Professional Documents
Culture Documents
Moderna 1
Resumo
Propõe-se discutir e atualizar o debate proposto pela Escola de Frankfurt acerca
da cultura de massa, de modo a demonstrar a pertinência do conceito de indústria
cultural para se pensar a lógica cultural contemporânea. Para tanto, faz-se um resgate
histórico em termos de teoria da comunicação de modo a demonstrar a
representatividade dessa discussão e a proximidade com os estudos sobre cultura da
mídia desenvolvidos na pós-modernidade.
1-Introdução
1
Trabalho apresentado ao NP01 – Teorias da Comunicação, do IV Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom.
2
Maraisa B. Lessa, cientista social e pesquisadora em nível de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da UNESP de Araraquara, membro da Comissão Editorial da Revista Cadernos de Campos e integrante do
Grupo de Estudos e Pesquisas de Teoria Crítica: Tecnologia, Cultura e Formação. mbelessa@uol.com.br.
3
Renato de Campos, Mestre em Comunicação e Mercado pela Faculdade Cásper Líbero. Docente e pesquisador do
Centro Universitário de Araraquara – UNIARA e da Universidade de Ribeirão Preto – Unaerp.
www.renatodecampos.com.br.
Utilizando a obra de Fredric Jameson como forma de situar a problemática da
pós-modernidade e do capitalismo tardio.
Propõe-se o resgate e atualização do conceito de indústria cultural sob um viés
multicultural apresentado por Douglas Kellner em seus estudos sobre a cultura da mídia.
Neste sentido, há um processo de adoção de um conceito originariamente
bipolar, em que se vislumbrava a luta de classes como meio a priori das conquistas
sociais, adaptando-o ao posicionamento multifacetário da sociedade pós-moderna, onde
a mídia tornou-se palco das discussões e posicionamentos sociais.
2
A proletarização crescente do homem contemporâneo e a importância cada vez maior das
massas constituem dois aspectos do mesmo processo histórico. O fascismo queria organizar as
massas, sem mexer no regime de propriedade; o fascismo quer permitir-lhes que se exprimam,
porém conservando o regime. O resultado é que ele tende naturalmente a uma estetização da vida
política. A essa violência que se faz que se faz às massas, quando se lhes impõe o culto de um
chefe, corresponde a violência sofrida pela aparelhagem, quando a colocam a serviço dessa
religião. (...) Essa é a estetização da política, tal como a prática do fascismo. A resposta do
comunismo é politizar a arte. (BENJAMIN, 1986a: 33-34)
Na fotografia, ser criativo significa acabar repassando a moda. “O mundo é belo” – eis aí
exatamente a sua divisa. Nela se desmascara a atitude de uma fotografia capaz de montar
qualquer lata de conservas no universo, mas não é capaz de captar uma só das situações humanas
em que ela aparece (...). Já que no entanto a verdadeira face dessa criatividade fotográfica é a
publicidade e a livre-associação, a sua legítima contrapartida é o desmascaramento e a
montagem. (...) Um dos méritos surrealistas é terem preparado caminho para a “construção”
fotográfica. Nesse confronto entre a fotografia criativa e construtiva, uma próxima etapa é o
cinema russo. Não é afirmar demais: as grandes realizações de seus diretores só foram possíveis
num país onde a fotografia não se volta para a excitação e o sugestionamento, mas para a
experimentação e o didatismo. (BENJAMIN, 1986b:239)
O amador que retorna para casa com inúmeras fotografias feitas por ele não está, de fato, menos
satisfeito, do que um caçador que volta de uma caçada com um monte de animais abatidos e que
só serão de valor para o comerciante. E realmente parece aproximar-se o dia em que haverá mais
periódicos ilustrados que do que locais para comerciar aves e animais. “Bater fotos” substituirá o
abater animais. (BENJAMIN, 1986b:236 )
3
da teoria da arte. Esta empreitada teve como ícone seu célebre ensaio, datado de 1935, A
obra de arte á era de sua reprodutibilidade técnica, onde o autor afirma textualmente:
Seria errôneo, em consequências, subestimar o valor combativo dessas teses que, aqui,
apresentamos. (...) O que distingue as concepções que empregamos aqui – e que são novidades
na teoria da arte – das noções em voga, é que elas não podem servir a qualquer projeto fascista.
São, em contrapartida, utilizáveis no sentido de formular as exigências revolucionárias dentro da
política da arte. (BENJAMIN, 1936a: 13).
4
Os diversos ramos assemelham-se por sua estrutura, ou pelo menos ajustam-se uns aos outros.
Eles somam-se quase sem lacuna para constituir um sistema. Isso, graças tanto aos meios atuais
da técnica, quanto à concentração econômica e administrativa. A indústria cultura é a integração
deliberada, a partir do alto, de seus consumidores. Ela força a união dos domínios, separados há
milênios, da arte superior e da arte inferior. Com o prejuízo para ambos. A arte superior se vê
frustrada de sua seriedade pela especulação sobre o efeito; a inferior perde, através de sua
domesticação civilizadora, o elemento de natureza resistente e rude, que lhe era inerente
enquanto o controle social não era total. (ADORNO, 1971: 288)
5
A indústria cultural dita as regras, produz conselhos conformistas e lança uma
variedade de modismos que acabam por contribuir para a manutenção da ordem social,
dificultar a percepção crítica e incentivar o consumo. Para tanto, conta com um
gigantesco aparato publicitário que além fazer propaganda de si mesma, utiliza-se da
psicanálise para aguçar os desejos libidinais dos indivíduos, tratando-os como uma
massa de consumidores-objetos desprovidos de individualidade, a não ser aquela forjada
pela ideologia da indústria cultural. Dessa forma, conforme afirma Adorno “o
consumidor não é rei, como a indústria gostaria de fazer crer, ele não é o sujeito dessa
indústria, mas seu objeto”. (ADORNO, 1971: 288)
Para aqueles que acreditam que a indústria cultural satisfaz os desejos do
público, Adorno argumenta que o público deseja aquilo que foi ensinado a gostar.
Conforme já afirmara Walter Benjamin, o avanço das técnicas de reprodução da arte
alterou substancialmente a percepção das massas no século XX, levando a chamada
decadência do gosto. Nessa linha, Adorno afirmou que no mundo moderno gostar
tornou-se o mesmo que reconhecer. Para ele, isto é facilmente observável no âmbito
musical. Não raras vezes, quando ouvida pela primeira vez a música fere os tímpanos do
ouvinte, desagradando-o. Todavia, quando a música é facilmente assimilável e ouvida
repetitivamente acaba adestrando a percepção auditiva do indivíduo, tornando-se grande
sucesso.
Segundo Adorno, os produtos culturais atingem todos os níveis de consciência
psicanalítica do indivíduo. Seus conteúdos veiculam não só uma mensagem explícita,
como também uma mensagem oculta a ser absorvida pelo inconsciente dos indivíduos.
Dessa forma, a indústria cultural difunde não só regras sociais e comportamentos como
também formas de conceber e analisar o mundo, pois “ela impede a formação de
indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e decidir conscientemente”
(ADORNO,1971:295), contribuindo para a manutenção do status quo e para a expansão
do consumo. Nesse sentido, Adorno expressa uma frase célebre: “dependência e
servidão dos homens, objetivo único da indústria cultural” (ADORNO, 971:294).
Por volta de 1979, o italiano Umberto Eco uniu alguns de seus ensaios acerca da
problemática da cultura de massa para compor Apocalípticos e Integrados, onde tenta
abordar imparcialmente aspectos negativos e positivos da cultura de massa. Contudo, o
6
aspecto de Apocalípticos e Integrados que mais interessa nesta discussão é a crítica que
o autor realiza aos frankfurtianos, os quais chama de apocalípticos. Para tanto, parte do
pressuposto de que estes consideram a cultura como algo aristocrático e que, portanto
pensá-la compartilhada por todos seria um contra-senso. Nesse ataque á cultura de
massa, Eco apresenta ainda a defesa dos chamados integrados, segundo os quais
estaríamos vivendo numa época de democratização do acesso aos bens culturais e livre
circulação da arte popular.
Conforme sugere Eco, apocalípticos e integrados constituem duas faces de uma
mesma moeda, visto que a produção intelectual dos apocalípticos constitui o produto
mais sofisticado oferecido ao consumo das massas. Para o autor, “Apocalípticos e
Integrados não sugeriria a oposição entre duas atitudes, mas a predicação de adjetivos
complementares, adaptáveis a esses mesmos produtores de uma crítica popular da
cultura popular” (ECO, 1993:9) Ou seja, a crítica também é mercadoria. Conforme já
lembrara Adorno com relação à arte, “muitos produtos culturais que trazem a marca de
fábrica do anticomercial (...) exibem traços de comercialismo em seu recurso ao
sensacional”. (ADORNO, 1973:546)
Para Eco, os apocalípticos consolam os leitores fazendo-os acreditar que por
terem consciência crítica a respeito da indústria cultural não fazem parte da massa. No
entanto, se esquecem que vivem imersos no universo dos meios de comunicação de
massa e que precisam desses meios até mesmo para veicular suas críticas ao sistema.
Nas palavras de Eco:
O universo das comunicações de massa é o nosso universo (...) Ninguém foge a essas condições,
nem mesmo o virtuoso, que, indignado com a natureza inumana desse universo da informação,
transmite o seu protesto, através dos canais de comunicação de massa, pelas colunas do grande
diário, ou nas páginas do volume em paperback , impresso em linotipo e difundido nos quiosques
das estações. (ECO, 1993: 11)
7
4 - Fredric Jameson: a pós-modernidade
As formas mais agressivas de arte – punk rock, digamos, ou o chamado material sexual explicito
– são consumidas com voracidade pela sociedade e comercializadas com êxito, ao contrário das
produções da anterior modernidade. O que significa que, mesmo que a arte contemporânea ainda
apresente os mesmos traços formais do antigo modernismo, a sua posição dentro de nossa cultura
está basicamente alterada. Por um lado, a produção de mercadorias (...) está agora intimamente
associada às mudanças de styling que decorreram da experimentação artística (...) Por outro lado,
os clássicos da modernidade anterior são agora parte do assim chamado cânon, e são assinados
em escolas e universidades – o que, por sua vez, os esvazia de todo seu velho potencial
subversivo” (JAMESON: 1985: 26)
8
possuem uma identidade pessoal e nem mecanismos para expressá-la. Nesse contexto
não há mais o que inventar, pois todos os estilos estéticos já foram criados.
Para Jameson o principal traço da produção cultural na pós-modernidade é o
pastiche. O autor ressalta a importância de não se confundir pastiche e paródia. Embora
ambos envolvam a imitação de outros estilos, a paródia tem como peculiaridade o
intuito de ridicularizar a natureza privada desses estilos. Ao contrário do pastiche, que é
esvaziado de conteúdo crítico. O pastiche ocorre no interior da cultura de massa. Como
exemplo, Jameson cita os “filmes de nostalgia” que buscam resgatar as sensações e as
particularidades do passado, recriando cenários antigos e estereótipos construídos no
interior da mente e não mais tendo o mundo real como referência.
Assim sendo, é possível afirmar que todos os traços apontados na pós-
modernidade já estavam presentes na modernidade. Esse processo de transição, embora
desprovido de mudanças completas de conteúdo, acarretou numa reestruturação dos
modelos existentes: traços que apareciam em segundo plano são hoje os mais
importantes e traços que apareciam como predominantes passaram para o segundo
plano. Nesse sentido, pode-se perceber que os prognósticos frankfurtianos acerca da
produção cultural na sociedade moderna podem ser utilizados também para se analisar a
lógica da cultura pós-moderna. No entanto, é preciso atentar para não trair o próprio
projeto filosófico frankfurtiano, segundo o qual o pesquisador deve estar embebido por
uma reflexão constante no espírito, pois esta é fundamental para se pensar os momentos
históricos em suas peculiaridades. Caso contrário, corre-se o risco de dogmatizar o
pensamento teórico e a cultura.
9
já explicita o caráter mediador de forças dos meios de comunicação de massa, os quais,
para o autor são geradores de coerção ideológica apenas pela sua ocorrência:
6- Considerações Finais
10
desenvolvimento cultural e econômico. Nesse sentido, o pensamento frankfurtiano de
que com o avanço das técnicas de reprodução da arte, não só a economia passou a
interferir na cultura como também a cultura passou a influenciar no desenvolvimento
econômico faz-se ainda mais atual na sociedade contemporânea.
O próprio Adorno se estivesse vivo reveria muito de seus conceitos ao se propor
realizar uma crítica imanente. Os autores frankfurtianos viveram um momento muito
peculiar de nossa história, marcado pela emergência dos meios de comunicação de
massa a se impor à sociedade como substituição aos valores da alta cultura. Esses
autores, em especial Adorno e Horkheimer souberam apontar com clareza as
implicações políticas e ideológicas decorrentes deste processo.
Fato é, que essas mudanças se consumaram de forma irreversível. Umberto Eco
tinha razão: vivemos submersos no universo dos meios de comunicação de massa em tal
profundidade que até mesmo para a crítica não há como escapar deles. Parece que a
indústria cultural ao mesmo tempo em que banaliza e elimina aspectos genuínos
contidos nas culturas tradicional e popular, tornou-se não raras vezes condição a priori
para a produção e democratização do acesso à cultura na sociedade contemporânea.
O mundo não mais se divide entre capitalistas e comunistas. Ao contrário, está
marcado pela emergência de movimentos sociais que se utilizam dos meios de
comunicação de massa para realizarem um verdadeiro duelo ideológico nas telas. Para
alcançar altos índices de público esses novos meios incorporam as diversas visões de
mundo, constituindo o que Douglas Kellner chamou de cultura da mídia.
Nesse contexto, se coloca uma nova questão: que tipo de cultura produz os
meios de comunicação de massa em nossos tempos? Certamente não será aquela
valorizada por Adorno. Ao contrário. É uma cultura adequada aos padrões de consumo
capitalista. A indústria cultural forja identidades, lança modismos e concepções de
mundo contribuindo para a expansão do sistema capitalista e dando sustentáculo para a
propagação da ideologia dos Estados Unidos.
Conforme afirma Jameson, trata-se de uma nova cultura, típica desta nova fase
do capitalismo. Pensar a cultura somente como pensava os frankfurtianos é restringir o
olhar para traz e desconsiderar as mudanças, avanços e retrocessos de nossos tempos. É
petrificar a história e dogmatizar a cultura. Entretanto, não se aproveitar de suas
contribuições é cegar-se, abstendo-se de compreender a lógica cultural do capitalismo
tardio.
11
É neste cenário que os estudos sobre a cultura da mídia propõe uma
possibilidade de crítica ao processo de socialização via comunicação de massa e um
espaço de discussão e posicionamento social representado pelo palco midiático. Dessa
forma, uma visão múltipla de todas as forças que compõem o cenário global em termos
de lutas e participações sociais – os movimentos de minorias étnicas; o feminismo; a
luta entre liberais e conservadores – obtém espaço no campo da cultura da mídia.
Na pós-modernidade a cultura da mídia abre espaço para uma discussão
multicultural e multiperspectívica da realidade, o que torna os estudos teóricos em
comunicação mais abertos aos próprios produtos culturais decorrentes da cultura de
massa.
7-Referências Bibliográficas
12