantos jovens. Esperava entrar
Neste sentido, um dos aspectos de relevân- na política tão logo pudesse dispor de mim mes-
cia é o impacto negativo desses “moribundos” – mo” 50 (p. 256).
que “dilatam” o processo de morrer – na orga- Uma vida que não vale a pena ser vivida
nização da cidade. Como a sociedade poderia não deve ser protelada por meio de uma luta in-
mantê-los sem que trabalhassem? Eis aqui, em clemente contra a morte. Referindo-se ao mito
alguma medida, um problema com interface de Asclépio, Platão adverte que mesmo um deus
pública. E, neste caso, a referência é diáfana: foi punido por tal prática, como o mencionado

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em A República: “é assim que deve ser – respon- fim da vida. É claro que o subjacente as duas si-
di – embora não acreditem em nós os trágicos e tuações é distinto: na pólis é a questão da im-
Píndaro, que dizem que Asclépio era um filho de possibilidade de produção – oriunda da “falta
Apolo, que se deixou persuadir pelo ouro a cu- de tempo” e de “disposição” para se dedicar ao
rar um homem rico que estava já para morrer, labor –, enquanto que no presente momento o
motivo por que foi fulminado [grifo nosso]” 37 grande obstáculo é a exigüidade dos recursos
(p. 145). (o que, de todo modo, está também implícito
Assim, o “investimento” em indivíduos cuja na análise platônica). Mas, ainda assim, tanto
doença é inexorável não obtém qualquer sus- em um quanto em outro caso, seria necessário
tentação nas concepções do filósofo de Atenas, que a coletividade deslocasse verbas para man-
conceito que alberga importante correlação ter a vida destes homens “desenganados” – os
com o tratado hipocrático Da Arte, conforme o antigos em suas casas, os de hoje nas UTIs – o
excerto a seguir: “[à medicina não cabe] tratar que, dependendo do número de enfermos, po-
os doentes que são vencidos pelas enfermida- de inviabilizar a economia. Assim, a passagem
des” 51 (p. 123). é bastante ilustrativa no sentido de advertir so-
Consoante o já referido, Platão, em A Repú- bre os problemas da obstinação terapêutica.
blica, tem por objetivo precípuo fundamentar Parece bastante evidente que o meandro
a construção da pólis – em íntima articulação econômico não deva ser o único determinante
com a discussão sobre a justiça –, ou seja, é das discussões éticas e bioéticas, sobretudo se
perceptível uma preocupação genuinamente entendido no sentido redutivo que a economia
política e coletiva. A articulação tecida no pró- adquiriu no mundo contemporâneo – disjunta
prio diálogo traz importantes aspectos relati- da ética, como o denunciado por Amartya Sen
vos à organização da sociedade ideal, forte- 54 . Sem embargo, no que diz respeito à saúde

mente aristocrática, com a colocação de um pública, este “quesito” é de incontornável rele-


homem bem preparado – o rei filósofo – como vância, dada a já comentada limitação de re-
maestro e regente da pólis. Todavia, ainda que cursos. Sobre este aspecto – tensão entre ética
não esteja presente no diálogo a tão cara igual- e economia – é pertinente comentar que: “(...)
dade entre os homens – o que está fora da tex- a saúde, embora não possa ser reduzida a mera
tura cultural helênica, sendo algo muito poste- mercadoria (o que seria uma tirania em termos
rior, incipiente no cristianismo primitivo e con- walzerianos), tampouco pode ser encarada in-
solidado na modernidade 52 –, o problema é dependente de seus custos, razão pela qual prá-
colocado de forma tão clara em relação à vida tica médica e gestão sanitária devem ser pensa-
que vale a pena ser vivida, que se pode recom- das juntas e negociadas tendo em vista o objeti-
por esta passagem nos termos hodiernos da vo da criação do consenso entre partes em con-
preeminência do princípio da qualidade de vi- flito. Mas o problema, neste caso, é como fazer
da (PQV ) sobre o princípio da sacralidade da com que as políticas de saúde sejam “inclusivas”
vida (PSV ), se o excerto é contextualizado no e não excludentes, ou seja, determinadas a par-
debate contemporâneo. Esta abordagem reme- tir de um olhar positivo da questão polêmica
te à questão aristotélica de que o bem ético se dos recursos finitos ou escassos” 55 (p. 80).
engendra em uma vida excelsa, a qual tem na Obviamente, esta discussão não é imedia-
eudaimonía (felicidade) sua excelência máxi- tamente clara em A República – afinal, não se
ma 53. E o mais interessante é que, mesmo para pretende o estabelecimento de uma extensão
um pensador fortemente aristocrata como Pla- linear entre o pensamento do ateniense e a
tão, não há diferença entre os homens (cida- bioética do fim da vida, mas, outrossim, a reco-
dãos) no que se refere à opção por deixar de locação hodierna da questão platônica –, mas
existir, caso a vida não exiba um mínimo de pode-se considerá-la de algum modo concei-
qualidade – ou sentido – necessária à condição tualmente afim, conforme tentou-se demarcar
de homem e cidadão. até aqui. Ademais, a interface da saúde pública
Outro aspecto que emerge com força diz com a bioética não se limita, obviamente, às
respeito à dificuldade para que a pólis platôni- questões de alocação de recursos, podendo-se
ca de A República sustente, do ponto de vista mencionar problemas como a eqüidade, a jus-
econômico, as conseqüências de um prolonga- tiça, o acesso aos serviços de saúde, entre tantos
mento sem sentido da vida. E mais precisamen- outros pontos 21,36,56,57, delimitando um fecun-
te neste ponto, percebe-se a “atualidade” dos do panorama de interseções. Estas questões
comentários do filósofo da Antigüidade em re- não foram tacitamente contempladas para que
lação aos problemas de limitação de recursos não se fugisse da linha mestra de argumenta-
já demarcados, os quais incrementam as dis- ção presentemente desenvolvida. Deste modo,
cussões contemporâneas sobre a bioética do guardadas as devidas limitações, o filósofo de

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Atenas permite uma leitura sobre a importân- dá exemplos, contextualizados em seu tempo,
cia de também se levar em consideração os fa- de vidas que já não valiam a pena ser vividas e
tores de ordem econômica – no caso do arte- para as quais a morte significaria libertação.
são – como mais um dos elementos para uma Este é o ponto.
discussão laica e plural sobre a obstinação te- Parece igualmente manifesto que o panora-
rapêutica. ma é diferente – afinal, não existia qualquer
“coisa” similar a uma UTI no século IV a.C.! To-
davia, os aspectos ressaltados por Platão nas
Ponderações finais passagens estudadas sugerem um mesmo tipo
de inquirição subjacente: o quão pode ser dele-
As questões sobre o processo de morrer têm tério o prolongamento inútil da vida para um
origens muito antigas, como se pôde perceber indivíduo já com a morte anunciada, tanto nos
pela análise do Livro III de A República – o pró- aspectos de foro íntimo, quanto nas relações
prio Sócrates, conta Platão, ensinava que no com as pessoas próximas e nas implicações pa-
propósito da filosofia está o aprender a morrer. ra com a sociedade. Não é exatamente este o
É interessante como o ateniense, um filósofo coração do debate bioético sobre o fim da vi-
que viveu há mais de 2.400 anos, articula tão da? Não seria factível discutir a distanásia a
belamente argumentos contra a obstinação te- partir de uma retomada dos problemas levan-
rapêutica, nos aspectos relacionados ao indiví- tados pelo ateniense?
duo que perece mas, igualmente, em sua rele- A dúvida, como apresentada, tem relevan-
vância como questão pública. Em linhas gerais, tes pontos de contato com os problemas en-
ter-se-ia: frentados pela bioética do fim da vida, nestes
• A inexorabilidade de determinadas molés- primórdios do século XXI. Estas conjecturas
tias – como o discutido no Timeu – para as tornam-se, assim, um modelar convite à refle-
quais tornar-se-ia inútil a adoção desenfreada xão. Há que se debruçar sobre o problema re-
dos diferentes métodos de tratamento; sobre presentado pela obstinação terapêutica, para
este aspecto, na atualidade, pode se remontar que a tão arraigada prática de luta incessante
a determinadas enfermidades degenerativas contra a morte – muito familiar na medicina
que, quando diagnosticadas, encontrar-se-iam contemporânea – seja revista com a maior ur-
já em fase terminal, sendo portanto incuráveis; gência 23, sobretudo comparando-a com as
• O grande sofrimento imputado pela obsti- mortes evitáveis. Uma ampla discussão no âm-
nação terapêutica, tanto para o que a vive quan- bito dos profissionais de saúde e da sociedade
to para aqueles que lhe são próximos; civil seria altamente desejável pelas possibili-
• A questão das dificuldades da pólis em man- dades de aprimoramento no trato destas pon-
ter esses pacientes lançados no processo de mor- derações. Afinal, o médico não pode se colocar
rer, uma vez que, além de não produzir, vão ne- como um gladiador contra a morte 58 – sob es-
cessitar que seu sustento caiba à sociedade, te prisma, já se entra na “luta” com todo o ônus
podendo se tornar inviável tal status quo; da derrota, uma vez que o fim é inexorável –
• Uma possibilidade de se pensar, com o au- mas sim como um profissional, detentor de
xílio da interrogação construída por Platão, a uma arte à moda hipocrática, devendo buscar
subsunção do PSV pelo PQV, na medida em o restabelecimento da saúde para aquele que
que o enfermo, atormentado e consumido pela dela se encontra privado, sempre que possível.
luta insana contra suas mazelas, abdica da vida Entretanto, este possível está aberto, dinâmico,
pública como cidadão, tornando sua existência dependendo dos avanços da arte-técnica-ciên-
sem sentido. cia médica. Tampouco os homens que estão
Em todas as situações pontuadas basean- com uma lenta morte em curso devem se colo-
do-se na obra platônica, o ser humano doente car como um objeto dessa luta, arena na qual o
torna-se um “estorvo” para si mesmo, seus se- médico, usando seu “arsenal terapêutico”, irá
melhantes e para a pólis como um todo. Poder- medir forças com a morte. Com que preço?
se-ia articular os quatro pontos arrolados em Com quais recursos? Os mesmos capazes de re-
torno da pergunta já colocada: por que tratar duzir agudamente a mortalidade infantil em
obstinadamente um enfermo cuja vida não vale um país como o Brasil? A mentalidade precisa
a pena ser vivida? Por sua vez esta indagação ser revista, a indisposição hodierna para com a
remete, ato contínuo, à questão: o que é uma morte necessita ser desconstruída. É preciso fi-
vida que vale a pena ser vivida? Eis duas colo- losofar... E aprender a morrer, como queria Mi-
cações que, por si mesmas, demandariam uma chel de Montaigne 5.
investigação profunda. No transcorrer deste Filosofar? Há íntimas e estreitas relações
breve ensaio procurou-se demarcar que Platão entre a filosofia e a medicina, estando a bioéti-

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ca aí como testemunho disto. É assim, pois, tratado Da Arte – torna-se provável uma conci-
que um filósofo da envergadura de Platão, se liação entre a biotecnociência e a ética, mini-
propôs a pensar, de modo fecundo e polêmico, mizando o descaso e a distância – com apro-
uma série de aspectos da medicina sua con- fundamento da compaixão – em relação ao ho-
temporânea. E esta perspectiva é do maior in- mem que morre. E, exatamente no télos deste
teresse: a disposição para se refletir sobre a ar- fazer médico mais voltado para o todo – como
te médica, suas doutrinas e métodos, o alcance desejava Platão –, pode-se almejar um novo
de sua técnica, os seus liames morais, a radica- paradigma, segundo o qual aqueles que abra-
lidade de sua dimensão humana, permitindo çam o legado de Hipócrates regressem à condi-
uma medicina apreensível como ciência hu- ção de menos técnicos em medicina e mais mé-
mana. Procedendo assim, à moda platônica – dicos de homens, almas e corações.
mas também hipocrática, como o efetuado no

Resumo Referências

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