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Indústria Cultural & Cultura da Mídia: da Modernidade à Lógica Cultural Pós-

Moderna 1

Autora: Maraisa Bezerra Lessa2


Unesp/Araraquara
Grupo de Estudos e Pesquisas de Teoria Crítica: Tecnologia, Cultura e Formação

Co- autor: Renato Márcio Martins de Campos3


Professor e pesquisador
Centro Universitário de Araraquara – Uniara
Universidade de Ribeirão Preto – Unaerp

Resumo
Propõe-se discutir e atualizar o debate proposto pela Escola de Frankfurt acerca
da cultura de massa, de modo a demonstrar a pertinência do conceito de indústria
cultural para se pensar a lógica cultural contemporânea. Para tanto, faz-se um resgate
histórico em termos de teoria da comunicação de modo a demonstrar a
representatividade dessa discussão e a proximidade com os estudos sobre cultura da
mídia desenvolvidos na pós-modernidade.

Palavras-Chave: Teorias da Comunicação; Indústria Cultural; Cultura de


Massa; Cultura da Mídia.

1-Introdução

Tomando como ponto de partida os debates propostos por Walter Benjamin,


Theodor Adorno e Max Horkheimer; todos teóricos da Escola de Frankfurt; a respeito
da formação da cultura de massa sob um viés crítico e de cunho marxista.
Passando pela crítica desenvolvidaa estes teóricos, por Umberto Eco, em
Apocalípticos e Integrados; trabalho que demonstrou a pertinência da cultura de massa
em nosso cotidiano.

1
Trabalho apresentado ao NP01 – Teorias da Comunicação, do IV Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom.
2
Maraisa B. Lessa, cientista social e pesquisadora em nível de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da UNESP de Araraquara, membro da Comissão Editorial da Revista Cadernos de Campos e integrante do
Grupo de Estudos e Pesquisas de Teoria Crítica: Tecnologia, Cultura e Formação. mbelessa@uol.com.br.
3
Renato de Campos, Mestre em Comunicação e Mercado pela Faculdade Cásper Líbero. Docente e pesquisador do
Centro Universitário de Araraquara – UNIARA e da Universidade de Ribeirão Preto – Unaerp.
www.renatodecampos.com.br.
Utilizando a obra de Fredric Jameson como forma de situar a problemática da
pós-modernidade e do capitalismo tardio.
Propõe-se o resgate e atualização do conceito de indústria cultural sob um viés
multicultural apresentado por Douglas Kellner em seus estudos sobre a cultura da mídia.
Neste sentido, há um processo de adoção de um conceito originariamente
bipolar, em que se vislumbrava a luta de classes como meio a priori das conquistas
sociais, adaptando-o ao posicionamento multifacetário da sociedade pós-moderna, onde
a mídia tornou-se palco das discussões e posicionamentos sociais.

2- A Escola de Frankfurt: o avanço das técnicas de reprodução da arte e suas


implicações no mundo moderno

O avanço das técnicas de reprodução da arte, eclodido a partir da segunda


metade do século XIX, pode ser considerado um marco na história da humanidade, pois
acarretou mudanças significativas não só na esfera da arte como também em todos os
outros âmbitos da vida social. Dentre elas, a democratização do acesso à arte e à
produção artística.
Walter Benjamin foi o primeiro a apontar este fenômeno transitório pelo qual
passou a esfera da arte, analisando as possíveis implicações políticas e econômicas
resultantes do avanço das técnicas de reprodução na cultura do século XX. Para ele, a
obra de arte á era de sua reprodutibilidade técnica perdeu sua aura, seu caráter único,
autêntico e ritualístico de objeto de culto, para ganhar uma maior proximidade com as
massas, passando a ser valorizada enquanto realidade exibível e adquirindo funções
inteiramente novas, como um valor de uso político, possivelmente, revolucionário.
A arte tecnicamente reproduzida deixou de ser resultado de um momento
sublime de inspiração divina para tornar-se produto de um sistema de montagem
coletivo, acarretando num certo nivelamento entre o processo de produção cultural e o
trabalho industrial moderno. Dessa forma, a arte passou a se tornar produto industrial de
massa, reprodutível e serial.
Para Walter Benjamin, este processo representava indícios de superação da
cultura tradicional burguesa e a possibilidade de construção de uma cultura
revolucionária das massas em oposição ao fascismo e ao sistema exploratório
capitalista. À “estetização da política”, Benjamin prefere a “politização da arte”.

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A proletarização crescente do homem contemporâneo e a importância cada vez maior das
massas constituem dois aspectos do mesmo processo histórico. O fascismo queria organizar as
massas, sem mexer no regime de propriedade; o fascismo quer permitir-lhes que se exprimam,
porém conservando o regime. O resultado é que ele tende naturalmente a uma estetização da vida
política. A essa violência que se faz que se faz às massas, quando se lhes impõe o culto de um
chefe, corresponde a violência sofrida pela aparelhagem, quando a colocam a serviço dessa
religião. (...) Essa é a estetização da política, tal como a prática do fascismo. A resposta do
comunismo é politizar a arte. (BENJAMIN, 1986a: 33-34)

Assim, é possível evidenciar na análise benjaminiana acerca das técnicas de


reprodução da arte uma certa neutralidade técnica que, para alguns estudiosos, confere
ao autor aparente otimismo em relação às técnicas reprodutivas. No estudo que realizei
sobre o autor, pude perceber que Walter Benjamin analisa o caráter contraditório
presente nas técnicas de reprodução da arte, abordando dois aspectos igualmente
importantes inerentes a tal avanço: a técnica, enquanto instrumento didático contribuinte
para a emancipação humana e, por outro lado, a técnica, enquanto aparato ideológico
para a manutenção e reprodução do sistema capitalista.
Em sua publicação datada de 1931, A pequena história da fotografia, é possível
evidenciar com clareza estes dois aspectos presentes no autor:

Na fotografia, ser criativo significa acabar repassando a moda. “O mundo é belo” – eis aí
exatamente a sua divisa. Nela se desmascara a atitude de uma fotografia capaz de montar
qualquer lata de conservas no universo, mas não é capaz de captar uma só das situações humanas
em que ela aparece (...). Já que no entanto a verdadeira face dessa criatividade fotográfica é a
publicidade e a livre-associação, a sua legítima contrapartida é o desmascaramento e a
montagem. (...) Um dos méritos surrealistas é terem preparado caminho para a “construção”
fotográfica. Nesse confronto entre a fotografia criativa e construtiva, uma próxima etapa é o
cinema russo. Não é afirmar demais: as grandes realizações de seus diretores só foram possíveis
num país onde a fotografia não se volta para a excitação e o sugestionamento, mas para a
experimentação e o didatismo. (BENJAMIN, 1986b:239)

O amador que retorna para casa com inúmeras fotografias feitas por ele não está, de fato, menos
satisfeito, do que um caçador que volta de uma caçada com um monte de animais abatidos e que
só serão de valor para o comerciante. E realmente parece aproximar-se o dia em que haverá mais
periódicos ilustrados que do que locais para comerciar aves e animais. “Bater fotos” substituirá o
abater animais. (BENJAMIN, 1986b:236 )

Conforme é possível evidenciar, Walter Benjamin estava consciente da


possibilidade de emergência de um processo de massificação da cultura, bem como de
suas implicações políticas e ideológicas. Todavia, ao invés de desenvolver com
profundidade a crítica a cultura de massa, tentou formular teses combativas no âmbito

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da teoria da arte. Esta empreitada teve como ícone seu célebre ensaio, datado de 1935, A
obra de arte á era de sua reprodutibilidade técnica, onde o autor afirma textualmente:

Seria errôneo, em consequências, subestimar o valor combativo dessas teses que, aqui,
apresentamos. (...) O que distingue as concepções que empregamos aqui – e que são novidades
na teoria da arte – das noções em voga, é que elas não podem servir a qualquer projeto fascista.
São, em contrapartida, utilizáveis no sentido de formular as exigências revolucionárias dentro da
política da arte. (BENJAMIN, 1936a: 13).

Essa possibilidade revolucionária inerente às técnicas de reprodução da arte foi


fortemente refutada por Adorno, especialmente em O fetichismo da música e a
regressão da audição, onde o autor aponta a importância das técnicas de reprodução
como sustentáculo ideológico do sistema capitalista. Em 1946, com a publicação de
Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer aprofundaram esta tese apontando
os fundamentos da crítica à cultura de massa e à indústria cultural. Estes dois autores
foram os primeiros a cunhar o termo indústria cultural em substituição á cultura de
massa. Segundo eles, o termo cultura de massa poderia ser utilizado por defensores
dessa cultura para designar ilusoriamente uma cultura advinda espontaneamente das
massas e não revelar seu verdadeiro caráter que era a fabricação industrial para o
consumo de massas.
O conceito de indústria cultural designava sem dar margem para ambiguidades
um sistema organizado de cima para baixo destinado a produção e distribuição de
cultura para o consumo de massas. Porém, diferentemente das demais mercadorias, os
produtos culturais têm como peculiaridade o poder de influírem diretamente nas
consciências dos indivíduos, moldando-os de acordo com os interesses políticos e
econômicos vigentes.
A indústria cultural é formada por ramos ajustados constituindo um sistema que
atua agregando e modificando os bens culturais das culturas superior e popular trazendo
prejuízos para ambas. Neste processo, a chamada arte séria, pertencente a cultura
superior, perde todo seu potencial crítico e intelectual para tornar-se facilmente
assimilável pelas massas e a arte popular deixa de ser manifestação autêntica da cultura
do povo para adquirir elementos novos que a desprovi do aspecto rude e resistente que
caracteriza as manifestações originais.

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Os diversos ramos assemelham-se por sua estrutura, ou pelo menos ajustam-se uns aos outros.
Eles somam-se quase sem lacuna para constituir um sistema. Isso, graças tanto aos meios atuais
da técnica, quanto à concentração econômica e administrativa. A indústria cultura é a integração
deliberada, a partir do alto, de seus consumidores. Ela força a união dos domínios, separados há
milênios, da arte superior e da arte inferior. Com o prejuízo para ambos. A arte superior se vê
frustrada de sua seriedade pela especulação sobre o efeito; a inferior perde, através de sua
domesticação civilizadora, o elemento de natureza resistente e rude, que lhe era inerente
enquanto o controle social não era total. (ADORNO, 1971: 288)

Em A Televisão e os padrões da cultura de massa, Adorno tenta apontar


algumas características que a cultura superior e a cultura popular comungam e
diferenciam-se da cultura de massa. Para ele, a divisão entre alta cultura e cultura
popular resulta do desenvolvimento histórico. Desde os primórdios, verifica-se a
preocupação do artista com o impacto causado por sua obra no público. O problema é
que a preocupação com o público tornou-se central na modernidade, tomando formas
tão determinantes que a própria distinção entre arte autônoma e comercial se dá em
grande medida em virtude da comercialização. No mundo moderno muitas produções
culturais trazem a marca do anti-comercial como um recurso para atender as exigências
publicitárias do mercado.
Dessa forma, a produção de artigos culturais adquiriu proporções tão gigantescas
que acabou por bombardear os indivíduos, sem fornecer-lhes alternativas para escapar
do sistema. Os elementos latentes nas culturas popular e erudita são absorvidos,
transformados, enlatados e redistribuídos para a grande massa. Mas desta vez, mais
pobres de conteúdo, padronizando os gostos, os padrões e os comportamentos a serviço
da manutenção e reprodução do sistema capitalista.
Conforme afirmou Adorno em sua crítica a racionalidade capitalista
desenvolvida em Dialética do Esclarecimento, a indústria cultural é a razão
instrumental capitalista no universo da cultura. É a forma contemporânea de tutoria,
pois está relacionada a idéia de administração social. “As idéias de ordem que ela
inculca são sempre a do status quo. Elas são aceitas sem objeção, sem análise
renunciando à dialética, mesmo quando elas não pertencem substancialmente a nenhum
daqueles que estão sob sua influência”. (ADORNO, 1971: 293) Assim, por estar
diretamente em contato com as massas, produzindo distração e entretenimento, a
indústria cultural acaba impedindo a reflexão e a troca de experiências entre os homens,
mascarando o controle social e diminuindo a resistência. Conforme afirma Adorno,
“Através da ideologia da indústria cultural, o conformismo substitui a consciência”.
(ADORNO, 1971: 293)

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A indústria cultural dita as regras, produz conselhos conformistas e lança uma
variedade de modismos que acabam por contribuir para a manutenção da ordem social,
dificultar a percepção crítica e incentivar o consumo. Para tanto, conta com um
gigantesco aparato publicitário que além fazer propaganda de si mesma, utiliza-se da
psicanálise para aguçar os desejos libidinais dos indivíduos, tratando-os como uma
massa de consumidores-objetos desprovidos de individualidade, a não ser aquela forjada
pela ideologia da indústria cultural. Dessa forma, conforme afirma Adorno “o
consumidor não é rei, como a indústria gostaria de fazer crer, ele não é o sujeito dessa
indústria, mas seu objeto”. (ADORNO, 1971: 288)
Para aqueles que acreditam que a indústria cultural satisfaz os desejos do
público, Adorno argumenta que o público deseja aquilo que foi ensinado a gostar.
Conforme já afirmara Walter Benjamin, o avanço das técnicas de reprodução da arte
alterou substancialmente a percepção das massas no século XX, levando a chamada
decadência do gosto. Nessa linha, Adorno afirmou que no mundo moderno gostar
tornou-se o mesmo que reconhecer. Para ele, isto é facilmente observável no âmbito
musical. Não raras vezes, quando ouvida pela primeira vez a música fere os tímpanos do
ouvinte, desagradando-o. Todavia, quando a música é facilmente assimilável e ouvida
repetitivamente acaba adestrando a percepção auditiva do indivíduo, tornando-se grande
sucesso.
Segundo Adorno, os produtos culturais atingem todos os níveis de consciência
psicanalítica do indivíduo. Seus conteúdos veiculam não só uma mensagem explícita,
como também uma mensagem oculta a ser absorvida pelo inconsciente dos indivíduos.
Dessa forma, a indústria cultural difunde não só regras sociais e comportamentos como
também formas de conceber e analisar o mundo, pois “ela impede a formação de
indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e decidir conscientemente”
(ADORNO,1971:295), contribuindo para a manutenção do status quo e para a expansão
do consumo. Nesse sentido, Adorno expressa uma frase célebre: “dependência e
servidão dos homens, objetivo único da indústria cultural” (ADORNO, 971:294).

3 - Umberto Eco: a crítica aos críticos

Por volta de 1979, o italiano Umberto Eco uniu alguns de seus ensaios acerca da
problemática da cultura de massa para compor Apocalípticos e Integrados, onde tenta
abordar imparcialmente aspectos negativos e positivos da cultura de massa. Contudo, o

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aspecto de Apocalípticos e Integrados que mais interessa nesta discussão é a crítica que
o autor realiza aos frankfurtianos, os quais chama de apocalípticos. Para tanto, parte do
pressuposto de que estes consideram a cultura como algo aristocrático e que, portanto
pensá-la compartilhada por todos seria um contra-senso. Nesse ataque á cultura de
massa, Eco apresenta ainda a defesa dos chamados integrados, segundo os quais
estaríamos vivendo numa época de democratização do acesso aos bens culturais e livre
circulação da arte popular.
Conforme sugere Eco, apocalípticos e integrados constituem duas faces de uma
mesma moeda, visto que a produção intelectual dos apocalípticos constitui o produto
mais sofisticado oferecido ao consumo das massas. Para o autor, “Apocalípticos e
Integrados não sugeriria a oposição entre duas atitudes, mas a predicação de adjetivos
complementares, adaptáveis a esses mesmos produtores de uma crítica popular da
cultura popular” (ECO, 1993:9) Ou seja, a crítica também é mercadoria. Conforme já
lembrara Adorno com relação à arte, “muitos produtos culturais que trazem a marca de
fábrica do anticomercial (...) exibem traços de comercialismo em seu recurso ao
sensacional”. (ADORNO, 1973:546)
Para Eco, os apocalípticos consolam os leitores fazendo-os acreditar que por
terem consciência crítica a respeito da indústria cultural não fazem parte da massa. No
entanto, se esquecem que vivem imersos no universo dos meios de comunicação de
massa e que precisam desses meios até mesmo para veicular suas críticas ao sistema.
Nas palavras de Eco:

O universo das comunicações de massa é o nosso universo (...) Ninguém foge a essas condições,
nem mesmo o virtuoso, que, indignado com a natureza inumana desse universo da informação,
transmite o seu protesto, através dos canais de comunicação de massa, pelas colunas do grande
diário, ou nas páginas do volume em paperback , impresso em linotipo e difundido nos quiosques
das estações. (ECO, 1993: 11)

A crítica de Umberto Eco aos críticos da cultura de massa é bastante pertinente


para se pensar essa sociedade marcada pela preponderância dos meios de comunicação
de massa na sociedade. Entretanto, conforme já alertaram os frankfurtianos, a crítica
nem sempre desempenha a função de suscitar ruptura, mas ao contrário, na maioria dos
casos tem o intuito de abastecer o sistema ao invés de modificá-lo. A indústria cultural
capta todas as fatias de público procurando, ao menos na aparência, atender as suas
expectativas. Dessa forma, o público não percebe que na realidade é ele quem está
satisfazendo as exigências da indústria e do mercado.

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4 - Fredric Jameson: a pós-modernidade

Segundo Fredric Jameson, esta crítica a cultura de massa desenvolvida na


modernidade é fundamental para se pensar esse momento muito peculiar de nossa
história, marcado pela emergência da cultura de massa como a principal forma de
produção cultural a se impor à sociedade: é a chamada pós-modernidade. Esta nova
época histórica nasceu no final da década de 1940 e início dos anos de 1950 a partir do
crescimento econômico dos Estados Unidos no pós-guerra. Está relacionada, portanto, a
fase pelo qual passa o capitalismo, caracterizada pela preponderância dos meios de
comunicação de massa e pela hegemonia cultural dos Estados Unidos no restante do
globo.
Enquanto a arte moderna insurgia contra os valores burgueses com o intuito de
subverter a ordem social, a arte pós-moderna insurge contra a arte moderna como uma
tentativa de reiterar os valores capitalistas de consumo, rompendo com a antiga
distinção entre cultura erudita e cultura popular ou de massa. Nesse sentido, os grandes
artistas da modernidade insurgiam contra a cultura de massa em prol de uma cultura
erudita e os artistas pós-modernos rompem com a distinção entre cultura de massa e
cultura erudita, inserindo qualquer forma de arte na lógica do capital e do consumo até
mesmo aquelas canonizadas pelo conteúdo subversivo na modernidade. Atualmente o
que se tem de mais subversivo é o “punk rock” que, ao invés de romper com o sistema,
são comercializados, abastecendo-o. Nas palavras de Jameson:

As formas mais agressivas de arte – punk rock, digamos, ou o chamado material sexual explicito
– são consumidas com voracidade pela sociedade e comercializadas com êxito, ao contrário das
produções da anterior modernidade. O que significa que, mesmo que a arte contemporânea ainda
apresente os mesmos traços formais do antigo modernismo, a sua posição dentro de nossa cultura
está basicamente alterada. Por um lado, a produção de mercadorias (...) está agora intimamente
associada às mudanças de styling que decorreram da experimentação artística (...) Por outro lado,
os clássicos da modernidade anterior são agora parte do assim chamado cânon, e são assinados
em escolas e universidades – o que, por sua vez, os esvazia de todo seu velho potencial
subversivo” (JAMESON: 1985: 26)

Outro aspecto fundamental que diferencia a pós-modernidade de sua antecessora


se refere à questão da identidade e do sujeito. Enquanto a modernidade estava ligada à
invenção de um estilo pessoal, na pós-modernidade prevalecem fortes indícios de que
esse tipo de individualidade está morto. E, por conseguinte os artistas pós-modernos não

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possuem uma identidade pessoal e nem mecanismos para expressá-la. Nesse contexto
não há mais o que inventar, pois todos os estilos estéticos já foram criados.
Para Jameson o principal traço da produção cultural na pós-modernidade é o
pastiche. O autor ressalta a importância de não se confundir pastiche e paródia. Embora
ambos envolvam a imitação de outros estilos, a paródia tem como peculiaridade o
intuito de ridicularizar a natureza privada desses estilos. Ao contrário do pastiche, que é
esvaziado de conteúdo crítico. O pastiche ocorre no interior da cultura de massa. Como
exemplo, Jameson cita os “filmes de nostalgia” que buscam resgatar as sensações e as
particularidades do passado, recriando cenários antigos e estereótipos construídos no
interior da mente e não mais tendo o mundo real como referência.
Assim sendo, é possível afirmar que todos os traços apontados na pós-
modernidade já estavam presentes na modernidade. Esse processo de transição, embora
desprovido de mudanças completas de conteúdo, acarretou numa reestruturação dos
modelos existentes: traços que apareciam em segundo plano são hoje os mais
importantes e traços que apareciam como predominantes passaram para o segundo
plano. Nesse sentido, pode-se perceber que os prognósticos frankfurtianos acerca da
produção cultural na sociedade moderna podem ser utilizados também para se analisar a
lógica da cultura pós-moderna. No entanto, é preciso atentar para não trair o próprio
projeto filosófico frankfurtiano, segundo o qual o pesquisador deve estar embebido por
uma reflexão constante no espírito, pois esta é fundamental para se pensar os momentos
históricos em suas peculiaridades. Caso contrário, corre-se o risco de dogmatizar o
pensamento teórico e a cultura.

5 – A Cultura da Mídia: Aplicação do Conceito de Indústria Cultural na Pós-


Modernidade

Um dos questionamentos básicos para a produção teórica em comunicação seria


como traçar um viés crítico às produções midiáticas na pós-modernidade sem incorrer
em um posicionamento polarizado como a dos frankfurtianos em relação à indústria
cultural. Faz-se necessário, então, perceber como um conceito advindo de uma escola de
tradição marxista, faz-se tão presente em nossa realidade impregnada pelas regras de
mercado.
Para Douglas Kellner, as novas tecnologias midiáticas proporcionam ao mesmo
tempo: diversidade de escolha e novas formas de controle coercitivo. Nesta afirmativa

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já explicita o caráter mediador de forças dos meios de comunicação de massa, os quais,
para o autor são geradores de coerção ideológica apenas pela sua ocorrência:

Na verdade, sua simples existência já cria a possibilidade de minar as energias


políticas e de manter as pessoas bem guardadas dentro dos confins de seus
centros de entretenimento doméstico, distante do tumulto das multidões e dos
locais de ação política de massa (KELLNER, 2001, p.26).

A cultura da mídia produzida e direcionada às massas é, portanto, fruto de uma


indústria cultural estabelecida através de grandes conglomerados de comunicação e
formatada através de suportes tecnológicos cada vez mais sofisticados.
Entretanto, Kellner chama atenção para este fator multifacetário, não se pode se
restringir ao antigo discurso entre direita e esquerda. Socialismo e capitalismo não mais
embatem entre si na disputa política e ideológica. Ao contrário, percebe-se uma
incorporação dos discursos progressistas e conservadores no cenário midiático. Os
meios de comunicação de massa passam a ser o palco de discussões e tendências
sociais, produz-se à socialização, rivaliza-se com outras instituições sociais tradicionais
deste cenário, mas também se produzem questionamentos.
Enquanto a cultura da mídia, em grande parte, promove os interesses das classes
que possuem e controlam os grandes conglomerados dos meios de
comunicação, seus produtos também participam dos conflitos sociais entre
grupos concorrentes e veiculam posições conflitantes, promovendo, às vezes,
forças de resistência e progresso. Conseqüentemente, a cultura veiculada pela
mídia não pode ser simplesmente rejeitada como um instrumento banal da
ideologia dominante, mas deve ser interpretada e contextualizada de modos
diferentes dentro da matriz dos discursos e das forças sociais concorrentes que a
constituem (KELLNER, 2001, p. 27).

6- Considerações Finais

Pensar as implicações da cultura de massas no limiar do século XXI é se


defrontar com uma das questões de maior amplitude social da atualidade, visto que
abrangem concomitantemente às instâncias psicológicas do indivíduo e as esferas
econômicas, políticas e culturais da sociedade.
O prognóstico benjaminiano de que o lento desenvolvimento da superestrutura
adquiriria proporção ao ponto que levaria até mesmo a influenciar no próprio
andamento da infra-estrutura parece ter encontrado seu ápice nos dias atuais. Conforme
afirma Jameson, na chamada pós-modernidade cultura e economia encontram-se ainda
mais justapostas que outrora. Os avanços técnicos são fundamentais para o

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desenvolvimento cultural e econômico. Nesse sentido, o pensamento frankfurtiano de
que com o avanço das técnicas de reprodução da arte, não só a economia passou a
interferir na cultura como também a cultura passou a influenciar no desenvolvimento
econômico faz-se ainda mais atual na sociedade contemporânea.
O próprio Adorno se estivesse vivo reveria muito de seus conceitos ao se propor
realizar uma crítica imanente. Os autores frankfurtianos viveram um momento muito
peculiar de nossa história, marcado pela emergência dos meios de comunicação de
massa a se impor à sociedade como substituição aos valores da alta cultura. Esses
autores, em especial Adorno e Horkheimer souberam apontar com clareza as
implicações políticas e ideológicas decorrentes deste processo.
Fato é, que essas mudanças se consumaram de forma irreversível. Umberto Eco
tinha razão: vivemos submersos no universo dos meios de comunicação de massa em tal
profundidade que até mesmo para a crítica não há como escapar deles. Parece que a
indústria cultural ao mesmo tempo em que banaliza e elimina aspectos genuínos
contidos nas culturas tradicional e popular, tornou-se não raras vezes condição a priori
para a produção e democratização do acesso à cultura na sociedade contemporânea.
O mundo não mais se divide entre capitalistas e comunistas. Ao contrário, está
marcado pela emergência de movimentos sociais que se utilizam dos meios de
comunicação de massa para realizarem um verdadeiro duelo ideológico nas telas. Para
alcançar altos índices de público esses novos meios incorporam as diversas visões de
mundo, constituindo o que Douglas Kellner chamou de cultura da mídia.
Nesse contexto, se coloca uma nova questão: que tipo de cultura produz os
meios de comunicação de massa em nossos tempos? Certamente não será aquela
valorizada por Adorno. Ao contrário. É uma cultura adequada aos padrões de consumo
capitalista. A indústria cultural forja identidades, lança modismos e concepções de
mundo contribuindo para a expansão do sistema capitalista e dando sustentáculo para a
propagação da ideologia dos Estados Unidos.
Conforme afirma Jameson, trata-se de uma nova cultura, típica desta nova fase
do capitalismo. Pensar a cultura somente como pensava os frankfurtianos é restringir o
olhar para traz e desconsiderar as mudanças, avanços e retrocessos de nossos tempos. É
petrificar a história e dogmatizar a cultura. Entretanto, não se aproveitar de suas
contribuições é cegar-se, abstendo-se de compreender a lógica cultural do capitalismo
tardio.

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É neste cenário que os estudos sobre a cultura da mídia propõe uma
possibilidade de crítica ao processo de socialização via comunicação de massa e um
espaço de discussão e posicionamento social representado pelo palco midiático. Dessa
forma, uma visão múltipla de todas as forças que compõem o cenário global em termos
de lutas e participações sociais – os movimentos de minorias étnicas; o feminismo; a
luta entre liberais e conservadores – obtém espaço no campo da cultura da mídia.
Na pós-modernidade a cultura da mídia abre espaço para uma discussão
multicultural e multiperspectívica da realidade, o que torna os estudos teóricos em
comunicação mais abertos aos próprios produtos culturais decorrentes da cultura de
massa.

7-Referências Bibliográficas

ADORNO, Theodor. A indústria cultural. In: COHN, G. Comunicação e


Indústria Cultural. São Paulo: Edusp, 1971.

ADORNO, Theodor. HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento.


Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

ADORNO, Theodor. O fetichismo da música e a regressão da audição. In: Os


Pensadores. São Paulo: Abril, 1975.

ADORNO, Theodor. A Televisão e os padrões da cultura de massa. In:


Cultura de massa. São Paulo: Cultrix, 1973.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica.


In: Benjamin, Walter. Obras Escolhidas I: magia e técnica, arte e política.
São Paulo: Brasiliense, 1986.

BENJAMIN, Walter. A pequena história da fotografia. In: Benjamin,


Walter. Obras Escolhidas I: magia e técnica, arte e política. São Paulo:
Brasiliense, 1986.

ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 1993.

JAMESON, Fredric. Pós-modernidade e sociedade de consumo. In: Novos


Estudos Cebrap, No 12, jun. 1985.

JAMESON, Fredric. A Cultura do dinheiro: ensaios sobre a globalização.


Petrópolis: Vozes, 2001.

KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru, SP: Edusc, 2001.

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