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Tecnologia de informação e comunicação na

escola: aprendizagem e produção da escrita


Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida 1

A integração da tecnologia de informação e comunicação – TIC - na


educação pública brasileira já passou por várias fases e traz em sua
trajetória uma perspectiva inovadora, que distingue o Programa Nacional de
Informática em Educação – ProInfo-, da Secretaria de Educação a Distância
– SEED -, do MEC, das ações correlatas de outros países e respectivas
políticas públicas para o setor. Em nosso caso, a característica básica é a
inter-relação entre pesquisa, formação e prática com o uso da tecnologia de
informação e comunicação. Aprende-se a conhecer, aprendendo a fazer e a
refletir sobre esse fazer.

Nos anos 80 e início de 90 do século XX, a primeira versão do Programa


Nacional de Informática em Educação visava a preparação de professores
para o uso da informática com seus alunos e a criação de centros de
informática educativa, CIEDs, localizados nas Secretarias Estaduais de
Educação, os quais se dedicavam a preparar professores e a atender aos
alunos das escolas públicas no que diz respeito ao uso do computador.
Esse programa formou professores em pequena escala e não conseguiu
chegar à sala de aula.

O programa atual do MEC, ProInfo, que se desenvolve por meio de parceria


com as Secretarias Estaduais de Educação, começa a concretizar nosso
sonho de introduzir o computador na escola para ser incorporado à prática
pedagógica de diferentes áreas de conhecimento, favorecendo a

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aprendizagem do aluno. Esse programa prioriza a formação de professores
e educadores em um processo que integra o domínio da tecnologia, teorias
educacionais e prática pedagógica com o uso dessa tecnologia. Daí decorre
o grande impacto não só no sistema educacional, mas também no
desenvolvimento humano e na cultura brasileira, de tradição essencialmente
oral.

Concordamos com Cury (2) (2001), que o acesso de uma camada da


população, sobretudo os escravos, à escola foi impedido pelo processo de
colonização. Tal fato impediu, ainda, a participação de muitos brasileiros no
mundo da leitura e da escrita, bem como a formação de leitores e
escritores.

Estamos diante da constatação de que escrever significa registrar,


compreender e interferir na história pessoal e na transformação do mundo.
Portanto, de acordo com Kramer (3) (2001, p. 114) "escrever é deixar-se
marcar pelos traços do vivido e da própria escrita, reescrever textos e ser
leitor de textos escritos e da história pessoal e coletiva, marcando-a,
compartilhando-a, mudando-a, inscrevendo nela novos sentidos".

Com o uso da tecnologia de informação e comunicação, professores e


alunos têm a possibilidade de utilizar a escrita para descrever/reescrever
suas idéias, comunicar-se, trocar experiências e produzir histórias. Assim,
em busca de resolver problemas do contexto, representam e divulgam o
próprio pensamento, trocam informações e constroem conhecimento, num
movimento de fazer, refletir e refazer, que favorece o desenvolvimento
pessoal, profissional e grupal, bem como a compreensão da realidade.

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Temos assim a oportunidade de romper com as paredes da sala de aula e
da escola, integrando-a à comunidade que a cerca, à sociedade da
informação e a outros espaços produtores de conhecimento, aproximando o
objeto do estudo escolar da vida cotidiana e, ao mesmo tempo, nos
transformando em uma sociedade de aprendizagem e também da escrita.

Para alcançarmos o patamar de uma sociedade da leitura, da escrita e da


aprendizagem, precisamos enfrentar inúmeros desafios, vários deles no
interior da escola. Entre esses, os mais contundentes são: a
dessacralização do laboratório de informática e da senha do computador; o
acesso à tecnologia de informação e comunicação; o uso dessa tecnologia
para a resolução de problemas do cotidiano que favoreçam a articulação
entre as áreas de conhecimento, ao mesmo tempo em que propiciem o
aprofundamento de conceitos específicos e levem à produção de novos
conhecimentos; a flexibilização do uso do espaço da escola e do tempo de
aprender; o desenvolvimento da autonomia para a busca e troca de
informações significativas em distintas fontes e para a respectiva utilização
dos recursos tecnológicos apropriados.

Pode parecer banalidade escrever um texto centrado na potencialidade da


produção da escrita na escola por meio do uso das TIC, uma vez que a
ênfase dada pela escola à leitura e à escrita se direciona à elaboração de
algo produzido para ser corrigido e muito pouco como prática para despertar
o prazer da escrita para a leitura. Porém, com maior freqüência do que
gostaríamos, temos ouvido professores reclamarem de que seus alunos não
sabem escrever. De sua parte, os alunos têm apontado que a escola os

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leva a ler e a escrever sobre aquilo que não tem significado para a sua
realidade ou a fazer cópias e repetir palavras desarticuladas.

Quem de nós não se lembra dos ditados de palavras e das regras


gramaticais decoradas sem que soubéssemos em que situação poderíamos
empregá-las? Da mesma forma, sem conseguir atribuir significado,
memorizamos datas históricas, acidentes geográficos, ossos do corpo
humano, fórmulas matemáticas e executamos infindáveis seqüências de
exercícios com a justificativa de que um dia isso nos seria útil!

Em seu texto Dígrafos (4), Rubem Alves nos faz lembrar que apenas fazer
ditados e realizar exercícios de análise sintática e morfológica, ou outras
análises consideradas necessárias ao aprimoramento da escrita, não
bastam para desenvolver o prazer da leitura e a compreensão do texto nem
o gosto pela escrita. No entanto, a atividade de sala de aula prima pela
exigência das análises gramaticais, textuais e discursivas em detrimento da
leitura e da interpretação do mundo e do escrever para representar idéias,
comunicar-se e registrar a própria história.

Não queremos com isso dizer que o conteúdo perdeu a sua importância,
mas salientamos a necessidade premente de mudar a forma de trabalhar
conceitos, informações, procedimentos e regras, procurando partir do que é
significativo para o aluno e criar situações que favoreçam transformar os
conhecimentos do senso comum em conhecimento científico.

O professor não é culpado por essa situação. Ele foi preparado para cumprir
esse papel, cujo desempenho deve voltar-se para o ensino de um conteúdo
programático definido fora da sala de aula, para ser seguido da mesma
maneira em diferentes contextos.

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Não se trata de encontrar bodes expiatórios para jogar toda a culpa pela
complexidade de uma situação gerada pelo avanço da ciência, da
tecnologia e da sociedade contemporânea. Houve um momento da
evolução da sociedade em que a escola, que ainda temos hoje, atendia às
suas exigências. Todos somos frutos dessa escola e, apesar de seu rigor e
austeridade, temos boas lembranças dos momentos felizes que nela
desfrutamos.

De nada adianta o saudosismo. Mudaram os tempos e as necessidades. É


imperioso mudar a escola e todos nós somos sujeitos dessa mudança.
Como dizia Paulo Freire, temos de ser homens e mulheres de nosso tempo
e empregar todos os recursos disponíveis para promover a grande mudança
que nossa escola está a exigir. Não podemos ser omissos. A neutralidade
representa a aceitação da situação atual, a conivência com o que já está
posto.

Felizmente, aumenta de forma abrupta o contingente de professores


inconformados com essa situação, em busca de alternativas para encontrar
novos caminhos em que possam empregar a escrita e outras formas de
representação para contar a sua história, registrar o seu cotidiano, a sua
escola e o seu mundo, compreendendo o passado para agir no presente e
construir o futuro. Esses professores sentem necessidade de levar seus
alunos a se tornarem escritores de suas próprias histórias e experiências,
sujeitos de suas vidas.

No bojo dessa necessidade, insere-se a tecnologia de informação e


comunicação não só como uma ferramenta, mas principalmente como um

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artefato que propicia representar e comunicar o pensamento, atualizá-lo
continuamente, resolver problemas e desenvolver projetos. Outros recursos
tecnológicos também permitem o registro de idéias e de visões de mundo.
Porém, até o presente, apenas a tecnologia de informação e comunicação
tem como característica o fazer e o refazer contínuos, transformando o erro
em algo que pode ser revisto e reformulado instantaneamente para produzir
novos saberes.

Além disso, o uso da TIC, por meio da navegação em sistema


hipermediático, permite a quem o utiliza percorrer distintos caminhos, criar
múltiplas conexões entre informações, textos e imagens; ligar contextos,
mídias e recursos. Cada sujeito que explora um sistema hipermídia torna-se
receptor e emissor de informações, leitor, escritor e comunicador. Assim, a
TIC envolve o sujeito em um mar de informações e, ao mesmo tempo,
incita-o à leitura e à expressão através da escrita textual e hipertextual.

No hipertexto, cada sujeito define o caminho a seguir entre os distintos


caminhos, nós e conexões existentes. Cada nó caracteriza-se como um
espaço de referência que pode ser visitado e explorado, e não como local
de visita obrigatória. Mesmo que exista, da parte dos conceptores do
sistema hipermediático, uma tentativa de aproximar a estrutura do
hipertexto da linearidade (característica do ensino tradicional) e do
respectivo controle e direcionamento, a interatividade inerente desse
sistema impulsiona o ir e vir pelos nós e ligações, não permitindo aprisionar
quem o utiliza. Cada pessoa assume o risco de escolher seus próprios
caminhos, de aventurar-se a enveredar pelo desconhecido e de descobrir-
se perdido ou de chegar a novas descobertas.

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Com o uso de sistemas hipermediáticos, como a Internet, redefine-se o
papel do professor que, finalmente, pode compreender a importância de ser
parceiro de seus alunos, aquele que navega junto com os outros, apontando
as possibilidades dos novos caminhos sem a preocupação de ter
experimentado passar por eles algum dia, provocando a descoberta de
novos significados, permitindo aos alunos resolverem problemas ou
desenvolverem projetos que tenham sentido para a sua aprendizagem.

As experiências que temos acompanhado de uso da TIC na educação,


numa perspectiva de favorecer a representação do pensamento do aluno,
levam o professor a engendrar situações de aprendizagem que exigem
investigação, reflexão crítica, aprimoramento e transformação de sua
prática. Essa atuação começa a se desprender do livro didático, que deixa
de ser o guia da prática do professor e passa a ser mais uma, entre outras,
fontes de informações.

Assim, o uso da TIC na educação caminha no sentido da produção


compartilhada de conhecimento, favorecida pela resolução de problemas ou
desenvolvimento de projetos, nos quais a escrita, por meio da TIC, induz à
liberdade de expressar e comunicar sentimentos, registrar percepções,
idéias, crenças e conceitos, refletir sobre o pensamento representado e
reelaborá-lo.

A aprendizagem por projetos ou situações-problema ocorre por meio da


interação e articulação entre conhecimentos de distintas áreas, conexões
estas que se estabelecem a partir dos conhecimentos cotidianos dos
alunos, cujas expectativas, desejos e interesses são mobilizados na

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construção de conhecimentos científicos. Os conhecimentos cotidianos
emergem como um todo unitário da própria situação em estudo, portanto
sem fragmentação disciplinar, e são direcionados por uma motivação
intrínseca. Cabe ao professor provocar a tomada de consciência sobre os
conceitos implícitos nos projetos e sua respectiva formalização, mas é
preciso empregar o bom senso para fazer as intervenções no momento
apropriado.

O uso da TIC no desenvolvimento de projetos ou na resolução de situações-


problema permite o registro desse processo construtivo, funcionando como
um recurso de diagnóstico sobre o nível de desenvolvimento dos alunos,
suas dificuldades e potencialidades, e, principalmente, favorecendo-lhes a
identificação e correção dos erros e a constante reelaboração, sem perda
do que já foi criado.

Nessa aventura, o professor é desafiado a assumir uma postura de aprendiz


ativo, crítico e criativo, constante pesquisador sobre o aluno, seu nível de
desenvolvimento cognitivo, emocional e afetivo, sua forma de linguagem,
expectativas e necessidades, seu contexto e cultura.

O professor que atua nessa perspectiva tem uma intencionalidade enquanto


responsável pela aprendizagem de seus alunos e esta constitui o seu
projeto de atuação, elaborado com vistas a respeitar os diferentes estilos e
ritmos de trabalho dos alunos, o trabalho colaborativo em sala de aula no
que se refere ao planejamento, escolha do tema e respectiva problemática a
ser investigada. Não é o professor quem planeja para os alunos
executarem, ambos são parceiros e sujeitos de aprendizagem, cada um
atuando segundo o seu papel e nível de desenvolvimento.

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As questões de investigação são formuladas pelos sujeitos do
conhecimento levando em conta suas dúvidas, curiosidades e indagações
e, a partir de seus conhecimentos prévios, valores, crenças, interesses e
experiências, interagem com os objetos de conhecimento, definem os
caminhos a seguir em suas explorações, descobertas e apropriação de
novos conhecimentos.

O professor é o consultor, articulador, mediador e orientador do processo


em desenvolvimento pelo aluno. A criação de um clima de confiança,
respeito às diferenças e reciprocidade encoraja o aluno a reconhecer seus
conflitos e a descobrir a potencialidade de aprender a partir dos próprios
erros. Da mesma forma, o professor não terá inibições em reconhecer seus
próprios conflitos, erros e limitações e em buscar sua depuração, numa
atitude de parceria e humildade diante do conhecimento, que caracteriza a
postura interdisciplinar (Fazenda, 1994).

A partir de uma mudança pessoal e profissional é que se começa a refletir


sobre a mudança da escola para uma escola que incentive a imaginação, a
leitura prazerosa, a escrita criativa, favoreça a iniciativa, a espontaneidade,
o questionamento e a inventividade, promova e vivencie a cooperação, o
diálogo, a partilha e a solidariedade.

Mas para transformar o sistema educacional é preciso que essa


reciprocidade extrapole os limites da sala de aula e envolva todos que
constituem a comunidade escolar: dirigentes, funcionários administrativos,
pais, alunos, professores e a comunidade na qual a escola encontra-se
inserida.

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Para ajudar o professor a enfrentar esses novos desafios que se tornaram
mais contundentes com a chegada da TIC às escolas públicas, o ProInfo
promove atividades de formação dos professores, que se desenvolvem por
meio de ações presenciais ou a distância.

NOTAS:

1. Mestre e Doutora em Educação, PUC-SP. Professora do Programa de


Pós-graduação em Educação: Currículo e do Curso de Tecnologias e
Mídias Digitais, da PUC-SP. Consultora desta série.

2. Cury, Carlos Roberto J. Desafios da educação escolar básica no Brasil.


PUC-MG, 2001.

3. Kramer, Sonia. Escrita, experiência e formação - múltiplas possibilidades


de criação da escrita. In Candau, Vera Maria (org.). Linguagens, espaços e
tempos no ensinar e aprender. 2a ed. Rio de Janeiro: DP&A. 2001.

4. Alves, Rubem. (1999). Dígrafos: A literatura, como o corpo da pessoa


amada, não é objeto de conhecimento científico; é objeto de prazer. Folha
de São Paulo. Editorial: Opinião, Seção: Tendências/ Debates. Cad. 1, p. 3.

Este texto faz parte da Biblioteca do curso Gestão Escolar e Tecnologias


e foi extraído do site http://www.tvebrasil.com.br/salto - Boletim 2001
(acesso em 07/08/2004).

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ALMEIDA, M. Tecnologia de informação e comunicação na escola:
aprendizagem e produção da escrita. Série “Tecnologia e Currículo” -
Programa Salto para o Futuro, Novembro, 2001.

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