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Edição 1847

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E-xpresso NOVO Mulheres que amam mulheres
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1.º Caderno Seis lésbicas aceitaram dar a cara pela primeira vez na imprensa
portuguesa. Algumas criam filhos de relações heterossexuais
Economia
passadas, outras querem ser mães por inseminação artificial. A
Única
nova geração assume-se cada vez mais cedo, ambiciona casar-se Mulheres que amam
Actual e reclama igualdade de direitos.Todas desejam ser encaradas com mulheres
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Quem TV Sara e Rita estão abraçadas no sofá da sala, frente à lareira, como um qualquer
Íntimo casal apaixonado num domingo invernoso. Aos seus pés cirandam Tigra,
Vaidades Rumba, Xica e Mia, as quatro gatas de estimação. Pela moldura das janelas
Sabores anuncia-se a chuva, o Tejo e a ponte Vasco da Gama. Uma carícia no rosto, um
Prova de vinhos abraço apertado e um longo beijo na boca ilustram uma história de amor com
À mesa
seis anos de existência. Ali não há lugar para pudores e preconceitos. Nem tão
pouco para estereótipos. Sara e Rita não encaixam na imagem batida da mulher
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máscula, de voz grossa, desmazelada. Pelo contrário, ambas são extremamente
Play femininas, bonitas e elegantes. E, acima de tudo, estão enamoradas uma pela
outra. A sua relação lésbica deixou de ser um segredo e é partilhada com a
família, amigos e colegas de trabalho. Uma conquista traduzida numa só palavra:
visibilidade. «Porque não temos de ter vergonha de ser quem somos», atira Sara
Martinho, 31 anos, consultora de Recursos Humanos. Até numa das últimas
reuniões de condóminos do prédio onde habitam, na zona do Parque das
Nações, escolheram contar a sua história aos vizinhos para não darem azo a
equívocos ou a falatório. «De resto, seja no café ou no médico, quando olham
para a minha aliança e perguntam se tenho noivo ou marido, respondo que tenho
uma... marida. Quando esta questão é dita com normalidade as pessoas ficam
desarmadas e tendem a aceitar», responde, entre sorrisos. Para trás ficou um
doloroso processo de «coming out» (vulgo «saída do armário») feito de lágrimas
e medos, onde ambas tiveram de aprender a aceitar e a viver com a sua
orientação sexual. Sara resume o lado assolador do tema: «Um dos primeiros
contactos que um homossexual tem com a sua própria homossexualidade é o

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insulto. A sociedade em que vivemos usa o que somos para insultar os outros, ou
seja, eu sou um insulto! - E eu não queria que ninguém me visse como tal...» Se
esta é uma das primeiras referências que os homossexuais têm de si, é
justificável que muitos vivam no permanente pânico de serem descobertos.
Talvez por isso e por ser bissexual, Sara só tomou consciência de que gostava
de mulheres aos 19 anos. Até lá teve inúmeros namorados, vivendo em pleno
esses amores heterossexuais, sem arranjar explicação para o facto de sentir
«borboletas na barriga» quando estava perto de determinadas raparigas. «A
sociedade é tão heterossexista e nós somos de tal forma educados para isso que
podemos viver muito tempo alheados da nossa verdadeira identidade». Rita
Paulos, 28 anos, a trabalhar na área da tradução, não passou por essa
ambiguidade. Aos 16 anos apaixonou-se pela melhor amiga. «Fui-me dando
conta de que o que as minhas colegas sentiam pelos rapazes que amavam era o
mesmo que eu sentia pela minha amiga. Mas a carga negativa que a
homossexualidade ainda acarreta para muitas pessoas não me afectou
grandemente». Quando Rita e Sara se conheceram, da fraqueza fizeram força, e
em 2003 fundaram a associação Rede Ex-Aequo, que contou com o apoio do IPJ
(Instituto Português da Juventude) para a criação em todo o país de grupos de
aconselhamento aos jovens LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros)
dos 16 aos 30. «Todas as semanas nos chegam casos de rapazes e raparigas
expulsos de casa, trancados no quarto e abusados física e psicologicamente por
terem assumido a sua homossexualidade aos pais», alerta Rita, porta-voz da
associação.

Também para ambas, o passo mais difícil nas suas vidas foi a revelação aos
respectivos pais. A aceitação aconteceu lentamente no caso da Rita, mas Sara
chegou a ouvir dos lábios da sua mãe: «Quem ama a minha filha a minha boca
adoça». Rita acrescenta-lhe: «O amor entre duas pessoas nunca pode estar
errado». Sara esboça um sorriso cúmplice. De olhos azuis muito abertos,
aproveita para lhe fazer uma declaração emocionada: «Ela é a companheira
certa para a minha vida. É a pessoa para quem eu gosto de chegar a casa, à
noite, e de abraçar na cama na posição de cadeirinha. É a pessoa que eu espero
ver ao acordar. É a amiga, amante, a minha crítica, a minha razão. É a pessoa
que dá sentido à minha vida. Não consigo conceber a minha realidade sem ela»,
explica. Por estas mesmas razões, há quatro anos estas duas jovens optaram
por fortalecer o compromisso amoroso passando a viver em união de facto.
Desta forma, ficaram abrangidas por uma figura legal reconhecida em Portugal
desde 2001 e que contempla duas pessoas, independentemente do sexo, que
coabitem como casal há mais de dois anos. «Com isto alcançámos alguns
direitos fundamentais como o regime de imposto de rendimento (IRS) nas
mesmas condições dos casados, protecção pela Segurança Social na
eventualidade da morte do beneficiário, direito ao imóvel equiparado ao do
cônjuge, entre outros». Na época, para oficializarem a relação e assumirem o
compromisso, organizaram uma grande festa para amigos e familiares. «Foi um
dia especial. A partir desse momento deixámos de ser namoradas para sermos
algo mais sério: companheiras», assevera Sara que, tal como Rita, tem a
ambição de alargar o agregado familiar. Ou seja, ambas querem ser mães
biológicas. Como? Através do acesso a um banco de esperma e às técnicas de
Procriação Medicamente Assistida (PMA). «Sempre quisemos ter filhos e
estivemos a aguardar por uma situação profissional estável. Mas será algo a
acontecer num futuro próximo», assegura Sara. Como a lei portuguesa, desde
2006, só permite o acesso à PMA apenas em caso de infertilidade e unicamente
a mulheres heterossexuais casadas ou em união de facto, Sara e Rita planeiam
fazê-lo numa clínica no estrangeiro. Provavelmente em Espanha. Preferem o
esperma de um dador anónimo porque lhes dará garantias de segurança.
Contam desembolsar pelo menos 1.500 euros por cada viagem. «O facto de ser
lésbica não anula em mim o desejo de maternidade, nem a minha competência
para tal. Sim, quero ser mãe!», sublinha. Para desfazer equívocos e falsas ideias
sobre o que é o quotidiano de um casal de lésbicas, Sara decidiu criar um blogue
onde conta as peripécias do casal: www.cacaoccino.blogspot.com. Sobre esta
questão, é peremptória: «Quero que as pessoas saibam que a minha vida com a
Rita é tão aborrecida e banal como qualquer outro casal heterossexual. Fazemos
compras mensais no supermercado, pagamos as contas, aos fins-de-semana
almoçamos com a minha mãe e jantamos com os pais da Rita. É uma vida tão
banal e insípida como a da maioria das pessoas e isso deixa-me muito feliz».

Convidado a comentar este caso, o advogado Luís Grave Rodrigues começa por
condenar o projecto-de-lei aprovado na Assembleia da República em Maio de
2006, que impede as mulheres lésbicas ou solteiras de recorrerem às técnicas de
PMA. «Esta proibição é manifestamente inconstitucional e incompreensivelmente
injusta. Para além disso, é uma lei absolutamente idiota. Primeiro porque afasta
uma determinada categoria de mulheres do direito à maternidade, por força de
um preconceito bacoco e obviamente de cariz religioso. Depois, porque não
permite que uma mulher possa constituir família - tal como lhe garante o artigo
36.º da Constituição - nas condições que muito bem entenda, só por força de
uma dificuldade física que a discrimina face às restantes mulheres».

O jurista chama ainda a atenção para um


aspecto que considera «inútil» na lei: «Basta
uma mulher ir a Espanha para conseguir
essa inseminação. Por outro lado, ao
mesmo tempo que uma lei proíbe a PMA a
uma mulher solteira permite-lhe, ainda que
como família monoparental, adoptar uma

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criança. Isto é prova de que Portugal ainda


tem muito que aprender com a nossa vizinha
Espanha».

Também Solange F., 31 anos,


apresentadora do «Curto-Circuito», um dos
programas juvenis de maior audiência da
SIC Radical, se indigna com esta falta de
direitos. Por isso decidiu dar a cara por esta
reportagem assumindo-se num meio de
comunicação social, pela primeira vez, como
lésbica. Um grande feito se atendermos ao
facto que - à excepção da cantora Dina -
nenhuma figura pública feminina portuguesa
assumiu, até hoje, a sua homossexualidade
ao grande público. «As pessoas têm muito
medo de prejudicar a carreira. É importante
que surjam mais personalidades conhecidas
a abrir o livro pessoal, como eu. Para darem
a perceber a normalidade deste assunto e
acabarem com o estigma do desconhecido.
Oxalá chegue o dia em que esta discussão Amor. Rita e Sara estão juntas há
seis anos, vivem em união de facto
seja tão corriqueira e unanimemente aceite há quatro e fazem planos de serem,
como o futebol». Solange não espera ambas, mães biológicas através de
surpreender. Aos colegas, pais e amigos inseminação artificial
tem dado a conhecer as suas namoradas.
«O meu pai ajudou-me nas mudanças e apoiou-me muito quando saí de casa da
minha ex-namorada». Tão pouco espera um choque ou desilusão nos mais
jovens que a têm como referência televisiva. «Sei que os tenho do meu lado.
Nunca tive um discurso heterossexista. Por exemplo, quando entrevisto raparigas
em directo no programa pergunto-lhes se têm namorado ou namorada...»

Contas feitas ao passado, Solange tinha 18 anos quando confirmou no íntimo


que tinha preferência por mulheres. «Apaixonei-me pela irmã do meu
namorado», recorda. Desde aí já viveu muitas paixões, mas ainda busca a
companheira ideal. «Deixo a ressalva de que não ando à caça, nem sou de me
movimentar em ambientes nocturnos ‘gay’. Gosto de ambientes inclusivos e de
relações românticas». Apesar de estar de coração desimpedido, faz sérios
planos de ser mãe biológica - tal como o casal Rita e Sara. A diferença reside na
técnica de inseminação que, no seu caso, é mais caseira. «Fiz um acordo
especial com um amigo que vai regularmente lá a casa dar-me uma colheita do
seu esperma, com a condição de não reivindicar no futuro a sua paternidade. O
resto do processo é finalizado por mim com uma seringa», explica, dizendo que,
após a intervenção, aguarda cerca de 30 minutos de pernas viradas para o ar
para que o método seja mais eficaz.

Acaso Solange venha a engravidar e registe


a criança enquanto mãe solteira, como em
Portugal não há filhos ilegítimos nem a
«figura jurídica» de pais incógnitos (assim
mencionados, por exemplo, nos bilhetes de
identidade) prevê-se que o Ministério Público
abra oficiosamente um processo de
Investigação de Paternidade que poderá ser
ou não conclusivo no apuramento do pai.
Paixão. Raquel Costa está numa boa
No caso de Sofia Oliveira, 35 anos, fase amorosa. «É com a minha mãe
bissexual e divorciada, não foi preciso o que me aconselho. Abre-me os
olhos. Opina sobre as minhas
recurso à inseminação artificial para parceiras»
experimentar a maternidade. A paixão fugaz
por um homem proporcionou-lhe a alegria de
ser mãe de Afonso, um miúdo de 3 anos simpático e irrequieto. O pai do rapaz
«afastou-se» e só pôde contar com a ajuda da mãe e da irmã.

Entretanto, Sofia apaixonou-se por Mariana, que conheceu através de uma


conversa ocasional no «msn» (espaço de conversação na Internet) e com quem
faz uma vida a dois. Assim, Afonso passou a ter a mãe Sofia e a tia Mariana. À
noite, quando o casal se abraça debaixo dos lençóis, são as melhores amantes.
«Temos uma relação muito física, carnal. Aliás, como experimentei os dois lados,
posso assegurar que o sexo com elas é muito melhor. É mais intenso e sensível.
Ainda há alguém que considere que não há sexo sem penetração?» - questiona.
Quando adormecem, Sofia mantém o sono ligeiro para acudir aos inúmeros
apelos nocturnos de Afonso. Ao seu lado, Mariana dorme imperturbável. Mas de
manhã é a melhor companheira de brincadeiras do rapaz.

«Aguenta-te ao colo por um bocado só para


estes senhores conseguirem tirar uma
fotografia para o jornal», explica Sofia ao
filho. O rapaz prefere voltar a sentir os pés
no chão para correr e brincar com a tia, ali
tão à mão. Sofia observa-os. Não considera
determinante para a sua formação o facto de
o filho estar privado de uma figura paterna.

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De momento, as suas referências


masculinas são o tio, o padrinho e o avô. E a
19 de Março, Dia do Pai, Afonso regressou
da escola com uma prenda para o tio,
porque sabe que «não tem pai». Quanto aos
amores da mãe? «A mãe viverá ou estará
sempre com a tia, e é isto que faz sentido na
cabeça dele». Chega a colocar a hipótese
de dar a ler ao filho os livros Por quem Me
Apaixonarei e De Onde Venho, duas obras
Sexo. Sílvia Jorge não esconde as
infantis que abordam a homossexualidade, suas inúmeras aventuras burlescas.
lançadas no mercado pela Associação Ilga «Gosto de mulheres, muitas. E de
Portugal e o projecto espanhol protagonizar episódios bizarros»
eraunavez.com. «Responderei às suas
questões e dúvidas a seu tempo». As verdadeiras preocupações desta bancária
são outras: «Temo que um dia o meu filho possa sofrer alguma represália por
esta minha escolha de vida, mas a verdade é que acredito que, não estando a
fazer nada de errado e educando-o da forma que eu considero correcta, ele
conseguirá defender-se». Consciente de que a namorada nunca terá um vínculo
jurídico sobre o Afonso, porque ainda não o há - a lei espanhola prevê
progenitores do mesmo sexo -, Sofia deixa a promessa: «Mesmo que algum dia
nos separemos, nunca a impedirei de estar com o Afonso».

Sobre a questão da legitimidade de casais


homossexuais poderem ser pais, que tanta
polémica tem levantado em prol da defesa
dos direitos da criança, a pedopsiquiatra Ana
Vasconcelos tem um parecer positivo: «Há
que haver lucidez e menos arrogância nos
julgamentos. Os estudos americanos mais
recentes provam que não há paralelo
nenhum entre a psicopatologia e a vivência
de uma criança no seio de uma família
homossexual. Ou seja, o problema não é se Família. Ana Pinheiro reuniu-seno
café Martinho da Arcada coma sua
a criança tem duas mães ou dois pais. O companheira, Cristina, e os filhosde
que é essencial é analisar caso a caso e cada uma: Helena e Richard
perceber como a criança se relaciona com
os adultos cuidadores. Se se sente protegida com eles e se recebe padrões de
vinculação claros, constantes, seguros e previsíveis». Também a psicóloga
Isabel Leal - no seu livro Psicologia da Gravidez e da Parentalidade (editora
Fim de Século) - aponta o dedo à comunidade em geral, por esta entender a
maternidade e a paternidade terrenos vedados aos homossexuais. «É um
preconceito tenebroso encapotado. A maternidade ou a paternidade não são
relações erotizadas, logo, a orientação sexual de um pai ou de uma mãe não os
impede de dar uma boa educação a uma criança. A minha experiência clínica
indica nesse sentido».

Ana Pinheiro, 43 anos, é a prova disso. Mãe da vistosa Helena Kohlichhaus, de


20 anos, fruto de um envolvimento com um amigo holandês, sempre educou a
filha junto das suas companheiras. Num ambiente «gay friendly». É a própria filha
a afirmar, na primeira pessoa, que esse contexto familiar alternativo não lhe
provocou crises na sua identidade sexual ou desequilíbrios emocionais. «Sempre
tive duas mães e dei-me bem. Nunca me faltou carinho, educação ou amor.
Quanto a mim, sou heterossexual. Estavam à espera de quê? A
homossexualidade não é uma doença nem é hereditária». Foi apenas aos 18
anos que Helena teve coragem de contar aos amigos que a mãe gostava de
mulheres. «Tinha medo que me colocassem de lado. O que não veio a
acontecer. Não havia razão para me julgarem». Para a mãe, Ana - responsável
pela editora Zayas, especializada em livros de temática LGBT -, a grande mágoa
é estar impedida de se casar com a sua companheira brasileira, Cristina. Uma
vez que o casamento civil continua a não ser permitido para casais
homossexuais. «Enquanto ser pagante de impostos me obrigada a cumprir os
deveres como qualquer cidadã portuguesa, vejo o meu direito de poder casar
negado e isso é algo que numa sociedade democrática e de direito não se pode
aceitar. Se eu morrer antes da minha companheira, ela não poderá herdar os
meus bens. Consideram justo?»

Quanto a esta questão, recorde-se que o


advogado Luís Grave Rodrigues, a
representar o casal de lésbicas Teresa Pires
e Helena Paixão na sua intenção de
contraírem matrimónio, aguarda a decisão
do Tribunal Constitucional. Em causa está o
Artigo 36.º da Constituição, o qual determina
que «todos os portugueses têm o direito a
constituir família e a contrair casamento em
plena igualdade». Sobre o actual estado da
Maternidade. Sofia Oliveira não
lei, o jurista vai mais longe: «Só ainda não considera que para o filho seja
surgiu uma mudança por manifesta falta de essencial uma figura paterna. «Tem
coragem dos nossos políticos em encarar o o tio,o padrinho e o avô»
problema, e também face à cedência a
manifestas resistências a que não são estranhos inexplicáveis e irracionais
preconceitos e uma anacrónica homofobia, obviamente conexionados com as
mais conservadoras franjas portuguesas.»

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«Casada com a minha namorada? Só se for pelos direitos adquiridos». É esta a


postura de Raquel Costa, 40 anos, empresária do ramo da restauração, face à
ideia de matrimónio. Não se imagina a deslocar-se ao estrangeiro só para
formalizar algo que no seu país não tem valor legal. «Não me fará mais mulher,
nem melhor companheira». Aproveita para juntar outro assunto à discussão: «A
homossexualidade feminina continua a ser menos visível, menos defendida e
respeitada do que a masculina. Duas mulheres que andam de mão dada na rua
são, regra geral, vistas como amigas, quase nunca como namoradas. E os
homens não se coíbem de nos abordar...» Raquel considera-se uma mulher
discreta, mas não se priva de fazer gestos de carinho em público à sua parceira.
O que a atrai na Mafalda é a sua sensualidade, malícia, o corpo tratado, a
maquilhagem, as unhas pintadas. «Gosto de mulheres que se parecem com
mulheres. Senão andava com homens». Conclui: «Mais do que ser tolerante é
preciso aceitar, compreender».

Sílvia Jorge, 41 anos, tem prazer em chocar.


Gosta que as suas palavras e atitudes criem
impacto. Não importa se de forma negativa.
Descreve-se como leviana e amante do
bizarro. «Sou um bocado frívola nos afectos,
inconstante. Namoro muito e troco
frequentemente de parceira. Fujo de rotinas,
nem tenho tempo para relações sérias».
Toma para si o lado mais risível do tema ao
contar que chegou a namoriscar com uma
Fama. Solange F. nos estúdiosda
«mulher feia» só porque ela «nunca tinha Valentim de Carvalho, junto a João
sido penetrada». Resolveu o assunto ao Manzarra. «É tempo de algumas
comprar numa «sexshop» uma «cinta figuras públicas darem a cara por
pedagógica» - leia-se espécie de pénis de esta causa»
plástico sustentado na zona púbica - para
satisfazer a parceira por um fim-de-semana. Após a experiência partiu para
outra.

Afirma que a nova geração de lésbicas se está a assumir cada vez mais cedo.
Algo que o «Expresso» pôde confirmar ao passar algumas noites no bar Purex e
na única discoteca lésbica de Lisboa, a Maria Lisboa, estabelecimentos
frequentados por jovens mulheres homossexuais, muitas menores de 18 anos. E
tão femininas e vaidosas quanto as que apareceram na série televisiva
americana «A Letra L», que a RTP2 exibiu, e povoam o imaginário de muitos
homens heterossexuais.

Sílvia mostra-se incomodada perante a «grande homofobia dos portugueses».


Insiste que a maioria das suas amigas seria dispensada do trabalho se
anunciasse que era lésbica. «Não podemos julgar as pessoas que omitem a sua
identidade sexual. Teriam muito a perder. Então se olharmos para o interior do
país o caso é mais preocupante». E conclui, jocosa: «Alguns rapazes já tiveram o
azar de me chamar ‘fufa’. A um beijei-lhe a namorada, ao outro perguntei-lhe se
o Mundo acabasse com quem preferia ficar? Sozinho? Com uma velha
horrorosa, desdentada e disforme, a cheirar mal, ou com um rapaz giro, sexy,
charmoso?»

Veja vídeo

Reportagem de Bernardo Mendonça (texto) e Tiago Miranda (fotografias)

Elas por elas


SARA MARTINHO

31 anos, consultora de Recursos


Humanos

«Defino-me como uma pessoa pró-


activa, entre muitas coisas. Na minha
vida pessoal, no quotidiano, procuro o
meu bem-estar e o da minha
companheira. Quanto ao processo de
‘coming out’, depois de dar um nome ao
que sentia, foi feito com facilidade.
Deveria vivê-lo com pesar? Claro que
não. Quis vivê-lo, desde o início, com
naturalidade e visibilidade. A orientação
sexual é apenas uma das muitas
características que me definem. Nesse
sentido, vivo-a na sua plenitude
enquanto casal, na família, com amigos
e também no contexto profissional.
Simplesmente, porque não existem - ao
contrário do que se julga! - fronteiras
claras entre o público e o privado. E se,

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por um lado, me é fácil gerir o dia-a-dia afectivo e as minhas relações


interpessoais, o mesmo não posso dizer sobre os ‘não-direitos’ que me
assistem. O Estado português continua a recusar o igual reconhecimento das
nossas relações familiares e continua a manter a discriminação na própria lei,
legitimando o insulto, perpetuando a invisibilidade e agravando o isolamento
dos cidadãos homossexuais. Continuamos a ter que explicar que somos pais,
filhos, netos, avós, amigos, companheiros e, por fim, cidadãos. Porque -
lembrando as palavras de Zapatero quando pôs fim à discriminação na lei,
reconhecendo também o casamento entre pessoas do mesmo sexo em
Espanha - é preciso que se perceba que não somos «gentes remotas e
estranhas» e que «uma sociedade decente é aquela que não humilha os
seus membros.»

RAQUEL COSTA

40 anos, empresária de restauração

«Dou esta entrevista numa fase da vida


em que me sinto finalmente muito feliz,
quer a nível profissional, por estar a
conseguir concretizar os meus
objectivos, quer a nível amoroso, onde
encontrei tranquilidade. Nunca encarei o
facto de ser lésbica que não fosse como
uma mais-valia. Sou respeitada e amada
por todos aqueles que fazem parte do
meu círculo familiar e de amizade
(amigos, só contam os verdadeiros).
Contudo, encaro com preocupação as
dificuldades de aceitação social
relativamente à sexualidade alheia.
Continuamos a viver numa sociedade
retrógrada e com um longo trabalho pela
frente. O Estado deveria dar, aqui, o
exemplo e alterar as leis que fossem
necessárias para mostrar que a
homossexualidade é uma forma natural de vida. Lamentavelmente, não tenho
confiança de ver isto acontecer nos próximos tempos. Pela parte que me
toca, espero que esta reportagem possa esclarecer as dúvidas daqueles que
as têm. Nunca precisei de ‘sair do armário’ para saber a minha orientação. É
fácil quando se tem certezas. A todos os leitores: por favor sejam felizes!»

SÍLVIA JORGE

41 anos, produtora de espectáculos

«Sou lésbica, por isso muito mulher... ser


mulher é bom, ser lésbica é melhor
ainda!. Neste momento sei que sou
doida pela minha miúda! E adoro ser
louca por ela, e quero enlouquecer mais
ainda... Nunca passei pelo processo de
‘coming out’, nem me ocorria esconder
algo que me é tão natural. A melhor
coisa do mundo são as mulheres,
muitas, imensas... Nem sei o que os
outros pensam sobre isto, mas não
devem pensar nada que me interesse,
senão já tinha dado conta. Quanto a
discriminações - há imensa gente que
diz que nunca foi discriminada, mas,
para mim, em Portugal, aqui e agora,
isso é impossível acontecer. A
homofobia é tal que nem se apercebem
que quando se calam nas famílias, nos
empregos, quando engolem as perguntas ou a conclusão automática
permanente de que são heterossexuais e solteiros compactuam com a
homofobia - e estão a ser discriminados. Não ser discriminado é ter perante e
lei e a sociedade os mesmos direitos e merecer o mesmo respeito que todas
as outras pessoas. Mesmo que o consinta, mesmo que esteja habituada a
engolir o que sinto, a não impor o meu ‘desvio’, como lhe chamam.
Discriminação para mim é ser constantemente lançada para um patamar

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inferior, menos válido. Dou a cara para que chegue o dia em que o tema
homossexualidade deixe de ser considerado atípico, e passe a ser observado
como uma qualquer coisa normal na vida das pessoas. Tão banal como ir às
compras à Baixa. Ou simplesmente não ser referenciado em separado dos
outros tipos de relacionamentos em entrevistas para os ‘media’.»

ANA PINHEIRO

43 anos, editora

«Vivo presentemente com a minha


companheira, e pontualmente com o filho
dela e a minha filha. Desde cedo percebi
que era diferente das minhas amigas, o
meu objecto de desejo não eram os
rapazes. Gostava da companhia deles,
mas, invariavelmente, apaixonava-me
por raparigas. Acho que não me sentia
mal com isso pois até tinha algum
sucesso, mas era estranho não poder
demonstrar os meus sentimentos em
público, eu própria não me sentia à-
vontade. Agora, chamamos a isso
homofobia interiorizada. Foi preciso
alguns anos, e ter saído de Portugal,
para começar lentamente o processo de
me sentir bem comigo enquanto ser livre
que pode demonstrar a sua afectividade
sem crítica ou opressão da sociedade.
Vivi a minha adolescência na Alemanha. Lá aprende-se que cada um viva a
sua vida sem interferir na dos outros. Já com os estudos praticamente
concluídos, achei que o meu relógio biológico estava a dar horas e desejava
ter uma criança. Falei com o meu melhor amigo, hetero por sinal, e propus-
lhe que fosse o pai da minha criança. Ficou claro desde o início que a criança
viria para Portugal e iria viver comigo, ele não teria um papel preponderante
enquanto pai, mas sim como um bom amigo. Esse era o nosso compromisso
e ele aceitou. Uma última reflexão: para bem duma sociedade que se quer
saudável, era bom que as pessoas começassem de vez a compreender que
nós, lésbicas, gays, transsexuais e bissexuais deste país somos tão seres
humanos como qualquer outro, e as nossas diferenças não podem nem
devem ser motivo de maus tratos ou de injúrias.»

SOFIA OLIVEIRA

35 anos, bancária - gestora de Risco

«Quando me fazem a pergunta ‘És


lésbica? És bi?’ fico sempre sem saber
bem o que responder. A dúvida mistura-
se com a relutância de ter que colocar
uma etiqueta nos sentimentos, porque é
de sentimentos que se trata.
Sentimentos que podem ser dirigidos a
mulheres, hoje, mas não me livro de que
amanhã possam ser dirigidos a homens.
Se antes daquela tarde de 2001 alguém
me dissesse que eu me ia apaixonar por
uma mulher, riria. A verdade é que tudo
mudou a partir dessa tarde. Não para
melhor nem para pior. Mudou. Hoje, 7
anos volvidos, sou mãe e partilho a
minha vida (parte dela, porque é
saudável não partilharmos tudo) com
uma mulher. A minha maneira de ser, a
minha forma de viver manteve-se.
Porque é que teria de alterar isso só porque me relaciono com uma mulher?
Nunca me exibi em público nas relações com homens - e com mulheres ajo
exactamente da mesma forma. Tenho para mim que quando se age
naturalmente as situações acabam aceites, mesmo que o sejam em silêncio.
Nunca sofri qualquer tipo de recriminação ou discriminação. Mentira! Há 5
anos, num jantar de grupo de mulheres homossexuais, houve quem
pensasse que eu estava lá por ser irmã ou prima de alguém, só porque

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Página EXPRESSO - Mulheres que amam mulherese 8 de 8

estava grávida e, como tal, não passava por aquela cabeça que eu pudesse
estar com outra mulher. Penso que hoje a sociedade está ‘muito à frente’ e
com calma e persuasão chegar-se-à ao dia em que todos os casais possam
usufruir das mesmas ‘regalias’. O que não acredito é que isso seja
conseguido através de marchas pela Avenida da Liberdade.»

SOLANGE F.

31 anos, apresentadora de TV

«Sou uma mulher determinada.


Teimosa, com a mania da perfeição. Se
meto uma coisa na cabeça, tento ir até
ao fim. Sou de concretizações. Os
sonhos são para serem realizados. Não
sei o que procuro da vida, mas a maior
parte das pessoas interessantes que
conheço também não sabem. Isto da
idade é uma questão de estado de
espírito. Mas sei o que quero duma
relação: o que diz a letra ‘Somebody’,
dos Depeche Mode; uma pessoa que se
preocupe, que me oiça, que me
acompanhe, pois se não me acompanha
é porque me está a atrasar. Quero a
sorte de um amor tranquilo, como diz o
poeta. Em relação aos outros, apenas
duas palavras: respeito e tolerância. E
assim cheguei aqui. Não tenho histórias
para contar sobre discriminação, nunca houve espaço na minha vida para
que terceiros me derrubassem. E quando o amor nasce duma forma tão
natural, tão verdadeira e simples, para quê complicar? Desdramatizar é
preciso. Só se vive uma vez e se a felicidade nos bater à porta, porquê deixá-
la fechada? Resolvi dar a cara por esta reportagem porque acho que há
muita gente com medo de ser feliz. Com medo da reacção dos outros, dos
julgamentos, da discriminação. A pergunta que lhes deixo é esta: vão adiar a
felicidade até quando? E em prol de quem? Acho que cada um deve seguir o
que sente, de cabeça erguida, sempre. O amor vence tudo. Boa sorte!»

Maquilhagem por Sérgio Alxeredo e Cabelos por Isabel Marques para


Manobras d’Arte (www.manobrasdarte.com); Produção: Margarida Machado

Solange: vestido - Miguel Vieira; sandálias - Aldo; brincos e pulseira -


Accessorize.; Sara Martinho: blusa - Nuno Baltazar; shorts - Isilda Pelicano;
sandálias - Aldo; anel - Accessorize; Raquel: camisa e calças - Pedro Del
Hierro; suspensórios - Francisco Biasa, ténis - Glória Ortiz, no El Corte Inglés;
Ana Pinheiro: tailler de calças - Marella, no El Corte Inglés; camisa -
Cortefiel; gravata - Boss; cinto - Francisco Biasa, no El Corte Inglés; ténis -
Aldo; Sofia Oliveira: sapatos - Aldo; pulseira - Accessorize;

Sílvia Jorge: tailler de calças e top - Marella, no El Corte Inglés; sandálias -


Hugo Boss

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