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Knauth, D. R. et al.

Violência, pp. 40-46. In Câmara dos Deputados (Co- gênero, muitas vezes parece haver ainda pouca
ordenação de Publicações). Violência urbana e segu- clareza quando se afirma que é a mesma socie-
rança pública. Câmara dos Deputados, Brasília.
Zaluar A 2002. Diagnóstico da violência urbana no Brasil,
dade que orienta a construção de elaborações
pp. 18-19. In Câmara dos Deputados (Coordenação consideradas masculinas e femininas. Se é igual-
de Publicações). Violência urbana e segurança pública. mente inegável que sua característica básica é a
Câmara dos Deputados, Brasília. assimetria de gênero, o que quero chamar a
atenção aqui é que a forma como sujeitos viven-
ciam essa dimensão em suas vidas é constituin-
te tanto de mulheres quanto de homens.
É ainda desse campo de discussão uma ou-
tra questão trazida pelos autores que diz respei-
to à lógica dos benefícios indiretos para as mu-
Homens e saúde: diversos sentidos lheres da participação dos homens no campo
em campo saúde, sexualidade e reprodução. O caminho a
Men and health: several senses in field ser percorrido para se compreender o que sig-
nifica afinal falar-se em homens como sujeitos
Pedro Nascimento 5 de direitos. Como pensar em direitos em rela-
ção a quem não só sempre usufruiu dos mes-
Para mim é uma grande satisfação a oportuni- mos, como ainda impediu que outros – outras,
dade de participar deste debate que considero as mulheres – assim se insurgissem? Caricatu-
tão importante. Além da pertinência do tema ras à parte, há um longo caminho para que con-
que já valeria a empreitada, o artigo “Homens e sigamos dar o lugar devido ao fato de tratarmos
saúde na pauta da Saúde Coletiva” consegue dos homens, por um lado, como uma categoria
mapear diversas dimensões de um mesmo cam- genérica e universal e, por outro, falar dos sujei-
po. Se por um lado essa amplitude deixa o de- tos concretos do dia a dia.
batedor com vontade de referir várias questões Os autores enfrentam esse dilema o tempo
ao mesmo tempo – o que é aqui impossível; por todo. Referências a expressões como “masculi-
outro, oferece ao leitor uma oportunidade ím- nidade hegemônica”, “padrões hegemônicos”
par de reflexão pelo que parabenizo os autores. etc., as quais são fundamentais para possibilitar
Também gostaria de situar minha fala: o lu- mesmo a caracterização, trazem os riscos das
gar onde surgem meus questionamentos cruza generalizações e por isso os autores recomen-
a experiência de um antropólogo “iniciado” em dam que não se pode desconsiderar a existência
bares junto de sujeitos que, reunidos, apren- dos diferentes estilos de masculinidade, pois na
diam a ser homens (Nascimento, 1995), com a vida cotidiana devemos levar em conta a posição
experiência de uma pessoa que participa dessa concreta e particular dos sujeitos em cada grupo
discussão propondo um espaço para a reflexão de referência. Isto, contudo, não é uma tarefa fá-
sobre os homens nos campos aqui discutidos. cil, pois a referência ao modelo traz sempre a
Não se trata de reinstalar uma pouco produtiva “tentação” da facilidade de achar que já conhe-
oposição entre produção de conhecimento e cemos o que se nos apresenta antes mesmo de
ativismo, mas dizer dos dilemas próprios de um nos darmos ao trabalho de investigar a fundo
campo em construção (Medrado et al., 2000). A suas múltiplas dimensões. Como não nos des-
apresentação desses dilemas, a propósito, é o lumbrarmos com a certeza tantas vezes repetida
maior mérito deste artigo. São alguns deles, que em diferentes espaços de que “os homens são
particularmente me chamam a atenção, de que assim”? Neste sentido, valorizar e dar visibilida-
estarei tratando. de à diversidade dos sujeitos tem, por um lado,
Uma primeira questão que destaco é que o o apelo da pertinência metodológica e, por ou-
artigo aponta para a necessidade de refletirmos tro, a força da busca da superação dos estereóti-
o que estamos dizendo quando falamos gênero pos (Nascimento, 1999).
e estimula a busca da superação da reificação Uma outra questão tem a ver com a discus-
no feminino. Se parece que há acordo quando a são sobre masculinidade e trabalho. A centrali-
referência é ao caráter histórico e cultural do dade do trabalho na vida dos homens e na ne-
gociação de suas identidades; os desafios postos
quando não são capazes de atualizar a prerro-
gativa de provimento financeiro do lar e mes-
5 Instituto Papai, Recife PE. pedro@papai.org.br mo a inconstância do trabalho precisam ser le-
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Ciência & Saúde Coletiva, 10(1):18-34, 2005


vadas em conta. No entanto, acredito que sua falando sobre “participação masculina” ou “en-
relação com os comportamentos associados ao volvimento masculino”, faz-se importante ana-
uso abusivo de álcool precisam ser tratados com lisar também como os serviços de saúde de uma
cautela. Para entendermos as implicações e con- forma geral e no campo da saúde sexual e re-
seqüências dessa relação, será preciso associá- produtiva, em particular, estão estruturados re-
las a uma compreensão mais geral sobre os sig- fletindo a organização com base no gênero.
nificados da bebida e do “beber junto” para os O enfoque marcadamente materno-infantil
homens e sua socialização para que o caminho da atenção básica em saúde faz com que servi-
desemprego-alcoolismo não obscureça outras ços, que muitas vezes são deficitários para iden-
questões envolvidas na questão homens e bebi- tificar as especificidades das mulheres, sequer
da. Muito embora o alcoolismo seja também reconheçam os homens como sujeitos de sua
um grave problema de saúde pública, tive gran- atenção. Ao fazer isto, cristaliza oposições cons-
des dificuldades para caracterizar em minhas truídas socialmente como se fossem dados da
investigações etnográficas homens desemprega- natureza: desestimula os homens a procurarem
dos e dependentes financeiramente de mulhe- os serviços de saúde e enxerga as mulheres co-
res (mães, esposas, irmãs) que eram todos eles mo essencialmente cuidadoras e as únicas res-
dependentes de álcool (Nascimento, 2000). ponsáveis pela esfera da saúde.
Inicialmente, entendia aquele quadro como Não se trata de negar uma relação diferen-
demonstrando que aqueles homens, estando ciada de homens e mulheres nesse aspecto, mas,
impossibilitados de cumprirem com a prerro- uma vez percebida essa diferenciação, de nada
gativa do trabalho e do provimento do lar, não adiantará apenas insistir na queixa: os homens
conseguiam redefinir o ambiente doméstico, não cuidam, os homens não participam... Esta
nem criar novos sentidos para as suas vidas. perspectiva, a princípio, traz dois resultados
Sendo assim, o universo da bebida apresentava- que pouco ajudam na superação dessa dificul-
se como a única possibilidade. Uma espécie de dade: 1) acaba por transformar, pela ênfase, um
alternativa perversa diante da impossibilidade dado cultural e historicamente construído, num
de redimensionamento do espaço doméstico, argumento de base essencial, como se existisse
eminentemente feminino. Esta visão precisou algo dado nos homens que os fariam descom-
dar lugar a uma busca dos possíveis sentidos da prometidos, desligados, gerando o discurso de
condição daqueles homens para que, inclusive, que os homens não querem, ao invés de investi-
permitisse não constituir uma tendência à sua gar e agir nos elementos que levam os homens
vitimização. a “não quererem” ou não “participarem”; 2)
O dilema de perceber esses homens como uma vez configurada essa compreensão, passa-
dependentes químicos e ao mesmo tempo via- se a tratar como se qualquer ação junto dos ho-
bilizar uma interpretação, que não os conside- mens exigisse um esforço sobre-humano para
rasse apenas a partir da posição de “doentes”, se identificar a fórmula para “atingir” esses mes-
pôde ser enfrentado na medida em que outros mos homens, sem que antes tenha se refletido
elementos de suas trajetórias puderam ser tra- suficientemente sobre os “lugares” e os “não-lu-
zidos à tona, de modo que o álcool, mesmo sen- gares” construídos cotidianamente na relação
do uma dimensão fundamental, foi considera- com essa população.
da junto com outras, como as diferentes rela- Reconhecer a existência desses sujeitos nes-
ções mantidas e as redes de solidariedade cons- sa área não significa reivindicar aos homens um
truídas, os discursos sobre a bebida e sobre a lugar de destaque, tampouco vitimizá-los. A
falta de trabalho, a alternância de momentos de percepção é de que a participação dos homens
bebida com momentos de abstinência, a mani- passa pela superação de imagens e perspectivas
pulação da identidade de doentes etc. Elemen- individualizantes e culpabilizantes, dando lugar
tos esses que permitem não vermos esses ho- a espaços de atenção, reconhecimento de de-
mens apenas como “alcoolistas”, nem as rela- mandas, abertura para identificar especificida-
ções em que estão inseridos como marcadas ex- des. Isto pressupõe ouvir os homens e convidá-
clusivamente pela compaixão das pessoas que los à participação. Porém é importante que esta
deles cuidam. escuta e este convite aconteçam também por
Uma última questão que gostaria de apre- poderem significar algo importante para estes
sentar está associada à discussão de que os ho- sujeitos e não apenas porque estes tenham de
mens não são ensinados a cuidar nem de si nem ser “responsáveis” (Arilha, 2000).
do outro. Para refletirmos sobre o que estamos
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Knauth, D. R. et al.

Referências bibliográficas a falta de clareza quanto às conseqüências polí-


ticas do estudo da(s) masculinidade(s) que ain-
Arilha M 2000. Homens jovens, gênero e masculinidades. da hoje faz com que os homens sejam aborda-
Perspectivas em Saúde e Direitos Reprodutivos 3:22-25. dos, como corretamente apontam os autores, de
Medrado B, Lyra J, Galvão K & Nascimento P 2000. Ho-
mens, por que? Uma leitura da masculinidade a par-
uma maneira “instrumental”, ou seja, mais co-
tir de um enfoque de gênero. Perspectivas em Saúde e mo fonte de agravos à saúde dos outros do que
Direitos Reprodutivos 3:12-16. foco central do debate. Assim, ao estudarem os
Nascimento P 1995. Mulher é o cão: a construção da iden- homens e a masculinidade, muitos ainda devem
tidade masculina em bar da feira central de Campina se perguntar, se não estariam “desperdiçando”
Grande/PB. Monografia de graduação.UFPB, Campi-
na Grande.
recursos intelectuais, aumentando a visibilida-
Nascimento P 1999. Ser homem ou nada: diversidade de de e o prestígio social de quem já os possui em
experiências e estratégias de atualização da masculini- excesso.
dade hegemônica em Camaragibe/PE. Dissertação de É claro que um tal dilema supõe a adesão à
mestrado. UFPE, Recife. idéia de que as conseqüências políticas da
Nascimento P 2000. Homens pobres, masculinidades à
margem. A construção social da masculinidade no mu-
transformação de determinado grupo ou cate-
nicípio de Camaragibe/PE. Relatório de pesquisa. goria social em objeto de reflexão científica
PRODIR III – Fundação Carlos Chagas-Fundação operariam sempre no sentido de seu empower-
MacArthur, São Paulo. ment social. Bem sabemos, entretanto, que há
outras versões muito mais críticas, pessimistas
ou antiiluministas sobre as conseqüências polí-
ticas do trabalho científico. Muitos acham, e
penso aqui obviamente em Foucault, que o em-
preendimento científico geralmente é ele mes-
mo parte de processos mais amplos de domina-
Comentários diagonais sobre ção social e de sujeição política. Deveríamos en-
a emergência dos homens na pauta tão compreender a emergência dos estudos so-
da Saúde Coletiva bre masculinidade como espécie de “sintoma”
Diagonal comments about the men de um processo de desarticulação do poder
emergency in the Public Health targets masculino? Não me parece absurdo afirmar, ao
menos como hipóteses a serem consideradas,
Sérgio Carrara 6 que, nos últimos dois séculos, assistimos não
somente a uma lenta e progressiva corrosão do
Como ressaltam Schraiber, Gomes e Couto, te- poder masculino, mas também que a tal corro-
mos assistido nos últimos anos, na área da Saú- são corresponde o correlativo aumento do po-
de Coletiva e na das Ciências Sociais aplicadas à der do Estado e do mercado.
saúde, a uma crescente preocupação em situar Comecemos pelo mercado, no qual se in-
no centro da análise os homens e a(s) masculi- cluem os próprios serviços voltados à manuten-
nidade(s). Colocando-me em uma perspectiva ção e promoção da saúde (física ou mental), os
complementar àquela adotada pelos autores, fa- produtos da indústria farmacêutica etc. Nesse
rei aqui alguns comentários referentes à histó- âmbito, estamos assistindo a uma mudança sem
ria e aos possíveis significados da emergência precedentes quanto à sofisticação do antigo
dos homens – considerados categoria de gênero mercado produtor de serviços e bens que, vol-
e não mais representantes universais da espécie tados para os homens, procuravam expressar
humana – como objetos de pesquisa e interven- sua masculinidade. De fato, algo parece estar
ção científica. acontecendo no plano daquilo que Luc Boltans-
Tenho como pressupostos que os nossos ob- ki chamava de cultura somática, fazendo com
jetos de reflexão não se oferecem passivamente que homens de diferentes camadas sociais pas-
à observação, como se tivessem estado sempre sem a manter com seus corpos um tipo de ati-
lá, na “realidade social”, à espera de serem “des- tude antes considerada mais apropriada às mu-
cobertos” e que tal “descoberta” tem sempre lheres. Mais reflexiva e mais atenta ao próprio
uma dimensão política. E talvez seja justamente corpo, tal atitude propicia e incentiva o consu-
mo de um sem-número de serviços profissio-
nais e produtos que prometem manter os cor-
pos nas convenções ideais da cultura de massa
6 IMS-Uerj. carrara@uerj.br dessa nossa passagem de século: saudáveis, sen-

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